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DIREITO PENAL I

Patrícia Fernandes Fraga


Das fontes, da
interpretação e dos
princípios de legalidade e
anterioridade da lei penal
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Descrever as fontes do Direito Penal.


„„ Explicar a interpretação e a integração das leis penais.
„„ Reconhecer a importância do estudo acerca da legalidade e da an-
terioridade aplicada ao Direito Penal.

Introdução

Para um estudo adequado do Direito Penal, é importante conhecer a ori-


gem das normas penais, não apenas para obter conhecimentos técnicos,
mas, principalmente, para compreender os limites do Estado na criação
normativa penal e na punição dos indivíduos. Além disso, para saber quais
instrumentos o julgador pode lançar mão para a concretização das leis
penais, há que se examinar como operam os instrumentos de interpre-
tação e integração das normas que tipificam crimes no ordenamento
jurídico brasileiro. Completando o estudo dessa temática, o princípio da
legalidade, considerado em sentido amplo, traz as noções de reserva
legal e de anterioridade da lei, apresentando um panorama geral sobre
os institutos mais relevantes do Direito Penal brasileiro.
Neste capítulo, você vai estudar as fontes, a interpretação e a integra-
ção da lei penal, bem como os princípios da legalidade e da anterioridade
da lei penal.
2 Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal

Das fontes do Direito Penal


Segundo o dicionário jurídico, fonte é o texto em que se fundamenta o
Direito e os elementos subsidiários que lhe possam formular ou lhe escla-
recer (SILVA, 1998). As leis são as fontes principais do Direito, enquanto
a jurisprudência, a doutrina, os costumes e o direito comparado seriam
fontes subsidiárias.
No que concerne ao Direito Penal, Capez (2010) explica que fonte é o lugar
de onde o direito provém e que as fontes do Direito Penal podem ser de duas
espécies: fonte material ou fonte formal.

1. Fonte material, também chamada de fonte de produção ou fonte subs-


tancial, remete ao órgão incumbido de produzir a lei penal. No Brasil,
incumbe à União a elaboração da lei penal (art. 22, I, da Constituição
Federal: “Compete privativamente à União legislar sobre: I — direito
civil, comercial, penal, processual, [...]”).
2. Fonte formal, também chamada de fonte de cognição ou de conheci-
mento, diz respeito ao modo pelo qual o Direito Penal se exterioriza.
Subdivide-se em fonte imediata e fonte mediata. A fonte imediata
é a lei.

Antes de adentrarmos nas características e na classificação da lei penal, é


importante tecer alguns comentários acerca da técnica legislativa penal. Jesus
(2017) explica que a norma penal pode ser entendida, em sentido amplo, como
a que define fato punível, impondo sanção, assim como a que amplia o sistema
penal por meio de princípios gerais e disposições sobre a ampliação e os limites
das normas incriminadoras; e, em sentido estrito, como o dispositivo legal que
descreve conduta ilícita e comina abstratamente sanção. Sendo assim, norma e
lei penal, em sentido estrito, podem ser consideradas expressões equivalentes.
A norma ou lei penal pode ser descrita como uma disposição impessoal,
genérica e abstrata, imposta coativamente, emanada do Poder Legislativo
e que deve ser respeitada por todos, segundo Colnago (2010). O Quadro 1
apresenta as características da lei penal.
Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal 3

Quadro 1. Características da lei penal

Exclusividade Somente a lei penal pode dispor sobre as infrações e as


sanções correspondentes.

Anterioridade Só incidirá sobre a conduta se já estava em vigor na data do


fato delituoso – dirige-se a fatos futuros.

Imperatividade É autoritária, pois o seu acatamento é obrigatório –


impõe-se coativamente a todos.

Generalidade Tem eficácia contra todos (erga omnes); dirige-se a todos,


inclusive aos inimputáveis.

Impessoalidade Não se dirige a pessoa determinada, mas a qualquer um


que viole os valores protegidos pela norma penal.

Abstratividade Não se aplica a um caso concreto específico, mas a toda e


qualquer situação que preencher os preceitos normativos
penais.

Fonte: Adaptado de Capez (2010, p. 49), Colnago (2010, p.13) e Jesus (2017, p. 60-63).

No que tange à classificação, a norma penal pode ser incriminadora ou não


incriminadora. A norma penal incriminadora descreve as condutas proibidas,
assim como comina sanção. A estrutura dessa norma se divide em preceito
primário, que corresponde à conduta tipificada na norma (p. ex., art. 121 do
Código Penal: “Matar alguém”), e em preceito secundário, que corresponde
à sanção tipificada na norma (“Pena — reclusão, de seis a vinte anos”). Na
Figura 1, você poderá compreender mais claramente a composição da lei penal
incriminadora, na qual o preceito primário descreve a conduta e o secundário,
a sanção correspondente.

Figura 1. Composição da lei penal.


4 Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal

Já a norma penal não incriminadora não descreverá crimes, nem cominará


sanções. Quando permissiva ou justificadora, em vez de descrever o fato
delituoso, disporá sobre as hipóteses em que determinadas condutas podem
ser praticadas, como afirma Capez (2010). Por exemplo, as causas de exclusão
de ilicitude do art. 23, do CP:

Art. 23 — Não há crime quando o agente pratica o fato:


I — em estado de necessidade;
II — em legítima defesa;
III — em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito
(BRASIL, 1940, documento on-line).

Ainda segundo Capez (2010), quando a norma penal não incriminadora for
classificada como final, complementar ou explicativa, esclarecerá o conteúdo
e delimitará o âmbito de aplicação de outras normas. Por exemplo, o art. 1º
do CP, que descreve a anterioridade da lei penal:

Art. 1º — Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal (BRASIL, 1940, documento on-line).

É oportuno também saber o que vem a ser a norma penal em branco.


Veja o box Fique atento.

O que se entende por norma penal em branco?


A norma penal em branco (ou norma primariamente remetida) é a norma penal cujo
conteúdo se encontra indeterminado e precisará ser preenchido por outro dispositivo legal
ou regulamentar, como explica Capez (2010). Nessa norma, o preceito secundário — que
é a cominação da sanção — está completo, mas seu preceito primário ainda necessita ser
complementado. Por exemplo, a Lei Antidrogas – Lei nº. 11.343, de 23 de agosto de 2006:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, ad-


quirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar,
trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo
ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena — reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500
(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa (BRASIL, 2006,
documento on-line).
Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal 5

Esse artigo da Lei Antidrogas não especifica, até mesmo pela inviabilidade de tal
proceder, quais são as drogas ou substâncias entorpecentes proibidas pela lei. Sendo
assim, o aplicador da lei terá de se valer da Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998, da
Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, para descobrir, por exemplo, se
a substância que o agente transporta é classificada como droga. A referida necessidade
de completar o conteúdo do preceito primário do artigo de lei configura o que se
denomina norma penal em branco.
O quadro a seguir apresenta a classificação das normas penais em branco, com base
em Colnago (2010, p. 14):

Homogêneas, Quando o complemento tem Homovitelinas:


impróprias, a mesma fonte formal que a quando a comple-
ou em norma a ser complementada. mentação se dá na
sentido lato Por exemplo, lei que completa lei mesma lei. Por exem-
– complemento de igual hierar- plo, peculato: “Art.
quia: Título VII do CP — Dos Crimes 312, CP - Apropriar-se
Contra a Família, Capítulo I — Dos o funcionário público
Crimes Contra o Casamento: de dinheiro, valor ou
[...] Conhecimento pré- qualquer outro bem
vio de impedimento móvel[...]”. O termo
Art. 237 - Contrair casamento, funcionário público
conhecendo a existência está definido no art.
de impedimento que lhe 327 do próprio CP: “Art.
cause a nulidade absoluta: 327, CP - Considera-se
Pena - detenção, de três funcionário público,
meses a um ano. para os efeitos pe-
Os impedimentos não cons- nais, quem, embora
tam na lei penal, mas serão transitoriamente ou
encontrados na lei civil: sem remuneração,
Art. 1.521, Código Civil. exerce cargo, emprego
Não podem casar: ou função pública.”
I - os ascendentes com os
descendentes, seja o pa- Heterovitelinas:
rentesco natural ou civil; quando a complemen-
II - os afins em linha reta; tação se dá em leis
III - o adotante com quem foi diferentes. Por exem-
cônjuge do adotado e o adotado plo, o citado art. 237
com quem o foi do adotante; do CP, que encontra
IV - os irmãos, unilaterais ou sua complementação
bilaterais, e demais colaterais, no art. 1.521 do CC.
até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o fi-
lho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente
com o condenado por homi-
cídio ou tentativa de homicí-
dio contra o seu consorte.
6 Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal

Heterogêne- Quando o complemento provém Listas da portaria


as, próprias, de fonte formal diversa daquela SVS/MS nº. 344/1998
ou em sen- da norma a ser complementada. (DOU de 1º de fe-
tido estrito É o caso da lei penal que é com- vereiro de 1999)
plementada por ato normativo LISTA — A1
infralegal (ato do poder executivo), Lista das substâncias
como uma portaria ou um decreto. entorpecentes
Por exemplo, o já referido art. 33 da (Sujeitas a notifica-
Lei Antidrogas tem seu conteúdo ção de receita “A”)
complementado pela Portaria SVS/ 1. ACETILMETADOL
MS nº. 344, de 12 de maio de 1998. 2. ACETORFINA
3. ALFACETILMETADOL
4. ALFAMEPRODINA
5. ALFAMETADOL
6. ALFAPRODINA
7. ALFENTANILA [...]
Obs.: Norma penal ao avesso ou secundariamente remetida: é aquela em que a incompletude
da norma se encontra não no preceito primário, mas no preceito secundário. Logo, o preceito
primário da norma está completo, seu conteúdo perfeitamente delimitado, todavia, o preceito
secundário – a sanção que será imposta – fica a cargo de uma outra norma complementar. Como
exemplo, verifique o art. 1º, da Lei nº. 2.889, de 1º de outubro de 1956, que define e pune o crime
de genocídio: todas as suas alíneas remetem para sanções de crimes contidos no CP. É importante
observar que o complemento não poderá ser, por exemplo, um ato do poder executivo (decreto,
portaria, etc.), e sim outra lei, considerada estritamente (ordinária ou complementar), conforme
afirma Capez (2010).

É importante também diferenciarmos costume de hábito. O costume, como


fonte jurídica, consiste no conjunto de normas de comportamento praticado
pelas pessoas de maneira constante (reiterada) e uniforme (do mesmo modo),
pela convicção de sua obrigatoriedade. Já o hábito não tem essa convicção
social de obrigatoriedade, portanto, não configura fonte jurídica, como afirma
Jesus (2017).
Assim, conforme Capez (2010, p. 50), o costume deve possuir dois elementos:

„„ elemento objetivo – constância e uniformidade em sua prática;


„„ elemento subjetivo – opinio juris et necessitatis – convicção da obri-
gatoriedade jurídica.

São espécies de costume, ainda conforme Capez (2010, p. 51):

„„ contra legem (contrário à lei) – inaplicabilidade da norma jurídica em


face do desuso, pois sua prática deixa de ser constante e uniforme;
Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal 7

„„ secundum legem (segundo a lei) – traça e sedimenta a forma como a


norma será aplicada;
„„ praeter legem (além da lei) – preenche lacunas e especifica o conteúdo
da norma.

Observações:

1. O costume não revoga a lei, mas pode fazer com que os elaboradores
da lei repensem a legislação penal e a adequação social de determinada
conduta como crime, de modo a justificar, ou não, sua permanência
como norma incriminadora, conforme afirma Greco (2014).
2. O costume não cria delitos, nem comina penas – não se admite costume
incriminador, conforme Capez (2010).

Os princípios gerais de Direito, por sua vez, consistem em premissas


éticas que são extraídas do sistema legislativo e poderão suprir eventuais
omissões legais nas normas não incriminadoras. Nas normas incriminadoras,
essa função fica prejudicada em razão do princípio da legalidade, que será
visto mais adiante.

Da interpretação e integração da lei penal


Para compreender se uma situação fática se enquadra nos dispositivos jurídicos
existentes, é preciso interpretar minimamente os fatos e o direito posto. Porém,
o que fazer se o caso concreto não estiver disposto claramente na norma, isto
é, se houver lacunas? As técnicas de interpretação e de integração das normas,
objetos deste tópico, servirão para orientar a adequação dos fatos às normas,
como veremos a seguir.

Da interpretação da norma penal


A interpretação corresponde a uma técnica utilizada para extrair o significado
e o alcance da norma em relação à realidade. Segundo Jesus (2017), busca-se
com ela descobrir a vontade da lei, para aplicá-la aos casos concretos. Não se
cria norma por meio de interpretação, mas se extrai seu significado. Assim,
interpretação é o processo lógico para estabelecer o sentido e a vontade da lei.
Os autores Colnago (2010, p. 16), Capez (2010, p. 52) e Nucci (2012, p. 16)
definem as seguintes espécies de interpretação:
8 Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal

„„ Autêntica ou legislativa: ocorre quando o próprio órgão que elabora


a lei realiza sua interpretação; pode ser feita no próprio texto legal ou
em outra lei interpretadora.
„„ Doutrinária ou científica: é aquela realizada pelos estudiosos do Direito.
Por exemplo, as Exposições de Motivos do CP.
„„ Judicial: aquela realizada pelos órgãos jurisdicionais, isto é, pelos jul-
gadores, não tendo força obrigatória.
„„ Gramatical, literal ou sintática: leva-se em conta o sentido literal, ou
gramatical, das palavras.
„„ Lógica ou teleológica: busca-se a vontade da lei, levando em conta sua
finalidade e sua posição dentro do ordenamento jurídico.
„„ Declarativa: não há necessidade de ampliar ou restringir o significado da
lei, pois, na interpretação declarativa, haverá perfeita correspondência
entre a palavra da lei e a vontade do legislador.
„„ Restritiva: quando a lei escrita disse mais do que deveria, a interpretação
restritiva tem o intuito de restringir-lhe o significado.
„„ Extensiva: quando a lei escrita ficou aquém do que deveria dispor, a
interpretação extensiva amplia o que está textualmente escrito e extrai
um conteúdo mais amplo da norma. Tem por escopo conferir sentido
razoável à norma, conforme os motivos para os quais foi criada.
„„ Analógica: quando o conteúdo da norma não é adequadamente preciso,
ou melhor, “quando uma cláusula genérica se segue a uma fórmula casu-
ística” (JESUS, 2017, p. 88), a interpretação analógica extrai o sentido da
norma por meio de uma comparação interna dos seus próprios termos.
A interpretação analógica é, também, um processo de interpretação,
usando a semelhança indicada nos próprios termos da lei. Não cria
normas, nem preenche lacunas, apenas esclarece o significado. Um
exemplo é o homicídio qualificado:

Art. 121, § 2°, CP — Se o homicídio é cometido:


[...] IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso
que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; (BRASIL, 1940,
documento on-line).

„„ Para interpretar a expressão genérica “outro recurso que dificulte ou


torne impossível a defesa do ofendido”, o intérprete terá de se valer
das fórmulas casuísticas dispostas na lei – traição, emboscada ou
dissimulação –, isto é, deverá buscar, à semelhança desses meios,
outros que se realizem mediante deslealdade, ou perfídia, como afirma
Jesus (2017).
Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal 9

Greco (2014) aponta ainda que a interpretação também pode ser diferenciada
em relação ao sujeito de que emanam aos meios utilizados e quanto aos
resultados alcançados.
Em relação ao sujeito, a interpretação poderá ser:

„„ autêntica (contextual ou posterior);


„„ doutrinária (vinculante ou não vinculante);
„„ judicial.

A interpretação em relação ao sujeito será autêntica quando realizada


por seu próprio corpo legal, e poderá ser ainda classificada em contextual
(realizada no mesmo momento em que é editada a norma a ser interpretada) e
posterior (quando realizada após a edição da lei que deve ser interpretada). Já
a interpretação doutrinária consiste na visão dos especialistas, que emitem
suas opiniões pessoais sobre a norma em questão; enquanto a interpretação
judicial trará a posição dos aplicadores da lei, que será obtida por meio da
análise das suas decisões. Será vinculante apenas quando se tratar de súmula
prevista no art. 103-A e parágrafos da Constituição Federal.
Sob a ótica dos meios empregados, Greco (2014) aponta que há cinco
opções de enquadramento:

„„ literal;
„„ teleológica;
„„ sistêmica;
„„ histórica;
„„ progressiva.

A interpretação literal se ocupa com a simples busca pelo significado das


palavras, enquanto a teleológica persegue a real finalidade da lei, que deve
se sobrepor à literalidade das palavras. Já o método interpretativo sistêmico
buscará uma visão mais ampla, considerando não apenas o dispositivo, mas
também o sistema legislativo no qual está inserido. Por seu turno, a interpre-
tação histórica volta seu olhar para o passado, mais especificamente ao tempo
em que a lei foi elaborada, tentando compreender a sociedade e os motivos
de sua criação. Por fim, a interpretação progressiva almeja ressignificar as
normas penais de acordo com a realidade contemporânea.
Em se tratando dos resultados, há três formas de interpretar as leis penais:

„„ declaratória;
10 Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal

„„ extensiva;
„„ restritiva.

Na hipótese da interpretação declaratória, o alcance da norma penal não é


restrito nem ampliado, cabendo ao intérprete apenas declarar a vontade da lei.
A interpretação extensiva se caracteriza pela necessidade de que o intérprete
expanda o alcance da lei, a fim de conhecer sua exata medida, pois o texto disse
menos do que pretendia. Na interpretação restritiva ocorre o oposto. O alcance
da lei é restrito, para que o intérprete possa reconhecer a sua exata amplitude.
Nessa hipótese, a norma legal disse mais do que efetivamente pretendia.

Da integração da norma penal – a analogia


Segundo Capez (2010), a analogia corresponde a um processo de integração
da norma penal, em que se aplica a uma hipótese não regulada por lei uma
disposição legal relativa a um caso semelhante. A analogia não é método de
interpretação, mas processo de integração do direito, visando à supressão de
lacunas.
Aqui, não há que se falar de interpretação, pois lei não há para ser inter-
pretada. Segundo Colnago (2010), o processo consiste em aplicar a norma que
trata de hipóteses semelhantes, uma vez que não existe norma reguladora do
caso concreto. São espécies de analogia:

Analogia in bonam partem: é a aplicação por similitude de determinada norma


penal, suprindo lacuna existente, para absolver ou beneficiar o acusado. Con-
forme Nucci (2012), esse tipo de analogia, em favor do agente, poderá ser
admitido excepcionalmente. Por exemplo:

Art. 128, do CP — Não se pune o aborto praticado por médico: [...]


Aborto no caso de gravidez resultante de estupro.
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento
da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (BRASIL, 1940,
documento on-line).

No caso de uma gravidez resultante de uma violação sexual mediante fraude


(art. 215, CP), a realização do aborto poderia ser autorizada, analogicamente ao
art. 128 do CP, em benefício do médico que realizou o procedimento a pedido
e com o consentimento da gestante, pois não se trata de norma incriminadora,
mas permissiva (causa de exclusão da ilicitude), conforme afirma Nucci (2015).
Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal 11

Analogia in malam partem: é a aplicação por similitude de determinada norma


penal, suprindo lacuna existente, para punir o acusado ou atribuir-lhe pena
mais grave, segundo Nucci (2012). Esse tipo de analogia, em desfavor do
agente, não é admitido pelo Direito Penal, pois “[...] a aplicação da analogia
em norma penal incriminadora fere o princípio da reserva legal, uma vez que
um fato não definido em lei como crime estaria sendo considerado como tal”
(CAPEZ, 2010, p. 55). Ademais, nas palavras de Nucci (2012, p. 21), idealizou-
-se o princípio da legalidade, “escudo protetor do indivíduo, [...] justamente
para impedir que lacunas fossem supridas indevidamente pela vontade do
operador do Direito”.
No próximo e último tópico, você aprofundará seus conhecimentos sobre
o princípio da legalidade e suas consequências para o Direito Penal.

Do princípio da legalidade – nullum crimen,


nulla poena sine lege praevia e scripta et stricta

Fundamento legal
Art. 5º, CF — Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...] XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal; (BRASIL, 1988, documento on-line).

O princípio da legalidade surgiu pela primeira vez na Magna Charta Li-


bertatum, documento que o rei João Sem Terra fora obrigado a redigir por
imposição dos barões ingleses descontentes com seu reinado, no ano de 1215.
O art. 39 da Magna Carta dispunha que:

Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado de seus


bens, ou declarado fora da lei, exilado, ou reduzido em seu status de qualquer
outra forma, nem procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão
mediante um julgamento legal pelos seus pares ou pelo costume da terra
(FERREIRA, 2013, p. 1).

Essa concepção de legalidade, de previsibilidade e de segurança jurídica,


inspirada nas ideias iluministas, foi tomando corpo em outros documentos
jurídicos de grande relevância com o passar dos anos – Bill of Rights (1774),
12 Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal

Declaração dos Direitos da Virgínia (1776), Constituição dos Estados Unidos


da América (1776), Declaração Universal dos Direitos do Homem (1789),
Constituição francesa (1791), assim como todas as Constituições brasileiras
a partir de 1824 –, ampliando mundialmente a noção de que somente poderá
haver crime quando houver previsão expressa em lei da conduta delituosa e
de sua sanção penal, como afirma Capez (2010).
O princípio da legalidade, considerado como princípio base do Direito Penal,
em sentido amplo, pode ser definido como uma garantia constitucional, um
princípio fundamental que protege a liberdade do homem contra os arbítrios do
poder de punir ( jus puniendi) do Estado. Conforme Capez (2010), ele afirma
que ninguém poderá ser punido ou sofrer violação à sua liberdade, exceto se
praticar conduta previamente definida em lei como crime, tendo cominada
a respectiva sanção.
São funções do princípio da legalidade, conforme Greco (2014, p. 2):

„„ proibir a retroatividade da lei penal – nullum crimen nulla poena sine


lege praevia;
„„ proibir a criação de crimes e penas pelos costumes – nullum crimen
nulla poena sine lege scripta;
„„ proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar
penas – nullum crimen nulla poena sine lege stricta;
„„ proibir incriminações vagas e indeterminadas – nullum crimen nulla
poena sine lege certa.

Princípios inerentes ao princípio da legalidade

Princípio da reserva legal

Pelo princípio da reserva legal, é somente a lei, em sentido estrito, que pode
definir infrações penais e cominar sanções. Além disso, não é qualquer norma
que pode dar origem a um ilícito penal, mas apenas a lei em sentido estrito
(lei ordinária e lei complementar), que tenha passado pelo devido processo
legislativo. Dessa forma, leis criminais emanadas pelo Poder Executivo, por
meio de Medidas Provisórias, são inconstitucionais, pois não podem versar
sobre essa matéria, visto que violam o princípio da legalidade, assim como
ferem frontalmente a Constituição, nos termos do seu art. 62, § 1º, I, b.
Cumpre mencionar que é também o princípio da reserva legal que corro-
bora a vedação da analogia in malam partem, de modo a proibir a criação de
Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal 13

hipóteses (crimes, causas de aumento de pena, ou circunstâncias agravantes)


que venham a piorar a situação do acusado, como explica Greco (2014).
Nesse sentido, Capez (2010) afirma que o princípio da reserva legal abarca,
igualmente, o princípio da taxatividade da lei penal. Por meio desse princípio,
a lei penal necessita ser escrita, portanto, fica vedada a tipificação de crime
de modo implícito, ou, ainda, por interpretação ampliativa ou analógica
de outros tipos penais.
Cabe, por fim, referir que a lei penal e, mais especificamente, a tipificação
de um crime deve ser detalhada, clara e específica, evitando-se a criação de
normas penais com vagueza e grande generalidade, como afirma Colnago (2010).

Princípio da anterioridade da lei penal

De modo muito semelhante à CF, o CP dispõe o seguinte:

Anterioridade da Lei
Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal (BRASIL, 1940, documento on-line).

Pode-se concluir, assim, que o art. 1º do CP contém dois princípios


fundamentais à constituição do Estado Democrático de Direito – o princí-
pio da reserva legal (ou da legalidade em sentido estrito) e o princípio da
anterioridade.
O princípio da anterioridade da lei penal determina que, para haver a
condenação e punição pela prática de um crime, a conduta delitiva e sua
sanção correspondente necessitam estar anteriormente previstas em lei.
Essa garantia se deve à necessidade de previsibilidade e segurança jurídica
aos destinatários da lei, que não podem ser pegos de surpresa pelo poder
de punir do Estado.
Importante salientar que os termos da Lei (art. 1º, CP), nesse caso, podem
e devem ser interpretados ampliativamente. Explica-se: quando a Lei penal
diz que “não há crime sem lei anterior que o defina”, o termo “crime”
deve ser compreendido como crime e, também, como contravenção penal
(Decreto-Lei nº. 3.688, de 3 de outubro de 1941) que, do mesmo modo, não
poderá ser agravada sem legislação prévia adequada. Igualmente, quando
a Lei diz que “não há pena sem prévia cominação legal”, o termo “pena”
abrange tanto as penas como as medidas de segurança que serão impostas
aos inimputáveis. Essas também dependerão de lei para sua criação ou
alteração. Portanto, não haverá crime (ou mesmo contravenção penal), nem
14 Das fontes, da interpretação e dos princípios de legalidade e anterioridade da lei penal

haverá pena (ou mesmo medida de segurança), se inexistir, anteriormente,


estipulação definindo-os.
Vale frisar que um dos efeitos do princípio da anterioridade da lei penal
é a irretroatividade da lei. A lei penal é editada para o futuro, não tendo
como característica a de retroagir (exceto se em benefício do acusado), sig-
nificando que se aplica a lei penal, sobretudo a incriminadora, em vigor na
data da prática do fato delituoso, como explica Capez (2010), não podendo o
indivíduo ser condenado por delito que assim foi considerado pela lei após a
realização da conduta por parte do agente.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 5 de


outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituição.htm>. Acesso em: 14 jun. 2018.
BRASIL. Decreto-lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em:
18 jun. 2018.
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Leitura recomendada
GOMES, L. F.; BIANCHINI, A.; DAHER, F. Princípios constitucionais penais: à luz da cons-
tituição e dos tratados internacionais. LivroeNet, 2015.

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