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Problema 04 – É culpa do meu metabolismo


 Definição

É definida por um transtorno complexo representado por um conjunto de fatores de risco


cardiovascular usualmente relacionados à deposição central de gordura e à resistência à insulina. A síndrome
já pode estar presente em crianças e adolescentes e culminar, em época posterior, em eventos deletérios
com alta morbimortalidade. Entre outros fatores incluídos na SM estão a dislipidemia aterogênica, a
hipertensão, doença hepática gordurosa não alcoólica e apneia obstrutiva do sono também estão comumente
associadas.

O estudo da SM tem sido dificultado pela ausência de consenso na sua definição e nos pontos de
corte dos seus componentes, com repercussões na prática clínica e nas políticas de saúde.

A definição da Organização Mundial de Saúde preconiza como ponto de partida a avaliação


laboratorial e clínica da resistência à insulina ou do distúrbio do metabolismo da glicose.

Já a definição do National Cholesterol Education Program’s Adult Treatment Panel III


(NCEP-ATP III) preconiza o uso da clínica e não exige a comprovação de resistência à insulina,
facilitando a sua utilização. Pela maior simplicidade e praticidade da definição pelo NCEP-ATP III, é
essa que a I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica (I-DBSM) define
como recomendada.

 Epidemiologia

Isoladamente, cada um dos componentes da SM é considerado um fator de risco para a


morbimortalidade por DCV, porém, quando ocorrem simultaneamente, o risco torna-se maior que a
soma dos riscos atribuídos a cada componente separadamente. A SM eleva a taxa de mortalidade por
doença cardiovascular em cerca de 2,5 vezes e a taxa de mortalidade geral em cerca de 1,5.

Estudos em diferentes populações, como a mexicana, a norte americana e a asiática, revelam


prevalências elevadas da síndrome metabólica, dependendo do critério utilizado e das características da
população estudada, variando as taxas de 12,4% a 28,5% em homens e de 10,7% a 40,5% em mulheres.

No Brasil, a prevalência da SM ainda é desconhecida, pois não existem estudos publicados com
dados representativos da população, apenas estudos em amostras com características específicas. A falta
de consenso sobre definição da doença e pontes de cortes para os critérios é um fator que agrava a falta
de estudos.
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Em estudo transversal, realizado em subgrupo populacional de 1 439 adultos, em Salvador,


encontrou-se a prevalência de SM de 19,0%. Na população de migrantes japoneses, a prevalência foi de
54,3%. Em um estudo sobre a SM realizado no distrito rural de Cavunge, semi-árido baiano, observou-
se que a prevalência de SM foi maior em mulheres (38,4%) que em homens (18,6%). Nesses estudos
foram utilizados os critérios diagnósticos da NCEP-ATP III.

As manifestações começam na idade adulta ou na meia-idade e aumentam muito com o


envelhecimento. O número de casos na faixa dos 50 anos é duas vezes maior do que aos 30, 40 anos.
Embora acometa mais o sexo masculino, mulheres com ovários policísticos estão sujeitas a desenvolver
a síndrome metabólica, mesmo sendo magras.

 Etiologia e fisiopatologia

Embora o mecanismo fisiopatológico de base da SM seja controverso, a hipótese etiológica


identifica a resistência à insulina e a produção excessiva de ácidos graxos consequentes a uma obesidade
visceral ou central como os componentes-chave dessa doença metabólica que levará o indivíduo a
apresentar DM2, hipertensão arterial e doenças cardiovasculares em fases posteriores da vida.

A obesidade visceral ou central (abdominal) é caracterizada por uma distribuição da gordura


corporal do tipo androide, ou seja, conhecida como corpo em formato de “maçã”, representando o
aspecto principal da SM. Ao contrário da gordura subcutânea, o acúmulo de gordura visceral, que pode
ser facilmente estimado pela medida da circunferência da cintura, está relacionado a diversos problemas
metabólicos plasmáticos.

➢ Hipersensibilidade aos glicocorticoides;


➢ Elevados níveis plasmáticos de glicose que induzem o pâncreas a liberar excesso de insulina
(hiperinsulinemia) que, a longo pra culmina com resistência à insulina e diabetes mellitus tipo II;
➢ Aumento da secreção de angiotensina que pode aumentar o risco de hipertensão;
➢ Aumento da secreção de interleucina-6 (IL-6), citocina inflamatória;
➢ Aumento de triglicerídeos (TG) que pode comprometer a viscosidade sanguínea, aumentando o
risco cardiovascular;
➢ Redução do colesterol HDL, fundamental para realizar o transporte reverso do colesterol e que
apresenta também efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes e vasodilatadores (aumenta a síntese
de óxido nítrico pelo estímulo da isoforma endotelial da enzima sintase do óxido nítrico).

Alguns autores defendem a hipótese de que a resistência à insulina (RI), juntamente com outras
disfunções metabólicas, se inicie no adipócito. Durante a alimentação, o adipócito estoca triglicérides
(TG) e, no jejum, hidrolisa os a ácidos graxos livres (AGL) e glicerol, para que sejam captados e oxidados
pelos tecidos periféricos. Existe um equilíbrio dinâmico entre a liberação dos TG na circulação e a
utilização pelos tecidos periféricos.

Já insulina liga-se a um receptor de membrana desencadeando os seus efeitos intracelulares. Os


efeitos metabólicos imediatos da insulina incluem: aumento da captação da glicose (especialmente pelo
músculo e tecido adiposo), aumento da síntese de proteínas e ácidos graxos, bloqueio da produção
hepática de glicose, proteólise e lipólise.

Os adipócitos grandes e hipertrofiados, presentes no tecido visceral e omental, parecem ser uma
fonte específica de aumento dos AGL, pois secretam grandes quantidades de fator de necrose tumoral
alfa (TNF-alfa) e estimulam a atividade de enzimas que rompem as gotículas de gordura intracelulares
(caspases), acentuando a lipólise. Desse modo, a RI parece ser um fenômeno secundário à gordura
visceral, uma vez que o aumento dos AGL na circulação diminui a sinalização insulínica, ao ativar
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serina-quinases, levando à fosforilação em serina dos substratos do receptor de insulina (IRS) 1 e 2. Isso
reduz a expressão gênica do GLUT 4 no músculo esquelético e o transporte de glicose no músculo, assim
como a síntese hepática e muscular de glicogênio.

A oferta maior de lipídios aos tecidos periféricos também acarreta complicações crônicas, como
a esteatose tecidual (em fígado, músculos e pâncreas), em virtude do acúmulo de ácidos graxos de cadeia
longa, acetil-coenzima A e ceramidas nos tecidos, fenômeno conhecido como lipotoxicidade. Nos
indivíduos geneticamente predispostos, a esteatose das ilhotas pancreáticas acarreta a apoptose das
células beta, compromete a secreção de insulina, levando ao DM2 ao longo dos anos.

Recentemente, uma nova hipótese surgiu, ligando a microbiota intestinal a obesidade, DM2 e RI.
A dieta rica em gorduras saturadas muda a composição da flora intestinal, favorecendo a proliferação
de bactérias que apresentam mais lipopolissacárides na sua membrana. Essas substâncias podem
desencadear um processo inflamatório, estimulando os receptores do sistema imune inato toll like receptors
(TLR), presentes na mucosa intestinal. Em camundongos, foi demonstrado que induzem a expressão de
citocinas inflamatórias (TNF-alfa e IL-6) e a RI, além de alterar o metabolismo dos AGL, causando
lipotoxicidade e esteatose tecidual (fígado, pâncreas e músculo esquelético).

Quanto à dislipidemia, diante do excesso de triglicerídeos (TG) circulante, seja pelo aumento da
ingesta calórica ou pela resistência insulínica, há um estímulo à síntese hepática de lipoproteínas ricas
em TG, como as LDL pequenas, densas, e as HDL ricas em TG, que são disfuncionais, sendo excretadas
pelos rins. Esses eventos causam hipertrigliceridemia, aumento de LDL e redução das concentrações do
HDL, caracterizando a dislipidemia aterogênica.

Na obesidade, há ainda a redução da secreção de adiponectina e aumento de resistina, IL-6,


angiotensina I e II, TNF-alfa e aumento do tônus simpático, eventos que também interferem na
sinalização insulínica e elevam a pressão arterial. A hiperinsulinemia compensatória à RI contribui para
a retenção renal de água e sódio e hipertensão diastólica, proliferação da camada médio-intimal das
artérias e alterações proinflamatórias e protrombóticas, com aumento de secreção de PAI-I e
fibrinogênio. Outro fator que contribui para elevar a PA é a apneia obstrutiva do sono, decorrente da
hipóxia do sistema nervoso central (SNC).
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 Quadro clínico

O quadro clínico da síndrome metabólica é constituído de sinais e sintomas que são consequência
das doenças associadas ao quadro. Podemos observar acrocórdons (tumorações em região de pescoço),
acantose nigricans, polidipsia, poliúria, dores articulares, alterações menstruais, diminuição da libido,
síndrome da apneia do sono, cefaleia, mal estar, cansaço, tonturas, zumbidos.

É possível ainda observar complicações relacionadas à obesidade e à síndrome metabólica, como:

• Esteatose hepática (que pode levar a hepatite e cirrose hepática)


• Diabetes mellitus (pâncreas vai a falência)
• Aterosclerose facilitada pela dislipidemia e pela
hipertensão, levando a doenças como doença arterial
obstrutiva periférica (DAOP), infarto agudo do miocárdio,
acidente vascular encefálico
• Osteoartrite (devido à sobrecarga articular pelo aumento de
peso)
• Hiperuricemia
• Asma
• Nefropatia por obesidade
• Nefropatia diabética
• Síndrome do ovário policístico
• Aumento do risco de câncer (o tecido adiposo possui
aromatase, elevando estrógeno, além de aumentar também
insulina, devido a resistência insulínica, e aumento de
adipocinas)
• Mama, ovário, endométrio, rim, bexiga, próstata, esôfago,
estômago, fígado, vesícula, pâncreas, cólon, reto, tireoide e
mieloma múltiplo.
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 Diagnóstico

A obesidade é o fator de risco mais importante para o desencadeamento da SM. Especialmente


em pacientes com acantose nigricans, achado clínico característico da resistência insulínica, devem ser
avaliados quanto à presença de SM.

Embora não haja uma boa definição para a SM, existem diversos fatores de risco que estão
fortemente associados a uma elevada morbimortalidade cardiovascular. Existem diferentes formas de se
avaliar a presença ou não de SM, dentre eles citamos os critérios da NCEP-ATP III, do IDF e da OMS.

Para fechar o diagnóstico:

• A OMS, faz-se necessária a resistência à insulina associada a mais dois outros fatores.
• O NCEP- ATPIII preconiza a presença de três dos componentes, sem priorizar nenhum deles em
especial
• O IDF, torna-se obrigatória a medida da circunferência abdominal alterada, além de mais dois
outros fatores.

É importante a investigação clínica e laboratorial para se confirmar o diagnóstico de síndrome


metabólica.

Na história clínica do paciente, deve-se procurar por fatores de risco como: idade, tabagismo,
prática de atividade física, história pregressa de hipertensão, diabetes, diabetes gestacional, doença
arterial coronariana, acidente vascular encefálico, síndrome de ovários policísticos (SOP), doença
hepática gordurosa não-alcoólica, hiperuricemia, história familiar de hipertensão, diabetes e doença
cardiovascular, uso de medicamentos hiperglicemiantes são alarmantes e indicam melhor exploração
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para a síndrome dentro dos exames laboratoriais e do exame físico, principalmente o exame
cardiovascular e a pesquisa de alcantose nigrans.

No exame físico do paciente, é necessário para o diagnóstico de SM:

• Aferir a pressão arterial – no mínimo duas medidas por consulta, com o paciente sentado, após 5
minutos de repouso.
• Medida da circunferência abdominal
• Peso e estatura
• Exame da pele
• Exame cardiovascular
Dentre os exames laboratoriais que são importantes para o diagnóstico de SM, podemos citar:

• Perfil glicêmico: glicemia de jejum, teste oral de tolerância a glicose, hemoglobina glicada
• Perfil lipídico: HDL e triglicérides
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 Tratamento
Tratamento Medicamentoso da Hipertensão Arterial

O tratamento medicamentoso da hipertensão arterial na


síndrome metabólica tem como objetivo reduzir a morbidade e
a mortalidade cardiovascular e renal, além de prevenir o
agravamento metabólico.

Esses benefícios podem ser alcançados em pacientes


tratados com diuréticos, inibidores adrenérgicos, inibidores da
enzima conversora da angiotensina (IECA), antagonistas do
receptor AT1 da angiotensina II (BRA), antagonistas de canais
de cálcio e vasodilatadores diretos. Entretanto, ao término de
grande parte dos estudos que avaliaram o controle da pressão
arterial (PA), a maioria dos pacientes utilizou associação dos
hipotensores.

Sendo a síndrome metabólica constituída de inúmeros fatores de risco cardiovascular, deve-se


considerar o tratamento farmacológico da hipertensão arterial nela presente a partir de 140/ 90mmHg
ou 130/85mmHg na presença de diabetes mellitus.

Meta de redução da pressão arterial Redução da pressão arterial para cifras inferiores a
130mmHg/ 85mmHg pode ser útil em pacientes com elevado risco cardiovascular. Nos pacientes
diabéticos, recomenda-se reduções da pressão
arterial para níveis inferiores a 130/80mmHg e para
os pacientes com proteinúria maior que 1g/24h,
cifras inferiores a 120/75mmHg deverão ser a meta.

Para os pacientes portadores de doença


cardiovascular estabelecida e com idade superior a
50 anos, recomenda-se atingir essa meta em menos
de seis meses. Para isso, pode ser utilizada a maioria
dos hipotensores, não havendo diferenças entre eles
em relação aos benefícios cardiovasculares.

Associação de hipotensores e esquema terapêutico

A associação de anti-hipertensivos deve obedecer à premissa de não se associar fármacos com


mecanismos similares de ação. Esta associação pode ser feita mediante o emprego de hipotensores em
separado ou combinados em doses fixas. As seguintes associações de classes distintas de anti-
hipertensivos são atualmente reconhecidas como eficazes:

• betabloqueadores e diuréticos;
• IECA e diuréticos;
• BRA e diuréticos;
• antagonistas dos canais de cálcio e betabloqueadores;
• antagonistas dos canais de cálcio e IECA.

Para os casos de hipertensão resistente à dupla terapia, podem-se associar três ou mais
medicamentos. Nessa situação, o uso de diuréticos é fundamental. O esquema terapêutico abaixo deve
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estar centrado na meta da redução da pressão arterial em curto prazo de tempo (de três a seis meses),
utilizando-se a monoterapia ou a associação de fármacos.
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Tratamento Medicamentoso do Diabetes Mellitus

Quando os pacientes com hiperglicemia não respondem ou


deixam de responder adequadamente às medidas não-
medicamentosas, devem ser inseridos um ou mais agentes
antidiabéticos, com a finalidade de controlar a glicemia e promover
a queda da hemoglobina glicada.

O diagnóstico de Diabetes Mellitus (DM) deve ser confirmado pela repetição do teste depois de
um primeiro com valores alterados, a não ser que haja hiperglicemia inequívoca com descompensação
metabólica aguda ou sintomas óbvios de DM. Estudos epidemiológicos sustentam a hipótese de uma
relação direta e independente entre os níveis sanguíneos de glicose e a doença cardiovascular. Sendo
assim, o tratamento deve objetivar a normoglicemia e a sua manutenção em longo prazo.

Antidiabéticos orais Antidiabéticos orais são substâncias que têm a finalidade de baixar e manter
a glicemia normal (Jejum < 110 mg/dL e pós sobrecarga < 140mg/dL). Sob esse conceito amplo, de
acordo com o mecanismo de ação principal, os antidiabéticos orais podem ser separados em
medicamento que:

• reduzem a velocidade de absorção de glicídios (inibidores da alfa-glicosidases),


• diminuem a produção hepática de glicose (biguanidas),
• aumentam a sua utilização periférica (glitazonas) e
• incrementam a secreção pancreática de insulina (sulfoniluréias e glinidas).

No entanto, com finalidade prática, os antidiabéticos orais podem ser classificados em duas
categorias:

• os que não aumentam a secreção de insulina – anti-hiperglicemiantes


• os que aumentam a secreção de insulina – hipoglicemiantes.

Com glicemia inferior a 150mg/dL, estão indicados os medicamentos que não promovam
aumento na secreção de insulina, principalmente se o paciente for obeso. Quando a glicemia de jejum
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for superior a 150mg/ dL, mas inferior a 270mg/dL, a indicação da monoterapia antidiabética oral
dependerá do predomínio entre insulino-resistência ou insulino-deficiência.

Na maioria das vezes, é verificado no início clínico do diabetes, a presença de obesidade,


hipertrigliceridemia, HDL colesterol baixo, hipertensão arterial, entre outros estigmas observados na
síndrome metabólica. Eles indicam a presença de resistência à insulina e, neste caso, são mais
apropriadas as drogas anti-hiperglicemiantes, que irão melhorar a atuação da insulina endógena, com
melhor controle metabólico, evitando ganho ponderal excessivo.

Já a associação perda de peso e hiperglicemia, revela a deficiência de insulina. Nesta


circunstância, os medicamentos secretagogos devem ser os mais indicados.

Para aqueles pacientes com glicose de jejum normal ou próximo do normal, mas com
hemoglobina glicada acima do normal, está indicado o uso de drogas que atuem mais na glicemia pós-
prandial (acarbose ou glinidas).

Com os anos de doença, ocorre redução na capacidade secretória de insulina pela célula beta e a
monoterapia pode falhar na manutenção do bom controle metabólico. Assim, há necessidade de
combinar medicamentos orais com mecanismos de ação diferentes e, algumas vezes, há que acrescentar
uma terceira droga oral.

Por outro lado, o paciente pode comparecer na primeira consulta, no princípio do diabetes,
quando predomina a insulino-resistência ou então com muitos anos de evolução da enfermidade quando
a principal característica é a insulinopenia. A melhor terapia vai depender muito da capacidade secretória
do seu pâncreas.

• Na fase 1, período inicial do DM tipo 2 caracterizado por obesidade com insulino-resistência,


a melhor indicação são os medicamentos que não aumentam a secreção de insulina.
• Na fase 2, com diminuição de secreção de insulina, é correta a indicação de um secretagogo,
que pode entrar ou em combinação ou em monoterapia.
• Na fase 3, com a progressão da perda de secreção da insulina, é necessário associar aos
agentes orais, uma injeção de insulina de depósito, antes de o paciente dormir.
• Por fim, na fase 4, quando predomina a insulinopenia, o paciente deve receber pelo menos
duas aplicações de insulina de depósito, NPH ou lenta: uma antes do desjejum e a outra antes
do jantar ou ao dormir, isoladas ou combinadas com uma insulina rápida ou ultra-rápida.
Nesta fase 4, um agente oral sensibilizador combinado no tratamento pode reduzir as doses
de insulina e auxiliar na melhora do controle metabólico.
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Tratamento Medicamentoso da Dislipidemia

Na síndrome metabólica (SM), a dislipidemia caracteriza-se pela presença de níveis baixos de


HDL-colesterol e níveis elevados de triglicérides. Embora a elevação do LDL-colesterol não seja
considerada como um dos critérios diagnósticos da SM, os portadores desta síndrome apresentam
alteração da densidade e do tamanho das partículas dessa lipoproteína, predominando o padrão tipo B
(LDL pequena e densa). Esta associação é denominada de dislipidemia aterogênica.
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Diversos estudos demonstram que os portadores de SM apresentam um risco elevado de doença


cardiovascular (DCV) quando comparados àqueles sem SM; o risco individual de eventos dependerá da
presença e da intensidade dos diversos componentes desta síndrome e da associação com outros fatores
de risco.

Estudos prospectivos mostram que o risco de DCV pode aumentar substancialmente dependendo
do sexo, da idade e da presença de outros fatores de risco tais como diabetes tipo 2, doença aterosclerótica
prévia, níveis elevados de LDL-colesterol, tabagismo e história familiar de doença coronariana precoce.

A abordagem dos indivíduos portadores de SM tem como objetivo a prevenção dos eventos
cardiovasculares, representados principalmente pela doença arterial coronariana e pelo acidente vascular
encefálico. Em relação à dislipidemia, as metas lipídicas a serem alcançadas com o tratamento deverão
levar em consideração o risco individual de cada paciente e o custo-benefício do tratamento.

Estatinas

As estatinas devem ser consideradas como tratamento de primeira linha da dislipidemia na


síndrome metabólica devido à existência de maiores evidências relacionando-as à redução da
morbimortalidade cardiovascular.

Tem como efeito inibição da HMG-CoA redutase, reduzindo a síntese de colesterol e


aumentando a expressão hepática dos receptores da LDL e, consequentemente, a captação dessa
lipoproteína e das VLDL pelo hepatócito. Também, bloqueiam a síntese hepática de triglicérides. Dessa
forma, resulta em diminuição do colesterol total, do LDL-colesterol e dos triglicérides, além do aumento
no HDL-colesterol.

Fibratos

Essa classe de medicamentos é derivada do ácido fíbrico que age como agonista do PPAR-alfa,
modulando genes que aumentam a expressão da lipase lipoproteica, apolipoproteína AI e AII e
reduzindo a apolipoproteína CIII. Como resultado, ocorre uma redução da trigliceridemia e elevação do
HDL-colesterol, podendo também reduzir os níveis de LDL, principalmente a fração pequena e densa.

Os fibratos são as drogas de escolha em pacientes com SM e com triglicérides de 500mg/dL.


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Ácido nicotínico (niacina)

É uma vitamina solúvel com ação não totalmente conhecida. Reduz os níveis de triglicérides e de
LDL-colesterol, sendo uma das drogas hipolipemiantes que mais aumenta o HDL-colesterol.
Possui três apresentações: liberação imediata, intermediária ou prolongada e lenta.

Efeitos colaterais: calor e rubor facial (liberação rápida) - podem ser reduzidos com o uso de
aspirina uma hora antes da ingestão, ou pelo uso da forma de liberação intermediária, ou ainda
administração noturna.

Outros efeitos menos frequentes se for utilizada a apresentação de liberação intermediária na dose
de até 2g/ dia: hiperglicemia, hiperuricemia/gota e hepatotoxicidade.

Contra-indicações absolutas: doença hepática crônica e gota grave.

Ezetimiba

É um inibidor seletivo da absorção de colesterol que age na borda em escova do intestino delgado,
reduzindo o LDL-colesterol, os triglicérides e causando aumento discreto no HDL-colesterol.

Sua principal indicação é para pacientes intolerantes ao uso de estatinas, ou em associação a estas.

Ácidos graxos ômega-3

Reduzem os triglicérides por diminuição da produção das VLDL no fígado. Podem assim, ser
utilizados como terapia coadjuvante nas hipertrigliceridemias, com posologia variando de 4g a 8g/dia.

Metas lipídicas na síndrome metabólica

As metas lipídicas a serem atingidas com o tratamento do paciente portador da SM dependem do


risco individualizado. Convém enfatizar que apesar de os níveis de LDL- colesterol não constituírem um
dos critérios diagnósticos desta síndrome, as evidências de estudos clínicos controlados apontam para a
necessidade da redução do LDL-colesterol como meta primária a ser alcançada com o tratamento,
concomitantemente com a correção dos níveis do HDL-colesterol e dos triglicérides.

Nos pacientes com concentração de triglicérides 200mg/dL é importante calcular o colesterol


não-HDL. Este parâmetro reflete o colesterol carregado pelas lipoproteínas aterogênicas, englobando a
LDL, a VLDL e seus remanescentes. res a serem atingidos são 30mg/dL acima da meta do LDL- -
colesterol para cada nível de risco. Exemplo: paciente de alto risco, meta de LDL-colesterol.
Cabe ainda ressaltar algumas recomendações importantes quanto ao tratamento hipolipemiante:

• Uma vez iniciado o tratamento farmacológico com estatinas esse deverá ser mantido, com
raras exceções, de forma permanente. Os benefícios do uso das estatinas serão tanto maiores
quanto mais prolongado for o tratamento.
• Dosagens de CK devem ser realizadas em um, três e seis meses após o uso das estatinas e
fibratos. Caso os pacientes estejam estáveis, podem ser repetidas a cada seis meses.
• Dosagens de CK devem ser realizadas antes da utilização da associação das estatinas com os
fibratos e em um e três meses após.
• Se houver elevação acima de dez vezes o limite superior da normalidade ou em presença de
mialgia, mesmo com CK normal, deve-se suspender a medicação ou a associação.
• Caso haja elevação das aminotransferases acima de três vezes o limite superior do normal, a
medicação também dever ser suspensa.
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• Deve-se atentar para a possibilidade da presença de hipotireoidismo em portadores de


dislipidemias mistas em indivíduos acima de 50 anos, principalmente mulheres. O uso de
hipolipemiantes nesses casos associa-se ao risco elevado de miopatia. Deve-se inicialmente
controlar o TSH e reavaliar a necessidade de tratamento hipolipemiante, que poderá ser
realizado com segurança.

ASSOCIAÇÃO

Existem situações clínicas onde o tratamento hipolipemiante com estatinas em monoterapia é


insuficiente ou inadequado para o alcance das metas. Assim, em certos casos há a necessidade de se
associar medicamentos para a otimização dos níveis lipídicos e a conseqüente redução do risco
cardiovascular destes indivíduos.
Uma das associações mais frequentemente utlizadas na terapia hipolipemiante é a combinação
das estatinas com os fibratos, a qual estaria indicada nos casos onde ocorre intolerância a doses mais
elevadas das estatinas e nas situações de hipertrigliceridemia importante
Geralmente os efeitos adversos da terapia combinada das estatinas com os fibratos se baseiam em
interações farmacocinética. Sendo que a ocorrência de miopatia se dá em função de efeitos aditivos, uma
vez que isoladamente, as duas classes terapêuticas podem ocasionar miopatia. Nos últimos anos,
vivenciamos a retirada de uma estatina do mercado mundial em função de efeitos adversos da terapia
combinada com fibratos. Neste caso, a frequência de rabdomiólise fatal foi de 16 a 80 vezes maior com
cerivastatina do que com as outras estatinas, sendo esse efeito muitas vezes devido à interação com a
gemfibrozila.
Uma revisão de 36 estudos envolvendo a terapia combinada estatina+fibrato apresentou 29 casos
de rabdomiólise e uma prevalência de miopatia de 0,12%. O risco de miopatia é maior para combinação
de estatinas com a gemfibrozila do que com bezafibrato ou fenofibrato, embora todos os fibratos estejam
associados com casos de elevação da CPK e miopatia.
As estatinas e os fibratos podem ser associados levando-se em conta um risco maior de miopatia
e rabdomiólise. A gemfibrozila não deve ser utilizada na terapia combinada.
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Devemos estar atentos que o risco de miopatia está aumentado nas seguintes situações: altas doses
de estatinas, disfunção renal, disfunção tireoideana, medicações concomitantes, sexo feminino, idade
acima de 70 anos, diabetes, consumo de álcool excessivo, cirurgia, traumatismo e exercícios vigorosos.
Quando optamos pela terapia combinada, adicionando um fibrato a uma estatina, otimizamos o
objetivo terapêutico: melhor TG e HDL, maior LDL, tamanho partícula LDL, fibrinogênio e
inflamação. Por outro lado e contrariamente: aumenta custo e complexidade, eleva o risco de miopatia,
eleva o risco de hepatite, potencializa interações com outras drogas e existe uma escassez de dados e
estudos em relação à análise crítica da terapia combinada.
Assim, como minimizar o risco de toxicidade muscular da associação estatina + fibrato?

• Usar estatina como primeira escolha nas dislipidemias mistas com TG < 500 mg/dL.

• Na combinação com fibrato iniciar a estatina na dose inicial e só titular doses mais elevadas
com cuidadosa monitoração de enzimas.

• Descombinar a terapia caso enzima hepática > 3xLSN ou CPK > 10xLSN.

• Descontinuar a terapia se sintomas musculares estão presentes e os níveis de CK estão 10


vezes > LSN.

Tratamento Medicamentoso e Cirúrgico da Obesidade

No tratamento farmacológico recomenda-se o uso de medicamentos nos indivíduos portadores


de síndrome metabólica com obesidade (IMC≥30kg/m2) ou com excesso de peso (IMC entre 25kg/m2
e 30kg/m2) desde que acompanhado de comorbidades e que não tenham perdido 1% do peso inicial por
mês, após um a três meses de tratamento não medicamentoso.

Há, atualmente, cinco medicamentos registrados no Brasil para o tratamento da obesidade:


dietilpropiona (anfepramona), femproporex, mazindol, sibutramina e orlistat. Contudo, nesses cinco
medicamentos os efeitos colaterais são numerosos e acompanhamento minucioso do paciente é
imprescindível.

As medicações de primeira escolha no tratamento da obesidade associada à


síndrome metabólica são a sibutramina e o orlistat.

O tratamento cirúrgico da obesidade tem como objetivo diminuir a entrada de alimentos no tubo
digestivo (cirurgia restritiva), diminuir a sua absorção (cirurgia disabsortiva) ou ambos (cirurgia mista).
Os critérios para a realização das cirurgias bariátricas foram definidos em março de 1991, pelo US
National Institute of Health Consensus Development Conference Panel188 (B, 2A) e esses são:
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• A cirurgia deve ser considerada para o paciente obeso mórbido (IMC >40kg/m2), ou
obeso com IMC >35 kg/m² desde que apresente comorbidades clínicas importantes,
e somente após ter sido submetido a tratamento clínico adequado, mas sem resultados.
• O paciente só deverá ser operado se estiver bem informado sobre o tratamento,
motivado e se apresentar risco operatório aceitável.
• O paciente deve ser selecionado para a cirurgia, após cuidadosa avaliação por equipe
multidisciplinar especializada e composta por endocrinologistas ou clínicos,
intensivistas, cirurgiões, psiquiatras ou psicólogos e nutricionistas.
• A operação deve ser feita por um cirurgião experiente no procedimento e que trabalhe
com equipe e em local com suporte adequado para todos os tipos de problemas e
necessidades que possam ocorrer.
• Após a operação, deve haver acompanhamento médico de longo prazo.
• As mulheres férteis devem ser alertadas de que só poderão engravidar depois da
cirurgia quando estiverem com o peso estabilizado e com o seu estado metabólico e
nutricional normalizado.

 Prevenção

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, os fatores de risco mais importantes para a
morbimortalidade relacionada às doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT) são: hipertensão arterial
sistêmica, hipercolesterolemia, ingestão insuficiente de frutas, hortaliças e leguminosas, sobrepeso ou
obesidade, inatividade física e tabagismo. Cinco desses fatores de risco estão relacionados à alimentação
e à atividade física e três deles têm grande impacto no aparecimento da síndrome metabólica.
UC 22 – Problema 04 – É culpa do meu metabolismo - @resumosdakali 17

A predisposição genética, a alimentação inadequada e a inatividade física estão entre os principais


fatores que contribuem para o surgimento da SM, cuja prevenção primária é um desafio mundial
contemporâneo, com importante repercussão para a saúde.

Destaca-se o aumento da prevalência da obesidade em todo o Brasil e uma


tendência especialmente preocupante do problema em crianças em idade escolar,
em adolescentes e nos estratos de mais baixa renda. A adoção precoce por toda a
população de estilos de vida relacionados à manutenção da saúde, como dieta
adequada e prática regular de atividade física, preferencialmente desde a infância,
é componente básico da prevenção da SM. A alimentação adequada deve:

• Permitir a manutenção do balanço energético e do peso saudável.


• Reduzir a ingestão de calorias sob a forma de gorduras, mudar o consumo de
gorduras saturadas para gorduras insaturadas, reduzir o consumo de gorduras
trans (hidrogenada).
• Aumentar a ingestão de frutas, hortaliças, leguminosas e cereais integrais.
• Reduzir a ingestão de açúcar livre; reduzir a ingestão de sal (sódio) sob todas
as formas.

A atividade física é determinante do gasto de calorias e funda fundamental para o balanço


energético e controle do peso. A atividade física regular ou o exercício físico diminuem o risco
relacionado a cada componente da SM e trazem benefícios substanciais também para outras doenças
(câncer de cólon e câncer de mama). Baixo condicionamento cardiorrespiratório, pouca força muscular
e sedentarismo aumentam a prevalência da SM em três a quatro vezes. O exercício físico reduz a pressão
arterial, eleva o HDL-colesterol e melhora o controle glicêmico. Com duração mínima de 30 minutos,
preferencialmente diário, incluindo exercícios aeróbicos e de fortalecimento muscular, o exercício físico
previne a SM em uma relação dose-efeito apropriada para o grupo etário.
UC 22 – Problema 04 – É culpa do meu metabolismo - @resumosdakali 18

 Definição

Gota é uma artrite inflamatória causada pela cristalização do ácido úrico, que se deposita no
interior da articulação e está associada à hiperuricemia. É considerada uma das mais dolorosas formas
de artrite, caracterizada pelo surgimento abrupto de dor articular de grande intensidade. Descrita há
mais de dois milênios, somente na última metade do século 20 veio a confirmação de que a patogênese
envolveria a deposição de cristais de urato, devido à introdução dos microscópios de luz polarizada na
prática clínica, permitindo a identificação dos cristais e da relação entre estes e a gota.

Conhecida como a doença dos reis, pode ter afetado personalidades tais como Alexandre o
Grande, Voltaire, Isaac Newton, Voltaire, Charles Darwin e Leonardo da Vinci e sempre esteve
relacionada aos homens de meia-idade das classes mais abastadas, com uma vida menos regrada e
associada ao sedentarismo e aos excessos.

Avanços no entendimento da fisiopatologia da gota permitiram melhora no tratamento e nos


forneceram meios de prevenir e reverter os efeitos danosos da inflamação aguda e crônica sobre as
articulações decorrentes da deposição de ácido úrico. Todos estes avanços influenciam o curso da gota
nos pacientes atingidos. Porém, a aderência dos pacientes ao tratamento ainda é um problema.

 Epidemiologia

A gota é uma doença que afeta essencialmente os homens adultos, entre 40-50 anos, sendo rara
na faixa etária inferior a 30 anos. A forte predominância masculina, que já foi 20:1, vem sendo
modificada em estudos mais recentes, evidenciando uma participação crescente das mulheres e
reduzindo a proporção homem/ mulher para algo em torno de 7:1. Nas mulheres, a gota costuma se
manifestar mais tarde, geralmente após a menopausa (depois dos 50 anos). A explicação para esta
discrepância entre os sexos é que os estrogênios possuem efeito uricosúrico (ao inibirem a reabsorção
tubular renal de urato), e por isso mulheres na menacme possuem níveis séricos de ácido úrico inferiores,
UC 22 – Problema 04 – É culpa do meu metabolismo - @resumosdakali 19

em média, aos dos homens... A maioria das pacientes que desenvolve gota é idosa, e está em uso de
diuréticos (tiazídicos) para tratamento da hipertensão arterial.

A prevalência da gota está aumentando nos países desenvolvidos. A maior longevidade da


população, associada à elevada frequência de síndrome metabólica, obesidade, insuficiência renal
crônica e tratamento da HAS com diuréticos tiazídicos (a droga hiperuricemiante mais importante da
prática), são os principais fatores contribuintes. Outros fatores de risco são: dieta rica em carnes, frutos
do mar e cerveja (das bebidas alcoólicas, é aquela que contém maior quantidade de purinas). Por outro
lado, um importante fator de proteção é o consumo elevado de laticínios com baixos teores de gordura.

Nos homens suscetíveis à gota clássica, a hiperuricemia costuma ter início na época da puberdade
(são necessárias algumas décadas de deposição de cristais para a expressão clínica da doença).

Claramente existe um fator genético no desenvolvimento da gota, que justifica sua maior
incidência entre parentes de primeiro grau (20% dos casos são “familiares”, isto é, outros membros da
família também têm a doença). Acredita-se que a tendência ao desenvolvimento de hiperuricemia e gota
possua uma herança poligênica.

 Fatores de risco

Nos adultos, a concentração média de ácido úrico sérico em homens é cerca de 1 a 1,5 mg/dl
maior do que em mulheres da mesma idade, por uma maior fração excretora de urato mediada por
hormônios estrogênicos no sexo feminino. Isto explica em parte a baixa incidência de gota entre
mulheres jovens, e o aumento da sua incidência durante a menopausa, quando os níveis séricos de ácido
úrico se aproximam dos masculinos. O uso combinado de estrogênio e progesterona pode resultar em
uma redução no ácido úrico sérico em mulheres hiperuricêmicas em pós-menopausa. Afro-americanos
tem níveis mais elevados de ácido úrico em relação aos caucasianos.

ESTILO DE VIDA

Obesidade é um dos maiores riscos para hiperuricemia e gota, ao reduzir a excreção de ácido
úrico e aumentando a produção de purinas. Ingesta aumentada de carnes vermelhas, frutos do mar e
peixes, parece ter um efeito de aumento da incidência de gota. O aumento de ingesta de gorduras
saturadas está relacionado com aumento da resistência insulínica, a qual reduz a excreção renal de urato.
Pessoas que ingerem grandes quantidades de laticínios, principalmente os de baixo teor de gordura, têm
menor risco de gota.

Ingesta de bebidas alcoólicas está associada com aumento de risco de gota de forma dependente
da dose, independentemente do tipo de bebida alcoólica. O álcool induz hiperuricemia tanto pelo
aumento da produção de uratos quanto pela redução da excreção. Consumo de café reduz o nível de
ácido úrico a longo prazo, ao bloquear a ação da xantina-oxidase, além de reduzir os níveis de insulina
e aumentar a sensibilidade do organismo à insulina. Alta ingesta de vitamina C também reduziu o nível
sérico de ácido úrico.

Certas medicações podem afetar nos níveis de ácido úrico no organismo. Baixas doses de
salicilato, fenofibrato, losartana e bloqueadores de canais de cálcio reduzem os níveis séricos de ácido
úrico. Betabloqueadores e tiazídicos aumentam níveis de ácido úrico sérico. Exposição crônica ao
chumbo pode causar gota mesmo em pequena monta.
UC 22 – Problema 04 – É culpa do meu metabolismo - @resumosdakali 20

 Etiologia e patogênese

Urato é o produto final da degradação de purinas no organismo humano e em alguns primatas,


pela ausência do gene que decodifica a enzima uricase. Esta enzima produz um composto mais solúvel,
conhecido como alantoína. A ausência da uricase, combinada com reabsorção aumentada do urato
filtrado resulta em níveis plasmáticos de ácido úrico cerca de 10 vezes maior do que em outros
mamíferos. Os maiores níveis de ácido úrico nos seres humanos podem estar relacionados com a função
antioxidante deste, por conseguir remover radicais livres tão efetivamente quanto a vitamina C, sendo o
antioxidante mais abundante no corpo humano. O ácido úrico pode agir na vigilância imune, atuando
como adjuvante endógeno para disparar a resposta imune inata e específica, ao ser liberado por células
em processo de morte celular.

Os níveis de urato são influenciados por vários fatores, incluindo temperatura, pH, concentração
de cátions, nível de desidratação e outros, que podem alterar o risco de gota relacionado com uma
elevação no nível de urato, além de explicar o porquê de ser a primeira metatarso-falangeana uma
articulação comumente atingida (onde a temperatura é mais baixa). A quantidade de urato depende da
ingesta, síntese e taxa de excreção, podendo em 10% dos casos resultar de superprodução e em 90% dos
casos de uma baixa excreção, ou uma combinação dos dois. A ingesta diária de urato é baixa e pouco
absorvida. As purinas são mais abundantes em comidas e bebidas e podem contribuir para a deposição.
A grande massa vem da síntese endógena, principalmente no fígado. Em condições normais, o excesso
de ácido úrico é balanceado pela excreção renal,
cerca de 2/3 do total. A secreção pelo intestino
delgado e sua consequente quebra pelas bactérias
do intestino corresponde ao 1/3 restante.

A ingesta de purinas contribui


substancialmente para os níveis séricos de ácido
úrico. Sua adição à dieta revelou um aumento
variável nos níveis de ácido úrico, sendo maior
entre ribonucleotídeos, e na adenina em relação à
guanina (figura 1).

✓ METABOLISMO DE PURINAS E GOTA

A produção endógena de purinas ocorre por


síntese de novo, envolve o ciclo das pentoses-fosfato, e
sua degradação culmina nos precursores de urato (figura
2). A maioria dos nucleotídeos são reutilizados por meio
da enzima hipoxantina-guanina fosforibosiltransferase.
O restante da guanina perde grupamentos amino e se
transforma em xantina. A hipoxantina não utilizada é
transformada em xantina, e sofre mais oxidação até o
urato. A enzima xantina oxidase catalisa a reação de
redução da xantina e hipoxantina em urato, e pode ter
sua ação modificada de acordo com os medicamentos e
alimentos acima assinalados.
UC 22 – Problema 04 – É culpa do meu metabolismo - @resumosdakali 21

✓ EXCREÇÃO RENAL DO ÁCIDO ÚRICO

Composto de quatro componentes: filtração, reabsorção, secreção e reabsorção pós-secretória.


No túbulo proximal, temos o transportador URAT1 (Urate transporter 1), altamente específico para
ácido úrico, mediando sua reabsorção dos rins para a circulação. As drogas uricosúricas aumentam a
excreção renal do ácido úrico ao bloquear o URAT1, que ainda tem afinidade por compostos orgânicos
aromáticos, como o nicotinato, lactato, nitrato e cloreto.

O transportador GLUT9 (glucose transporter 9) é, assim como o URAT1, um dos membros da


família dos transportadores de ácidos orgânicos (OATs), sendo um transportador mediado por voltagem
que regula a reabsorção da célula tubular para a circulação. Expresso também na membrana basocelular
de hepatócitos, regula as concentrações do ácido úrico por meio destas duas locações.

Outros transportadores podem auxiliar na excreção renal, como o ABCG2, os NPT1 e 4, e outros
OAT13.

✓ INFLAMAÇÃO INDUZIDA PELOS CRISTAIS DE URATO

A formação dos cristais de urato monossódico necessita da supersaturação do urato, e dos fatores
relatados nos tópicos acima. Lesões articulares prévias podem facilitar a formação de cristais. Mesmo
pessoas sem gota clínica podem ter uma concentração de cristais de urato nas articulações.

Na crise aguda de gota, os cristais iniciam uma atividade inflamatória dependendo de múltiplos
fatores, como o tamanho dos cristais, as proteínas que os envolvem e as células que os encontram
primeiro. Apesar do potencial de liberação de toda esta cascata inflamatória, eles não ativam
necessariamente a inflamação, como visto em pacientes com gota tofácea crônica. Caso haja a deposição
ou a liberação dos cristais de depósitos pré-formados, há uma infiltração por neutrófilos, monócitos e
macrófagos. A interação com os fagócitos ocorre por dois meios: primeiro, ativam as células por meio
da via convencional, forma estereotípica de fusão lipossomal e liberação de mediadores inflamatórios (e
que gera a imagem típica da fagocitose de cristais que é critério diagnóstico da doença). O outro
mecanismo envolve propriedades particulares do cristal de se envolver com as membranas celulares por
perturbação e ligação cruzada das glicoproteínas de membrana no fagócito, ativando proteínas G,
fosfolipase C e D, SYK quinases, quinases ERK1/ERK2, cinases c-Jun N-terminal e outras, o que leva
à expressão de IL-8 induzida por cristais. Outras interleucinas, como a IL-1, a IL-6 e o TNF-alfa estão
associados com a inflamação. Há ainda a ativação do sistema complemento, aumento da permeabilidade
vascular e outras prostaglandinas vasoativas.

A interação dos neutrófilos endoteliais leva a um maior fluxo de neutrófilos e maior ativação da
cascata inflamatória.

A IL-1 age na iniciação e na amplificação do ataque de gota por meio do inflamossomo, um


complexo de proteínas celulares que é ativado quando há a exposição a elementos microbianos como o
RNA bacteriano e toxinas. A ativação deste complexo leva à liberação da caspase-1, que cliva a pro-IL-
1β em IL-1β, agindo de forma essencial na fisiopatologia da inflamação da gota. Quase sempre, a crise
de gota é autolimitada, resolvendo em uma a duas semanas. A limpeza dos cristais pelos macrófagos
leva à inibição dos leucócitos e ativação endotelial. Isto, somado ao aumento da permeabilidade vascular
e à liberação de estímulos antiinflamatórios como o aumento de corticosteroides endógenos e
interleucinas anti-inflamatórias leva à resolução do ataque de gota. Simultaneamente, há a liberação de
enzimas proteolíticas para quimiocinas, lipoxinas e outras que ajudam na resolução de flares agudos.
UC 22 – Problema 04 – É culpa do meu metabolismo - @resumosdakali 22

❖ Gota Crônica

Pacientes com gota há muitos anos apresentam mediadores inflamatórios envolvidos na


inflamação aguda e da inflamação crônica, o que leva à sinovite, erosão óssea e sinovite crônica. Os
tofos se formam devido aos agregados de cristais envelopados por uma resposta semelhante a granuloma,
com uma zona de células gigantes circundadas por uma camada fibrosa. As erosões se localizam em
torno de tofos, e são radiograficamente distintas das lesões erosivas presentes na artrite reumatoide.
Cristais de urato levam a efeitos nos osteoblastos e causam viabilidade celular reduzida nestes tipos
celulares, justificando a reabsorção óssea nos sítios de localização dos tofos. Dano cartilaginoso é uma
manifestação mais tardia da gota, e estudos ultrassonográficos mostram a relação entre os cristais e a
cartilagem articular, tendo o sinal do duplo-contorno sido visualizado sobre a margem superficial da
cartilagem articular, podendo representar o acúmulo dos cristais nestas locações.

 Quadro clínico

A história natural da gota é de progressão de um período prolongado assintomático de acúmulo


de cristais de urato monossódico nas articulações, intercalado com fases de mono ou oligoartrite para
uma fase de artrite crônica com a presença de depósitos de cristais conhecidos como tofos.

 Hiperuricemia assintomática

Termo associado com a elevação da concentração de urato sérico, na ausência de sintomas, sendo
uma alteração bioquímica relativamente comum, principalmente nos últimos 20 anos. As manifestações
podem vir a se desenvolver em cerca de um terço dos pacientes.

A hiperuricemia está relacionada com outras afecções não relacionadas com a deposição de
cristais, como hipertensão, insuficiência renal, doença cardiovascular, resistência insulínica, obesidade
e diabetes.
A definição de hiperuricemia não é bem clara, mas uma concentração acima de 6,8 mg/dl
corresponde ao ponto de saturação do urato nos fluidos biológicos, quando medidos por métodos
enzimáticos.

Há associação entre a hiperuricemia e a doença renal crônica, devido à redução da eficiência de


excreção de urato. Nas doenças com alto turnover celular, há alta produção de ácido úrico. Transplantes
também estão bastante associados com o aumento do nível sérico de ácido úrico, devido ao uso de
inibidores de calcineurina (ex: ciclosporina).
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1. Gota Intermitente aguda

Ocorre por volta da quarta década em homens, e mais tarde nas mulheres,
dependendo da idade da menopausa. Os ataques apresentam dor
importante, edema e dificuldade de mobilização, com pico de inflamação
ocorrendo dentro das primeiras 24 horas, e dificuldades inclusive de manter
toques extremamente suaves sobre a articulação atingida, como o toque do
lençol da cama. Os ataques resolvem-se dentro de poucos dias, seguidos de
descamação da pele sobre a articulação afetada. Ocorrem normalmente à noite e no início da manhã,
são monoarticulares, podendo apresentar sinais de inflamação se estendendo além da articulação
primariamente atingida, dando a impressão de dactilite ou celulite. Envolvimento de tornozelo, punhos,
quirodáctilos ou bursa olecraniana pode ocorrer inicialmente,
mas é mais raro. Em mais de 90% dos casos, a primeira
metatarsofalangeana é articulação mais atingida, sendo a
artrite que acomete esta articulação denominada podagra
(figura 3). As articulações referidas acima normalmente são
atingidas nos episódios subsequentes.
O ataque agudo pode ser ativado por qualquer fator
que altere a estabilidade dos cristais no interior da articulação,
como alteração do pH do líquido sinovial, trauma articular ou
quaisquer motivos que alterem a cristalização dos cristais. Exposição a purinas e a álcool, em especial
cerveja pode estar relacionado com a crise, bem como a redução dos níveis séricos de urato.

2. Gota aguda poliarticular

Manifestação inicial em menos de 20% dos pacientes com gota, porém mais frequente nos
quadros subsequentes. É mais comum em pacientes com doenças mieloproliferativas ou usuários de
inibidores da calcineurina. Pode ser migratória ou simultânea, envolvendo articulações e bursas.

3. Gota intercrítica

Intervalo assintomático após a resolução de ataques agudos da gota e tão infrequente em outras
causas de artrite que é extremamente sugestivo do diagnóstico. Os intervalos são variáveis, sendo em
média de dois anos após a primeira crise. Os pacientes quando não tratados tendem a ter ataques com
menor período intercrítico. A deposição de material tofáceo pode ocorrer, com artropatia gotosa crônica,
erosões e lesões articulares.

4. Gota tofácea crônica

Caracterizada por coleções de ácido úrico com alterações


destrutivas no tecido circundante (figura 4). Os tofos são visíveis,
palpáveis e indolores, podem estar presentes em superfícies digitais
e nas orelhas, com coloração amarelada quando superficialmente
sob a pele. Pode se estender além das articulações, produzindo
alterações das partes moles e alterações expansivas, ser confundido
com nódulos reumatoides, osteomielite e levar a amputações. Ao
exame histopatológico, os tofos apresentam reação granulomatosa.
São patognomônicos da doença, e ocorrem mais frequentemente
nos dígitos, punhos, orelhas, joelho, olécrano, pontos de pressão na
UC 22 – Problema 04 – É culpa do meu metabolismo - @resumosdakali 24

ulna, no tendão de Aquiles, em nódulos de Heberden e em locais como as pirâmides renais, válvulas
cardíacas e na esclera, podendo inflamar e infeccionar.

 Diagnóstico

Critérios classificatórios foram desenvolvidos pelo ACR (American College Of Rheumatology) e


pelo EULAR (European League Against Rheumatism) em 2015, de forma a agrupar os pacientes em
um grupo semelhante, e permitem que um paciente seja classificado como portador de gota caso tenham
sofrido um episódio de dor ou edema em uma articulação ou bursa com a presença de cristais de urato
em alguma locação ou sem a positividade do líquido, mas com sinais clínicos ou exames de imagem
positivos. A sensibilidade e a especificidade dos critérios são altas, atingindo 92% e 89%,
respectivamente.

O diagnóstico em pacientes com quadro suspeito de gota aguda, mas em quem a causa da artrite
ainda é incerta deve ser feito com base em exames laboratoriais, incluindo artrocentese, com contagem
celular, Gram e cultura, e exame dos cristais sob luz polarizada. É mais acurado quando cristais de
uratos são vistos intracelulares sob microscopia de luz polarizada de uma articulação afetada,
demonstrando cristais de birrefringência negativa. A gota pode coexistir com outra doença articular tal
como artrite séptica ou pseudogota. Isso reforça a necessidade de avaliação do líquido sinovial.

O diagnóstico deve ser baseado numa história clínica condizente e elevação dos níveis séricos de
urato. Um grande número de crises ocorre em pacientes que apresentam um nível normal ou até mesmo
baixo de urato sérico, e existem pacientes com artrite de outras causas e hiperuricemia concomitante. A
acurácia do diagnóstico clínico na ausência de cristais é mais baixa.

No caso dos quadros crônicos, os cristais podem ser vistos em articulações previamente afetadas,
em cerca de 70% dos pacientes, mesmo naqueles utilizando terapia hipouricêmica, o que permite o
diagnóstico não somente durante as crises agudas. A presença de cristais nos tofos também contribui
para o diagnóstico, que pode ainda ser realizado por meio de exames histopatológico das lesões e busca
de cristais de urato.

O líquido sinovial de pacientes com gota é caracterizado pela presença de cristais de ácido úrico
intra e extracelular visualizados por meio de luz polarizada, apresentando birrefringência negativa,
UC 22 – Problema 04 – É culpa do meu metabolismo - @resumosdakali 25

podendo ainda ser aspirados diretamente de tofos. O líquido tende a ser inflamatório, com celularidade
entre 10.000 e 100.000 células e predominância neutrofílica. Os líquidos de outros locais tais como bursas
tendem a ter achados semelhantes.

Os exames laboratoriais podem demonstrar


elevação da proteína C-reativa, com velocidade de
hemossedimentação alta nos ataques agudos,
achados inespecíficos. Exames de imagem podem
apresentar várias alterações: a radiografia tem sido
usada para confirmar a gota suspeita, porém as
imagens clássicas, como erosões em saca-bocado e
margens escleróticas ocorrem mais tardiamente no
processo.

O ultrassom de alta frequência pode ser


utilizado para avaliar pacientes com sinovites,
derrames articulares e erosões (figura 5). Cristais
podem ser vistos com aparências variáveis, como o
aspecto em duplo-contorno que reflete a deposição do urato na cartilagem hialina e apresenta alta
especificidade. A sinovite pode ser heterogênea, mas é predominantemente hiperecóica devido ao
depósito de urato. A outra vantagem é a visualização de depósitos tofáceos nas bursas, tendões e partes
moles.

Para detectar doença precoce, a tomografia computadorizada com dupla energia (DECT)
revelou-se útil na identificação da concentração de ácido úrico em diferentes locações, como os rins e as
articulações, e comparada com a punção articular, demonstrou boa sensibilidade e especificidade. A
medida quantitativa do volume de urato pode ser avaliada, de forma que a redução do urato e o sucesso
do tratamento podem ser medidos.
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 Tratamento

o Gota aguda

O tratamento da gota aguda deve objetivar o alívio rápido da artrite. As drogas mais utilizadas
para esta estratégia são os anti-inflamatórios não-esteroidais (AINES), corticoesteroides e a colchicina.
O tratamento deve continuar com os anti-inflamatórios até a crise aguda ter se resolvido. Estas
medicações estão associadas a alterações gastrointestinais, aumento dos níveis pressóricos e
complicações renais.

Corticoesteroides podem ser usados e têm eficácia e tolerância semelhantes aos AINES,
necessitando de doses altas para redução do processo inflamatório (>0,5 mg/kg). Podem ainda ser
utilizados de forma intramuscular ou intra-articular, sendo estas com uma ação rápida e efetiva. O uso
concomitante de colchicina pode reduzir o efeito rebote associado à interrupção do corticoesteroide
quando da melhora do quadro.

A colchicina é um alcaloide natural que inibe a fagocitose de cristais de urato monossódico, e as


respostas imunes associadas com a imunidade celular. Usada em altas doses em pacientes com gota
aguda (ex. 1 mg seguido de 0,5 mg a cada duas ou três horas, até a melhora), parece ter bom efeito e
melhor tolerabilidade que os regimes assinalados acima (doses de 0,5 mg de 12/12 horas).

o Gota intercrítica

O tratamento a longo prazo tem como objetivo prevenir a formação dos cristais de urato
monossódico, impedindo novos ataques de gota e a redução dos tofos. A redução dos níveis de urato é
mais facilmente atingida através da união de métodos farmacológicos e não farmacológicos.

o Tratamento não-farmacológico

A substituição de diuréticos tiazídicos por outras medicações anti-hipertensivas, redução da


ingesta de álcool, em especial a cerveja, perda ponderal e redução da ingesta de alimentos ricos em purina
são medidas a serem tomadas.

Deve-se sempre avaliar a aderência dos pacientes ao tratamento e explicar que o tratamento é
prolongado e o paciente pode permanecer assintomático pela maior parte do tempo. A educação do
paciente sobre a sua doença e sobre a aderência ao tratamento é fundamental.
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o Tratamento farmacológico

A droga mais usada é o alopurinol, inibidor não específico da xantina-oxidase, deve ser iniciado
em doses baixas (100 mg/dia) e aumentado em 100 mg a cada mês até a obtenção de níveis séricos
desejáveis de ácido úrico. A dose máxima do alopurinol se situa em torno de 800 a 900 mg por dia. Tem
como efeitos adversos a possibilidade de desenvolver lesões de pele e a síndrome de hipersensibilidade
ao alopurinol, com lesões cutâneas graves e disfunção renal e hepática. A maioria dos pacientes tolera
bem o alopurinol, mas podem sofrer uma crise aguda devido às alterações dos cristais de urato nas
articulações, fato que pode ser reduzido com doses baixas de colchicina associada. Como alternativa, há
o febuxostat, que ainda não está disponível no Brasil.

A terapia em pacientes que não toleram ou tem contraindicações ao alopurinol deve ser com base
em terapias uricosúricas, tais como a benzobromarona e a probenecida.

Os consensos ainda referem tratar a hiperuricemia em pacientes com alterações clínicas


associadas com a gota, não em hiperuricêmicos assintomáticos. Em termos de metas, o objetivo é de
manter uma concentração de urato sérico menor que 6 mg/dl e menor que 5 mg/dl naqueles pacientes
portadores de tofos, de forma a melhorar a resolução dos tofos. Não se recomenda o uso de medicações
redutoras de urato em crises agudas, devendo-se aguardar ao menos duas semanas para iniciar este
tratamento, baseando-se no fato de que a redução dos níveis de urato num ataque agudo pode piorar a
artrite.

Uricosúricos são medicamentos que podem ser usados em pacientes com baixa excreção renal da
ácido úrico, mas não podem ser usados em pacientes com quadros de insuficiência renal ou em pacientes
com nefrolitíase. Estas medicações agem inibindo as trocas de urato no túbulo proximal, e têm
disponibilidade limitada. Tem como efeitos adversos, o surgimento de rash, precipitação de crise aguda,
intolerância gastrointestinal e nefrolitíase.

No Brasil, encontramos disponível apenas a benzobromarona. Apesar de pouco utilizada,


apresenta-se bastante efetiva na redução dos níveis de urato sérico naqueles pacientes hipoexcretores.
Novas drogas vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos. O Febuxostat é um inibidor potente da
xantina-oxidase, e que não é análogo da purina, liberado na Europa e nos Estados Unidos. A pegloticase
é uma uricase recombinante de mamíferos e que converte urato para alantoína, disponível nos EUA para
tratamento da gota tofácea refratária a um custo bastante elevado. Os inibidores da IL-1 parecem ser um
tratamento promissor em pacientes com gota que não toleram agentes tradicionais como
corticoesteroides.

O tratamento desta condição é crônico, e uma vez atingido um determinado nível sérico de urato,
as medidas devem ser repetidas a cada seis meses para garantir o alvo terapêutico. Quando o paciente
for considerado livre de cristais, a dose deve ser ajustada para manutenção e mantida a monitorização.
A aderência é um ponto importante que deve ser abordado em todas as consultas, assim como a melhora
dos hábitos de vida, pois se sabe que a gota está associada a outras alterações sistêmicas que envolvem
principalmente o sistema cardiovascular.
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Transtornos Alimentares (TA) e sua Relação com a Síndrome Metabólica (SM) Segundo
Lofrano-Prado et al. (2011) os TA caracterizam-se por perturbação no comportamento alimentar e
excessiva preocupação com o peso e forma corporal, o que resulta na adoção de comportamentos
inadequados, dirigidos principalmente à redução da massa corporal. Dois quadros clássicos dos TA são
a anorexia nervosa (AN) e a bulimia nervosa (BN).

Os TA possuem etiologia multifatorial, sendo a adolescência o período de vida de maior


exposição para sua ocorrência devido às características dessa fase, como as mudanças antropométricas
e de composição corporal, influência dos fatores psicológicos (busca pela nova identidade e
independência social e emocional), de seus pares, amigos, familiares e da mídia, que idealiza a busca
por um corpo magro como forma de sucesso felicidade e associação com a beleza.

Esses distúrbios podem resultar em prejuízos biológicos e aumento da morbidade e mortalidade,


sendo as complicações clínicas decorrentes desses TA, relacionadas principalmente com o
comprometimento do estado nutricional (devido à restrição alimentar auto imposta) e a prática de
métodos compensatórios inadequados para controle de peso.

As causas clínicas associadas à mortalidade, aumentada em até 12 vezes naqueles indivíduos com
transtornos, são geralmente de natureza cardiovascular, endócrina, hematopoiética, dentre outros. Com
relação às alterações endócrinas, é possível verificar oscilação nos níveis de adipocinas, sendo
considerado um importante mecanismo capaz de alterar o padrão de ingestão alimentar e levar a
desajustes nutricionais.

Um exemplo dessa alteração seria a modificação dos níveis plasmáticos de leptina, já citada
anteriormente, responsável pelo controle do centro de fome e saciedade, sendo essa oscilação verificada
em estudos com adolescentes obesos e com sinais e sintomas de TA.

Entre as alterações hormonais podemos citar o aumento do cortisol e diminuição dos hormônios
tireoidianos, geralmente relacionados ao comprometimento do estado nutricional. O excesso de cortisol
UC 22 – Problema 04 – É culpa do meu metabolismo - @resumosdakali 30

possui efeito antilipolítico, gerando uma redistribuição da massa gorda no corpo, favorecendo seu
acúmulo no tronco, o que pode resultar em aumento da insatisfação corporal em adolescentes com TA,
devido à percepção corporal alterada, apesar de ser um hormônio que altera diante de um quadro de
desnutrição.

Com relação aos hormônios tireoidianos, sua oscilação é sensível ao estado nutricional do
indivíduo, podendo apresentar níveis baixos ou mesmo normais dependendo da evolução do transtorno.
Já as alterações hematológicas são geralmente difíceis de verificar, como a carência de vitaminas e
minerais, devido à hemoconcentração em virtude de desidratação ou do uso abusivo de medicamentos
(laxantes, diuréticos e moderadores de apetite).

Outra alteração comum tanto na AN quanto na BN é a anemia, consequência de uma baixa


ingestão e/ou baixa disponibilidade de ferro nos alimentos considerados “permitidos” para consumo,
de acordo com as anoréxicas e devido também a sangramento retal por uso abusivo de laxantes. A
anemia é uma condição na qual uma deficiência no tamanho ou número de eritrócitos, ou quantidade
de hemoglobina que eles contêm limita a troca de oxigênio e gás carbono entre o sangue e os tecidos, o
que pode levar a fadiga, dor de cabeça, tonteira, dor no peito e até mesmo evoluir para uma arritmia e
dano a outros órgãos do corpo.

Como citado anteriormente, a carência de vitaminas e minerais pode estar subestimada nesses
indivíduos, fator de risco para alterações hidroeletrolíticas que por si só, geram maior risco para arritmias
cardíacas. Fatores de risco cardiovascular também estão presentes nos TA, considerando que 50% dos
indivíduos com essa doença apresentam hipercolesterolemia e a literatura sugere a presença de fenótipo
pró-inflamatório nos mesmos.

A hipercolesterolemia ainda não possui etiologia totalmente esclarecida, mas diferentes autores
relatam prováveis causas ou mecanismos dessa alteração. O primeiro mecanismo que explicaria essa
alteração seria a ativação do sistema nervoso simpático que resultaria na atividade aumentada da lipase
lipoproteica (responsável por hidrolisar os triglicerídeos das partículas de lipoproteínas), aumentando
assim os ácidos graxos no soro. Uma segunda causa provável seria a diminuição do hormônio
tireoidiano T3 e da globulina carreadora de colesterol e/ou da diminuição da excreção fecal de ácidos
biliares e colesterol, ou mesmo da síntese diminuída de ácidos biliares, diminuindo o catabolismo do
colesterol resultando assim no aumento dos níveis de lipoproteínas de baixa densidade (LDL).

Aliado as alterações no perfil lipídico, MacDowell et al. (2013)40 relatam concentrações


plasmáticas elevadas de Interleucina-1 (IL-1) em mulheres com TA quando comparadas com mulheres
com características semelhantes e sem diagnóstico do distúrbio, o que sugere um fenótipo pró-
inflamatório e oxidantes nesses indivíduos. Uma vez relatada a existência desse fenótipo pró-
inflamatório, é possível que os biomarcadores de risco cardiovascular, já alterados na presença da SM,
como o Inibidor do Ativador do Plasminogênio tipo 1 (PAI-1), a Molécula de Adesão Intercelular 1
(ICAM-1) e a Proteína de Quimioatração de Monócitos 1 (MCP-1), também estejam alterados em
indivíduos com TA.

Portanto, é possível perceber que ambos os problemas de saúde, a SM e o TA, possuem


complicações clínicas semelhantes ou mesmo iguais, resultado, porém, de diferentes alterações. Ao
verificar a SM não só em adolescentes, mas em todos os indivíduos com TA, alguns critérios como o
excesso de gordura corporal central só seria aplicável naqueles indivíduos com BN, assim como a
hipertensão, que estaria mais relacionada ao excesso de peso.

Já o perfil lipídico alterado, com valores aumentados de triglicerídeos e níveis baixos de HDL se
encaixaria em ambos os quadros de TA. As alterações hormonais citadas anteriormente, comuns às duas
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doenças, podem ser consideradas fatores de risco para agravamento e manutenção das mesmas, além de
predispor a outras alterações, uma vez que, os hormônios são substâncias biologicamente ativas, que
exercem efeitos específicos em células, órgãos e tecidos, responsáveis por garantir a homeostasia
metabólica do organismo.

• Adesão a Modificações do Estilo de vida

Além da prescrição de intervenções medicamentosas, dietéticas e de prática de atividade física,


garantir a adesão a estas intervenções é importante para o sucesso do tratamento. Trabalhos de
intervenção nutricional apontam para a necessidade de desenhos clínicos que utilizem a integração de
modelos da teoria social cognitiva e o treinamento profissional visando à aquisição de habilidades
técnicas que motivem os indivíduos à MEV.

Sabe-se que intervenções de MEV agem concomitantemente ao tratamento e na prevenção das


doenças cardiometabólicas. Entretanto, estas mudanças são caracterizadas por índices de baixa adesão
dos pacientes. DiMatteo, relatou que 75% dos pacientes não seguem as recomendações médicas
relacionadas a mudanças no estilo de vida, como, por exemplo, a indicação para o abandono do fumo e
para a prática de atividade física.

Pouco foi descrito até então sobre a combinação ideal de aspectos dietéticos e sociais ou, a melhor
maneira de desenvolver a adesão a 21 estes aspectos pela população. (46) Assim, um programa de
intervenção para a MEV pode ser bem sucedido se considerar previamente o indivíduo, enfocando o
desenvolvimento de suas intervenções nos fatores ambientais, organizacionais e pessoais em que o
indivíduo está inserido. O plano de tratamento e as orientações devem estar fundamentados neste amplo
aspecto, e não focados meramente na prescrição de um tratamento.

• Índice de Qualidade da Dieta


A avaliação do consumo alimentar tem o importante papel de prover subsídios para a intervenção
nutricional focada na melhora de hábitos alimentares. Necessidades ou características específicas de uma
dieta, que podem predispor ou agravar doenças precisam ser reconhecidas pela avaliação do consumo
alimentar. Um instrumento de análise que identifique hábitos alimentares inadequados fornece dados
para uma intervenção direcionada à necessidade de mudança.

Os índices dietéticos são instrumentos de avaliação capazes de determinar características


alimentares específicas de indivíduos ou de populações. O índice de qualidade da dieta original, Healthy
Eating Index (HEI), foi proposto por Kant em 1994. Este instrumento foi criado com o objetivo de medir
a qualidade global da dieta e de criar um gradiente que refletisse risco para doenças crônicas relacionadas
à nutrição.

Dieta inadequada <41


Necessita de modificação
41 – 64
Dieta saudável > 64
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O HEI adaptado e proposto por Kennedy e colaboradoes em 1995 (48) foi considerado pela
American Dietetic Association um instrumento adequado para medir a qualidade da alimentação na
população americana. Sua elaboração foi baseada na importância de determinados nutrientes e nas
recomendações dietéticas do Food and Nutrition Board. Este índice é usado como base para a promoção
de atividades nutricionais educativas pelo Departamento de Agricultura dos Estados 22 Unidos (USDA
1989-1990) servindo também para avaliar a qualidade global da dieta da população americana no
decorrer dos anos, e também para verificar o impacto de intervenções nutricionais sobre a dieta desta
população.

O Healthy Eating Index foi o instrumento utilizado por McCullough e colaboradores para avaliar
a qualidade da dieta nos dados dos estudos de coorte denominados Nurses’ Health Study e Professional’s
Follow-up Study. Este autor e seus colaboradores demonstraram que homens com alto escore no HEI,
o que significa uma boa qualidade na dieta, tinham 39% menos risco de desenvolver doença
cardiovascular, comparados com aqueles com um baixo escore, representando uma baixa qualidade da
dieta. Estes autores demonstraram ainda que para as mulheres essa relação determinaria 28% de redução
de risco de DAC naquelas com altos escores de qualidade da dieta, quando comparadas com aquelas
que apresentavam o escore baixo no HEI.

Em 2004 Fisberg e colaboradores adaptaram o HEI para a população brasileira. A adaptação


realizada foi referente à utilização da pirâmide alimentar brasileira como guia para a pontuação dos
grupos alimentares representados nos componentes de 1 a 5 do HEI. No Brasil o instrumento adaptado
está sendo gradativamente utilizado, porém há escassez de utilização em populações com DCNT e em
ensaios clínicos randomizados. Estudos clínicos para verificar o efeito de determinados itens de uma
dieta na incidência da SM tornam-se inviáveis, devido à necessidade de um grande número de indivíduos
durante um longo período de intervenção. Portanto, delineamentos que objetivem verificar o efeito de
mudanças na dieta sobre desfechos intermediários seriam uma forma alternativa de relacionar a dieta
com o risco aumentado de desenvolver SM.

A prevenção primária dos critérios de diagnóstico da SM é um desafio com importante


repercussão para a saúde. A adoção precoce de um estilo de vida relacionado à manutenção da saúde,
como dieta adequada e prática regular de atividade física, devem ser priorizados desde a infância, por
serem componentes básicos da prevenção da SM para toda a população. As diretrizes existentes para a
SM preconizam as mudanças do estilo de vida de forma primordial, ou concomitante ao uso de
medicamentos, no tratamento.

São inúmeros os achados que comprovam a eficácia da perda de peso, de uma dieta saudável e
da prática regular de atividade física na melhora do perfil cardiometabólico. Considerando a relevância
do tratamento com MEV somados aos efeitos dos ácidos graxos Ômega-3.

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