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PROCESSOS

PATOLÓGICOS
Lesão celular
reversível e
irreversível
Francine Luciano Rahmeier

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Determinar as características associadas às lesões reversíveis e irre-


versíveis.
> Identificar quais estímulos nocivos podem ser responsáveis pela lesão
celular.
> Averiguar a atuação de cada mecanismo de lesão responsável por dano
celular.

Introdução
A célula é a unidade funcional de todo o organismo. Sem as células, não haveria
vida, e qualquer alteração no funcionamento delas pode alterar a fisiologia e a
viabilidade dos tecidos. Nosso corpo está suscetível o tempo todo a diversos
tipos de situações que podem lesar essas células. Existem ameaças vindas do
meio externo, como machucar o joelho ao cair de bicicleta, e do nosso próprio
organismo, como uma doença genética autoimune.
Neste capítulo, você vai conhecer o que são lesões reversíveis e irreversíveis.
Além disso, vai ver como uma lesão se inicia e quais são os principais estímulos
que a desencadeiam. Por fim, vai estudar as principais alterações bioquímicas
e morfológicas encontradas e os fatores envolvidos nesse processo.
2 Lesão celular reversível e irreversível

Lesão celular: tipos e principais


características
Quando ocorre, por algum motivo, a quebra da homeostasia (estado de equilí-
brio entre todas as funções celulares) de uma célula, esta pode se adaptar ou
iniciar um processo de formação de lesão (ANGELO, 2016; TEIXEIRA, 2020). No
processo de adaptação, os estímulos para as alterações morfológicas celulares
são geralmente desencadeados por estresses fisiológicos, como alterações
mamárias e uterinas provocadas por estímulos hormonais na adolescência e
na gravidez, microlesões musculares que provocam hipertrofia em praticantes
de musculação ou alterações provocadas pelo avanço da idade (FRANCO
et al., 2015; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; TEIXEIRA, 2020).
Quando a célula em questão não consegue mais se adaptar fisiologica-
mente, o estímulo se torna nocivo, e a evolução para uma lesão é inerente.
Contudo, enquanto estiver dentro de limites toleráveis pela célula, essa lesão
pode ser reversível. Se esse estímulo nocivo não for cessado ou se tornar
mais intenso, ele vai causar danos graves ao funcionamento e às estruturas
celulares, desencadeando um processo de lesão irreversível, em que o des-
fecho final será a morte celular (Figura 1) (ANGELO, 2016).
As lesões celulares são provocadas pelos mais diversos tipos de agressões,
que variam entre estímulos físicos, químicos e até biológicos, podendo ser
influenciados por fatores genéticos e emocionais. A gravidade dos danos
depende da natureza do estímulo, do tempo e da intensidade da agressão e da
eficiência dos mecanismos de defesa do organismo (BRASILEIRO FILHO, 2016).
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Figura 1. Sequência de desenvolvimento das lesões com base no tempo de exposição ao


estímulo danoso e série de alterações bioquímicas, estruturais e morfológicas. Ainda na fase
reversível, as células vão perdendo sua função, apesar de ainda estarem viáveis. Quando a
função se perde por completo e as alterações bioquímicas se iniciam, instala-se o quadro
de lesão irreversível, o que vai culminar na morte da célula antes mesmo que as primeiras
alterações estruturais e morfológicas sejam detectadas.
Fonte: Adaptada de Kumar, Abbas e Aster (2016).

Lesão celular reversível


Essas lesões, primeiramente chamadas de degenerações (termo estabelecido
pelo patologista alemão Rudolph Virchow), são conhecidas na patologia mo-
derna como lesões reversíveis, mas o termo antigo ainda é utilizado (FRANCO
et al., 2015).
Nesse tipo de lesão, que transita entre uma célula normal e uma célula
que está em processo de morte, algumas alterações bioquímicas contribuem
para a perda da função celular. Inicialmente, ocorre a redução da fosforilação
oxidativa que, em consequência, reduz a produção e o armazenamento de
ATP (adenosina trifosfato). Com a deficiência de energia, o funcionamento da
célula decai pouco a pouco, dando origem a manifestações características
das lesões reversíveis, conhecidas como tumefação e degeneração gordurosa
(ANGELO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
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No processo de tumefação, ocorre o acúmulo de água e eletrólitos quando


ocorre a quebra da homeostasia celular e a falha na bomba de íons, fazendo
com que a célula fique entumecida e repleta de vacúolos claros. Esse processo
também é conhecido como degeneração ou alteração hidrópica (Figura 2).
A entrada dessas substâncias para o interior da célula geralmente ocorre
em decorrência de algum dano capaz de causar aumento de sódio, retenção
ou diminuição de potássio e aumento da pressão osmótica. É geralmente o
primeiro sinal de lesão a se manifestar, e é melhor notado quando observamos
o órgão inteiro, que aumenta de volume e peso e adquire uma coloração mais
pálida, devido à compressão dos capilares e vasos sanguíneos (ANGELO, 2016;
BRASILEIRO FILHO, 2016; TEIXEIRA, 2020).

A C

B D

Figura 2. Exemplos de alterações hidrópicas macroscópicas e microscópicas: (a) rim e (b) fígado
entumecidos, com aumento de volume e palidez. Note o espessamento das regiões corticais
renais e os ligamentos hepáticos esbranquiçados. (c) Microscopia renal e (d) microscopia
hepática: note o entumecimento celular, com a presença de vacúolos claros.
Fonte: Franco et al. (2015, p. 99).

A degeneração gordurosa ocorre em razão da lesão hipóxica, metabólica,


tóxica ou por alterações na dieta, especialmente em células hepáticas (hepa-
tócitos), epitélio tubular renal e células do miocárdio, em que a interferência
no metabolismo de ácidos graxos faz com que estes se acumulem no espaço
intracelular (Figura 3) (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; ALBERTS et al., 2017).
Microscopicamente, é possível diferenciar depósitos de gordura de depósitos
de líquido por meio de colorações especiais de imuno-histoquímica para
tecidos, utilizando corantes específicos para gorduras, como o Sudan III (Sudan
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vermelho), Sudan IV (Sudan negro) ou oil red (óleo vermelho) (BRASILEIRO


FILHO, 2016).

Figura 3. Degeneração gordurosa em tecido hepático. A seta preta indica um microvacúolo


citoplasmático contendo depósito lipídico, enquanto a seta azul indica um vacúolo de ta-
manho muito expressivo.
Fonte: Brasileiro Filho (2016, p. 139).

No processo de lesão reversível, também são encontradas alterações


ultraestruturais, como (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016):

„ alterações na membrana plasmática, com a presença de bolhas, perda


de microvilosidades e apagamento das bordas;
„ alterações mitocondriais, que se encontram entumecidas e com a
presença de agregados amorfos;
„ dilatação do retículo endoplasmático, com a presença de figuras de
mielina no citoplasma e o desprendimento de polissomas;
„ alterações nucleares, com desagregação de elementos granulares e
fibrilares e aglomeração da cromatina nuclear.

Em consequência dessas alterações morfológicas, ocorre uma diminuição


da formação de ATP, déficits na síntese de proteínas, desestabilização do
citoesqueleto, perda da integridade da membrana celular e danos ao DNA.
Se em um dado momento esse estímulo nocivo for atenuado ou cessado e
as alterações morfológicas e bioquímicas estiverem dentro dos limites em
que a célula pode suportar, essas lesões podem regredir, e as células voltam
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à normalidade, recuperando sua função e sua morfologia usual (KUMAR;


ABBAS; ASTER, 2016).

Lesão celular irreversível


Nesse estágio, a extensão de danos celulares já é muito extensa, os mecanis-
mos de proteção celular não são suficientes e as lesões atingem um ponto de
não retorno, em que não é mais possível recuperar a função mitocondrial e
nem reverter as lesões à membrana celular. Essas células têm como desfecho
a morte, que ocorre por meio de necrose ou apoptose (BRASILEIRO FILHO,
2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
A necrose ocorre após muitas lesões à membrana celular, o que provoca
o extravasamento de enzimas lisossômicas para o citoplasma, iniciando um
processo de digestão e degradação da célula, que se rompe e extravasa todo
seu conteúdo para o meio extracelular em um processo conhecido como
autólise. Isso é feito de forma totalmente desorganizada, comprometendo
as células de seus arredores (FRANCO et al., 2015; D’ARCY, 2019).
A apoptose é desencadeada após lesões significativas às proteínas celu-
lares e ao DNA da célula em um estágio não mais reversível. Assim, a célula
ativa o modo de morte celular programada, em que a mesma se “suicida” para
evitar maiores danos, desintegrando seu núcleo e fragmentando toda a célula
internamente, sem perder a integridade da membrana, em um processo de
morte organizada (BRASILEIRO FILHO, 2016; D’ARCY, 2019).
Vale salientar que o processo de necrose é sempre em decorrência de um
processo patológico, já a apoptose também ocorre fisiologicamente, como
mecanismo de defesa do organismo (por exemplo, induzindo células com
DNA mutado à apoptose para evitar o desenvolvimento de tumores e outras
doenças. Isso auxilia na evolução embriogênica (por exemplo, apoptose de
células de tecidos nas mãos de um feto para que se formem e se separem os
dedos) e controla o número de células do organismo, entre diversos outros
processos (FRANCO et al., 2015; D’ARCY, 2019).

Como se inicia uma lesão celular?


As principais causas das lesões podem vir de fontes exógenas, relacionadas
ao meio ambiente externo (acidente automobilístico, queda em um jogo de
futebol, exposição prolongada ao sol ou contato com substâncias corrosivas)
ou por fontes endógenas, relacionadas ao próprio organismo da pessoa
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(doenças que provocam imunodeficiência, como leucemia) (ANGELO, 2016;


KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).

Causas exógenas
Dentre as causas exógenas, podemos destacar os estímulos físicos, químicos
e biológicos e os distúrbios nutricionais.

Estímulos físicos
A seguir, vamos tratar de alguns estímulos físicos.

Trauma físico por força mecânica: o padrão de lesão vai depender do objeto
de colisão, da força do impacto e dos tecidos e órgãos afetados. Tecidos moles
tendem a apresentar reações semelhantes, e as lesões são classificadas como
abrasões, contusões, lacerações, incisivas, feridas por perfuração, feridas por
penetração e fraturas. Essas lesões causam comumente a ruptura celular,
hemorragias, edema e inflamação local, mas se o impacto ou a extensão da
lesão for muito grande, podem ocasionar choque (ANGELO, 2016; KUMAR;
ABBAS; ASTER, 2016).

Radiação: englobam a radiação não ionizante, (UV, infravermelho, micro-ondas,


ondas sonoras) e inonizantes (raio X, raios gama, partículas alfa e beta e
nêutrons de alta energia). A radiação ionizante é a mais perigosa, pois causa
danos à pele e aos tecidos em menos de um microssegundo após o impacto,
levando a queimaduras e à desintegração de membranas, além de danos ao
DNA e à rede vascular, provocando o aumento da produção de radicais livres
e a indução à necrose e à apoptose. A radiação pode causar destruição de
gônadas e do tecido linfoide, além de ser altamente deletéria, carcinogênica
e teratogênica (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; FRIEDSTAT; BROWN; LEVI, 2017;
BASELET et al., 2019).

Variações de temperatura: as queimaduras, tanto por calor quanto por frio,


têm a capacidade de gerar grandes danos celulares, relacionados a desequi-
líbrio hidroeletrolítico, necrose e extenso edema. A hipertermia (exposição a
altas temperaturas) é capaz de causar desequilíbrio hidroeletrolítico, além de
hipóxia no tecido, em razão da vasodilatação. A hipotermia (exposição a baixas
temperaturas) causa lesões por meio da ruptura celular pela cristalização
da água, e hipóxia no tecido acontece em razão da vasoconstrição (ANGELO,
2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
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Descarga elétrica: a lesão ocorre por meio do contato com fontes elétricas
de baixa voltagem (sistema elétrico de uma casa) ou alta voltagem (linhas
elétricas de alta tensão e relâmpagos). As descargas elétricas podem causar
queimaduras e alterações cardíacas e respiratórias, sendo geralmente fatais
(ANGELO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; FRIEDSTAT; BROWN; LEVI, 2017).

Alterações de pressão atmosférica: o aumento da pressão atmosférica que


encontramos em baixas altitudes ou sob a água provoca uma maior dissolução
de gases nos líquidos corporais. Quando um indivíduo retorna muito rapida-
mente a pressões normais, os gases formam bolhas no sangue, nos tecidos
e no interior das células, provocando a ruptura de algumas células e até de
tecidos. Isso pode ser muito perigoso. A diminuição da pressão atmosférica
em altas altitudes causa hipóxia e vasoconstrição periférica, aumentando
edemas nas extremidades e na face e dificultando a oxigenação de tecidos
(ANGELO, 2016; BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).

Estímulos químicos
Independentemente da origem do agente químico, ele pode ocasionar lesões
por meio da ação direta sobre o interstício ou sobre as células, causando
degenerações, alterações e modificações genômicas. Também pode ser por
ação indireta, induzindo a resposta imune humoral ou celular, que será a
responsável pelas lesões. Para a formação de lesões por essa origem, deve-se
considerar a natureza do agente químico, o tipo de mecanismo de agressão,
a dose, o tempo de exposição, o meio de absorção e fatores exclusivos da
pessoa, como a capacidade do organismo de metabolizar certas substâncias,
a idade, as doenças preexistentes e os fatores genéticos (KUMAR; ABBAS;
ASTER, 2016; FRIEDSTAT; BROWN; LEVI, 2017).
Os principais agentes químicos capazes de originar lesões são os seguintes
(BRASILEIRO FILHO, 2016, KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; FRIEDSTAT; BROWN;
LEVI, 2017).

„ Defensivos agrícolas: herbicidas, fungicidas, organoclorados,


organofosforados.
„ Solventes orgânicos: benzeno, tolueno, xileno.
„ Poluentes ambientais: monóxido de carbono, dióxido de enxofre,
hidrocarbonetos, poeiras, fumaça de cigarro, cianeto, hexano, gasolina,
benzeno (poluentes do ar), metais pesados e pesticidas (poluentes
da água).
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„ Contaminantes alimentares: aflatoxina, ocratoxinas, ergolinas, con-


servantes e aditivos químicos.
„ Medicamentos: barbitúricos, benzodiazepínicos, sedativos hipnóticos
(quando usados de forma abusiva).
„ Drogas de abuso: etanol, cocaína, anfetamina, heroína, maconha.

Estímulos biológicos
Qualquer agente biológico que tenha a capacidade de invadir um organismo
pode causar uma doença infecciosa. Entre esses agentes estão os fungos, as
bactérias, os vírus, as riquétsias e os parasitas, que podem causar os mais
variados tipos de lesões, com diferentes níveis de gravidade. Em geral, esses
microrganismos causam lesões das seguintes formas (BRASILEIRO FILHO, 2016;
KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).

„ Por efeito citopático, em que o microrganismo invade as células,


induzindo-as à morte (por exemplo, os vírus).
„ Produzindo exotoxinas capazes de lesar células (por exemplo, toxina
botulínica bacteriana).
„ Liberando endotoxinas após sua desintegração.
„ Ativando componentes que desencadeiam uma resposta inflamatória.
„ Induzindo a resposta imune do hospedeiro.
„ Liberando antígenos que se aderem às células do hospedeiro, provo-
cando uma autoagressão, em que o sistema imune também ataca o
próprio organismo da pessoa infectada.
„ Integrando-se ao genoma celular e alterando a síntese proteica, po-
dendo ocasionar neoplasias.

Distúrbios nutricionais
O equilíbrio nutricional é essencial para a manutenção da vida. A falta ou o
excesso de nutrientes, como vitaminas, minerais, aminoácidos, proteínas
e carboidratos, também são fatores capazes de desencadear lesões. Veja
a seguir alguns exemplos (ANGELO, 2016; BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR;
ABBAS; ASTER, 2016).

„ Deficiência proteico-calórica: a síndrome de Kwashiorkor se desenvolve


geralmente em crianças em estados de extrema desnutrição, em que a
falta de calorias para fornecer energia, aliada ao déficit de proteínas,
provoca atrofia muscular e de alguns órgãos, descamação da pele,
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alteração de pigmentação dos cabelos e acúmulo de gordura no fígado.


Além disso, causa edema nas extremidades e na face, o que mascara a
desnutrição pela retenção de líquido (BHUTTA et al., 2017).
„ Deficiência de vitamina C: pode causar hemorragias, anemias e aumento
do estresse oxidativo.
„ Deficiência de vitamina D: osteomalácia e raquitismo.
„ Deficiência de vitamina B6: anemia, danos neurológicos.
„ Excesso de gorduras: acúmulo de gordura em órgãos, tecidos e vasos
sanguíneos.
„ Excesso de sódio: disfunção na bomba de íons, retenção de líquidos.

Além disso, condições de saúde como obesidade, anorexia, bulimia e


doenças com problemas de absorção ou metabolização de nutrientes também
desencadeiam lesões de forma direta ou indireta (ANGELO, 2016; BRASILEIRO
FILHO, 2016, KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
É possível notar que as causas exógenas estão presentes nos mais variados
contextos, intensidades e ambientes, e uma pessoa pode estar exposta a
qualquer momento (BRASILEIRO FILHO, 2016).

Causas endógenas
As causas endógenas se referem especialmente aos mecanismos de defesa
do organismo afetado e a sua carga genética.

Mecanismos de defesa
Existem diversos tipos de mecanismos de defesa contra agressores externos.
Eles abrangem barreiras como a fagocitose, o sistema complemento, a reação
inflamatória, a resposta imune inata, o sistema de reparo de DNA, a produção
de antioxidantes, entre outros. Quando algum desses mecanismos falha ou
se torna insuficiente, o fator agressivo vence e inicia o processo de lesão
celular. No entanto, quando algum desses mecanismos está descontrolado
ou exacerbado, ele mesmo vai gerar danos ao próprio organismo (KUMAR;
ABBAS; ASTER, 2016; ALBERTS et al., 2017).
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Carga genética
Essa categoria engloba desde falhas genéticas que causam algum déficit
nos mecanismos de defesa ou nas substâncias responsáveis pela proteção
do organismo até mutações genéticas que aumentam a suscetibilidade de
desenvolver algum tipo de lesão, doença ou síndrome. Existem inúmeros
fatores e distúrbios envolvidos; veja a seguir alguns exemplos (ANGELO, 2016;
KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; ALBERTS et al., 2017).

„ Alterações no gene que codifica a p53, uma proteína envolvida na


indução da apoptose fisológica em células alteradas e no controle
da proliferação celular. Quando alterada ou inativa, o organismo fica
extremamente exposto ao desenvolvimento de tumores, tendo em
vista que o principal mecanismo de proteção contra células tumorais
é justamente a apoptose, que nesse caso está prejudicada.
„ Síndrome de Down, causada pela trissomia do cromossomo 21, que
vai ocasionar uma série de desordens típicas dessa síndrome, além de
aumentar o risco dos portadores de desenvolverem lesões e distúrbios
que danificam a função da tireoide e desencadeiam leucemia.
„ Mutações autossômicas dominantes que causam hipercolesterolemia
familial, que mantém os níveis séricos de colesterol elevados, o que,
indiretamente, causa lesões a órgãos e tecidos, especialmente ao
fígado e ao endotélio vascular, no decorrer dos anos.

É interessante ressaltar que o ambiente social e o estado emocional da


pessoa devem ser sempre considerados, pois eles podem influenciar dire-
tamente nos mecanismos adaptativos, no desempenho dos mecanismos de
defesa e no processo saúde/doença (TEIXEIRA, 2020).

Mecanismos de dano celular


Como visto, os fatores que desencadeiam o início de uma lesão celular são
diversos. Entretanto, independentemente da fonte do estímulo agressor, eles
vão atuar sobre os mesmos mecanismos de dano celular. Esses mecanismos
vão desencadear uma série de alterações bioquímicas, estruturais e funcio-
nais que vão determinar o início e o desfecho da lesão celular. Entre esses
mecanismos, abordaremos a redução da disponibilidade de oxigênio (O2), a
produção de radicais livres, as anormalidades proteicas e de ácidos nucleicos
e os distúrbios do metabolismo e da resposta imune (BRASILEIRO FILHO, 2016).
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Redução da disponibilidade de O2
Nesse caso, por algum motivo, o suprimento de oxigênio para os tecidos
está reduzido ou ausente. Na hipóxia, a redução da disponibilidade de O2
provoca uma redução na respiração oxidativa aeróbica da célula, provocando
alterações fisiológicas e morfológicas. Quando essa falta de suprimento de
O2 está totalmente ausente, temos o a anóxia, que constitui um quadro mais
grave, levando à morte celular rapidamente. As principais situações em que
podemos ter uma redução na demanda de O2, incluem as seguintes (KUMAR;
ABBAS; ASTER, 2016).

„ Diminuição do fluxo sanguíneo que carreia o O2 para os tecidos, como


em isquemias, obstruções parciais ou totais de vasos sanguíneos ou
perdas de grandes volumes de sangue.
„ Oxigenação inadequada do sangue, que pode ocorrer por insuficiência
cardiorrespiratória, por dificuldades de troca gasosa no pulmão ou
em anemias.
„ Intoxicações por monóxido de carbono ou cianeto, em que há a produ-
ção de carboxihemoglobina ou metahemoglobina, respectivamente, que
competem com a hemoglobina e reduzem drasticamente o transporte
de oxigênio para os tecidos.

A falta de oxigênio na cadeia respiratória celular, que produz energia


para a célula, obriga o organismo a adquirir energia de outras fontes como
um processo adaptativo. Entretanto, quando isso não é mais suficiente, a
disponibilidade de energia em forma de ATP fica prejudicada, o que leva
à falta de energia para outras funções vitais da célula, provocando falhas
na manutenção das bombas eletrolíticas, alteração da permeabilidade de
íons (especialmente CA++) e acúmulo de acetilcolinesterase (que favorece a
síntese de ácidos graxos e o acúmulo de lipídios e triglicerídeos no citosol)
(BRASILEIRO FILHO, 2016; FELIN, I.; FELIN, C., 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
Nesse tipo de mecanismo, as lesões ainda são reversíveis. Se cessada a
causa, também se cessa o efeito (BRASILEIRO FILHO, 2016).

Acúmulo de radicais livres


Os radicais livres (RL) são moléculas que têm um elétron não pareado em
sua órbita, fazendo com ele seja capaz de reagir com substâncias adjacentes,
como lipídeos, proteínas e ácidos nucleicos, componentes celulares impor-
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tantes. Naturalmente, os RL e as espécies reativas de oxigênio são produtos


do metabolismo mitocondrial, que, basicamente, realiza a oxirredução do
oxigênio molecular na cadeia respiratória para a produção de ATP. Nesse
processo, devido a várias reações de doação e aceitação de elétrons, os RL
se formam, mas são inativados dentro da própria mitocôndria, não saindo
de dentro dessa organela (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; ALBERTS et al., 2017).
Fatores como a metabolização de substâncias químicas (por exemplo,
etanol), a exposição a radiações ionizantes, os poluentes ambientais (como
fumaça de cigarro) e os contaminantes alimentares (como corantes e conser-
vantes) têm a capacidade de aumentar a produção de RL. Se essa produção
exacerbada não for controlada pelos mecanismos antioxidantes do organismo,
instala-se um quadro de estresse oxidativo (KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).
Nesse quadro, os RL começam a interagir com os componentes celulares,
provocando a desestabilização das membranas e o rompimento das células.
Nesse rompimento, aqueles RL que estavam enclausurados no interior da
mitocôndria ganham o ambiente extracelular, aumentando ainda mais a
quantidade de RL, em um looping infinito de danos no tecido lesionado,
levando-o à apoptose ou à necrose (ANGELO, 2016; BRASILEIRO FILHO, 2016;
KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016; BASELET et al., 2019).

Anormalidades proteicas e de ácidos nucleicos


Para que a célula funcione normalmente, é necessário que todos os seus com-
ponentes estejam em perfeito estado. Dessa forma, seja por alguma condição
genética, seja pela ação de agressores externos (como produtores de radicais
livres), o mau dobramento de proteínas ou as alterações na composição dos
ácidos nucleicos são fatores suficientes para fazer com que a célula entre
em apoptose. Nesse sentido, diversas agressões podem provocar extensas
mortes celulares por apoptose, como em processos de aplasia de medula
ou infertilidade causada por radiações ou elementos químicos (BRASILEIRO
FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016).

Distúrbios de resposta imune


A resposta imune do organismo, seja ela nata ou inata, tem a função de
manter o organismo a salvo de moléculas estranhas invasoras ou agressões
exógenas. Muitas lesões podem ter origem a partir de uma reposta imune
deficiente, deixando o organismo mais exposto a agentes infecciosos, ou de
uma resposta imune exacerbada, que pode afetar, além do agressor, as células
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saudáveis do organismo. Ainda, se o estímulo agressor persistir (mesmo com


uma atuação muito branda) ou se houver falha na supressão da resposta
imune, o organismo não cessa o mecanismo de defesa, levando a lesões e
inflamações crônicas (BRASILEIRO FILHO, 2016; KUMAR; ABBAS; ASTER, 2016;
ALBERTS et al., 2017).
São inúmeras as causas e os mecanismos pelos quais um organismo pode
sofrer lesões. Existem as causas mais comuns, como o consumo de bebidas
alcoólicas, e as mais complexas, como lesões ao DNA causadas por radiações
ou medicamentos. É possível notar o quanto os mecanismos de defesa do corpo
humano são cruciais, e qualquer falha pode comprometer todo o equilíbrio
de um organismo. Dessa forma, para evitar o surgimento de patologias, vale
ressaltar a importância de evitar exposições exógenas e garantir a integridade
da própria saúde.

Referências
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Teófilo Otoni, 2020. Disponível em: https://unipacto.com.br/storage/gallery/files/nice/
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Acesso em: 19 dez. 2021.
Lesão celular reversível e irreversível 15

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