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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2022.0000485005

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1014882-43.2020.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante DANILO
FLÁVIO MORAES RIBOLI, é apelado GOOGLE DO BRASIL INTERNET
LTDA.

ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao
recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


COSTA NETTO (Presidente), ANA ZOMER E CHRISTIANO JORGE.

São Paulo, 23 de junho de 2022.

COSTA NETTO

RELATOR

Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Apelação Cível nº 1014882-43.2020.8.26.0100

Apelante: Danilo Flávio Moraes Riboli


Apelado: Google do Brasil Internet Ltda
Comarca: São Paulo
Voto nº 15.750

APELAÇÃO. Ação de obrigação de fazer c.c tutela de


urgência. Pleito de desindexação dos links que relacionam
operao contra
o nome do autor ao envolvimento com a Operação Luz da pornografia infantil
Infância 2, deflagrada pela polícia federal. Sentença de
improcedência. Insurgência. Preliminares afastadas.
Mérito. Prevalência do interesse coletivo sobre o
individual. Direito ao esquecimento. Questão julgada em
sede de repercussão geral reconhecida no Recurso
Extraordinário nº 1.010.606/RJ, Tema nº 786, de relatoria
do Ministro Dias Toffoli, cuja tese constou: "É
incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao
esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em
razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou
dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em
meios de comunicação social analógicos ou digitais”.
Inaplicabilidade. Reportagem que não ultrapassa os limites
da informação e do interesse público. Entretanto, possível a
apresentação em ordem cronológica do resultado das
pesquisas envolvendo o nome do autor. Sentença
reformada. Recurso parcialmente provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto nos autos


da ação de obrigação de fazer c.c tutela de urgência, contra a
sentença que julgou improcedentes os pedidos condenando o autor
nas custas e despesas processuais atualizadas, bem como ao
pagamento dos honorários advocatícios à requerida em 10% (dez
por cento) do valor atualizado da causa.

Inconformado, insurge-se o autor. Assevera que é


pessoa digna, altamente qualificada, sendo doutor em biomedicina
pela UNESP. Informa q1ue foi surpreendido em maio 2018 pela
Operação Luz da Infância 2, realizada pela Polícia Federal com
busca e apreensão de arquivos e documentos relacionados a fotos

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de menores. Sustenta não possuir antecedentes criminais. Alega que


houve apreensão dos bens que encontravam em sua posse, tendo
havido liberação posterior. Informa que houve suspensão
condicional de seu processo, tendo sido definido no termo de
audiência as seguintes condições: (i) proibição de frequentar
determinados lugares, (ii) proibição de ausentar-se da comarca
onde reside por mais de 8 dias consecutivos, sem autorização do juiz
e (iii) comparecimento pessoal e obrigatório perante o Juízo
mensalmente, bem como acompanhamento psicológico por 2 anos.
Afirma que ocorreram grandes mudanças em sua vida, pois teve
que abandonar o imóvel em que residia, bem como foi desligado de
seu trabalho. Informa que em pesquisa na internet diversas notícias o
vinculam como pedófilo e que constam conteúdos inverídicos a seu
respeito. Discorre que em momento algum pleiteou a exclusão das
matérias, mas a reorganização da sua indexação no site da ré.
Pretende a reforma da sentença para determinar que a ré proceda
a desindexação e supressão dos links dos sites que relacionam o
nome do autor à referida operação, ou a conversão em perdas e
danos.

Às fls. 264/290, vieram contrarrazões recursais, com


preliminar de carência de ação por ilegitimidade passiva e falta de
interesse processual.

Às fls. 316, manifestação em oposição ao julgamento


virtual.

Às fls. 318/324, manifestação da ré Google Brasil


Internet sobre o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, em
repercussão geral, sobre a inaplicabilidade do direito ao
esquecimento tese 786.

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É o relatório.

Segundo consta dos autos, o autor, ora apelante,


alega que foi denunciado na Operação Luz da Infância 2 sendo
surpreendido pela Polícia Federal que efetuo busca e apreensão de
matérias com conteúdo de menores. Pleiteia que sejam
bloqueados/omitidos/suprimidos resultados de pesquisas do provedor
requerido em seu nome, especialmente as URLs indicadas nos
documentos de fls. 40/42.

Os aludidos links se referem às matérias jornalísticas


relatando operação investigativa que levou à prisão de suspeitos de
prática de pedofilia, compreendendo também o autor, razão pela
qual este pleiteia que sejam suprimidas dos resultados das buscas em
seu nome esse tipo de veiculação.

A Google Brasil Internet Ltda, reiterou os termos da


contestação aduzindo, em síntese, é parte ilegítima, pois não
poderia responder a demanda em nome de terceiros, vez que não
poderia remover o conteúdo publicado. Aduziu, ainda em
preliminar, a ausência de interesse processual, pois a remoção do
resultado da busca não importa que o conteúdo não seja acessado
por outros meios. No mérito, alegou que não cabe aos provedores
de busca de internet a obrigação de remover links referentes a sites
de terceiros. Afirmou que os conteúdos indicados pelo autor foram
publicados por terceiros, se tratando de reportagens jornalísticas
sobre o mesmo fato verdadeiramente ocorrido. Afirmou que o
ordenamento jurídico não ampara o pleito do autor, sobretudo por
ter sido fundamentado na alegação de direito ao esquecimento.
Destacou, nesse ponto, que a remoção de conteúdo deve ser
realizada por meio de ordem judicial mediante a indicação de URL

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clara e específica. Aduziu que a pretensão deveria ter sido


veiculada em face dos sites hospedeiros da informação que reputa
como ofensiva. Afirmou que a remoção da informação da pesquisa
Google não quer dizer que o conteúdo ficaria indisponível, vez que
poderia ser acessado por meio de outros buscadores. Discorreu sobre
a inexistência do direito ao esquecimento reiterando a
improcedência dos pedidos.

Preliminares

Inicialmente, as preliminares alegadas não prosperam.

Isso porque a requerida foi veiculadora de forma


direta ou indireta das matérias cuja ilegalidade alega o autor, de tal
forma que é parte legítima para responder aos termos da presente
ação.

No mais, estão presentes os pressupostos processuais


de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.
Concorrem ao caso as condições da ação, como a possibilidade
jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual,
entendidas como de direito abstrato, não vislumbrando, também,
qualquer vício processual.

Quanto ao mérito.

Compulsados os autos constata-se que, o autor


admite que em razão da operação Luz da Infância 2, respondendo
pelos fatos decorrentes de pedofilia, processo de nº
0004653-75.2018.8.26.0079 que afirma estar suspenso desde
09/05/2019.

Analisando-se os conteúdos, constata-se que são

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informativos, prestando serviço de interesse público ao transmitir, por


meio da informação fidedigna à fonte, os fatos ocorridos à época,
tal como revelados.

A menção ao nome do apelante, nos links, tem intuito


informativo, ressaltando-se que, o fato de ser pessoa notória
dirigente de clube esportivo- o expõe, naturalmente, à opinião
pública.

Registre-se que “Não se pode ignorar que a liberdade


de imprensa, enquanto projeção de liberdade de manifestação de
pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo
abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas
relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o
direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito
de Criticar” (STF. Pet N 3 486-4 - DF, rei Ministro Celso de Mello)

No que tange ao direito ao esquecimento - também


entendido como o direito de não ser lembrado por fatos
desabonadores direito que alcança ofensores e ofendidos1 - a
questão foi julgada em sede de repercussão geral reconhecida no
Recurso Extraordinário nº 1.010.606/RJ, Tema nº 786, de relatoria do
Ministro Dias Toffoli, cuja tese constou:

"É incompatível com a Constituição a ideia de um


direito ao esquecimento, assim entendido como o
poder de obstar, em razão da passagem do
tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos
e licitamente obtidos e publicados em meios de
comunicação social analógicos ou digitais.
Eventuais excessos ou abusos no exercício da
1
Recurso Especial nº 1.335.153 RJ.

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liberdade de expressão e de informação devem


ser analisados caso a caso, a partir dos
parâmetros constitucionais - especialmente os
relativos à proteção da honra, da imagem, da
privacidade e da personalidade em geral - e as
expressas e específicas previsões legais nos
âmbitos penal e cível" (destacado)

Afasta-se, assim, a sua aplicação.

Em casos semelhantes, tem sido o entendimento desta


C. Corte:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.


Ação intentada com o fito de receber
indenização, sob o fundamento do abuso da
liberdade de expressão e de suposta violação
aos direitos da personalidade do autor com
ofensas à sua honra e dignidade. Sentença de
parcial procedência, confirmando a tutela
antecipada. Inconformismo da ré. Divulgação da
prisão do autor que teria cometido o crime de
estupro. Direito ao esquecimento. Julgamento do
Recurso Extraordinário nº 1.010.606/RJ (Tema nº
786), fixando a tese: "É incompatível com
a Constituição a ideia de um direito ao
esquecimento, assim entendido como o poder de
obstar, em razão da passagem do tempo, a
divulgação de fatos ou dados verídicos e
licitamente obtidos e publicados em meios de
comunicação social analógicos ou digitais".
Reportagem que é verdadeira, cujo teor foi
obtido das autoridades policiais. Inexistência de
prática de ato ilícito ou uso abusivo da liberdade
de informação, razão pela qual a ré não pode
ser responsabilizada por eventuais danos
causados à imagem do apelante. Inexistência de

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animus difamandi. Danos morais não


configurados. Sentença reformada para julgar
improcedente a ação. RECURSO PROVIDO.
(TJSP; Apelação Cível 1006511-86.2019.8.26.0048;
Relator (a): Ana Maria Baldy; Órgão Julgador: 6ª
Câmara de Direito Privado; Foro de Atibaia - 1ª
Vara Cível; Data do Julgamento: 07/01/2022;
Data de Registro: 07/01/2022)

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME DO RECURSO POR


FORÇA DO JULGAMENTO DO TEMA 786 PELO E.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N° 1010606/RJ).
PRETENSÃO DE RETIRADA DO AR DE REPORTAGEM.
INVIABILIDADE. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO.
EXCESSO NÃO CONFIGURADO. DIREITO AO
ESQUECIMENTO. INADMISSIBILIDADE. RECURSO
NÃO PROVIDO. Tendo o veículo de comunicação
exercido regularmente o direito de divulgação de
informações e não tendo praticado qualquer ato
ilícito, não há fundamento para impor-lhe a
obrigação de retirada do conteúdo do ar, com
base no direito ao esquecimento.
(TJSP; Apelação Cível 1012023-15.2018.8.26.0071;
Relator (a): Maria do Carmo Honorio; Órgão
Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Bauru - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento:
29/11/2021; Data de Registro: 29/11/2021)

RETIRADA DE INFORMAÇÕES DE INDEXAÇÃO DE


FERRAMENTA DE PESQUISA NA INTERNET. DIREITO
AO ESQUECIMENTO. DESCABIMENTO. Sentença
de improcedência. Irresignação do autor.
Pretensão de exclusão de resultados de
informações indexadas em sistema de
aglutinação de informações jurídicas da apelada
Jusbrasil. Informações públicas de processos
judiciais, publicadas em diários eletrônicos da
Justiça Estadual e da Justiça do Trabalho.
Inocorrência de ato ilícito da ré na compilação
das informações. Direito ao esquecimento não
reconhecido. Tese firmada pelo STF em

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julgamento de recurso com repercussão geral


(Tema 786). Ausência de violação à honra, à
intimidade ou à imagem do autor. Danos morais
não configurados. Sentença mantida. Recurso
desprovido.

(TJSP; Apelação Cível 1002840-44.2021.8.26.0320;


Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão
Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Limeira - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento:
23/11/2021; Data de Registro: 23/11/2021)

Na específica hipótese dos autos, não se vislumbra


excesso ou exploração do nome do autor além do necessário aos
limites da informação contemporaneamente vinculada aos fatos.

Entretanto, visando dar maior transparência à


situação atual do autor, há possibilidade de se indexar de forma
cronológica e atualizada as pesquisas referentes às informações
atinentes ao seu nome.

Essa solução já foi prestigiada nesta C. 6ª Câmara, em


caso semelhante, por meio do voto da lavra do Des. Ademir
Modesto de Souza, o qual ressaltou:

Como já exposto, é vedado à autora impedir a


indexação de seu nome com as URLs
mencionadas, pois isso importariam ofensa
indireta ao direito de informação e livre
manifestação do pensamento. Contudo, uma
forma razoável de compatibilizar esses direitos
com os direitos fundamentais titularizados pela
autora, é a priorização cronológica das
informações existentes em seu nome por ocasião
das buscas realizadas por intermédio da
ferramenta disponibilizada pela empresa
requerida, em especial no que diz respeito à
'Operação Satiagraha'.

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(...)

Ressalte-se que não se está a acolher o direito ao


esquecimento, tampouco a possibilidade de se
obter resultado semelhante com a desvinculação
dos filtros de busca2, mas a necessidade de o
resultado de pesquisas realizadas com o nome da
autora ser apresentado de forma
excepcionalmente cronológica como forma de
impedir desinformação em prejuízo de sua
imagem.”

(Apelação Cível nº 1013102-68.2020.8.26.0100, 6ª


Câmara de Direito Privado, voto1801 Des.
Ademir Modesto de Souza)

Desta forma, o recurso procede em parte para


determinar que a ré apresente em ordem cronológica o resultado
das pesquisas envolvendo o nome do autor, cabendo o magistrado
de primeiro grau, oportunamente, regular a forma de cumprimento.

Ante o mínimo decaimento do autor, inverte-se a


sucumbência, cabendo à requerida o pagamento das custas e
despesas do processo, corrigidos de cada desembolso, além de
verba honorária sucumbencial arbitrada em 15% do valor atualizado
da causa, o que atende a contento ao disposto no artigo 85, § 11,
do CPC/2015.

Pelo exposto, dá-se parcial provimento ao recurso, nos


termos expostos.

2 N ão é p oss íve l i mp o r a p r ove d or es d e ap l ica çõe s d e p esq u is a n a i n te rn e t o


ôn u s d e in s tal ar fil tro s o u c ria r m eca n is mos p a ra eli min ar d e seu si ste ma a
e xib içã o d e r esu lta d os d e li n ks co n te n d o o d oc u me n to su p os tam en t e o fen siv o.
STJ . 3 ª T u rm a. REs p 1 .59 3.2 49- RJ, Re l. Min . R ica rd o Vi lla s B ôas Cu eva , j u lg ad o
em 23 /11 /20 21 (In fo 719 ).

Apelação Cível nº 1014882-43.2020.8.26.0100 -Voto nº 15.750 10


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JOSÉ CARLOS COSTA NETTO


Relator

Apelação Cível nº 1014882-43.2020.8.26.0100 -Voto nº 15.750 11

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