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Egnércia da Graça Belarmino

Leovijildo Ivan Chauque


Lucas Paulo Ngulube
Renalda Carlos Samo
Samuel Titos Milane
Telma Filipe Penga

A Primavera Árabe e o Derrube de Muammar Kadhafi


Licenciatura em Ensino de Geografia com Habilitações em Ensino de História

Universidade˗ Save
Massinga
2022

Aventina Romão Mamuel Cumbe


Egnércia da Graça Belarmino
1

Leovijildo Ivan Chauque


Lucas Paulo Ngulube
Renalda Carlos Samo
Samuel Titos Milane
Telma Filipe Penga

A Primavera Árabe e o Derrube de Muammar Kadhafi


Licenciatura em Ensino de Geografia com Habilitações em Ensino de História

Trabalho da cadeira de História de África do Século


XX ao Século XXI, a ser apresentado ao
Departamento de Letras e Ciências Sociais para
efeitos avaliativos.

Docente:
PhD. Manuel Matine

Universidade˗ Save
Massinga
2022

Índice
I. Introdução......................................................................................................................3
2

1.1.Objectivos....................................................................................................................4

1.1.2. Geral........................................................................................................................4

1.1.3.Específicos................................................................................................................4

1.1.4.Metodologia..............................................................................................................4

2.Contextualização da Primavera Árabe...........................................................................5

2.1.O derrube de Muammar al-Kadhafi na Líbia..............................................................6

2.3.Factores que ditaram a queda do Kadhafi...................................................................8

2.4.As falácias da Responsabilidade de Proteger e da intervenção humanitária.............10

2.5.A queda do regime de Kadhafi..................................................................................12

2.6.Conclusão..................................................................................................................14

2.7. Referencia bibliográfica...........................................................................................15

I. Introdução
3

O presente trabalho surge no âmbito da caseira de História de África, leccionada na


Universidade Save. E tem como tema: A Primavera Árabe e o Derrube de Muammar
Kadhafi. Este tema surge como mais uma ferramenta a munir aos estudantes em factos
históricos que marcaram o continente africano.

Este trabalho está constituído por três subtemas: o primeiro traz a contextualização da
Primavera Árabe, o segundo traz as falácias da Responsabilidade de Proteger e da
intervenção humanitária, o ultimo traz a história do derrube de Muammar al-Kadhafi na
Líbia e os factores que ditaram a queda do regime de Kadhafi.

1.1.Objectivos
4

1.1.2. Geral

 Compreender o processo da primavera árabe que levou a queda de Muammar


Kadhafi.

1.1.3.Específicos

 Contextualizar o processo da primavera árabe;


 Explicar o processo de derrube de Muammar Kadhafi;
 Identificar os factores que ditaram a queda de Kadhafi.

1.1.4.Metodologia

Para a elaboração do presente trabalho, para além dos conhecimentos práticos


que possuímos, iremos usar a pesquisa bibliográfica, onde vamos trazer interpretações
solidas e fundamentadas por diferentes autores de destaque que debruçaram-se sobre o
tema em alusão e também recorremos a pesquisa documental para recolher informações
em diversos relatórios, monografias e teses de doutoramento.
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Lucas Paulo Ngulube

2.Contextualização da Primavera Árabe

Segundo Castro (2019, p. 110) em 17 de dezembro de 2010, o vendedor ambulante


Mohamed Bouazizi ateou fogo ao seu próprio corpo em protesto contra as autoridades
da cidade tunisiana de Bem Aros, que haviam confiscado seu carrinho de frutas por não
possuir licença. O gesto desesperado de Bouazizi provocou comoção, seguido por uma
onda de protestos populares, que culminaram com o afastamento do ditador Zine El
Abidine Ben Ali, após mais de duas décadas à frente do poder no país magrebino. Esses
eventos se alastraram por outros países da região, alcançando inclusive o Golfo Pérsico,
recebendo a alcunha de Primavera Árabe, em comparação à Primavera de Praga de
1968, conforme secundam Nishio e Rizzi (2019, p.118). Façanha (2016, p. 21)
acrescenta que após o incidente registado na Tunísia, as manifestações populares em
busca de melhores condições de vida para a população espalharam-se pelos países do
Norte da África: Argélia, Djibuti, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara
Ocidental, assim como nos países do Golfo Pérsico: Iêmen, Omã, Bahrein, Iraque,
Jordânia e Síria. Assim como Mohhamad Bouazizi, milhares de cidadãos estavam
revoltados com a corrupção do sistema, ganhos ilícitos pelos grandes empresários e com
a estagnação económica das camadas mais pobres. A taxa de desemprego estava
elevado e isto reflectia directamente nas condições de sobrevivência da população.
Sendo assim, as manifestações públicas surgiram como uma possibilidade de mudança
de regimes e no quadro socioeconómico interno.

Na óptica de Castro (2019, p. 110) nome Primavera Árabe foi forjado pela midia
ocidental, emulando a insurgência de cidadãos da antiga Tchecoslováquia contra o
arbítrio soviético em 1968, a chamada Primavera de Praga. O que mostra o poder da
média ocidental na geopolítica, bem como demostra a lógica reinante no cenário
político-económico internacional, provado pelos seus mecanismos que criam condições
favoráveis para a actuação de um bloco mediático claro em conluio com esse projecto
da sua hegemonia.

Na mesma linha de ideia, Harvey (2003, p. 132) mostra como a mídia facilitou que o
poder político e económico voltasse a centralizar-se primariamente nos EUA e nos
mercados financeiros de outros países centrais (Tóquio, Londres, Frankfurt).
6

Nestas condições, justifica-se que as políticas de Estado territorializadas e imperiais


eentram para clamar um papel de liderança no drama contínuo da acumulação e sobre
acumulação infinita de capital. O imperialismo, neste domínio, impinge arranjos e
condições sobre outros, normalmente em nome de um bem-estar universal (Ibid, p.
133).

Na óptica de Castro (2019, p. 107) a aproximação entre a mídia ocidental e os seus


governos gravita na visão ideológica dos controladores desses grupos e de seus
financiadores, a dinâmica de ascensão na carreira de profissionais que comunguem
desses valores e, por fim, a defesa incondicional do “universalismo europeu”, o que
segundo Wallerstein (2007), seria o eterno retorno discursivo da superioridade dos
valores do Ocidente sobre qualquer outra forma de organização e manifestação política
ou cultural.

Entretanto, a luta contra a opressão de regimes ditatoriais, desde que enquadrados no


espectro antiocidental, o pano de fundo para o estopim das manifestações no maghreb
repousa sobre os efeitos da crise económica global iniciada em 2008, que teve como
reflexo em muitos países da região o aumento do custo de vida e também do
desemprego, o que prova a falácia da mídia ocidental em atribuir a culpa aos regimes
políticos daquela região. Nos casos específicos da Tunísia e do Egito, que deram origem
às manifestações e conflagrações que marcariam esse fenômeno, não ocorreu a princípio
um movimento contra regimes ditatoriais e a favor da democracia, como se apressaram
os veículos midiáticos ocidentais a diagnosticar, mas, sim, protestos contra a carestia
económica.

Outra falácia seria o do peso das redes sociais em todos esses eventos, pois a taxa de
penetração da Internet em junho de 2010 era de modestos 5,4% da população Líbia,
segundo dados da Internet Usage Statistics. Em março de 2011, no início da convulsão,
somente 1,1% de líbios tinha uma conta criada no Facebook, o que refuta a
mobilização popular via redes sociais (Duarte, 2019, p. 111).
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Telma Filipe Penga

2.1.O derrube de Muammar al-Kadhafi na Líbia

Segundo Nishio e Rizzi (2019, p.118) localizada no Grande Maghreb, a Líbia é um


importante actor no cenário regional e internacional devido à sua história e cultura,
posição geográfica e características geológicas, uma vez que detém imensas reservas de
gás natural e de petróleo. Em 1969, Muammar Kadhafi chegou ao poder após a queda
da monarquia Líbia, até então governada pelo rei Idris I e instaurou a República
Socialista Árabe. Inspirado pelas ideias do socialismo árabe, do Islã e do pan-arabismo
de Nasser, o novo regime revolucionou a situação política, social e económica da Líbia,
graças ao capital oriundo de jazidas de petróleo e à centralidade política que o ditador
conseguiu manter durante suas quatro décadas de liderança, modificando praticamente
todos os aspectos de vida do país.

Para Duarte (2019, p. 111) ao longo da década de 1970, o dirigente líbio passaria
paulatinamente a apoiar o terrorismo internacional de inspiração árabe e antiocidental e
antijudaica. O ponto culminante dessa trajectória seria marcado pelo atentado de
Lockerbie, na Escócia, em Dezembro de 1988, quando um avião da companhia aérea
Pan-Americano explodiu no ar por conta de artefactos explosivos supostamente
plantados por agentes líbios, resultando na morte de 259 pessoas.

Para Nishio e Rizzi (2019, p. 118) devido à proximidade geográfica e identidade


linguístico cultural e religiosa entre a Líbia e os países onde nasceu o fenómeno de
contestação às autoridades e, por outro, pelo carácter autoritário e duradouro de seus
governos e respectivas crises sócio económicas agravadas, era natural que o regime de
Kadafi sofresse tal pressão.

Nesse conturba do contexto, movimentos oposicionistas haviam marcado protestos para


o dia 17 de Fevereiro de 2011, apelidado de “day of rage”, quando os protestos se
iniciaram na província de Benghazi e se espalharam para outras cidades do país.
8

Ainda não se pronunciou

Vale lembrar que em 2003, Kadafi resolveu se reaproximar dos Estados Unidos, muito
provavelmente assustado pela invasão do Iraque, abrindo mão de seu programa de
armas de destruição em massa e fornecendo aos serviços de inteligência ocidentais os
esquemas do mercado subterrâneo do ciclo atômico, passando a participar ativamente da
Guerra ao Terror, fornecendo suas masmorras para tortura e interrogatório de islamitas
radicais entregues pelo governo norte-americano (Duarte, 2019, p. 111).

Ainda de acordo com Duarte (2019, p. 112) a disposição de Kadafi em perseguir os


islamitas radicais possuía uma razão muito clara e objectiva. Visto que desde o início
dos anos 1980, diversos militantes de origem Líbia se juntaram aos mujahedins no
Afeganistão para enfrentar os soviéticos, pois, estes poderiam no futuro converter-se em
células de desestabilização do seu regime, em nome do fundamentalismo religioso.

Samuel Titos Milane

2.3.Factores que ditaram a queda do Kadhafi

Entre diversas situações, segundo Duarte (2019, p. 112) mesmo após uma
reaproximação com o Ocidente, Kadhafi gerava mais ruídos do que em seus tempos de
financiador do terrorismo internacional.

 A participação dos líbios no conflito afegão-russo – no início dos anos 1980,


diversos militantes de origem Líbia se juntaram aos mujahedins no Afeganistão para
enfrentar os soviéticos, que ocupavam aquele país à época o que mais tarde, mesmos
militantes fariam parte do que se tornaria a Al-Qaeda e suas práticas jihadistas nos
anos que se seguiram. Kadafi, ciente do perigo que esses militantes retornados ao
seu país de origem, sobretudo na região leste, tendo a cidade de Bengazi como
epicentro, poderiam no futuro converter-se em células de desestabilização do seu
regime, em nome do fundamentalismo religioso.
 A ideia da unificação de África – Muammar Kadhafi, nos anos que antecederam sua
queda, vinha em franco processo de unificação do continente africano, sob a égide
de um pan-africanismo cristalizado na União Africana, que teria na instauração de
uma moeda única, o Gold Dinar, um novo padrão monetário para comercialização
das commodities no continente, sobretudo o petróleo.
9

 O isolamento ao capital ocidental – Chineses, russos e brasileiros (Petrobras)


começavam nos idos de 2011 a explorar petróleo na Líbia, maior detentor de
reservas comprovadas no continente africano. Uma política que, a seu modo,
implicava em uma não submissão completa aos interesses europeus e norte-
americanos.

Egnércia da Graça Belarmino

Em meio a esse cenário interno e externo, o regime foi colhido pela tempestade
chamada Primavera Árabe no início de 2011. Não por coincidência, as manifestações
irromperão inicialmente na região de Bengazi. A cidade portuária localizada no leste
líbio sempre foi o principal polo de oposição ao regime de Kadafi, sendo
costumeiramente punida econômica e militarmente pelo regime do Kadhafi. Os
protestos contra o governo central, no início de fevereiro daquele ano reuniram uma
massa de descontentes contra o regime, muito provavelmente infiltrada por agentes
provocadores.

Em questão de poucos dias, protestos se convertem em ações violentas contra as forças


policiais e símbolos do regime. A repressão armada do governo deu margem para
reacções mais violentes e em menos de quatro semanas surge um Conselho Nacional de
Transição (CNT) – que alega não estar disposto a diálogo algum com o governo central
– e o país mergulhou-se numa guerra civil (Ibid., p. 113).

Caos instalado, os eventos que se assistiram, reproduziram, à sua maneira, um padrão


que havia se verificado na Guerra Civil da Iugoslávia, nos anos 1990, e da invasão do
Iraque em 2003 (Chomsky, 1999).

Talvez o título de ditador dado a Kadhafi, deveu-se a uma avalanche de informações


que vinculava o aparato repressivo de Kadafi, no uso de helicópteros, tanques de guerra,
bombardeios e toda sorte de armas pesadas manifestantes pacíficos e indefesos. O
“ditador” foi inclusive acusado de distribuir Viagra para que seus soldados pudessem
estuprar à vontade suas vítimas. Esta teoria é sustentada pelo facto dos eventos narrados
amplamente por redes noticiosas norte-americanas, britânicas, francesas e, inclusive, a
Al-Jazeera, sediada no Qatar, apresentavam como fonte o próprio CNT ou obscuras
testemunhas jamais confirmadas (Duarte, 2019, p. 114)
10

Por conta disto, Nishio e Rizzi (2019, p.119) através da Resolução nº 1970, de 26 de
fevereiro, do Conselho de Segurança da ONU impôs um embargo de armamentos contra
a Líbia, a cargo da OTAN, por meio da Operation Unified Protector, e determinou o
congelamento de bens da família Kadafi. Para Souza (s/d, p. 11) esta operação só foi
possível graças a aprovação de votos favoráveis de Estados Unidos, França, Reino
Unido, África do Sul, Bósnia-Herzegovina, Colômbia, Líbano, Nigéria e Portugal,
contra as abstenções de Alemanha, Brasil, China, Índia e Rússia; sob os auspícios do
Capítulo VII da Carta da ONU, as potências ocidentais passaram a comandar
bombardeios aéreos à Líbia.

Duarte (2019, p. 114) mostra que em 17 de março de 2011, evocando as atrocidades


narradas pelos arranjos da mídia ocidental, o secretário-geral da Organização das
Nações Unidas, à época, Ban Ki-moon, celebrava em nota oficial a aprovação da
Resolução nº 1973, do Conselho de Segurança da ONU para “utilizar todas as medidas
necessárias para impedir mais mortes”. Note-se que a Resolução foi adoptada contra o
regime de Kadafi, e não contra os rebeldes, que categoricamente se negavam a negociar.

Para Firens (2020, p. 34) as operações dependiam dos EUA principalmente para o
suporte relacionado ao sistema de logística, bem como ao sistema de Inteligência,
Vigilância e Reconhecimento, mas o Comando e Controle das operações acabaram por
ser transferidos do AFRICOM para a OTAN no dia 31 de março daquele ano. A
operação recebeu o nome de Unified Protector, e previa a execução de quatro principais
planos operacionais: um bloqueio naval, uma zona de exclusão aérea, uma missão de
proteção civil e uma missão humanitária.

Nos momentos iniciais das acções, e em um curto intervalo de tempo, os EUA e o Reino
Unido já haviam disparados centenas de mísseis Tomahawk nos principais nós centrais
do sistema de defesa aérea do regime de Kadhafi, principalmente na costa da Líbia.
Após o enfraquecimento da defesa aérea, a coalizão começou a realizar diversos ataques
aéreos contra outros alvos na Líbia, de forma que, após 72 horas, a zona de exclusão
aérea já havia sido estabelecida, numa Operação denominada Odyssey Dawn (Firens,
2020, p. 31).

Renalda Carlos Samo

2.4.As falácias da Responsabilidade de Proteger e da intervenção humanitária


11

Para Oliveira (2015, p. 674) a imposição de uma Zona de Exclusão Aérea, através da
resolução 1973 do CSONU, apoiou-se no princípio da Responsabilidade de Proteger,
adotado pela ONU desde 2005. De acordo com esse princípio, os Estados têm a
responsabilidade de proteger suas próprias populações de genocídios, crimes de guerra,
limpezas étnicas e crimes contra a humanidade, e mesmo da ameaça de qualquer um
deles. A comunidade internacional, por sua vez, tem a responsabilidade de ajudar os
Estados a cumprirem as suas responsabilidades de proteção e, em casos em que um
Estado se mostre incapaz de cumprir a responsabilidade de proteger sua população, a
comunidade internacional tem a responsabilidade de agir rápida e assertivamente, sob
os auspícios da Carta da ONU, utilizando meios diplomáticos, humanitários e quaisquer
outros meios pacíficos de maneira apropriada, para ajudar a proteger aquelas
populações.

Entretanto, o discurso, todavia, foi construído com base em diversas premissas falsas,
dentre as quais se destaca a ideia de que as forças kadafistas teriam recorrido,
imediatamente, ao uso de recursos letais no combate às manifestações, que por sua vez
teriam sido realizadas em todo o país e de forma pacífica. O facto é que desde o início,
as manifestações foram marcadas pela participação de rebeldes armados, enquanto as
forças do governo respondiam usando armas não-letais. A escalada de violência,
todavia, teria levado as forças estatais a alterarem seu posicionamento, passando a usar
armamentos letais. Além disso, os protestos tiveram início na região em torno da
cidade de Benghazi, no Leste do país, historicamente um foco de insurreições contra o
governo Kadafi. Outro facto que prova está falácia reside no facto de que as forças leais
ao governo também sofreram um número elevado de baixas, sobretudo nas tentativas de
tomar as cidades de Az Zawiya e Misrata, em que foram reprimidas e derrotadas pelas
forças rebeldes. As mortes ocorridas nos embates entre as forças nacionais e os rebeldes
na Líbia foram fruto de combates armados, em que os rebeldes dispunham de
capacidades similares às das forças nacionais, não se configurando como um ataque do
governo à sua população, mas sim como uma guerra civil (Ibid., p. 676).

Ainda de acordo com o autor acima, com a escalada da violência entre as forças
nacionais e os rebeldes, a União Africana (UA) estabeleceu, no dia 10 de março, uma
Comissão Ad Hoc de Alto Nível sobre a Líbia, em uma tentativa de mediar uma solução
pacífica para o conflito. Essa iniciativa estaria de acordo com a própria Carta da ONU,
12

já que a UA seria a organização regional mais diretamente interessada na questão, e,


portanto, deveria ter a iniciativa e a prioridade, em sua resolução.

A proposta da União era composta por um cessar-fogo imediato, acesso irrestrito à


ajuda humanitária, proteção de estrangeiros e a promoção do diálogo e de uma solução
política negociada entre Benghazi, o centro rebelde, e Trípoli. Para a União Africana,
contudo, a saída de Kadafi não era uma pré-condição para a negociação. A iniciativa da
UA, entretanto, foi ignorada, e a própria Comissão foi impossibilitada de chegar à Líbia,
pois no dia 19 de março, nove dias após sua formação, e dois dias após a aprovação da
Resolução 1973 – que previa o envio da Comissão ao país –, os Mirages franceses
começaram a bombardear o território líbio. Mesmo depois do início dos bombardeios, a
UA seguiu tentando assumir a posição de mediadora do conflito, sendo recorrentemente
ignorada (ainda que tenha conseguido, em abril de 2010, que Kadafi aceitasse o cessar-
fogo e o envio de ajuda humanitária em troca do fim dos ataques da OTAN). Além da
UA, a Venezuela também propôs uma mediação, que foi negada pelo CNT. Por fim, o
próprio governo Kadafi propôs não apenas um cessar-fogo, mas também a realização de
negociações com o CNT para a construção de um governo constitucional, além do
pagamento de compensações para as vítimas do conflito. A proposta, todavia, também
foi recusada.

Cabe destacar que ainda que a resolução não previsse nenhum tipo de acção em solo,
EUA, França e Grã-Bretanha enviaram tropas especiais à Líbia, que foram responsáveis
não só por combater as forças kadafistas, mas também prover treinamento para os
rebeldes. Ainda, aponta-se que, apesar do embargo à venda de armamentos estabelecido
pela resolução 1970 e reforçada pela Resolução 1973, as potências ocidentais
(sobretudo França e Grã-Bretanha) foram responsáveis pelo fornecimento de
armamentos para os rebeldes. Além disso, cabe ressaltar que a Resolução não
previa o envolvimento na guerra civil, mas sim a proteção de civis desarmados e
ameaçados pelas forças do governo, e não a proteção (e o apoio) às forças rebeldes
armadas (Oliveira 2015, p. 677). Fica claro, dessa forma, que, apesar de um discurso de
protecção dos civis e de intervenção humanitária, os ataques da OTAN tinham
sobretudo o objectivo de remover (ou ao menos facilitar a remoção) de Kadafi do poder,
13

a provar pelas declarações dos três líderes dos EUA, Inglaterra e Franca, Obama, Cameron
e Sarkozy, respectivamente, citados por Oliveira, nos seguintes termos:

“Nosso dever e nosso mandato sob a resolução 1973 do Conselho de Segurança da


ONU é proteger os civis, e nós estamos fazendo isso. Não é remover Kadafi à força.
Mas é impossível imaginar um futuro para a Líbia com Kadafi no poder. [...] Há um
caminho para a paz que promete esperanças renovadas para a população da Líbia –
um futuro sem Kadafi que preserve a integridade e soberania líbias, e que recupere sua
economia e a prosperidade e segurança de sua população. [...] Entretanto, enquanto
Kadafi estiver no poder, a OTAN deve manter suas operações para que os civis
permaneçam protegidos, e para que a pressão sobre o regime aumente. Então, uma
transição genuína de uma ditadura para um processo constitucional inclusivo poderá

realmente começar, comandada por uma nova geração de líderes” (2015, p. 677)

Leovijildo Ivan Chauque

2.5.A queda do regime de Kadhafi

Segundo Netto (2012, p. 12) a batalha final que culminou com a captura e posterior
execução de Kadhafi, teve lugar em Misrata onde o ditador foi encontrado no
encanamento de esgoto. Kadhafi não estava apenas dominado, mas também ferido e
atordoado. Exactos 250 dias tinham se passado desde a eclosão dos primeiros protestos
em Benghazi. Os rebeldes que cercavam Kadhafi revelavam diferentes sentimentos:
incredulidade, cólera, vingança pura e simples, expressos de maneira caótica pelos
gritos repetidos de fúria e de excitação que se intercalavam entre as rajadas de armas
automáticas (Ibid., p. 13).

Esta campanha de bombardeios das forças rebeldes contou com apoio incondicional por
parte dos aviões da OTAN, portanto, o regime colapsaria em Agosto daquele ano de
2011, sendo Kadhafi executado.

No último dia da vida do homem que governou a Líbia por 42 anos, Netto (2012, p. 12)
mostra que entre os rebeldes líbios, um grupo empenhava-se no esforço, embora em
vão, de montar um cordão de isolamento e de fazer de Kadhafi um prisioneiro a ser
julgado. Outros, ao contrário, estavam sedentos de revanche e se aproximavam na ânsia
de lhe acertar um chute, um soco, de lhe arrancar os cabelos, de agredi-lo como a um
carrasco em meio a suas vítimas.
14

Para além de Kadafi, também haviam sido capturadas altas autoridades do seu regime
com maior destaque para: Abu Bakr Yunis Jaber, ministro da Defesa; Mansour Dhao,
chefe de Segurança Pessoal; Ahmed Ibrahim, primo do ditador, chefe do Movimento
dos Comitês Revolucionários; e Mutassim, um dos filhos do coronel (Netto, 2012, p.
14).

Para Duarte (2019, p. 113) a morte de Kadhafi deveu-se à aprovação da Resolução do


Conselho de Segurança da ONU, em função da guerra civil e as acções da OTAN, o
papel dos rebeldes no assassinato em massa de negros subsaarianos, a ampla presença
de fundamentalistas islâmicos entre os guerrilheiros, o apoio de especialistas militares
franceses, italianos e ingleses, bem como o papel de figuras como o general Khalifa
Belqasim Hafter, nomeado comandante em chefe das forças anti-Kadafi, após passar 20
anos morando nos EUA e vinculado à CIA. Estes temas são pouco ou nada explorados
pelos grandes complexos midiáticos.

2.6.Conclusão
15

Chegados aqui, podemos concluir que o fenômeno da Primavera Árabe teve início na
Tunísia e percorreu quase muitos estados árabes do norte de África até a Ásia.
Entretanto, por si só, não se pode mobilizar argumentos para a queda do regime de
Muammar Kadhafi na Líbia, mas sim a intervenção OTAN nos conflitos entre o
governo soberano e os opositores, o que é normal em qualquer Estado, seja democrático
ou totalitário. Fica claro, a partir da análise realizada, que a intervenção ocidental,
apesar de ter sido justificada por meio de argumentos humanitários e do conceito de
Responsabilidade de Proteger, tratou-se, objectivamente, de um ataque à Líbia, que
respeitava aos interesses dos diversos atores envolvidos.

Para as potências ocidentais, os principais interesses estavam vinculados ao petróleo


líbio. Outros factores que precipitaram o derrube de Kadhafi tem a ver com a ideia de
unificação de África que podia defraudar as expectativas dos países capitalistas que vêm
neste continente uma fonte de matérias-primas, bem como o mercado ideal para as suas
mercadorias.

Para finalizar, mesmo com a suposta aniquilação do inimigo da democracia no estado


líbio, ainda se regista focos de instabilidade política, naquele estado, sem no entanto os
estados ocidentais intervirem para restabelecer a paz, como se supunha, aquando da sua
intervenção para derrubar Kadhafi.

2.7. Referencia bibliográfica


16

Castro, M. S. (2019). A Construção Mediática da Primavera Árabe e a Destruição de um


Estado Soberano: Líbia 2011. Revista Communicare, nº 1, p.

Chomsky, N. et. al. (1999). A Partilha da Jugoslávia. Lisboa, Portugal: Edições


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Façanha, K.Q. (2016). Fluxos Migratórios: da Primavera Árabe à Crise Humanitária


Instalada na Europa. Dissertação de mestrado, Departamento de Mediações
Interculturais, Universidade Federal da Paraíba.

Firens, J. R. C. (2020). Emprego do Poder Aéreo contra Muammar al-Gaddafi: Coerção


e insuficiência. Dissertação de mestrado, Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro,
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Harvey, D. (2003). O Novo Imperialismo. Oxford, EUA: Imprensa Universitária.

Netto, A. (2012). O Silencio contra Muamar Kadafi: São Paulo, Brasil: Editora
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Nishio, J. & Rizzi, K. (2019). A Líbia pós-Kadafi (2011 - hoje): há possibilidade de


estabilização? Caderno de Relações Internacionais e defesa, nº 1, p. 117-126.

Oliveira, G. Z. de. (). A Intervenção Ocidental na Líbia: Interesses Ocidentais e o papel


da Liga Árabe. BJIR Marília, nº 3, p. 670-693.

Souza, I. C. P. R. de. (s/d) Análise da Atuação do Conselho de Segurança das Nações


Unidas nos Conflitos Líbio e Sírio. Artigo apresentado ao Instituto de Economia e
Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia.

Wallerstein, I. M. (2007). O Universalismo Europeu: a Retórica do Poder. São Paulo,


Brasil: Boitempo.

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