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Neurologia

João Moniz, Isa Cordeiro, Sofia Prada

Índice
Patologia e imagiologia Cranioencefálica ............................................................................................................. 2
Patologia Raquimedular ............................................................................................................................................ 7
Funções Cognitivas................................................................................................................................................... 10
Consciência ................................................................................................................................................................. 31
Epilepsia....................................................................................................................................................................... 47
AVC ................................................................................................................................................................................ 64
Demências ................................................................................................................................................................... 80
Alterações da marcha e do equilíbrio ............................................................................................................... 103
Doenças do movimento ......................................................................................................................................... 114
Doenças Neuromusculares .................................................................................................................................. 133
Doenças desmielinizantes - Esclerose Múltipla ............................................................................................ 146
Cefaleias ..................................................................................................................................................................... 158
Patologia do Sono .................................................................................................................................................... 168

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Patologia e imagiologia Cranioencefálica
▪ Métodos de avaliação imagiológica
o Indicação: período perinatal (as fontanelas são abertas e funcionam como janelas acústicas)
→ detetar patologia encefálica perinatal, como problema de maturação no prematuro devido
a lesões hipóxico-isquémicas, sendo que no prematuro existe:
▪ Deficiente autorregulação da perfusão cerebral → pode causar rutura de vasos →
hemorragias
▪ Matriz germinal: região metabolicamente ativa junto aos ventrículos laterais onde existe
proliferação neuronal e migração de neurónios em direção ao córtex. É uma zona muito
vascularizada com vasos instáveis que rompem facilmente → hemorragia na área peri-
ventricular que pode atingir o ventrículo lateral → hemorragia ventricular [hemorragia da
matriz germinal até às 32 semanas]
Ultrassonografia
▪ Eventos stressantes como o parto → pode causar rutura de vasos → hemorragias
o LCR: défice de ultrassons → imagem hipoecogénica (preto)
o Coágulos de sangue: ultrassons são refletidos → imagem hiperecogénica (branco)
o Investigar hidrocefalia
o Vantagens: portátil + baixo custo + sem radiação ionizante
o Ultrassonografia com efeito doppler: serve para avaliar arvore arterial intracraniana,
mesmo em crianças com fontanelas fechadas e adultos – doppler transcraniano
▪ Velocidade e direção do fluxo sanguíneo nas artérias do polígono de Willis
▪ Presença de estenose arterial por vasoespasmo reaccional a uma hemorragia
subaracnoideia e por aterosclerose
o Abordagem inicial do trauma
Radiologia simples o Sinais indiretos de lesões e fraturas intracranianas
o Não permite avaliação do parênquima
o Melhor do que radiografia simples na deteção de fraturas e na avaliação intracraniana
o Maior disponibilidade e acessibilidade do que RM
o Aquisição mais rápida de imagens
o Avaliação mais detalhada na estrutura óssea do que RM (osso cortical)
o Grande acuidade na identificação de calcificações e de hemorragias recentes
o Técnica de eleição na avaliação inicial do trauma e do AVC
o Técnica de eleição na avaliação de doente agudo no SU
o Juntos à base do crânio, tem muitos artefactos
TC o Técnica de eleição para:
▪ Lesões calcificadas: múltiplas microcalcificações subcorticais podem ser sinal de
neurodegenerescência pós-cerebral, que é uma causa de epilepsia dos países
subdesenvolvidos (deficiente saneamento básico)
▪ Situações agudas
▪ Hemorragia recente
▪ Fraturas: melhor do que RM
▪ Pneumocefalia: melhor do RM
o Permite acesso rápido a unidades de diagnóstico
o Método de eleição na fase pós-aguda
o Observação mais detalhada do parênquima
RM
o Grande detalhe anatómico
o Capacidade multiplanar

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o Excelente resolução de contraste tecidual
o Menos artefactos do que TC
o Excelente resolução de contraste tecidual
o Permite detetar melhor doenças desmielinizantes (esclerose múltipla) do que a TC
o T1: LCR hipointenso (preto)
o T2: LCR hiperintenso (branco)
o Contraindicações:
▪ Claustrofobia
▪ Pacemaker: já existem uns compatíveis
▪ Próteses ou implantes metálicos com mais de 10 anos: atualmente o material usado não
é ferromagnético
▪ Corpos estranhos metálicos, principalmente intraorbitários (soldadores são grupo de
risco)
▪ Gravidez no 1º trimestre
Mielografia o Radiografia da medula com contraste
o Para patologia vascular – angio-TC ou angio-RM
Angiografia
o Angio-TC é mais invasivo porque precisa de um cateterismo arterial

▪ Lesões intra-axiais
São lesões extraparenquimatosas localizadas no espaço subaracnoideu e nas meninges,
dividindo-se em dois grupos, hematoma subdural e hematoma epidural.
o Origem venosa
o Espaço subdural (virtual, entre duramater e aracnóideia)
o Traumatismo de grande energia → efeito de massa encefálico + estiramento e laceração das
Hematoma subdural veias → espaço patente
o Ultrapassa as suturas → conformação falciforme
o Espessura > calote → correção cirúrgica
o Espessura < calote → não se retira porque se resolvem por si
o Origem na artéria meníngea media
o Fraturas com ruptura na artéria no seu trajeto intra-osseo
o Entre duramater e periósteo
Hematoma epidural
o Não ultrapassa as suturas → conformação em lente biconvexa
o Emergência cirúrgica! – facilmente expansível com crescimento muito rápido → aumento da
compressão intracraniana → lesão do SNC

▪ Lesões extra-axiais
São localizadas no parênquima cerebral, cerebeloso ou do tronco cerebral. As contusões
parenquimatosas estão associadas a traumatismos, localizam-se a nível frontal ou temporal e são
predominantemente hemorrágicas. Podem causar crises epiléticas.

▪ Fraturas da base do crânio


As fraturas da base do crânio estão associadas a várias complicações, como por exemplo:
o Comunicação entre as cavidades aéreas da base do crânio (seios peri-nasais e
ouvidos médios) e o espaço subarcnoideu, existindo troca de ar e LCR entre ambos,

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o que causa rinorraquia e otorraquia. Numa TC, o ar no interior do crânio é
hipodenso. Ex: laceração osteodural.
o Meningites de repetição e abcessos cerebrais: causadas por fraturas da base do
crânio e fistulas do liquor que permitem a comunicação continua entre as cavidades
aéreas e o espaço subaracnoideu.
o Lesão dos grandes vasos: aneurismas e fistulas arteriovenosas.
o Lesões dos pares cranianos.

▪ RM na fase pós-aguda
Permite avaliar peles e mucosas (corpo caloso – encefalomalacia1) e detetar os diferentes
produtos da degradação da hemoglobina nos hematomas. A presença de diferentes estádios de
evolução da lesão hemorrágica permite determinar que a causa foi não traumática (criança
maltratada).

▪ AVC
O AVC é a segunda principal causa de morte e incapacidade nos países desenvolvidos,
sendo que 80% são isquémicos e 20% são hemorrágicos. Apresenta-se como um defeito
neurológico de instalação súbita (ictus).
Em caso de suspeita de AVC hemorrágico, deve-se realizar uma TC que permite identificar
hemorragias agudas tanto no parênquima como nos espaços extracerebrais. Desta forma, a TC
orienta a terapêutica, que é diferente entre os dois tipos de AVC. A lesão isquémica de AVC
isquémico é difícil de diagnosticar por TC nas primeiras 24-48h. Assim, depois da TC inclui-se os
doentes em dois grupos:
1. AVC hemorrágico: identifica-se um coagulo hiperdenso de sangue.
2. AVC isquémica: pode ser normal.

▪ Urgências neurovasculares
Uma das urgências é a isquemia, sendo que, numa fase inicial (2 horas), não existem
alterações imagiológicas. Mais tarde, por volta das 20h, o enfarte parequimatoso estabelece-se com
edema e uma zona hipodensa evidente.
Relativamente ao edema cerebral, existem dois tipos:
o Citotóxico: ocorre no enfarte cerebral agudo e traduz necrose cerebral. Afeta
sobretudo a substancia cinzenta. Existe restrição do movimento das moléculas de
aguda que é detetado por sequencias de difusão.
o Vasogénico: ocorre em tumores e patologias infeciosas, como abcessos. Afeta
sobretudo a substancia branca. Resulta da disrupção da BHE e origina uma lesão
com conformação disquiforme.

1 Encefalomalacia=cerebral softening: destruição localizada do parênquima cerebral devido a hemorragia, inflamação,


infeção e isquemia.
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Perante um AVC, após a fase aguda, podemos avaliar o encéfalo através de uma RM. As
sequencias de difusão (DWI) da RM permitem detetar edema citotóxico numa fase precoce, quando
a TC e a RM T2 são normais. Além da difusão propriamente dita, nas sequencias de difusão
podemos avaliar o coeficiente de difusão aparente que avalia a dificuldade de difusão de moléculas
de agua no espaço intersticial. Na isquémica, o edema citotóxico é intracelular, existindo aumento
do volume celular das células e diminuição do espaço entre elas, o que leva a restrição à difusão
das moléculas de aguda.
A RM com sequencia de difusão permite diferenciar lesões agudas de cronicas. Numa lesão
aguda, existe restrição à difusão devido ao edema citotóxico. Numa lesão cronica, existe
encefalomalacia e destruição celular, o que facilita a difusão de moléculas de agua.

Outra das urgências é a hemorragia parenquimatosa primária, sendo que a causa mais
frequente é a HTA que provoca hematoma hipertensivo, principalmente nos núcleos cinzentos da
base (frequente no núcleo lenticular – putamen). Na fase cronica, estas lesões sofrem cavitação e
acabam por ser preenchidas por LCR.
Além da HTA, outras causas de hematomas são:
o Angiopatia amiloide: pensar nisto perante idosos com demência.
o Malformação AV: pode sangrar para os ventrículos, vendo-se uma hiperdensidade na
RM. Estes doentes têm indicação formal para fazer angiografia cerebral com
cateterismo intra-arterial para se poder caraterizar a malformação, os seus
pedúnculos aferentes e a sua drenagem venosa e determinar a terapêutica adequada
(embolização, remoção cirúrgica e radiocirurgia).

Por outro lado, nas hemorragias aneurismáticas, o doente não vai ter sintomas focais
como na hemorragia parenquimatosa porque a hemorragia é fora do parênquima e, por isso, não
existe destruição do mesmo. A hemorragia ocorre no espaço subaracnoideu e aparece com uma
hiperdensidade na TC (normalmente é hipodenso como o LCR). O doente pode queixar-se de uma
cefaleia muito intensa associada a sinais meníngeos. Estes doentes devem ser internados e
submetidos a uma cirurgia para tratar o aneurisma e evitar futuras hemorragias. O doppler
transcraniano permite monitorizar complicações, nomeadamente vasospasmo reacional, cujo
objetivo é diminuir a hemorragia, mas que, quando intenso, pode causar isquemia. O diagnóstico
é feito por angio-TC. O tratamento deve ser feito por via endovascular ou neurocirurgia, consoante
a localização da lesão e as caraterísticas do doente.

▪ Encefalite herpética
A encefalite herpética zoster afeta frequentemente o lobo temporal e, na TC, apresenta-se
como uma hipodensidade que afeta quase todo o lobo temporal, não sendo restrita a um território
de vascularização arterial (parte posterior é irrigada pela cerebral posterior e a parte anterior pela
cerebral média).

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▪ Patologia tumoral
Os dados semiológicos encontrados devem-se à rutura da BHE. Por exemplo, nos tumores
malignos, ocorre formação de neovasos sem BHE a envolve-los e, por isso, ocorre saída de de LCR
e macromoléculas para o espaço intersticial e formação de edema vasogenico na substancia
branca. Numa RM T1, vê-se uma mancha hipodensa com halo ecogénico, mas a maior parte da
hipodensidade corresponde, não ao tumor, mas sim ao edema vasogénico a ele associado. Para
diferenciar ambas as partes, injeta-se contraste:
o Tumor: zona de realce pós-contraste à periferia. Vê-se também uma zona sacular de
água e uma zona de necrose central (existe um crescimento muito rápido e a zona
central fica sem vascularização, necrosando).
o Edema vasogenico: hipodensidade periférica.
Tanto o tumor como o edema podem causar efeito de massa que se manifesta por um lapso
parcial das estruturas adjacentes ao LCR, devido ao um desvio das estruturas da linha media para
o lado oposto, e apagamento dos sulcos regionais. Alguns tumores causam obstrução à drenagem
de LCR (lesão extra-axial), sendo que normalmente o efeito de massa leva a um colapso do 4º
ventrículo com obstrução à drenagem e hidrocefalia supra-tentorial.
No diagnóstico diferencial dos tumores do SNC, existem 4 critérios importantes:
o Intra-axial: mais comum – glioma maligno
Localização o Extra-axial: quando se injeta contraste surge uma imagem hiperdensa (não existe BHE e o tumor é
muito vascularizado). Mais comum - meningioma
o Lesão quistica do cerebelo num jovem: astrocitoma pilocitico – tumor benigno primário
Grupo etário
o Lesão quistica do cerebelo num idoso: metástases
Numero de o Lesão única: é mais provável ser como lesão primário – glioma
lesões o Múltiplas lesões com carateristicas de agressividade: metástases cerebrais
o Carateristicas de agressividade:
▪ Edema vasogenico à periferia
Caraterísticas
▪ Ausência de BHE
intrínsecas
▪ Realce periférico: captação irregular
▪ Necrose central

▪ Infeção
Além do tumor, também o abcesso cerebral se apresenta como uma massa com realce
periférico, necrose central e edema à periferia. A hipodensidade central corresponde a pus e o
realce periférico à capsula do abcesso. Existem também neovasos sem BHE e, por isso, o edema é
também vasogénico. Os abcessos estão associados a mau prognóstico se não forem tratados
atempadamente através de cirurgia.
O diagnóstico diferencial de abcessos é feito através de RM de sequencia ponderada em
difusão (DWI). A TC e a RM com contraste permitem ver que o realce do abcesso é mais regular do
que o do tumor maligno, mas a DWI confirma o diagnóstico. No abcesso, o facto de o interior ser
viscoso provoca restrição ao movimento das moléculas de agua.

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Patologia Raquimedular
▪ Introdução
o Continente: conjunto das vertebras, discos e ligamentos.
o Conteúdo: meninges, medula e cauda equina.
o Medula espinhal: porção do SNC contida no canal raquidiano, terminando abaixo do
cone terminal, ao nível de L1/L2, onde se inicia a cauda equina.
o Meninges: são 3, a duramater, a aracnóideia e a piamater. A duramater vê-se melhor
na zona toracolombar. O espaço subaracnoideu localiza-se entre a piamater e a
aracnóideia e contem o LCR, que é hiperdenso em T2 e hipodenso em T1. O espaço
epidural localiza-se entre a duramater e a superfície óssea e contem o plexo venoso
epidural, tecido conjuntivo e tecido adiposo, sendo mais abundante na coluna lombar.
Neste espaço, podemos ter lipomatose epidural2 que pode ocorre em caso de obesidade
ou toma de corticoides e que pode causar conflitos dentro do canal raquidiano, como
compressão da duramater.

▪ Lesões degenerativas
Com a idade, vai ocorrendo desidratação dos discos pulposos, que ficam assim suscetíveis
à degeneração e à protusão, e acumulação de traumatismo microscópicos no complexo
osteoarticular da coluna, o que auxilia o processo degenerativo – desidratação do núcleo pulposo
do disco intervertebral, perda da altura dos discos intervertebrais, alterações da medula óssea e
do osso (osteofitose dos planaltos vertebrais) e alterações reacionais do osso subcondral
(inflamação, degenerescência adiposa e osteoesclerose).
A radiografia da coluna vertebral é o 1º exame para estudar os processos degenerativo, por
ser de fácil acesso e de baixo custo, permitindo visualizar a diminuição de altura do disco
intervertebral e a presença de osteófitos. A RM é o método mais completo porque tem uma grande
capacidade de contraste, sendo utilizada como rotina pré-cirúrgica.

As hérnias discais são as lesões mais frequentes de patologia degenerativa, ocorrendo no


inicio do processo degenerativo. É necessário que ocorra fissuração do anel fibroso e que o núcleo
pulposo esteja hidratado. Levam a obliteração do espaço epidural e podem causar compressão
medular, principalmente quando ocorrem a nível cervical. A maioria são póstero-laterais, porque
o ligamento longitudinal posterior é menos espesso do que o anterior (mais suscetível à formação
de hérnias), o anel fibrose é menos espesso posteriormente e os núcleos pulposos estão localizados
mais posteriormente. As hérnias laterais comprometem as raízes que emergem dos buracos de
conjugação, podendo desta forma existir compressão de raízes sensitivas e/ou motoras. O disco
vertebral, inicialmente, tem uma procidência difusa e depois forma uma protusão focal na qual o
diâmetro ântero-posterior é inferior à sua base e não existe rutura do anel fibroso. Se a protusão

2 Lipomatose epidural: hipertrofia do tecido adiposo epidural.


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ultrapassar o anel fibroso e o ligamento longitudinal posterior e alcançar o canal raquidiano, passa
a chamar-se extrusão – é a fase em que temos uma hérnia discal.

A síndrome de claudicação intermitente neurogenea pode ser causada por estenose do


canal raquidiano que comprime tecido nervoso e por compromisso da drenagem venosa. Estes
doentes, após andarem certas distancias, sentem dor e, por isso, têm a necessidade de parar e
repousar antes de retomar a marcha. Podem também ter parestesias e diminuição da força
muscular.

Na mielopatia espondilotica cervical, existe um estreitamento do canal raquidiano3


devido a zonas de protusão, processos degenerativos e osteófitos que fazem compressão
multissegmentar da medula (mielopatia) ou das raízes nervosas (radiculopatia). Deve-se realizar
uma cirurgia de descompressão do canal porque os doentes têm um risco elevado de sofrer
paraparésias.

▪ Exames imagiológicos
o 1ª linha em trauma vertebromedular e patologia degenerativa
o Permite definir segmento lesado
Radiografia o Carateriza alterações osteoarticulares desde inicio
simples o Estudar instabilidade postural a nível da charneira occipital: artrite reumatoide
o Só a RM permite definir e evidenciar micro lesões medulares
o Espondilolise: processo de lise nas faces articulares superiores e inferiores. Comum em desportistas.
o Raio-x com contraste injetado por punção lombar no espaço subaracnoideu
o Definir medula e raízes, fraturas, hernias discais
Mielograma
o Apenas em doentes que não podem TC nem RM
o Não aconselhada em ambulatório pelos efeitos adversos
o TC após injeção de contraste por PL no espaço subaracnoideu
o Aumenta sensibilidade da TC → definir medula e raízes
Mielo-TC
o Útil na lesão do plexo braquial que pode ser causada por trauma obstétrico e quedas
o Não é útil em lesoes intramedulares, esclerose múltipla
o Utiliza um radioisótopo iv como marcador, que se fixa no osso metabolicamente ativo
o Permite diagnosticar metástases, fraturas ocultas, infeções
Cintigrafia
o Inespecífico
o Vantagem: deteta lesões precoces, ainda sem alteração no Rx

▪ Processos infeciosos do ráquis


o Processo infecioso do disco intervertebral e das vertebral adjacentes
o Via hematogenica
o Crianças e adolescentes têm disco mais vascularizado → ↑ risco de infeção
Espondilodiscite o Caraterísticas: diminuição do espaço intersomático + erosão dos planaltos vertebrais + abcesso
pré-vertebral e epidural
o RM é o exame de eleição: patologias infeciosas, alterações osseas, alterações medulares
(inflamação)

3 Avalia-se desenhando os contornos de um corpo vertebral e comparando com o diâmetro do canal raquidiano.
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o Biopsia guiada por TC: isolar o agente infecioso → pode ser piogénico (S. aureus e S. pyogenes)
ou não piogénico (M. tuberculosis)
o Tratamento: Cirurgia descompressiva, terapêutica antibiótica
o Destruição óssea > destruição do disco intravertebral
Espondilodiscite
o Envolvimento do disco é tardio
tuberculosa
o Acompanhado por abcessos volumosos, por exemplo do musculo psoas

▪ Tumores vertebro-medulares
o Origem: elementos ósseos da coluna vertebral
o + frequentes
Extradurais
o Maioria são metástases da mama, próstata, pulmão e rim → ↓ tecido adiposo e ↑ conteúdo
hídrico → hipointenso em T1
o Meningioma: neoplasia benigna da aracnóideia. Pode ficar muito volumoso antes de dar
Intradurais e
sintomas. Mais comum: região torácica.
Extramedulares
o Neurinoma: tumor das bainhas nervosas. Mais comum: raízes raquidianas posteriores.
o Mais comuns: gliomas (inclui ependinoma) → tumores benignos com evolução lenta que alargam
Intramedulares
o canal raquidiano por remodelação óssea. Nos exames imagiológicos, são heterogéneos.

▪ Patologia vascular
É rara e constitui um diagnóstico de exclusão. A maioria resulta de traumatismos.

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Funções Cognitivas
▪ Introdução
As funções nervosas superiores são funções integradas exclusivas dos seres humanos. São
assimétricas e lateralizadas. Dependem dos hemisférios cerebrais (córtex e estruturas
subcorticais) e permitem:
o Comunicação através de símbolos
o Representações mentais
o Aquisição, processamento e armazenamento de conhecimentos
o Comportamentos variáveis e flexíveis

Localização Funções Lesão


▪ Capacidades verbais
▪ Linguagem: 96% dos destros e 76% dos canhotos ▪ Afasia
Hemisfério ▪ Escrita ▪ Alexia
esquerdo ▪ Leitura ▪ Agrafia
▪ Calculo ▪ Apraxia
▪ Memória verbal
▪ Capacidades não verbais
▪ Capacidades visuoespaciais: reconhecimento do espaço,
▪ Neglect
Hemisfério trajetos, estímulos visuais complexos (face humana)
▪ Perturbações
direito ▪ Memoria visual
emocionais
▪ Capacidades musicais e de atenção hemiespacial seletiva
▪ Emoções
▪ Parte interna dos lobos temporais (hipocampo e fornix) +
▪ Alteração da
Linha média parte interna dos lobos frontais
memoria
▪ Memoria a longo prazo
▪ Lobo frontal
Porção mais ▪ Alterações do
▪ Comportamento social: controlo inibitório e iniciativa
anterior comportamento
▪ Planeamento e organização

O cérebro tem uma função vicariante e uma capacidade de plasticidade que permitem que,
num individuo jovem, perante a perda de uma determinada zona, as restantes zonas compensem
essa perda. Ex: hemisferectomia esquerda numa criança.

Os objetivos dos exames neuropsicológicos são:


o Diagnostico: perante suspeita de lesão ou disfunção cerebral (demência, dislexia)
o Identificação e caraterização: de defeitos cognitivos após a 1ª lesão e estudo da sua
recuperação (AVC, traumatismo craniano)
o Aspetos médico-legais: capacidade de condução, responsabilidade legal, graus de
incapacidade, indeminizações de incapacidade
o Planeamento da reabilitação: da linguagem ou cognitiva
o Investigação

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▪ Glossário (Ducla):
Disfonia – perturbação da fonação, isto é, da produção dos sons que compõem os fonemas.
Hipofonia – produção correta dos fonemas, mas com diminuição do volume da voz.
Disartria – perturbação da expressão oral por distúrbio do acto motor de falar, seja por
paresia, ataxia, modificação do tono ou movimentos anormais dos músculos que participam na
articulação.
Anomia – dificuldade em evocar nomes.
Anartria – ausência de produção verbal oral, mantendo-se a intenção de comunicar.
Mutismo – ausência de produção verbal, não havendo intenção de comunicar.
Afasia – perturbação da linguagem, enquanto sistema simbólico de comunicação, quer seja
na sua produção, quer na sua compreensão.
Parafasias – erros na produção verbal oral. Podem ser literais ou fonéticas (livro/lidro),
verbais ou semânticas (livro/papel) e neologísticas (palavras que não fazem parte do léxico).
Estereótipo – palavras ou parafasias, em número muito restrito, usados de modo repetido
e que por vezes constituem toda a produção verbal.
Circunlóquio – expressão verbal longa e pouco informativa, usada com a intenção de
transmitir uma determinada informação.
Ecolalia – repetição automática e involuntária das palavras ou frases ditas pelo observador.
Jargonofasia – discurso inteiramente constituído por parafasias.
Alexia – perturbação da leitura ou da compreensão do sentido da leitura.
Agrafia – perturbação da escrita; não inclui modificações do desenho de letras, resultantes
de perturbações motoras, ataxia, alteração da sensibilidade como, por exemplo, a micrografia
(diminuição do tamanho das letras).
Paralexia – erro na leitura
Paragrafia – erro na escrita.
Os termos utilizados para descrever as perturbações da fala e da linguagem variam
consoante o tipo de perturbação:
• Disfonia  afonia, rouquidão
• Disartria  “não se percebe o que diz”, “voz diferente”, “voz entaramelada”
• Afasia  “deixou de falar”, “troca os nomes”, “não se lembra dos nomes”, esquecido,
baralhado, confuso

▪ Linguagem oral e afasia


Afasia  perturbação da produção ou compreensão da linguagem, secundária a uma lesão
cerebral. É uma síndrome heterogénea que pode variar no tipo e intensidade. Enquanto que nas
afasias ligeiras os doentes apresentam apenas alguma dificuldade em evocar as palavras que
pretendem dizer (que se manifesta por pausas, hesitações ou tronas), nas afasias mais graves os
doentes podem ter o seu discurso reduzido a alguns sons, com incapacidade completa para
comunicar.

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É necessário distinguir afasia de disartria. A disartria é uma perturbação da articulação
verbal. Resulta de falta de força, alteração do tónus ou da coordenação dos músculos envolvidos
na articulação verbal (músculos da língua, palato ou face). É causada por lesões dos músculos da
fala, dos núcleos dos pares cranianos envolvidos na motilidade orofacial (VII, IX, X e XII), do
cerebelo e da placa motora. Caracteriza-se por uma dificuldade em produzir determinados sons
(aquilo que os doentes chamam de fala “presa” ou “empastada”), tornando o discurso pouco
inteligível.
Ao contrário dos afásicos, os doentes disártricos não têm dificuldade em evocar os nomes,
construir frases ou compreender a linguagem e escrevem sem dificuldade. Designamos por
anartria a incapacidade total de articular sons verbais (forma extrema de disartria), que se
encontra, por vezes, em doenças neuromusculares avançadas, como a doença do neurónio motor.
As lesões perissilvicas do hemisfério esquerdo provocam afasia e disartria em simultâneo.

A capacidade da linguagem está lateralizada no hemisfério cerebral esquerdo em 96% dos


dextros e na maioria (76%) dos canhotos. O hemisfério direito tem uma capacidade muito limitada
para processar linguagem, restringindo-se à compreensão de palavras isoladas e aos aspetos
emocionais do discurso (a entoação e melodia do discurso são descodificados pelo hemisfério
direito).
No hemisfério esquerdo, a linguagem organiza-se essencialmente à roda do rego de Sylvus,
na parte póstero-inferior do lobo frontal (F2-F3), parte posterior e superior do lobo temporal
(T1-T2) e lobo parietal inferior. Este “núcleo duro” ou operacional da linguagem está ligado a
áreas acessórias, na sua vizinhança, assim como estruturas subcorticais. Uma lesão em qualquer
parte desta rede pode causar afasia.

▪ Avaliação da linguagem
Uma avaliação sumária da linguagem oral comporta 4 aspetos fundamentais: análise do
discurso, nomeação, repetição e compreensão. Uma avaliação mais detalhada deve incluir testes
específicos para a produção e descodificação da fonologia, do léxico, da sintaxe e do pragmatismo
do discurso.

o Nomeação
A capacidade de nomeação encontra-se perturbada, em maior ou menor grau, em todos os
afásicos. Essa dificuldade designa-se por anomia e constitui o aspeto mais característico da afasia.
Para a avaliar mostramos objetos de uso corrente (moeda, caneta, relógio, óculos, chave, pente) ao
doente, pedindo-lhe que diga o respetivo nome.
Anomia  dificuldade em evocar os nomes. É um dos aspetos mais característicos da
afasia.
A resposta do afásico é variável. O doente pode fazer pausas sem conseguir evocar palavras,
produzir de forma automática, não intencional, sons verbais repetitivos, estereótipo (ex: tutu, tu,
tututu…), repetir palavras que disse anteriormente (perseveração), usar termos genéricos (“aquela

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coisa”) ou produzir circunlóquios (descrever o objeto, dizer para que serve por exemplo, sem dizer
o nome).
O doente afásico pode ainda fazer substituições de sons ou troca de palavras, a que se
chama parafasias. Estas podem ser literais (troca de um som, relóvio em vez de relógio), verbais
(troca da palavra correta por outra, caneta em vez de relógio) ou neologísticas (produção de uma
palavra que não faz parte do nosso léxico, por exemplo tijoco em vez de relógio).
O examinador deve registar os erros e o número de respostas corretas (5 em 8 objetos, por
exemplo), de forma a obter uma medida aproximada da dificuldade de nomeação. É patológico a
partir de 1 falha, sendo que o ideal é mostrar 8 objetos. Quanto pior a nomeação, pior a gravidade
da afasia.
A dificuldade de nomeação não tem um valor localizador da afasia. Estudos de RNMf e PET
em indivíduos saudáveis mostram que, durante tarefas de
nomeação, ativamos uma rede neuronal extensa na região
perissilvica (anterior e posterior ao rego de Sylvius) do
hemisfério esquerdo. Assim, quer as lesões supra, quer as
infrassilvicas podem causar anomia.
Há alguma evidência de que a denominação de ações
(produção de verbos) depende da região frontal do hemisfério
esquerdo, enquanto a produção de nomes (substantivos)
depende do lobo temporal esquerdo.

o Compreensão auditiva
Esta capacidade avalia-se através da execução de ordens verbais simples. O examinador dá
sucessivas instruções ao doente (“feche os olhos”, “abra a boca”, “aponte a janela”) e observa a sua
resposta. Deve ter o cuidado de não fornecer pistas não verbais (através de gestos ou expressões
faciais). O desempenho deve ser quantificado (por exemplo: cumpre 4 em 6 ordens simples).
Também se podem fazer perguntas sobre a disposição dos
objetos.
Quando ouvimos palavras conhecidas ativamos sobretudo
a parte posterior das primeiras circunvalações temporais, no
bordo inferior do rego de Sylvius (áreas auditivas primárias).
De seguida, ocorre segmentação (dividimos o discurso em partes)
e a informação segue duas vias:
a) Via ventral: via do hemisfério esquerdo que relaciona o que é ouvido com o seu
significado – função léxico-semântica. É avaliada pela compreensão.
b) Via dorsal: relaciona os sons com a capacidade articulatória – função fonológica. É
avaliada pela repetição, sobretudo de pseudopalavras, porque nestas a pessoa não
pode ir buscar um significado da palavra e, por isso, não segue a via ventral.

13
A compreensão auditiva depende de:
o Área de Wernick: atribui significado e sentido aos sons verbais. Analisa, segmenta e
descodifica as palavras. Lesão: afasia recetiva - de compreensão ou fluente.
o Área auditiva: descodifica os sons verbais, sem ligar ao significado ou sentido.
Se dividirmos o hemisfério esquerdo através de um plano transversal que passe pelo rego
de Sylvius, podemos dizer que as lesões infrassilvicas das áreas de linguagem alteram a
capacidade de compreensão verbal, enquanto que as suprassilvicas causam afasias com boa
capacidade de compreensão.
Se a compreensão de palavras depende sobretudo do lobo temporal, a compreensão de
frases mais complexas requer a participação do lobo frontal. Assim, os afásicos com lesões frontais
esquerdas (afasia de Broca, por exemplo) podem ter dificuldades na compreensão do discurso, em
tempo real, mesmo tendo um bom desempenha na prova de compreensão de ordens simples.

o Capacidade de repetição
Para avaliarmos pedimos ao doente que repita as palavras que lhe vamos dizendo, sendo o
ideal 8. Iniciamos esta prova com palavras curtas e familiares e prosseguimos com palavras mais
longas e difíceis, ou frases (p ex: sol, porta, sapato, descoberta, etc). Podemos também pedir ao
doente que repita pseudopalavras (isto é, sequencia de sons pronunciáveis, mas que não fazem
parte do léxico da língua Portuguesa, como por exemplo “malico”, “lovitalhe”), de forma a
avaliarmos a repetição isoladamente. Desta forma testamos duas vias cognitivas independentes
para a repetição, a semântica e a fonológica. De facto, quando
repetimos palavras conhecidas utilizamos os nossos conhecimentos
prévios (a nossa memória semântica, que inclui o significado das
palavras). Pelo contrário, ao repetitir pseudopalavras, temos que
nos basear na memória fonológica (a capacidade de reter por breves
momentos uma sequência exata de sons sem sentido). Por vezes,
apenas uma destas vias se encontra disfuncional, sendo o doente
capaz de repetir pela via alternativa.
A capacidade de repetição depende da integridade das estruturas vizinhas do rego de
Sylvius: a área de Wernicke (onde as palavras são analisadas, segmentadas e descodificadas), a
ínsula, a região parietal inferior (envolvida na memória fonológica) e a área de Broca (formação de
palavras e programação do discurso; trabalha em associação com a área de Wernick através do
feixe arqueado). Quando uma ou mais destas áreas são lesadas, o afásico tem dificuldade em
repetir. Uma lesão na área de Broca causa afasia expressiva ou não fluente.
Existe um tipo de afasia, chamada afasia de condução, em que a repetição constitui a
principal dificuldade do doente, estando as suas capacidades de produzir e compreender discurso
relativamente intactas. Pelo contrário, noutras síndromes afásicas, o doente pode ter grande
dificuldade de linguagem (na produção do discurso, nomeação ou compreensão), mas repete bem
palavras ou frases, por vezes até compulsivamente. São as afasias transcorticais, que resultam de
lesões na periferia das áreas de linguagem ou de lesões subcorticais.
14
Embora o doente tenha uma ideia da palavra que deve repetir, apenas consegue uma
produção aproximada, fazendo erros na seleção e sequenciação dos fonemas, resultando em
múltiplas parafasias. O doente faz “conduite d’approche”, ou seja, vai dizendo palavras por
aproximação até desistir.

o Análise da fluência do discurso


Por fluência designamos a facilidade em produzir discurso. Pode ser dos aspetos mais
difíceis de avaliar na afasia. A fluência é analisada enquanto conversamos com o doente sobre a
sua vida quotidiana [teste do discurso espontâneo]. Se o afásico mostrar relutância em conversar,
pode-se-lhe pedir que descreva [teste do discurso provocado] uma imagem ou que nos fale de um
tema familiar (nos relate como elabora um cozinhado, ou nos fale das suas tarefas profissionais).
O discurso pode ser dividido em dois tipos quanto à fluência:
 Discurso não fluente – de baixo débito (poucas palavras/min), produzido com esforço
(dificuldade em iniciar), constituído por frases curtas ou palavras isoladas (discurso
telegráfico), por pausas frequentes e longas, por hesitações e por uma estrutura sintática
pobre (sem preposições, artigos, etc), verificando-se uma perda da linha melódica
habitual. O discurso soa “estranho”.
 Discurso fluente – débito normal ou elevado, produzido sem esforço e sem pausas e com
frases de tamanho médio e integridade da linha melódica. Embora seja um discurso que
“superficialmente” parece normal, se atendermos ao seu conteúdo, verificamos que é
pobre em ideias e pode conter múltiplas parafasias.

A fluência do discurso tem um correspondente anatómico. Dividindo o hemisfério esquerdo


através de um plano coronal que passa pelo rego de Rolando, verificamos que as lesões pré-
rolândicas (lesões frontais) provocam afasias não fluentes (podem estar associadas a
hemiparesia/hemiplegia direita por lesão da circunvolação frontal ascendente), enquanto que as
retro-rolândicas (temporo-parietais) se associam às afasias fluentes (podem estar associadas a
hemianopsia homónima contralateral direita por lesão do córtex visual).

No quadro é apresentada a classificação toxonómica das afasias, de acordo com o


desempenho dos doentes nestas provas cardinais. A capacidade de nomeação não está

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representada neste quadro uma vez que, como já foi assinalado, se encontra perturbada em todas
as síndromas afásicas.

Nomeação Fluência Compreensão Repetição Afasia Caraterísticas


Transcortical
Normal
motora
Normal
Discurso telegráfico com poucas
↓ Broca
Não fluente partículas gramaticais
Transcortical
Normal
↓ mista
↓ ↓ Global
Normal Anomica
Normal
↓ Condução Varias parafasias
Transcortical
Fluente Normal
sensorial

Discurso rico em partículas gramaticais
↓ Wernicke
mas pobre em conteúdo

Embora ao longo deste texto tenhamos assinalado a correlação entre os sintomas clínicos e
a localização da lesão (correlação anatomo-clinica) para os vários tipos de afasias, essa correlação
torna-se mais ténue à medida que a afasia recupera e o quadro se modifica, sendo mais consistente
no final do primeiro mês após enfarte cerebral (no caso das afasias de etiologia vascular). Nos
primeiros dias pós lesão cerebral, os quadros afásicos são menos heterogéneos, existindo
classificações especificas para as afasias nessa fase aguda.
Uma pessoa com discurso fluente, mas com anomia tem uma afasia, sendo que muitas
vezes estes casos são confundidos com confusão. Porém, na confusão o doente não sabe onde está
ou o dia, mas consegue nomear objetos, na afasia não.
Um doente afásico também costuma estar apráxico, disléxico e telegráfico.

▪ História natural das afasias e intervenção terapêutica


As afasias têm um enorme impacto na vida dos doentes. Interferem na sua capacidade de
comunicar, na sua integração familiar, profissional e social, na qualidade de vida e na
possibilidade de retomar o trabalho. Associam-se com frequência à depressão. Além disso, os

16
afásicos com lesões frontais ou subcorticais têm muitas vezes uma hemiparesia associada,
aumentando a sua incapacidade.
A maioria das síndromes afásicas sofre uma recuperação espontânea, que é máxima nos
primeiros três a quatro meses após lesão. Nas afasias secundárias a lesões vasculares isquémicas,
a recuperação estabiliza ao fim de um ano. Nas lesões vasculares hemorrágicas e na patologia
traumática, o período de recuperação pode ser mais longo. A idade é importante na recuperação,
sendo muito mais favorável na criança do que no adulto.
A recuperação da afasia é facilitada pela terapia da fala, através da qual os doentes são
estimulados, ensinados e treinados em vários aspectos da linguagem e da comunicação. A
frequência e a duração das sessões de terapia da fala, assim como o método mais adequado de
estimulação são ajustados pelo terapeuta em cada caso. Existe alguma evidência de que a terapia
deve ser intensiva e iniciada precocemente.
É importante esclarecer a família que o doente afásico não está demente nem confuso, e
que pode, apesar da dificuldade de linguagem, manter-se independente em vários aspectos da sua
vida diária.
As afasias associam-se, com frequência, a outras síndromes do hemisfério esquerdo (alexia,
agrafia e apraxia). Por conseguinte, a avaliação da linguagem oral deve contemplar igualmente
uma avaliação da capacidade de leitura, escrita e execução e compreensão de gestos.

▪ Capacidade de escrita e agrafia


Disgrafia: perturbação da escrita. Acompanha sempre a afasia.
A agrafia corresponde à perda total da capacidade de escrita. Acompanha invariavelmente
a afasia. Existem também situações de agrafia pura (sem afasia), sobretudo no contexto de lesões
restritas frontais, parietais ou subcorticais do hemisfério esquerdo.
O doente com agrafia tem dificuldade em escrever espontaneamente e/ou por ditado. A
dificuldade verifica-se na seleção das letras e na construção das frases, e não apenas no desenho
das letras (mesmo que o doente possa executar essas tarefas com letras de plástico ou através de
um teclado, ele fará erros). O doente pode desenhar rabiscos ilegíveis, escrever palavras/frases
sem sentido ou incompletas, além de apresentar erros ortográficos ou sintáticos.
Existem alguns sistemas de classificação das agrafias de acordo com o defeito cognitivo
encontrado: linguístico (a nível semântico, fonológico, lexical, etc) espacial ou apráxico.

▪ Capacidade de leitura e alexia


Chama-se dislexia a uma perturbação da capacidade de leitura. Tal como a agrafia, a alexia
pode também acompanhar as síndromes afásicas ou ocorrer isoladamente. O defeito pode ser de
vários tipos: o doente pode não conseguir ler letras, palavras ou um texto em voz alta ou, pelo
contrário, pode conseguir ler, mas não compreender aquilo que lê. Designa-se alexia quando existe
uma incapacidade completa de efetuar a leitura.

17
Alexia pura  nas lesões temporo-occipitais do hemisfério esquerdo (tipicamente nos
enfartes da artéria cerebral posterior esquerda) ocorre, por vezes, a síndrome da alexia sem agrafia,
em que o doente mantém a capacidade de escrever (espontaneamente ou por ditado), mas não é
capaz de ler. É incapaz de ler o que ele próprio escreveu. Esta síndrome, que coexiste com uma
hemianopsia homónima direita, incapacidade para nomear as cores e dificuldades de memória,
resulta de uma desconexão entre a informação visual que é recebida no córtex occipital direito e
as áreas de linguagem do hemisfério esquerdo.
O enfarte occipital esquerdo provoca uma hemianopsia homónima direita. A informação
visual chega ao córtex occipital direito de onde é enviada para outras áreas do cérebro. A
informação visuo-verbal (letras, palavras, cores) tem que ser processada
nas áreas de linguagem do hemisfério esquerdo. Se o enfarte
interromper a via calosa destas fibras, essa informação não atinge as
áreas de linguagem intactas. Assim, o doente consegue falar e escrever,
mas não consegue ler. Existe uma desconexão entre a informação
visual recebida no córtex occipital direito e as áreas da linguagem do
hemisfério esquerdo.
Como a informação sensorial e propriocetiva é enviada para o
córtex parietal somatossensorial e atinge a área de Wernick, estes
doentes consegue ler desenhando as letras e tendo a noção
propriocetiva do movimento necessário para as desenhar com uma
caneta ou no ar.
Além desta síndrome específica existem outros tipos de alexia, que se definem pela
capacidade de utilização preferencial de uma das vias da leitura. Por exemplo, na alexia de
profundidade o doente não consegue ler pseudopalavras e produz erros semânticos na leitura de
palavras; na alexia de superfície, só consegue ler pela via fonológica (isto é, soletrando) e tem
grande dificuldade na leitura de palavras irregulares.

▪ Processamento dos gestos e apraxia


Chama-se apraxia à dificuldade em executar gestos proporcionais aprendidos, por perda
do esquema motor exato, aquilo a que se chamou engrama motor, necessário à sua realização, na
ausência de defeitos motores ou sensoriais primários. Pode impedir o doente de realizar atividades
da vida diária, contribuindo para a sua perda de autonomia.

O doente apráxico pode ser capaz de efetuar alguns gestos de forma inconsciente, pode
saber qual o gesto que pretende realizar, compreender a sua função e ter a força muscular, a
sensibilidade propriocetiva e a coordenação motora conservadas. Contudo, se lhe for pedido que
demonstre como se usa uma tesoura, ele fará um gesto aproximado, vago ou errado ou será mesmo
incapaz de o fazer. Esta dificuldade pode decorrer de uma perturbação nos diversos passos que
intervêm na realização do gesto, nomeadamente no seu planeamento e execução.

18
Os erros produzidos pelos doentes apráxicos podem ser de vários tipos: no posicionamento
correto ou na orientação espacial do objeto ou da parte do corpo envolvida, na sequenciação do
movimento, ou no uso da mão em substituição do objeto.
O hemisfério esquerdo é dominante para os movimentos proposicionais (tal como para os
da escrita e da linguagem oral), e por isso as apraxias ocorrem com maior frequência após as
lesões deste hemisfério, sobretudo quando estas envolvem o lobo parietal inferior ou a área
suplementar motora. Contudo, existem algumas apraxias típicas das lesões do hemisfério direito
ou do corpo caloso. As apraxias constituem ainda uma manifestação frequente das demências.

Classificação das apraxias


A apraxia pode afetar os movimentos da boca e da face, chamando-se então apraxia
bucofacial, um sinal acompanhante frequente da afasia. Na apraxia bucofacial, o doente é incapaz
de cumprir a instrução de assobiar, chupar por uma palhinha, soprar ou dar um beijinho.
Quando a apraxia atinge os movimentos dos membros, apraxia dos membros, o doente pode
ter dificuldade em realizar os gestos de se benzer, escovar o cabelo ou de usar um copo para beber.
Há quem subdivida as apraxias dos membros em vários tipos, de acordo com o padrão de erros
apresentados e pela melhoria (ou não) do defeito pela imitação do gesto ou pela manipulação do
objeto envolvido no gesto. Fala-se, assim, em apraxia cinética, apraxia ideomotora, apraxia
ideativa, etc.
Na apraxia construtiva, a dificuldade verifica-se sobretudo na realização ou reprodução de
desenhos (com papel e lápis) ou na construção de modelos tridimensionais (feito com sólidos
geométricos ou peças de plástico).
Na agrafia apráxica, o doente tem dificuldade em desenhar as letras embora seja capaz de
soletrar as palavras, indicando que conhece a sequência dos grafemas que a compõem.
Uma das apraxias mais típicas das lesões do hemisfério direito é a apraxia do vestir. Nesse
caso o doente não consegue realizar a sequência de gestos necessários para vestir, por exemplo,
um casaco. Pode fazer vários erros. Não coloca o casaco na posição adequada, troca as mangas,
veste o casaco do avesso, ou pode vestir a camisola por cima do casaco.
Existem ainda apraxias que resultam de uma desconexão calosa, como a apraxia verbo-
motora, situação em que o doente não é capaz de efetuar gestos, por ordem verbal, com a mão
esquerda, embora seja capaz de os realizar com a mão direita. Neste caso, e devido à lesão do terço
anterior do corpo caloso, a ordem verbal não é transmitida do hemisfério esquerdo para o direito.
Assim, a mão esquerda (dependente do hemisfério direito) não tem acesso à instrução que lhe foi
dada.

Avaliação das apraxias


Para avaliar sumariamente as capacidades práxicas, devemos primeiro assegurarmo-nos
de que o doente tem força, sensibilidade e coordenação conservadas. De seguida, pedimos-lhe que
execute (primeiro com uma, depois com a outra mão) gestos simbólicos (o sinal da cruz) e gestos
icónicos, quer transitivos (uso de objetos, como levar o copo à boca), quer intransitivos (dizer
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adeus). Começamos por dar instruções verbalmente. Se houver dificuldade, podemos tentar a sua
execução por imitação, com a presença do objeto ou através da manipulação do objeto.
Para além da execução dos gestos, podemos também avaliar a capacidade do doente em
reconhecer gestos, realizados pelo examinador. Por exemplo, o examinador imita o gesto de cortar
alimentos e o doente deve apontar para a faca colocada (com outros objetos) na mesa diante dele,
ou dizer “cortar”. Sabe-se que as áreas cerebrais responsáveis pela compreensão dos gestos se
sobrepõem às utilizadas na compreensão da linguagem. Por isso, os afásicos têm maior dificuldade
em compreender gestos.

▪ Capacidades de calculo e acalculia


Acalculia é uma perturbação da capacidade de cálculo, escrito ou mental.

A capacidade de cálculo envolve uma serie de processos cognitivos, que podem ser
seletivamente afetados após a lesão cerebral: a estimativa das quantidades, o conhecimento dos
números e dos símbolos das operações aritméticas, o conhecimento dos fatores aritméticos (a
tabuada) e os procedimentos das várias operações. O cálculo mental requer ainda o envolvimento
da memória de trabalho.
Existem vários tipos de acalculia: a acalculia afásica, em que o doente não consegue lidar
com os números enquanto entidades linguísticas e não consegue lê-los ou escrevê-los por ditado;
a assimbolia para os sinais aritméticos, quando existe uma incapacidade de reconhecer os sinais
de somar, subtrair, multiplicar; a acalculia espacial, em que, embora o doente conheça os números
e os factos aritméticos, não é capaz de organizar espacialmente uma operação e, por isso, faz erros
no calculo. Os doentes com neglect, por exemplo, fazem erros por ignorarem a parte do número
que se encontra mais à esquerda. Este tipo de discalculia é mais frequente nas lesões do hemisfério
direito.
Existe ainda a anaritmetia, situação em que o doente, embora conheça os números e os
factos aritméticos, deixa de conhecer os procedimentos das operações aritméticas. Por exemplo,
faz uma multiplicação usado as regras da soma, ou seja, multiplicando os números em colunas.
A capacidade de calculo depende sobretudo do hemisfério cerebral esquerdo, embora alguns tipos
de acalculia, como a acalculia espacial, possam também ocorrer por lesão do hemisfério direito. A
anaritmetia pode ocorrer em estado “puro” nas lesões parietais esquerdas ou aparecer associada
a lesões difusas, como acontece na demência.

▪ Capacidades visuo-espaciais e neglect


O hemisfério direito é dominante para as capacidades visuo-espaciais: reconhecimento do
espaço circundante, de trajetos, de estímulos visuais complexos (como a face humana) e da
atenção hemiespacial seletiva.
A rede neuronal subjacente a esta capacidade de atenção e exploração do espaço tem vários
subsistemas:

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o Sistema atencional – deteta estímulos visuais, auditivos, tácteis, apresentados no
hemiespaço esquerdo. Depende, sobretudo, do córtex parietal e do tálamo
o Sistema motivacional – sinaliza a relevância do estímulo. Depende do cíngulo anterior
o Sistema motor/exploratório – é responsável pela orientação especifica para os
estímulos, quer através dos movimentos oculares e da cabeça, quer pelos movimentos
dos membros. Depende do córtex frontal súpero-externo.

A inatenção hemiespacial seletiva (IHS) ou neglect é um dos defeitos cognitivos mais


típicos das lesões do hemisfério direito (fenómeno de fase aguda, com tendência à recuperação). É
caracterizada por incapacidade em atender, explorar, responder ou orientar-se para estímulos
presentes no hemiespaço ou no hemicorpo contralateral.
É um sintoma primário de lesão no hemisfério direito, uma vez que lesões no hemisfério
esquerdo raramente provocam neglect (o hemisfério direito dominante compensa o defeito de
atenção seletiva resultante).

A IHS também se pode verificar na hemianopsia homónima esquerda. No entanto, na


hemianopsia existem movimentos oculares e cefálicos que permitem explorar todo o campo visual,
o que não se verifica no neglect.
Neste caso, o doente ignora completamente o lado esquerdo do seu campo visual, embora
veja esse campo – muitas vezes, chamando a estes doentes pela sua esquerda, eles não se viram
para a esquerda, mas dão uma volta completa pela direita à procura do interlocutor, até o
encontrarem pelo seu lado direito.

Testes para despiste de neglect


▪ Provas de barragem (“crossing out”, “cancellation”)
▪ Cópia de desenhos, de texto, de palavras
▪ Descrição de imagens
▪ Leitura de palavras, números
▪ Calculo escrito, escrita espontânea

Os quatro testes mais comuns são:


A. Prova de barragem
1º- Desenhar várias linhas numa folha em branco e anotar quais os lados da folha
(direito e esquerdo). Colocar à frente do doente, o mais à direita possível, para que o
doente a veja completamente
2º- Pedir ao doente para bissectar cada uma das linhas na folha
3º- O doente com neglect, inicialmente, pode até começar por bissectar algumas linhas
à esquerda, mas à medida que se vai orientando para as linhas mais à direita começa
a ignorar completamente todas as que se encontrem do lado esquerdo da folha.
4º- Permite monitorizar a evolução do doente.

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B. Desenho espontâneo de uma figura simétrica, p.e, um relógio com ponteiros e
números ou uma flor com pétalas.
o O doente com neglect tende a negligenciar alguns elementos do lado esquerdo da
representação.

C. Cópia de desenhos simétricos (ex: casa, borboleta)


o O doente com neglect só copia os elementos do lado direito do desenho.

D. Pedir ao doente para descrever uma representação mental a partir de dois pontos
de vista opostos (ex: descrever o seu quarto a partir da parede que tem a porta, e depois
escolher a parede oposta e repetir o pedido) – testa a existência de um neglect
representacional (manifestação de neglect no espaço mental).
o Num doente com neglect representacional, há discrepância em ambas as descrições,
sendo que, na segunda, há sempre omissão de elementos já referidos na primeira,
mesmo que se pergunte várias vezes “é só isso que existe?”. Isto porque estes
elementos passaram a encontrar-se no lado esquerdo, na nova perspetiva, e são
completamente negligenciados.

Nota: sistemas atencionais:


o Sistema top down: nós geramos a ordem de procurar no espaço. É mais dorsal e
encontra-se nos dois hemisférios. É constituído pelo frontal eye fields (FEF) e pelo sulco

22
intraparietal (IPS), que têm mapas dos espaços com organização retinotópica de forma a
coordenarem a atenção espacial, o planeamento das sacadas e a memoria de trabalho
visual. Ex: procurar alguém de quem estamos à espera entre todas as pessoas. Lesão:
neglect egocêntrico.
o Sistema bottom up process: o estimulo induz o comportamento intenciona. É mais
ventral e localiza-se apenas no hemisfério direito. É constituído pela junção
temporoparietal (TPV) e pelo córtex frontal ventral (VFC), que re-orientam a atenção para
estímulos relevantes e inesperados. Ex: alguém grita e nós somos obrigados a olhar para
essa pessoa. Lesão: neglect alocêntrico.

Tipos de Neglect:
a) Neglect pessoal – ignora estímulos do seu hemicorpo (ex: só penteia a metade direita do
cabelo; só calça o sapato direito)
b) Neglect extrapessoal (visuo-espacial) – peripessoal (alcance da mão) e distante (alcance
do olhar)
c) Neglect representacional – quando mentalmente imagina uma cena, negligencia o que
estava do lado esquerdo (ex: ao descrever o quarto, faz descrições diferentes consoante o
lado)
d) Neglect motor – individuo sem paralisia no membro esquerdo, mas mexe-o pouco (é
importante estimular o membro, pois pode conduzir a atrofia); em situações extremas, o
doente pode apresentar um desvio dos olhos e da cabeça para o lado direito, ignorando
qualquer estimulação do lado esquerdo; pode negar qualquer défice motor à esquerda
(anosognosia).
e) Extinção – quando estímulos visuais estão em competição, ignora e esquece o do lado
esquerdo, pois o direito predomina.

Consequências do neglect
▪ Hospitalização mais longa
▪ Reabilitação mais prolongada
▪ Quedas e acidentes

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▪ Memória e Amnésia
1. Memória
A memória não é uma função unitária, é constituída por vários sistemas independentes
(dispostos pelos dois hemisférios) e existem vários processos cognitivos que participam na
memória. Uma determinada lesão pode afetar, seletivamente, um sistema de memória.
A neuroanatomia da memória implica estruturas do SNC, como o hipocampo e região
temporal interna, circunvolução do cíngulo anterior, trígono, diencéfalo e região fronto-basal
(região do septo).
Em termos muito gerais, as várias estruturas e áreas cerebrais desempenham funções
mnésicas diferentes:
o Lobo frontal  processos de acesso e evocação de memórias; também elabora estratégias
de aprendizagem mais eficazes (mnemónicas, associações semânticas e organização de
informação e factos por ordem cronológica); responsável pela memória prospetiva
(corresponde ao planeamento da evocação, capacidade de lembrança de compromissos
planeados para o futuro, como pagar a renda da casa, renovar os passes, desligar o forno
a certa hora, etc.) A sua lesão tem como consequência a amnésia anterógrada e retrógada.
o Lobo temporal  Aquisição, armazenagem e consolidação de memórias.
▪ Lesão: amnésia anterógrada. O hipocampo faz parte do lobo temporal é responsável
pela aquisição, armazenagem e consolidação, essencialmente da memória
declarativa/longo termo/explicita episódica:
▪ Hipocampo esquerdo  memória episódica verbal
▪ Hipocampo direito  memória episódica não-verbal ou visuoespacial (locais,
trajetos).

Processos de memorização, de nova informação a longo tempo:


1. Aquisição ou codificação (encoding)  uma nova informação é codificada
2. Armazenagem e consolidação (save)  o registo da codificação torna-se permanente
3. Acesso e evocação (open)  procura da informação e sua recuperação.

Sistemas e Tipos de Memória


I. Memória imediata/primária/ a curto-tempo
A memória a curto-termo é responsável por guardar a informação (ate sete segmentos de
informação, como facto, letras, números ou outros) por períodos breves de tempo (segundos até
minutos ou mais).
Quando são adicionados novos segmentos, parte da informação mais antiga é esquecida; a
informação encontra-se em disponibilidade imediata, de modo que não se tem que realizar um
esforço mental.
Por exemplo, a memória imediata é usada quando pedimos o número de telefone a uma
pessoa e mantemos a memória ativa enquanto tomamos nota do número.

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Inclui a memória do trabalho (lobo frontal), capacidade de reter ou evocar uma determinada
quantidade de informação e mantê-la ativa e disponível, enquanto se trabalha nela. Depende
essencialmente de circuitos neuronais pré-frontais, subcorticais e do lobo parietal esquerdo.
Por exemplo, se pedirmos para soletrar “anticonstitucionalmente” a pessoa tem de manter
a palavra na memória enquanto a soletra.

o Avaliação:
▪ Memória imediata: repetição de séries de dígitos de tamanho crescente e registar qual
é o número máximo de dígitos que a pessoa consegue dizer. O tamanho médio num
adulto saudável é 5 dígitos.
▪ Memória de trabalho: repetição de dígitos por ordem inversa  em sequências
progressivamente maiores (ex: diz-se 7-3-1 e o doente deverá responder 1-3-7). Ou
pedir para soletrar uma palavra.
▪ Erros mais comuns: em vez de dizer uma sequência de dígitos, dizemos números
(pedimos para repetir 57487, por exemplo) ou séries muito longas (345, 282, 103,..).
Também não devemos manter os dígitos da série anterior (é necessário usar dígitos
diferentes em cada série, por exemplo: 4,1,5,7,9…)

II. Memória declarativa/ explícita/ a longo-termo


A memória a longo termo é um sistema de retenção de informação a longo termo (minutos
a anos), ao qual se tem acesso consciente (contrariamente à memória implícita, em que o acesso
não é totalmente consciente).
É este sistema que se refere quando se fala de memória e a cuja perda se refere quando se
fala de amnésia.
Existem 2 tipos de memória:
o Memória semântica  conjunto dos conhecimentos que temos – conhecimentos objetivo
(o que é?). Não tem componente emocional, sendo uma informação geral não ligado a um
episodio especifico da vida da pessoa e é independente dos referenciais temporo-
espaciais. Está difusamente representada no córtex, mas mais tarde na parte lateral do
lobo temporal e do córtex frontal. Por ser tão difusa, é mais raro ser totalmente afectada.
Exemplo: a pessoa saber onde fica o rio Tejo.
o Memória episódica  associada a determinados momentos específicos da vida da
pessoa – envolve os atos de lembrar e recordar (quando, onde, como?). Existe uma
história e esta é muito rica em detalhes, sendo, muitas vezes, autobiográfica. Existe um
referencial no espaço e no tempo (pessoa sabe dizer onde estava e que idade tinha, com
quem estava). Depende muito do hipocampo. Exemplo: a pessoa lembrar-se da primeira
vez que atravessou o rio Tejo, com os amigos em que aconteceu X ou Y.

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Existe ainda uma outra divisão, mais importante em termos clínicos:
✓ Memória anterógrada – corresponde aos novos processos de aquisição e armazenamento
de informação. Memorias “novas”. Envolve encoding e consolidação, que pressupõem a
existência de uma capacidade de aprender.
✓ Memória retrógada – corresponde a informações já adquiridas e consolidadas que
apenas necessitam de acesso e evocação. Memorias “velhas”.

Curiosidade: Esta ideia de que a memória tem dois componentes, vem da descrição de um caso clínico muito
conhecido: o caso HM. Este é um caso muito interessante que surgiu nos anos 50, nos EUA, e que consistia num homem
de 20 anos que tinha uma epilepsia muito difícil de tratar. Na altura já se tinha a ideia que a epilepsia tinha origem nos
lobos temporais e então fizeram uma amigdalohipocampectomia bilateral, ou seja, tiraram-lhe os dois hipocampos. O
doente, de facto, ficou sem crises epiléticas, continuou a ser uma pessoa inteligente, a comportar-se bem, a falar sem
dificuldade. No entanto, a memória desapareceu por completo. Ele ficou com uma amnésia para a memória episódica,
nunca mais adquiriu nova informação (anterógrada) e tinha muita dificuldade em lembrar-se de coisas da vida dele
(retrógada). Foi ai que se percebeu que a memória dos conhecimentos gerais se mantinha intacta, mas a memória dos
acontecimentos não.

o Avaliação:
• Retrógada
▪ Semântica:
✓ Perguntas de conhecimentos gerais, tendo sempre em conta o nível
educacional prévio do individuo “Em que ano foi o 25 de Abril?”, “Porque se
ergueu o muro de Berlim?”, “Que pais foi atacado no 11 de Setembro?”
✓ Conhecimento dos significados: “O que é um sapato?”, “Para que serve uma
padaria?”
✓ Conhecimento de celebridades, adequado ao doente em questão. Podemos
pedir celebridades de alturas diferentes para percebermos até que ponto está
alterado: “Quem foi Salazar?”, “Quem é José Sócrates?”
▪ Episódica
✓ Perguntar acontecimentos da memória de várias fases da vida pessoal do
doente. Quando fazemos as perguntas convém ter um familiar para confirmar
que é verdade. Fazer pelo menos 3 perguntas.
✓ Infância – “Onde costumava passar férias?” “Onde é que andou na escola?”,
“Diga-me os nomes de alguns amigos de quando andava na escola?”
✓ Adulto – casamento, filhos, trabalho.
• Anterógrada
✓ Testa-se normalmente através de palavras. Aqui podemos usar as palavras do
mini-mental. Pedimos para memorizar 3 palavras e, de seguida, pedimos ao
doente para repetir. Entretanto fazemos uma tarefa de distração (subtração 3
em 3, por exemplo) para poder sair da memória imediata e ir para longo termo
e ao fim de algum tempo perguntamos se se lembra das 3 palavras que
tínhamos de início.
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✓ Quando, neste teste, se dá pistas sobre a palavra que se quer que o doente
diga (“umas palavras era um alimento, lembra-se?”) ou se dá uma lista de
palavras possíveis, se este chega à resposta por um destes dois modos, então
é porque o seu defeito de memória se centra em processos de acesso e evocação
de memórias apenas. Caso contrário, terá um defeito de registo (aquisição e
armazenagem), mais grave.

III. Memória Implícita


o Memória de Procedimentos
• É inconsciente (apenas consciente no processo de aquisição), sendo a execução
automática. É resistente à lesão cerebral. Corresponde a sequências motoras muito
automatizadas e que se realiza de forma quase inconsciente – são memórias
sensoriomotoras que permitem nadar, andar de bicicleta, conduzir, fazer tricot,
escrever, etc.
• Depende sobretudo de estruturas subcorticais. Uma vez aprendidos, são resistentes
ao esquecimento. Este tipo de memória está muitas vezes presente nos indivíduos
amnésicos.
o Memória percetiva e priming
• Memória não consciente. Permite realizar julgamentos de familiaridade. Sistema usado
em publicidade. Após a apresentação de determinada informação, torna-se mais fácil
recordá-la.
o Condicionamento

2. Amnésia
o Amnésia anterógrada
• Lesão que afeta os processos de aquisição e armazenamento. Causa uma dificuldade
em adquirir novas informações, pelo que não é feito nenhum registo ou armazenagem
(logo, o doente não poderá recordá-las). Contudo, não haverá problemas em aceder a
informações antigas, armazenadas antes da lesão (ex: amnésia pós-traumática, após
traumatismo crânio-encefálico de alguma gravidade).
o Amnésia retrógada
• Lesão que afeta os processos de acesso e evocação da informação.
• Normalmente acompanha-se também de amnésia anterógrada, uma vez que a doente
terá dificuldade tanto em evocar memórias antigas como novas. No entanto, como a
informação é registada e armazenada, normalmente o individuo consegue recuperá-la
por pistas ou reconhecê-la em escolha múltipla. É um tipo de amnésia que tende a
diminuir com o tempo! (ex: amnésia retrógada pós-traumática – um individuo após
traumatismo pode não se lembrar do que se passou nos últimos 6 meses, mas vai
recuperando lenta e progressivamente essas memórias, encurtanto o período de
amnésia para 5,4, 3 meses, até recordar tudo ou quase tudo até à data da lesão).
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o Amnésia global transitória
• Perde-se a memória de longo prazo dos tipos anterógrada e retrograda episódica, mas
mantém-se intacta a memória imediata e a memória retrograda semântica. Quando
estes doentes recuperam, não se lembram do que aconteceu durante o período,
precisamente porque a sua memória anterógrada estava afetada.
o Permanente
• Localização mais frequente da lesão: lobos temporais (hipocampo, neocortex), lobos
frontais (supero-externo, orbito-frontal), diencéfalo, corpos mamilares,
lesões/disfunção cortical difusa.

Patologias onde é habitual o defeito de memória: demência (e outros defeitos cognitivos),


traumatismos cranianos, encefalite herpética, epilepsia temporal, Síndroma de Korsakov (deficit
de tiamina), lesões vasculares do lobo temporal e tálamo.
Outras causas onde são habituais alterações de memória: depressão, alterações do sono,
fármacos e tóxicos (benzodiazepinas, afetam a aprendizagem, mas não a evocação; opiáceos,
psicoestimulantes).
Perturbações transitórias de memória: amnésia global transitória, amnésia epilética
transitória, amnésia pós-traumática, amnésia pós-terapêutica EC (electroconvulsivoterapia),
amnésia associada a tóxicos (álcool) e disfunção metabólica (hipoglicémia, hipoxia, intoxicação por
CO), amnésia psicogénica.

Causas mais importantes de alterações da memória:


o Demências: mais conhecida, D. de Alzheimer, há grande disfunção do hipocampo,
existindo dificuldades na aquisição, armazenamento e consolidação da memória, pelo
que as memórias se podem perder irreversivelmente.
o TCE: uma das causas não dementes mais frequentes de amnésia anterógrada transitória.
Isto porque o lobo temporal (principalmente o hipocampo) é, durante os movimentos de
desaceleração, por exemplo, em acidentes de viação, uma das porções mais suscetíveis
à lesão, uma vez que vai de encontro ao rochedo do osso temporal e asas do esfenoide.
Normalmente, o individuo fica sem capacidade de formar novas memórias durante alguns
dias, sendo que posteriormente recupera esta capacidade. A duração da amnésia pós-
traumática é um dos índices de gravidade do TCE, a par com, por exemplo, existência de
coma.
o Encefalite herpética: deve-se ao facto do vírus herpes ter um tropismo especial para o
lobo temporal, provocando uma amnésia persistente, com recuperação variável.

▪ Funções Executivas
Chamam-se funções executivas a um conjunto de funções que se encontram no topo da
hierarquia das funções nervosas superiores.

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Participam nos comportamentos, emoções e atividade cognitiva mais complexa (com a
intervenção de vários fatores, como conceitos morias, regras sociais, princípios de justiça, aspetos
emocionais, etc.).

São exemplos de funções executivas:


o Iniciativa e motivação → abulia, perda da iniciativa
o Planeamento + monitorização de uma ação (memória de trabalho) → dificuldade em
planear e dar continuidade a uma ação
o Crítica e autocrítica → perda da autocrítica
o Controlo inibitório → desinibição + comportamentos de utilização
o Capacidade de mudança de foco e estratégia (alternância) → perseveração
o Consistência dos aspetos éticos e sociais do comportamento → comportamentos
inadequados e antissociais

Estão a cargo o lobo frontal (principalmente córtex pré-frontal). Estas funções


desenvolveram-se tardiamente (os processos de organização neuronal a nível do córtex pré-frontal
dão-se entre os 12 e os 20 anos de idade, mais tarde que no restante córtex) e continuam a
aperfeiçoar-se na adolescência e inicio da vida adulta. São influenciadas pela experiência e
contribuem para a individualidade de cada um, aquilo que torna cada individuo um ser único e
que outras funções operativas (linguagem, cálculo, capacidades visuopercetivas) não permitiriam
diferenciar.

▪ Síndrome Frontal
Existem 3 tipos de síndromes que resultam de lesão do lobo frontal:
❖ Síndrome Dorso-Lateral/ Convexidade latero-frontal: lesão da região dorsolateral do
lobo frontal, que é responsável pelas capacidades cognitivas executiva – abstração,
planeamento, memoria de trabalho e memoria imediata. O doente tem:
▪ Dificuldades de planeamento, organização e hierarquização de tarefas
▪ Perda de capacidade crítica e autocrítica
▪ Perda de alternância  perseveração (capacidade de mudança de foco e estratégia –
testa-se pedindo para executar duas tarefas ao mesmo tempo);
▪ Impulsividade
▪ Distratibilidade (impersistência cognitiva)
❖ Síndrome orbitofrontal: lesão da parte interna e inferior do lobo frontal, superiormente
às orbitas, sendo que esta região é responsável pelo controlo inibitório. Os doentes têm:
▪ Alteração do comportamento social
▪ Desinibição (perda do controlo de inibição da resposta mais imediata face a um
estímulo, ex: bater na pessoa que nos responde mal)
▪ Impulsividade
▪ Distractibilidade

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▪ Labilidade emocional
❖ Síndrome mesofrontal/cíngulo anterior: ocorre uma lesão a nível da linha media do
lobo frontal, levando a perda de iniciativa, afeto e da motivação. É comum em aneurismas
da comunicante anterior. Os doentes têm:
▪ Incontinência de esfíncteres ▪ Abulia
▪ Indiferença à dor ▪ Apatia
▪ Bradicinésia ▪ Indiferença
▪ Mutismo ▪ Pouca iniciativa

▪ Avaliação das funções executivas


Avalia-se as seguintes áreas:
❖ Abstração verbal: pede-se ao doente para interpretar provérbios, como “o sol quando
nasce é para todos”.
❖ Iniciativa e monitorização verbal: através de provas de fluência verbal, nas quais
pedimos ao doente para dizer nomes de animais que conheça, sendo que devemos contar
o tempo e anotar as respostas. Uma pessoa saudável diz em média 17 palavras, enquanto
que alguém com lesão frontal diz 2 ou 3, chegando a repetir palavras sem se aperceber.
❖ Controlo inibitório: através do stroop test, no qual existe um quadro em que estão
escritas cores a uma cor diferente da que está escrita. Primeiro, pede-se ao doente para
ler as palavras por ordem. Depois pede-se ao doente para dizer a cor em que a palavra
está escrita, sendo que esta segunda tarefa já exige controlo inibitório.

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Consciência
A consciência é a capacidade do individuo se dar conta de si próprio, da sua atividade
mental e do ambiente. É uma criação contínua e momentânea de um conhecimento mental, que
descreve a relação entre o organismo e objetos ou acontecimentos e os comportamentos
correspondentes.
Pode ser considerada através de dois pontos de vista:
✓ Ponto de vista exterior (comportamental), encontra correspondência em:
comportamentos intencionais, atenção sustentada, comunicação gestual ou verbal e
resposta à dor
✓ Ponto de vista interior (mental) corresponde: representação mental dos objetos e
acontecimentos que se acompanha de uma sensação de que o organismo se encontra
nessa atividade percetiva.

É possível distinguir entre dois tipos de consciência:


• Fundamental
o Consciência do aqui e agora
o Processo biológico simples
o Suporte anatómico – formação reticular do TC (mesencéfalo e protuberância),
núcleos do tálamo (reticular e intralaminar) e hipotálamo.
• Extensa (mais complexa)
o Sentido elaborado do “eu”
o Integra o “eu” no tempo histórico do individuo
o Depende da consciência fundamental
o Processo biológico complexo
o Suporte anatómico – estruturas da consciência fundamental + cíngulo, córtex
parietal interno e córtex somato-sensorial do hemisfério direito

▪ Perturbações da consciência
Existem quatro grupos de perturbações da consciência:
✓ Com alteração da vigilidade:
o Coma: doente não vígil, não consciente e não despertável. Não responde a estimulo
nenhum.
o Síncope
o Crise epilética tónico-clónica generalizada
o Concussão cerebral
o Anestesia geral
✓ Com vigilidade mantida e atenção/comportamentos mínimos alterados:
o Crise epilética do tipo ausência

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o Estado vegetativo persistente: ≥4 semanas de estado vegetativo. O doente não
responde a estímulos externos, mas tem vários níveis de consciência, podendo
responder a estímulos relacionados com ele, como abrir os olhos quando é alimentado
ou engolir. As causas podem ser traumatismo cranioencefálico, doenças degenerativas
ou metabólicas e anomalias congénitas do SNC.
✓ Com vigilidade mantida e atenção/ comportamentos mínimos mantidos:
o Mutismo acinético  não se movem, nem falam. Não possuem capacidades motoras
(falar, expressões faciais, gestos), mas estão alerta nem se encontram paralisados.
Podem falar através de monossílabos sussurrados. Causas: traumas, tumores,
aneurismas, AVC talâmico, meningite, hidrocéfalo
o Estado de consciência mínima
o Crise epilética parcial complexa
✓ Perturbação seletiva da consciência extensa, com manutenção da consciência
fundamental
o Perturbação da memória autobiográfica
o Amnésia global transitória
o Amnésia pós-traumática
o Encefalite herpética (quando causam amnésia)
o AVCs amnésicos
o Demência de Alzheimer avançada.

Locked in syndrome: o doente está consciente, mas é incapaz de se mexer ou de comunicar


verbalmente devido a paralisai de todos os músculos voluntários, apenas conseguindo realizar
movimentos oculares verticais e piscar os olhos. As causas podem ser: AVC do tronco cerebral,
destruição de células nervosas devido a uma correção rápida de hiponatremia, enfarte ou
hemorragia da artéria basilar e lesões do tronco cerebral.

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Vigilidade é diferente de consciência. A consciência é a perceção de si próprio e do
ambiente. A vigilidade é um estado em que o individuo tem capacidades de interação com
o ambiente.

▪ Diagnóstico de Perturbação da Consciência:


Exame clinico:
O exame objetivo do doente com perturbação da consciência tem quatro objetivos paralelos:
1 – Identificar situações que necessitem de intervenção terapêutica imediata
2 – Determinar a gravidade da alteração da consciência
3 – Determinar o nível do SNC em que se encontra a disfunção
4 – Identificar a causa da alteração da consciência e a sua etiologia

Para este efeito, é útil socorrer-se do chamado ABC neurológico:


A – Vias aéreas (airway)
B – Ventilação (breathing)  padrão ventilatório
C – Circulação arterial (pressão arterial, pulsos)
D – Diabetes, drogas (glicemia, sinais de punção venosa)
E – Epilepsia
F – Febre
G – Pontuação na escala de coma de Glasgow
H – Herniação

Exemplo de situações que necessitam de intervenção terapêutica imediata:


✓ Obstrução das vias aéreas superiores por secreções, sangue, vómito, corpo estranho
ou língua hipotónica, implicando respetivamente posicionamento lateral do doente,
aspiração de secreções, colocação de sonda nasogástrica, colocação de tubo de Mayo,
eventualmente intubação endotraqueal.
✓ Hipoventilação ou arritmia respiratória, podendo determinar intubação endotraqueal
e ventilação temporária com ambu, seguida ou não de suporte ventilatório mecânico.
✓ Hipotensão arterial, perturbação do ritmo cardíaco ou falência cardíaca/choque,
podendo determinar reposição da volémia e/ou suporte ionotrópico positivo.
✓ Evidência de hipoglicémia, necessitando da administração emergente de glicose
hipertónica por via endovenosa, que deve ser sempre precedida da administração de
tiamina, para prevenir a encefalopatia de Wernicke, quando há evidência ou suspeita
de alcoolismo ou má nutrição.
✓ Evidência de intoxicação, tal como o hálito alcoólico ou a organofosforados, sinais de
punção venosa, pode ser necessário a administração de antidoto:
o Opiáceos – naloxona
o Benzodiazepinas – flumazenil
o Organofosforados – atropina

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Exame Neurológico
O exame neurológico, e sobretudo a evolução temporal dos sinais neurológicos, permite a
determinação do nível do SNC que se encontra em disfunção no momento da observação, e a
apreciação do agravamento ou melhoria do estado neurológico.
Permite identificar a causa geral do coma (lesão supratentorial, infratentorial, lesões difusas
e alterações metabólicas/tóxicas) e a sua etiologia específica.
O exame pode revelar a disfunção simultânea em vários níveis diferentes. Esta disfunção
polifocal é típica dos comas metabólicos e tóxicos.
Pelo contrário, quando os comas são devidos a lesão estrutural, infra ou supratentorial, é
possível determinar o nível do SNC que está em disfunção: córtex-diencéfalo, mesencéfalo rostral,
mesencéfalo caudal, protuberância ou bulbo.

No exame objetivo deve-se avaliar sucessivamente


1 – Grau de alteração da consciência
2 – Presença de sinais meníngeos
3 – Presença de sinais neurológicos focais deficitários
4 – Padrão respiratório
5 – Pupilas e reflexos pupilares
6 – Reflexos óculo-cefálico e óculo-vestibular
7 – Atitude motora e reflexos osteotendinosos e plantares

1. Determinação do grau de alteração da consciência


O grau de alteração da consciência avalia-se pelo limiar de despertar do doente. Tenta-se
acordar o doente, primeiro com estímulos verbais e, em caso de ausência de resposta, iniciam-se
estímulos motores, de intensidade progressivamente maior até que se tornem dolorosos. A
estimulação dolorosa é frequentemente realizada ao nível do manúbrio esternal.
É realizada a pesquisa de abertura dos olhos, melhor resposta verbal e melhor resposta
motora, classificando-se com recurso à escala de Glasgow.

Abertura dos olhos Melhor resposta motora Melhor resposta verbal


Voluntário (4) A ordens (6) Orientada (5)
A ordens (3) Localizadora (5) Confusa (4)
A dor (2) De fuga (4) Delirante (3)
Sem resposta (1) Flexão (3) Ininteligível (2)
Extensão (2) Sem resposta (1)
Sem resposta (1)

Pontuação total:
• 15 – doente vigil
• Entre 9 e 14 – doente em estupor
• < 9 - coma
• 3 – morte cerebral

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2. Pesquisa de Sinais Meníngeos
A tríade clássica das meningites inclui cefaleias, febre e sinais meníngeos ao EO. A
apresentação clinica inclui também fotofobia, náuseas, vómitos, para além das alterações da
vigilidade.
Os sinais meníngeos não são exclusivos da meningite, estando também presentes noutras
patologias, tais como a encefalite e a hemorragia subaracnoideia.
Os sinais meníngeos, devidos à irritação das raízes nervosas pela inflamação, com dor e
espasmo muscular quando sujeitas a tração, são caracterizados por:
• Rigidez da nuca – resistência oferecida pelo doente à flexão passiva da nuca pelo
observador
• Sinal de Brudzinski – quando se flete a nuca, ocorre da flexão dos membros inferiores
• Sinal de Kerning – quando os membros inferiores são levantados em extensão pelo
observador, ocorre flexão dos mesmos.

3. Pesquisa de Sinais Neurológicos focais

4. Padrão Respiratório
A análise do padrão respiratório, muito importante, é um bom indicador da causa do coma,
indicando o nível do sistema nervoso em disfunção. Normalmente, um doente em coma deverá ser
ventilado para evitar a paragem respiratória.
❖ Respiração superficial e lenta, mas regular  depressão metabólica ou
medicamentosa
❖ Respiração rápida e profunda (Kussmaul)  acidose metabólica. As causas podem
ser:
o K: cetoacidose diabética:
o U: uremia
o S: sepsis
o S: salicilatos
o M: metanol
o A: aldeídos
o U: -
o L: acidose láctica
❖ Respiração de Cheyne-Stokes (dispneia cíclica com 3 fases: aceleração do ritmo
respiratório, seguindo-se do seu abrandamento e pausa – apneia)  lesão hemisférica
bilateral ou encefalopatias metabólicas (sugere coma superficial). As causas podem
ser sono, hipoxemia, drogas e hipoperfusão cerebral.
❖ Hiperpneia central  lesão mesencefálica
❖ Padrão respiratório irregular, com períodos de híper ou normopneia e outros de
apneia (Biot=respiração atáxica)  lesão ao nível da protuberância e/ou bulbo. Tem
mau prognóstico.
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O apoio ventilatório é fundamental.

5. Pupilas
O reflexo pupilar à luz é um método de avaliação da função do tronco cerebral:
✓ Pupilas reativas e circulares (diâmetro de 2,5 a 5 mm) – excluem lesão mesencefálica
por compressão
✓ Pupila não reativa ou pouco reativa e dilatada (> 6mm) e unilateral – compressão ou
estiramento do III par respetivo, causada por uma massa localizada superiormente
✓ Pupila não reativa ou pouco reativa e dilatada bilateral – compressão do mesencéfalo
ou intoxicação por colinérgicos
✓ Alteração do diâmetro pupilar – intoxicação por vários fármacos
✓ Pupilas reativas e bilateralmente pequenas (não punctiformes) – encefalopatias
metabólicas ou lesões supratentoriais
✓ Pupilas punctiformes, mas reativas – lesão protuberancial ou intoxicação por
narcóticos ou barbitúricos

6. Reflexos óculo-cefálico e óculo-vestibular


A abdução e/ou adução dos olhos de forma patológica indicam lesão no III e VI,
respetivamente. Porém, quando a adução patológica é bilateral, é indicador de hipertensão
intracraniana.

Reflexos óculo-cefálicos
Movimentos automáticos dos olhos suscitados pela movimentação da cabeça. Num doente
em coma, rodando a cabeça para um dos lados, os olhos permanecem no lado oposto (“olhos de
boneca”), virados para cima. Estes reflexos sacádicos prevalecem sobre a vontade cortical
consciente (inexistente no coma).
Os reflexos óculo-cefálicos têm origem nos labirintos e nos proprioreceptores cervicais,
exigindo a atividade dos núcleos III e IV pares contralaterais, assim como a integridade da fita
longitudinal posterior (feixe longitudinal interno). Como estas estruturas se encontram no tronco
cerebral, a ausência dos movimentos oculares pode significar lesão do mesmo ou lesão metabólica
profunda de todas as funções neuronais.

Reflexo óculo-vestibular
Resulta da estimulação térmica do aparelho vestibular. Esta alteração térmica funciona
como um estímulo mais intenso, que pode ser usado para confirmar a supressão do reflexo óculo-
cefálico, já que, no doente em coma, a participação do aparelho vestibular é particularmente
importante. Também se deve pesquisar este reflexo quando a pesquisa dos reflexos óculo-cefálicos
está contraindicada. (ex: traumatismo cervical)
Desta forma, a irrigação do canal auditivo externo com água gelada no doente em coma
provoca o movimento dos olhos para o lado irrigado, indicando a integridade do tronco cerebral.

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7. Atitude motora e reflexos osteotendinosos e plantares
Num doente com alteração da consciência, surgem as seguintes respostas motoras:
• Resposta motora apropriada  consiste numa resposta de localização da dor, ou seja,
ao aplicar um estimulo doloroso ao doente, este desloca a mão no sentido de afastar a
fonte do estimulo doloroso.
• Paresia (defeito negativo)  na sua avaliação, é necessária a realização repetida (duas a
três vezes) dos seguintes testes:
▪ Paralelismos das respostas à dor – já que o doente não colabora nas provas habituais
▪ Mobilidade espontânea – verificar se é idêntica em ambos os lados
▪ Tónus – se um membro cai mais depressa e pesadamente que outro, tem menor tónus
• Flacidez
• Convulsões
• Tremor
• Asterixis (flapping) – movimento semelhante ao “bater de asas”, resultante de uma
incapacidade de manutenção do tónus muscular – característico do coma metabólico.
• Mioclonias – contrações musculares bruscas, irregulares, assimétricas, breves,
involuntárias e de intensidade variável. A etiologia é muito variável e podem ser benignas
(mioclonias do adormecer). As mioclonias são frequentes durante o coma.
• Movimentos normais ativos
a. Paratonia – perturbação do tónus muscular, consistindo essencialmente numa
dificuldade do relaxamento voluntário. Parece ser uma maior ou menor incapacidade
da inibição voluntária do tónus e não uma anomalia do mesmo (típico da lesão
hemisférica – lobos frontais). O tónus pode estar difusamente aumentado, tanto mais
quanto maior for a força realizada para tentar mobilizar os membros.
b. Resposta anormal em flexão = descorticação – flexão dos cotovelos e pulsos com
supinação dos braços (lesão hemisférica profunda)
c. Resposta anormal em extensão = descerebração – extensão dos cotovelos e pulsos com
pronação dos braços (lesão hemisférica profunda ou mesencefálica alta). É uma
situação mais grave que a descorticação.
d. Extensão dos membros superiores com os membros inferiores flácidos ou em flexão
(lesão protuberencial).

As respostas B e C correspondem a movimentos estereotipados dos membros superiores e


inferiores, espontâneos ou mediante estímulos sensitivos.
Numa lesão hemisférica em expansão, obtém-se inicialmente uma resposta do tipo A e
passadas duas horas uma resposta do tipo B, devido a compressão do tronco cerebral. Este efeito
indireto é característico das hemorragias intracranianas e dos tumores em crescimento expansivo.

8. Escala de Glasgow (ver em cima)

37
9. Exames complementares de diagnóstico
No doente com alteração da consciência, os meios complementares de diagnóstico
requisitados devem ser orientados segundo as etiologias que se pretendem excluir ou confirmar.
✓ Suspeita de situação metabólica ou tóxica:
• Gasimetria arterial • Provas de função tiroideia
• Glicose • ECG
• Ureia, creatinina • Pesquisa de tóxicos no sangue e
• Ionograma, calcémia e fosfatémia urina
• Transaminases, amoniémia
✓ Suspeita de lesão focal supra ou infratentorial
• TC e/ou RMN crânio-encefálica
✓ Presença de sinais meníngeos
• Exame de LCR (punção lombar precedida de exame de imagem)
✓ Suspeita de infeção do SNC (meningite, encefalite) ou de hemorragia subaracnoídea:
• Exame do liquido cefalorraquidiano (LCR)
• Electroencefalograma (EEG)
✓ Suspeita de estado de mal epilético não convulsivo:
• EEG

▪ Coma
Perturbação da consciência com alteração da vigilidade. No qual o doente permanece:
▪ Não vígil
▪ Não consciente (sem representação mental do “eu” e do ambiente)
▪ Não despertável (não é possível alterar o seu estado de vigilidade)
▪ Com mau prognóstico e mortalidade muito elevada (a gravidade, a duração, a causa do
coma e a idade são os principais fatores de prognóstico no doente em coma).

Causas:
✓ Lesões da formação reticular
✓ Destruição de regiões extensas dos dois hemisférios cerebrais
✓ Supressão da função tálamo-cortical por drogas, toxinas ou alterações metabólicas
(hipoglicemia, azotemia, anoxia ou insuficiência hepática)

Mais frequentes: intoxicações, situações metabólicas, insuficiência orgânica. Seguem-se a


anoxia-isquémia secundária, paragem respiratória e/ou cardíaca, traumatismos cranianos e
hemorragias intracerebrais.
As teorias atuais sobre a fisiopatologia do estado de coma baseiam-se no funcionamento de
dois sistemas neuronais:
▪ Hemisférios cerebrais – onde se situam as funções e capacidades que definem a
consciência

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▪ Sistema reticular ativador ascendente do tronco cerebral – ativa o córtex cerebral,
provocando o estado de vigília e sendo responsável pela regulação do estado de
sono/vigília (que tem de estar íntegro para que a consciência se mantenha).

O coma é uma emergência médica ou médico-cirúrgica. O doente em coma deve ser


internado numa Unidade de Cuidados Intensivos.
O estudo dos mecanismos causais no coma indica que as doenças capazes de o provocar
podem ser incluídas num de quatro grandes grupos:
✓ Lesões expansivas supratentoriais
▪ Traumatismo craniano ▪ Hematoma subdural
▪ Hemorragia intracerebral ▪ Abcesso cerebral
▪ Grande enfarte cerebral ▪ Tumor cerebral
▪ Hematoma extradural
✓ Lesões compressivas ou destrutivas infratentoriais:
▪ AVC isquémico do tronco cerebral ▪ Abcesso cerebral
ou do cerebelo ▪ Tumor cerebral
▪ Traumatismo craniano
✓ Lesões cerebrais difusas:
▪ Anóxia-isquémia ▪ Encefalite
▪ Hemorragia subaracnoideia ▪ Concussão cerebral
▪ Meningite ▪ Crise convulsiva generalizada
✓ Situações metabólicas e tóxicas:
▪ Anóxia-isquémia ▪ Carência vitamínica
▪ Hipo/hiperglicemia ▪ Insuficiência orgânica
▪ Hiperosmolaridade ▪ Intoxicações
▪ Perturbação iónica ou equilíbrio
ácido-base

O conhecimento da anatomia do conteúdo intracraniano é essencial para perceber a acção


destes mecanismos.
A cavidade craniana é dividida em locas por duas estruturas fibrosas – a foice do cérebro e
a tenda do cerebelo.

A tenda do cerebelo encontra-se na parte mais posterior do crânio e define duas áreas:
✓ Inferior  andar infratentorial ou fossa posterior:
• Cerebelo
• Tronco cerebral
✓ Superior  andar supratentorial
• Hemisférios cerebrais
O bordo anterior da tenda é livre e define o contorno posterior de um orifício de comunicação
entre os andares infra e supratentoriais – a incisura tentorial.
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A este nível situa-se exatamente a porção superior do tronco (mesencéfalo), que contém os
núcleos dos nervos oculomotores comuns (III par).
Em condições que provoquem aumento do volume intracraniano, e dada a inextensibilidade
do invólucro ósseo, é através da incisura tentorial que pode haver deslocação das estruturas,
dando origem a hérnias de tecido cerebral.

Lesões Expansivas Supra-Tentoriais


Para provocar um estado de coma é necessário que a lesão atinja uma extensão suficiente
de córtex em ambos os hemisférios. Uma lesão focal raramente atinge dimensões suficientes para
o fazer. A sua capacidade de provocar o coma depende da sua natureza expansiva e da sua
capacidade de conduzir a um aumento de volume do hemisfério atingido e, consequentemente,
um efeito de massa com desvio das estruturas adjacentes – feito através da incisura tentorial.
Estas estruturas vão comprimir o diencéfalo e parte superior do tronco cerebral, atingido a
substância reticular ativadora ascendente.
A compressão pode ser feita de duas maneiras:
o Herniação lateral ou de úncus – situação em que a doença causal atinge apenas um
dos hemisférios cerebrais (ex: tumor, hematomas extradurais e intracerebrais),
levando à herniação do úncus do hipocampo, do lado do hemisfério afetado
o Herniação simétrica e central – na qual os dois hemisférios cerebrais estão
comprometidos (ex: edema cerebral difuso por anóxia-isquémia global)
Cada um destes tipos de herniação tem quadros clínicos característicos, revelados
principalmente pelo exame pupilar e óculo-motricidade.

Herniação lateral ou de úncus Herniação central


A progressão pode ser muito rápida e tem a o Depressão progressiva da consciência, à medida que as
seguinte ordem de evolução: estruturas medianas profundas, o mesencéfalo, e em
o Compressão do III par com midríase e abolição seguida, a parte superior da protuberância são comprimidas
do reflexo fotomotor do lado da lesão o Alteração do ritmo respiratório (passando do ritmo de
o Hemiparesia contralateral, rigidez de Cheyne-Stokes até ao padrão de hiperventilação)
descortificação e descerebração, alteração do o Juntamente com o ritmo respiratório, surge rigidez de
ritmo respiratório descorticação, seguida de descerebração
o Dilatação fixa das pupilas e anisocoriose o Pupilas inicialmente mióticas, simétricas e com reflexos
(pupilas de tamanhos diferentes, observando-se fotomotores mantidos, mais tarde ficam em posição média e
a de maior diâmetro no lado da lesão) fixas; e no final os reflexos do tronco cerebral desaparecem

A herniação é o principal determinante neurológico da má evolução do doente em coma.


Deve ser reconhecida precocemente, para que se possa intervir de imediato, reduzindo a pressão
intracraniana por meios médicos (ventilação em hipocapnia moderada, osmoterapia) ou cirúrgicos.
É importante ter em conta a evolução do quadro clínico. Os doentes em coma por lesão
supratentorial têm, no início do quadro, sintomas e sinais focais. No exame neurológico, os reflexos
do tronco cerebral estão intactos, nomeadamente os reflexos óculo-cefálicos e reflexos óculo-
vestibulares.

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Se a lesão (ou lesões) que causa o coma não for ou não puder ser tratada, os doentes
desenvolvem herniação dos hemisférios cerebrais através do orifício da tenda do cerebelo. Esta
herniação causa compressão do tronco cerebral e lesões secundárias deste, que são irreversíveis.
Por isso, se o doente só for observado tardiamente, poder-se-ão apenas encontrar sinais de
lesão do tronco cerebral, estabelecendo-se a dúvida se a lesão que causa o coma não terá sido
primariamente do tronco cerebral.

Lesões compressivas ou destrutivas infra-tentoriais


A substância reticular ativadora ascendente localiza-se desde a porção média da
protuberância até ao mesencéfalo e região talâmica. Qualquer lesão da fossa posterior que
provoque a sua destruição ou compressão pode provocar alteração da consciência.
As lesões infratentoriais causam sintomas e sinais de disfunção do tronco cerebral desde o
inicio. A progressão da depressão da vigilidade é rápida e as alterações do ritmo ventilatório são
precoces. Os reflexos do tronco cerebral, incluindo os óculo-vestibulares e óculo-cefálicos, estão
abolidos ou alterados.
Os sinais característicos da lesão do tronco são:
• Paralisia dos nervos cranianos
• Lesão do cerebelo (défice da coordenação motora e nistagmo)

No exame clinico podemos encontrar:


• Paralisia facial periférica
• Paralisia dos nervos oculomotores
• Alterações pupilares
• Disartria
• Ataxia
• Náuseas e vómitos

Situações metabólicas e tóxicas


As alterações da consciência de índole metabólico ou tóxico apresentam o seguinte quadro
clínico característico:
✓ Não é súbito – existe um quadro confusional ou delirium, horas ou dias antes (estado
flutuante, com sonolência, alternando períodos de agitação, desorientação,
desatenção, inversão do ritmo do sono, alterações percetivas – ilusões ou alucinações
visuais)
✓ Alterações respiratórias
• Especificas – características do desequilíbrio ácido-base, por compensação
• Inespecíficas – Cheyne-Stokes, hiperpneia
✓ Sem sinais atribuíveis a lesão do tronco cerebral

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✓ Pupilas simétricas e reativas – embora o seu diâmetro possa estar modificado nos
comas tóxicos (ex: miose no coma por opiáceos ou por agentes colinérgicos; midríase
nos comas anticolinérgicos)
✓ Roving – movimentos erráticos lentos conjugados ou desconjugados dos olhos,
atestando a integridade da fita longitudinal posterior (por isso, os reflexos oculo-
cefálicos e o óculo-vestibulares estão conservados)
✓ Aspetos motores
• Específicos – tremor fino e rápido das extremidades, asterixis (flapping) ou
mioclonias multifocais
• Inespecíficos – paratonia, descorticação, descerebração

Padrão de evolução do coma

Terapêutica geral dos estados de coma


1º- Assegurar oxigenação cerebral
2º- Manter circulação
3º- Administrar glicose
4º- Administrar tiamina
5º- Administrar naloxona (anti-opiáceo – contraria a depressão respiratória)
6º- Parar os ataques epiléticos
7º- Reduzir o edema cerebral: hiperventilação, manitol, corticoides
8º- Tratar uma eventual infeção
9º- Corrigir as alterações da temperatura
10º- Controlar a agitação
11º- Corrigir perturbações do equilíbrio hidroelétrico e acido-base

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▪ Estado Vegetativo
O estado vegetativo corresponde a um estado desperto, mas “irresponsivo”, sendo um estado
clínico de completa inconsciência relativamente ao próprio e ao ambiente.
A maioria dos doentes que se encontra neste estado já esteve em coma e, após um período
de 3 a 4 semanas, passaram a um estado “irresponsivo”.
Neste estado, a vigilidade está mantida, as pálpebras podem estar abertas, o doente tem
ciclos de vigila-sono e a respiração, circulação e funções hipotalâmicas e do tronco cerebral
mantidas, mas não têm consciência – não tem representações cognitivas nem ambientais.

Um individuo nunca se encontra em coma mais do que 4 semanas consecutivas.

Um doente em estado vegetativo não interage nem apresenta respostas comportamentais


voluntárias, intencionais, reprodutíveis ou mantidas, em relação a estímulos visuais, auditivos,
tácteis ou dolorosos. Não há evidência de expressão ou compreensão da linguagem. O doente
apresenta incontinência fecal e urinária e revela um despertar intermitente, manifestado por
alternância de períodos de olhos abertos e olhos fechados e por ciclos de vigília-sono.
As funções autonómicas do hipotálamo e do tronco cerebral estão suficientemente
preservadas para permitir a sobrevivência do individuo com cuidados médicos e de enfermagem
(regulação cardiovascular, da respiração, da temperatura). Existe uma preservação variável das
funções e reflexos dependentes dos nervos cranianos (reflexos fotomotores, córneos, óculo-
cefálicos, óculo-vestibulares, da deglutição) e da medula espinhal.

O estado dos doentes que acordam do coma, mas não demonstra qualquer evidência de
consciência do próprio ou do ambiente, nem interagem com os outros, designa-se por estado
vegetativo.

Os doentes em estado vegetativo podem:


• Pestanejar, mover os olhos
• Orientar-se ocasionalmente (mas não intencionalmente ou repetidamente) para um
ruído ou estimulo visual novo
• Deglutir, mastigar, ranger os dentes e respirar
• Vocalizar sons, gemer, bocejar, chorar, sorrir ou fazer esgares
• Movimentar espontaneamente os membros
• Ter reflexo de preensão (lesão grave do lobo frontal)  Para testar o reflexo de preensão
pode-se, por exemplo, colocar um dedo sobre a face palmar do doente e este
espontaneamente fecha a mão, comprimindo o dedo. O observador, devido à presença
deste reflexo, vai ter dificuldades em retirar o dedo.
• Fazer movimentos estereotipados
• Ter reação de sobressalto a um ruido
• Ter respostas motoras anormais a estímulos dolorosos: extensão ou flexão anormais

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Diagnóstico
Passa por procurar respostas intencionais e consistentes a determinados estímulos. Esta
tarefa deve ser feita não só pelo médico, mas deve contar também com a valiosa ajuda dos
familiares e profissionais de enfermagem.
É, no entanto, necessário tomar cuidado com os dados obtidos pelos familiares porque,
devido às suas expectativas e emoções, podem dar informações erradas.
Deve-se sempre confirmar, utilizando estímulos e procurando movimentos intencionais
espontâneos em resposta.

Estímulos usados:
o Luz intensa o Ruído intenso
o Ameaça o Som identificável
o Objeto em movimento o Ordem verbal
o Face familiar o Estímulo doloroso
o Comando escrito

Níveis de cuidados durante o estado vegetativo


O nível de cuidados médicos que deve ser dispensado a estes doentes em estado vegetativo
é um tema de debate ético atual.
Em Portugal estão indicados os níveis de cuidados 1 e 2 aos doentes em estado vegetativo
(a suspensão da hidratação e da nutrição levaria à eutanásia passiva).
Não são indicados os cuidados tecnológicos e os farmacológicos são utilizados com pouca
frequência (ex: dor, convulsões).

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Cuidados:
1º- Manutenção (controlo da dor, conforto, higiene, dignidade)
2º- Hidratação e nutrição
3º- Farmacológicos (ex: antibióticos, aminas)
4º- Tecnológicos (ex: ventilação, diálise, cirurgia)

▪ Estado de Consciência Mínima


O estado de consciência mínima corresponde a uma evidência comportamental de
consciência (do próprio e do ambiente) inconsistente, mas claramente discernível. Para que um
doente seja considerado neste estado e não vegetativo, é necessário que demonstre pelo menos um
ou mais dos seguintes comportamentos:
o Cumprir ordens simples
o Dar respostas sim/não (verbais ou gestuais)
o Ter verbalização inteligível
o Ter comportamento intencional (movimentos ou comportamentos afetivos em relação
contingente com estímulos ambientais relevantes)

▪ Diagnóstico Diferencial das Perturbações da Consciência


O estado desaferentado ou síndrome de locked-in é uma situação clínica que se pode
confundir com estado vegetativo, mas na qual a consciência está totalmente intacta. É uma
situação rara, causada por acidente vascular da protuberância ou por síndrome Guillian-Barré ou
outras doenças neuromusculares que causem tetraplegia e diplegia facial. Os movimentos
oculares e palpebrais, que estão totalmente ou parcialmente mantidos, permitem uma
comunicação com o doente e constituem a única evidência comportamental da consciência.

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▪ Evolução das Perturbações da Consciência

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Epilepsia
Crise epilética  ocorrência transitória de sinais e sintomas devido a atividade neuronal
do cérebro anormalmente excessiva, síncrona de causa duradoura (epilepsia) ou de curta duração
(crise sintomática aguda). É um fenómeno paroxístico intermitente, não provocado, convulsivo ou
não. A causa é encefálica, podendo ser primária ou secundária. As manifestações são perturbação
da consciência e alterações motoras, sensitivo-sensoriais e psíquicas.

Se uma crise epilética ocorreu devido a uma lesão no cérebro que se tornou permanente,
portanto não vai desaparecer, tem a possibilidade de se voltar a repetir, ou seja, é uma crise
epilética que corresponde a uma epilepsia. Se é uma perturbação, cuja excitação neuronal
provavelmente não vai recorrer, que aconteceu por um motivo qualquer, chamamos crise
sintomática aguda e não corresponde a uma epilepsia.

Crise sintomática aguda  crise epilética que ocorre em relação temporal com um insulto
agudo do SNC (metabólico, tóxico, estrutural, infecioso ou inflamatório). Logo, o doente não é
epilético e devemos tratar o insulto. Geralmente não é recorrente.
Normalmente as crises aparecem na fase aguda do insulto:
o AVC, na fase aguda  7 dias a vermelho [crises sintomáticas agudas nos primeiros dias]
o TCE (traumatismo crânio-cefálico), na fase aguda [crises sintomáticas agudas nos
primeiros dias]
o Infeções do SNC [crises sintomáticas agudas nos primeiros dias]
o Encefalopatia pós-anoxia [crises sintomáticas agudas nos primeiros dias]
o Privação de álcool – 7-48h
o Intoxicação alcoólica - horas
o Paragem de barbitúricos e benzodiazepinas – horas poucos dias
o Paragem de drogas ilícitas – horas/ poucos dias
o Ingestão aguda de certas drogas – horas/poucos dias
o Crises febris (>38,5ºC) - imediato

Se um doente está em hipoglicémia ou hiponatremia e tem uma crise epilética  tratamos


a hipoglicémia/hiponatremia.

Epilepsia  perturbação cerebral caracterizada por uma predisposição permanente para


gerar crises epiléticas, e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais
derivadas dessa perturbação. É uma doença primariamente de causa neurológica mas de etiologia
variada.
Exemplo: um TCE, na fase aguda, pode provocar uma crise sintomática aguda, mas
passados 6 meses o doente não vai ter uma crise epilética. Se tiver uma crise, passados 6 meses,
e se percebermos que se deve ao TCE, aí o doente já tem epilepsia.

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As crises epiléticas na epilepsia ocorrem na ausência de uma causa clínica responsável, ou
além do intervalo estimado para ocorrência de uma crise sintomática aguda. Requer, pelo menos,
a ocorrência de uma crise epilética com estas características. Portanto, o doente é epilético e, caso
se trate (não se tratam todas as epilepsias), temos de tratar da crise epilética. Em suma, o epilético
é um doente que já teve pelo menos uma crise epilética (regra geral requer a ocorrência de duas
ou mais crises) de causa neurológica.

▪ Epidemiologia
A sua prevalência cifra-se entre os 4 a 10 casos/ 1000 habitantes (aproximadamente 1 em
cada 20 pessoas é epilética). Em Portugal, existem aproximadamente 60 000 epiléticos, ocorrendo
cerca de 5000 novos casos por ano. O risco do individuo vir a sofrer de epilepsia durante a vida é
de 3 a 5% e 10% de ter uma crise epilética. Os picos de incidência observam-se nos recém-nascidos
e crianças, assim como na terceira idade.
A mortalidade é de 24%, 3x superior à da população em geral e em mais de metade dos
casos é pela epilepsia, ocorrendo a sudden unexpected death in epilepsy (SUDEP).

▪ Mecanismos
Tanto nos modelos animais de epilepsia como nos humanos, os neurónios corticais exibem
alterações do seu potencial de membrana e dos padrões de descarga. O desvio de despolarização
paroxística é um potencial de despolarização pós-sináptico anormalmente prolongado, capaz de
causar surtos de descargas neuronais e, subsequentemente, de excitar outros neurónios, de modo
a adotarem um padrão anormal de crises sincronizadas semelhantes.
Uma crise surge sempre que exista um desequilíbrio entre processos excitatórios e
inibitórios da atividade elétrica cerebral que permita “disparos” paroxísticos e sincronizados de
um contingente neuronal, ou seja, em que prevalece o efeito excitatório ou por aumento deste
efeito ou redução do efeito inibitório. O neurónio epilético exibe uma atividade anormal
caracterizada por surtos de descargas com períodos de excitabilidade prolongada, quer
espontaneamente quer em resposta à estimulação aferente.
Estes processos são dependentes do controlo do potencial de membrana, relacionado com
bombas e canais iónicos e o equilíbrio da neurotransmissão sináptica excitatória e inibitória, logo
os mecanismos de epileptogénese têm várias causas possíveis:
o Excitação neuronal anormal e excessiva devido a modificações nos canais Na, K, Ca, Cl
dependentes de voltagem – causas funcionais (que ocorre maioritariamente em jovens
por causa genética)
o Deficiências do sistema GABA inibitório
o Modificações da rede de neurotransmissores excitatórios nomeadamente vias
glutaminérgicas (recetores NMDA)
o Perturbações dos neuromodeladores – causas estruturais (AVCs, traumatismos,
tumores)

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Na epileptogénese focal: epilepsias focais, existe uma população de neurónios corticais
pacemakers, com surtos de descargas anormais, podendo ser recrutado maior ou menor número
de neurónios vizinhos
Na eliptogénese generalizada: o gerador da perturbação sináptica ocorre nas estruturas
corticais, embora, rapidamente, haja disseminação da excitação e inibição recorrente para ambos
os hemisférios cerebrais, através de um circuito córtico-reticulo-cortical. Pensa-se que estas crises
tenham origem intraencefálica (cortical ou diencefálica)
Na crise epilética focal com generalização secundária: muitas vezes, as crises epiléticas
focais podem evoluir para crises generalizadas (sob a forma de convulsões tónico-clónicas). Esse
início focal, muitas vezes, não é valorizado pelos doentes.

▪ Classificação das crises epiléticas


• Generalizadas (de causa idiopática ou genética, aparecem normalmente nas 2 primeiras
décadas de vida, mais raras que as focais, mas de melhor resposta terapêutica. Ocorrem
ao mesmo tempo ao longo de todo o córtex. Contudo, isto não é verdade, pensa-se que
normalmente são diencefálicas portanto provavelmente com início focal.)
o Tónico-clónicas ou grande mal epilético (mais frequentes na adolescência) 
contração tónica simétrica e bilateral seguida de contração clónica dos quatro
membros usualmente associadas a fenómenos autonómicos como apneia,
insuficiência de esfíncteres e mordedura de língua durante cerca de 1 minuto. Na fase
de contração tónica o ar pode ser expulso através da glote fechada o que resulta no
grito epilético.
o Clónicas  a contração muscular é seguida de relaxamento, originando abalos
musculares sucessivos, mioclonias a intervalos regulares, rítmicas.
o Ausências: típicas (breves episódios de comprometimento da consciência
acompanhados por manifestações motoras muito discretas como automatismos orais
e manuais, piscamento dos olhos, aumento ou diminuição do tónus e sinais
autonómicos, desencadeadas por hiperventilação por 3-5 minutos) ou atípicas (menor
comprometimento da consciência, tónus muscular geralmente alterado, não são
causadas por hiperventilação em geral)
o Mioclónicas  contrações musculares muito breves, semelhantes a choques
o Tónicas  contração musculares mantidas com duração de poucos segundos ou
minutos
o Atónicas  perda ou diminuição súbita do tónus muscular envolvendo a cabeça,
tronco, mandíbula ou membros.
Estas 3 últimas são mais difíceis de obter a história, normalmente estão associadas a
epilepsias generalizadas, mas graves. Portanto, o doente não é a melhor pessoa para contar
a história e é importante que haja alguém com todos os pormenores que consiga descrever
a crise.

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As crises generalizadas ocorrem sempre com perturbação do estado de consciência.

• Focais (mais difíceis de diagnosticar, mas mais frequentes que as generalizadas,


começam num foco podendo ou não generalizar, tendo subjacente uma lesão estrutural
localizada no córtex e comprovada, ou não, pela RM. Manifestações na idade adulta e
controlo terapêutico difícil. Exemplo: causadas por tumor, AVC)
o Simples (consciência preservada) – occipitais, parietais, temporais, frontais, etc. de
sintomatologia diversa (motora, sensitiva, autonómica ou psíquica)
▪ Crises motoras focais – não são todas assim, mas as mais características
chamam-se marcha jacksoniana, que começa pelo dedo. O dedo ocupa um espaço
enorme no córtex, começam no dedo, passam para a mão, antebraço, braço e
muitas vezes para a face, as vezes passam para a perna e às vezes podem
generalizar.
▪ Crises sensitivas – são percebidas não como uma deficiência da sensibilidade (o
paciente não diz “eu deixei de sentir”, diz “comecei a sentir formigueiros”), são
fenómenos irritativos, porque o deixar de sentir é um fenómeno deficitário que é
muito mais do tipo vascular, do que do tipo epilético.
▪ Automatismos – origem temporal
o Complexas (consciência alterada) – crises do lobo temporal (não é regral geral mas
em termos práticos podemos considerar assim). Presença de automatismos (esfregar
mãos, piscar olhos, deambulação). Há movimentos completamente fora do contexto,
há uma perturbação do estado de consciência, a pessoa pode até tornar-se agressiva.
Podemos ter crises simples que progridem para complexas.
o Simples e/ou complexas com generalização secundária – normalmente, reportam
a uma lesão estrutural quer aparente (crises sintomáticas) quer inaparente (crises
criptogénicas) nos exames de imagem. O sinal destas crises é a sintomatologia
consoante o local em que a lesão se encontra: se for o occipital, há sintomas visuais
(flashes sem perda de consciência), se for na circunvalação frontal ascendente dá
sintomas motores (movimentos involuntários), se for na circunvalação parietal
ascendente dá fenómenos sensitivos (parestesias). Às vezes estas crises focais
generalizam.

• Inclassificáveis – quando não se consegue o diagnóstico pela clinica. Existem cada vez
menos, pois alguns centros fazem monitorização por vídeo/EEG 24 sobre 24h durante
5/6 dias. O doente está a ser filmado e, portanto, ao ter uma crise, tenta-se perceber se
é identificada no EEG. Permite saber se são crises epiléticas ou de outra natureza, qual
a localização a nível cortical, qual a semiologia da crise. Com este método é possivel
revelar crises psicogénicas, através do teste da provocação: injecta-se placebo que o
doente pensa conter um fármaco pró-epilético, podendo ocorrer uma crise, mas sem
alterações significativas no EEG (pelo qual não é uma verdadeira crise epilética).

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▪ Etiologia
• Genéticas (45% - idiopáticas ou primárias)  causas funcionais como os canais de sódio,
potássio, cálcio e cloro. As primárias são geneticamente determinadas ou de causa
desconhecida.
o Geralmente crises generalizadas
o Mais frequentes em crianças e adolescentes
o Mais raras que as secundárias (1/3 para 2/3)
o Tratamento habitualmente mais fácil
o RM sem alterações
• Secundárias/ estruturais/metabólicas 40%
o Crises epiléticas focais
o Mais frequentes nos adultos (tumores, AVCs, TCE)
o Mais frequentes que as primárias
o Tratamento mais difícil
o Podem ser sintomáticas (lesão estrutural na RM) ou criptogénicas (sem lesão
estrutural na RM)
• Causa desconhecida 15%

Outra maneira de classificar as causas:


• Sistémicas (extracranianas):
o Perturbações hidroelétricas (hiponatremia, hipoglicémia, hiperurémia, hipocalcémia,
etc.)
o Perturbações tóxico-metabólicas (anoxia/hipoxia, privação alcoólica)
o Outras (ingestão de drogas, etc.)
• Epilepsias (intracranianas):
o Idiopáticas 45%
o Secundárias:
▪ Sintomáticas (40%) – tumores, infeções, malformações vasculares, pós-AVC, pós-
TCE, malformações corticais
▪ Criptogénicas 15%

Para determinar a etiologia:


• Idade de início das crises
• Distinguir o tipo de crises (focais vs. Generalizadas)
o Sintomas acompanhantes? Perturbação da consciência, mordedura de língua,
incontinência de esfíncteres e amnésia pós-critica
o Antecedentes pessoais – período perinatal, desenvolvimento psicomotor, convulsões
febris, doenças de infância, AVCs, TCEs, tumores, doenças sistémicas
• Grau de dificuldade de tratamento

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Notas:
• Traumatismo grave é o que pode causar epilepsia, cursa com perturbação da consciência
e/ou memória. (Nem todos os traumatismos podem dar epilepsia!).
• Espaço de tempo para distinguir se a pessoa teve epilepsia pelo traumatismo e não uma
crise sintomática aguda? 7 dias
• Tempo de latência é habitualmente de meses/poucos anos

▪ Diagnóstico
O diagnóstico da epilepsia é clinico.
• História atual: fundamental para o diagnóstico por isso o doente deve ser acompanhado
por alguém que testemunhe as crises
• Antecedentes pessoais
• Antecedentes familiares
• Exame geral
• Exame neurológico
• Análises laboratoriais: é importante a requisição de análises destinadas a excluir ou
diagnosticar uma causa sistémica quando esta é considerada (ex: Lúpus, HIV)
o Hemograma e VS o Cálcio e fósforo
o Ureia e glicémia o Proteinograma com electroforese
o Creatinémia o Serologia da sífilis (VDRL)
o Urina tipo II o HIV I e II
o Ionograma o Provas de função hepática
• Exames complementares  servem para diagnóstico diferencial das crises epiléticas,
como outra situação qualquer, e para o diagnóstico de epilepsia às vezes é preciso um
conjunto de exames para confirmação do diagnóstico
o ECG, ecocardiograma, Holter-24h
o EEG com prova de sono
o TAC crânio-encefálico  a ressonância é melhor!!
o RMN encefálica (exame de eleição e deve ser pedida sempre que exista suspeita clinica
ou no EEG de crises focais)
o Outros:
▪ Punção lombar – suspeita de lesão infecciosa ou inflamatória
▪ Angiografia cerebral – suspeita de malformação vascular, vasculites ou trombose
venosa
▪ Imagem funcional – SPECT e PET em casos seleccionados para cirurgia de
epilepsia
▪ Biópsias (cérebro, pele e músculo)
▪ Avaliação neuropsicoologica – em casos cirúrgicos

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▪ EEG
O EEG é normalmente intercrítico (realizado com doente sem crises), sendo normal não
exclui a hipótese de epilepsia, ao adicionar o facto de não ser um exame direto ao córtex cerebral
(elétrodos são colocados no couro cabeludo) e ter uma duração temporal limitada (cerca de 30
minutos). O EEG com alterações epileptiformes não implica forçosamente a sua existência.
Como aumentar a sensibilidade do EEG? A ocorrência de atividade epileptiforme intercrítica
é mais se for efetuado precocemente após uma crise e com sono obtido após privação.
Não é mandatário pedir um EEG para avaliar a evolução do doente (é uma avaliação clinica)
uma vez que se correlaciona mal, avaliar a probabilidade de recorrência, iniciar, terminar ou
alterar terapêutica.
Portanto, quando é usado o EEG? Para corroborar o diagnóstico de epilepsia, se é
generalizada ou com início focal ou para determinar se é doença difusa (encefalopatia) ou do SNC.
A evolução é clinica e não eletroencefalográfica, por isso não se devem pedir EEGs
frequentes.
Quando se pede um EEG, deve-se pedir sempre também uma prova de sono.

▪ Diagnóstico diferencial da epilepsia


1. Crises sincopais (principal erro de diagnóstico! Deve-se colher uma boa história)
2. AITs
3. Cataplexia
4. Amnésia global transitória
5. Hipertensão intracraniana aguda
6. Doenças e movimentos involuntários normais do sono
7. Doenças do movimento (algumas)
8. Quedas súbitas (drop attacks)
9. Alucinações e delírio psicótico
10. Crises psicogénicas ou pseudoepiléticas (injeta-se placebo, se tiver crise é este caso)

Diagnóstico diferencial entre síncope e convulsão epilética


Clínica Síncope Convulsão
Postura Ortostatismo Qualquer
Palidez e sudação Muito frequente Muito raro
Início Gradual Abrupto
Traumatismo Raro Frequente
“Abalos” convulsivos Podem ocorrer Frequente
Inc. de esfíncteres Rara Frequente
Inconsciência Segundos Minutos
Recuperação Rápida Lenta
Mordedura de língua Rara Frequente
Confusão pós-critica Rara Frequente
Fatores precipitantes Frequente Raro

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▪ Tratamento médico das epilepsias
Quando tratar? Após o diagnóstico assente de epilepsia é necessário ponderar o risco real
da recorrência de crises, ação perturbadora das mesmas na vida do doente (tipo, frequência,
intensidade, horário e fatores precipitantes), adesão ao tratamento, explicar ao doente as
condições e exigências do tratamento tais como possíveis efeitos secundários e, por último, a
adesão do doente e a concordância em ser tratado.
A medicação só é prescrita a quem, após o diagnóstico, apresente crises que transtornam o
quotidiano ou coloquem a vida do doente em risco.

Medidas gerais
• Desdramatizar a situação. A epilepsia é uma doença crónica como outra qualquer
• Tomar a medicação, sendo que a deve ser tomada durante 4 anos. Após 3 a 5 anos o
desmame é realizado se o doente assim o preferir (há quem prefira manter pois pondera
a pouca relevância dos efeitos secundários vs risco de uma nova crise)
• Racionalizar a ingestão alcoólica, não beber álcool, principalmente nos primeiros tempos
de tratamento
• Aconselhamento de repouso nocturno, a privação do sono é muito complicada para os
doentes epiléticos
• Aconselhamento de outras normas de conduta, conformo os hobbies do doente e
ocupações e não estigmatizar
• Evitar medicamentos potencialmente epileptogenicos
• Fornecimento das explicações necessárias e requeridas pelo doente, tendo em conta que
se trata de uma doença crónica

Terapêutica anti convulsionante


• Escolher antiepilético (AE) apropriado ao tipo de crise ou síndrome epilético (síndromes
epiléticos mais nos adolescentes)
• Devo iniciar o tratamento com um regime de monoterapia, sempre que possível com AE
de 1ª linha. O doente toma menos medicamentos, tem menos efeitos secundários, menos
interacções medicamentosas e a “raiva” com a doença é menor. Mas tem de se dizer ao
doente que o facto de tomar o medicamento AE não quer dizer que fique sem crises. Tal
só ocorre em 65% dos casos, o que significa que cerca de 30% dos casos não ficam
controlados facilmente e muitas vezes desses 30%, 25 a 30% são mesmo incontroláveis,
são chamadas as epilepsias refratárias e os doentes continuam a ter crises
• Escalada progressiva das doses até se atingir a mínima eficaz na tentativa de controlar o
doente com o menor número de dose possível; se mesmo assim for ineficaz deve
implementar-se um segundo regime em monoterapia com um AE de 1ª ou 2ª linha
• Qualquer substituição de um AE (o medicamento não foi eficaz, por exemplo) deve ser
feita, regra geral, com o seu “desmame” progressivo (ao longo de 6 meses para cada AE).
Se for de repente, pode provocar um estado mal epilético
54
• A politerapia deve ser considerada em casos de insucesso terapêutico
• Ter em conta os efeitos secundários dos AEs: agudos (ingestão de dose – isto é dão uma
do medicamento, o doente sente-se tonto, com cefaleias, pode vomitar, pode ficar com
alterações, de tal maneira que nega a continuação da terapêutica quando provavelmente
se tivesse tomado uma dose mais pequena no inicio isto não teria acontecido), crónicos,
tóxicos (doses superiores), idiossincráticos (parar o AE, sendo isto life saving)
• Análises periódicas (pode ser necessário conforme os AE que vocês utilizam, tri ou
semestrais):
o Hemograma com plaquetas
o Provas de função hepática
o Outras (conforme o AE em causa)
• Tratamento no adulto: regra geral 3 a 5 anos
• Desmame: 6 meses para cada AE

A ocorrência de crises com medicação pode ser entre 25 a 30%. Se as crises se mantiverem
ou recorrerem devemos ponderar em rever o diagnóstico, excluir doença estrutural progressiva,
ou má ou ausência de adesão à terapêutica (dosear AE).

Efeitos secundários dos AEs


• Agudos (ou no inicio da administração ou depois da “escalada” de dose; cessam com o
tempo ou redução da dose), são habitualmente dos efeitos do sistema cerebeloso, quer
vias aferentes, quer vias eferentes. Isto é extremamente frequente nos serviços de
urgência.
o Diplopia
o Coordenação motora (marcha, nistagmo)
o Disartria
o Sonolência, fadiga
o Tonturas, vertigens
o Cefaleias, dificuldade de concentração, perturbações mnésicas, depressão
o Náuseas, vómitos
• Idiossincráticos, podem ser graves e dependentes do doente:
o Síndrome de Stevens Johnson
o Pancreatite aguda
o Erupção cutânea (a mais frequente, paragem imediata da terapêutica)
o Insuficiência hepática fulminante
o Agranulocitose
o Anemia aplástica
o Doença do soro

55
• Tóxicos: derivam de compromisso encefálico, principalmente cerebeloso
o Nistagmo
o Disartria
o Ataxia da marcha
• Crónicos (efeito cumulativo, geralmente reversíveis) – o doente tem de ser informado
destes efeitos antes de aderir à terapêutica, ocorrem principalmente na fenitoína e no
valproato (que é um AE ótimo, mas novo, um AE que não deve ser utilizado sempre que
possível nas mulheres em idade fértil da vida, pode dar por exemplo tremor, aumentar o
peso das raparigas, alopecia…)
o Sistema nervoso: cognição, comportamento
o Pele: acne, hirsutismo, alopecia
o Osso: osteomalacia
o Fígado: indução hepática
o Tecido conjuntivo: hipertrofia gengival, efeitos cosméticos
o Sistema endócrino: hormonas sexuais
o Sistema imunitário: deficiência IgA, indução de lúpus eritematoso sistémico
o Sangue: anemia megaloblástica, trombocitopenia
o Gravidez: teratogenicidade, síndrome fetal
o Sistema ponderal: aumento/ diminuição

• Tardios (exposição fetal ou carcinogénese, irreversíveis, dose-dependentes)


o Malformações fetais
o Atraso no desenvolvimento do recém-nascido
o Pseudo-linfoma
• Secundários a interações medicamentosas (previsíveis, reversíveis)

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▪ Antiepiléticos

A diferença entre os de 1ª geração e os de 2ª geração é apenas menos efeitos secundários e


interações medicamentosas nos de 2ª geração, porque a eficácia clinica é a mesma.
Portanto, se quiserem começar a utilizar um AE numa pessoa idosa, polimedicada, com mal
estado geral, devem preferir o tratamento com um AE de 2ª geração. Os de 1ª são mais baratos.

Nas crises generalizadas, são preferíveis o valproato e o topiramato. Damos sempre


preferência: valproato, topiramato, levetiracetam e lamotrigina. A exceção são as crises de
ausência em que os preferidos são: valproato e etosuximida e talvez o clonazepam.

Nas epilepsias focais, os AE voltam a repetir-se bastante, apesar de se verificar novamente


os AE: valproato, carbamazepina, topiromato, a lamotrigina, o levetiracetam e o
oxcarbazepina.
Se vocês fizerem um exercício de comparar um com o outro, vão ter o seguinte: é que há
AEs que repetem para as crises generalizadas e para as crises focais que são o valproato,
topiramato, levetiracetam e lamotrigina. Portanto para começar a medicar um doente que sabemos
ter epilepsia, mas não o tipo, um destes medicamentos em monoterapia é uma boa decisão
terapêutica (exceto nas ausências).
Portanto, quando não é possível apurar o tipo de crises/síndrome epilético (excluindo
ausências): VPA, TPM, LEV, LTG.
É também importante avaliar as interações terapêuticas: quer entre os AE, quer com outros
fármacos como os anticontracetivos orais (perda de eficácia em 10%), com os antiepiléticos
57
indutores enzimáticos como a carbamazepina, fenitoina e o topiromato. O valproato não é indutor
logo é uma boa solução terapêutica nestes casos.

▪ Tratamento cirúrgico
Um número crescente de doentes com epilepsias refratárias ao tratamento médico tem
indicação para cirurgia (5 a 7%). Esta pode revestir diversas modalidades, como:
o Cirurgia tipo curativa: ressecção da zona epileptogénica (extirpação da lesão e da zona
limítrofe, geradora de epilepsia), a hemisferectomia/hemisferotomia e a
remoção/desconexão do hemisfério lesado. A ressecção da zona epileptogénica é a
cirurgia mais frequentemente utilizada e a que melhor resultado proporciona,
principalmente nos casos de esclerose mesial (atrofia e gliose dos hipocampos, de causa
não completamente esclarecida) cujo diagnóstico é realizado em número crescente graças
à RMN e cujo tratamento ideal dever ser considerado a cirurgia.
o Cirurgia tipo paliativa: calostomia (separação da porção anterior do corpo caloso) e a
implantação de estimulador do nervo vago.

▪ “Estado de mal epilético”


Sucessão de crises epiléticas, qualquer que seja o tipo, em que o doente habitualmente não
recupera dentro dessas crises. É uma emergência neurológica.
o 4% dos cuidados neurológicos intensivos
o 0,1% das emergências médicas
o Mortalidade – 10 a 20%
o Causa – fator mais importante da evolução
o Forma de inicio das epilepsias em 15 a 20% dos casos
o Principal tipo: tónico-clónica

E se for uma epilepsia, por exemplo, um doente tem uma infecção do sistema nervoso, tem
crises, que obviamente aparecem no contexto de infecção do sistema nervoso, por exemplo, uma
encefalite, são crises sintomáticas agudas, mas estes doentes estão a ter crises sintomáticas
agudas permanentemente. Portanto, estas são a forma inaugural do estado de mal e tem de ser
tratado como se fossem crises num doente epilético. Existem tantos estados de mal, quanto as
crises, mas os estados de mal que têm uma maior mortalidade e morbilidade, é o estado de mal
convulsivo generalizado clónico-tónico.

Causas:
• Estáticas (doentes que já têm epilepsia, mas que, por qualquer razão entram em estado
de mal)
o Exacerbação das convulsões em epiléticos
o Abuso de álcool ou drogas
o Suspensão brusca de drogas antiepiléticas
o Outras
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• Agudas (crises inicias de novo, as crises sintomáticas agudas que se mantiverem para
além dum tempo em que elas devem existir fazem com que o doente passe
automaticamente a ser um doente epilético)
o Encefalopatia pós-anoxia
o Acidentes vasculares cerebrais
o Neoplasias
o Traumatismos crânio-encefálicos
o Perturbações metabólicas
o Doenças infeciosas

▪ Estado de mal convulsivo generalizado


Deve ser evitado no doente em estado de mal com terapêutica precoce, de forma a evitar
que evolua para a fase mais tardia, refratária, mais grave em mortalidade e morbilidade.
Caracteriza-se por atividade convulsiva (clínica e/ou elétrica) contínua, de 5 ou mais
minutos de duração, ou duas ou mais convulsões entre as quais a recuperação da consciência é
incompleta.
Porque 5 minutos? Porque a maioria das crises epiléticas, tónico-clónicas, demoram 2 ou 3
minutos.

Objetivo – parar a atividade convulsiva em cerca de 30 minutos.

Tratamento do EMCG
• Tratamento das complicações secundárias (alterações hepáticas, renais, cardíacas, etc)
• Tomada de medidas gerais
• Tratamento dos eventuais fatores precipitantes, tratar a causa
• Paragem da atividade convulsiva
• Prevenção da sua recorrência

Medidas gerais (primeiros 10 minutos)  qualquer doente emergente chega e tem de ser
imediatamente transferido para uma unidade de cuidados intensivos:
• Tubo de Mayo/ nasofaríngeo
• Entubação nasogástrica
• Entubação orotraqueal e ventilação assistida (se necessário)
• Oxigénio a 100% (sonda nasal ou máscara)
• Canalização da veia periférica (central, se necessário)
• Tiamina (100 mg) seguida de glucose a 30% (50 mL) ou dextrose a 50% ev – pode existir
deficiência de tiamina ou hipoglicémia
• Monitorização – TA, FR, ECG, EEG, oximetria, temperatura corporal

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• Análises: hemograma, urémia, glicémia, ionograma, gasimetria, cálcio, creatinémia, ALT,
AST, bilirrubinemia total, toxicologia, doseamento de AEs (colher sangue de imediato e
suficiente para avaliação completa do doente no momento de entrada)
• História (pelo acompanhante)
• Exame geral e neurológico
• Inicio do tratamento das complicações associadas

Estadios do EMCG
I. Premonitório/ Precoce (estado de mal no inicio, nos primeiros minutos) – responde à
terapêutica de 1ª linha
II. Estabelecido (se não responde à terapêutica de 1ª linha) – responde à terapêutica de 2ª
linha
III. Refratário (se não responde à terapêutica de 2ª linha) – se não responde previamente a
doses adequadas de benzodiazepinas e de um 2º AE por via IV (na prática >45 minutos).
Quanto mais cedo chegarmos à conclusão que o doente está neste estadio melhor.
Estamos a ser muito ativos no tratamento do doente, em que ele tem um estado de mal
refratário, continuo, fluente, chamado supra-refratário que é uma complicação. Aqui o
tempo conta.

Paragem da atividade convulsiva


1º estadio – benzodiazepinas (diazepam ev/em bólus) – 0,2 mg/kg (em média, 10 a 20 mg)
a 5mg/min (cerca de 5 min) – se paragem do EM, fim do protocolo

2º estadio (se ao fim de 15 min o doente não responde ao diazepam, passar para a 2ª linha):
a) Fenitoína ev – 20 mg/kg a 50 mg/min. (bomba de infusão ou, se manual cerca de 20
min) na borracha de um sistema com soro fisiológico. Se necessário (manutenção das
crises 5 min depois) – 5 a 10/kg nas mesmas condições (cerca de 30 min)
b) Valproato de sódio (se fenitoína contra-indicada) de 15 mg/kg em 3-5 minutos, 30
minutos depois iniciar perfusão contínua a 25 mg/kg/24h, num balão de dextrose ou
soro fisiológico
OU
c) Levetiracetam
(se paragem do EM, fim do protocolo)
Podemos fazer isto por mais 20-25 minutos. Se ao fim deste tempo mais os 15 minutos do
outros, portanto no total cerca de 30-40 min, o doente contínua em estado de mal, vamos
anestesiar o doente.

3º estadio – anestesia (>45 min) com entubação do doente


1ª linha – midazolam
2ª linha – propofol (se midazolam contra-indicado)
3ª linha – coma barbitúrico (tiopental)
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▪ Prognóstico
É importante ter em conta que:
• Uma crise única, generalizada tónico-clónica, num adolescente sem outros fatores para
além da ingestão alcoólica e/ou privação do sono noturno episódico, terá uma
probabilidade em recorrer de 50%, facto que deverá ser partilhado com o doente a fim de
que ele possa participar na decisão de tratar ou não
• Cerca de 60% dos doentes com epilepsia diagnosticada de novo ficará sem crises após a
instituição correta de um regime terapêutico de monoterapia – o que significa que sobra
ainda uma percentagem elevada de doentes que virão a necessitar de politerapia ou de
eventual cirurgia para controlar as crises
• A politerapia apenas é eficaz em cerca de metade das crises que não foram controladas
com monoterapia
• A percentagem de recorrência das crises após desmame adequado dos antiepiléticos
ronda os 25 a 30%, facto igualmente a comunicar ao doente.

▪ Casos clínicos
Caso 1
A.S, 19 anos, género masculino. De acordo com a mãe, crises tónico-clónicas, de manhã,
ao acordar. Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes.
Até há 6 meses “noitadas” e “copos”.
Observação geral e neurológica normais.
Boa resposta ao tratamento com AEs e abandono dos fatores precipitantes.

Perguntas:
1. Até onde levar a investigação? (Avaliar o doente e o impacto)
• Análises laboratoriais?
• EEG? Como? Necessário EEG com prova de sono
• Exames de imagem? Podemos pedir RMN
2. Qual o(s) AE(s) apropriados? Valproato

Crise sintomática aguda devido a privação de sono/ ingestão de álcool


o Normalmente são adolescentes/adultos jovens
o Antecedentes pessoais e exame neurológico importantes na decisão (subjetiva e discutida
com o doente) e execução de exames complementares e de tratamento

Problemas
o Probabilidade de repetição da crise de 50%
o Condução e hábitos de vida!
o Se tratamento: 3-4 anos! Consultas e análises periódicas; atenção à terapêutica em
mulheres em idade fértil

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Caso 2
AC, 24 anos, género feminino. Convulsões febris em criança. Por volta dos 11 anos começa
com crises que a mãe conta assim: de repente pára, o “olhar fica fixo”, começa a mastigar e a
mexer na roupa como que tentando despir-se. Dá uns passos despropositados, e não responde
adequadamente quando se lhe pergunta o que tem (talvez uma epilepsia parcial complexa). Tudo
isto dura cerca de 3 minutos, embora fique confusa durante mais algum tempo. Outras vezes, cai
para o chão e tem convulsões (começa por ter uma crise epilética focal complexa do lobo temporal).
Crises cada vez mais frequentes, refratárias ao tratamento com AEs.
TAC normal e EEG de sono com atividade epilética frontotemporal direita.
Observação geral e neurológica normais.

Perguntas:
1. Repetir a TAC ou realizar outros exames de imagem? RMN, é o único exame de imagem
que permite estudar a epilepsia. O doente tem este sinal em T2 no hipocampo direito que
corresponde a uma gliose no lobo do hipocampo, que corresponde a esclerose mesial que
é uma situação epilética crónica que tem mais sucesso recorrendo à cirurgia.
2. Continuar a insistir no tratamento médico? Cirurgia é a melhor opção.

Caso 3
AB, 59 anos, género masculino. Desde há 6 meses, de vez em quando, o polegar da mão
direita começa com “abalos” que se estendem, pouco depois, à mão, antebraço, braço, hemiface e
membro inferior ipsilateral.
Não há perda de conhecimento, mordedura de língua, incontinência de esfíncteres ou
amnésia. (epilepsia focal motora, até com marcha jacksoniana, está sempre consciente, isto é o
exemplo de uma epilepsia focal simples motora)
Nos antecedentes pessoais não há referência a alterações do período peri-natal, DPM,
convulsões febris, doenças de infância, nem tão pouco TEC, AVCs ou neoplasias sistémicas.
As crises têm sido dificilmente controladas com AEs.
A observação geral é normal e a neurológica revela apagamento do sulco nasogeniano
direito, discreta parésia dos membros direitos, e reflexo cutâneo plantar ipsilateral em extensão.
(sinais de lesão da via piramidal, lado esquerdo, tem uma epilepsia focal direita).

Perguntas:
1. Que patologia neurológica sugere esta história? Tumor no hemisfério esquerdo.
2. Como devemos investigar? RMN, que mostra um tumor (meningioma) no hemisfério
esquerdo, vem na duramater, comprimindo o foco da epilepsia, lesa a via piramidal e
provoca o quadro.
3. Tipo de tratamento? Operar o tumor e continuar a tratar a epilepsia (as epilepsias
secundárias mantêm-se).

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Caso 4 – Ausências
SP, género masculino. Antecedentes pessoais irrelevantes. A mãe refere que o rapaz,
inúmeras vezes ao dia, suspende repentinamente toda a actividade (comer, brincar, etc) fica com
o “olhar distante”, faz alguns movimentos com as pálpebras e não responde ao que lhe perguntam.
Ao fim de poucos segundos (talvez 15) fica bom e retoma a actividade. A professora já chamou a
mãe para lhe dizer que é bom aluno, muito aplicado, mas frequentemente, muito desatento.
Observação geral e neurológica normais.
No entanto, ao ser-lhe pedido para respirar depressa e profundamente durante alguns
minutos, foi presenciada uma “crise” que a mãe diz ser semelhante às que ele tem habitualmente.
(Tem dezenas de crises por dia. Estas crises podem ser muitas vezes confundidas pela
história com crises parciais complexas do lobo temporal, mas pelo menos não há tantos
automatismos, é muito menos curta, dura só uns segundos e, no fundo o que faz? O doente está
muito bem, de repente pára aquilo que está a fazer e começa a ficar ausente. Às vezes faz uns
movimentos de piscar os olhos e até do pescoço, mas são muito leves e de repente pára tudo e
continua a fazer a sua actividade. Estas são as únicas crises que eventualmente podemos observar
à frente do doente. Se estes doentes hiperventilarem durante 1-2 minutos, têm uma crise. Como
é idiopática, genética, tudo se passa com normalidade, para trás, não houve nada no parto, nada
para trás, portanto em principio não precisam de fazer RMN).
Nesta situação deve ser pedido um EEG, visto ser uma crise generalizada. Em 100% dos
casos dá o diagnóstico.
Quanto ao tratamento: valproato.
As informações dadas às mães devem ser as seguintes:
o em 20% dos casos, as crises complicam-se, tornando-se tónico-clónicas generalizadas
o se realizar durante 3 anos o tratamento, o número de crises diminuirá muito

63
AVC
É a principal doença neurológica dos nossos tempos, sendo a 3ª causa de morte e a 1ª de
incapacidade no adulto. É uma das causas mais frequentes de internamento. A incidência está a
diminuir, provavelmente devido à atuação nos fatores de risco, como dislipidemia e HTA. O risco
e AVC aumenta com a idade, mas ¼ de todos os AVCs ocorrerem antes dos 65. Apresenta uma
taxa de mortalidade de 20-25%.
As doenças vasculares cerebrais são a principal causa de morte e de incapacidade em
Portugal, o que se deve a um elevado consumo de sal e de álcool, a HTA e a um elevado hábito
tabágico. A favor de Portugal, ou seja, contra os AVC, existe um baixo consumo de gordura animal
e a própria dieta mediterrânica (poucas gorduras animais e muitos vegetais) é protetora.
Um AVC é uma doença súbita que afeta uma zona localizada do encéfalo, produzindo
sintomas e sinais focais deficitários causados pela perda de função da área afetada, sendo que
ocorre mais frequentemente em indivíduos com fatores de risco vascular. Normalmente dura mais
de 24h ou leva à morte e não tem outra causa aparente a não ser vascular.
Pensar em AVC quando temos as seguintes caraterísticas em conjunto:
• Inicio súbito: se fosse gradual remetia para desenvolvimento de massa compressiva
(tumoral, inflamatória, aneurismática)
• Sintomas e sinais focais: os principais são defeitos na fala, paralisia facial,
monoparesia do membro superior ou hemiparesia. Ajudam a determinar a
localização e topografia da lesão.
• Individuo com fatores de risco vasculares: HTA, diabetes, obesidade, tabagismo,
alcoolismo, etc.

No geral, podem ser causados por:


• Oclusão de pequenos vasos/microangiopatia cerebral ou trombose in situ
• Êmbolos cardíacos: [causas cardíacas em >30% dos AVC]
o FA: risco global de AVC 4,5%/ano
o Cardioversão externa e farmacológica: é complicada por embolia periférica (1-3%)
o Próteses valvulares: doentes devem estar anticoagulados
o EAM com alterações da motilidade da parede do VE na eco
o Forâmen oval, CIA, CIV: embolia sistémica paradoxal
o Cirurgia cardíaca: risco de 0,9-5,2%
o Vegetações valvulares por endocardite infeciosa
• Aterotromboembolismo
• Hemorragia SNC: HTA, traumatismo, rutura de aneurisma, anticoagulação,
trombólise
• Outras (doentes mais jovens):
o Queda abrupta da PA≥40mmHg

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o Disseção da artéria carótida (espontânea, traumatismo, displasia fibromuscular):
1:5 AVCs, antes dos 40 anos, como consequência de trauma do pescoço, de
hiperextensão do pescoço ou de exercício físico. Doenças do tecido conjuntivo,
como síndrome de Marfan, são fatores predisponentes. O sangue penetra na
camada intima dos vasos, formando um lúmen falso, o que leva a embolização a
partir do local da dissecção e AVC, por vezes dia depois do evento inicial.
o Vasculite
o HSA
o Trombose do seio venoso (enfarte venoso agudo): 1% de todos os AVCs. Ocorre
na gravidez, em estados de hipercoagulação, em alterações trombóticas, em
casos de desidratação e em casos de neoplasia. Pode ocorrer enfarte cortical,
convulsões e aumento da pressão intracraniana.
o Síndrome antifosfolipidos
o Trombofilia
o Doença de Fabry

▪ Fatores de risco de AVC


Modificáveis Não modificáveis
o HTA (+ importante) o Idade
o Tabagismo: após 5 anos de o Género masculino, mas em idades extremas é igual
cessação tabágica o risco é o Antecedentes de AVC/AIT
semelhante a quem nunca o Etnia: raça negra tem maior propensão a HTA e AVC
fumou o Cardiopatia (valvular, isquémica, FA)
o Alcoolismo: 2 bebidas/dia no o Doença vascular periférica
homem e 1 na mulher são fator o Estenose severa da carótida - sopro carotídeo
protetor, <3unidades/dia dimiui o Apneia do sono
o risco de AVC; >5 unidades/dia o Trombocitemia, policitemia, estados de hiperviscosidade, trombofilia –
é fator de risco predispõe para trombose venosa cerebral
o Dislipidemia o Aumento homocisteína – predispõe para AVC trombóticos
o Diabetes o Sífilis
o Obesidade o Hipervolemia
o Sedentarismo o Pilula – sozinha não aumenta o risco, mas juntamente com HTA e tabaco sim

Os fatores de risco mais importantes são a idade e a HTA. Em relação ao primeiro, existe
um aumento exponencial da incidência e da mortalidade de AVC com a idade. Por outro lado, a
relação entre os valores de tensão arterial e o risco de ANC é continua, ou seja, uma maior PA tem
maior risco de AVC e uma menor PA tem um menor risco.

▪ Diagnóstico diferencial do AVC


o Tumores intracranianos: têm inicio insidioso devido ao crescimento lento e
progressivo. Mas há tumores que sangram e, portanto, têm um quadro sintomático
de inicio súbito com sintomas focais. Vê-se na TC.

65
o Hematoma subdural: inicio insidioso, acompanhado por traumatismo, cefaleia e
sinais focais. Sobretudo em pessoas idosas e medicadas com anticoagulantes ou
antiagregantes. Vê-se na TC. Tem um tratamento muito diferente de AVC isquémico.
o Vertigens de causa vestibular periférica
o Estado pós-critico após uma crise epilética focal: estes sinais focais revertem em
menos de 24h. Ocorre numa epilepsia do tipo vascular.
o Perturbação somatoforme: perturbações psiquiátricas que podem levar a defeitos
neurológicos, como ataque de histeria. Fazem somatizações que imitam/sugerem
AVC.
o Síndrome confusional agudo do idoso: causa metabólica, infeciosa, iatrogénica;
cursa com quadro confusional de agitação, desorientação espacial, alucinações
o Enxaqueca com aura: enxaqueca que provoca dormência dos membros ou face e
algum grau de afasia, contudo no caso da enxaqueca é um quadro progressivo, em
que surge primeiro a aura, depois a cefaleia e depois os sinais focais. No AVC, todos
os sinais e sintomas surgem simultaneamente de forma súbita.
o Perturbações neurológicas transitórias

Podemos ter alguns falsos negativos no diagnóstico de AVC quando não existe défice motor:
o AVC na artéria cerebral média: causa afasia de Wernick que muitas vezes é
interpretada como quadro psiquiátrico
o AVC do território da artéria cerebral posterior: causa defeitos dos campos visuais, o
que leva a um diagnóstico de perturbação oftalmológica

▪ AVC Isquémico
Corresponde a 85% de todos os AVCs. A doença arterial (afeta arteríolas terminais que
irrigam as regiões centrais dos hemisférios, sendo que a sua oclusão origina síndromes lacunares)
e a aterosclerose (placas principalmente na bifurcação da carótida primitiva, nos primeiros
centímetros da carótida interna e na artéria vertebral) são os principais processos patológicos.
Seguem a distribuição dos territórios arteriais. São causados por:
o Trombos – AVC trombótico: a rutura de uma placa numa artéria leva a embolismo
arterial ou oclusão do vaso. É causado por um trombo que se forma nas artérias que
vão suprir o cérebro, acabando por bloquear o fluxo sanguíneo para parte do cérebro.
Os trombos tendem a formar-se em artérias danificadas por placas. É frequente em
fumadores e diabéticos com dislipidemia e aterosclerose (agrava-se com a idade,
hemodinamicamente significativa >50% do lumen). O trombo pode formar-se nos
grandes ou nos pequenos vasos:
▪ Trombose dos grandes vasos: ocorre em artérias cerebrais grandes e é causada
por aterosclerose prolongada com formação rápida do coagulo (a patologia está
nos próprios vasos). Dislipidemia é um fator de risco. O local de eleição da
aterosclerose é a bifurcação da carótida primitiva e os primeiros centímetros
66
da carótida interna, sendo que estenoses >50% podem originar um sopro
detetável na auscultação cervical. As placas podem sofrer disseção, ulceração
ou trombose, o que leva a hipoperfusão e isquemia cerebral. Podem também
embolizar, causando AITs e AVCs. Diagnostica-se com eco-doppler. Deve ser
feita cirurgia em caso de estenose sintomática com uma redução do calibre do
lúmen ≥70%.
▪ Dissecção arterial: ocorre a nível pós-bulbar e existe uma estenose
progressiva. Podem ser traumáticas (exercício, acidentes, movimento brusco)
ou espontâneas (idades mais jovens do que aterosclerose, relacionadas com
algum grau de traumatismo não muito grande). Pode ocorrer nas artérias
carótidas e nas vertebrais. Quando ocorre um AVC, este ocorrer
principalmente 2-3 dias depois do traumatismo.
▪ Doença dos pequenos vasos (arteríola perfurantes): está mais relacionado com
HTA, diabetes e idade. As arteríolas terminais sofrem lipo-hialinose4 da sua
parede, levando à sua oclusão, o que origina pequenos enfartes subcorticais,
com menos de 15mm de diâmetro, chamados enfartes lacunares, que, devido
à sua localização subcortical, apenas provocam sinais e sintomas motores, da
sensibilidade ou da coordenação motora (ver à frente).
o Estenose de artéria larga: atua principalmente como fonte de êmbolos.
o Êmbolos – AVC cardioembólico: neste tipo, um embolo, que se formou noutra parte
do corpo (maioritariamente coração, daí também se poder chamar AVC
cardioembólico), viaja até ao cérebro, bloqueando a passagem de sangue num dos
vasos mais pequenos. 15% dos AVC embólicos ocorrem em pessoas com FA, devido à
formação de êmbolos na aurícula esquerda dilatada.
▪ Causas cardíacas e pulmonares: FA (a prevalência aumenta com a idade),
EAM, forâmen oval, mixomas atriais, estenose mitral, miocardiopatias
dilatadas, próteses valvulares mecânicas, fistulas AV pulmonares
▪ Outras causas: fratura de osso longo, aterosclerose
▪ Causas iatrogénicas: bypass cardíaco, embolismo aéreo
▪ Caraterísticas típicas deste tipo de AVC: instalação rápida dos sintomas,
alteração da consciência no inicio, melhoria rápida dos sintomas e sintomas
corticais isolados (afasia, neglct, hemianopsia).
▪ Pode originar enfarte com transformação hemorrágica por lise ou
fragmentação e migração distal do embolo com reperfusão da área de enfarte
isquémico, o que permite o extravasamento do sangue circulante porque a
BHE não está integra

4 Vê-se uma substância branca a ocluir o vaso que parece gordura.


67
o Hipoperfusão: hipotensão severa pode levar a enfartes das zonas transitórias entre
áreas vasculares, sendo que a região parieto-ocipital (entre os territórios das artérias
cerebrais media e posterior) é particularmente vulnerável
Indicadores de isquemia: sopro carotídeo, FA, AIT prévio, doença coronária isquémica

Em termos de manifestações clinicas, ocorre fraqueza dos membros contralaterais


(segundos, minutos ou horas depois do evento; inicialmente ficam flácidos e depois sem reflexos),
hemiplegia ou hemiparesia contralateral com fraqueza facial, afasia (quando afeta o hemisfério
dominante). Existe uma recuperação gradual. Cefaleias são raras e a consciência normalmente
fica preservada.
Tipicamente, o AVC tem um inicio súbito com progressão escalonada dos sintomas em
algumas horas, sendo que os sintomas focais se relacionam com a distribuição da artéria afetada:
• Cerebrais (50%): perda sensorial contralateral ou hemiplegia flácida (membros
moles, caem como peso morto), que depois se torna espástica; disfasia; hemianopsia
homónima; défice visuoespacial
• Tronco cerebral (25%): tetraparesia, alterações do olhar e da visão, síndrome locked-
in (mutismo acinético-consciente, o dente é incapaz de responder)
• Lacunares5 (25% - gânglios da base, capsula interna, tálamo e tronco cerebral): têm
origem em ramos perfurantes (terminais, sem anastomoses) destes vários territórios.
Podem ser causados por um embolo que oclui o vaso ou por um microaneurisma de
Charcot e Bouchard que rompe. Sugerem uma causa hipertensiva. As propriedades
cognitivas/consciência permanecem intactas, exceto no enfarte talâmico. Quando
afeta os gânglios da base, pode causar reflexo de preensão (adução/flexão) e
coreoatetose unilateral. 5 síndromes:
o Hemiparesia atáxica – hemiparesia de predomínio crural e ataxia do membro
superior homolateral
o Motora pura – só hemiparésia
o Sensitiva pura – hemi-hipostesia
o Sensitivomotora – hemiparesia e hemi-hipostesia
o Disartria/mão desajeitada.

A vascularização arterial do encéfalo é feita por dois sistemas, que têm diversas
anastomoses entre si:
• Sistema carotídeo: é constituído pela carótida interna, que tem como terminais as
artérias cerais média (ACM) e anterior (ACA) e a coroideia anterior. No trajeto
extracraniano é superficial, sendo facilmente acessível por ultrassom. A principal
colateral é a artéria central da retina. Este sistema irriga o globo ocular, a face
externa dos hemisférios cerebrais, a metade ântero-superior da face interna dos

5 Têm este nome porque ao microscópio parecem um pequeno lago no meio da uniformidade do tecido.
68
hemisférios e as estruturas anatómicas profundas (capsula interna e gânglios da
base, exceto tálamo). Os AVC são mais comuns no território da ACM.
• Sistema vertebrobasilar: é constituído por duas artérias vertebrais que atravessam
os orifícios transversos das vertebras cervicais, o que dificulta a observação por
ultrassom e o acesso cirúrgico. As artérias vertebrais têm colaterais para o bulbo e o
cerebelo, sendo a mais importante a artéria cerebelosa póstero-inferior (PICA), e
terminam quando se unem, formando o tronco basilar. Este tem colaterais, que são
artérias terminais, para o tronco cerebral e para o cerebelo, sendo os mais relevantes
a artérias cerebelosa ântero-inferior (AICA) e a artéria cerebelosa superior (SCA). Os
quadros clínicos por oclusão do tronco basilar e dos seus colaterais são semelhantes.
Os ramos terminais do tronco basilar são as artérias cerebrais posteriores (ACP) que
irrigam o lobo occipital, as faces interna e inferior do lobo temporal e parte do tálamo.
Consoante o local afetado ou a artéria ocluida (o território carotídeo vasculariza os 2/3
anteriores do cérebro e o território da artéria vertebro-basilar vasculariza o 1/3 posterior), assim
serão diferentes os sintomas. 80% dos AVC isquémicos ocorrem na artéria cerebral média.
Local Sintomas

Trato corticoespinhal ▪ Hemiparesia ou tetraparesia

Lemnisco medial
▪ Perda sensorial
Trato espinhotalâmico

Sistema oculomotor ▪ Diplopia

Núcleo V ▪ Perda da sensibilidade facial

Núcleo VII ▪ Fraqueza facial

▪ Nistagmo
Tronco cerebral

Conexões vestibulares
▪ Vertigens

▪ Disfagia
Núcleos IX e X
▪ Disartria

▪ Disartria
Conexões tronco cerebral e ▪ Ataxia
cerebelo ▪ Vómitos
▪ Soluços

Fibras simpáticas ▪ Síndrome de Horner

▪ Coma
Formação reticular
▪ Alteração do estado de consciência

▪ Cegueira ipsilateral
Artéria central da retina
▪ Amaurose fugaz ipsilateral

▪ Síndrome frontal
Artérias

Artéria cerebral anterior ▪ Paresia do membro inferior contralateral


▪ Afasia transcortical (hemisfério esquerdo)

Artéria coroideia anterior ▪ Hemiparesia contralateral


▪ Hemi-hipostesia contralateral

69
▪ Hemianopsia contralateral

▪ Hemiplegia direita da face e dos membros (sup>inf)


Esquerda
▪ Disfasia

▪ Hemiplegia esquerda da face e dos membros (sup>inf)


Direita ▪ Neglect visual ou sensorial
▪ Negação da incapacidade

▪ Hemiparesia contralateral, de predomínio braquifacial


▪ Afasia global (hemisfério esquerdo)
Todo o território ▪ Alexia, agrafia, apraxia (hemisfério esquerdo)
▪ Neglect (hemisfério direito)

Artéria ▪ Desvio ocular conjugado para o lado oposto ao da hemiparesia

cerebral média ▪ Hemiparesia contralateral, de predomínio braquifacial


Ramos antero- ▪ Afasia não fluente (hemisfério esquerdo)
superiores ▪ Alexia, agrafia, apraxia (hemisfério esquerdo)
▪ Neglect (hemisfério direito)

▪ Afasia fluente (hemisfério esquerdo)


Ramos postero- ▪ Alexia, agrafia, apraxia (hemisfério esquerdo)
inferiores ▪ Neglect (hemisfério direito)
▪ Quadrantopsia contralateral

Ramos ▪ Hemiparesia contralateral


profundos ▪ Hemi-hipostesia contralateral

Sinais e sintomas mais frequentes

▪ Desiquilibrio, ataxia
▪ Nistagmo
Artérias vertebrais, tronco ▪ Diplopia, paresia dos movimentos oculares conjugados
basilar e ramos ▪ Disartria
▪ Disfagia, soluços
Quadros múltiplos
▪ Coma
▪ Síndromes alternas (paresia de um nervo craniana ipsilateral e hemiparesia e/ou
hemi-hipostesia contralateral)
▪ Paresias e/ou alterações da sensibilidade bilaterais

▪ Hemianopsia contralateral
▪ Hemi-hipostesia contralateral
Artéria cerebral posterior
▪ Alexia sem agrafia, agnosia para as cores, agnosia visual (hemisfério esquerdo)
▪ Prosopagnosia – incapacidade de reconhecer faces (hemisfério direito)

▪ Perda motora, sensorial e motorassensorial na face e membros (igual)


Cápsula interna
▪ Disartria

▪ Coma ou distúrbio da vigilância


▪ Oftalmoplegia
Tálamo paramediano bilateral ▪ Ataxia
▪ Falha de memoria
▪ Podem necessitar de ventilação

Disseção da carótida ▪ Síndrome de Horner ipsilateral por compressão do peso simpático

70
O diagnóstico é feito pelo acrónimo FAST:
o Face: fraqueza súbita da face – boca de lado
o Arm: fraqueza súbita de um ou de ambos os membros superiores
o Speech: fala com dificuldade ou arrastada
o Time: quando mais depressa se começar o tratamento, melhor

As investigações que devem ser feitas, que são as mesmas do que no AIT, são:
o Analises sanguíneas: procurar policitemia, infeção, vasculite, trombofilia, serologia
sifilica, estudos de coagulação, autoanticorpos, lípidos)
o Raio x torax
o ECG
o Doppler das carótidas: investigar estenose e a presença de placas ateroscleróticas
o TC ou RM com angiografia

Em termos imagiológico, num AVC isquémico temos as seguintes alterações:


o TC sem contraste: hemorragia é vista imediatamente (zona hiperdensa), mas o
enfarte cerebral muitas vezes não é detetado. É mais acessível, devendo ser feita se
a RM não estiver disponível. Nas primeiras horas, pode mostrar sinais subtis de
enfarte precoce, como apagamento dos sulcos corticais e perda da diferenciação entre
substancia cinzenta e branca. 24-48h depois, existe uma zona triangular de
hipodensidade, típica do enfarte cerebral, sendo que em pequenos enfartes, mesmo
nesta altura, a TC pode ser normal.
o RM: mostra enfarte cedo e, mais tarde, mostra a extensão da área afetada.
o RM de difusão: deteta enfarte cerebral imediatamente (lesões hiperintensas), mas é
não boa como a TC para detetar hemorragia. Deve ser usada quando a clinica e a TC
não permitem chegar a um diagnóstico seguro.

Na urgência, o que se devem fazer perante um caso de AVC isquémico é o seguinte:

71
Num AVC, o principal tratamento é a trombólise endovenosa com rtPA, que permite a
reperfusão, mas todos os minutos contam porque os benefícios vão diminuindo, só sendo eficaz
até 4,5h após o inicio do quadro.
Trombólise em AVC isquémico
Critérios de exclusão Dose IV alteplase
Elegibilidade (ativador do plasminogénio
Historia Clínicos Laboratoriais
tecidual)
▪ Melhoria rápida
▪ Sinais neurológicos
minor e isolados
▪ AVC ou trauma
▪ Convulsões no inicio do
craniano nos 3 meses
▪ ≥18 anos quadro (sintomas
antes
▪ Diagnostico clinico de devem-se a fenómeno ▪ Plaquetas <
▪ Historia previa de
AVC isquémico pós-ictal) 100000/mm3
hemorragia
▪ Deficit neurológico ▪ Sintomas sugestivos de ▪ Glicose sérica ▪ Dose total=0,9,g/kg,
intracraniana
mensurável hemorragia <2,8mmol/L ou com um máximo de
▪ Cirurgia major em 14
▪ Resultados nas analises subaracnoideia mesmo >21,2mmol/L 90mg
dias
sanguíneos disponíveis quando TC é normal ▪ INR>1,7 se a tomar ▪ 10% da dose inicial num
▪ Hemorragia GI ou GU
▪ TC ou RM consistente ▪ EAM ou pericardite pós- varfarina bolus IV durante 1 min
nos 21 dias antes
com AVC isquémico EAM ▪ Elevação parcial do ▪ Restante por infusão IV
▪ EAM nos 3 meses antes
▪ Tempo de inicio bem ▪ PAS>185mmHg, tempo de durante 60 min
▪ Punção arterial num
definido PAD>110mmHg ou tromboplastina se a
local não compressível
▪ Começar até 4,5h depois necessidade de terapia tomar heparina
em 7 dias
do AVC agressiva para controlar
▪ Punção lombar em 7
PA
dias
▪ Gravidez ou aleitamento
▪ Hemorragia ativa
▪ Trauma agudo

O tratamento tem como objetivo diminuir a área cerebral afetada através da restauração do
fluxo sanguíneo o mais depressa possível. Dá-se ativador tecidual do plasminogénio (tPA) para
dissolver o coagulo, sendo que deve ser dado nas primeiras 3-4,5h depois do inicio dos sintomas.
Criou-se a via verde do AVC para permitir o tratamento rápido dos doentes, sendo que tem
dois componentes, um pré-hospitalar (porta a porta num máximo de 30min) e um intra-hospitalar
(porta-agulha num máximo de 45min).
Em caso de grandes coágulos, o tPA não os consegue dissolver, realizando-se então
trombectomias endovascular (TEV; terapêutica mecânica intra-arterial), que devem ser feitas até
6h depois do inicio dos sintomas. O tempo é sempre fundamental no tratamento.
Se a trombólise não for dada, deve-se dar 500mg oral diárias de aspirina mal o diagnostico
de AIT trombótico ou AVC isquémico seja confirmado, sendo que este tratamento só deve ser
começado 24-48h depois. Em doentes com elevado risco embolico, pode iniciar-se prevenção com
heparina de baixo peso molecular subcutânea seguida de varfarina. Devido ao risco de
transformação hemorrágica, apenas se usa heparina se o doente estiver vigil, o défice neurológico
não for muito grave, a TC não mostrou enfarte hemorrágico e a TA puder ser controlada.
Nas 6 horas após o inicio do AVC, deve ser feita neuroprotecção do seguinte modo:
o Corrigir hipoxemia
o Tratar alterações da glicemia
o Tratar hipertermia (>37ºC)

72
o Nunca dar soros glicosilados nas primeiras 24h – estimulam o metabolismo o que
não interessa em células em isquemia

Depois da causa do AVC ter sido identificada, deve-se tentar diminuir o risco de o doente
ter um segundo AVC: [terapêutica preventiva tripla: antitrombótico, estatina, anti-hipertensor]
▪ Antiagregantes: aspirina 75mg/dia reduz a agregação plaquetar ao inibir a Cox. A
combinação de 75mg/dia de aspirina com 75mg/dia de clopidogrel é a profilaxia de
eleição para prevenir AVC isquémico e AIT. Dá-se dipiridamole 200mg 2x/dia se o
clopidogrel estiver contraindicado.
▪ Anticoagulantes (varfarina, dabigitran, apixabano, rovaroxibano): a heparina e a
varfarina devem ser dadas em FA, outras disritmias, lesões das válvulas cardíacas
ou miocardiopatias, ou seja, em causas embólicas. Existe risco de hemorragias,
incluindo cerebral.
▪ Endarterectomia das carótidas: remove-se cirurgicamente o que está a bloquear os
vasos, como coágulos ou placas ateroscleróticas. Só é recomendado em caso de
estenose >70% sintomática.
▪ Angioplastia de balão ou stents implantáveis: trata e reduz a acumulação de ácidos
gordos que iriam favorecer a formação de coágulos.
▪ Terapêutica anti-hipertensiva: é um fator de risco importante e é modificável. Tratar
a partir dos 220/120mmHg ou em caso de complicações agudas de HTA (edema
agudo do pulmão, EAM, disseção aórtica, retinopatia hipertensiva grau 3 ou 4,
insuficiência renal aguda). Usar IECAs orais ou labetalol IV. Não usar bloqueadores
dos canais de cálcio porque aumentam a pressão intracraniana.
▪ Terapêutica com estatinas para todos.
▪ Terapêutica para os diabetes

Deve-se ainda prevenir e tratar as possíveis complicações:


▪ Disfagia: só se faz alimentação oral nos doentes com deglutição mantida. Se o doente
tiver disfagia, deve-se utilizar uma sonda nasogástrica para evitar uma pneumonia
de aspiração.
▪ Infeções: respiratórias por falta de força para tossir ou urinárias por algaliação
desnecessária
▪ Flebotrombose dos membros inferior e embolia pulmonar: devido à imobilização.
Deve-se mobilizar o doente e usar meias de contenção
▪ Cardíacas: EAM, arritmias, IC
▪ Quedas
▪ Escaras
▪ Convulsões
▪ Síndrome confusional
▪ Depressão: devido à lesão cerebral ou à consciência do doente sobre a sua patologia

73
Os doentes devem fazer fisioterapia e terapia da fala para reabilitação.

A prevenção secundária do AVC isquémico passa por modificações do estilo de vida e por
controlo dos fatores de risco:
▪ Não fumar
▪ Álcool até 3 bebidas/dia
▪ Exercício regular
▪ Parar anticontracetivos ou terapêutica de substituição hormonal
▪ Dieta mediterrânica

▪ AVC Hemorrágico
Correspondem apenas a 15% de todos os AVC (no SU, 1-2 em cada 10 são hemorrágicos),
mas são responsáveis por cerca de 40% das mortes por AVC, tendo uma mortalidade mais elevada
do que os AVC isquémicos. Ocorrem em locais de maior fragilidade vascular. Pode dever-se à
rutura de um aneurisma cerebral ou de um vaso enfraquecido, sendo que o sangue invade o
cérebro, levando a edema cerebral e aumento da pressão, o que danifica as células e os tecidos
cerebrais. Nestes doentes, como prevenção secundária, pode-se prescrever estatinas e anti-
hipertensores.
Indicadores de hemorragia: meningismo, cefaleia severa, coma no espaço de horas
Podem ser causados por:
o Hemorragia intracerebral (12-15%): deve-se a rutura de aneurismas ou
degeneração de pequenas artérias. Uma causa rara é a angiopatia amiloide cerebral.
A hemorragia tende a ser massiva e fatal, ocorrendo em casos de HTA cronica
(localização subcortical) e em locais bem estabelecidos – gânglios da base,
protuberância, cerebelo e matéria branca subcortical. Se o doente for normotenso,
>60 anos, a hemorragia tende a ocorrer no córtex frontal, temporal, parietal ou
occipital, sendo que neste caso se deve normalmente a malformações AV (localização
cortical). No ultimo caso, se for um jovem normotenso deve-se a angiopatia amiloide
(também ocorre em idosos com >60 anos, com deposição de amiloide nos vass
cerebrais, cujas paredes ficam mais frágeis). A hemorragia causa morte celular e
afeta a função cerebral. O sangue acumula-se dentro do parênquima cerebral.
▪ Manifestações clinicas: depende do local afetado:
o Hemisférios profundos: hemiparesia contralateral (de predomínio
braquifacial), afasia global (hemisfério esquerdo), neglect (hemisfério
direito), desvio ocular conjugado para o lado oposto ao da hemiparesia,
cefaleias, náuseas, vómitos, deterioração progressiva da vigilância
o Hemisférios lobar: variável consoante o hemisfério e os lobos afetados;
sintomas mais frequentes são afasia, hemianopsia, neglect, défices
visuo-espaciais, cefaleias

74
o Cerebelo: náuseas, vómitos, cefaleias, impossibilidade de andar,
desequilíbrio, vertigens, ataxia ipsilateral
o Protuberância: tetraparesia, pupilas mióticas (punctiformes), coma
▪ Imagiologia: a hemorragia é reconhecida imediatamente na TC – zona
hiperdensa. A RM não identifica hemorragia nas primeiras horas, mas a RM
de difusão é tão boa como a TC.
▪ Tratamento: o prognostico é automaticamente mais reservado.
Antiplaquetários e anticoagulantes estão contraindicados. É vital controlar a
HTA (tratar a partir dos 180/110mmHg). A cirurgia, no geral, está reservada
para hematomas do cerebelo, hematomas lobares volumosos (alterações da
vigilância e deterioração rostro-caudal) e hematomas que causam hidrocefalia
sintomática (coloca-se uma derivação ventricular externa). Nos dois primeiros
tipos de hematomas, faz-se evacuação do hematoma.
o Hemorragia subaracnoideia ou meníngea (5%): pode ser causada por aneurisma
sacular (desenvolvem-se no polígono de Willis e nas artérias adjacentes; causam
sintomas por rutura ou por pressão nas estruturas adjacentes), malformação AV,
sem lesão arterial encontrada, desordens hemorrágicas, meningite bacteriana aguda,
tumores, arterite, endocardite, coartação da aorta, síndrome de Marfan, rins
poliquisticos. O sangue fica no espaço subaracnoideu.
▪ Manifestações clinicas: cefaleias severas (a pior de sempre),
difusas/generalizadas, desencadeadas por um esforço e de inicio súbito,
vómitos e náuseas, coma/alteração da vigilância, rigidez do pescoço, sinal de
Kerning positivo, papiledema, hemorragia retiniana ou subhialoideia. Não dá
sinais focais porque tem uma localização extracerebral.
▪ Imagiologia: a hemorragia (hiperdensidade) é vista no espaço subaracnoide ou
nos ventrículos na TC (sensibilidade de 95% nas primeiras 24h). 4 dias depois,
a TC pode já não ter alterações, devendo-se realizar uma punção lombar, na
qual se colhem 3 tubos para diferenciar uma punção traumática de
hemorragia subarcnoideia:
o Punção traumática: o liquor torna-se progressivamente mais claro, com
menos sangue. Depois de centrifugar, o sobrenadante será incolor
porque o sangue se misturou com o LCR.
o Hemorragia subaracnoideia: existe sangue nos três tubos. Depois de
centrifugar, o sobrenadante será xantocrómico devido à bilirrubina
proveniente da degradação da hemoglobina, isto porque o sangue já
está mistura com o LCR há mais tempo.
▪ Complicações: hidrocefalia obstrutiva, que pode ser assintomática ou levar a
uma deterioração do estado de consciência. Espasmos arteriais é uma
complicação séria com mau prognóstico.
75
▪ Tratamento: consiste em descanso e medidas de suporte. Deve-se controlar a
HTA. A nimodipina, um bloqueador dos canais de cálcio, deve ser dado
durante 3 semanas porque reduz a mortalidade. Dá-se também expansores
do plasma e hidrata-se o doente. Referencia para a neurologia sempre. Se
existir algum aneurisma que não sofreu rutura, deve-se retirá-lo
cirurgicamente através de um cateterismo. O tratamento consiste ainda no
tratamento das complicações, como vasoespasmo (complicação mais
frequente e grave, porque pode causar isquemia cerebral), hidrocefalia,
hematoma intracerebral e hiponatremia.

Os achados clínicos mais sugestivos de AVC hemorrágico são:


o Inicio em atividade: esforços físicos ou atividade que impliquem a manobra de
Valsalva (tosse, espirro) aumenta a pressão intracraniana, o que pode causar
hemorragia.
o PA muito elevada na admissão: >200/120mmHg
o Cefaleias: 80% dos AVC hemorrágicos cursam com cefaleias, enquanto que apenas
20% dos isquémicos tem este sintoma. Sugere um aumento da pressão
intracraniana.
o Vómitos: muito raros nos AVC isquémicos.
o Perturbação precoce da vigilância: nos AVC isquémicos só ocorre passados alguns
dias quando o edema cerebral causa compressão de estruturas.

▪ AIT (ataque isquémico transitório)


Corresponde a um breve episodio de disfunção neurológica devido a uma isquemia cerebral
focal ou na retina, mas sem enfarte, que dura segundos ou minutos e termina com recuperação
completa. Mimetiza os sintomas de AVC, mas não causa dano cerebral permanente. Os sintomas,
no AIT, desaparecem em 24h. 40% das pessoas que têm um AIT acabam por ter um AVC. 50% dos
AVC ocorrem dias depois de um AIT.
Costuma ser causado por:
1. Fluxo sanguíneo diminuído numa parte mais estreita de uma grande artéria (carótida
por exemplo)
2. Coagulo, formado noutra parte do corpo, que viaja até ao cérebro e bloqueia um vaso
sanguíneo cerebral
3. Estreitamento de um pequeno vaso sanguíneo cerebral, o que bloqueia o fluxo por
um pequeno período de tempo. Normalmente é causada por uma placa em
crescimento.
O embolo pode dever-se a estenose da artéria carótida, FA ou outra disritmia, doença
valvular cardíaca, endocardite, EAM recente.

76
Os sintomas sugerem o local da isquémia:
Circulação anterior Circulação posterior
Sistema carotídeo Sistema vertebrobasilar
▪ Diplopia, vertigens, vómitos
▪ Disartria
▪ Amaurose fugaz ▪ Ataxia
▪ Afasia ▪ Perda hemissensorial
▪ Hemiparesia ▪ Hemianopsia
▪ Perda hemissensorial ▪ Perda bilateral da visão
▪ Hemianopsia ▪ Tetraparesia
▪ Perda de consciência
▪ Amnesia transitória global

Ao AITs na circulação cerebral anterior têm um prognóstico mais reservado.


Depois de um AIT, deve-se estratificar o risco do doente ter um AVC através do score
ABCD2:
Score Definição Pontos
Age >60 anos 1
BP PAS>140mmHg e/ou PAD>90mmHg 1
Fraqueza unilateral 2
Clinical features Distúrbio isolado da fala 1
Outro 0
>60min 2
Duração dos sintomas 10-59min 1
<10min 0
Presente 1
Diabetes
Ausente 0

Consoante a soma dos pontos, temos s seguintes cenários:


o <4: baixo risco. Tem um risco aos 2 dias de 1% e aos 7 de 1,2%.
o 4-5: risco moderado. Tem um risco aos 2 dias de 4,1% e aos 7 de 5,9%.
o 6-7: alto risco. Tem um risco aos 2 dias de 8,1% e aos 7 de 11,7%.
o >6: risco elevado dos primeiros 7 dias depois do AIT.
o >4 ou 2 AITs recentes: o doente deve ser internado para investigação e deve começar
prevenção secundária.

Relativamente à investigação a ser feita, deve incluir os seguintes exames:


o Doppler da carótida interna
o Ecocardiograma
o ECG
o TC ou RM cerebral 24h, incluindo angiografia

O tratamento tem como objetivo prevenir um futuro AVC:


▪ Terapêutica farmacológica: depende da causa
▪ Alteração do estilo de vida:
▪ Alimentação saudável
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▪ Aumento da atividade física
▪ Limitar a ingestão de álcool
▪ Cessação tabágica
▪ Medicar e controlar HTA e dislipidemia

▪ Escalas usadas no AVC


o NIHStrokeScale: quantifica a gravidade do AVC
o Barthel: avalia a performance nas atividades de vida diárias (AVD)
o m-Rankin scale: avalia grau de dependência nas AVD
o ABCD2
o CHA2DS2 VASc: apresenta o melhor valor preditivo para a ocorrência de AVC.
▪ Se o score for ≥ 2 há indicação para anticoagulação oral com antagonistas da
vitamina K (varfarina ou acenocumarol) ajustados para que o INR fique entre
2.0 e 3.0, ou com um dos novos anticoagulantes orais (dabigatrano,
rivaroxabano ou apixabano). Pode ser necessário reduzir a dose em doentes
idosos (>75 anos), com insuficiência renal (clearance de creatinina entre 30-
50ml/min) ou que tomem inibidores da glicoproteína P (amiodorona e
verapamil).
▪ Se o score for = 1 pode optar-se por prescrever um antiagregante plaquetário
(ácido acetilsalicílico) ou anticoagulante oral, sendo que este último é
preferível.
▪ Se não houver nenhum fator de risco presente (score = 0) não há indicação
para prescrever terapêutica antitrombótica.

o HAS-BLED: é um sistema usado para avaliar o risco hemorrágico dos doentes com
FA, sendo que hemorragia major é definida como hemorragia intracraniana,
hospitalização, diminuição da Hb>2g/dl e/ou transfusão sanguínea.
Risco HAS-BLED Definição Score
Hipertensão o PAS>160mmHg 1
o Dialise cronica
Anormal Função renal o Transplante renal 1
o Creatinina≥200µmol/L ou ≥2,26mg/dl

78
o Doença hepática cronica/cirrose
o Evidencia bioquímica de doença hepática:
Função hepática 1
▪ ↑ 2x bilirrubina
▪ ↑ 3x AST/ALT/fosfatase alcalina
Stroke (AVC) o Historia previa 1
o Historia previa
Bleeding (hemorragia) 1
o Predisposição (anemia, diátese hemorrágica)
o INR instável ou elevado
Labile INR 1
o Tempo na escala terapêutica <60%
Eldery (idoso) o >65 anos 1
o Agentes antiplaquetários
Fármacos 1
Drugs o AINEs
Álcool o Abuso (≥8 bebidas/semana)
Score Risco hemorrágico
0-1 Baixo
2 Intermédio
≥3 Alto

79
Demências
▪ Introdução
A demência é uma síndrome de deterioração global da função intelectual com alterações
das funções cognitivas que afeta as atividades quotidianas, sociais ou ocupacionais causado por
uma doença cerebral. Afeta o conteúdo da consciência, mas não o seu nível (ao contrário do
delirium). Os sintomas devem manter-se no mínimo 6 meses (exceto raras exceções) e a maioria
tem curso progressivo com perda de função cognitiva e comportamental e perda de independência
nas atividades da vida diária.
O DSM-V classifica as demências como defeitos neurocognitivos, sendo que o termo
demência será mais empregado para doenças neurodegenerativas e para designar um transtorno
neurocognitivo major. Corresponde a um declínio cognitivo em relação ao estado anterior,
comprovado pelo exame clínico e testes neuropsicológicos, que revelam afeção da memória e de
outras duas, ou mais, funções cognitivas (linguagem, perceção, praxias, funções executivas…).
Este declínio deve ser suficientemente grave para interferir com o desempenho social e profissional
e não pode ser atribuível a um estado de delirium.
De acordo com a ICD-10, para que exista uma síndrome demencial deve ocorrer defeito de
memória e também defeito de crítica, da capacidade executiva e de processamento geral de
informação. Para um diagnóstico mais seguro, deve estar presente há, pelo menos, seis meses e
deve interferir com as atividades do dia-a-dia, no desempenho social e profissional, embora no
mínimo grau de defeito, não coíba o doente de levar uma vida independente. Segundo estes
critérios, podemos distinguir 3 níveis de demência, de acordo com o efeito na memória ou no
pensamento abstrato:
• Ligeiro: defeito ligeiro em pelo menos uma.
• Moderado: défice moderado em pelo menos uma.
• Grave: efeito grave pelo menos uma.
Para ambos os critérios, a síndrome implica um declínio dum nível prévio mais elevado de
funcionamento.

DSM5 CID10
• Défices cognitivos múltiplos afetando a memória
• Declínio de memória e uma ou mais funções
pelo menos mais outro sintoma como afasia,
cognitivas superiores como pensamento,
apraxia, agnosia ou disfunção executiva
compressão, orientação, cálculo, aprendizagem
• Detioração do funcionamento ocupacional ou
• Sem alteração do nível de consciência
social relativamente a um nível anterior
• Detioração do comportamento social e emocional
• Não surge exclusivamente no decurso de um
• Interferência com atividades da vida diária>6 meses.
estado confusional

Apesar disto o defeito de memória não precisa de ser evidente no início das doenças
(frontotemporal começa com comportamento e apraxia nas corticobasais). A confusão deve ser
excluída, apesar de algumas demências cursarem com este sintoma (corpos de Lewy). Por este
motivo o impacto na vida diária acaba por ser o mais relevante.
80
Apesar de ser tipicamente uma doença associada à idade, a demência não é fisiológica e
pode ocorrer em qualquer idade, por exemplo, uma criança normal que sofra uma encefalite ou
um jovem adulto que sofra um traumatismo craniano podem ficar dementes. Este pensamento
surge do facto de que muitas alterações que decorrem com a idade são observáveis na demência,
mas em maior quantidade. Nas perturbações neurocognitivas podemos considerar:
• Isoladas ou discretas: defeito atinge uma função cognitiva isoladamente e incluem-se
nelas a afasia, a agnosia, a apraxia e várias outras.
• Globais: aquelas em que o defeito atinge o conjunto das funções cognitivas e são elas o
atraso mental, a demência e o estado confusional.

▪ Epidemiologia
Na população geral há uma prevalência de cerca de 5% para sujeitos de idade > 65 anos
(prevalência aumenta exponencialmente com a idade – duplica a cada 5 anos depois do 60). Entre
os 65 e 75 anos, há uma prevalência de 3%, sendo que a prevalência para idades > 85 anos é de
cerca de 50%. Em Portugal, temos uma prevalência de défice cognitivo de 12% e de 3% de
demência. O aumento da esperança média de vida e o envelhecimento da população, que se têm
verificado nos últimos anos, têm contribuído para um número crescente de casos e uma
prevalência crescente. Dos vários tipos existentes, a Doença de Alzheimer é a mais frequente (55-
75%), seguida pela demência vascular (15- 30%), pela demência de corpos de Lewy e, por fim,
pela demência frontotemporal. Apesar disto, devemos considerar no segundo lugar a demência
com corpos de Lewy, demência frontotemporal e a demência vascular dada a importância
semelhante. Outras causas são bastante raras (hidrocefalia de pressão normal, sífilis, Parkinson,
CJD). A demência é fator independente de risco de morte sendo mesmo a causa de morte em
alguns doentes. Tipicamente o prognóstico é pior na demência vascular comparativamente ao
Alzheimer.

▪ Causas
Uma larga variedade de doenças pode dar origem a demência. Consoante a patologia
específica que origina a síndrome demencial, haverá características próprias que permitem a sua
distinção. Mediantes as suas causas, as demências podem ser divididas em 2 grupos:
• Demências de causa desconhecida ou primárias ou degenerativas: têm início
insidioso com progressão lenta. O doente aparenta bom estado geral, com exame
neurológico sem alterações, mas alterações dos testes neuropsicológicos. Não apresenta
história recente de doença médica ou psiquiátrica, sendo trazido por parente. Este
quadro de alteração de memória e personalidade surgiu há pelo menos 6 meses. Não têm
cura.
o Doença de Alzheimer
o Demência de corpos de Lewy
o Degenerescência lobar frontotemporal
o Doença de Huntignton
81
o Paralisia supranuclear progressiva
o Degenerescência corticobasal
• Demências de causa conhecida ou secundárias: tem geralmente um início e curso mais
rápido e o doente tem uma aparência doente. Os sintomas acompanhantes surgem mais
tardiamente ou são raros. O doente apresenta história recente de doença médica ou
psiquiátrica sendo que o seu exame neurológico revela alterações. Tipicamente o doente
é polimedicado ou tem consumos abusivos.
o Doenças vasculares cerebrais (na psiquiatria é primária)
o Trauma
o Hidrocefalia de pressão normal
o Infeções do SNC (neurosífilis, VIH, Lyme, meningite)
o Doenças desmielinizantes
o Defeitos metabólicos inatos ou adquiridos
o Endocrinopatias
o Doenças carenciais (B12, B6 e B1)
o Intoxicações: por metais pesados, cobre, fármacos, álcool. É muito discutido se o
alcoolismo origina demência diretamente ou em resultado de traumatismos e da
deficiência nutricional. É também controverso o papel das intoxicações por drogas,
dado que estas originam, muito mais frequentemente, estados confusionais do que
demência.
o Doenças psiquiátricas: nomeadamente a depressão, para além da sua associação
com estados demenciais (em que ambas as patologias coexistem), muitas vezes, a
depressão pode ser confundida com demência, visto que ambas partilham uma série
de características como lentificação mental, apatia, self-neglect, irritabilidade,
dificuldades de memória, dificuldades na concentração, alterações de comportamento
e personalidade. É importante excluir depressão porque esta é tratável ao contrário
das demências – Pseudodemência depressiva.

Dentro das demências secundárias é importante referir as causas reversíveis (7) que
ocorrem em <10% (supostamente são raríssimas):
• Hidrocefalias de pressão normal: tríade de demência subcortical, apraxia da marcha e
incontinência urinária. Apresentam com grande lentificação, mas relativa manutenção
das funções superiores
• Massas intracranianas: crescimento lento como gliomas e meningiomas.
• Défice de vitaminas: deficiência de vitamina B12 e B9, causam anemia e alterações
neurológicas ainda. Demência subcortical com alterações motoras.
• Hipotiroidismo: dentro das endócrinas a mais comum, esta e a anterior devem ser
sempre testadas. Em psiquiatria inclui ainda hipoparatiroidsimo.
• Infeções: Lyme e meningite devem ser testadas sem for razoável

82
o Neurosífilis: com delírio de grandeza, mioclonias, convulsões.
o Doença de Lyme
o Meningites: criptococcus, tuberculose.
• Tóxicos: cobre, diálise, metais pesados, álcool.
• Hematomas subdurais crónicos: medicação, quedas, mais nos idosos.

Por este motivo, estas causas devem ser sempre tidas em conta, uma vez que são os únicos
tipos de demência em que a intervenção médica pode não só interferir com a progressão da doença,
mas também reverter. Nestes casos, quanto mais tempo se demorar a chegar a um diagnóstico,
maiores serão os danos causados e maior a probabilidade de haver lesão permanente. O
diagnóstico em casos de SIDA também é importante, pois permite não só instituir terapêutica
anti-retroviral que faz regredir em 60% dos casos, como também a adoção de precauções contra a
transmissão (caso a pessoa desconheça que está infetada). Estes doentes têm demência em 15%
dos casos em fase avançada, havendo desmielinização da substância branca.

▪ Manifestações Clínicas
 Sintomas não psicológicos
Tipicamente são evidentes muito depois da demência já estar instalada microscopicamente.
Começa com perturbações da memória, falhas, anomia, misturar factos e inventar outras. Altera
também a capacidade de pensar e raciocínio (difícil de identificar, já que os doentes acabam a
desenvolver estratégias para ultrapassar esses problemas). Nesta fase inicial, muito indolente,
muitas vezes os familiares não se apercebem da deterioração, sendo essencialmente uma sensação
subjetiva do doente (que até aqui deve ter crítica mantida). Pode ainda ser observável um
empobrecimento da linguagem. Podem ser evidentes a perda de todos os aspetos do pensamento
bem como alteração das funções executivas (planeamento, organização e sequenciação).
Para além dos défices mnésicos podem surgir sintomas mais do foro neurológico como
sinais de parkinsonismo, tremores, alterações da linguagem e agitação psicomotora. Dentro destes
sintomas é importante distinguir duas evoluções que são:
• Início dos sintomas com perdas de memória para funções complexas, mais evidente para
os que rodeiam o doente, MMSE já reduzido, mas o doente consegue tomar conta de si
ainda. Surgem com anomia, perder-se em locais familiares. Sem outras manifestações
iniciais evidentes. Este início é mais sugestivo de uma demência tipo Alzheimer.
• Se por outro lado os sintomas que dominam o quadro inicial são mais alterações de
personalidade, sintomas motores, alterações das funções executivas, então é mais
sugestivo demência com corpos de Lewy ou frontotemporal.
• Sintomas motores vs sintomas mnésicos indicam uma demência mais subcortical ou
estrutural comparativamente a uma demência mais cortical e degenerativa.

83
 Sintomas psicológicos
Estes sintomas são importantes pois são causadores de sofrimento quer ao doente, quer ao
cuidador, determinando, muitas vezes, a institucionalização do doente. Assim, é necessário que,
quando causam sofrimento ou constituem perigo para o doente ou cuidador, sejam eficazmente
tratados. As regras de prevenção são inespecíficas, focando os bons hábitos de vida geral: desporto,
controlo da tensão arterial, dieta saudável, abstinência de álcool e tabaco e manter a atividade
mental. No fundo, o objetivo é atrasar a morte neuronal. 80% tem pelo menos um sintoma destes
sendo que a sua prevalência real depende da amostra usada e da fase da demência. Podemos
considerar:
• Sintomas psiquiátricos:
o Ansiedade: surge em 20% dos doentes.
o Depressão: surge em 25% a 50% dos doentes, devendo tentar-se promover atividades
que deem prazer ao doente e promover uma atitude positiva para a vida.
Farmacologicamente deve recorrer-se a antidepressivos com pouca atividade
anticolinérgica. Deve ser distinguida de simples apatia que cursa com falta de
motivação, indiferença, fraco envolvimento social. A apatia é 2x mais comum que a
depressão.
o Alucinações: 19% dos doentes.
o Delírios: de roubo.
o Fobias
o Irritabilidade
o Indiferença
o Labilidade emocional
o Alterações da personalidade
• Alterações do sono:
o Insónia: promover boa higiene de sono, atividade física. Farmacologicamente escolher
benzodiazepina mais adequada conforme o tipo de insónia. A inidazopiridina é um
antidepressivo neuroléptico com grande efeito sedativo que pode ser dado em
alternativa.
o Hipersónia
o Inversão do ritmo circadiano.
• Comportamentais: comportamentos culturalmente inapropriados (como desinibição
sexual, muito importantes).
o Agitação psicomotora: deve ser pormenorizada (frequência, duração, aparecimento,
resposta à terapêutica prévia), podendo ser resultado de resposta adversa à
medicação, uma resposta a estímulos que geram desconforto ao doente, uma resposta
à mudança de cuidador ou uma deterioração das capacidades sensoriais do doente e,
neste caso, a terapêutica farmacológica. De uma forma geral, é importante manter o
doente num ambiente calmo e agradável, evitar situações que possam induzir
84
alteração comportamental ao doente, encontrar um cuidador adequado (gentil,
tranquilizador, firme), tentar distrair o doente, evitar discussões ou contenção física.
No que diz respeito ao tratamento farmacológico, as benzodiazepinas (embora com
risco de sonolência diurna, quedas e deterioração da memória) e os neurolépticos são
os mais apropriados, sendo os neurolépticos os mais adeusados quando há sintomas
psicóticos. A existência de problemas extrapiramidais contraindica estes fármacos,
mas os neurolépticos atípicos têm menos riscos nessa área, sobretudo a risperidona.
o Agressividade
o Apatia
o Impulsividade
o Fugas
o Desinibição

A abordagem inicial para estes problemas deve ser não-farmacológica, a menos que seja
muito grave. Esta terapia baseia-se em 3 métodos:
• Terapia orientada para a realidade: procura manter as atividades do doente, sem deixar
que façam coisas por ele, mesmo que este não as faça tão bem ou demore muito mais
tempo.
• Terapia das reminiscências: procura aproveitar aquilo que o doente se recorda.
• Terapia da validação: procura respeitar o “mundo” onde os doentes vivem.

A abordagem farmacológica deve ter em conta as alterações próprias do envelhecimento


(diminuição da massa muscular, hipoalbuminémia, redução do metabolismo hepático e da
excreção renal…), a possível existência de doenças concomitantes e a toma de múltiplos fármacos.
Deve ainda ser prestado apoio psicológico/psiquiátrico ao cuidador do doente, que,
frequentemente, sofre de exaustão física e psicológica.

▪ Diagnóstico
Não pode ser feito baseado apenas nos sintomas pelo que devemos seguir a ordem normal
de diagnóstico:
1. História Clínica: determinar o nível do declínio, a sua duração (deve ser > 6 meses),
outros sintomas (no caso de demências secundárias - pesquisar fatores de risco
cardiovasculares para a demência vascular). Posteriormente, devemos questionar em
particular sobre história neurológica e patologias deste foro desde AVC, traumas,
meningites e sintomas neurológicos. Não esquecer nunca de referir consumo de tóxicos,
averiguar possibilidade de défice nutricional.
2. História psiquiátrica.
3. História Familiar: doenças que possam ser genéticas, como Huntigton, Wilson ou casos
raros de Alzheimer.

85
4. Exame objetivo: sistémico, neurológico e posteriormente uma avaliação
neuropsicológica. Temos 2 objetivos:
• Perceber se o doente está realmente demente: para isto a entrevista ao doente e
familiares juntamente com a avaliação do estado mental e funções deve dar-nos a
resposta. Devemos distinguir demência de alterações do nível da consciência
(obnubilação, falta de atenção, alterações da memória de trabalho), perturbações
focais ou défice cognitivo ligeiro. Perceber qual a medicação habitual do doente.
• Qual a causa da demência: requer para além dos passos anteriores exames
complementares.
5. Exames complementares:
• Análises ao sangue: hemograma, VS, glicose, creatinina, ionograma, cálcio, colesterol,
TAG, proteínas totais, função tiroideia, B12, B9, testar para sífilis e HIV.
• Urina tipo II
• Avaliação neuropsicológica: que pode ser formal, mais completa feita para
diagnósticos diferenciais e questões legais ou podemos recorrer ao Mini Mental State
Examination, o mais usado dada a rapidez e fiabilidade. Apresenta uma
sensibilidade de 71 a 92% e uma especificidade de 56 a 96%, que não são números
fantásticos (especialmente para o défice cognitivo ligeiro, onde se aplica antes a
Montreal cognitive assessment em que < 22 pontos é MCI6 e < 17 é demência) e que
por este motivo existem outros scores melhores, mas não tão usados.
o Avaliação cognitiva: orientação, linguagem (excluir afasia), memória episódica,
memória semântica, capacidade visual e espacial pelo teste do relógio, praxia
construtiva (figuras geométricas).
o Avaliação psicológica e comportamental: por escalas.

6 MCI: mild cognitive impairment


86
• TC, RM, PET: causas tratáveis e ver evolução.
• Estudo do B-amiloide: pode ser feito por PETscan com radionucleotido que se liga à
molécula, o seu doseamento no LCR.
• Estudo do sono

Importa referir que o doente pode ter mais que um tipo de demência (tipicamente é
Alzheimer + vascular, que ocorre em 10% dos doentes) e que a demência é um diagnóstico de
exclusão, de última linha quando nada mais explica a perda cognitiva objetivada. Por este motivo
não se pode diagnosticar uma demência se houver alterações do nível da consciência, delirium,
afasia severa, alterações sensoriomotoras graves que impeçam a realização do exame
neuropsicológico ou doença médica com efeitos sistémicos relacionados. 50 a 80% das demências
em estádios precoces não são diagnosticadas dada a dificuldade do diagnóstico precoce. Podemos
usar testes de rastreio para descansar o doente, permitir tratamento precoce e ainda para que o
doente oriente a vida futura. Podemos então usar:
• Teste de avaliação cognitiva pelo clínico geral: pode até ser feito online.
• Rastreio de défice de memória
• Mini-cog
Se negativo, tranquiliza-se o doente e, se positivo, devemos estudar mais a sério a patologia.

 Diagnóstico Diferencial
O principal diagnóstico diferencial deve ser feito com:
• Delirium ou síndrome confusional agudo: muitas vezes coexistem, sendo que a
demência aumenta a probabilidade de estado confusional agudo e este estado, por vezes,
marca o início da demência (esperar que passe para diagnosticar a demência).
Corresponde a uma alteração do estado de consciência, afetando todas as áreas:
consciência deprimida (enquanto que nas demências doente está sempre desperto),
dificuldades na atenção, pensamento desorganizado, alterações da orientação (auto e
alopsiquicamente bem como tempo e espaço), humor disfórico, lentificação da linguagem,
verbigeração. As alterações ocorrem de forma abrupta. Podem surgir alterações da
perceção (zoopsias, alucinações visuais) e do pensamento, nomeadamente delírios
(habitualmente do tipo ocupacional ou persecutórios). A causa do delirium é médica (a
principal causa são infeções) e, como tal, o seu tratamento depende do tratamento da
doença que lhe está subjacente. Caso o doente se encontre muito agitado pode
administrar-se Haloperidol. Atenção que outra causa muito frequente é iatrogénica
portanto deve haver cuidado quando se dá anticolinérgicos, sedativos, hipoglicemiantes.
Desidratação, IR e alterações de iões são outras causas possíveis.
• Síndrome de Ganser: reação histriónica com respostas aproximadas, desorientação,
alucinações auditivas e visuais, amnésica circunscrita, belle indiference. Surge
subitamente, em regra após um evento stressante, mas pode persistir.

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• Pseudo-demência depressiva ou disfunção cognitiva relacionada com a depressão:
frequente no idoso e com sintomas em comum como apatia, desinteresse, inibição ou
agitação psicomotora, falta de memória e concentração, desleixo com a aparência e
alteração dos testes cognitivos. Atenção que a depressão é uma comorbilidade da
demência. É resolvido com o tratamento da depressão constituindo assim a prova
terapêutica. Apesar disto é frequente que os doentes que apresentam esta pseudo-
demência acabem por evoluir para demência por continuação do declínio cognitivo, ao
final de 4 anos. No entanto mesmo aí, o tratamento com antidepressivos acaba por ajudar
na função do doente. Importa ainda referir que a depressão é um fator de risco para
demência (80% dos doentes com demência podem ter perturbação afetiva no seu
passado).

Critérios Pseudodemência Demência


Início Mais preciso Menos preciso
Duração < 6 meses > 6 meses
Queixas Dificuldades exageradas Dificuldades escondidas
Evolução Inconstante ou flutuante Lentamente progressiva (quase sempre)
Variação diurna Agrava de manhã Agravamento vespertino
Reação do doente Diz que não sabe quando interrogado Doente diz que se esqueceu
Humor Alterações do afecto Humor lábil e superficial

▪ Défice Neurocognitivo Ligeiro (Mild Cognitive Impairment - MCI)


 Envelhecimento normal ou declínio cognitivo associado à idade
A barreira é ténue, já que os idosos se queixam de defeitos mnésicos, lentificação,
esquecerem onde meteram coisas. O pensamento pode ficar lento e, como consequência, o doente
tem mais dificuldade em realizar algumas tarefas, mas é capaz de as realizar normalmente e não
tem outros défices. Idealmente estes doentes devem ser seguidos longitudinalmente, mas, caso tal
não seja viável, deve-se comparar o seu estado atual com estado anterior com base na
escolaridade. Uma forma boa de distinguir o envelhecimento normal de patológica é a evocação de
material aprendido após uma interferência verbal de 10 minutos de outro tema.

 Défice neurocognitivo ligeiro


O défice cognitivo ligeiro designa um defeito de memória ou outra função cognitiva
comprovado por teste, mas sem critério de demência e que não interfere no dia-a-dia. Este défice
deve ser detetado e seguido clinicamente para confirmar que não há agravamento do quadro e que
não se tratava da fase inicial de uma demência mal diagnosticada. Deve sempre ser ouvido o
doente e o acompanhante que por vezes é mais objetivo que o doente. As queixas devem ser mais
valorizadas caso o doente não tenha tido queixas cognitivas anteriores. Apesar disto, 70% dos
doentes que apresentam o quadro acabam por evoluir para uma demência, funcionando como um
estado pré-demência. Isto significa que 30% não evolui, podendo até reverter. Objetivamente, são

88
encontradas quer por meios imagiológicos quer em análises laboratoriais alterações típicas de
demência, mas em menor escala. Assim para que o defeito cognitivo ligeiro seja diagnosticado (5):
• Deve apresentar queixas de dificuldades mnésicas (de preferência corroboradas por
acompanhante)
• O defeito de memória deve ter em conta a idade e a escolaridade. O MMSE está normal
ou 1,5 abaixo da média.
• A função cognitiva geral deve estar preservada
• As atividades do dia-a-dia devem estar intactas
• Não pode haver critérios para uma demência.

Podemos distinguir um tipo de defeito cognitivo amnésico, mais comum, em que


predominam das alterações mnésicas e que acaba por evoluir 10 a 15% ao ano para Alzheimer.
No caso de defeito cognitivo ligeiro não amnésico, evolui mais para outros tipos de demência.
A diminuição do volume do hipocampo e do lobo temporal medial por atrofia na TC pode ser um
marcador de evolução. A PET demonstra diminuição do consumo de glicose.
Quanto ao tratamento, deve ser tentado para minimizar os doentes que evoluem. Deve
passar por inibidores de colinesterase, antioxidantes, rivastigmina, donepezil (que parece
reduzir ligeiramente a progressão). O suplemento de B6, B9 e B12 parece também ajudar no
retardamento da evolução por diminuição dos níveis de homocisteína.

▪ Doença de Alzheimer
 Introdução
Inicialmente considerada uma entidade distinta de demência senil acabando por se fundir
os dois conceitos. A Doença de Alzheimer é uma demência primária que afeta em regra, pessoas >
50 anos. Afeta ambos os géneros na mesma proporção, representando cerca de 60 a 70% das
demências. Tem uma prevalência que aumenta com a idade, iniciando aos 3% aos 65 e escalando
até quase 50% aos 85. A sua causa é desconhecida, havendo uma base genética identificável em
5% dos casos, responsável pelos raros casos familiares da doença. Caso isto ocorra a transmissão
é autossómica dominante e designa-se Early onset Alzheimer’s. Os genes conhecidos todos
culminam com a produção aumentada da proteína amiloide β42 que constitui as placas senis.
• Presenilina 1: PS1, presente no cromossoma 12, cuja mutação dá origem a uma forma
de doença que é ainda mais precoce que as outras formas familiares (35-55 anos).
• Presenilina 2: PS2, presente no cromossoma 1.
• Proteína percurso do beta-amiloide: APP, presente no cromossoma 21 e por isso
doentes com trissomia 21 tem Alzheimer aos 40 anos.

Ainda existem fatores genéticos que modificam a suscetibilidade em relação a esta doença
sem a causarem diretamente. Dentro deste grupo, destaca-se o genótipo de ApoE, em que o alelo
E4 (que dá origem à proteína ApoE4) está associado a um maior risco de vir a sofrer da doença,
que aumenta com homozigotia desta variante. Alguns estudos apontam ainda para uma influência

89
por parte da α2-macroglobulina ou da low density lipoprotein-related-protein-1. Importa ainda
referir que o colesterol, o stress celular e ambiente hormonal também parece ter influência sobre
a doença. Estas alterações surgem em quase 50% dos doentes, mas de forma esporádica ou
autossómica dominante. Crê-se que cerca de 70% do risco seja devido a múltiplos genes, havendo
fatores de risco como depressão, hipertensão, fumador, história familiar, síndrome de Down,
polimorfismo e alterações genéticas acima referidas. Outros fatores possíveis incluem ser mulher,
baixa escolaridade, dieta calórica, álcool e trauma craniano.

 Patologia
Ao observar um cérebro de doente, a nível macroscópico, é visível uma atrofia cortical e
subcortical, que se traduz por uma acentuação dos sulcos corticais, um aumento do espaço
subaracnoideu e uma dilatação dos ventrículos cerebrais. A atrofia é mais marcada no lobo
temporal já que nesta doença todas as estruturas próximas do hipocampo e estruturas
relacionadas são atingidas mais precocemente e em maior grau.
A nível microscópico, detetam-se alterações semelhantes às do envelhecimento normal,
embora em maior quantidade - destacam-se_
o Placas senis: estruturas grosseiramente esféricas, insolúveis, que se encontram no
espaço extracelular e são constituídos por um núcleo de substância amiloide, cujo
principal constituinte é o péptido β-amilóide, revestido por uma camada de
terminações nervosas degeneradas. Este péptido resulta da clivagem da APP por parte
das B e Y-secretases. Em situações não patológicas a degradação deste péptido é feita
pela α-secretase que consegue eliminar o péptido sem problema. A sua acumulação
culmina na apoptose neuronal e alteração da sinapse constituindo isto a hipótese
amiloide. Nestas placas, é possível distinguir, em muito menor quantidade, outras
proteínas como presenilina 1 e 2, apoliproteina E, α2-macroglobulina, α1-
antiquimotripsina e ubiquitina.
o Novelos neurofibrilares: depósitos intracelulares, constituídos por entrelaçados de
filamentos intraneuronais, de que se destaca como importante constituinte a proteína
tau. A sua precipitação resulta da hiperfosforilação que altera os microtúbulos
celulares interferindo com o citoesqueleto e transporte axonal.
o Perda e atrofia celular (neocórtex e hipocampo)
o Angiopatia amiloide
o Corpos de hirano (intracelulares de actina e proteínas associadas)
o Lipofuscina
o Degenerescência granulovacuolar
o Perda de sinapses.
Estas alterações primariamente no córtex entorrínico e depois no hipocampo (razão pela
qual o efeito inicial ocorre ao nível da memória, mas pode existir uma alteração ao nível do olfato
que parece aparecer anos antes de algumas demências). Com o tempo, começam a acumular-se

90
nas áreas corticais de associação e só tardiamente nas áreas corticais primárias. A doença segue
este mesmo percurso, razão pelo qual o exame neurológico mostra, até muito tarde, apenas o
defeito cognitivo. Os corpos dos neurónios afetados pela degenerescência localizam-se nos núcleos
da base do cérebro, sobretudo o núcleo de Meynert, sendo este núcleo o principal a projetar os
axónios que vão libertar a acetilcolina, em diversas regiões do neocórtex e do hipocampo (perda de
inervação colinérgica afeta funcionamento destas estruturas). Temos ainda neuroinflamação,
perda do metabolismo do cálcio e diminuição do uso de glicose. Apesar de estar reduzida
parece ter pouco papel já que a medicação que aumenta a acetilcolina não ajuda muito.

 Manifestações clínicas
Tem um início insidioso com agravamento progressivo. No entanto, podem existir alguns
períodos estacionários ou mesmo períodos de remissão muito breves. Podemos distinguir cerca de
3 ou 4 fases conforme os autores:
• Pré-demência: corresponde um MCI amnésico (sempre segundo o livro de psiquiatria),
perda de memória a curto prazo, de algumas palavras, sintoma mais comum psicológico
é a apatia. Alguma afetação de atividades complexas do dia-a-dia, mas pouco
significativo.
• Fase inicial: começa por perda de memória e anomia, de agravamento progressivo
(primeiro sentida só pelo próprio e depois pelos que estão à volta, nomeadamente a
família), que pode dar origem a ansiedade e depressão. À medida que as falhas de
memória se vão agravando, os doentes começam a cometer erros cada vez mais óbvios.
Numa fase intermédia surge desorientação espaço-temporal e começam a perder-se com
facilidade. Paralelamente, pode ocorrer uma perda de expressividade facial e do discurso
(perda de temas também). No entanto, as práticas sociais são, muitas vezes, mantidas
até muito tarde (cumprimentar, por exemplo, é um gesto automático, sendo mantido pelo
cerebelo).
• Numa fase mais tardia, começam a ocorrer alterações da personalidade, prosopagnosia
(deixam de reconhecer familiares e amigos), perda de reconhecimento do ambiente que
os rodeia, anognosia (perdem a capacidade de se aperceber do seu declínio cognitivo,
negando quaisquer problemas). Surge afasia fluente (quer alterações no débito do
discurso, que se torna pobre, podendo chegar a perseverante e a ecolálico, quer pelo
aparecimento de parafasias ou anomia) e acalculia. O nível de dependência vai
aumentando à medida que o doente deixa de se conseguir vestir e comer (a última
memória a perder-se é a implícita - perde a noção da forma como se deve comportar e
pode mesmo deixar de saber como comer) e perde o controlo dos esfíncteres (que se torna
mais frequente, chegando a constante). Surgem alterações do comportamento, podendo
ficar calmos e doceis, tornam-se irrequietos (hiperatividade sem finalidade e que pode
obrigar a contenção física) ou até agressivos. Para além da agressividade, podem surgir
outros comportamentos socialmente condenáveis (as capacidades sociais, que até aqui

91
estavam preservadas, desaparecem), como a desinibição sexual ou discurso ofensivo.
Eventualmente, podem aparecer perturbações psiquiátricas, como a psicose, ansiedade,
que se manifesta por alucinações e delírio (muitas vezes paranóico), que podem complicar
a agressividade. O sono torna-se agitado, hiperreactivos sem finalidade, devido a
episódios confusionais. 30% dos doentes tem um delírio em que os seus conhecidos são
raptores em disfarces e que as pessoas trocaram de identidade (delusional
misidentification ou falso reconhecimento). Numa última fase, podem permanecer
sentados e imóveis, e, mais tarde, confiados à cama (membros superiores e inferiores em
flexão) e com necessidade de sonda nasogástrica, gastrotomia ou soros para serem
alimentados. A morte surge em média sete anos (entre 5 e 10 anos) após o início dos
sintomas, muitas vezes por infeção respiratória, desidratação, úlcera ou outra
intercorrência.

O exame neurológico é normal até fases tardias da doença, uma vez que as alterações
cognitivas, o principal sintoma destes doentes, não são pesquisadas no exame neurológico de
rotina. Pode já mostrar o aparecimento dos reflexos primitivos e manifestações motoras (com
passos pequenos, lentos e inseguros, base de apoio ampla, postura fletida, dificuldade em iniciar
a marcha e bradicinesia). Muito raramente, podem ocorrer episódios epiléticos. Tardiamente (com
o envolvimento de quase todas as áreas corticais), podem aparecer mioclonias, espasticidade, sinal
de Babinski e hemiparesia.

 Diagnóstico
Existem algumas dificuldades no diagnóstico da doença de Alzheimer, devido à
continuidade entre o envelhecimento normal e a doença. Realiza-se a partir de um quadro
demencial com evolução > 6 meses (doente > 50 anos), que se inicia com um defeito de memória e
vai progredindo e aumentando o defeito cognitivo (sem outras alterações no exame neurológico).
Em termos de exames complementares:
• TC e RM: mostram atrofia cerebral. As alterações nos exames de imagem podem surgir
noutras demências e até no envelhecimento normal, pelo que o mais importante para o
diagnóstico é a clínica.
• PET: pode mostrar uma diminuição do consumo de glicose (sobretudo temporo-occipital)
e uma redução do fluxo sanguíneo. São exames pouco utilizados.

Existem 3 níveis de categorias de diagnóstico:


• Definitivo: comprovação na biópsia ou autopsia.
• Provável: efetuada exclusão de outras causas de demência, mutações associadas.
• Possível: existe uma etiologia mista ou apresentação é atípica.

É difícil distinguir a doença de Alzheimer de alterações da memória pura ou, mais tarde,
com o aparecimento de outros sintomas, de muitas das outras demências, sobretudo as primárias.

92
Assim, um diagnóstico definitivo só pode vir de um exame anatomopatológico, para o qual só se
pode obter um fragmento do encéfalo por biópsia (não é feito por razões éticas) ou na autópsia.

 Terapêutica
Toda a terapêutica nesta doença é sintomática, não existindo fármacos que alterem a
progressão da doença.
• Inibidores da acetilcolinesterase: resultando a doença da deficiência de inervação
colinérgica devido a lesões no núcleo de Meynert, muitas das estratégias estão
relacionados com a facilitação da transmissão colinérgica das células ainda viáveis
aumentando o tempo de vida da acetilcolina na fenda sináptica, com vista melhorar o
quadro clínico. Dentro destes, a tacrina deixou de poder ser usada devido à sua
hepatotoxicidade, mas, o donepezil, a rivastigmina e galantamina não têm esse risco e
podem ser usados, tendo apenas efeitos secundários colinérgicos. São usados em todas
as fases da doença. No entanto, a melhoria no quadro (medida pelos testes
neuropsicólogos, por escalas globais de avaliação da demência e por escalas de atividades
da vida diária) é modesta (apenas 5%).
• Antagonistas dos recetores NMDA de glutamato: nomeadamente a mementina, é
usado nas fases graves, também apenas com efeito modesto.
• AINEs: podem ter algum papel na inflamação neuronal.
• Terapia psicológica: reabilitação das funções cognitivas afetadas. Aumentar a interação
social e fazer atividades que sejam estimulantes intelectualmente. Recomendar exercício
físico que previne.

É ainda necessário relembrar que os doentes têm risco aumentado de quedas e fraturas,
desnutrição, desidratação, incontinência urinária e fecal, infeções urinárias e obstipação, pelo que
devem ser medicados para o seu problema específico. A fase final no leito pode ainda acarretar
outros problemas devido à imobilização.

▪ Demência com corpos de Lewy


 Introdução
A demência com corpos de Lewy é uma demência degenerativa, de etiologia desconhecida.
Surge > 50 anos, mais frequentemente nos homens, representa 15-25% das demências. É uma
sobreposição entre Alzheimer e Parkinson, sendo mais parecido com esta segunda. Os corpos de
Lewy são inclusões citoplasmáticas arredondadas e eosinófilas que, neste tipo de demência, se
distribuem pelo córtex cerebral, podendo também ser encontradas no tronco cerebral (nos doentes
com Parkinson os corpos de Lewy estão na substância nigra e alguns núcleos do tronco cerebral,
nomeadamente os que possuem melanina). A alfa-sinucleína é o principal constituinte destas
estruturas, tendo sido também já descrita a presença da proteína tau (existente também na
doença de Alzheimer e na demência frontotemporal). Mais uma vez parece haver um risco genético
associado nomeadamente com a proteína ApoE e o gene PARK11, mas estes doentes não

93
costumam apresentar história familiar, tal como no Alzheimer, sendo a maior parte dos casos
esporádicos. À semelhança do Alzheimer, ocorre diminuição da transmissão colinérgica, aqui com
a agravante da diminuição da transmissão dopaminérgica.

 Manifestações Clínicas
Esta demência é uma patologia heterogénea que pode surgir vinda de uma MCI não
amnésico, mas com perda das capacidades de raciocínio, visuais, espaciais e executivas o que
contrasta com o que ocorre no Alzheimer. Manifesta-se por alterações da condução, no trabalho,
desenhar. Caracterizada clinicamente por:
• Défice cognitivo: sem alterações da memória nas fases mais iniciais, existe perda de
memória anterógrada, mas em fases tardias, o que, no Alzheimer, acontece em fases
iniciais), flutuante (doente em algumas alturas parece bem outras não), com variações
nos níveis de alerta e atenção. As funções executivas, visuais e espaciais estão mais
afetadas que na doença de Alzheimer e são mais flagrantes.
• Alucinações visuais: bem definidas, ocorrem em 75% dos doentes, que podem manter
algum insight (pseudoalucinação) ou ter apenas ilusões frequentes.
• Sinais de síndrome parkinsónico: 70%, principalmente rigidez e bradicinesia e não
tanto o tremor. A demência dos corpos de Lewy é um dos diagnósticos diferenciais da
doença de Parkinson. Todos os tipos de demência podem apresentar sintomas de
parkinsonismo se o doente estiver a ser tratado com neurolépticos (ou nas fases muito
avançadas da doença). Neste tipo de demência, os sintomas parkinsónicos aparecem
muito precocemente, antes do tratamento com neurolépticos ou quaisquer outros
fármacos que os possam causar (até 1 ano). Caso os sintomas demenciais surjam 1 ano
depois destas manifestações temos uma doença de Parkinson com demência. Responde
mal a anti parkinsónicos.
• Perturbações autonómicas: hipotensão ortostática, síncope, sialorreia, como no
Parkinson.
• Depressão e outras perturbações psiquiátricas
• Alterações do sono REM: cair da cama, sonhos lúcidos, sonolência diurna.
• Grande sensibilidade a antipsicóticos: possivelmente fatal.

 Diagnóstico
A característica central requerida para o diagnóstico de demência com corpos de Lewy é o
declínio cognitivo depressivo suficiente para interferir com as funções sociais e ocupacionais. Uma
perturbação da memória proeminente ou persistente pode não ocorrer necessariamente nas fases
precoces, mas é habitualmente evidente com a progressão da doença. Defeitos nos testes de
atenção e capacidades fronto-subcorticais e funções visuo-espaciais podem ser particularmente
marcados. Duas das seguintes características diagnósticas são essenciais para o diagnóstico
provável, e uma é essencial para o diagnóstico possível:

94
• Flutuação da cognição com variações marcadas na atenção e vigília.
• Alucinações visuais recorrentes, nítidas e com pormenor.
• Parkinsonismo espontâneo.

Para além disto, existem características que apoiam o diagnóstico (6): quedas, síncope,
perda de consciência, sensibilidade a neurolépticos, delírios sistematizados, alucinações de outras
modalidades sensoriais. Este diagnóstico deve ser posto em causa sendo menos provável caso haja
AVC com sinais focais ou evidência em exames ou no exame objetivo de qualquer doença geral ou
de qualquer perturbação cerebral suscetível de explicar o quadro clínico. Devem fazer RM para
excluir patologia vascular e atrofia do córtex frontal. EEG demonstra lentificação de ondas
especialmente ao nível temporal. Alterações do REM na polissonografia. SPECT apresenta
diminuição da dopamina na via nigroestriada.

 Terapêutica
• Inibidores da acetilcolinesterase: Existem evidências que estes doentes beneficiam.
• Neurolépticos: melhoram os sintomas comportamentais e psicológicos. Complicado é
estabelecer um equilíbrio satisfatório entre a terapêutica das manifestações
extrapiramidais e a daquelas manifestações comportamentais/psicológicas que exijam o
uso de neurolépticos. Os fármacos dirigidos às primeiras têm tendência a agravar o
defeito cognitivo enquanto que os neurolépticos, dada a grande sensibilidade destes
doentes aos seus efeitos secundários, agravam as manifestações extrapiramidais
podendo inclusivamente culminar numa rigidez do diafragma mortal. O diagnóstico
precoce permite melhorar o tratamento.
• Levodopa: para os sintomas parkinsónicos mas que por sua vez parece piorar as
manifestações psiquiátricas como as alucinações.

▪ Demência Frontotemporal
 Introdução
Antigamente conhecida como doença de Pick, atualmente este termo está reservado para
um tipo particular da demência. A demência frontotemporal aparece mais frequentemente durante
a sexta década de vida e corresponde a um conjunto de entidades (demência frontotemporal; afasia
não-fluente progressiva e demência semântica) que têm em comum a atrofia do córtex frontal e
temporal e a alteração precoce da personalidade, do comportamento e da linguagem.
• Demência frontotemporal variante comportamental: alteração do comportamento
social, perda de noção e perda de controlo de impulsos.
• Demência semântica: perda de compreensão de palavras com discurso fluente e
gramática correta.
• Afasia não fluente progressiva: dificuldades na produção de discurso.

95
É mais frequente sobreposição em fases avançadas. Surge tipicamente mais cedo que as
outras demências, entre os 55-65 anos, correspondem a 20% das demências, tendo uma carga
genética aparentemente maior que as restantes com história familiar em 40-60% dos casos devido
a alterações da proteína tau (MAPT, chr17), TDP e FUS que são as encontradas no postmortem.
Antes da atrofia ser detetável pela TC, pode haver um período em que já existam sintomas,
podendo as alterações no lobo frontal só ser identificadas com PETscan ou RMI onde se deteta
hipometabolismo do lobo temporal e frontal (no caso do Alzheimer é mais temporal e parietal).
Para além da atrofia, as porções anteriores dos lobos frontais e temporais, assim como, alguns
núcleos da base do cérebro, sofrem também alterações histológicas com perda de neurónios
(particularmente de spindle cells, cerca de 70%, um tipo de célula piramidal que só existe no córtex
do frontal), sinapses, gliose (3 camadas superficiais), edema celular dos neurónios, inclusões
neuronais como corpos de Pick (tau repetido). Contrariamente à doença de Alzheimer, o restante
córtex (regiões temporais posteriores, parietais e occipitais) está relativamente poupado.

 Manifestações Clínicas
Nesta patologia predominam os sintomas do frontal com alteração do humor (irritabilidade,
mau controlo de impulsos, desinibição social, hiperoralidade), alterações da linguagem, alterações
executivas (incluindo memória de trabalho), hiperfagia (incluindo coisas não comestíveis) e
comportamentos compulsivos. O defeito da memória e desorientação não é notório no início tendo
início como um MCI não amnésico. A alteração da personalidade e comportamento podem dar
origem a apatia e desinteresse ou desinibição, jocosidade inapropriada e agitação (podem ficar
quietos e apáticos ou apresentar comportamentos estranhos, tais como: compras excessivas,
alterações dos hábitos alimentares, roubar doces aos netos, contar anedotas a estranhos,
alcoolismo e abuso de outras substâncias, nudismo e perda fácil de controlo emocional). É muito
comum a perda de preocupação com os outros e os seus sentimentos. Dada a atrofia do córtex
cerebral frontal estes doentes apresentam sinais de libertação frontal que correspondem a
desinibição dos reflexos primitivos que estavam inibidos pelo córtex mais desenvolvido (preensão
palmar, sucção, glabela, palmo-mentoniano). Podem apresentar alterações da motricidade do tipo
parkinsonismo, estereotipias e comportamentos de manipulação (estar compulsivamente a mexer
em algo). Mantém-se sem alterações na memória, orientação, perceção e praxia (planeamento de
ação motora).

 Diagnóstico
Instala-se a partir dos 50 anos, e tem como características fundamentais:
• Início insidioso e evolução progressiva
• Declínio precoce do comportamento social e interpessoal
• Declínio precoce da conduta pessoal
• Embotamento emocional precoce, com perda de ressonância afectiva
• Prejuízo precoce do conhecimento de si

96
Existem outras características que suportam o diagnóstico:
• Alteração do comportamento: declínio da higiene, rigidez e inflexibilidade mental,
distractibilidade e impersistência, hiperoralidade e modificação na dieta, comportamento
perseverativo e estereotipado, comportamento da utilização (necessidade de mexer nas
coisas). Incapacidade de perceber o que é socialmente aceite e por isso perda de avaliação
própria.
• Alteração da linguagem: diminuição do débito do discurso com perda de
espontaneidade e economia, estereotipia, ecolália, perseveração, mutismo, afasia
progressiva.
• Sinais objetivos: reflexos primitivos, incontinência, acinésia, rigidez, tremor, pressão
arterial baixa.
• Exames complementares: na avaliação neuropsicológica revela um defeito significativo
em testes dependentes dos lobos frontais (na ausência de amnésia grave, afasia e
alteração percetivo-espacial). EEG normal e nos estudos de imagem apresenta um
predomínio frontal e temporal anterior.

 Terapêutica
Não existe terapêutica com eficácia demonstrada para as alterações na personalidade,
embora já tenha sido sugerido o uso de inibidores seletivos da recaptação da serotonina. Nas
alterações comportamentais e psicológicas, são usados fármacos próprios.

▪ Doença de Creutzfelt-Jacob
 Introdução
Prião é o termo usado para definir pequenas partículas proteicas com capacidade infeciosa.
O seu principal constituinte é uma proteína amiloidogénica, a PrP (prion protein), que possui duas
isoformas:
• PrPc, que existe no ser humano normal (na membrana celular de diversas células,
sobretudo nos neurónios) e é sensível à proteinase K.
• PrPSc, que se localiza nos lisossomas e é resistente à proteinase K. Relaciona-se com a
doença de Creutzfelt-Jakob, Kuru, Doença de Gerstmann-Strausler-Scheinker e insónia
familiar fatal.

Para que a doença ocorra, é necessário que a PrPsc apareça no organismo (por uma alteração
na estrutura tridimensional da PrPc ou de forma adquirida) e se replique, aumentando a sua
quantidade. Pensa-se que esta replicação se dê devido a indução da alteração na PrPc já existente.
Nestas doenças ocorrem três alterações neuropatológicas: degenerescência esponjosa com gliose
astrocitária e perda neuronal sem necrose ou inflamação. Também são identificáveis, por
imunohistoquimica, depósitos de PrPsc.

97
A DKJ é a mais frequente embora seja bastante rara (a forma idiopática tem uma incidência
de 1 para 1 milhão). É uma doença, invariavelmente, fatal e aparece nas variantes: idiopática,
adquirida e genética/familiar/hereditária.
A forma esporádica é a mais frequente e tem uma incidência máxima entre a sétima e a
oitava décadas de vida. Caracteriza-se por demência rapidamente progressiva (induzindo logo o
diagnóstico para esta doença), de instalação subaguda, que leva à morte em 6 meses. Verifica-se
envolvimento focal variável do córtex cerebral, gânglios da base, cerebelo, tronco cerebral e medula
espinhal. Também podem ocorrer outros sintomas acompanhantes que variam de caso para caso,
sendo os mais frequentes a disfunção piramidal e/ou extrapiramidal (rigidez, bradicinesia, tremor,
distonia, coreia) e as mioclonias.

 Diagnóstico
I. Demência rapidamente progressiva:
II. Associada a sintomas como: mioclonias, perturbações visuais, cerebelosas, piramidais,
extrapiramidais, mutismo acinético.
III. Exames complementares mostram um [IIIA] EEG típico (atividade generalizada,
periódica, trifásica, o mais típico, a cada segundo. Não são visíveis estas alterações na
variante nova. Na punção lombar [IIIB], há positividade da proteína 14.3.3., que é pouco
específica, estando também elevada no AVC ou encefalite herpética.

O diagnóstico é definitivo apenas na anatomia patológica, provável se I + pelo menos dois


de II + IIIA + IIIB; possível se I + pelo menos dois de II + duração de < 2 anos.

A forma adquirida está ligada à transmissão entre humanos (através de transplantes de


córnea, implantes de dura-máter, elétrodos profundos ou por preparados de hormona de
crescimento a partir da glândula pituitária de cadáveres infetados) ou à transmissão da
encefalopatia espongiforme bovina (BSE), a “nova variante” da DKJ (pensa-se que pela ingestão
de órgãos e tecidos infetados).
A forma familiar é muito rara e pensa-se que se deva a mutações que induzem a
transformação de PrPc em PrPsc. O seu diagnóstico requer a deteção da forma mutante da PrP no
DNA dos linfócitos.

▪ Demência vascular
 Introdução
É o tipo mais comum de demência secundária correspondendo a cerca de 20 a 30% das
demências. É determinada por AVCs, isquémicos ou hemorrágicos, e por isso os doentes com
demência vascular têm, como é evidente, fatores de risco cerebrovasculares que devem ser
pesquisados (HTA, diabetes, dislipidemia, fumador, genética…). Podemos distinguir:
• Mild vascular cognitive impairment: detioração cognitiva é pior que o esperado
associada a causa vascular.

98
• Doenças de pequenos vasos ou lesões lacunares: é a causa mais frequente de demência
vascular. Os pequenos enfartes são denominados lacunas e resultam, normalmente, de
lipohialinose (designação de um processo arterioesclerótico nestas artérias e que tem
como fatores de risco a hipertensão arterial e/ou diabetes). Também pode ser
consequência de vasculite, que se estende às artérias de pequeno calibre. A HTA é
responsável por 50% destes. Não tem história de AVC em 40% dos casos. Tende a afetar
mais o frontal com perda das funções executivas.
o Síndrome cognitiva subcortical: predomínio de défice de funções executivas,
labilidade social, apatia, alterações da personalidade, depressão, comportamento,
lentificação.
• Multi-infarct dementia: vão apresentar, para além do défice cognitivo, múltiplos sinais
e sintomas, resultantes dos diversos enfartes, como afasia (caso afete o hemisfério
esquerdo), neglect (hemisfério direito), hemiparesia, alterações sensitivas, hemianopsia,
entre outros.
• Demência por enfartes únicos estrategicamente localizados: requerem uma
localização tão precisa e pouco comum para o enfarte: a circunvolução angular, o
território da artéria cerebral posterior, o território da artéria cerebral anterior e os
dois tálamos óticos, hipocampo. Esta é uma causa pouco frequente de demência
vascular.
• Hipoxia
• Hemorragia cerebral: A hemorragia pode dar origem, por exemplo, a um hematoma
subdural crónico. Esta patologia é mais frequente entre 50-70 anos, muitas vezes, após
pequeno trauma (pode estar separado do inicio dos sintomas por meses) e tem como
fatores de risco o alcoolismo, a atrofia cerebral, a epilepsia, o uso de anticoagulação,
“shunts” ventriculares e a hemodiálise de longa duração. Estes hematomas são muitas
vezes bilaterais (logo, é sempre importante que se pesquisem bilateralmente). O sintoma
inicial é uma cefaleia muito intensa, à qual se podem seguir confusão, demência,
hemiparesia, vómitos.
• Doença de Binswanger: alterações na substância branca perivascular identificado na
imagiologia por leucocariose ou leucoencefalopatia periventricular. Causam alterações
da marcha e disartria. Podem ser observadas no envelhecimento normal e no Alzheimer.
• CADASIL: arteriopatia cerebral dominante com enfartes subcorticais e
leucoencefalopatia: evolução rápida, 50 anos, semelhante ao anterior.

 Manifestações Clínicas
A demência vascular manifesta-se por quadro demencial em que o defeito cognitivo não
segue, ao contrário do das demências primárias, um percurso previsível. Isto ocorre porque o
defeito varia de doente para doente, de acordo com as características (localização, dimensão, modo

99
como sucede) dos acidentes vasculares e pode inclusivamente ser flutuante com períodos de
melhoria clinica e depois piora silenciosamente. Assim, o início do defeito cognitivo pode ser:
• Súbito: hipoxia ou enfarte único.
• Progressivo: na doença de pequenos vasos, em que a doença se vai instalando
lentamente, à medida que os enfartes ocorrem, mas, sem que o médico ou os familiares
se apercebam destes episódios individuais.
• Por episódios: quando há vários enfartes grandes.
Surgem tipicamente sinais focais com combinação de corticais e subcorticais conforme
local. É frequente ocorrer perturbações depressivas, labilidade ou incontinência afetiva, alteração
da personalidade com apatia ou desinibição.

 Diagnóstico
O diagnóstico passa por comprovação imagiológica dos acidentes vasculares cerebrais e
pela exclusão de outras causas de demência. Na doença de pequenos vasos, podem não existir
outros sinais ou sintomas além da demência, logo, a imagiologia, que mostra leucoariose
(rarefação da substância branca), é o principal modo de distinção em relação a uma demência
primária. Pelo contrário, na anoxia cerebral não há alterações imagiológicas relevantes e o fator
determinante será a clinica. Após o diagnóstico é recomendável excluir outras causas possíveis do
acidente, particularmente em doentes jovens sem história de HTA, como: êmbolos cardíacos,
policitemia, trombocitose, vasculite cerebral ou sífilis meningovascular.
I. Demência definida como declínio cognitivo a partir de um nível mais elevado de
funcionamento e manifestado por defeito de memória e de dois ou mais domínios
negativos (orientação, atenção, linguagem, funções visuo-espaciais, executivas, controlo
motor e praxias), preferencialmente estabelecida por exame clínico e documentada por
avaliação neuropsicológica. Os defeitos podem ser suficientemente graves para
interferirem com as atividades da vida diária e não serem apenas devidos às limitações
físicas do acidente vascular cerebral.
• Critérios de exclusão: casos com alterações da consciência, síndroma confusional,
psicose, afasia grave, ou defeito sensoriomotor importante que impeça a avaliação
neuropsicológica. Excluem-se também sistémicas ou doenças cerebrais (como a
doença de Alzheimer) capazes de explicar os defeitos de memória e cognição.
II. Doença cerebrovascular, definida pela presença de:
• Sinais focais no exame neurológico: hemiparesia, parésia facial central, sinal de
Babinski, defeito sensitivo, hemianopsia ou disartria consistentes com AVC
• Evidência de doença cerebrovascular relevante nos estudos de imagem cerebral (TC
ou RM crânio-encefálica), incluindo múltiplos enfartes nos territórios dos grandes
vasos cerebrais ou um enfarte único estrategicamente localizado (circunvolução
angular, tálamo, telencéfalo basal ou territórios das artérias cerebral posterior ou

100
anterior), bem como múltiplas lacunas nos gânglios da base e na substância branca,
lesões extensas de substância branca periventricular, ou combinações destas lesões
III. Relação entre as duas condições acima:
• Inicio de demência até 3 meses após um AVC reconhecido
• Deterioração abrupta das funções cognitivas
• Progressão flutuante ou em degraus dos defeitos cognitivos

Segundo o score de Hachinsky um score > 2 representa uma componente vascular de


demência. > 7 será causa pura e entre 4 e 6 será misto, que ocorre então em 15% com Alzheimer.

 Tratamento
Há evidências de que o quadro beneficia do uso de fármacos anticolinesterásicos. A esta
terapia deve juntar-se a terapia usual para doentes que sofreram AVC.

▪ Terapêutica
• Inibidores da acetilcolinesterase: tacrina (deixada por hepatoxocidade), donezepil, a
rivastigmina e a galantamina, são usados no tratamento da demência da doença de
Alzheimer, demência com corpos de Lewy e demência vascular. Têm eficácia semelhante,
mas são tolerados de modo distinto. Melhoram função cognitiva, alterações do
comportamento e a atividade diária dos doentes. Os efeitos adversos destes fármacos
desaparecem ao fim de 3-5 semanas e, normalmente, podem ser evitados, iniciando a
terapêutica com doses baixas e aumentando progressivamente (fazer o mesmo após
paragem prolongada na sua toma). Os efeitos adversos incluem: anorexia e perda de
peso, náuseas e vómitos, dispepsia, diarreia, dor abdominal, bradicardia, síncope,
mioclonias e caibras, insónia (donepezil, deve ser administrado à noite). A mais segura
em termos de interações farmacológicas é a rivastigmina, por ser hidrolisada no cérebro
apenas e pode ser dado subcutâneo. A galantamina e donepezilo são também
metabolizadas pelo citocromo P450, sendo que o donezepilo tem grande afinidade para
as proteínas, podendo interagir com outros fármacos muito proteinofilicos, como a
varfarina, digoxina e teofilina. A sua interrupção leva a uma pioria franca do quadro.
101
• Antipsicóticos: a presença de sintomas psiquiátricos não determina que sejam para
tratar. Apenas são se interferirem significativamente com o dia-a-dia do doente ou do
cuidador. Idealmente, devemos identificar a causa deste problema, revertê-la, tentar
abordagem não farmacológica (que requer técnicos e pode ser complicado). Devemos
preferir os fármacos com menos efeitos extrapiramidais (quetiapina) quando doente sofre
de demência com corpos de Lewy, já que são hipersensíveis a este tipo de fármacos
(apenas se deveria usar clozapina). Aumentam o risco de AVC ou paragem cardíaca, pelo
que apenas são usado casos mais graves, durante <3 meses de terapia.
• Benzodiazepinas: devem ser usadas pontualmente, quando surge agitação, sendo
preferíveis as de ação curta (lorazepam e oxazepam). É frequente existirem alterações
do sono, inclusivamente SAOS (80%), pelo que se deve preferir tratar com higiene do
sono. Os hipnóticos, como zolpidem, são opção.
• Ginko biloba: alguns estudos demonstram melhoria do estado cognitivo.
• Modeladores de NMDA: como a memantina, que é um inibidor parcial que estabiliza
assim o potencial de membrana e controla a neurotoxicidade. É mais usada e tem melhor
efeito nas formas moderadas e graves. Causa melhoria dos sintomas psicológicos e
comportamentais a longo prazo. Os efeitos adversos mais frequente são insónia,
vertigens, astenia e cefaleias, mas a memantina costuma ser bem tolerada.
• Antidepressivos: inibidores da MAO (moclobemide) caso seja uma depressão atípica ou
SSRI na depressão melancólica. O fármaco mais usado para agitação, gritos e
agressividade é a trazodona. Fluoxetina é dada na depressão apáticos, sendo que
também se pode usar sertralina e escitalopram.
• Suplementos de vitaminas do complexo B: diminui homocisteína e parece proteger
desta forma.
• Estatinas: controverso, mas parece ser bom para proteger.
• Não farmacológica:
o Abordagem cognitiva:
o Treino de memória: fazer atividades cognitivamente exigentes ajuda e a maior
escolaridade e ocupação cognitiva parecem prevenir e ajudar nas demências.
o Abordagens terapêuticas: em casos mais severos. cessação tabágica e alcoólica,
exercício físico (controverso, mas bom em principio e mal não fará), terapia de
validação. Controlo da dieta é muito importante especialmente considerando as
causas vasculares.
• Psicoterapia: do cuidador uma vez que este vai enfrentar diversas dificuldades.

Sinais de declínio rápido: afasia, morbilidade psicológica do cuidador, doença vascular


concomitante, idade avançada, parkinsonismo e mioclonias precoces, não ser Alzheimer e
sintomas psicóticos precoces.

102
Alterações da marcha e do equilíbrio
▪ Marcha normal
Deve ser avaliada com o doente com pouca roupa e sem sapatos num espaço amplo, sendo
que o doente deve andar primeiro naturalmente, depois pé ante pé (cerca de 10 passos para avaliar
a existência de ataxia), depois em bicos dos pés e depois apenas apoiados nos calcanhares (estes
últimos dois servem para avaliar a força distal dos pés). Cada marcha diferente deve ser feita
primeiro com os olhos abertos e depois fechados. A existência de desvios u quedas é considerada
anormal.
Os parâmetros que se devem avaliar na marcha são:
o Perceção global da marcha
o Balanceio dos braços – é suposto ser simétrico
o Postura em ortostatismo e risco de queda
o Forma como a marcha se inicia e é interrompida
o Mudança de direção/desvios
o Amplitude e regularidade dos passos
o Distancia de apoio entre os calcanhares (distancia entre os pés) – é suposto
desenharmos uma linha direita com a face interna dos dois pés
o Presença de movimentos associados

▪ Diferentes padrões de alteração da marcha


Caraterísticas Causas
• Pequenos passos
• Sem balanceio dos braços
• Síndromes parkinsónicos:
Parkinsónica

• Monótona, lenta
o Doença de Parkinson
• Fenómeno de freezing – bloqueio de
o Atrofia multissistémica
movimento
o Paralisia supranuclear progressiva
• Arrasta os pés no chão
• Postura fletida MS, MI e tronco
• Aterosclerose cerebral
• Microangiopatia arterioesclerótica subcortical
De pequenos

• Passos curtos e rápidos


passos

• AVC lacunares bilaterais


• Com balanceio dos membros superiores
• Hidrocefalias de pressão normal: marcha de
• Pés afastados, arrastando-os
pequenos passos + declínio cognitivo +
incontinência vesical → trata-se com PL
• Propulsão do tronco e báscula da anca • Miopatias: falta de força proximal nos membros
• Paresia proximal – tem de levantar mais a
Miopática

inferiores e superiores e na cintura pélvica – cifose


Pato

coxa em relação ao tronco para compensar, dorsal exagerada e lordose lombar por atrofia dos

ora de um lado ora de outro músculos

• Omoplatas afastadas do tronco • Distrofia muscular

103
• Falta de força distal nos membros inferiores
• =pé pendente
(principalmente músculos antero-externos)
• Incapacidade de fazer dorsiflexão do pé –
Parética com

• Lesões do 2º neurónio:
steppage
Cavalo arrasta a ponta do pé no chão
o Poliomielite
• Levanta muito o joelho e flete muito a coxa
o Polinevrites
sobre a anca
o Doenças do neurónio motor
• Atira o pé para a frente, ficando pendente
o Paralisia do nervo ciático popliteu externo
• Hipertonia espástica dos MI – extensão e
Parética espástica

• Flexão insuficiente do membro inferior abdução


• Membros inferiores em extensão forçada • Lesões do 1º neurónio – paraparésia e
pela hipertonia espasticidade – MI em extensão e MS em
• Arrasta ponta ou bordo externo do pé flexão
• Lesões bilaterais da via piramidal
• Apoia-se no membro são
• Elevação da bacia e circundação do
hemiplégica/
hemiparética

• Hemiplegia
Parética

membro inferior afetado


• Lesões do 1º neurónio
• Perna em extensão devido à espasticidade
• AVC
dos músculos extensores
• Arrasta ponta ou bordo externo do pé
• Levanta demasiado o pé e atira-o para o • Alteração da propriocepção
Atáxica espinhal

chão, batendo os calcanhares com força • Lesões dos cordões e raízes posteriores:
ou tabética

• Tronco oscila lateralmente e os braços o Neurossifilis


tentam manter o equilíbrio o Tabes
• Agrava com o fecho dos olhos, mudança de o Tumores
direção e paragem súbita o Carência de vitamina B12
• Insegura, oscilante
Atáxica cerebelosa ou

• Com hesitações, paragens e desvios


• Dobre muito o joelho e levanta muito o pé • Alterações do cerebelo – desequilíbrio global
• Base muito alargada do tronco
ébria

• Membros superiores em abdução • Não tem vertigem de causa periférica, deve-se


• Não consegue andar em linha reta procurar causa central
• Agrava com mudança de direção e a descer
escadas
• Lesão periférica ou central
bulboprotuberencial: desvia-se e inclina-se
para o lado da lesão
Vestibular

• Lesão central alta: desvia-se e inclina-se • Défice unilateral da porção vestibular do VIII
para o lado são
• Agrava com olhos fechados e na prova
marcha em estrela

As alterações da marcha não têm de ter uma causa mecânica, podem ocorrer por defeito na
programação da marcha a nível cerebral.
104
▪ Padrões alterados de marcha – quedas, tonturas, vertigens
As quedas correspondem à interrupção brusca da marcha. Devemos questionar os doentes
sobre sensação vertiginosa, sensação de desfalecimento, falta de força dos MI, se não foi capaz de
adquirir uma postura estável perante um desequilíbrio e se depois da queda se levantou sozinho.
Os doentes com hemiparesia ou com síndromes parkinsónicos não se conseguem levantar
sozinhos após a queda.
Podem ter diversas causas:
Intrínsecas Extrínsecas Outras
o Alterações cognitivas – demências
o Doenças neurológicas
o Problemas ortopédicos dos MI
o Doença osteoarticulares o Fármacos – sedativos
o Hipotensão ortostática
o Alteração da visão/audição o Uso desajustado de auxiliares
o Sincope
o Envelhecimento – ↓ reflexos posturais e o Disposição dos objetos na sala
o Tontura
da força muscular
o Vertigem

A tontura corresponde a uma designação inespecífica de mal-estar, desconforto, cabeça


leve. Pode ter múltiplas causas, sendo que em mais de 90% dos casos a causa é não neurológica:
o Reação vasovagal o Hiperventilação
o Hipotensão ortostática o Hipoglicemia
o Causa cardíaca o Causa iatrogénica

▪ Vertigem
Corresponde à sensação ilusória de rotação, horária ou anti-horária, ou de movimento
rítmico numa direção do ambiente que rodeia o doente ou, inversamente, de igual sensação da
cabeça em relação ao mesmo ambiente. É acompanhada de uma sensação de mal-estar com
movimento e de uma sensação de tombar. É uma causa frequente de alteração do equilíbrio e de
ida ao SU.
É importante fazer diagnóstico diferencial com tontura devido aos meios complementares
de diagnóstico a empregar e ao tratamento a implementar.

A via vestibular tem os seus recetores nas cúpulas dos canais semicirculares e nas
maculas do utrículo e do sáculo, estando o corpo celular do 1º neurónio da via no gânglio de
Scarpa, de onde saem dois feixes: o nervo vestibular superior (recebe informação dos canais
semicirculares anterior e horizontal e utrículo) e o nervo vestibular inferior (recebe informação do
canal semicircular posterior e do sáculo). Depois de emergir do canal auditivo interno, entra no
tronco cerebral pelo sulco bulcoprotuberencial, sendo que o 2º neurónio termina nos núcleos
vestibulares (três no bulbo e um na protuberância). Daqui saem vários feixes:
o Feixe vestíbulo-espinhal: para a medula espinhal
o Feixe vestíbulo-cerebeloso: para o lobulo floculo-nodular do cerebelo
o Fita longitudinal posterior: para os núcleos dos três oculomotores (VI na
protuberância e III e IV no mesencéfalo)

105
o Projeções superiores: para o córtex, passando pelo corpo geniculado externo e pelo
núcleo ventrolateral do tálamo e terminando nos lobos parietal (fundo do rego de
Rolando) e temporal (região peri-insular)
O reflexo vestíbulo-ocular (RVO) tem como objetivo conservar a estabilidade visual durante
os movimentos da cabeça (olhos no sentido oposto ao movimento da cabeça). Este reflexo contém
acelerómetros angulares (nas cristas dos canais semicirculares) e lineares (nas maculas do
utrículo e do sáculo) que originam movimentos oculares de compensação. É composto por três
neurónios: o primeiro tem o corpo celular no gânglio de Scarpa, o segundo nos núcleos vestibulares
e o terceiro nos núcleos dos nervos oculomotores.
O reflexo vestíbulo-espinhal (RVS) é importante no controlo dos desvios mais lentos e de
grande amplitude do corpo, quando os olhos estão fechados e/ou existe uma deficiente entrada
somatossensorial. As informações recebidas pelos recetores labirínticos são transmitidas aos
neurónios dos cornos anteriores da medula, o que vai levar à contração dos músculos flexores de
um lado e ao relaxamento dos músculos antagonistas do lado oposto e vice-versa.

Os sintomas acompanhantes primários são: oscilópsia7, desequilíbrios e alterações


auditivas (hipoacusia, acufenos8). Os sintomas acompanhantes secundários são: náuseas,
vómitos, cefaleias, sudação, sensação de desfalecimento, palidez, bradicardia e disautonomia.

• Etiologia
Existem diversas causas, nomeadamente:
o Vertigem posicional paroxística benigna (VPPB) – 20% de todas as causas; 50% das causas
otológicas [+ frequente]
• Idosos (20% doentes >80 anos)
• Inicio súbito e de curta duração
• Precipitada por variações súbitas da posição da cabeça e do tronco
• Nistagmo – a sua direção dá informação sobre a localização dos cristais e a forma de os
reposicionar
• Associada a náuseas e vómitos (sinais autonómicos)
Otológicas/
• Fisiopatologia: deslocação dos cristais de cálcio nos canais semicirculares posteriores (mais
periféricas
comum nestes por serem onde na posição ereta aparece a zona de maior declive dos canais).
30%
Existem duas teorias:
1. Cupulolitíase: fixação de partículas na cúpula, o que aumenta o seu peso, ficando desta
forma sensível à gravidade sempre que a cabeça coloca a cúpula na posição adequada
2. Canalolitiase: existem partículas em suspensão que desencadeiam uma corrente
endolinfática eu pode “puxar” a cúpula e estimular as células sensoriais do nervo
ampolar
• Precipitada pela manobra de Dix-Hallpike
• Desaparece ao fim de semanas ou pode ter recorrência durante meses ou anos

7 Oscilópsia – equivalente ao nistagmo, mas na perceção do doente (o doente descreve tremor do campo visual como se
estivesse a ver a fita de um filme antigo). A oscilópsia é um sintoma, visto ser referido pelo doente. O nistagmo é um
sinal, porque é um termo usado pelo médico.
8 Acufenos – perceção auditiva de zumbidos.

106
• Tratamento: manobra de Epley – manobras fisioterapêuticas que pretendem tirar as partículas
do canal semicircular onde se encontram indevidamente
o Nevrite vestibular: 15% das vertigens periféricas. Resulta de um défice vestibular unilateral de
instalação brusca caraterizado por um episodio único de vertigens com duração de vários dias e
desaparecimento gradual, sem manifestações cocleares e/ou neurológicas.
• Vertigens rotatórias com inicio brusco e intensidade que aumenta rapidamente, sendo que os
doentes se têm de deitar ao fim de 15-30min de olhos fechados e sem mexer a cabeça
• Acompanhadas por vómitos persistentes e desequilíbrio pronunciado
• Associada a patologia do ouvido (hipoacusia, acufenos)
• Desaparece ao fim de 2-3 dias devido a uma compensação vestibular, na qual existe uma
recuperação do equilíbrio graças à plasticidade do SNC
• Alterações nos exames:
▪ EO: nistagmo unidirecional espontâneo horizonto-rotatório em direção oposta ao lado
lesado, rítmico e conjugado
▪ Prova dos braços estendidos: desvio para o lado da lesão (contrário ao nistagmo)
▪ Prova de Romberg: desvio para o lado da lesão (contrário ao nistagmo)
▪ Prova de Unterberger: desvio lateral acentuado ou incapacidade de marcar passo, mas
depois o desvio atenua-se a existe uma rotação para o lado lesado
▪ ENG/VNG: nistagmo espontâneo + défice vestibular unilateral (arreflexia ou hiporreflexia)
▪ Otoscopia, audiograma tonal e impedancimetria: normais
• Pode ser secundária a infeção viral e a inflamação vestibular e do labirinto em indivíduos sem
antecedentes de doença causadora de vertigens
• Tratamento: fármacos supressores vestibulares (após o período critico) + metilprednisolona
(desmame ao 3º dia) + programa de reeducação vestibular (caso seja necessário)
o Labirintite
o Doença de Meniere: é um quadro cronico vertiginoso que evolui por crises, associado a surdez
flutuante (hipoacusia), acufenos e sensação de pressão auricular.
• Fatores que atuam no ouvido interno e causam sintomas: drogas ototóxicas, idade,
hereditariedade, doenças autoimunes, alergia, causas metabólicas, causas vasculares, stress,
infeções
• Fisiopatologia: existe aumento de pressão do liquido endolinfático – hidropsia endolinfática
• Quadro clinico: vertigens (rotatórias com duração >20min e <48h, que agravam com os
movimentos da cabeça e que são acompanhadas por náuseas e vómitos), surdez (flutuante,
neurossensorial, com evolução variável, acompanhada por intolerância ao ruido e diplacusia 9),
acufenos (tonalidade grave do mesmo lado da surdez) e sensação de pressão auricular
(intensidade e localização diferentes do normal)
• Ao fim de 8 anos, as crises tendem a cessar
• Alterações nos exames: (fazer RM do angulo pontocerebeloso em caso de duvida para excluir
patologia expansiva, como neurinoma do acústico)
▪ Audiograma tonal e impedancimetria: surdez neurossensorial do tipo endococlear
unilateral
▪ ERA: surdez do tipo endococlear
▪ Exame vestibular sobre ENG/VNG: normal ou alterações durante as crises, como
nistagmo espontâneo horizonto-rotatório e hiporreflexia vestibular do ouvido lesado
• Tratamento: privação de café, sal, álcool, tabaco e stress + betahistidina

9 Diplacusia – perceção do mesmo som com um timbre diferente em cada ouvido.


107
o Paresia vestibular bilateral
o Fistula perilinfática
o Neoplasia
o Vascular: AIT e AVC (1/3) – enfarte isquémico cerebeloso, hematoma cerebeloso (AVC hemorrágico
com possível indicação cirúrgica)
• Inicio súbito
• Intensidade não influenciada pela posição nem movimentos da cabeça
• Sinais neurológicos: alterações dos pares cranianos, disfonia, diafagia
• Raramente com alteração da audição
• Teste de Romberg positivo
• Desvios e quedas variáveis – instabilidade postural
• Alteração do estado de consciência: prostação
• Mais frequente: território arterial posterior do polígono de Willis, artéria vertebral
o Enxaqueca: cefaleias episódicas com dor intensa, pulsátil, unilateral e transitória, acompanhada
por náuseas, vómitos, fotofobia, sonofobia. Agrava com esforço físico. As vertigens podem aparecer
antes, durante ou nos intervalos livres de cefaleias.
o Neoplasia: carcinomatose – neurinoma do acústico > meningioma > metástases > coleastomas
o Epilepsia do lobo temporal
Centrais
o Doenças desmielinizantes: esclerose múltipla – doença inflamatória cronica do SNC
2-23%
desmielinizante que atinge sobretudo a substância branca periventricular, tronco cerebral, cerebelo
e medula. De acordo com a estrutura afetada, os sintomas são diferentes:
• Hemisférios cerebrais: vários
• Medula espinhal: paresias, espasticidade, disestesias, perturbações da sensibilidade postural,
sinal de Lhermitte (sensação de choques no tronco e nos membros aquando da flexão da
coluna), disfunção de esfíncteres, disfunção sexual
• Nervos ópticos: diminuição da acuidade visual, escotoma, alterações da perceção cromática
• Tronco cerebral: diplopia, disartria, vertigem, disfagia
• Cerebelo: desequilíbrio, descoordenação de movimentos, tremor intencional, disartria
o Malformações da charneira – insuficiência vertebro-basilar – apresenta-se por tonturas ou
vertigens isoladas em adultos/idosos. Podem estar associadas a alterações degenerativas cervicais
ou a fatores desencadeantes (rotação do pescoço). Não se conhece a fisiopatologia, por isso deve-se
procurar outra causa para as vertigens.
o Infeção: tuberculose, brucelose, fungos
o Inflamação: sarcoidose
o Causa iatrogénica: hipotensores, sedativos,
o Hipotensão ortostática
Médicas suspensão de benzodiazepinas
o Arritmia
33% no SU o Sintomas virais: gripe, gastroenterite (4-40% no
o Hipoglicemia
SU)
o Causas psiquiátricas: ansiedade, pânico,
o Hiperventilação
depressão, perturbações somatoformes.
Outras o Conflito
Compreendem três quadros principais: ataques
50% o Causas sistémicas: vasculares (vasculites
de pânico, agorafobia e vertigem postural
autoimunes), hematológicas (anemia),
fóbica10

10 Vertigem postural fóbica: existe vertigem e desequilíbrio de pé ou na marcha juntamento com ansiedade e sintomas
vegetativos. Existem estímulos desencadeantes identificados pelo doente. A vertigem é descrita com uma instabilidade
que dura segundos. Pode coexistir com personalidade obsessiva e compulsiva. As queixas surgem após período de
stress ou de vestibulopatia.
108
o Pós-traumática metabólicas (DM, hiperglicemia, hipoglicemia),
cardiovasculares (estenose aórtica, disritmias)

• Classificação das vertigens


De acordo com a DURAÇÃO
Segundos Minutos/horas Dias Crónica
o Enxaqueca vestibular
o VPPB
o AIT o Neurinoma do acústico
o Vertigem pós-traumática o Nevrite vestibular
o Doença de Meniere o Tumores do angulo
o Recuperação de grande o Labirintite
o Vertigem postural fóbica pontocerebeloso
vertigem de instalação o AVC do labirinto
o Fistulas perilinfáticas o Colesteatoma
súbita o AVC do tronco cerebral
o Ansas vasculares no canal o Vestibulopatia bilateral
o Centrais
auditivo interno

De acordo com a EVOLUÇÃO


Por crises Instalação súbita e regressão progressiva Crónica
o Duram entre minutos a horas o Acamados, incapazes de mover a cabeça, o Sensação de instabilidade
o Frequência semanal ou mensal com vómitos e náuseas permanente com vertigens de
o Entre episódios: instabilidade ou o Hipoacusia unilateral segundos varias vezes ao dia
pequena vertigem de posição o Atenua-se ao longo das semanas seguintes o Prolongam por semanas ou
o Doença de Meniere o Pode ficar perturbação do equilíbrio meses

• Diagnóstico diferencial
Perante um doente com vertigem, existem fatores a favor de causas periféricas e de causas
centrais:
Favor de causa periférica (80%) Favor de causa central (20%)
o Curta duração (autolimitada) o Fatores de risco para doença cerebrovascular
o Muito sintomáticas e exuberantes o Sinais neurológicos (diferentes da causa periférica)
o Agravamento ou precipitação com variações posturais o Cefaleia de novo
o Ausência de sinais neurológicos (exceto acufenos, o Incapacidade para marcha
hipoacusia, nistagmo unidirecional e extinguível) o Nistagmo atípico para patologia periférica – deve-se
o Marcha possível (permite excluir ataxia; pode não investigar sempre o nistagmo vertical porque pode
conseguir andar por náuseas, vómitos e desconforto) estar associado a lesão do SNC, como infeção,
o Recorrente inflamação, AVC ou tumor [o nistagmo, tanto vertical
o Náuseas e vómitos como horizontal, pode ser congénito]

Periférica Central
Disfunção autonómica Sim Não
Sintoma

Acufenos e/ou hipoacusia Sim Não


Envolvimento TC ou cerebelo Não Sim
Romberg Vestibular Sim
Sinais

Braços estendidos + +/-


Marcha Desvio para lado lesado Outra
Plano Horizonto-rotatório Outro
Nistagmo

Direção Unidirecional (lado oposto à lesão) Outro


Latência Sim Não
Fadigabilidade Sim (extinguível) Não

109
Instalação Abrupta Subaguda/crónica
Intensidade Alta Baixa
Duração Curta Longa
Vertigem Evolução Recorrente Mantida
Fatores de exacerbação Sim Não
Infeção viral Sim Não
Antecedentes

Episódios anteriores Sim Não


pessoais

Trauma pescoço Não Sim


Fatores de risco
Não Sim
vasculares

Vertigem periférica Vertigem central


o Diplopia
o Hipoacusia
o Disartria
o Acufenos
Ouvido interno Tronco cerebral o Disfasia, disfonia
o Pressão auricular
o Envolvimento das vias longas
o Dor
o Vários pares cranianos
o Hipoacusia o Dismetria dos membros
Canal auditivo interno Cerebelo
o Paresia facial o Ataxia
o Hipoacusia o Alucinações epiléticas (ex:
o Acufenos vertiginosas)
Angulo pontocerebeloso Córtex cerebral
o Paresia facial o Outras manifestações epiléticas
o Incoordenação motora o Defeitos de campos visuais

• Exames complementares de diagnóstico


Em termos de diagnostico de vertigem, é importante avaliar o seguinte:
• Medicação: antidepressivos, antiepiléticos, aminoglicosídeos (ototóxicos), antivertiginosos,
antagonistas dos canais de cálcio
• Outras doenças: neoplasias, SIDA, IR, alcoolismo, diabetes
Historia clinica • Modo de aparecimento
• Sintomas acompanhantes
• Antecedentes: infeção viral, episódios semelhantes, traumatismo, fatores de risco
vasculares
• Excluir hipotensão ortostática
• Ver se hiperpneia causa tonturas ou vertigens – respirar rápido e fundo durante 2-3 min
• Défices visuais ou da sensibilidade profunda
Exame objetivo
• Inclui exame neurológico: prova dos braços estendidos + Romberg + avaliação do tronco
cerebral e do cerebelo
• Procurar sinais de disfunção autonómica (palidez, sudação, vómitos)
Resposta à terapêutica sintomática
TC cranioencefalica • Excluir AVC hemorrágico e lesão estrutural
• Pesquisar causa otológica
ORL
• Se provável nevrite vestibular ou labirintite

Deve realizar-se o exame otoneurológico de forma a avaliar de forma rápida as funções


relacionadas com o equilíbrio através dos reflexos vestíbulo-ocular e vestíbulo-espinhal e do
controlo motor.
110
Outros exames que podem ser feitos, mas sempre complementados pelo exame neurológico,
são, por exemplo:
o O nistagmo é um movimento ocular involuntário caraterizado por uma sucessão de
movimentos que mudam alternadamente de sentido
o Pode ter origem vestibular ou extravestibular
o Pesquisar: em frente ao doente, pede-se para o doente olhar para frente, cima,
baixo, direita e esquerda durante cerca de 10 segundos em cada posição. Não se
deve deixar o angulo do eixo visual ultrapassar os 30º porque nesta posição o
Pesquisa de nistagmo
nistagmo pode ser fisiológico
o Nistagmo vestibular: rítmico, horizonto-rotatório com predomínio do componente
horizontal, com tempo de latência e com fadigabilidade (desaparece)
• Processos deficientes de informação: os olhos vão para o lado oposto à lesão
• Processos irritativos: os olhos vão para o lado da lesão
o Outros tipos de nistagmo apontam para causas neurológicas
o Agitação rápida da cabeça de um lado para o outro num plano inclinado para a
frente, cerca de 30 abanões
Head shaking test
o Défice vestibular unilateral: nistagmo no sentido do lado são
o Casos de topografia central: nistagmos diferentes, nomeadamente verticais
o Pede-se ao doente para olhar para um ponto fixo e faz-se uma rotação brusca,
Head impulse test rápida e de pequena amplitude ao pescoço de modo aleatório
=teste de Halmagyl-Curthoys o Défice vestibular unilateral: observam-se pequenos movimentos do olhar
o Testa o reflexo vestíbulo-ocular
o Aplica-se um estimulo vibratório sobre a região mastoideia durante 10 segundos,
Teste vibratório
de forma a estimular todos os recetores labirínticos
o É o teste que diagnostica a vertigem de posição paroxística benigna (VPPB)
o Podem ser realizadas com os olhos abertos à luz
o Obrigatórias em todas as vertigens com carater posicional
o Senta-se o doente com a cabeça rodada a 30º e muda-se bruscamente a posição
para decúbito dorsal com a cabeça basculhada 30º fora da marquesa. O medico
deve apoiar a nuca para evitar a mobilização do pescoço
o Mantem-se a posição de declive 15 segundos e volta-se à posição inicial, repetindo-
se para o lado oposto
Manobras de Hallpike o Positiva: ao fim de 5-10 segundos, na posição de declive, surge nistagmo (2
componentes: rotatório e vertical superior) para o lado do ouvido mais baixo
acompanhado por sensação de vertigem. Na posição ortostática, volta a aparecer
nistagmo, mais breve e na direção oposta à anterior.
o Positivo à direita: nistagmo em sentido anti-horário
o Positivo à esquerda: nistagmo em sentido horário
o Caraterísticas do nistagmo: geotrópico, fatigabilidade (desaparece ao fim de 20
segundos), habituação (a repetição da manobra faz desaparecer o nistagmo e as
vertigens)
o Doente em pé, com os calcanhares unidos e os olhos fechados, durante um minuto
o Positivo: oscilações ou queda – alterações da sensibilidade profunda e das vias
Prova de Romberg vestibulares
o Lesões periféricas: oscilações após latência, com laterotorção de sentido
coincidente com a fase lenta do nistagmo

111
o Lesões centrais: grandes oscilações ou queda em um ou vários sentidos, podendo
ser impossível manter a posição de pé. Não existe latência
o Com os olhos fechados, o doente fica com os braços esticados durante um minute
Prova dos braços estendidos
o Lesões periféricas: desvio de ambos os braços para o lado doente
o O doente deve marcar passo com os olhos fechados durante um minute, com os
braços estendidos e elevando as coxas
Prova de Unterberger
o Lesões periféricas: roda sobre si mesmo
o Lesões centrais: alargamento das oscilações laterais
o Audiograma tonal e vocal
Audiometria
o Brainstem evoked responses (BER)
o Videonistagmografia/eletronistagmografia (VNG/ENG)
o Vestibular evoked myogenic potentials (VEMP)
Vestibulometria
o Visual vertical subjective (VVS)
o Video head impulse test (vHIT)
o TC: lesões expansivas ou hemorragicas
Imagiologia
o RM: patologias vascular, malformativa, expansiva ou desmielinizante

• Tratamento de vertigens
Os objetivos são suprimir a vertigem, reduzir as manifestações neurovegetativas e
psicoafectivas e não atrasar a compensação vestibular.
Para tratar as náuseas e os vómitos, usa-se simpaticoliticos, benzodiazepinas (dependência
e habituação), anticolinérgicos, anti-histamínicos, antagonistas do cálcio (parkinsonismo,
depressão, aumento de peso), antagonistas da dopamina (parkinsonismo, alterações endócrinas).
Para suprimir as vertigens, os fármacos mais usados são os seguintes:
o Betahistidina: agonista pós-sináptico H1 e antagonista pré-sináptico H3. Acelera a
compensação vestibular. Efeitos adversos: cefaleias e desconforto epigástrico.
Contraindicações: asma brônquica, ulcera péptica, feocromocitoma.
o Cinarizina: previne todos os tipos de cinetose e mal de desembarque. Efeitos
adversos: sonolência, manifestações GI, aumento de peso, depressão, cansaço,
diminuição da libido. Contraindicações: hipersensibilidade, parkinsonismo.
o Flunarizina: efeitos adversos: sonolência, depressão, manifestações GI, aumento de
peso, cansaço, diminuição da libido, tremores. Contraindicações: hipersensibilidade,
depressão, parkinsonismo.
o Sulpiride: antagonista dopaminérgico. Em doses baixas pode acelerar a
compensação vestibular.
o Ginkgo biloba: não se sabe como atua.
o Citicolina: aumenta os níveis de noradrenalina e dopamina no SNC, mas não se
sabe como atua no sistema vestibular.
o Clonazepam: benzodiazepina e anticonvulsionante, inibidor do GABA nos núcleos
vestibulares. Tem um efeito supressor vestibular prolongado e potente.

112
Ação dos fármacos usados no tratamento
Estimuladores Inibidores
Anti-histaminicos
Cafeina
Barbitúricos
Anfetaminas
Álcool
Ginko biloba
Benzodiazepinas
Piracetam
Flunarizina
Betahistidina
Cinarizina
ACTH
Nimodipina

A compensação vestibular tem várias fases:


1. Desnivelamento da atividade do lado são, com predomínio da ação dos núcleos
vestibulares desse lado
2. Retoma da ação dos núcleos vestibulares do lado lesado
3. Recuperação funcional das outras aferências sensoriais (visão e propriocepção) e
recuperação através das funções cognitivas que estabelecem estratégias para
minimizar o risco de quedas

Consoante o tipo de vertigem, o tratamento pode ser mais dirigido:


o Terapêutica sintomática: metoclopramida
o Prevenção de complicações: K+
Vertigens de causa otológica
o Referenciação: consulta de vertigens
o Restante terapêutica oral tem uma eficácia inconclusiva
o Hidratação
o Diazepam
Vertigem aguda com nistagmo o Ondansetrom se as náuseas e os vómitos persistirem
espontâneo o Reeducação vestibular: estimulação da compensação vestibular, adaptação
através de outras informações sensoriais e habituação ao que desencadeia a
vertigem
Vertigem aguda com nistagmo
o Manobras terapêuticas de reposicionamento, como a de Semont ou de Epley
posicional
o Neurinoma do acústico: cirurgia
o Vestibulopatia bilateral: reeducação vestibular
Vertigem cronica
o Vertigens psicogénicas: antidepressivos inibidores da recaptação de
serotonina e ansiolíticos
Vertigem com causa neurológica o Tratar causa

113
Doenças do movimento
▪ Síndromes parkinsónicos
Afetam 1,5% dos indivíduos com mais de 50 anos e incluem, por exemplo, doenças
neurodegenerativas, parkinsonismo iatrogénico, parkinsonismo vascular e doença de Parkinson.
Os gânglios da base, responsáveis pelo controlo motor, são a primeira zona afetada nas
doenças do movimento. O córtex normalmente é afetado mais tardiamente, exceto na
degenerescência corticobasal e na doença dos Corpos de Lewy, mas quais existe envolvimento do
córtex desde o inicio.
As síndromes parkinsónicas dividem-se em formas tremóricas (predomina o tremor) e
formas acinético-rígidas (predomina a bradicinesia-rigidez). 65% dos casos correspondem a DP,
25% a outras doenças neurodegenerativas e 10% aos parkinsonismos vasculares, iatrogénicos,
traumáticos, pós-infeção, etc.
Nas síndromes parkinsónicas que não a DP, existe uma fraca resposta aos fármacos
disponíveis por existirem diversas vias envolvidas e um elevado risco de complicações por aumento
de dose. Usa-se maioritariamente a amantidina e a selegilina. Esta limitação da terapêutica é uma
das razões pelas quais têm pior prognóstico do que a DP. No geral, 70% dos doentes com síndrome
parkinsónica respondem à L-dopa, sendo que os doentes com DP são bons respondedores o que
faz da L-dopa uma forma de diagnóstico diferencial.

São caraterizados por bradicinesia (sintoma cardinal), ou seja, diminuição da velocidade e


da amplitude do movimento associada a alguma fatigabilidade (cansaço), com agravamento da
lentificação com a repetição dos movimentos. É considerado o sintoma cardinal da DP.
Outros sintomas relevantes são:
o Tremor de repouso: típico. Baixa frequência (4-6Hz). É um movimento circular
rítmico entre o polegar e o 2º dedo (pill rollin). Afeta mais os membros superiores.
Nos estádios precoces, o tremor é inconstante e torna-se mais evidente em
Tremor
situações de stress físico ou emocional. Aumenta com manobras de distração.
o Tremor postural: também pode ocorrer. As extremidades e a cabeça assumem
uma posição. Aumenta com as manobras de distração.
o Aumento do tónus muscular
o Resistência aumentada durante os movimentos passivos – roda dentada
o Pode ser assimétrica
Rigidez o Sinal de Froment: existe um aumento do tónus num membro com a
movimentação ativa do contralateral
o Apendicular (membros) ou axial (associada a postura toracolombar – inclinado
para a frente)
o Mais comum em doenças neurodegenerativas e parkinsonismo vascular
o Dificuldade em levantar-se sem apoio + marcha pequenos passos + dificuldade
em mudar de direção
Instabilidade postural
o 2 fatores:
▪ Compromisso dos reflexos posturais: não compensa alterações do centro de
gravidade

114
▪ Distonia axial: a postura toracolombar desvia o centro de gravidade para a
frente
o Paragem súbita da marcha - congelamento
Bloqueio da marcha
o Aumenta desequilíbrio
“freezing”
o Associado a marcha dos pequenos passos
o 1ª manifestação: micrografia – letra cada vez mais pequena, podendo ter algum
Dificuldade/ impossibilidade tremor associado
de realização de movimentos o Fazer a barba, levar as costas, abotoar os botões, cortar alimentos no prato,
finos escrever
o Um dos sintomas mais incapacitantes

Alguns sintomas acompanhantes são:


o Seborreia: produção excessiva de sebo pelas glândulas sebáceas. Sintoma
neurovegetativo que aparece numa fase mais avançada. Deve-se aos mismatch entre
a estimulação dopaminérgica e a estimulação acetilcolinérgica.
o Sialorreia: produção excessiva de saliva. Sintoma neurovegetativo que aparece numa
fase mais avançada. Deve-se aos mismatch entre a estimulação dopaminérgica e a
estimulação acetilcolinérgica.
o Hipersudorese: sintoma neurovegetativo que aparece numa fase mais avançada.
o Fácies amímico: poker face. Ausência de expressões faciais.
o Micrografia: letra pequena.
o Postura toracolombar: inclinada para a frente, colocando o centro de gravidade mais
anteriormente do que as pernas. Aumenta risco de quedas.
o Discurso monocórdico: flat. Sempre no mesmo tom.
o Diminuição da libido: diminuição do desejo sexual. Ocorre em 80% dos doentes não
tratados corretamente, sendo mais evidente nos homens.
o Depressão: pode ter causas endógenas (degenerescência dopaminérgica
pontomesoencefálica e do lobo frontal) e exógenas (reação à doença cronica e
progressiva). Pode preceder os outros sintomas. Presente em 30-50%.
o Obstipação: pode ser o 1º sintoma, aparecendo 8-12 anos antes dos sintomas
motores juntamente com a anosmia. Sintoma neurovegetativo que aparece numa
fase mais avançada.
o Hipo ou Anosmia: surge 8-12 anos antes dos sintomas motores.
o Disfunção do foro urinário: sintoma neurovegetativo que aparece numa fase mais
avançada.
o Artralgias
o Alterações cognitivas: ocorre com a progressão da doença, estando presente em mais
de 50% dos doentes com mais de 10 anos de evolução. Existe perda de funções
executivas.

115
o Alterações do sono: 70-98%. Podem ser: dificuldade em adormecer, acordar
frequentemente, sonolência diurna, sonhos vividos/alucinações, confusão mental
durante a noite e desconforto e dor nos membros inferiores.

Com o avançar da doença, em fases mais tardias ou DP avançada, podem ocorrer:


o Flutuações motoras: resposta ao tratamento com on-off
o Coreia ou discinesias
o Distonia segmentar
o Flutuações não motoras: humor, atenção, memoria
o Fenómenos produtivos: delírio ou alucinações
o Defeito cognitivo persistente

• Doença de Parkinson
A doença de Parkinson corresponde a 2/3 dos casos de síndromes parkinsónicos e afeta
1,5/1000 indivíduos em Portugal (20000 doentes em Portugal), sendo mais predominantes nos
homens e na raça caucasiana. Pensa-se que a prevalência possa triplicar nos próximos 50 anos
devido ao envelhecimento da população e ao crescente uso de medicação. Tem uma idade média
de inicio aos 62 anos.
A sua causa continua desconhecida, mas existem duas hipóteses:
o Predisposição genética: 5%. O inicio ocorre antes dos 40 anos – parkinsonismo
juvenil. Existem forma familiares (DP monogénicas) que estão associadas a mutações
na α-sinucleina (originam PARK1) e na ubiquitina e outras proteínas (PARK2 a 17).
São em menor numero do que os casos de DP idiopática. A PARK8 ou LRRK2 é uma
forma autossómica dominante de penetrância variável que se apresenta de forma
semelhante à DP idiopática.
o Fatores ambientais: verificou-se que pessoas que utilizavam heroína sintética MPTP
(1-metil, 4-fenil, 1,2,3,6-tetrahidropiridina) desenvolveram parkinsonismo e as suas
lesões cerebrais eram idênticas às de DP idiopática. O MPTP é captado pelos
astrócitos e oxidado a MPP+, que é captado pelos neurónios, onde, dentro da
mitocôndria, inibe o complexo I. Esta inibição, na substância negra, aumenta a
produção de radicais livres de oxigénio, o que pode causar uma lesão oxidativa.
Atualmente, pensa-se que a doença seja o resultado da combinação de diversos fatores
genéticos, ambientais e xenobioticos.
Existem duas vias dopaminérgicas para a ativação do globus palidus, uma direta e uma
indireta. Na DP, a via indireta está hiperativada e a via direta está desativada, o que se traduz
numa hiperatividade do núcleo subtalamico e uma atividade anormal do globus palidus interno.
Desta forma ocorre “travagem” do movimento, que se demonstra com a lentificaçao e rigidez do
mesmo e com o tremor da DP.
Num doente com DP, a substancia negra apresenta-se pálida, sendo que o exame
microscópico revela a perda de células dopaminérgicas e a presença de corpos de Lewy. Estes

116
últimos são agregados anormais de proteínas redondos, com inclusões citoplasmáticas
eosinofílicas e com uma palidez periférica em forma de rim. Estão presentes no tronco cerebral,
principalmente na substancia negra, no locus ceruleus e no núcleo dorsal do vago.
Estas doença é carateristicamente assimétrica, sendo que um dos hemicorpos é afetado
primeiro e de um modo mais severo do que o outro.
O diagnóstico é clinico (ver sintomas acima), não existindo nenhum marcador imagiológico
nem biológico para a doença.

o Diagnóstico diferencial de Doença de Parkinson


É feito de forma diferente consoante a patologia:
▪ Casos tóxicos ou iatrogénicos: retira-se a substancia
▪ Doença de Wilson: tratamento espoliador de cobre
▪ Hidrocefalia de pressão normal: drenagem de LCR
▪ Parkinsonismo vascular: profilaxia de eventos vasculares
▪ Síndromes degenerativas: sintomas.
▪ Neurolépticos e antipsicóticos → bloqueiam recetores D2 no estriado → quadro de
parkinsonismo semelhante à doença idiopática
▪ Neurolépticos: 10-15% desenvolvem sintomas parkinsónicos. Os idosos e as mulheres são
Iatrogenia mais suscetíveis. Os sintomas podem persistir após a suspensão do fármaco. Não existe
relação entre os níveis plasmáticos e a intensidade dos sintomas
▪ Inibidores dos canais de cálcio (flunarizina, cinarizina, nimodipina): bloqueiam recetores D2
do estriado
Historia de encefalite
letárgica ou crises ▪ Os sintomas parkinsónicos podem surgir depois de uma encefalite, não apenas letárgica
oculógiras
Progressão em ▪ Parkinsonismo vascular: 6%
degraus e/ou ▪ Progressão sintomática em degraus + AVC múltiplos + HTA + hipercolesterolemia + enfarte
historia de AVC nos núcleos da base → critérios para o diagnóstico de parkinsonismo vascular
múltiplos ▪ Fazer profilaxia de novos eventos vasculares
▪ Parkinson atípico ou “plus”: além dos sintomas normais, existem sinais cerebelosos +
disautonomia severa com hipotensão grave + sinais piramidais + distonia
Existência de sinais
▪ Resposta fraca ou ausente à L-dopa
cerebelosos ou
▪ Perturbações da marcha e do equilíbrio mais cedo
disautonómicos
▪ Inclui formas de parkinsonismo degenerativo (PSP e AMS), formas monogénicas e formas
traumáticas
▪ Sinais de parkinsonismo + deterioração cognitiva + incontinência urinária + alargamento
dos ventrículos sem atrófica cortical na TC
▪ Existe uma deficiente absorção de LCR nas vilosidade aracnóideias
▪ Alargamento ventrículos – comprime vias corticosespinhais que vão para os membros
Hidrocefalia de inferiores → compromisso da marcha
pressão normal ▪ Compressão dos núcleos da base – parkinsonismo
▪ Alterações no lobo frontal – incontinência urinaria e deterioração cognitiva
▪ Quadro clinico completo: deterioração cognitiva, apraxia da marcha, hipofonia (< volume de
voz), hipomimia, bradicinesia, rigidez, tremor de repouso e incontinência urinária
▪ Diagnostico: TC
117
▪ Pouco tempo entre acidente e inicio dos sintomas
▪ Lesão do mesencéfalo direta ou por efeito de herniação de massa supra ou infratentorial
▪ Síndrome bradicinética-rigida unilateral com grau variável de tremor
Parkinsonismo ▪ Instabilidade postural com alteração da marcha
traumático ▪ Cefaleias
▪ Sinais piramidais e disfunção psiquiátrica e cognitiva
▪ RM cranioencefalica com lesão dos núcleos da base
▪ L-dopa é eficaz
▪ Localizada em qualquer parte do cérebro exceto no núcleo estriado
Lesão expansiva
▪ Lesões do SNC (linfomas, linfossarcomas, menigioma e hematoma subdural) causam
intracraniana
parkinsonismo, reversível com a remoção da causa
▪ 10-15% dos casos de parkinsonismo
▪ Doença neurodegenerativa
▪ Rapidamente progressiva, com sobrevida 3-7 anos → precisam de gastrostomia rápido
▪ Paralisia dos movimentos oculares verticais supranucleares (supra e infradução): o doente
não realiza movimentos verticais de perseguição de forma autónoma, mas se fixar um
objeto e lhe rodarmos a cabeça já faz os movimentos
▪ Compromisso axial com quedas: logo desde o inicio em 90% [na DP isto não acontece – só
em 11%] – perturbação do equilíbrio de pé e na marcha com quedas frequentes
▪ Disfagia, distonia, disartria
Paralisia ▪ Demência frontal: ao fim de 3 anos
supranuclear ▪ Não responde à L-dopa – pior prognostico do que DP [serve como fator de diagnóstico]
progressiva (PSP) ▪ RM e TC: em fases avançadas mostram diminuição do diâmetro ântero-posterior do
mesencéfalo e tegmentum + alargamento dos regos sílvicos e do 3º ventrículo
▪ Quando pensar em PSP?
✓ Instabilidade precoce e progressiva na marcha com quedas
✓ Rigidez proximal
✓ Rigidez do tronco (+ do que na DP)
✓ Disartria espastica
✓ Disfagia
✓ Alterações comportamentais (lesões frontais)
✓ Sem resposta a L-dopa
▪ 10-15% dos casos de parkinsonismo
▪ Doença neurodegenerativa
▪ Sobrevida 8-16 anos
▪ 89%: sinais parkinsónicos (bradicinesia, rigidez e distonia – quando predominam é a forma
parkinsónica) + falência do sistema autonómico + sinais cerebelosos (alterações da marcha,
disartria, hipofonia ou voz escandida – quando predominam é a forma cerebelosa da AMS) +
Atrofia sinais de envolvimento piramidal
multissistémica ▪ 100% tem disfunção autonómica, que normalmente precede os sinais parkinsónicos (não
(AMS) acontece na DP):
✓ 88%: hipotensão ortostática
✓ Disfunção sexual
✓ Alterações da termorregulação, gastrointestinais e respiratórias
✓ Incontinência de esfincteres
▪ Rigidez marcada com distonia generalizada: porque não respondem à medicação anti-
parkisónica

118
▪ Não responde à L-dopa – pior prognóstico do que DP
▪ Quando pensar em AMS?
✓ Sinais piramidais
✓ Sinais cerebelosos
✓ Disautonomia
✓ Instabilidade postural no inicio
✓ Instalação simétrica dos sintomas
✓ Disartria
✓ Anterocolis: flexão anterior do pescoço vista na distonia cervical
✓ Ausência de tremor
✓ Rápida deterioração clinica
✓ Fraca resposta à L-dopa
▪ 1-3% dos casos de parkinsonismo
▪ Doença neurodegenerativa
▪ Sobrevida 2-3 anos
▪ Assimétrica (semelhante a Parkinson)
▪ Caraterísticas clinicas:
✓ Acinesia, rigidez e apraxia: 90% nos 3 primeiros anos da doença
✓ Membro sem rigidez, mas desajeitado (alien hand): 50%
✓ Parkinsonismo assimétrico, com ou sem tremor, insidiosamente progressivo, tipo
acinético-rígido
Degenerescência
✓ Défice cognitivo: inicio ou 3 anos após inicio da doença
corticobasal (DCB)
✓ Mioclonias: 20%
✓ Fraca resposta à L-dopa
▪ Envolvimento cortical desde inicio com apraxia, mão alienígena (mão do hemisfério não
dominante executa movimentos não controlados de forma consciente) e mioclonias (20%)
▪ Demência frontal
▪ Não responde à L-dopa – pior prognostico do que DP
▪ RM e TC: atrofia corticoparietal assimétrica contralateral ao membro afetado
▪ Sinais a desconfiar na 1ª observação: distonia do membro + parkinsonismo assimétrico +
apraxia ideomotora + instabilidade na marcha
▪ Doença neurodegenerativa hereditária com transmissão autossómica dominante com
penetrância total (mutação no cromossoma 4)
▪ Inicio 35-50 anos, com uma sobrevida de 15-20 anos
▪ Variante de Westphal: inicia-se antes dos 20 anos com uma síndrome parkinsónica
acinético-rigida. Tem uma maior intensidade dos sintomas e uma rápida progressão, com
uma sobrevida de 8-10 anos
Doença de
▪ Prevalência: 4-10/100000
Huntington
▪ Movimentos involuntários do tipo coreico11 associados a alterações do comportamento e
cognitivas do tipo demencial
▪ 1º: alteração da personalidade, defeito ligeiro de memoria, comportamento desajeitado e
movimentos coreicos discretos
▪ 2º movimentos coreicos tornam-se mais evidentes e incapacitantes, associando-se a
alteração da marcha (“dançarino”) e a instabilidade postural com quedas

Movimentos coreicos: movimentos involuntários rápidos e irregulares/aberrantes que podem envolver a face, os
11

membros e o tronco.
119
▪ Sintomas comportamentais: irritabilidade, delírio persecutório, comportamento obsessivo
ou compulsivo, agitação, ansiedade e depressão
▪ Alterações cognitivas: alteração memoria e atenção, quadro demencial moderado a severo
▪ Diagnóstico: clínica + historia familiar idêntica + teste molecular (casos esporádicos sem
historia familiar)
▪ Diagnóstico diferencial:
✓ Doenças hereditárias: coreia hereditária benigna, distonia paroxística cinesigéica,
doença de Wilson, esclerose tuberosa, ataxia telangiectasia, porfiria
✓ Doenças adquiridas: fármacos (neurolépticos, antidepressivos, anfetaminas), gravidez,
anoxia cerebral, intoxicação por CO, LES, coreia de Sydenham, AVC, encefalite
▪ Tratamento: não existe nenhuma terapêutica curativa ou modificadora da progressão da
doença, fazendo-se apenas tratamento sintomático:
✓ Coreia: neurolépticos e tetrabenazina
✓ Sintomas comportamentais: antidepressivo em caso de depressão
✓ Sintomas psicóticos: neurolépticos
▪ =degenerescência hepatolenticular
▪ Transmissão autossómica recessiva (mutação no gene ATP7B que altera a excreção biliar de
cobre)
▪ Prevalência: 50000 a 100000 pessoas em todo o mundo
▪ Deposição de cobre nos tecidos, incluindo no SNC – a deposição inicia-se no figado
▪ Inicio até 67 anos
▪ 10-20 anos: alterações hepáticas – hepatomegalia, cirrose, hepatite, hipertensão portal ou
insuficiência hepática fulminante (<5%)
▪ 30-40 anos: alterações neurológicas e psiquiátricas – alteração do comportamento, defeito
cognitivo ou sinais neurológicos (distonia, tremor, disartria, sinais cerebelosos, rigidez)
▪ Começa por: doença hepática, trombocitopenia, anemia
▪ Sintomas psiquiátricos: alterações no comportamento, irritabilidade, alteração do humor,
depressão, síndromes demenciais, psicose
Doença de Wilson ▪ Sintomas neurológicos: predominam quando a doença se inicia depois dos 20 anos e são
raros antes dos 10 anos, podendo aparecer até à quinta década de vida
▪ 97% dos doentes com sintomas do SNC: anel de Kaiser-Fleischer – deposição de cobre na
iris que se apresenta como anel dourado ou castanho esverdeado à volta da iris, muitas
vezes só visível na lâmpada de fenda
▪ Diagnóstico: estudo genético + biopsia hepática (depósitos hepáticos de cobre) + ↓
ceruloplasmina sérica + ↑ cobre na urina 24h + anel de Kayser-Fleischer
▪ Tratamento: limitar a absorção de ferro e promover a sua excreção
✓ Estilo de vida: diminuir consumo de alimentos ricos em cobre (chocolate, noz,
marisco, cogumelos, brócolos)
✓ Fármacos: agentes quelantes de cobre (penicilamina, trientine e zinco)
✓ Cirurgia: transplante hepático em doentes com insuficiência hepática fulminante ou
cronica severa
✓ Sintomas parkinsónicos: trata-se da mesma forma do que o Parkinson
▪ 15%: perturbações do movimento com manifestações extrapiramidais tardias e iatrogénicas
(anti-psicóticos)
Doença de Alzheimer ▪ Perturbação da memória: muito antes dos sintomas parkinsónicos
▪ Alucinações: mais tarde
▪ Alterações cognitivas

120
▪ Deposição de corpos de Lewy em todo o cérebro, incluindo no córtex, logo desde o inicio [na
DP a deposição é progressiva e segue esta ordem: mesencéfalo → diencéfalo → gânglios da
base → córtex]
▪ 50%: alucinações e alterações cognitivas desde o inicio
Doença dos corpos
▪ Défice de funções executivas e flutuação ao longo do tempo alheado/ativo: mais presente
de Lewy
▪ Respondem à L-dop
▪ Intolerância a fármacos anticolinérgicos desde o inicio por risco cardíaco: morte súbita por
disritmia
▪ Ddx com DP: imagiologia

o Exames complementares de diagnóstico na Doença de Parkinson


Só existe correspondência entre o exame anatomopatológico e o diagnóstico de DP em
80% dos casos.
Em termos laboratoriais, além das analises de rotina (hemograma com contagem
leucocitária, PCR), avaliam-se os seguintes parâmetros:
▪ Cobre sérico e urinário: despiste de doença de Wilson
▪ Ceruloplasmina: despiste de doença de Wilson
▪ T3, T4 e TSH: porque o tremor postural pode ser exacerbado pelo hipertiroidismo
▪ PTH e ionograma com cálcio: a deposição de cálcio nos gânglios da base por
originar quadro de parkinsonismo
Em termos imagiológicos, os exames realizados são:
▪ TC cranioencefálica: despiste de calcificações (depósitos de cálcio) nos gânglios
da base – síndrome de Fahr12
▪ RM cranioencefália: existem sinais patognomónicos nas fases mais tardias (só
identifica alterações quando o doente já tem sintomas que nos permitem fazer o
diagnóstico):
✓ Sinal do colibri/pinguim: atrofia do mesencéfalo. Paralisia supranuclear
progressiva.
✓ Sinal do Mickey Mouse: atrofia do mesencéfalo. Paralisia supranuclear
progressiva.
✓ Sinal do dado (hot cross bun): degeneração das vias cortico-ponto-
cerebelosas a nível da protuberância. Atrofia multissitemica.
✓ Atrofia frontoparietal assimétrica: degenerescência corticobasal ao fim de
2 anos.
▪ PET: a DP é o único síndrome parkinsónico na qual ocorre fixação de fluorodopa
no estriado, o que releva um défice de transporte dopaminérgico. É um exame
com baixa sensibilidade e não pode ser realizado por rotina. Não permite

12 Síndrome de Fahr: doença neurológica de transmissão dominante na qual ocorrem depósitos anormais de cálcio nos
gânglios da base e no córtex cerebral, o que leva a deterioração das funções motoras, convulsões, cefaleias, demência
e alterações da visão.
121
distinguir entre diferentes tipos de síndromes parkinsónicos porque todos têm
uma hipoatividade do estriado.
▪ SPECT (tomografia computorizada por emissão de fotão único): ocorre fixação de
ioflupano no estriado, o que evidencia o défice de transporte de dopamina nos
neurónios dopaminérgicos. É mais acessível do que o PET, mas é pouco especifico
de DP. Não permite distinguir entre diferentes tipos de síndromes parkinsónicos
porque todos têm uma hipoatividade do estriado. Pouco utilizado como método
de diagnóstico, apesar de permitir o diagnostico diferencial entre DP e tremor
essencial distónico e entre doença dos corpos de Lewy e doença de Alzheimer.
Os exames de neurofisiologia não são muito uteis, só detetando alterações 6 meses a
2 anos após o inicio dos sintomas. Os únicos que podem ser uteis são:
▪ EMG do esfíncter anal: tem alterações típicas na atrofia multissistémica (tem de
ser feito entre 6meses-2anos após o inicio dos sintomas).
▪ EEG: existe evidencia de mioclonias na degenerescência corticobasal.

o Tratamento da Doença de Parkinson


A terapêutica é apenas sintomática, não alterando a historia natural da doença. O
tratamento varia com a idade dos doentes. Em caso de doentes com menos de 60 anos, uma vez
que a sobrevida é prolongada, devemos atrasar o inicio da L-dopa e seguir a seguinte escalada
terapêutica: agonista dopaminérgico + inibidor da MAO B → anticolinérgico ou modulador dos
recetores NMDA → L-dopa em baixa dose → L-dopa em dose alta. Se o doente tiver mais de 60 anos,
como já costuma ter algumas comorbilidades e a sobrevida é menor, deve-se iniciar logo a L-dopa
e depois vai-se adicionando os restantes fármacos à medida que se aumenta a dose de L-dopa.
Sabe-se que um inicio precoce de tratamento está associado a um melhor prognóstico.
Os fármacos disponíveis tratam apenas os sintomas e são:
▪ Levodopa: é o gold standart. É L-dopa, que é um percursor da dopamina. Tem
muitas ações colaterais porque é metabolizada à periferia pela dopa-
descarboxilase, transformando-se em dopamina em vários órgãos. Assim,
normalmente associa-se um inibidor da dopa-descarboxilase (carbidopa ou
benzarazida) que impede a formação da dopamina, porém, como não atravessa a
barreira hematoencefálica, não afeta o efeito do fármaco a nível do SNC. Existe
uma forma de L-dopa retard que tem uma libertação lenta e que tem um tempo
de pico máximo de absorção superior ao da L-dopa clássica, mas não diminui a
quantidade de flutuações.
▪ Anticolinérgicos: pioram a memoria episódica, pelo que se deve evitar dar acima
dos 75 anos. Melhoram a rigidez e o tremor, mas não controlam a acinésia. Pode
iniciar-se terapêutica com anticolinérgicos quando existe tremor isolado. Não
devemos prolongar o seu uso porque podem provocar quadros confusionais e de
deterioração cognitiva, aumentar a retenção urinária e exacerbar um glaucoma
pré-existente. Exemplos: benzatropina e trihexifenidilo.
122
▪ Agonistas dopaminérgicos: bromocriptina, dihidroergocriptina, pergolide. Pode
facilitar as discinesias ao fim de alguns anos, mas com menos intensidade do
que a L-dopa. Podem causar alucinações, surtos psicóticos, alterações do sono,
vómitos (mais do que L-dopa), síndrome de desregulação dopaminérgica, perda
do controlo de impulsos (colecionismo, jogo patológico).
▪ Inibidor da MAO B: selegilina, rasagilina e safinamida (também tem
caraterísticas de antagonista dos recetores NMDA). A MAO B metaboliza
dopamina e, por isso, a sua inibição permite um aumento da L-dopa na fenda
sináptica.
▪ Inibidor da COMT: entacapone e opicapone (ação mais prolongada). A inibição
da COMT permite um maior aproveitamento da dopamina pelo organismo, visto
que a COMT é uma enzima que degrada dopamina, epinefrina e norepinefrina.
▪ Modulador de recetores NMDA: não interferem com o metabolismo da dopamina,
o que faz com que também sejam eficazes na AMS e PSP. O glutamato NMDA é
um neurotransmissor que pode contribuir para a disfunção motora, pelo que o
seu bloqueio irá ajudar no controlo das discinesias motoras. Exemplos:
amantidina.
A L-dopa tem efeitos adversos a médio e alongo prazo, principalmente quando são
administradas doses > 300-400mg/dia:
o Movimentos involuntários rápidos e segmentares
o Dificuldade em manter-se quietos
o Associa-se a distonia e alteração dos reflexos posturais
o Assimétricos
o Esgares faciais, rotações do tronco, extremidades ou pescoço
o 50% - 3 anos de L-dopa
o 90% - 5 anos de L-dopa
o 6 meses após o aparecimento do wearing-off
Discinesias o Podem aparecer no pico da absorção da L-dopa (discinesias de pico de dose) ou no
Coreia intervalo entre doses
Flutuações motoras

o Exacerbadas por agonistas dopaminérgicos se tiverem sido previamente causadas


por L-dopa
o Raramente causadas por agonistas dopaminérgicos
o Tratamentos:
▪ Reduzir L-dopa
▪ L-dopa em doses fracionadas
▪ Aumentar/modificar agonista dopaminérgico
▪ Dar modulador NMDA (amantidina)
o Posicionamento anómalo e, por vezes, doloroso de segmentos do corpo (caibras)
o Contração simultânea de agonistas e antagonistas
o + frequente nos membros inferiores: pé estriado – extensão do 1º dedo e flexão dos
Distonia
restantes
o Aparece nos períodos off
o Mais comum de manhã, unilateral

123
o Perda do efeito da toma da L-dopa – fica off
o Levodopa tem semivida de 90min
o Fim da tarde
o 50% - 3 anos de L-dopa
o 90% - 5 anos de L-dopa
o Raramente causado por agonistas dopaminérgicos
Wearing-off o Tratamento:
▪ Dar inibidor MAO B (selegina)
▪ L-dopa de libertação prolongada
▪ L-dopa em doses fracionadas
▪ Concentrar ingestão proteica na refeição da noite
▪ Mudar agonista dopaminérgico
▪ Cirurgia de estimulação cerebral
o L-dopa demora >30min até o doente começar a sentir o seu efeito
Delayed-on o Relacionado com velocidade de esvaziamento gástrico e com a capacidade de
absorção
o Perda súbita (seg-min) do efeito da toma da L-dopa
o Fases mais avançadas da doença
On-off o Raro
o Depende da farmacodinâmica: existe internalização dos recetores pós-sinápticos e a
dopamina que existe na fenda sináptica não é suficiente para causar resposta
o Após 10 anos de doença
o 50%: alucinações ou confusão mental
o Agravadas pelos fármacos: anticolinérgicos > agonistas dopaminérgicos >
Perturbações cognitivas
moduladores NMDA > inibidor MAO B > inibidor COMT > L-dopa
o Progressão da doença → limiar alucinogénio baixa e a dose terapêutica aumenta →
episódios de alucinações ou confusão
o Frequente: agonistas dopaminérgicos e L-dopa
o Raro: inibidores MAO B
o Mais comum no verão (vasodilatação)
Hipotensão ortostática
o Controlada moderadamente: meias de contenção elástica + domperidona (elevado
Disautonomia
risco de fibrose valvular cardíaca)
o Controlada ativamente:midodrine + fludrocortisona
o Menos frequente na AMS
o Agonistas dopaminérgicos, L-dopa e inibidores MAO B (selegina)
o O centro do vomito é sensível aos dopaminérgicos
Náuseas e vómitos
o Titulação lenta da medicação: controla e cria tolerância aos sintomas
o Domperidona: controlo ativo dos sintomas
o 80%
Obstipação
o Melhora com higiene alimentar e exercício físico
Disautonomia
o Tratamento: fibras, microclister e laxantes (evitar uso crónico)
Edemas periféricos
o Tratamento difícil
Disautonomia
o Têm flutuações precoces, necessitando por isso de intervenção cirúrgica
Fenómeno de Raynaud
o Causados pelos agonistas dopaminérgicos
Disautonomia
Alterações o Mais frequente: agonistas dopaminérgicos
comportamentais o Perda de insight

124
o Jogo patológico
o Punding: colecionismo patológico, com organização excessiva e atos repetitivos e
mecanizados
o Comportamentos de risco
o Insónia vespertina: no fim do sono. DP
o Sonolência diurna: L-dopa, agonistas dopaminérgicos, inibidores COMT
o Insónia inicial e intermedia: inibidores MAO B
Perturbações do sono o Movimentos periódicos do sono
o Restless legs
o Baixa rentabilidade do sono está associada a uma pior performance motora no dia
seguinte

Em caso de complicações, deve-se suspender ou reduzir a dose do fármaco. Em caso de


alterações cognitivas e comportamentais, se não for possível manter a dose terapêutica mínima,
deve-se administrar neurolépticos, como clozapina e quetiapina.

Além do tratamento farmacológico, os doentes podem ser submetidos a uma cirurgia


de estimulação cerebral (STn-Gpi) que permite uma diminuição das doses de L-dopa e, por isso,
o controlo das flutuações motoras. Porém esta só tem indicação nos seguintes casos:
o Flutuações motoras, mas boa resposta à L-dopa
o <70-71 anos
o Cérebro sem lesões vasculares (TC e RM) no trajeto de inserção do elétrodo e nas
regiões adjacentes
o Bom desempenho nas provas de avaliação cognitiva
A cirurgia pode ser lesional (definitiva – mais frequentemente utilizada) ou de
estimulação (coloca-se um elétrodo que pode estimular diferentes locais com diferentes
frequências, intensidade e duração). No segundo caso, faz-se uma estimulação de 130Hz no núcleo
subtalamico e a pars interna do pálido, o que mantem as células em período refratário. Assim, é
possível diminui a dose de L-dopa.

o Prognóstico da Doença de Parkinson


Tem uma sobrevida de 3-4 anos inferior à da população em geral, com uma sobrevida
média de 13 anos desde o diagnóstico, sendo que a maioria dos doentes não morre de DP, mas
sim de outras causas. Com um tratamento correto, 80% tem boa qualidade de vida nos primeiros
10 anos de doenças e uma qualidade razoável nos 10 anos seguintes.
O tipo de cuidador é importante para o prognostico. As complicações da terapêutica são
difíceis de resolver, por isso deve-se fazer profilaxia das mesmas. O declínio cognitivo associado à
progressão da doença leva a um pior prognostico, com diminuição da qualidade de vida e da
sobrevida.

125
▪ Coreia
É um movimento involuntário e ondulante que afeta o eixo axial e as extremidades e que é
potenciado por manobras de distração.
Pode ser classificada em:
o Balismo: movimento rápido e com grande amplitude, de predomínio proximal. Forma
de coreia mais exuberante.
o Atetose: movimento mais lento
A causa mais frequente é a iatrogénica, que pode ser induzida pela levodopa (DP) e pelos
antipsicóticos, sendo que neste ultimo caso se chama coreia tardia dos neurolépticos. Também
pode ser congénita, nomeadamente na doença de Huntington.

▪ Distonia
É um sinal neurológico caraterizado por alterações da postura mantidas, resultantes de
contrações musculares involuntárias que induzem movimentos de torção ou repetitivos.
Corresponde à desarmonização da contração muscular entre músculos agonistas e antagonistas,
assumindo uma postura viciosa.
É rara, afetando 60-300 pessoas em cada 100 000.

Pode ser classificada de acordo com vários critérios, sendo que se acordo com a distribuição
anatómica se classifica da seguinte forma:
o Rara – pode ser tóxica ou congénita
o Transmissão autossómica dominante
o Frequente: judeus Ashkenazi, famílias com consanguinidade
o Surge na infância
Distonia generalizada o Começa por envolver um dos membros inferiores e depois progride para outras zonas do
(de torção) corpo
o Não existe défice cognitivo
o Tratamento: cirúrgico por estimulação da pars interna do globo pálido → se precoce,
consegue marcha autónoma e escrita
o As formas hereditárias respondem à L-dopa
o Afeta 2 ou mais segmentos contíguos (ex: craniocervical)
o 95%: origem estrutural – lesões periparto (hipoxia neonatal, AVC neonatal)
maioritariamente
o Diagnostico: TC cranioencefalica (1/20 dos casos não tem alterações)
Distonia segmentar
o Síndrome de Meige: corresponde à combinação de dois tipos de distonia - distonia
craniocervical + blefaroespasmo (contração involuntária/tremor da pálpebras – existe
aumenta da frequência do pestanejar, encerramento das pálpebras por períodos
prolongados e fotofobia)
Distonia multifoca o Afeta 2 ou mais segmentos não contíguos (ex: caibra de escrivão e distonia do pé)
o Envolve 1 segmento corporal: distonia cervical, bleroespasmo, distonia laríngea…
o Geste antagoniste: gesto ou posição física que interrompe temporariamente a distonia
Distonia focal o Mais frequentes: distonia cervical (alteração da postura do pescoço, associada a queixas
álgicas cervicais) e bleroespasmo

126
o Afeta um hemicorpo
Hemidistonia
o Associada a uma lesão estrutural cerebral (gânglios da base contralaterais)
o Só em tarefas especificas
o Evoluem para distonias focais
Distonia especifica de o Caibra de escrivão: postura anormal durante a escrita
tarefa o Caibra de escrivão complexa: manifesta-se não só na escrita mas também noutras tarefas
manuais
o Caibra dos tenistas, golfistas, pianistas

Quanto à causa, podemos classificar as distonias em:


o Primárias ou idiopáticas: não se identifica uma doença subjacente nem outros sinais
ou sintomas. A maior parte destes casos tem uma alteração genética como base,
sendo que as formas hereditárias iniciam-se na infância ou na adolescência.
o Secundárias ou sintomáticas: existe uma doença ou lesão/agente causal, como AVC,
tramatismo cerebral, paralisia cerebral. Nos adultos, a distonia secundária mais
frequente é a distonia tardia, que é induzida pelo tratamento prolongado com
neurolépticos.

O diagnóstico implica o reconhecimento de um padrão de movimento involuntário do tipo


distónico, não existindo um exame complementar de diagnóstico para o mesmo. Deve-se também
excluir as formas secundárias, sendo que para isso se devem investigar as seguintes patologias:
o Doença de Wilson: doseamento de ceruloplasmina sérica e de cobre urinário de 24h
o Distonia aguda ou tardia iatrogénica: historia farmacológica
o Distonia de Segawa: prova terapêutica com L-dopa [inicio na infância ou
adolescência, de transmissão autossómica dominante, com predomínio diurno e
excelente resposta a baixas doses de L-dopa]
o Distonias paroxísticas: historia clinica e observação dos episódios

O tratamento depende do tipo de distonia:


o Distoniais focais e segmentares: administração de toxina botulínica nos músculos
antagonistas do movimento (relaxa os músculos), sendo que se associa a paresia. A
toxina botulina é administrada por via IM e interfere com a libertação de acetilcolina
na placa neuromuscular.
o Distonias generalizadas e multifocais: terapêutica sistémica com cirurgia de
estimulação cerebral profunda (elétrodos no globus pallidus), anticolinérgicos em
doses altas (tri-hexifenil, benzatropina e biperideno) e L-dopa.

▪ Hemibalismo (Balismo se for bilateral)


Corresponde a um movimento involuntário abrupto e violente que envolve os músculos
proximais apenas de uma metade do corpo. É potencialmente mortal, sendo considerado uma
emergência médica. É uma doença autolimitada que desaparece ao fim de 5-6 meses. É uma forma
de coreia exuberante.

127
É causado por uma lesão aguda do núcleo subtalâmico (núcleo de Luys), normalmente por
AVC. Estes doentes tendem a ter patologias vascular, renal e cardíaca grave de base e, por isso,
se não forem tratados corretamente podem morrer por IR agudizada (acumulação de mioglobina
nos nefrónios como consequência da destruição muscular) e/ou EAM. Com os movimentos, podem
fazer esfacelos das mãos e dos membros inferiores.
O tratamento é feito com neurolépticos/antipsicóticos (sulpiride, haloperidol e
clorpromazina) e, para tratamento crónico, com tetrabenazina (espoliador aminérgico).

▪ Mioclonias
São movimentos involuntários, súbitos e breve (50mseg) causados por uma contração
muscular ativa. Diferem do tremor por não serem oscilantes e por a sua variação ser sempre
brusca.
Podem ser difusas (todo o corpo) ou focais.
Podem ser positivas (aumento do tónus) ou negativas (perda súbita do tónus, causando um
movimento involuntário a favor da gravidade). No caso de serem negativas, um exemplo é o flapping
ou asterexis, que estão associadas a insuficiência hepática e que aparecem quando se pede ao
doente para manter o pulso em dorsiflexão.
Quanto à origem patológica do movimento, podem ser corticais (trata-se com valproato e
clonazepam), subcorticais (gânglios da base, tronco cerebral – trata-se com piracetam, 5-HT e
primidona) e espinhais (trata-se com valproato e clonazepam). Diferentes tipos de mioclonias
podem ter diferentes etiologias. As corticais e as subcorticais têm uma etiologia maioritariamente
toxica ou congénita e as espinhais ou periféricas têm uma etiologia geralmente estrutural.
Etiologia Clinica EMG – duração da atividade EEG–EMG back-avg Amplitude PEC
o Espontâneas o Onda focal no EEG
o Focal e distal
Cortical

o Reflexas o 10-50ms que precede o Aumentada


o Multifocal
o Epilepsias parcial o Resposta descendente mioclonia com o >12microV
o Reflexa, cinética
continua curta latência
o =corticais o Generalizada o >100ms
Subcortical

o Essenciais o Espontânea ou o TC: resposta


o Periódicas reflexa e ascendentes o Sem correlação o Normal
o Distonia generalizada o Medula: resposta
mioclonica (reticular) descendente – 10-100ms

o Rítmicas o Segmentar/focal
Espinhal

o >100ms
segmentares o Espontânea o Sem correlação o Normal
o Síncrona
o Proprioespinhais o Rítmica

As mioclonias pós-hipoxia (pós-coma) ocorrem por lesão dos neurónios seratoninérgicos,


que são os mais sensíveis à hipoxia, ocorrendo uma desregulação do sistema seratoninérgico.
Trata-se com medicamentos com atividade seratoninérgica e através do controlo da atividade
GABAnérgica, mas não há recuperação total e, por isso, recorre-se à cirurgia cerebral profunda.
As mioclonias corticais e subcorticais ocorrem por hipofunção GABAérgica. As que nascem
no tronco cerebral dependem do sistema glicinérgico.
128
Para o diagnóstico, recorre-se ao EMG, EEG e ao registo simultâneo dos dois (ver tabela
acima).

Em todos os casos, antes de tratar, deve-se despistar a existência de fatores desencadeantes


que possam ser tratados, como: medicamentos, tóxicos, encefalopatias e psicogénicos.
A politerapia é a melhor opção em 90% dos casos, sendo que 60% toma 3 ou mais
medicamentos. Os mais frequentemente usados são: valproato, clonazepam (corticais e espinhais),
piracetam, levetiracetam, 5-HT (subcorticais muito cinéticas) e primidona.

▪ Tiques
São movimentos involuntários (semi-voluntários) complexos (sequencia de movimentos)
súbitos e repetitivos, parcialmente incontroláveis. São considerados normais entre os 5-7 anos.
50% dos doentes com tiques tem tiques oculares (ex: pestanejo excessivo).

A síndrome de Gilles de la Tourette manifesta-se por tiques (face e cintura escapular),


corpolália (palavras obscenas) e corpomimia (gestos obscenos). Surge até aos 23 anos. É
frequentemente autossómico dominante, mas a penetrância é variável. É uma síndrome
psiquiátrico porque surge em doentes imaginativos, perfecionistas e com um toque de genialidade
que conseguem controlar os tiques na consulta, mas ao sair perdem o controlo e manifestam a
sintomatologia.

Só se faz tratamento quando os tiques se tornam incomodativos, sendo que este é feito à
base de neurolépticos (pimozide, flufenazina e haloperidol). Os doentes podem desenvolver a
síndrome tardia dos neurolépticos com discinesias oromandibulares, movimentos involuntários
distónicos e a recidiva do sintoma inicial.

▪ Tremores
Correspondem a uma oscilação rítmica de pelo menos 1 região funcional do corpo, mas só
são considerados patológicos se interferirem com a vida social do indivíduo ou se forem incómodos.
Todo o movimento é acompanhado de tremor fisiológico normal, que normalmente é
subclínico e que deriva do balanço dinâmico entre a contração dos músculos agonistas do
movimento e o relaxamento dos antagonistas.

O tremor pode ser classificado de acordo com vários critérios, sendo que de acordo com as
condições de ativação temos a seguinte classificação:
o Presente nos indivíduos normais durante uma ação ou postura fixa
Tremor normal o Frequência 6-12Hz
o Exacerbado em situações de stress (exame oral)
o Monossintomático, predominantemente postural e de ação/intenção
o Torna-se mais lento à medida que os anos passam
Tremor essencial o Elevada prevalência: 6%
o Transmissão autossómica dominante
o Surge cedo

129
o Mão 94% > cabeça 33% > voz 16% > membros inferiores 12% > mento 8% > resto
da face e tronco 3%
o Pode apresentar um componente cinético ou de repouso mas é menos relevante
o A oliva inferior está disfuncionante → oscilações no triangulo de Guillain-
Mollaret13
o = tremor de repouso
o Ocorre numa região que não é ativada voluntariamente e desaparece com a ação
Tremor parkinsónico o Associa-se a lentificação dos movimentos finos e rigidez
o Exacerba-se com manobras de distração
o Descrever segmento afetado e sintomas acompanhantes (ex: parkinsónicos)
o Qualquer tremor que ocorre durante uma contração voluntária de um musculo,
inclui os seguintes:
✓ Postural: com postura contra a gravidade
Tremor de ação ✓ Isométrico: quando contrai um musculo voluntariamente, aplicando força
contra um objeto estático
✓ Cinético: com qualquer movimento voluntário
o Descrever tipo, segmento afetado, sintomas acompanhantes e fatores atenuantes
o Tremor cerebeloso
o Tremor de ação que aumenta de amplitude quando os movimentos são orientados
Tremor de intenção
visualmente para um objeto
o Responde pouco ao tratamento
o Incomodativo
específicos

Véu do palato o O doente ouve cliques (abertura e encerramento da trompa de Eustáquio)


Tremores

o Dificuldade na articulação da voz e na deglutição


Especifico de
o Surge ou agrava com uma tarefa especifica (escrita)
tarefa
o Tremor traumático
o É causado por danos no cerebelo
o É uma combinação de tremor de repouso, ação e postural
Tremor de Holmes
o Tremor de baixa frequência
o Associado a dismetria
o Afeta na metade superior do corpo
o Simpaticomimeticos
Iatrogénico o Antidepressivos: tricíclicos, inibidores da recaptação de serotonina
o Suspender ou reduzir o fármaco
Psicogénico o Difícil fazer diagnóstico diferencial

O diagnóstico é clinico, mas pode ser caraterizado através de uma EMG. É importante
descobrir se o tremor é sintoma de alguma patologia e, para isso, fazem-se os seguintes exames:
o TSH, T3 e T4
o Ionograma e cálcio, fosforo e magnésio séricos
o Creatinina, ureia e glicose
o Gama GT, TGO, TGP e colinesterase

13O triângulo de Guillain-Mollaret é um circuito triangular que conecta o núcleo denteado do cerebelo de um lado,
com os núcleos rubro e olivar inferior do outro lado, através do pedúnculo cerebelar superior e do trato tegmental
central.
130
o Cortisol e parahormona
o Cobre urina 24h e ceruloplasmina serica
o Testes toxicológicos

O tratamento só deve ser realizado quando os tremores afetam a qualidade de vida do


doente e depende do tipo de tremor:
o Essencial: 1ª linha – primidona, propanolol; 2ª linha – gabapentina, topiramato,
alprazolam, bromazepam e clonazepam. A ingestão de álcool melhora este tremor,
mas, dados os riscos implicados no consumo cronico (tolerância e dependência), deve-
se evitar esta abordagem.
o Fisiológico: álcool, propanolol
o Cerebeloso: clonazepam, propanolol, carbamazepina, ioniazida, ondanserton (sem
terapêutica eficaz)
Além do tipo de tremor, a sensibilização do individuo e a localização do tremor são
relevantes para o seu tratamento:
o Mãos: 1º linha – propanolol14 e primidona, sozinho e depois combinados quando
deixam de fazer efeito sozinhos. 2ª linha – topiramato e gabapentina.
o Cefálico e da voz: combinação de propanolol, primidona e, por vezes, clonazepam,
mas só existe uma melhoria modesta com o tratamento.
o Especifico de tarefa: propanolol e toxina botulinica IM.
o Isolado da voz: só se trata se estiver associado a distonia espasmódica, sendo que se
trata com uma injeção de toxina botulinica nas cordas vocais.
o Isolado do mento: não é muito incomodativo.
o Ortostático: é uma variante do tremor postural que ocorre quando o doente está de
pé, afetando os membros inferiores e, por vezes, impedindo a marcha. 1ª linha –
primidona e clonazepam. 2ª linha – gabapentina e valproato.

▪ Parkinsonismo iatrogénico
Há muitos medicamentos que causam ou (des)mascaram um quadro de parkinsonismo,
quer seja por uma reação tipo A ou previsível quer seja por uma do tipo B ou inesperada (não
decorrente do mecanismo de ação principal). Os grupos farmacológicos mais frequentemente
envolvidos são neurolépticos e antipsicóticos (antagonistas D2 maioritariamente), mas todos os
antipsicóticos causam. Outros fármacos são: antieméticos, antivertiginosos, antiarrítmicos
(amiodorona), antidepressivos (inibidores da recaptação da serototina) e moduladores do humor
(valproato, lítio).
Os principais sintomas do parkinsonismo iatrogénico são: tremor de repouso, rigidez,
perturbação da marcha, bradicinesia, sialorreia e tremor postural/intencional.

14O propanolol está contraindicado em doentes com fundo atópico, asma, diabetes, insuficiência cardíaca moderada
ou arritmias cardíacas conhecidas.
131
Deve-se suspender a medicação e a adicionar um neuroléptico atípico (a clozapina é o que
tem menos efeitos extrapiramidais). Se não resultar, adiciona-se medicação.

As doenças tardias do movimento que surgem como complicações dos neurolépticos são:
o Discinesias tardias:
o Oromandibulares são pouco frequentes, estando muito associadas a
neurolépticos ou outros fármacos que interfiram com o sistema
dopaminérgico. É um efeito dependente da dose e do tempo de exposição.
o Balismo tardio é uma discinesia ampla e repentina, cuja única forma de
tratamento é a tetrabenazina (espoliador aminérgico).
o Distonia tardia
o Mioclonias tardias
o Tourette tardio

132
Doenças Neuromusculares
As doenças neuromusculares são entidades neurológicas que podem afetar a célula nervosa
presente no corno anterior da medula (neuropatia motora), o neurónio sensitivo do gânglio
sensitivo (neuropatia sensitiva), o nervo periférico (neuropatia), transmissão neuromuscular
(doença da placa neuromuscular) ou o músculo (miopatia).
Em geral, as doenças neuromusculares caracterizam-se por falta de força, fadiga ou
alterações da sensibilidade.
Podemos então classificar as doenças neuromusculares em:
o Doença do neurónio motor
o Doenças do neurónio sensitivo
o Doenças do nervo periférico
o Doenças da placa neuromuscular
o Doenças do músculo

▪ Doenças do músculo - MIOPATOIAS


Devem-se a uma doença do musculo, hereditária ou adquirida, e apresentam-se com:
o Falta de força muscular: proximal, de afeção gradual, intermitente ou persistente e
causadora de fraqueza
o Diminuição da tolerância ao esforço: fatigabilidade
o Mialgias, caibras, rigidez muscular
o Miotonia: dificuldade de relaxamento muscular após contração muscular voluntária
ou provocada
o Atrofia muscular
o Hipertrofia ou pseudohipertrofia: massas anormalmente desenvolvidas
o Marcha miopática
o Manobra de Gowers positiva: o doente tem de usar as mãos e os braços para se
levantar da posição de joelhos no chão devido a uma falta de força na anca e nas coxas.
É sinal de falta de força proximal dos membros inferiores.
o Mioglobinuria
o Tónus, reflexos e sensibilidade mantidos
O diagnóstico é feito através de:
o Elevação da creatina cinase (CK), das transaminases (GOT/GPT) e da aldolase
o Imagiologia
o EMG
o Biopsia muscular: confirma lesão da fibra muscular e determina o tipo de miopatia
o Função tiroideia
o Analise quantitativa da força muscular: escalda MRC, dinamometria e escalas
funcionais

133
Caso clínico 1
Doente com 18 anos, género masculino, recorre ao médico por queixas de progressiva
redução da força muscular da porção distal dos membros inferiores (pé pendente na marcha),
ptose fixa, parésia na extensão cervical, parésia na oclusão da boa (ptose mandibular), sem
disfagia e episódios de “contractura” (em “garra”) em flexão das mãos aquando de movimentos de
flexão dos dedos. Os primeiros sintomas (alterações da marcha) tiveram início há 4 anos.
Anteriormente saudável, mau desempenho escolar, elevação analítica da CK 2x acima do
limite normal
Ao exame objetivo:
o Pares cranianos: ptose palpebral bilateral simétrica, sem fatigabilidade, sem diplopia
o Diminuição da força muscular de predomínio distal (grau 4+ no segmento proximal e
grau 4 no segmento distal do MS. No MI força muscular grau 4+ no segmento proximal
e grau 2 no segmento distal).
o Parésia cervical (grau 3 na extensão e grau 4 na flexão). “Contratura” das mãos nos
movimentos de preensão
o Reflexos osteotendinosos fracos, mas simétricos. Reflexo cutâneo-plantar flexão bilateral
o Sensibilidade normal

Diagnóstico: Distrofia Miotónica ou Doença de Steinert

▪ Distrofia Miotónica ou Doença de Steinert


Fisiopatologia e manifestações clínicas
A distrofia miotónica é uma doença degenerativa, causada por uma expansão dos tripletos
no gene DMPK (myotonic dystrophy protein kinase). A alteração genética condiciona uma miopatia,
de predomínio distal, e com fenómeno miotónico, isto é, estes doentes têm dificuldade no
relaxamento muscular após contração voluntária ou estimulação muscular. É autossómica
dominante com penetrância e expressividade variáveis (cromossoma 19). Tem um inicio aos 20-
25 ano, sendo que um inicio mais precoce indica uma maior gravidade da doença.
Caracteristicamente os doentes melhoram com movimentos repetidos e pioram com o frio.
O melhor exemplo é o “grasping” – dificuldade em abrir a mão após a ter fechado, por contração
dos flexores dos dedos – no entanto, após contração muscular pode existir, por exemplo, uma
mioclonia dos olhos ou outros segmentos (movimento involuntário, súbito, breve, causado por
contração muscular ativa - difere do tremor porque não são oscilantes, e a sua variação é sempre
brusca). É muito frequente o envolvimento muscular dos músculos da face,
esternocleidomastoideu e dorsiflexores do pé.
Existem inúmeras distrofias musculares (grupo de doenças musculares hereditárias,
degenerativas e não inflamatórias) mas a mais frequente é a miotónica.
É uma patologia multissistémica relativamente frequente que afeta múltiplas estruturas. É
vulgar estes doentes terem cardiomiopatias, disritmias cardíacas (podem causar morte súbita),
cataratas precoces, calvice precoce, infertilidade e desempenho escolar muito mau (QI baixo),
134
diabetes mellitus, disfagia e apneia do sono. A expressão clinica depende da expansão de tripletos
(maior expansão, maior gravidade), apresentando antecipação (inicio mais precoce e maior
severidade em gerações sucessivas).
Note-se que as miopatias em geral cursam com uma parésia de predomínio proximal. Um
doente com uma miopatia queixa-se de dificuldades em atividades do dia-a-dia que obriguem a
maior atividade dos músculos proximais (descer e subir escadas, pentear o cabelo, fazer a barba).
Um doente com parésia proximal não consegue levantar-se da cadeira sem um forte impulso dos
membros superiores. No entanto, há miopatias de predomínio distal como é o caso da miotónica.
Os músculos mais frequentemente envolvidos são os flexores dos dedos e mão.
Podem apresentar disfagia e disfonia por afeção dos músculos do palato e faringe.
É importante ter em conta que as doenças neuromusculares não cursam com dor (exceto
das polineuropatias que podem ter dor neuropática).
Estes doentes são particularmente sensíveis aos anestésicos e relaxantes musculares.

Meios de diagnóstico
Perante uma doença neuromuscular de caracter familiar, podemos ter alguns parâmetros
laboratoriais alterados como a creatinina cinase e as transaminases. A CK é uma enzima
sintetizada, sobretudo, nas células musculares, logo a sua determinação laboratorial poderá ser
útil na investigação de doenças neuromusculares. Nestes doentes, se a CK ou as transaminases
estiverem muito elevadas não é motivo de preocupação, pois estas elevações são explicadas por
esta patologia.
Perante qualquer doença muscular deve-se pesquisar patologia da glândula tiroideia, pois
o hipotiroidismo frequentemente é acompanhado de envolvimento muscular. (Miopatia do
hipotiroidismo: falta de força muscular proximal, cãibras, mialgias e/ou mioedema)
Alguns exames de imagem podem ser uteis na caracterização do doente, nomeadamente a
ressonância magnética dos segmentos afetados. O EMG poderia ser útil para identificar a
miotonia nos casos em que não está clinicamente evidente. No entanto, o exame complementar
135
mais importante é a biópsia do músculo, pois dá-nos a morfologia das células e a arquitetura do
tecido, sendo por vezes indispensável para o diagnóstico, nomeadamente das miosites.
Tipicamente na biópsia temos: focos de necrose e regeneração das fibras musculares, fibrose e
substituição adiposa, variação do tamanho das fibras com atrofia e hipertrofia, aumento do
número de centralizações nucleares.
A distrofia miotónica, sendo hereditária é importante fazer um estudo genético.
No seguimento destes doentes é útil efetuar uma observação oftalmológica para despiste de
cataratas e retinopatia. Devem fazer ECG e Holter periódicos, bem como análises da função tiroide,
dislipidemia e diabetes.
A forma congénita de DMS é a mais grave. É de transmissão quase exclusivamente materna
e as suas manifestações podem ser detetadas in útero. Ao nascer a criança manifesta-se como um
bebé mole, com disfagia e dificuldades respiratórias.

▪ Miosites ou Miopatias inflamatórias


Dentro dos vários tipos de miopatias, as mais importantes são as miopatias inflamatórias
(5-10/1000000), também denominadas de miosites, já que existe tratamento – imunossupressão
(corticosteroides são os mais utilizados) e imunoglobulinas. As miosites têm uma evolução mais
rápida que as restantes miopatias (semanas ou meses). Tendem a estar associadas a outras
doenças autoimunes.

Existem vários tipos de miosites:


o Idiopáticas
• Poliomiosite: mediada por mecanismos de imunidade celular, sendo que os linfócitos
CD8+ que invadem as células musculares e levam à sua destruição. Só afeta adultos.
Existe falta de força proximal, com predomínio na cintura pélvica, e dor.
• Dermatomiosite: os capilares do músculo e de outros tecidos são destruídos pelo
ataque da via do complemento, havendo envolvimento cutâneo – eritema facial, edema
palpebral, calcificações subcutâneas, dilatação dos capilares da base das unhas e
sinal de Gottron (pápulas vermelhas nas articulações dos dedos). Afeta adultos e
crianças (5-14%), sendo que nos adultos se deve fazer o despiste de neoplasia oculta
uma vez que 20% dos casos são uma síndrome paraneoplásica.
• Miosite por corpos de inclusão: atrofia e falta de força dos quadricipetes e longos
flexores dos dedos.
• Manifestações de casos mais graves: disfagia, insuficiência respiratória, miocardite e
alterações do ritmo cardíaco.
o Paraneoplásica
o Infeção viral: frequentes nas crianças e geralmente autolimitadas.
o Associada a fármacos: zidovudina
o Associada a HIV

136
O diagnóstico é feito através de:
o Velocidade de sedimentação
o Creatina cinase aumentada: 20000-30000
o Anticorpos anti-Jo-1
o EMG
o Biopsia muscular: infiltrado inflamatório e necrose das fibras musculares

▪ Doenças da placa neuromuscular


História Clínica 2
Doente 16 anos, género feminino, recorre ao médico por perda de peso (cerca de 10% da
massa corporal), associada a disfagia com engasgar frequente, sobretudo com os líquidos, mais
sintomática no final da refeição, de aparecimento há 6 meses. Para além da persistência das
mesmas queixas refere voz nasalada no último mês, que ocorre frequentemente no final do dia.
Nega outros sintomas.
Avaliação analítica normal, HF de tiroidite (mãe)
Ao exame objetivo:
o Pares cranianos: voz nasalada ao contar até 60 em voz alta e espaçadamente. Ligeira
parésia do orbicular dos lábios e “riso horizontal”
o Força conservada
o Reflexos vivos e simétricos. Reflexo cutâneo-plantar com flexão bilateral.
o Sensibilidade profunda e álgica normal

Diagnóstico: Miastenia Gravis

▪ Miastenia Gravis
Manifestações clínicas
Neste caso, o fator que mais nos faz suspeitar de miastenia é sobretudo o facto de se tratar
de um quadro flutuante, agravado pela fadiga (agrava-se tipicamente pela fadiga, ao final do dia,
calor e doenças sistémicas como quadros febris, melhorando com o repouso).
Outros achados característicos da miastenia incluem: riso horizontal que é explicado pela
parésia do levantador do lábio superior, a disfagia e a disfonia, pelo envolvimento dos músculos
orofaríngeos, e a ptose palpebral assimétrica, muitas vezes acompanhada por diplopia fatigável.
É muito frequente os doentes miasténicos apresentarem-se assintomáticos. Numa primeira
instância, o que se faz é cansar propositadamente os músculos (contar até 60, manter os braços
estendidos por 2 a 3 minutos, olhar prolongadamente para cima, por exemplo) de forma a
despoletar sintomas, como por exemplo, a ptose.
Cerca de 40-50% dos doentes com miastenia começam com queixas oculares (ptose e
diplopia), no entanto, existe uma grande parte que tem predomínio das queixas bulbares (disfonia
e disfagia) agravadas pela fadiga. Um miasténico pode ainda apresentar afetação dos músculos

137
proximais dos membros, revelando-se como fadiga fácil em manobras como fazer a barba, pentear
ou subir as escadas.

Fisiopatologia
A miastenia é uma doença autoimune, tal como a esclerose múltipla, e apresenta uma
prevalência semelhante a esta. Na MG, o defeito fundamental é a redução do número de recetores
de acetilcolina (AchR) na placa neuromuscular. Esta patologia é caracterizada pelo bloqueio e
destruição dos AchR da membrana pós-sináptica da junção neuromuscular pelos autoanticorpos.
Desta forma, ainda que haja acetilcolina na placa, esta não consegue desencadear ação muscular,
já que os canais de sódio permanecem fechados e não há despolarização do sarcolema.

Meios de diagnóstico
Em 90% dos doentes com miastenia generalizada (atribui-se a classificação de miastenia
generalizada a todos os doentes que não têm só manifestações oculares), é possível detetar
autoanticorpos contra o recetor. Nos doentes com miastenia gravis ocular, a presença de
anticorpos é detetável em 50% dos casos. Contudo, este achado não significa que não existam
anticorpos, apenas que não são detetáveis.
É uma doença autoimune progressiva visto que o doente tem tendência a piorar se não for
instituída terapêutica, portanto é importante promover o diagnóstico precoce e atuar. Do ponto de
vista diagnóstico é extremamente importante a clínica, mas existem alguns instrumentos de
diagnóstico importantes: a pesquisa de autoanticorpos e o EMG, que permite verificar se existe
algum problema ao nível da placa neuromuscular, já que a estimulação repetitiva permite “imitar”
a fadiga do músculo, objetivo da contração muscular.
A única forma definitiva de confirmar o diagnóstico é a resposta ao tratamento (Teste de
Tensilon).
Deve-se fazer o diagnóstico diferencial com depressão e hipotiroidismo.

Timo
Dos doentes com miastenia, cerca de 10% apresentam um timoma (tumor do timo) na
altura do diagnóstico, sobretudo os homens mais velhos. Estes doentes apresentam um pior
prognóstico. Portanto, é importante estudar o timo, através de uma TAC ou RMN do mediastino
para averiguar a existência de um tumor, porque apesar de ser, na grande maioria dos casos, um
tumor benigno com crescimento lento tem uma grande capacidade de invasão local. Em doentes
mais jovens, é comum existir (>75%) apenas uma hiperplasia do timo.
É indiscutível que o timo está presente da etiopatogenia da miastenia gravis. Neste órgão,
existem células mioides (semelhantes a células musculares) que apresentam recetores colinérgicos
nicotínicos-like. Neste sentido, uma reação inflamatória pode levar ao sistema imune a reconhecer
os AchR como moléculas estranhas e a produzir anticorpos anti-receptores, os quais, por reação
cruzada, irão bloquear os recetores de acetilcolina do músculo-esquelético.

138
Tratamento
O tratamento passa por inibidores da acetilcolinesterase, como a piridostigmina ou
neostigmina (alivio sintomático transitório), e imunossupressores, como a azatioprina e os
corticoides (especialmente indicados quando a terapêutica isolada de anti-AchE é ineficaz, com
dosagem progressiva). Por vezes, em crises miasténicas graves com diminuição da função
ventilatória têm de ser administrados imunomoduladores como as imunoglobulinas intravenosas
ou ser feita plasmaferese, para remoção dos anticorpos na circulação.
A timectomia normalmente está reservada para os doentes com timoma. Ainda assim, os
doentes jovens (20-50 anos), com anticorpos em circulação identificados e com formas
generalizadas da doença há indicação para remoção do timo pois tem um efeito benéfico na
doença. Desta forma, tem-se proposto a timectomia em doentes com forma generalizada da doença
entre a puberdade e os 55 anos.
Em suma, a miastenia é tratável, apesar de potencialmente fatal se não for tratada
corretamente. Todavia existe agora uma melhor capacidade de tratamento, algo que se repercute
numa diminuição do número de doentes internados nos cuidados intensivos por crises
miasténicas.

▪ Doenças do neurónio motor


História clínica 3
Doente com 37 anos, género masculino, recorre ao médico por queixas de progressiva
redução da força muscular distal dos membros inferiores, com inicio há cerca de 4 meses, desde
essa altura nota que os “músculos mexem” nas coxas. Tem notado dificuldade em subir e descer
escadas, com fadiga na marcha, ocasionalmente tropeça. Refere frequentes caibras de esforço nos
músculos dos membros inferiores.
Sem antecedentes familiares relevantes, avaliação analítica normal, exceto CK = 540
(normal <180)
Exame objetivo:
o Pares cranianos sem alterações
o Força diminuída nos membros inferiores, na dorsiflexão do pé (4- à direita, 4 à esquerda),
na extensão da coza (4 bilateral) e na flexão da coxa (3 à direita, 4 à esquerda)
o Força diminuída no membro superior direito, grau 4 nos músculos intrínsecos da mão
direita, grau 4+ no punho e grau 5 proximal. No membro superior esquerdo, grau 5 em
todos os segmentos
o Atrofia muscular nos membros inferiores (sobretudo no compartimento anterior da perna
direita) e nos músculos intrínsecos da mão direita. Fasciculações profusas nas coxas,
raras nos bicípites
o Reflexos patologicamente vivos no MS direito e no MI direito. Hoffman positivo à direita
e RCP em extensão à direita
o Sensibilidade normal

139
Ao EO é de destacar que o doente apresenta sinais de envolvimento do 1º neurónio e sinais
de envolvimento do 2º neurónio.
o 1º neurónio
• Hiperreflexia
• Espasticidade
• Hoffmann
o 2º neurónio
• Atrofia muscular
• Fasciculações

Diagnóstico: Esclerose Lateral Amiotrófica

Existem um conjunto de doenças neurológicas que englobam o neurónio motor. Em


particular, o 2º neurónio motor, localizado na medula espinhal ou no tronco cerebral, mas por
vezes também há envolvimento do 1º neurónio (neurónio motor existente no córtex motor, origem
da via córtico-espinhal)

▪ Esclerose Lateral Amiotrófica


A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa que condiciona uma
perda progressiva de células motoras na medula espinhal, tronco cerebral e córtex motor,
associando sinais do 1º e 2º neurónio. Não se conhece ainda a causa da doença, apesar de 5 a
10% dos doentes apresentarem história familiar. Os doentes morrem ao fim de 3-5 anos de
evolução da doença por falência respiratória.
A ELA é a terceira doença degenerativa com maior incidência (a mais frequente é o
Alzheimer). No entanto, é a mais frequente nas faixas etárias mais baixas.

Manifestações clínicas
Esta doença tem um pico de incidência que ronda os 55-60 anos, embora possa ter inicio
mais cedo e tem como achados semiológicos característicos: reflexo masseteriano
patologicamente vivo, língua atrófica com fasciculações e mão simiesca (por desnervação dos
músculos do território dos nervos cubital e mediano)
A ELA é das doenças com progressão mais rápida, podendo iniciar-se com falta de força em
qualquer membro, superior ou inferior, ou ainda causando sintomas como disfagia ou disartria,
por envolvimento dos músculos dependentes dos últimos pares cranianos (forma bulbar),
chegando a condicionar uma grande parésia muscular e dificuldades ventilatórias, desde fadiga
fácil, alterações no sono, ortopneia ou falência respiratória por envolvimento diafragmático.
Portanto, perante uma parésia progressiva, sem dor e com sinais de envolvimento do 1º e
2º neurónio é obrigatório pensar em ELA.

140
Diagnóstico e terapêutica
Quando existe uma suspeita clínica, o único exame com capacidade diagnóstica é a
electromiografia. No entanto, poder-se-á realizar ressonância magnética (RM) e análises clínicas
(a CK está aumentada em 40% dos doentes), nomeadamente da função tiroideia, para excluir
outros diagnósticos, como diabetes e hipertiroidismo que também causa importante falta de força
muscular. O exame de líquor pode ser útil nas formas com predomínio de manifestações do 2º
neurónio para exclusão de neuropatias motoras. As provas de função respiratórias são uteis para
esclarecer o envolvimento do diafragma e definir as medidas necessárias.
A intervenção médica a este nível assenta sobretudo em medidas de suporte como a
ventilação mecânica (BiPAP), ou gastrostomia percutânea (PEG) para poderem ser alimentados (se
houver envolvimento bulbar com disfagia). Existe, no entanto, um fármaco (riluzol) que aumenta
a sobrevida e melhora a qualidade de vida.

▪ Doenças do nervo periférico


História clinica 4
Doente com 40 anos, género feminino, recorre ao médico por parestesias (sensação anormal
de picada, formigueiro, impressão de pele enrolada) + noturnas e sensação de encortiçamentos
(sensação de estar a caminhar sobre algodão) nos pés, com inicio há 5 meses, com ligeiro
agravamento.
Antecedentes de doença de Chron há 10 anos, medicada, controlada, sem sintomas
Sem história familiar
Ao exame objetivo:
o Função neurossensorial normal, pares cranianos sem alterações. Força conservada
o Reflexos fracos, simétricos, aquilianos abolidos. RCP com resposta em flexão bilateral.
o Sensibilidade profunda  hipopalestesia (diminuição da sensibilidade vibratória) nos
dedos dos pés
o Sensibilidade postural – alguns erros em ambos os lados
o Sensibilidade álgica – hipostesia distal nos membros inferiores como nível no terço
médio da perna (bilateralmente)

Diagnóstico: neuropatia

▪ Neuropatias
Podem ser classificadas consoante o território nervoso afetado:
1. Mononeuropatia
o Mononeuropatia isolada – afeta o território de um nervo periférico
141
o Mononeuropatia múltipla – os territórios de vários nervos são afetados
2. Polineuropatia – os territórios nervosos são afetados de uma forma difusa e simétrica.
o Polineuropatia motora – atingimento predominantemente motor
o Polineuropatia sensitiva – atingimento predominantemente sensitivo
o Polineuropatia sensitivo-motora
o Polineuropatia de pequenas fibras – afeta as fibras de pequeno calibre (térmico-
álgica)
o Polineuropatia de grandes fibras – afeta as fibras de grande calibre (motilidade e
sensibilidade profunda)

Segundo o resultado do EMG, é possível distinguir:


o Polineuropatia axonal – afeta o axónio – no EMG há baixa amplitude de respostas
motoras e sensitivas
o Polineuropatia desmielinizante – desmielinização do axónio – no EMG há diminuição
da velocidade de condução
o Polineuropatia mista

As neuropatias têm agravamento noturno. As polineuropatias condicionam não só sintomas


negativos como “encortiçamento”, parésia, disfunção eréctil, como também estão na origem de
sintomas positivos como disestesias, dor nevrálgica (dor neuropática) ou hiperpatia.
Na avaliação semiológica de uma neuropatia, existem sobretudo duas manobras que se
utilizam para pesquisar o envolvimento das raízes motoras, nomeadamente, pedir ao doente para
andas em calcanhares e testar a força de extensão do 1º dedo do pé.
Nesta história, numa posterior consulta o doente referiu tomar cronicamente metronidazol
para abcesso perianal. O metronidazol é tóxico para os nervos e explica, nesta doente, o quadro
neuropático. Na história é sempre importante averiguar se há toma de fármacos com efeitos tóxicos
para os nervos como o metronidazol e amiodarona ou para o próprio músculo, como as
estatinas.
As fibras nervosas sensitivas podem ser divididas em curtas (nocicepção) e longas (tato
epicrítico e sensibilidade postural e vibratória). Desta forma, é possível com a clinica saber se há
atingimento predominante das fibras curtas ou longas. As neuropatias normalmente começam
nas fibras longas e progridem para as restantes.
Numa história clinica de neuropatia devemos pesquisar sempre: história familiar, contacto
com tóxicos, hábitos alcoólicos e medicamentosos, infeção viral (Epstein-Barr, HIV, Hepatite C)

História Clínica 5
Doente com 34 anos, género masculino, recorre ao médico por parestesias (+ noturnas) e
sensação de encortiçamento dos pés, com inicio há 12 meses, notório agravamento, os sintomas
sensitivos estão associados a disfunção eréctil e alternância diarreia/obstipação desde o início do
quadro.

142
Saudável, não medicado
Perda de 5kg, nos últimos 6 meses, sem anorexia
Avaliação analítica normal
Filho único, pai falecido com 64 anos de morte súbita, com grave diarreia, vómitos,
dificuldade em deambular, severa perda de peso
Ao EO:
o FNS, pares cranianos normais. Força conservada em todos os segmentos, exceto
extensão do hálux com força de grau 4, simétrica
o Reflexos fracos, simétricos. RCP com flexão bilateral
o Sensibilidade profunda e postural normais
o Sensibilidade térmico-álgica alterada com anestesia distal dos membros inferiores como
nível dos tornozelos e hipostesia com nível nos joelhos.

Diagnóstico: Polineuropatia amiloidótica familiar

▪ Polineuropatia amiloidótica familiar


Em Portugal, perante um jovem com queixas compatíveis com polineuropatia e sintomas de
disautonomia é necessário colocar a hipótese de Paramiloidose Familiar.

Manifestações clínicas
Classicamente, o quadro inicia-se por alterações da sensibilidade térmica e álgica de inicio
distal e nos membros inferiores (simétrica), associada a manifestações disautonómicas (alterações
gastrointestinais, disfunção eréctil, emagrecimento, retenção/incontinência de esfíncteres,
hipotensão ortostática, disritmia cardíaca). O doente morre acamado em caquexia ao fim de 10-
15 dias.

Fisiopatologia
Faz parte das neuropatias axonais, é uma doença progressiva, sensitivo-motora e fatal
causada por uma substituição da valina pela metionina na posição 30 da proteína transtirretina
(TTR), alteração que leva a proteína a perder a sua estrutura quaternária tornando-a instável e
propiciando a sua deposição sob a forma de amiloide lesando vários órgãos, incluindo o nervo
periférico (afetando primeiro, as pequenas fibras). Existem mutações de três proteínas,
transtirretina, apolipoproteina A1 (Apo A1) e gesolina, que definem 3 de PAF. A mutação da
transterrina é a mais frequente na população portuguesa. A transmissão é autossómica
dominante.

Diagnóstico e tratamento
Na PAF, a eletromiografia é importante para comprovar a existência de neuropatia, no
entanto o diagnóstico é estabelecido através de testes genéticos.
Até há pouco tempo, o tratamento passava sobretudo pelo transplante hepático. Embora
o fígado destes doentes seja normal, ele produz uma proteína anormal, desta forma o transplante

143
é capaz de estabilizar a doença. Hoje em dia, existe um fármaco estabilizador da proteína, o
Tafamidis e a maioria dos doentes encontra-se sobre esta terapêutica.
Para um correto diagnóstico e acompanhamento da evolução do doente é necessário ter em
conta os sintomas de disfunção do sistema vegetativo, pois estes apontam-nos para o tipo de fibras
disfuncionais (fibras curtas amielínicas, neste caso).

Os sintomas vegetativos são:


o Impotência sexual
o Diarreia
o Dificuldade miccional
o Incontinência
o Gastroparesia
o Hipotensão ortostática
o Diminuição da sudação
Os sintomas de disautonomia são característicos da PAF, neuropatia diabética e podem
ocorrer na síndrome de Guillian-Barré. É importante excluir estas patologias.

História clinica 6
Doente com 22 anos, género feminino, recorre ao médico por queixas de diminuição de força
muscular rapidamente progressiva dos membros inferiores, distoproximal, no intervalo de 5 dias.
No dia da observação refere dificuldade em rodar a chave na fechadura da sua porta.
Saudável, não medicada
Quadro de diarreia há 2 semanas, com duração de 3 dias
Avaliação analítica normal
Ao EO:
o Sem febre e sem sinais meníngeos
o Função neurossensorial normal
o Discreta menor força na oclusão palpebral ou lábios, simetricamente
o Força dos músculos intrínsecos das mãos grau 4, força extensão perna grau 4,força
dorsiflexão dos pés de grau 3 e de extensão do hálux de grau 2, simétrico
o Arreflexia osteo-tendinosa. RCP com flexão bilateral.
o Sensibilidade profunda e postural com erros. Na sensibilidade postural nos dedos dos
pés e hipopalestesia com nível dos joelhos. Sensibilidade álgica com hipostesia dedos dos
pés.

Diagnóstico: Síndrome Guillian-Barré

▪ Sindrome Guillian-Barré
Polineuropatia aguda inflamatória/imunológica de predomínio motor, de início rápido,
progressivo que atinge o seu máximo em cerca de 4 semanas.

144
Manifestações clinicas
Perante um doente com progressiva falta de força muscular, com uma arreflexia (a doença
é desmielinizante), com defeito da sensibilidade profunda e componente facial envolvida
suspeitamos de Guillian-Barré.
O quadro inicial característico é um doente com parestesias distais nos membros superiores
e inferiores com diminuição da força muscular sendo esta queixa que leva o doente ao médico.
O diagnóstico é fulcral, pois estes doentes frequentemente desenvolvem dificuldades
ventilatórias pelo que têm de ser internados e mantidos sobre vigilância.

Diagnóstico e tratamento
O diagnóstico é clinico. Para confirmar usamos a eletromiografia, que apesar de não ser
um exame de urgência revela muito precocemente a presença de desmielinização. A punção lombar
pode revelar uma dissociação albumino-citológica (aumento de albumina no liquido
cefalorraquidiano sem aumento do número de células). Uma pleocitose importante (>50 células)
sugere etiologia infeciosa (HIV). A dissociação albumino-citológica é um sinal de inflamação das
raízes nervosas, contudo não esta presente de forma precoce, aparece geralmente na 2ª semana.
Num doente com um quadro clinico de Guillian-Barré, o primeiro passo é internar e
confirmar o diagnóstico. Muito frequentemente, esta síndrome ocorre após quadro infecioso,
sobretudo das vias aéreas superiores e gastrointestinal. Por fim, doentes com envolvimento dos
membros inferiores que se traduzam numa incapacidade de movimento têm indicação formal para
tratamento.
Existem dois tratamentos possíveis para o Guillian-Barré: a administração de
imunoglobulinas ou a plasmaferese. A opção mais popular são as imunoglobulinas devido à
facilidade de administração e reduzidas complicações face à plasmaferese.
É preciso muito cuidado com estes doentes, se tiverem dificuldade ventilatória e sinais de
disautonomia devem ser colocados numa unidade de cuidados intensivos (mortalidade até 20%
em doentes não vigiados na UCI). A mortalidade desta doença ronda os 2-3%. Classicamente é
uma doença aguda que dura 3-4 semanas e que recupera progressivamente, estando o tempo de
recuperação dependente da gravidade do episódio.

▪ Polineuropatia desmielinizante inflamatória crónica


É uma doença inflamatória do nervo periférico, tal como o Guillian-Barré, no entanto esta
entidade é uma doença crónica (dura mais de 8 semanas). Nesta patologia observa-se um défice
motor, de predomínio distal e de sensibilidade profunda. A punção lombar revela
hiperproteinorráquia e o EMG confirma o diagnóstico. Outra diferença é que esta responde à
corticoterapia (melhoram a curto termo em 65-95% dos casos). Nas formas resistentes à
corticoterapia, a plasmaferese e as IVIg são alternativas úteis.

145
Doenças desmielinizantes - Esclerose Múltipla
As doenças desmielinizantes caracterizam-se por inflamação e destruição seletiva da
mielina do SNC. O SN periférico não é atingido e a maioria dos doentes não tem evidência de
doença sistémica associada.
A Esclerose Múltipla (EM) ou Esclerose em Placas é o paradigma das doenças
desmielinizantes do SNC e consiste numa patologia inflamatória crónica desmielinizante primária
incurável do SNC. Embora a sua etiologia não esteja ainda totalmente esclarecida, evidências
apontam para um mecanismo autoimune subjacente que tem por alvo a bainha de mielina dos
neurónios do SNC. A EM atinge o SNC de forma politópica, com focos dispersos nos hemisférios
cerebrais, mas com especial predomínio na substância branca periventricular, tronco cerebral,
cerebelo e medula espinhal.
Em termos anatomopatológicos, a doença caracteriza-se por:
o Lesões focais da substância branca (placas)
o Desmielinização e axónios relativamente preservados nas lesões mais recentes
o Gliose e perda neuronal nas lesões mais antigas
o Infiltrados inflamatórios perivasculares

As manifestações da doença variam desde uma forma benigna a uma doença rapidamente
progressiva e incapacitante, que exige profundas modificações do estilo de vida. A EM é a grande
causa de incapacidade neurológica em adultos jovens por doença primariamente neurológica no
ocidente. É uma doença imprevisível, com um prognóstico de difícil definição e sem elementos
preditivos (clínicos, paraclínicos ou laboratoriais) de valor seguro.

▪ Epidemiologia
A prevalência apresenta grande variabilidade. Em Portugal é de 46,3/100000, sendo que
existem cerca de 5000 portadores da doença. Existe um gradiente crescente de prevalência da
doença com a latitude, ou seja, esta é praticamente inexistente nas regiões equatoriais e máxima
nas regiões temperadas. Dados fornecidos por estudos sobre migrações vieram demonstrar que o
risco de desenvolver a doença varia com a idade em que a migração ocorre: se esta tiver lugar
antes dos 15 anos, os indivíduos adquirem um risco semelhante aos residentes da latitude para
onde migraram; se a migração for mais tardia, o risco de desenvolver doença é igual ao existente
na latitude a partir da qual migraram.
Deste modo é possível concluir que a EM é provavelmente uma doença de etiologia
multifatorial para a qual contribuem aspetos individuais (genéticos) e fatores ambientais ainda
não identificados.

▪ Dados demográficos
A EM é uma doença do adulto jovem, estando a idade de início compreendida entre os 20-
40 anos e o pico de diagnóstico na 3ª década de vida (as manifestações são raras antes dos 15 e
após os 60 anos). A relação de incidência feminino:masculino é de 2:1. Um familiar direto de
146
doente com EM tem um risco 4 a 5 vezes superior de desenvolver a doença relativamente a um
individuo sem estes antecedentes.
Esta patologia apresenta incidência diferente consoante as etnias. A razão de incidência nos
Afro-Americanos é 0,43 dos Caucasianos, sendo que para os asiáticos se verifica uma razão ainda
menor (0,22). Para além disto, há minorias em que se verifica uma elevadíssima incidência da
doença: ciganos, índios americanos e esquimós. Parece também haver uma correlação entre o
estado socioeconómico e a frequência da doença.

▪ Fisiopatologia
A condução nervosa nos axónios mielinizados ocorre em saltos, com o impulso nervoso
“saltando” de um nódulo de Ranvier para o seguinte, sem despolarização da membrana axonal
que se encontra sob a bainha de mielina entre os nódulos. Este mecanismo permite velocidades
de condução consideravelmente mais altas do que as produzidas pela propagação continua dos
nervos não-mielinizados. Quando o impulso nervoso não consegue atravessar o segmento
desmielinizado há bloqueio da condução nervosa.
Tal como referido anteriormente, embora a fisiopatologia da doença não esteja esclarecida,
admite-se que a EM seja uma doença imunomediada e que fatores genéticos e ambientais
contribuem para uma resposta imunológica alterada, cuja consequência mais imediata é a
inflamação e a desmielinização e, por fim, a perda neuronal.
Nos doentes com EM, existem subpopulações de células T autorreactivas contra
determinados antigénios existentes na mielina do SNC, subpopulações essas que são ativadas por
fatores ainda desconhecidos que podem incluir superantigénios, infeções virais ou o próprio stress.
Originam-se, desse modo, células Th-1 ativadas, que são capazes de penetrar no SNC através da
barreira hematoencefálica, ligando-se para tal a recetores específicos da membrana endotelial – E-
seletina, molécula de adesão vascular 1 (VCAM-1) e molécula de adesão intracelular 1 (ICAM-1).
Uma vez no interior do SNC, através de um fenómeno de mimetismo molecular, essas
células Th-1 ativadas atacam os antigénios da membrana de mielina. Os detritos da membrana
são fagocitados pela microglia e, posteriormente, apresentados a novos linfócitos T, um fenómeno
mediado pelo complexo HLA classe II – deste processo resultará a ativação de outros mecanismos
imunitários envolvendo a via do complemento, as células B e os seus anticorpos, o IFN-y, a
ativação de macrófagos e a libertação de fatores de necrose tumoral (TNF-alfa e TNF-beta). Ocorre
ainda ativação de outros mediadores, cujo papel só agora começa a ser estudado, como a via do
glutamato, óxido nítrico, protéases, via das caspases e sistema de perforina/granzima. Existe
assim uma autoperpetuação da inflamação e são criadas as condições para a apoptose e morte
dos oligodendrócitos e neurónios.
Embora a preservação dos axónios seja típica da EM, podem também ocorrer destruição
axonal parcial ou total, existindo fortes evidências de que a perda axonal é uma causa importante
de deficiência neurológica irreversível na EM.

147
Podemos, então, considerar três graus de lesão, com características de transitoriedade e
recuperação variáveis:
1. Inflamação  defeito transitório, remissão espontânea
2. Desmielinização  defeito permanente, com flutuações induzidas pelo calor;
recuperação potencial, nunca completa, através da remielinização pelos oligodendrócitos
3. Perda neuronal  defeito permanente, sem flutuações; sem recuperação potencial.

A ordem comum de aparecimento das lesões é: medula espinhal  tronco cerebral 


hemisférios cerebrais. Resta ainda esclarecer o porque da EM ser uma doença crónica do SNC e
não apenas uma situação aguda.

▪ Padrões Evolutivos
O aspeto mais relevante da clinica da EM é a sua grande variabilidade, daí que encontremos
vários padrões evolutivos e uma clinica muito rica e diversificada, facto que se explica pela
multiplicidade aleatória de lesões disseminadas na substância branca do SNC. Com a passagem
do tempo, a díade Inflamação-Recuperação tende a diminuir e a neurodegeneração tende a
aumentar.

148
▪ I: EM recorrente-remitente
A doença tem uma evolução inicial por episódios neurológicos ou surtos que se sucedem no
tempo com periocidade variável; geralmente verifica-se um surto a cada 2 anos. Os surtos
caracterizam-se por sinais e sintomas que traduzem a presença de múltiplos focos de inflamação
do SNC e desmielinização, com uma topografia preferencial: nervo óptico, substância
periventricular, cerebelo, tronco cerebral e medula espinhal. Esses sintomas instalam-se durante
alguns dias e estabilizam dentro de 4 semanas, regredindo total ou parcialmente – quer isto dizer
que a recuperação pode ser total ou ter sequelas e haver deficiência residual após a recuperação.
Por definição, um surto não é induzido por calor ou febre, dura mais de 24h e estende-se
por um período de 4-6 semanas, sendo que todos os sinais e sintomas neurológicos que surjam
ao longo de 1 mês fazem parte do mesmo surto. Os surtos podem incluir novos sinais e sintomas
ou consistir num agravamento de sinais pré-existentes.
Esta forma de EM verifica-se em cerca de 85% dos casos de inicio de doença.

▪ II: EM primariamente progressiva


A doença progride desde o início com plateaus sem que haja individualização de surtos.
Estas formas primárias progressivas têm algumas particularidades:
o Surgem mais tardiamente (4ª-5ª década de vida)
o Igual nos dois géneros
o Há menos lesões inflamatórias e desmielinizantes na substância branca encefálica,
predominando a perda neuronal
o As formas mais frequentes são as que afetam a medula, manifestando-se a doença
como uma paraparésia ou tetraparesia lentamente progressivas.
Esta forma é encontrada em menos de 10% dos doentes com EM.

▪ III: EM secundariamente progressiva


A evolução inicial é de forma recorrente-remitente, mas depois entra numa fase progressiva.
Com o passar dos anos vai-se somando incapacidade cumulativa e os surtos tornam-se menos
frequentes. Passados, em média, 15 anos após o diagnóstico da doença um importante número de
doentes refere agravamento insidioso dos defeitos neurológicos.
Embora a evolução progressiva da EM não seja evitável, 80% dos doentes encontram-se em
fase secundária progressiva 25 anos após o diagnóstico.

▪ IV: EM remitente-progressiva ou transicional


Menos de 5% a doença tem uma evolução insidiosa e progressiva desde o inicio, pontuada
no entanto por surtos de agravamento muito bem individualizados.

Importante reter: nesta doença coexistem 3 fenómenos biológicos distintos: inflamação,


desmielinização e perda axonal. A inflamação e desmielinização são os fenómenos responsáveis
pelos episódios de exacerbação da doença e os defeitos residuais que daí resultam, enquanto a

149
perda axonal explica a evolução progressiva da EM, condicionando incapacidade cumulativa e
irreversível.

▪ Quadro clínico
O quadro clinico da EM divide-se em sinais/sintomas típicos e atípicos, sendo que os típicos
aparecem por lesão na substância branca, sendo mais precoces na doença e os atípicos aparecem
por lesão na substância cinzenta, surgindo em fases mais tardias da patologia.

Sinais/Sintomas Típicos
o Nevrite ótica: apresenta-se como diminuição da acuidade visual, turvação unilateral da
visão, escotoma (devido a nevrite aguda retrobulbar) ou redução da perceção das cores
no campo central da visão. Estes sintomas podem ser leves ou evoluir para perda visual
grave. A preceder ou a acompanhar a perda visual existe muitas vezes dor peri-orbitária,
que é agravada pelos movimentos oculares. O quadro instala-se em poucos dias,
estabiliza e regride em semanas ou meses. Enquanto a recuperação da acuidade visual
é habitualmente num período máximo de 6 meses, podem por vezes persistir alterações
da perceção cromática. Pode existir palidez temporal do disco ótico devido a um atraso
na recuperação do lado temporal do nervo ótico. A nevrite ótica é o sintoma inaugural de
EM em cerca de 35% dos casos e cerca de 60% dos doentes possuem pelo menos 1
episódio ao longo da evolução da doença.
o Fraqueza dos membros: pode manifestar-se como perda de força ou destreza, fadiga ou
distúrbios da marcha. A fraqueza induzida pelo exercício físico é um sintoma típico da
EM – essa fraqueza é do tipo do neurónio motor superior e acompanha-se frequentemente
de outros sinais piramidais. Tende a aparecer como primeiro sintoma em 48% dos
doentes. Em casos graves, o doente pode ter paraplegia parcial ou completa e ficar
confinado a uma cadeira de rodas.
o Espasticidade e outros sinais piramidais: a espasticidade está muitas vezes associada
a espasmos musculares espontâneos e induzidos por movimentos. Mais de 30% têm
espasticidade moderada a grave, especialmente nos MI, no inicio da doença, sendo que
mais de 80% apresentarão no decurso da doença. Em numerosos casos ocorrem
paralelamente espasmos dolorosos que podem interferir na capacidade de andar,
trabalhar ou cuidar de si mesmo. Existe hiperreflexia dos reflexos osteotendinosos e
clonus, sendo que o reflexo rotuliano se encontra exagerado e repetitivo. O sinal de
Babinski é positivo. O doente tem uma marcha de base alargada e inclina-se para a
frente, para trás e para os lados enquanto anda.
o Sintomas e sinais sensitivos: são variáveis e incluem parestesias e hipostesias, sendo
inaugurais em 31% dos doentes.
o Sinal de Lhermitte: consiste numa sensação súbita de choque elétrico, suscitada pela
flexão do pescoço ou outro movimento, que se irradia ao longo da coluna até às pernas.
Mais raramente irradia também para os braços.
150
o Nistagmo, diplopia e vertigens: a diplopia pode resultar de oftalmoplegia internuclear
ou paralisia do VI par craniana (raramente do III ou IV). A oftalmoplegia internuclear,
que é particularmente sugestiva de EM, consiste no comprometimento da adução do olho
por lesão do fasciculo interno/medial homolateral, caracterizando-se por: atraso do olho
direito aquando do movimento conjugado do olhar para a esquerda, atraso do olho
esquerdo (menor) aquando do movimento conjugado do olhar para a direita e
convergência comprometida. Com frequência verifica-se nistagmo proeminente no olho
em abdução juntamente com um ligeiro desvio simétrico. As vertigens podem aparecer
de forma abrupta e simular labirinte aguda. A sua origem no tronco cerebral (e, portanto,
num contexto de EM) em vez de no órgão-alvo é sugerida pela presença de disfunção
crescente coexistente no nervo trigémio ou no facial, de nistagmo vertical, ou de nistagmo
que não exibe latência no inicio, nem inversão da direção e não fatiga
o Disfunção vesical e sexual: a disfunção vesical está presente em >90% dos doentes. Os
doentes têm uma bexiga neurogénica com urgência e incontinência urinária. A disfunção
sexual é comum na EM; os homens relatam impotência, redução da libido, menor
sensibilidade genital, deficiência da ejaculação e incapacidade de atingir/manter a
ereção; as mulheres referem dormência genital, diminuição do orgasmo, redução da
libido, sensações desconfortáveis durante o ato sexual e menor lubrificação vaginal.

Sintomas/sinais atípicos
o Afasia
o Hemianopsia
o Perturbações dos movimentos extrapiramidais – tremor intencional
o Atrofia muscular
o Fasciculação muscular
o Ataxia apendicular ou axial (não
conseguem realizar a prova dedo-
nariz nem a prova calcanhar-joelho),
com disartria e nistagmo cerebeloso
o Triade de Charcot: nistagmo + tremor
intencional + voz escandida [não é
patognomónico]
o Obstipação ou incontinência fecal
o Demência (quadros mais avançados)
o Defeito cognitivo (perturbação dos
mecanismos de evocação e,
sobretudo, lentificação no
processamento da nova informação,
com repercussão na aprendizagem)
o Perda da sensibilidade postural
151
▪ EM e a incapacidade
É uma doença imprevisível e com prognóstico difícil de estabelecer individualmente. A
incapacidade que a caracteriza resulta de 2 fatores: defeito cumulativo que resulta das sequelas
de surtos sucessivos; evolução progressiva da doença, a qual irá determinar a severa incapacidade.
A incapacidade pode ser avaliada segundo a escala EDSS – expanded disability status scale. Varia
entre 0 (exame neurológico normal) e 10 (morte por EM).
Vantagens: está amplamente difundida, e há uma correspondência imediata entre a
pontuação e o desempenho motor do doente com EM.
Ex: 2 – incapacidade mínima; 4 – grande limitação do andar; 6 – doente precisa de apoio
unilateral para andar; 6,5 – doente precisa de apoio bilateral; 7 – cadeira de rodas; 9 - acamado

Desvantagens: avalia as funções motoras não tendo em conta outros sintomas que podem
ser incapacitantes e limitativos. Não é linear, pois um ponto expressa diferenças de incapacidade
de grandeza muito diferente. A partir dos 5, a escala perde sensibilidade.

Patamares cruciais da EDSS:


• EDSS 5: 200 metros sem assistência, limitações no desempenho de 1 dia de trabalho –
patamar atingido em média ao fim de 10 anos de doença
• EDSS 6,5: apoio bilateral constante (15 anos de doença)
• EDSS 7: cadeira de rodas; transfere-se, conduz a cadeira (29 anos de doença)

▪ EM e gravidez
A gravidez tem um efeito protetor, havendo menos surtos durante a gestação. No puerpério
existe maior suscetibilidade de sofrer surtos. O aconselhamento médico relativamente à gravidez
vai depender de 2 fatores: grau de incapacidade da doente; necessidade de manter terapêuticas
para o controlo da doença

▪ Diagnóstico
É necessário demonstrar a existência de duas ou mais lesões da substância branca do SNC
disseminadas no espaço e no tempo e excluir situações que possam apresentar um quadro clinico
semelhante. No entanto, não existe um exame definitivo para EM, recorrendo-se então a:
a) Elementos clínicos  história de múltiplos episódios e um exame neurológico revelando
alterações passiveis de serem provocadas por lesões múltiplas no SNC
b) Exames complementares de diagnóstico  RNM (encefálica e medular), dos potenciais
evocados multimodais (visuais, auditivos e somatossensitivos) e dos exames laboratoriais
(imunoeletroforese do LCR).

Para facilitar o estabelecimento de diagnóstico de EM utilizam-se hoje em dia os critérios


de McDonald que integram os dados clínicos com os da RMN e da imunoeletroforese do LCR.

152
Clínica
O diagnostico é fácil nos casos típicos em que há evidência de múltiplos surtos e um exame
neurológico muito alterado. Contrariamente, nos casos em que há um só surto inaugural
monossintomático ou nas formas de EM de evolução atípica, com progressão inicial e sem surtos
aparentes o diagnóstico é muito difícil.
O diagnóstico não pode ser formulado sem uma clinica relevante e muito sugestiva, pois a
história clinica e o EO permanecem como elementos fundamentais para estabelecer um
diagnóstico definitivo da doença.

RNM
Permite não só confirmar o diagnóstico de EM como compreender melhor a sua história
natural.
A RNM craniana revela a distribuição típica das lesões, as quais são muito bem visíveis:
• Ponderação T2: lesões ovoides, hiperintensas, com distribuição preferencial na
substância branca periventricular, nos centros semiovais, no corpo caloso, no tronco
cerebral e na medula espinhal. Deteta carga lesional total e desmielinização.
• Ponderação T1: lesões hipointensas (black holes), que representam áreas de gliose e
de perda axonal, sendo por isso lesões mais antigas e o seu número vai aumentando
à medida que a doença evolui. Percebe-se assim o porque dos black holes serem mais
numerosos nas formas secundariamente progressivas.
• Contraste injetável (gadolínio): a captação de contraste pode ocorrer em toda a lesão
ou apenas na sua periferia, tomando a forma de anel ou de crescente. Atualmente
sabe-se que a captação de contraste (que ocorre por um período de 4 semanas – é

153
transitória) é feita por lesões inflamatórias e lesões da barreira hematoencefálica que
expressam atividade da doença.

Potenciais Evocados Multimodais (PEM)


Os potenciais evocados consistem numa técnica neurofisiológica em que se avaliam os
potenciais desencadeados na medula espinhal, tronco cerebral, vias óticas, córtex cerebral por
estímulos específicos e padronizados, como por exemplo, ecrãs de televisão com padrão
axadrezado em que há alternância preto/branco dos quadros de tempos a tempos; choques
elétricos (potenciais evocados somato-sensitivos) e estímulos auditivos. Os estímulos vão ser:
• Visuais: estão alterados em 90% dos casos e são uteis em fases inaugurais da doença,
em que apenas há nevrite ótica, por exemplo, sendo que, mesmo sem queixas, podem
ocorrer alterações dos potenciais evocados. Os elétrodos estão colocados no córtex
occipital e no parietal.
• Auditivos: estão alterados em 50-75% dos casos. Os elétrodos estão localizados no
ouvido e no córtex parietal.
• Somatossensorial: estão alterados em 80% dos casos. Os elétrodos estão localizados
no ponto de Erb (fossa supraclavicular) para avaliar o plexo braquial, na apófise
espinhosa de C2 e C7 para avaliar a medula espinhal cervical e a transição
cervicotorácica e no lado contralateral da cabeça ao estimulo para avaliar a resposta
cortical.
Os potenciais evocados visuais são especialmente
Utilizando os PEM é possível:
o Estabelecer a presença de lesões subclínicas
o Definir a extensão do processo patológico a áreas que são difíceis de estudar pelos
métodos de imagem
o Distinguir, sobretudo na via ótica, lesão desmielinizante caracterizada por aumento do
tempo de latência do potencial respetivo (P100) que conserva.

Punção Lombar e Electroforese de LCR


O estudo das imunoglobulinas do LCR fornece elementos de estudo que contribuem
significativamente para o diagnóstico, nomeadamente no surto inaugural de EM com expressão
monossintomática e nas formas primárias progressivas da doença. Cerca de 98% dos doentes com
EM têm produção intratecal de imunoglobulinas, particularmente IgG, o que evidencia a presença
de processo imunológico ativo no seio do SNC.
Existem formulas e diagramas que permitem calcular se há ou não síntese intratecal de
imunoglobulinas, doseando os diferentes tipos de Igs no soro e no LCR. Para alem dessas, pode-
se realizar uma imunoeletroforese do LCR e do soro e comparar as bandas da zona de migração
de imunoglobulinas – a presença de bandas oligoclonais no LCR, ausentes no soro, é reveladora
de síntese intratecal.

154
Embora as bandas oligoclonais não sejam específicas da EM, constituem “impressões
digitais” da doença e a sua presença não é afetada pela corticoterapia ou pelas terapêuticas
imunossupressoras ou imunomodeladoras utilizadas no tratamento da doença.
Quando ao exame citoquímico do LCR num contexto de EM, este apresenta-se
frequentemente normal, podendo por vezes haver um aumento discreto de células com predomínio
linfocitário. Uma pleocitose > 50 células/mm3 torna o diagnóstico de EM pouco provável, sendo
mais concordante com processos inflamatórios do SNC: doença de Lyme, sarcoidose, neurosífilis,
meningoencefalite do HIV, formas severas de encefalomielite aguda pós-infeciosa, doença de
Behçet e outros processos de vasculite ou meningite crónica.

▪ Diagnóstico diferencial
É feito com outras patologias que afetem de forma polisegmentar o SNC. É especialmente
difícil o diagnóstico diferencial entre um surto inaugural e os quadros monofásicos de
desmielinização agudos pós-infeciosos ou pós-vacinais. Nestes últimos, a RM evidencia geralmente
lesões numa mesma fase evolutiva, lesões essas que captam igualmente contraste, e o LCR pode
ter mais frequentemente celularidade aumentada e é muito mais raro estarem presentes as bandas
oligoclonais.

▪ Terapêutica
Pode ser dividida em 3 secções:
a) Terapêutica dos surtos
b) Terapêutica destinada a modificar a história natural da doença
c) Terapêutica sintomática

155
a) Terapêutica dos surtos
Os episódios agudos podem ser tratados com corticosteroides sendo o esquema mais
frequentemente utilizado o de doses elevadas de corticoterapia (metilprednisolona) por via
endovenosa em administrações diárias de 1g, durante 5 dias consecutivos. As principais
vantagens deste esquema são a sua rápida eficácia, a produção de escassos efeitos secundários e
o facto de não necessitar de desmame; tem como inconveniente a administração hospital.
Alternativamente tem-se o esquema de corticoterapia oral com prednisolona com uma
duração de 3-4 meses, mas que apresenta maior número de desvantagens: período de desmame
extenso e tem efeitos secundários normais da corticoterapia crónica.
Os corticosteroides encurtam o período de duração do surto, reduzem a sua severidade, não
afetam as sequelas que podem resultar dos surtos, não alteram a história natural da doença.
Percebe-se assim a ilegitimidade de tratar com corticoterapia surtos de reduzida severidade que
não impliquem incapacidade ou desconforto para o doente. Ou seja, estes últimos doentes não se
tratam.

b) Terapêutica destinada a modificar a história natural da doença


Interferão β  citocina regularizadora da resposta T dependente, promovendo a
transformação de linfócitos Th1 em Th2. Apresenta também propriedades antivirais e anti-
proliferativas.
o IFN β 1-a: Rebif; Avonex
o IFN β 1-b: Betaferon
Reduz, em cerca de 30%, a frequência dos surtos e a sua severidade, e reduz em 50% o
número de novas lesões em RNMs seriadas.
Ineficaz no controlo da fase progressiva da doença, uma vez instalada, não está ainda
provado que possa atrasar significativamente o inicio da progressão.
Efeitos secundários: quadros pseudogripais (febre, mialgias, calafrios e cefaleias), fadiga
(>75%), depressão, alterações hepáticas (hepatotoxicidade), alterações tiroideias (tiroidite
autoimune), alterações hematológicas, irregularidades menstruais e efeitos locais (ulceração e
necrose – só com as formulações subcutâneas).
1ª escolha para tratar doentes com EM com evolução por surtos.

Acetato de Glatirâmero (Copolíemro-1; copaxone)  polímero sintético formado pela


repetição aleatória de 4 aminoácidos que mimetizam componentes da mielina. Atua provavelmente
induzindo perifericamente subpopulações de células T reguladoras inibidoras da resposta
exacerbada Th1. A administração é por via subcutânea.
É eficaz na prevenção de surtos na EM recorrente-remitente. No entanto, não há efeitos
benéficos nas formas progressivas.
Efeitos secundários: efeitos no local da injeção e reações tipo ataque de pânico (1/200).
Reservado para doentes que tenham intolerância ao IFN β.

156
Mitoxantrona  imunossupressor derivado da antraciclina, com marcada atividade anti-
mitótica.
É eficaz nas formas de EM recorrentes-remitentes muito agressivas e nas formas da doença
secundariamente progressivas com elevada frequência de surtos e deterioração rápida.
Os seus efeitos são cumulativos durante um longo período de tempo que se pode estender
por 5 anos.
Efeitos secundários: cardiotoxicidades, indução de leucopenia, efeito tóxico sobre as
gónadas (gravidez futura problemática).
Utilizado nas formas mais graves da doença.

Natalizumab  anticorpo humanizado monoclonal que atua impedindo a ligação das


células agressoras Th1 aos recetores endoteliais, negando assim a sua penetração no SNC.
Redução de surtos em 65%, administração endovenosa mensal, relativamente seguro (3
casos de leucoencefalopatia multifocal). É muito caro.
Especialmente útil nas formas graves e resistentes às outras terapêuticas disponíveis.

Outros fármacos (em estudo)


Azatioprina e imunoglobulinas ev  diminuem frequência de surtos
Metotrexato  terapêutica das formas progressivas
Fingolimod  imunomodulador do recetor esfingosina 1-fosfato

c) Terapêutica sintomática
O doente tem frequentemente múltiplos sinais e sintomas neurológicos que podem ser
tratados, o que modificará a sua qualidade de vida (ex: espasticidade, as disestesias, dores
paroxísticas, vertigens, oscilópsia, tremor, disfunção vesical e sexual, fadiga, depressão).
A reabilitação contribui para o melhoramento do desempenho diários dos doentes,
utilizando estratégias diversificadas: fortalecimento muscular; treino de marcha; postura e
equilíbrio; adequada adaptação a canadianas ou a cadeira de rodas; prevenção de escaras; treino
de auto-algaliação; uso judicioso de órteses.

▪ Evolução geral
1º- Inflamação frequente, desmielinização, transecção axonal, plasticidade e
remielinização.
2º- Inflamação continuada e desmielinização persistente.
3º- Inflamação infrequente, degenerescência axonal cronica, degeneração e gliose.

No geral:
o ↑ incapacidade clinica o ↓ inflamação
o ↑ perda axonal o ↓ volume cerebral

157
Cefaleias
▪ Introdução
Em Portugal, a percentagem de pessoas afetadas por cefaleias é 85%. A incidência a nível
da Europa é 270/100000/ano. As cefaleias são responsáveis por 9% das consultas de MGF, por
19-36% das consultas de Neurologia e por 1,3-2% das admissões no SU. A cefaleias de tensão é a
segunda doença mais frequentes (depois da cárie dentária), sendo que a terceira mais frequente é
a enxaqueca. Esta ultima afeta 20% das mulheres adultas e 8% dos homens.

▪ Mecanismos de dor cefálica


A matriz da dor corresponde ao conjunto de áreas cerebrais que são ativadas quando temos
dor, independentemente do tipo ou da causa da dor. Inclui as seguintes áreas:
o Córtex parietal ascendente: é o local onde se determinam as informações sensitivas
que vêm de todo o corpo e, portanto, permite-nos saber a origem física da dor e
discriminar a sua intensidade.
o Insula: zona responsável pelas respostas autonómicas e emocionais à dor, como
taquicardia, hipotensão ou desmaio.
o Cíngulo anterior: é a área que nos dá a dimensão afetiva da dor (desagradavel).
o Córtex pré-frontal: avaliação cognitiva da dor. Vai ser responsável pelo efeito placebo
(alivio da dor apenas pela sugestão) e pelo efeito noncebo (sentir dor apenas pela
sugestão). Na medicina, as bulas dos medicamentos são uma das grandes causas de
efeito noncebo. Esta área é ativada mesmo antes do doente sentir dor (porque
estamos sempre a induzir sintomas nas pessoas). Também está envolvido nos
sistemas anti-nocicetivos.

No caso das dores de cabeça, a informação vai convergir para o núcleo caudal do trigémio
(ocupa a parte media e inferior do TC e continua-se com o corno posterior da medula – complexo
trigemio-cervical), onde termina toda a informação sensitiva e sensorial, sendo que estas
informações vão ser enviadas para o tálamo. Depois será então ativada a matriz da dor. É
importante ter noção de que o cérebro e o cerebelo não têm terminações nervosas, por isso não
doem, o que dói são as restantes estruturas, como face, meninges, vasos, etc.
O trigémio refere vários tipos de aferências – sistema trigémio-vascular (principal sistema
nociceptivo intracraniano):
o Cutâneas e mucosas: através dos ramos oftálmico, maxilar e mandibular do trigémio
que vão confluir para o gânglio de Gasser e depois daí para o núcleo caudal do
trigémio. A área somatotópica do núcleo do trigémio é invertida: o olho e a parte
superior da face estão representados na parte mais baixa do núcleo.
o Meníngeas: vinda da duramater e da aracnóideia.
o Vasculares: as artérias e veias intracranianas e os seis venosos da duramater são
ricos em terminações nervosas do trigémio que libertam neuropéptidos vasoativos

158
(CGRP, substancia p), que por sua vez causam vasodilatação, aumentam a
permeabilidade vascular e podem causar exsudação – inflamação estéril peri-
vascular.

▪ Causas de dor cefálica


Intracranianas Extracranianas
Seios venosos
Primeiras raízes cervicais
Paredes arterial e venosa
Seios perinasais
Meninges
Globos oculares
V
Dentes
Gânglio de Gasser
ATM
Placas desmielinizantes
Artérias extracranianas
Tumores
Estruturas osteoarticulares e musculares da coluna cervical (dor irradia para cabeça)
Lesões vasculares do TC

▪ Diagnóstico
O mais importante é a historia clinica (a dor é subjetiva), porque o exame objetivo e os
exames complementares (uteis apenas nas cefaleias secundárias) tendem a ser normais. Uma
histórica clinica detalhada deve conter:
o Perfil temporal: idade/data de inicio(agudas, subagudas, cronicas), modo de inicio
súbito/progressivo, a frequências das crises (nº/mês) e a duração (horas). Permite-
nos dividir as cefaleias em:
o Episódicas: períodos de crise separados por outros sem dor. Ex: enxaqueca
o Cronicas: a dor acompanha o doente por 15 dias ou mais por mês. Ex: cefaleia
de tensão cronica
o Súbita: instalação abrupta e intensa. É sugestiva de patologia orgânica.
o Descrição das crises: intensidade (escala, grau de incapacidade), qualidade (pulsátil,
choque, picada, pressão, facada, peso, aperto, latejar, nevrálgica), sintomas
associados (GI, neurológicos transitórios, autonómicos cranianos ipsilaterais), se
modifica a vida do doente (impede de viajar ou trabalhar, interfere com a vida social
ou familiar).
o Local: generalizada, uni ou bilateral, simétrica ou assimétrica, fixa (sempre do
mesmo lado) ou alternante (muda de lado entre crises), trigeminal (2/3 anteriores do
crânio + face) ou extra-trigeminal (resto).
o Fatores que influenciam: precipitantes (desencadeiam a crise – stress, hormonas,
jejum prolongado calor, atividade física ou sexual, etc), agravantes (aumentam
transitoriamente a intensidade da dor - luz, ruidos, movimento, Valsalva) e de alivio
(deitar, isolar, dormir, vomitar, pressionar local da dor, frio, etc).
o Situação atual: tratamento atual ou prévio (o que toma, o que já tomou, vicio em
analgésicos), grau de incapacidade, motivos da consulta (modificação do padrão,
agravamento, de novo, etc) e expetativas.

159
▪ Tipos de cefaleias
Dividem-se, de acordo com a causa, em:
o Secundárias: devem-se a doença, estrutural ou metabólica, dentro ou fora do SNC.
É importante identificar a disfunção e trata-la. Representam 2-6% das cefaleias de
novo. Ex: cefaleia de novo no idoso, cefaleias cervicogénica (patologia degenerativa
da coluna, dor miofascial), arterite temporal (=doença de Horton; vasculite mais
comum em idosos que afeta os ramos da carótida externa e provoca cefaleias, sendo
que os doentes podem ter cansaço, febre baixa e dores na cintura escapular –
polimialgia reumática; palpam-se as artérias temporais superficiais, que estão
endurecidas e com pulsos menos amplos, faz-se analises onde existe aumento da VS
e da PCR, faz-se doppler das artérias temporais onde existe sinal do Halo15 e faz-se
biopsias, iniciando corticoides para reduzir o risco de trombose venosa, trombose
arterial da arterial oftálmica e de perda de visão), nevralgia do trigémio, síndrome
febril, sinusite, glaucoma, infeção do SNC (meningite, encefalite, abcesso cerebral),
traumatismo craniano, patologia cerebrovascular, abuso ou abstinência de
fármacos.
o Primárias: não existe nada a nível estrutural nem dentro nem fora do SNC, mas o
sistema trigémio-vascular é ativado ocasional e espontaneamente e provoca dor. São
cefaleias recorrentes. Surgem sobretudo na juventude e duram a vida toda. Podem
estar associadas a uma predisposição genética. Ex: enxaquecas, cefaleias de tensão,
cefaleias de salvas
▪ Cefaleia de tensão: cefaleia pouco especifica, em geral difusa ou bilateral,
sobretudo nas regiões frontais, temporais e occipitais, que é sentida como
sensação de aperto ou peso ligeiro persistente e incomodativo. É simétrica e
pode irradiar para a nuca. A dor tem
uma intensidade ligeira a moderada e
raramente é incapacitante, tendo
poucos sintomas associados. É muito
frequente, mesmo em indivíduos
saudáveis em situações de tensão ou
stresses e quando se mantêm
posturas pouco confortáveis por
períodos prolongados. Quando é
ocasional, chama-se cefaleia de
tensão episódica, mas existem
doentes com dor cronica (>15

15 Sinal do Halo: edema e inflamação da parede arterial.


160
dias/mês com dor) ou diária e, neste caso, chama-se cefaleia de tensão
cronica.
✓ Etiopatogenia: fatores periféricos, musculares (tensão exagerada dos
músculos epicranianos) e mecanismos centrais (maior sensibilidade à
dor)
✓ Terapeutica: sobretudo preventiva, com medidas farmacológicas
(antidepressivos tricíclicos e relaxantes musculares) e não
farmacológicas (exercício físico e treino de relaxamento)
▪ Enxaquecas (=migraine): é muito frequente, principalmente nas mulheres
(20%), e tem um pico de prevalência aos 40 anos, sendo mais rara antes dos
20 e depois dos 60 anos. As crises iniciam-se na infância ou no inicio da vida
adulta e podem manter-se toda a vida, sendo que alguns casos melhoram com
a menopausa e com o envelhecimento. É uma dor recorrente, episódica, sendo
que 72h com dor é, normalmente, a duração máxima de uma crise enxaqueca.
Existem dois tipos de enxaqueca: sem aura (82%) e com aura (18%). As crises
de enxaqueca têm um componente hereditário que determina uma maior
suscetibilidade do sistema nervoso a determinados estímulos.
✓ Patogenia: ativação do tronco cerebral (substancia cinzenta
periaquedutal e núcleos aminergicos) → estimulação do núcleo
sensitivo do trigémio → vasodilatação + aumento da permeabilidade
vascular + inflamação perivascular neurogénea + libertação de
neurotransmissores nociceptivos (substancia P e CaGRP) →
estimulação das terminações sensitivas do trimémio → dor
✓ Perante um doente com enxaqueca, devemos esclarecer e tranquilizar
os doentes, identificar fatores desencadeantes (variações hormonais,
alterações do sono, calor, estímulos sensoriais, jejum prolongado,
esforço físico, stress e pós-stress), fatores de agravamento (pilula
contracetiva não é recomendada a mulheres >35 anos com crises de
enxaqueca com aura porque se associa a um maior risco de patologia
vascular) e investigar (inicio tardio, auras prolongadas e aspetos muito
atípicos).
✓ Terapêutica precoce: se o doente tiver náuseas e vómitos, não pode ser
pela via oral – AINEs16, analgésicos, antieméticos e triptanos17
✓ Terapêutica preventiva: em caso de crises frequentes (>3/mês),
prolongadas e incapacitantes, faz-se prevenção farmacológica com β-

16 AINEs: causam irritação gástrica e têm um uso limitado em asmáticos e alérgicos.


17 Triptanos: causam vasoconstrição, por isso é preciso cuidado em idosos.
161
bloqueantes (propanolol, timolol), antidepressivos tricíclicos e
antiepiléticos18 (divalproato de sódio19, topiramato).
✓ Investigar: inicio tardio, auras prolongadas, alterações ao exame
neurológico, aspetos atípicos
✓ Enxaqueca cronica (>15dias/mês): está recomendada a toxina
botulínica (injeta-se em 30 pontos do couro cabeludo de 3 em 3 meses)
que inibe a libertação de glutamato e CGRP, que normalmente mediam
a dor cefálica. Estão a ser estudados anticorpos monoclonais anti-
CGRP, que são administrados por via subcutânea 1 vez/mês, são
eficazes na redução da frequência das crises ao fim da primeira
administração e têm poucos efeitos adversos.
Enxaqueca sem aura (85%) Enxaqueca com aura (15%)
oSintomas neurológicos transitórios antes da dor: duram 5-20min,
no máximo 60 min [>60min é aura prolongada e deve ser
investigada]
oEpisódica oSintomas visuais (+ comuns): binoculares progressivas, em
oCrises 4-72h de dor crescendo ou com marcha e movimento. São formas geométricas
oUnilateral, mas o lado muda entre crises que mudam de posição ao longo do tempo, brilhantes –
oPulsátil, intensa, incapacitante “escotomas” cintilantes. Começam no centro do campo visual e
oPiora com: esforço, movimento, Valsalva depois espalha-se e a pessoa começa a ver mal:
oSintomas GI: náuseas e vómitos ▪ 1º: fenómeno positivo – brilhos e reflexos
oFotofobia20 ▪ 2º: fenómeno negativo – diminuição ou perda de visão
oSonofobia21 oProgressão de 3mm/min no córtex (depressão alastrante cortical)
oOsmofobia22 oNão respeita os territórios vasculares
oCinesiofobia23 → ficam completamente imóveis oSintomas sensitivos: parestesias que progridem da mão para o
oHaptefobia24 braço e metade da face, podendo ocorrer dificuldades de
linguagem
oSintomas motores: raros, deve-se excluir outros diagnósticos como
AVC ou crises epiléticas focais

18 Antiepiléticos: diminuem a excitabilidade cortical, o que diminui o desenrolar das crises.


19 Valproato: não deve ser dado a mulheres jovens que pretendam engravidar pelo risco tertogénico.
20 Fotofobia: intolerância à luz.
21 Sonofobia: intolerância aos ruídos/sons.
22 Osmofobia: intolerância a cheiros.
23 Cinesiofobia: intolerância ao movimento.
24 Haptefobia: medo de tocar ou de ser tocado.
162
▪ Cefaleias trigémino-autonómicas (CTA): grupo de cefaleias idiopáticas onde há
ativação das vias nociceptivas trigeminovasculares associada a ativação
autonómica craniana reflexa. Estas cefaleias têm em comum as crises de curta
duração, unilaterais, de dor muito intensa e sintomas autonómicos típicos
acompanhantes (lacrimejo, rinorreia, reação conjuntival, olho vermelho e
fechado, ptose, miose), diferindo quanto à duração, frequência e ritmo das
crises, bem como na intensidade da dor, sintomas autonómicos e opções
terapêuticas. Incluem as seguintes síndromes:
✓ Cefaleia em salvas25 (episódica ou crônica) (CS): prevalência de 1% e
mais frequente nos homens (2/3), sendo que existe uma predisposição
genética comum risco aumentado de 14% em parentes de 1º grau e
historia familiar em 7-11%. Deve-se a uma ativação do hipotálamo,
devido ao ritmo e periocidade circadianos. Ativam o sistema trigémio-
vascular e o reflexo trigemino-autonomico (o que causa os sintomas
autonómicos), sendo este formado por uma sinapse entre o núcleo
caudal do V e o núcleo salivar superior do VII.
o Dor estritamente unilateral e fixa e com ritmo circadiano
(sempre à mesma hora) e circanual (sempre na mesma altura
do ano). A crise mais típica ocorre 2h após o doente adormecer,
quando entra no primeiro ciclo de sono REM. A dor localiza-se
principalmente na região periorbitária e na tempora. O
diagnóstico de CS é exclusivamente clínica (ver tabela em baixo).

25 Cefaleia em salvas = Cluster headache


163
o Na forma episódica, os ataques são relativamente curtos
(duração de 15-180 minutos), mas com dor excruciante, e
ocorrem diariamente durante algumas semanas, sendo
seguidos por um período de remissão. Durante a crise, os
doentes tendem a ficar agitados e desesperados, não conseguido
estar quietos.
o Na forma crónica, os ataques ocorrem sem que haja um período
de remissão superior a um mês. Em média, um período de salva
dura cerca de 6 a 12 semanas e a remissão chega a durar 12
meses.
o A dor melhora com o frio. O tratamento não farmacológico é
ineficaz. O tratamento agudo é feito com oxigénio puro (inalado
durante 15-20min por mascara facial a pelo menos 7l/min),
ergotamina e triptano subcutâneo ou sray nasal (eficaz em 75%,
fazendo efeito em 20min). A terapia profilática, cujos objetivos
são suprimir as crises e manter a remissão, é feita com
verapamil (fazer ECG de controlo), topiramato, valproato de
sódio, carbonato de lítio (eficaz em 78% das CS crónicas) ou
corticoides (tempo limitado devido aos efeitos adversos).

✓ Hemicrania paroxística (episódica ou crônica) (HP)


✓ Cefaleia breve, unilateral, neuralgiforme com hiperemia conjuntival e
lacrimejamento (síndrome SUNCT).

Algumas cefaleias pioram com a manobra de Valsalva. Nesta manobra, existe um aumento
da pressão intratorácica, uma diminuição do retorno venoso e, consequentemente, um aumento
da pressão intracraniana. Alguns exemplos destes casos são:
o Hipertensão intracraniana
o Trombose venosa central: às vezes só têm dor de cabeça, sem grandes sintomas focais
o Malformações de Chiari: são malformações da charneira occipital nas quais a fossa
posterior é mais pequena e onde existe herniação das amígdalas cerebelosas pelo
buraco occipital. Muitas vezes o único sintomas é o aparecimento de cefaleias com a
164
tosse. Pode causar hidrocefalia devido à obstrução do fluxo do LCR. Para tratar pode
ser necessário fazer a descompressão cirúrgica desta área.

Existem vários sinais de alarme (na presença de algum, é necessária a realização de exames
complementares de diagnóstico), sendo que alguns dos quais são:
o De novo ou modificação do padrão depois dos 55 anos: pode indicar patologia
degenerativa da coluna cervical (cerviocogénia – região posterior), cefaleias por
fármacos (vasodilatadores, anti-hipertensivos, vasodilatadores coronários e
antiagregantes plaquetares), nevralgia do trigémio e arterite temporal (se não for
tratada pode ter uma infiltração inflamatória das artérias oftálmicas e causar
cegueira). A maior parte das cefaleias primarias e benigna começam cedo na vida
(20-30 anos).
o Doentes anticoagulados ou com discrasias sanguíneas: as cefaleias podem aparecer
progressivamente alguns dias ou semanas após um traumatismo.
o Doente com neoplasia conhecida ou imunossuprimido: têm maior probabilidade de
ter complicações intracranianas (metástases e infeções oportunistas).
o Peri-parto: pré (eclampsia) e pós-parto (trombose venosa cerebral)
o Acompanhada de febre: podem indicar infeção do SNC (meningite, encefalite, abcesso
do SNC). Normalmente agravam com movimentos bruscos da cabeça (sinal de jolt) e
têm alteração da consciência e do comportamento.
o Desencadeadas ou agravadas pela manobra de Valsalva (tosse, espirro), pelo
decúbito, pelo esforço físico, pela atividade sexual, que acordam o doente de
madrugada, que são acompanhadas por náuseas e vómitos: são sugestivas de
hipertensão intracraniana (as manobras de Valsalva aumentam essa hipertensão),
que pode ser causada por lesão expansiva, trombose venosa cerebral, malformações
da charneira craniocervical (Malformação de Chiari – 50% dos doentes com cefaleia
da tosse) ou ser idiopática.
o A primeira ou a pior de todas: the first/the worst em quem tenha historia de cefaleias.
o Presença de outros sinais neurológicos: diplopia, hemiparesia, defeito de campo,
desequilíbrio, ataxia
o Após traumatismo: principalmente em idoso, alcoólico, anticoagulado ou num doente
epilético (mais sujeito a quedas). Deve-se pensar em complicações intracranianas
pós-traumáticas, como hematoma subdural (podem associar a sinais de hipertensão
intracraniana, como edema da papila, e a efeito de massa). Deve-se realizar TC.
o Mudança de padrão
o Mudança de comportamento
o Acompanhada de sindromde de Horner (ptose e miose unilateral + hipo ou anidrose
da face ipsilateral): cefaleia de novo, com ou sem cervicalgia, com esta síndrome
obriga à exclusão de lesão das fibras simpáticas pericarotideas, que pode ser causada

165
por disseção da carótida extracraniana. É uma situação de risco para AVC major em
jovens.
o Cefaleias súbita: atinge logo a intensidade máxima. Nunca se manda para casa um
doente com uma cefaleia súbita porque até prova em contrário tem uma patologia
orgânica, nomeadamente hemorragia meníngea ou subaracnoideia. Se ocorreu
durante o esforço físico ou a atividade sexual é ainda mais sugestivo de patologia
intracraniana. Deve-se confirmar diagnóstico por TC (mostra sangue em situações
agudas), RM ou punção lombar (mantém-se alterado até 3 semanas). As causas deste
tipo de cefaleias são:
▪ Patologia vascular: hemorragia subaracnoideia ou meníngea (mortalidade de
20% antes do SU e mortalidade e morbilidade de 59% após admissão no
hospital; tem sinais meníngeos a partir das 4h e a dor irradia para nuca e
região cervical) por rutura de aneurisma, aneurisma sem rutura (9% - a sua
expansão pode causar cefaleias; sem alterações na TC nem na punção lombar
– chama-se hemorragia sentinela)
▪ Trombose venosa cerebral
▪ Síndrome da vasoconstrição cerebral reversível: doença cerebrovascular rara
caracterizada por vasoconstrição segmentar das artérias cerebrais, mais
frequentemente espontaneamente reversível. Pode ocorrer no período pós-
parto, manifestando-se através de sintomas neurológicos agudos, sendo que
os exames de imagem desempenham um papel fundamental para o seu
diagnóstico. Embora classicamente considerada uma doença autolimitada e
benigna, pode apresentar cursos menos favoráveis com importante
morbilidade e mortalidade associada.
▪ Disseção arterial: 13%
▪ Apoplexia pituitária: provocada pelo enfarte ou pela hemorragia súbita da
hipófise. Ocorre mais frequentemente num adenoma hipofisário pré‐existente,
embora também possa acontecer numa glândula estruturalmente normal. A
sua apresentação clínica pode ser aguda, com cefaleia, oftalmoplegia, déficits
neurológicos, coma ou até mesmo morte, ou então desenvolver‐se
insidiosamente, com sintomas subagudos, durante dias ou semanas.
▪ Fistula espontânea LCR (causa não traumática): são incomuns (4%) e de difícil
confirmação e localização. Podem ser de alta pressão ou de pressão normal.
As fístulas de alta pressão são mais comuns e resultam de tumores ou
hidrocefalia. As de pressão normal ocorrem como resultado de anomalias
congênitas ou osteomielite. Ocasionalmente, aparecem sem uma causa
definida. Causam hipotensão craniana. A cefaleia piora quando a pessoa está
em ortostatismo e melhora com o decúbito.

O facto de uma cefaleia interferir com o sono é um sinal de intensidade, mas não de alarme.
166
▪ Nevralgia do trigémio
É uma dor nevrálgica que ocorre por estimulação direta do nervo. A dor é sentida
principalmente nos andares medio (V2) e inferior (V3) da face, apenas de um lado (sempre o
mesmo) e é instantânea, muito intensa e incomodativa, tipo choque elétrico. A dor é desencadeada
por áreas/manobras de gatilho (pontos onde o toque desencadeia dor) – mastigar, lavar os dentes.
Ocorre a partir dos 60/70 anos, resultando de contactos neurovasculares anómalos entre
as artérias da fossa posterior do crânio (que ficam tortuosa com a idade) e a raiz sensitiva do
trigémio. Numa pessoa com 20/30 anos, devemos pensar noutras causas, como tumores da fossa
posterior e lesões desmielinizantes do tronco cerebral (esclerose múltipla). Para despistar estas
causas, faz-se TC ou RM cranioencefálicas.

O tratamento é feito, primeiramente, com antiepiléticos (carbamazepina, gabapentina,


clonazepam), antiespásticos (baclofeno) e antidepressivos tricíclicos, mas é preciso ter cuidado em
idosos por causa dos efeitos secundários (ataxia, desequilíbrio, quedas, tonturas).
Se a terapêutica médica não resultar ou o doente for intolerante à mesma, faz-se
descompressão microvascular da raiz do trigémio na fossa posterior. Causa alivio imediato em 91-
97% e alivio a longo prazo em 53-70%. Nos indivíduos idosos com elevado risco cirúrgica, pode
fazer-se uma lesão parcial do nervo (neurolise) com álcool, fenol ou radiofrequência, que, apesar
de poder ser eficaz, tem maior risco de recorrência.

▪ Cefaleias crónicas
Num doente que esteja sempre com cefaleia, devemos pensar em enxaqueca crónica,
cefaleia de tensão cronica e cefaleia por abuso medicamentoso.
A cefaleia de tensão cronica apresenta-se com uma dor mantida, pouco intensa, sem
incapacidade, bilateral, simétrica, em capacete e de pressão. Os doentes podem ter sonofobia. A
dor alivia com relaxamento e agrava sob tensão e pressão. Existe uma contração constante dos
músculos do crânio (temporal, fronto-occipital, etc) e uma alteração da nocicepção com diminuição
dos sistemas anti-nociceptivos (têm maior sensibilidade à dor).
A terapêutica mais importante é preventiva e é feita com antidepressivos que, mesmo em
doses baixas, são eficazes. Aconselhar exercício físico e exercícios de relaxamento. Não se deve dar
analgésicos porque os doentes viciam.

▪ Cefaleias por abuso medicamentoso


Os doentes com cefaleias cronicas, muitas vezes, começam a tomar analgésicos por rotina
diária, o que, a médio-longo prazo, vai levar a patologias renais, hepáticas e gástricas. Este abuso
de analgésicos é uma das complicações das cefaleias cronicas, uma vez que este consumo
exagerado leva a tolerância, perda do efeito terapêutica e dependência, o que vai “criar” cefaleias
intratáveis e sem resposta à terapêutica.
Deve-se parar os analgésicos, sendo por vezes preciso internar os doentes, e educar o
doente.

167
Patologia do Sono
▪ Introdução
1/3 da população terá uma perturbação do sono durante a vida, 1/3 dos adultos estão em
privação de sono (atualmente dorme-se menos 1,5h do que no inicio do seculo XX), 1/5 dos adultos
têm insónia cronica e 1/3 dos doentes que recorrem ao medico têm insónia. As patologias do sono
estão associadas a um aumento do risco:
o Cardiovascular e de morte: a privação de sono aumenta a PA. Dormir mal aumenta
o risco CV nos 10 anos seguintes.
o Obesidade/síndrome metabólico: a privação de sono aumenta o cortisol, reduz a
leptina e aumenta o risco do diabetes. A síndrome da apneia obstrutiva do sono
(SAOS) aumenta a resistência à insulina e o risco de diabetes independentemente da
obesidade.
o Neurocognitivo: a fragmentação e privação do sono diminuem o desempenho
psicomotor, diminuição da atenção e da concentração, aumento do tempo de reação,
sensação de fadiga, mau humor, irritabilidade, confusão e diminuição da memoria
para eventos recentes.
o Psicologico e sobre a qualidade de vida: a insónia cronica e a privação de sono
aumentam o risco de depressão, ansiedade e suicídio, diminuem o desempenho e a
capacidade de trabalho, reduzem a qualidade de vida e aumentam a recorrência às
instituições de saúde.
o Acidentes: 27% dos acidentes ocorrem por sonolência ou perda de conhecimento,
sendo este risco maior quando associado a alcoolismo. 83% das mortes por acidentes
nas estradas são causados por sonolência ou perda de conhecimento.
Assim, as patologias do sono podem causar doenças sistémicas e vice versa.

O sono está integrado no sistema sono-vigília e é um estado de imobilidade parcial


associado a uma desconexão parcial do ambiente. Para o caraterizar objetivamente, usam-se os
seguintes critérios:
Critérios comportamentais Critérios neurofisiológicos
o EEG26: lentificação da eletrogénese cerebral inicialmente oscilante e
depois persistente, com atividades transitórias variáveis e próprias
o Mobilidade nula ou ligeira
de cada fase do sono
o Olhos fechados
o EOG27: movimentos oculares lentos que se reduzem no sono lento
o Resposta reduzida a estímulos exteriores
mais profundo + movimentos oculares frequentes e sacádicos no
o Posição caraterística
sono REM ou paradoxal
o Reversibilidade
o EMG28: tónus muscular diminui durante o sono, sendo quase nulo
no sono REM29 ou paradoxal

26 EEG=eletroencefalograma
27 EOG=eletro-oculograma
28 EMG=eletromiograma
29 Sono REM= sono rapid eye movement
168
O sono é um comportamento, muitas vezes precedido por alguns rituais (lugar calmo,
fresco, com luz adequada). As funções do sono são:
o Conservação da energia e ativação dos processos anabólicos: por um lado, 2/3
da secreção diária de hormona do crescimento ocorre durante o sono e, por outro
lado, uma maior duração de NREM melhora o prognóstico das infeções bacterianas,
sendo que a privação de sono por suprimir o sistema imunitário.
o Termorregulação cerebral: o sono NREM permite o controlo homeostático da
temperatura do cérebro através da diminuição da utilização de energia e do
metabolismo cerebral.
o Desenvolvimento cerebral: durante o sono REM, existe uma grande atividade
neuronal, podendo facilitar o desenvolvimento das redes neuronais. Este ponto é
muito importante nas primeiras fases da nossa vida.
o Plasticidade cerebral: no sono NREM, ocorre a formação de memorias e, no sono
REM, ocorre a consolidação das novas memorias.

O sono depende de parâmetros que variam ao longo das suas fases e que nos permitem
classificar o sono como normal ou anormal:
o Estado de consciência: varia com a o Movimentos e posição corporal
fase do sono o Atividade cardiovascular: instável em
o Funções cognitivas: sonhos sono REM
o Atividade elétrica cerebral o Atividade respiratória: instável em sono
o Movimentos oculares: rápidos no REM
sono REM o Temperatura

Durante o sono, existem três estados funcionais, que alternam em ciclos de sono que duram
cerca de 90/100 minutos:
o Vigília
o NREM30: definem-se os estádios N1 (sono superficial), N2, N3 (antigas fases 3 e 4 –
sono de ondas lentas) (sono lento profundo), sendo que o limiar para o despertar vai
aumentando com as fases. Por ordem, dentro deste sono o tempo é distribuído da
seguinte forma N2>N3>N1, sendo que num sono patológico esta distribuição pode
estar alterada.
o REM ou paradoxal: tem um elevado limiar para o despertar. É caraterizado por
movimento oculares rápidos e por uma atonia muscular.
Vigília NREM REM
EEG Rápido Lento Rápido
EMG ++ + 0
EOG ++ +/- +++
Pulso ++ + Variável

30 Sono NREM= sono non-rapid eye movement


169
Respiração Variável
Temperatura ++ - Variável
Pensamento ++ - Sonhos

Em cada noite, fazemos 4-6 ciclos de sono (6,5-8,5 horas de sono), progredindo em cada
um deles para um sono mais profundo e depois novamente para mais superficial, terminando num
sono REM que culmina com um despertar transitório. Nos últimos ciclos de sono, não se atinge
N3 mas passa-se mais tempo em sono REM. Durante a noite, existe mais sono lento
profundo/NREM (80% do sono) no primeiro 1/3 da noite e mais sono REM (20% do sono) na parte
final da noite. As patologias do sono NREM ocorrem principalmente na parte inicial do sono
(sonambulismo) e as do sono REM irão manifestar-se algum tempo antes do doente acordar.
A organização circadiana (com a idade, existe a tendência para acordar e deitar mais cedo),
o tempo total, os parâmetros e as fases do sono evoluem com a idade:
o Recém-nascido: o sono é polifásico, sendo que o bebe dorme varias vezes por dia.
Dorme 16-18h/dia. No recém-nascido, 50% do sono é REM, mas passa para 20%
nos primeiros anos e mantém-se assim ao longo da vida, reduzindo mais na velhice.
As fases profundas de sono lento não existem no recém-nascido, aparecendo aos 4
meses e aumentando a partir dai até atingirem 20% no jovem adulto, sendo que
depois reduzem progressivamente ao longo da vida. As crianças têm mais fase N3.
o 6 meses: dorme 14-15h/dia.
o 2 anos: sono bifásico – uma sesta e um episodio de sono noturno
o 3-4 anos: dorme 12h/dia.
o Idades escolar e adulta: sono monofásico. Entre os 10 e os 12 anos, dorme 10h/dia,
os adolescentes dormem 8-9h/dia e os adultos 7-8h/dia. No adulto, diminui
progressivamente a eficiência do sono e aumenta a latência31. A partir da
adolescência, a fase N3 do NREM começam a diminuir, mas os episódios de vigília e
a fase N1 aumentam com a idade.
o Velhice: sono bi ou polifásico. Os idosos dormem 5-6h/dia.
Os efeitos da idade no sono são mais pronunciados nos homens.

▪ Semiologia do sono
As perturbações do sono são muito frequentes e algumas são influenciadas por hábitos de
vida, por isso a historia clinica é fundamental e deve incluir:
o Descrição do quadro clinico: tipo, frequência, intensidade, modo e idade de
aparecimento, horário, evolução dos sintomas relacionados com o ciclo de sono-
vigília, atividades diárias perturbadas (sociais, profissionais, lazer, condução).
o Sintomas: podem ocorrer em diferentes fases do dia (ao adormecer, durante a noite
(inicio, meio ou fim), ao despertar e durante o dia).
o Sintomas de outras patologias

31 Latência do sono: período de tempo que é preciso para realizar a transição da vigília para o sono total.
170
o Horários e hábitos de sono: o doente pode elaborar um diário de sono, onde regista
horas de deitar e acordar, numero médio de horas na cama e numero medio de horas
de sono.
o Hábitos alimentares e toxicofilicos
o Historia farmacológica
o Antecedentes pessoais e familiares
o Descrição de terceiros do sono
o Avaliação por questionários:
▪ Pittsburg sleep quality inventory: caraterísticas globais do sono
▪ Stanford sleepiness scale: sonolência
▪ Epworth sleppiness scale: sonolência. É constituída por 8 itens e avalia a
probabilidade (0-3) de o doente adormecer em várias situações. É mais fácil de
utilizar e está orientado para aspetos comportamentais. É o mais usado hoje
em dia. É sinal patológico quando é ≥10.

No exame objetivo, deve-se realizar o exame geral e o exame neurológico de forma a avaliar
os seguintes parâmetros:
o Peso e altura, de forma a ser possível calcular o IMC
o Perímetro do pescoço e do abdómen
o Fossas nasais, orofaringe e morfologia da face
o Tensão arterial e pulso
o Frequência e padrão respiratório
o Auscultação pulmonar e cardíaca
o Palpação da tiroide
o Sinais de insuficiência respiratória ou renal e de alterações endócrinas
(hipotiroidismo, acromegalia)

Os exames complementares de diagnóstico mais usados são:


o Polissonografia (PSG): monitoriza a saturação de oxigénio, o fluxo aéreo para o nariz
e para a boca, EEG (eletroencefalograma) dos padrões de sono e de despertar e EMG
(eletromiografia) dos movimentos das paredes torácica e abdominal durante o sono.
É diagnóstica só por si. Tem ainda o electro-oculograma, electromiograma do queixo,
ECG (pode haver grandes alterações), ventilação por sensor de temperatura e
pressão.
o Teste de latências múltiplas do sono (TLMS): mede o tempo que a pessoa demora a
adormecer numa sesta durante o dia. Também avaliar ondas cerebrais, EEG,
atividade muscular e movimentos oculares. Pede-se ao doente para fazer 5 sestas de
20 min separadas por intervalos de 2h e avalia-se se o doente atinge o sono REM. Se
o doente atingir REM no inicio, estamos perante um SOREM que é sinal de patologia.
Consoante o tempo que demora a atingir, classifica-se:

171
o 0-5min: sleepiness severa
o 5-10min: sleepiness problemática
o 10-15 min: sleepiness controlável
o 15-20min: normal/excelente
o Teste de manutenção da vigília (TMV): coloca-se o doente numa sala às escuras e
pede-se para não adormecer.
o Actigrafia: avalia a qualidade do sono.

▪ Queixas relativas ao sono noturno


A insónia é a redução patológica do tempo de sono noturno. O doente tem uma sensação
subjetiva de dormir mal ou de um sono não reparador. É mais comum em mulheres e a incidência
aumenta com a idade.

De acordo com a altura em que ocorrem, existem vários tipos de insónia:


o Inicial: estados de tensão e ansiedade.
o Intermédia: doenças medicas, neurológicas ou psiquiátricas.
o Terminal: doenças afetivas. Carateriza-se por um acordar precoce.

Podem estar associadas ao agravamento noturno de sintomas cardiocirculatórios,


pulmonares e urinários devido ao decúbito dorsal. Os doentes podem acordar devido a alterações
do ritmo cardíaco, extrassístoles, taquicardias, dor e parestesias (polineuropatias). São comuns
em quadros de ansiedade e de depressão. A insónia de ricochete ocorre após a paragem de
hipnóticos que eram tomados cronicamente.

Os fatores que facilitam o aparecimento de insónia são:


o Trabalho por turnos
o Stress
o Doenças cronicas: depressão, doença cardíaca congestiva, insuficiência
respiratória, dores nas costas e prostatismo32.
o Medicamentos: β-bloqueantes, antagonistas 5-HT, antidepressivos, antilipidicos e
metilxantinas.

As consequências na redução do tempo de sono noturno são:


o Sensação subjetiva de dormir o Confusão
pouco o Cefaleias
o Fadiga o Depressão
o Falta de vigor o Perfecionismo
o Ansiedade e tensão o Acidentes
o Falta de concentração o Sonolência diurna

32Prostatismo: conjunto de perturbações urinárias devidas à hipertrofia da próstata: necessidade imperiosa e frequente
de urinar, com emissão de pequenas quantidades de urina, enfraquecimento do jato da urina, micção difícil e muitas
vezes dolorosa.
172
▪ Sintomas noturnos
É importante caraterizá-los, anotar o horário e avaliar as consequências, mas o doente
costuma ter pouca noção destes sintomas:
o Apneia do sono: testemunhada pelo parceiro de cama. O doente pode acordar
sufocado, mas a maior parte das vezes não se apercebe da apneia.
o Ressonar: é incomodativo.
o Mioclonias hipnagógicas: ocorrem ao adormecer e não têm significado patológico,
aparecendo em períodos de maior tensão ou fadiga. Não são periódicas, atingem os
membros e o tronco e associam-se à sensação de queda.
o Mioclonias noturnas ou fragmentárias: assíncronas e assimétricas nos quatros
membros e na face, sem horário especial, predominando no sono lento.
o Síndrome das pernas inquietas: o doente tem necessidade de movimentar os
membros, principalmente os inferiores. O movimento pode ser acompanhado por
sensações disestésicas, que melhoram com o movimento. Manifesta-se em repouso e
piora no fim do dia, ao adormecer, interferindo com o mesmo.
o Movimentos periódicos do sono: repetem-se com intervalos regulares e atingem os
membros inferiores. São mais frequentes na primeira metade da noite e aumentam
de incidência com a idade.
o Crises epiléticas frontais e temporais: mais frequentes no sono NREM. São
acompanhadas de outros sintomas como manifestações comiciais (crises durante a
vigília), estereotipia do comportamento (gestos sem finalidade aparente), amnésia
pós-critica, mordedura da língua e descontrolo dos esfíncteres.
o Jactatio capitis nocturna: rotações alternadas da cabeça ou do corpo em direções
opostas, podendo atingir grandes amplitude e intensidade. Surgem ao adormecer.
o Bruxismo33: afeta crianças e adultos, em qualquer altura do doente, e é
acompanhado por um ruido típico. Pode causar deterioração do esmalte.
o Crises de deglutição anormal do sono: ocorrem em crianças algum tempo depois
de adormecerem. Existe uma agitação acentuada, na qual a criança cospe e faz
esforços intensos de deglutição, mas não é possível acordá-la e ela não estabelece
contacto, voltando a adormecer de seguida. Na HC, existe um possível refluxo
esofágico.
o Agitação noturna: comum na apneia do sono.
o Sonambulismo: deambulação ordenada e normalmente pacifica, mas com perigos
para o individuo. Pode tornar-se violento quando encontra obstáculos. Aparecem no
sono lento profundo, manifestando-se entre os 60-90minutos após o adormecer.

33 Bruxismo = ranger dos dentes


173
o Terrores noturnos: nos adultos, são fenómenos complexos de heteroagressão. Na
criança, existem gritos e manifestações de ativação simpática. Aparecem no sono
lento profundo, manifestando-se entre os 60-90minutos após o adormecer.
o Parassónias do sono paradoxal: movimentos complexos, vigorosos, violentos e auto
ou heteroagressivos. Estão relacionados com uma intensa atividade onírica34,
perturbam a continuidade do sono e o indivíduo tem memoria do episodio. São mais
frequentes em idosos e nas ultimas horas do sono.
o Enurese noturna: nas crianças pode ser normal ou estar associada a outras causas
(crises epiléticas). Nos adultos, é sempre sintomática.
o Cefaleias noturnas: se o doente acorda e só depois tem a cefaleia, a causa será
provavelmente psicológica. Por outro lado, se a cefaleia acorda o doente, deve-se
investigar a sua causa.
o Cefaleia de Horton: diariamente à mesma hora, na região periocular e
localizada, em relação com períodos de sono paradoxal. É acompanhada por
sintomas homolaterais à dor, como lacrimejo, rinorreia, rubor da face e
síndrome de Horner incompleto.
o Crises de enxaqueca: relacionadas com o sono lento, aparecendo de
madrugada acompanhada por náuseas, vómitos e fotofobia em indivíduos que
têm crises diurnas.
o Cefaleias noturnas de lesões expansivas: resulta do decúbito e das alterações
da pressão de LCR, podendo acordar os doentes sem horário fixo.
o Cefaleias por processos inflamatórios dos seios perinasais: resultam da falta
de drenagem durante a noite, aparecendo de madruga e alivando com o
levantar da cama.
o Cefaleias hípnicas: acordam o doente e podem estar associadas a crises de
hipertensão arterial noturna.
o Crises de taquicardia, sudação e rubor: podem ser sinais de ansiedade noturna de
natureza psicológica, relacionando-se ou não com atividade onírica (crises de pânico).
Podem ser sinais de sufocação noturna, sendo que o doente acorda com dispneia,
taquicardia, medo, ansiedade e sensação de morte e os sintomas desaparecem com
a ingestão de um copo de água. Também podem ser sinais de laringospamo, sendo
que o doente acorda com um quadro semelhante acompanhado por estridor.

▪ Sintomas do despertar
o Inércia do sono: lentificação do comportamento e do raciocínio.
o Automatismo do sono: atos complexos, com finalidade pratica, inadequados ou
errados quanto ao objetivo (abrir o gás, acender o lume…), existindo uma memoria
rudimentar do ato.

34 Onirismo: é um estado mental no qual ocorrem alucinações visuais com o individuo totalmente acordado.
174
o Crise mioclónicas na epilepsia mioclónica juvenil: comportamentos
descoordenados ou desastrados. São frequentes em adolescentes.
o Cefaleias matinais: apneia do sono, movimentos periódicos do sono, insónias.
o Dores musculares e fadiga: fibromialgia.

▪ Queixas da vigília
Os sintomas de aumento do tempo de sono nas 24horas são:
o Sonolência diurna: é normal ao fim do dia, depois de longos períodos sem dormir,
depois de refeições abundantes e durantes tarefas passivas e monótonas. É
patológica quando surge em situações inadequadas e que exigem participação ativa
(conduzir). A gravidade é avaliada pela frequência de episódios, inadequação do
aparecimento, ausência de consciencialização do individuo e pela escala de Epworth.
Se estiver relacionada com uma patologia do sono, é importante distinguir a causa:
privação do sono (desaparece após sono de recuperação), alteração da consciência
(existe confusão mental associada) e drogas ou tóxicos (existe uma depressão difusa
cerebral e diencefalica).
o Hipersónia: aumento do tempo total de sono.
o Ataques de sono: episódios súbitos de sonolência diurna sem a pessoa ter noção.

▪ Perturbações do sono
Existem 85 doenças do sono classificadas em 8 categorias major:
o Insónias
o Perturbações respiratórias relacionadas com o sono: SAOS
o Distúrbios centrais de hipersonolência: narcolepsia e hipersónia idiopática
o Perturbações do ritmo circadiário sono-vigília
▪ Trabalho por turnos
▪ Disritmia circadiária ou jet lag
▪ Síndrome de atraso na fase do sono
▪ Síndrome de avanço na fase do sono
▪ Parão sono-vigília irregular
▪ Síndrome do ciclo vigila-sono diferente de 24h
o Parassónias35: sonambulismo, parassonias do sono REM
o Perturbações do movimento relacionadas com o sono: movimentos periódicos dos
membros, bruxismo

35 Parassónias: comportamentos anormais durante o sono.


175
▪ Insónia Psicofisiológica/Comportamental/Aprendida
Surge em indivíduos com um sistema vigília-sono pouco estável ou com uma perturbação
congénita do sistema de alerta, podendo ser desencadeada por preocupações excessivas e má
higiene do sono. Apresenta-se como uma insónia cronica de intensidade variável.

O diagnóstico é feito com base na história clinica e numa polissonografia. A historia clinica
apresenta os seguintes achados: preocupações diárias excessivas acerca da incapacidade para
dormir, doente não consegue adormecer quanto tenta mas adormece facilmente em circunstâncias
monótonas e o doente está tenso e ansioso em relação ao seu sono. A polissonografia mostra
aumento da latência do sono, redução de eficácia do sono e aumento dos despertares.

O diagnóstico diferencial é feito com ansiedade generalizada (não se relaciona só com o


sono), depressão mascarada (sintomas diferentes e uma polissonografia com diminuição da
latência do sono paradoxal) e insónia idiopática (começa numa idade mais precoce).

O tratamento é feito com uma abordagem farmacológica e comportamental, tendo por base
uma alteração da higiene do sono.
o Decisiva
o Reforçar necessidade homeostática: evitar sestas >15min, evitar passar muito tempo na cama,
exercício físico 40min/dia 6h antes de ir dormir, banho quente ou bebida quente 2h antes de
Higiene do sono
dormir
o Ativar fatores circadianos: horário regular de despertar, não se expor a luminosidade se for
levantar-se durante a noite, exposição à luz >30min após acordar

176
o Minorar efeitos de drogas ou tóxicos: não fumar depois das 19h ou parar de fumar, não beber
cafeina durante 4 semanas, máximo 3 cafés/dia, diminui consumo de álcool (perturba segunda
metade do sono)
o Abolir fatores que propiciam o alerta durante a noite
Terapêutica o Técnicas de relaxamento, controlo do estimulo e biofeedback
comportamental o Terapia cognitivo-comportamental: eficaz em 70-80%
o Terapêutica hipnótica: melhorar a qualidade do sono diretamente. O ideal deveriam induzir o
sono em 30 minutos, manter padrão de sono normal durante 6-8h e não ter efeitos residuais na
manhã seguinte. Não devem ser utilizados de forma prolongada nas insónias cronicas, mas sim
de forma ocacional.
▪ Benzodiazepinas: sedação, hipnose, relaxamento muscular e efeitos anticonvulsivantes. Os
efeitos adversos são amnesia retrograda, habituação, obnubilação, ataxia, astenia, vertigens
e confusão mental. A interrupção abrupta causa síndrome de privação, com ansiedade,
insónia, irritabibilidade, humor deprimido, etc. As contraindicações ao seu uso são:
insuficiência respiratória, apneia do sono, IR, insuficiência hepática, risco de suicídio,
potencial de abuso, miastenia gravis, intoxicação etílica aguda, glaucoma de angulo fechado,
hipersensibilidade.
Terapêutica ▪ Não benzodiazepínicos: imidazopiridinas (zolpidem) e ciclopirrolonas (zopiclone). Menor
farmacológica semivida e, portanto, causam menos habituação. Têm formas de libertação continua que
diminuem a latência do sono e a mantêm ao longo da noite.
o Terapêutica antidepressiva: melhorar o sono através de uma melhoria do humor ou por efeitos
dos antidepressivos sobre o sono. Podem ter vários efeitos:
▪ Reduzem latência do sono e aumentam a duração e eficiência: amitriptilina
▪ Reduzem e/ou fragmentam o sono: imipramina
▪ Aumentam o sono profundo
▪ Reduzem o sono profundo: antidepressivos tricíclicos
▪ Suprimem o REM: excceto a trimipramina e a trazadona
o Melatonina: pode ser eficaz em casos relacionados com alterações circadiárias. Existem
antidepressivos agonistas dos recetores de melatonina (agomelatina) que diminuem a latência
do sono e aumentam o sono lento profundo.

▪ Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS)


Corresponde a episódios recorrentes e frequentes de apneia ou hipopneia por obstrução das
vias aéreas superiores. É uma perturbação respiratória relacionada com o sono. É típica dos
homens obesos com mais de 40 anos. Tem uma prevalência de 1-2% na população em geral, sendo
que nos adultos é mais comum nos homens mas nas crianças não existe preferência de sexo. a
incidência aumenta com a idade.
Existe uma paragem do fluxo com uma persistência do esforço respiratório, o que aumenta
a pressão intra-abdominal, o que, por sua vez, pode causar refluxo esofágico ou descontrolo do
esfíncter urinário.
Durante o sono, a atividade dos músculos respiratórios reduz-se, sendo que no sono REM
o diafragma chega a ser o único ativo. A apneia ocorre quando a via aérea superior é fechada
durante a respiração noturna porque a pressão transmural (diferença entre pressão intraluminal
e pressão do tecido periférico) diminui e passa o ponto crítico que permite colapso. Pode ocorrer
ao nível da oro ou nasofaringe. Quando acordados, os músculos genioglosso e do palato abrem a
177
via aérea superior, mas durante o sono estes músculos estão hipotónicos. Um estreitamento da
via aumenta a velocidade de circulação do ar que por sua vez reduz a pressão do ar na parede
faríngea que facilita o colapso. Um estreitamento moderado causa a roncopatia e um estreitamento
severo causa hipoapneia (↓PaO2 e ↑PaCO2 – policitemia rubra e cor pulmonale cronico), enquanto
que uma completa oclusão causa a apneia, que por si vai causar hipoxia, hipercapnia e esforço
respiratório extenuante até o doente ultrapassar a resistência, sendo que esta combinação acorda
o doente (respiratory effort related arousals, RERA). Estes micro-despertares (fragmentação do
sono), que aumentam o tónus dos músculos da faringe, são tão breves que o doente pode nem se
aperceber, mas, como acontecem muitos durante a noite, vão levar a privação de sono (redução
do sono REM), com consequente sonolência diurna e diminuição do desempenho cognitivo. A
diminuição da PaO2 causa um aumento da atividade simpática, o que causa alterações cérebro e
cardiovasculares, HTA, cardiopatia isquémica, arritmias noturnas e HTP.

Os fatores de risco são, por exemplo, obesidade, estreitamento da abertura faríngea,


hipotiroidismo, alterações da estrutura facial (retrognatismo, micrognatismo, palato alto,
macroglossia) e DPOC, mas existem fatores corrigíveis em 1/3 dos casos:
o “Invasão” da faringe:
▪ Obesidade/aumento do perímetro do pescoço e do abdómen: central, está
presente em 40-70% dos doentes, já que a presença de depósitos de gordura
na periferia da faringe a pode colapsar. Um aumento do IMC aumenta o risco
de SAOS em 4x (a prevalência nos obesos de grau III é de 40 a 90%). Têm
ainda um aumento da circunferência do pescoço (43cm no homem e 37cm nas
mulheres).O fácies de pássaro é caraterizado por desvio do septo, micro e
retrognatismo, palato mole e macroglossia. Nos obesos, a ingestão de
alimentos ou álcool antes do deitar agrava os sintomas.
▪ Acromegália
▪ Hipertrofia das amígdalas: fácies adenoide. Causa obstrução mecânica das
vias aéreas nas crianças principalmente.
o Obstrução nasal: deformidades nasais, rinite, pólipos, adenoides. Pode surgir nas
crianças por este motivo (80% que sofre é curado com isto, nas crianças).
o Fármacos depressores respiratórios: álcool, sedativos/hipnóticos, analgésicos
potentes
o Alterações do SNC
o Hipotiroidismo: macroglossia, aumento do tecido mole da faringe, possível miopatia

Os sintomas característicos são:


o Ressonar intenso/roncopatia: 95%. Aparece antes da sonolência excessiva. Acorda
o companheiro de cama e pode, inclusivamente, acordar o próprio doente.
o Cefaleias matinais: 58,1%. Podem persistir horas depois do acordar e têm
caraterísticas semelhantes a cefaleias de tensão.

178
o Boca seca ao acordar: 97,2%.
o Fadiga ao acordar: 81,6%.
o Sonolência diurna: 90% (escala de Epworht 16/24), adormecer em plena atividade.
Pode interferir com a vida diária, dificultar o desempenho profissional e ser perigosa
tanto para o doente como para terceiros. Este sintoma é responsável por acidentes
de viação e no trabalho sendo que cerca de 20% dos doentes tem acidentes nos 3
anos anteriores. É avaliada pela escala de Epworth que avalia a sonolência de 0 a
24, sendo que > 9 é patológico. Na escala existe diversos tópicos em que o doente
numera de 0 a 3 a probabilidade de adormecer nas situações. Esta escala é subjetiva
pelo que se pode recorrer a testes objetivos em que se medem latências múltiplas,
colocar a pessoa numa sala escura e pedir que não adormeça, pupilografia (tamanho
da pupila no escuro em silêncio, que se correlaciona com a sonolência).
o Apneias noturnas: 68%. Durante a noite, existem paragens respiratórias >10
segundos e que se resolvem com um intenso ruido respiratório. Durante a apneia, o
doente pode ter sensação de sufocamento ou morte. As pausas podem ser tão
prolongadas que levam a asfixia (o doente acorda com a sensação de sufoco).
o Asfixia noturna: 30%. Causada pela apneia que acorda o doente com a sensação de
asfixia. Deve-se fazer diagnóstico diferencial com dispneia paroxística noturna (aliva
com mais almofadas).
o Agitação noturna: 87,5%, sendo que 48,4% tinha “esticões das pernas”.
o Sonilóquia36: 52,2%
o Sudação noturna
o Nictúria: não se deve confundir com problemas prostáticos. As variações de pressão
intratorácica levam a um aumento do péptido natriurético, o que leva a um aumento
da diurese.
o Enurese noturna: 42,8%.
o Modificações da personalidade: agressividade, depressão, perda da libido,
alucinações hipnagógicas e diminuição da acuidade auditiva.
o Manifestações cardíacas: lentificação da FC durante a apneia e aceleração quando
passa, extrassístoles, sinais de insuficiência cardíaca direita, HTP e HTA. Podem
resultar em morte súbita.
o Acidentes: são frequentes devido à sonolência diurna sendo que 30 a 50% dos
condutores comerciais sofrem de SAOS e cerca de 12% de SAOS grave que
corresponde a um risco 3 a 7x superior de ter acidentes. Este risco fica ainda mais
aumentado quando os doentes consomem álcool mesmo que em doses reduzidas.
o Sono não reparador: 40%.
o Diminuição da libido/importância masculina: 20%.

36 Sonilóquia: falar a dormir.


179
o “Embriaguez” matinal: 5%.
o Edema dos tornozelos: 5%.

Para o diagnóstico, é preciso ter em atenção os seguintes aspetos:


o Obesidade: caraterizar.
o Região oronasomaxilofacial: desvio do septo, nariz adunco, micro e
retromagnatismo, aumento das parótidas, macroglossia, palato mole, aumento das
amígdalas, edema da faringe.
o Analises laboratoriais: policitemia, hipercolesterolemia, diabetes.
o Provas funcionais respiratórias: gasimetria normal ou com hipoxemia com
hipercapnia.
o Avaliação cardiocirculatória: PA, ECG, arritmias, HTP.
o Polissonografia: é essencial para o diagnóstico.
o Avaliação imagiológica craniofacial: cefalometria, TC fossas nasais e faringe,
endoscopia.

O tratamento começa por explicar ao doente qual a sua doença e os risco que corre e depois
pode passar por:
o Estilo de vida: emagrecimento (perda de peso de 10% associa-se a uma redução de
26% do índice de apneia/hipopneia), elevação da cabeceira, dormir de lado, não
beber bebidas alcoólicas ao jantar, evitar jantar abundante, não tomar sedativos à
noite, evitar tabagismo, criar higiene de sono.
o CPAP (continuous positive airway pressure): melhora a sonolência diurna. Deve-
se ajustar a pressão para um nível que pare o ressonar e controle as apneias.
o Próteses de avanço mandibular: para os casos com mandibula curta. Pode causar
problemas na oclusão e na dentição.
o Cirurgias otorrinolaringológicas e maxilo-facial

▪ Narcolepsia
É uma doença rara neurológica com perda de neurónios produtores de hipocretina, que
normalmente regulam o ciclo de sono-vigília. Existe uma redução/abolição da hipocretina tipo 1
no LCR. Existe uma redução da atividade do sistema monoaminérgicos promotores de vigília, o
que causa sonolência, e um mau controlo do sono REM, o que causa episódios de atonia e
alucinações oníricas em vigília. É caraterizada por uma sonolência excessiva associada a
cataplexia, paralisias do sono e alucinações hipnagógicas (aparecem ao adormecer e têm
conteúdos aterradores). É rara, afetando 0,03-0,16% da população. Tem um pico de inicio por
volta dos 14 anos e a sonolência excessiva o primeiro sintoma, sendo que 1-30 anos depois surge
a cataplexia. Não existe preferência de género, mas existem fatores genéticos envolvidos (sistema
HLA). Existem casos associados a infeção por streptococus e H1N1, vacinação para H1N1 e
exposição a metais pesados e inseticidas.

180
A sonolência excessiva manifesta-se por microssonos que duram em médio 10-20 min,
mas que restabelecem o doente. Afeta as atividades quotidianas, mas sempre com base de
sonolência.
A cataplexia consiste na perda súbita e bilateral de tónus muscular, sem perda dos
sentidos, durante situações de stress emocional (riso, choro, etc), sendo que a hipotonia dura
poucos segundos ou minutos e varia de intensidade e localização (pálpebras > pescoço >
mandibula > músculos da fala > joelhos > mãos > músculos posturais). Em caso de sucessão de
ataques de cataplexia pode surgir um “estado cataplético”37 que dura no máximo 1h.
A paralisia do sono é definida como uma imobilidade do corpo com o doente acordado e
surge nas transições vigília-sono, sendo transitória e assustadora. A combinação de paralisia e
alucinações hipnagógicas é aterradora, sendo que ambos se relacionam com períodos de sono
iniciados por sono paradoxal (SOREM).
Outros sintomas podem ser insónias, sono fragmentado e depressão.

As causas podem ser: deficiência de hipocretina, lesões hipotalâmicas (tumores) e lesões do


SNC (AVC, encefalite, doenças desmielinizantes ou doenças neurodegenerativas).

O diagnóstico é feito com base em:


o Polissonografia: redução da eficiência do sono, períodos de vigilia frequentes,
aumento da fase 1, redução do sono lento profundo e diminuição da latência do sono
profundo.
o Teste de latências múltiplas do sono (TLMS): é feito no dia a seguir à
polissonografia, confirmando a sonolência excessiva e apresentando pelo menos 2
episódios de diminuição da latência do sono profundo.
o Vídeo-EEG com provas de estimulação: criam-se situações emocionais para
despoletar a cataplexia.
o Tipagem HLA: DQA1, DQB1, DR15.

Os critérios de diagnóstico da narcolepsia tipo 1, de acordo com DSM-5, são:


A. Sonolência diurna excessiva com períodos recorrentes de necessidade irreprimível de
dormir, adormecer ou dormir no mesmo dia. Devem ocorrer pelo menos 3 vezes por
semana nos últimos 3 meses.
B. Presença se pelo menos 1 dos seguintes:
1. Episódios de cataplexia definidos como (a) ou (b) que ocorreram algumas vezes
no ultimo mês:
a. Em indivíduos com doença há muito tempo, episódios breves de perda
súbita bilateral do tónus muscular com manutenção da consciência que
são precipitados por emoções (riso).

37 Num estado cataplético, o doente está acordado, mas paralisado, ficando confinado ao leito.
181
b. Em crianças ou indivíduos com doença no máximo há 6 meses, episódios
espontâneos de abertura da mandibula com queda da língua ou hipotonia
global sem nenhum precipitante emocional obvio.
2. Deficiência de hipocretina com valores ≤1/3 dos valores normais ou ≤110pg/ml
no LCR. Os níveis de hipocretina não podem ser avaliados numa lesão cerebral
aguda nem em caso de inflamação ou infeção.
3. Polissonografia noturna com uma latência <15min ou teste de latências
múltiplas com uma latência media de sono ≤8 min e ≥2 períodos de sono iniciados
por sono REM (SOREM) nos primeiros 20 minutos de sono.

Os critérios de diagnóstico da narcolepsia tipo 2 são:


A. Sonolência diurna excessiva com períodos recorrentes de necessidade irreprimível de
dormir, adormecer ou dormir no mesmo dia. Devem ocorrer pelo menos 3 vezes por
semana nos últimos 3 meses.
B. Ausência de cataplexia.
C. Polissonografia noturna com uma latência <15min ou teste de latências múltiplas
com uma latência media de sono ≤8 min e ≥2 períodos de sono iniciados por sono
REM (SOREM) nos primeiros 20 minutos de sono.
D. Concentração de hipocretina com valores >1/3 dos valores normais ou >110pg/ml
no LCR. Os níveis de hipocretina não podem ser avaliados numa lesão cerebral aguda
nem em caso de inflamação ou infeção.
E. A hipersonolência e/ou as alterações no teste de latências múltiplas não são melhor
explicadas por ouras causas, tais como sono insuficiência, SAOS; atraso de fase,
efeito ou interrupção de fármacos ou tóxicos.

O tratamento, por um lado, envolve o controlo dos hábitos de sono do doente (higiene do
sono + sestas profiláticas) e, por outro lado, é feito um controlo farmacológico dos sintomas:
o Modafinil: é um agonista dos recetores α2-adrenergicos e diminui a sonolência
diurna.
o Venlafaxina: antidepressivo que trata os sintomas de disfunção do sono profundo
(alucinações, cataplexia e paralisia do sono). Pode causar secafelias e náuseas.
o Fluoxetina: igual a venlafaxina.
o Inibidores da MAO: são dados em caso de resistência a outros tratamentos.
o Acido gama-hidroxibutírico (AGHB): usado para tratar cataplexia. Não é
comercializado em Portugal.
o Oxibato de sódio: não é comercializado em Portugal.

▪ Movimentos periódicos do sono


Caraterizam-se pela existência de movimentos mioclónicos repetitivos e estereotipados
(mais frequentes nos membros inferiores), separados por intervalos regulares. A incidência

182
aumenta com a idade, sendo frequente acima dos 50 anos e tendo uma prevalência de 4-11% dos
idosos. Ocorrem em 17% das insónias e 11% das hipersónias.

Os sintomas mais frequentes são acordar durante a noite ou pela madrugada, dificuldade
na indução do sono, sono agitado (o doente nem sempre tem noção dos movimentos que faz),
fadiga matinal e sonolência diurna. O movimento mais típico é a extensão do dedo grande e a
dorsiflexão do pé com flexão da perna e da coxa, mas podem existir movimentos dos membros
superiores ou generalizados.

Podem estar associados a outras doenças (como narcolepsia, apneia do sono, doença de
Parkinson, depressão e IR), a fármacos (antidepressivos tricíclicos), a anemia, a gravidez e a
interrupção de drogas ou tóxicos. Mas também podem ser idiopáticos.

Para o diagnóstico, são necessários pelo menos 4 movimentos consecutivos com duração
individual entre 0,5-5 segundos. As clonias surgem por salvas com um intervalo de 20-40seg, no
inicio da noite (fases 1 e 2 do sono lento), e dão origem a microdespertares (alerta). ≥5
movimentos/hora é anormal. Estes parâmetros avaliam-se a polissonografia.

O tratamento inclui medidas não farmacológicas e farmacológicas (para distúrbio primário


e se os sintomas persistirem depois de tratar a causa):
o Tratamento da ferropenia
o Evitar substancias e fármacos potenciadores destes movimentos:
antidepressivos, anti-histamínicos, antagonistas dopaminérgicos
o Correção da privação de sono
o Agonistas dopaminérgicos: 1ª linha. Ropinirol. Começar com uma dose baixa e
aumentar até se controlarem os sintomas.
o Gabapentina: 2ª linha. Melhora a eficiência do sono e o indico MPS. Deve ser usada
quando existe neuropatia concomitante ou perturbação do sono persistente.

▪ Síndrome das pernas inquietas


Está muitas vezes ligada aos cromossomas 12q e 14q, tendo como mecanismos subjacentes
alterações dopaminérgicas e deficiências no metabolismo cerebral do ferro. Tem uma prevalência,
no adulto, de 3% e, no idoso, de 9-20%. Está relacionada com a doença de Parkinson e com a IR
cronica.
Os sintomas são movimentos irresistíveis das pernas por sensações disestésicas (calor,
ardor, impressão). Têm uma avaliação circadiaria com agravamento vespertino, o que dificulta o
adormecer.
Diagnostica-se e avalia-se a severidade através de questionários padronizados.
O tratamento apenas é feito quando existe repercussão sobre o sono e, além da correção do
ferro, é feito da mesma forma do que no caso dos movimentos periódicos do sono.

183
▪ Bruxismo
É uma parassónia que consiste em episódios involuntários de ranger de dentes. Afeta 5-
20% de toda a população, não tendo preferência entre géneros.
Inicia-se no fim da primeira e inicio da segunda décadas de vida, mantém-se na idade adulta
e diminui a partir dos 40 anos, tendo períodos de agravamento relacionados com o stress e a
fadiga.
Os episódios são curtos (5seg) e distribuem-se ao longo da noite, sendo mais frequentes a
meio. Ocorre uma contração simultânea dos músculos que abrem e fecham a mandibula
(diferencia da mastigação). Os doentes não se recordam a não ser que sejam acordados pelo
barulho. Em casos graves, existem dores faciais matinais e destruição dos dentes e do esmalte
dentário por atrito, o que pode causar uma má oclusão dentária. Não existem repercussões sobre
o sono.
Pensa-se que esteja relacionado com personalidade obsessivas e perfecionistas, com
tendência para reprimir sentimentos de hostilidade.
O tratamento deve ser feito consoante o caso:
o Correção das anomalias dentarias ou da má oclusão.
o Profilaxia do desgaste dentário com aplicação noturna de férula38 ou placa protetora
de borracha.
o Relaxamento com terapêuticas sedativas e relaxantes.
o Tratamento psiquiátrico.
o Benzodiazepinas

▪ Sonambulismo
É uma parassonia do sono NREM. Surge entre os 4-8 anos e desaparece espontaneamente
na adolescência. Atinge 1-15% da população e tem uma incidência familiar associada. Porém, a
persistência ou inicio da fase adulta deve ser investigada. Os episódios de deambulação noturna
ocorrem no primeiro 1/3 da noite (sono lento profundo – NREM). É considerada uma doença
benigna, mas apresenta riscos, nomeadamente lesões traumáticas durante os episódios.
Pode estar associado a apneia obstrutiva e enxaqueca.

Nos exames de diagnóstico, o EEG é normal e a polissonografia apresenta anomalias nas


primeiras horas de sono, com redução das fases 3 e 4, transições frequentes entre sono lento e
paradoxal e atraso no primeiro ciclo de sono profundo.

Deve-se fazer diagnostico diferencial com:


o Parassónias do sono paradoxal: grupos etários mais velhos e caraterísticas
comportamentais diferentes.

38Férula: tipo de prótese dentária feita de material plástico ou acrílico que recobre total ou parcialmente os arcos
dentários, protegendo os mesmos.
184
o Crises epiléticas temporal ou frontal: também apresentam deambulação noturna, que
ocorrem no sono NREM na segunda 1/2 da noite. Os comportamentos são mais
violentos e estereotipados.

O tratamento pretender evitar acidentes domésticos (medidas de segurança) e reduzir os


desencadeantes. Alguns desencadeantes são fármacos (lítio, tioridazina), febre e privação de sono.
Alguns casos podem precisar de psicoterapia, quando existem problemas psicológicos e conflitos
familiares, e de terapêutica farmacológica (diazepam e alprazolam).

▪ Terrores noturnos
São uma parassónia do sono profundo. São crises de terror intenso com gritos lancinantes,
confusão e comportamento automático em que o individuo não acorda totalmente nem é sensível
a tentativas de consolo. São mais frequentes em crianças que dormem profundamente e podem
ser desencadeadas pelo ativadores normais do sono profundo (exercício físico, privação de sono,
febre). Nos adultos, têm incidência familiar, afetam mais os homens e estão associados a
comportamentos violentos e heteroagressivos.
As crises ocorrem nas fases de sono profundo (3 e 4), principalmente no seu primeiro ciclo
(60-90 minutos após ter adormecido). Durante as crises, existem manifestações simpáticas
(sudação, taquipneia, taquicardia, hipertensão e dilatação pupilar). Na manhã seguinte, não existe
recordação do episodio.
Faz-se diagnostico diferencial com:
o Epilepsia
o Pesadelos: são um acordar no sono paradoxal. Existe memoria detalhada do sonho
vivido e assustador e não existem manifestações simpáticas. Ocorrem em todas as
idades. Podem ser causados por fármacos (sedativos, hipnóticos, agonistas
dopaminérgicos e β-bloqueantes), stress e problemas psiquiátricos.
O tratamento, nos adultos, é feito com benzodiazepinas em baixas doses e técnicas
comportamentais.

▪ Parassónias do sono paradoxal (REM)


Manifesta-se por comportamentos exuberantes com componentes oníricas durante o sono
paradoxal, sem a atonia39 fisiológica. Surgem principalmente no final da noite, pela madrugada.
Os comportamentos são representações oníricas do sonho do doente.
Podem ser idiopáticas ou ser causadas por fármacos (privação de benzodiazepinas), AVC,
tumores e traumatismos cerebrais, privação de álcool, infeções ou doenças degenerativas do SNC
(doença de Parkinson, atrofia multissistémica, esclerose múltipla, narcolepsia). Neste ultimo caso,
têm um pródromo da doença neurodegenerativa. A maioria acaba por desenvolver uma
sinucleinopatia.

39 Atonia: falta de força.


185
Os comportamentos podem ser sonilóquia, atitudes agressivas e proezas atléticas. São mais
comuns em idosos, aparecendo entre 50-70 anos e sendo mais comuns no género masculino.
Deve-se a uma disfunção dos núcleos do tronco cerebral que modelam o sono REM ou as suas
conexões. Normalmente, no sono REM existe atonia muscular por inibição dos neurónios motores
espinhais devido a uma estimulação dos núcleos centropônticos. Se existir uma lesão nestes
nulceos, os neurónios motores não são inibidos e, por isso, existe tónus muscular no sono REM.
A frequência de episódios é variável (2-2 semanas até 4 episódios por noite).
O diagnóstico baseia-se na HC e na polissonografia com vídeo (ausência de atonia no sono
REM – necessário para diagnóstico). O diagnóstico diferencial deve ser feito com crises epiléticas
noturnas, sonambulismo, movimentos periódicos do sono, stress pós-traumático e doenças
psiquiátricas.
O tratamento é feito com baixas doses de clonazepam (não indicado em doentes com SAOS
não tratado – dá-se melatonina destas casos), sendo que a sua suspensão leva a recidiva. Deve-se
também criar medidas se segurança (cama baixa por exemplo) e evitar fármacos que possam
desencadear esta situação.

▪ Perturbações noturnas da ereção


Estão relacionadas com o sono paradoxal. Existem dois tipos:
o Redução das ereções fisiológicas noturnas do sono paradoxal: impotência
orgânica, sem alterações na polissonografia. A frequência aumenta a partir dos 45
anos, sem muito frequente a partir dos 60. As doenças predisponentes são tumores
da medula, tabes, polineuropatias, HTA, doenças cardíacas, diabetes, etc.
o Ereções dolorosas: o doente acorda com ereções dolorosas exclusivamente
relacionadas com o sono.

▪ Enurese noturna
Define-se por micção involuntária durante o sono. É considerada patológica a partir dos 5
anos. É mais comum nos rapazes (4:3) e pode surgir de forma persistente em 10-18% das crianças
e 1-3% dos adolescentes, sendo rara nos adultos. A enurese secundária está associada a patologias
orgânicas, como epilepsias, espinha bífida, afeções com poliúria orgânica, afeções das vias
urinárias, etc. Existe uma interação de três eixos: produção noturna excessiva de urina,
hiperatividade vesical e incapacidade de ser acordado pelas aferências vesicais.
O tratamento é feito com fármacos simpaticomimeticos (imipramina) ou com fármacos qe
provocam retenção hídrica (desmopressina – menos efeitos secundários). Também se podem usar
técnicas de condicionamento operante, como sistemas de alarme sonoros ou choques elétricos de
baixa intensidade, que são mais eficazes a longo prazo.

186
▪ Trabalho por turnos
Nos trabalhos por turnos, as fases de atividade e repouso estão desajustadas com os
sincronizadores ambientais. Os doentes têm insónias ou sonolência excessiva de forma transitória,
de acordo com os horários.
A tolerância a este tipo de trabalho depende se fatores circadiários, do sono e de fatores
sociais. O ritmo circadiario é incapaz de se sincronizar com a velocidade que a mudança de turnos
requer, precisaria de mais de uma semana. Para facilitar a sincronização, deveria existir uma luz
muito brilhante no trabalho e uma completa escuridão nas 8h de sono. A sincronização é mais
fácil quando o turno roda em frente (noite – manha – tarde) e a capacidade para as pessoas
trabalharem por turnos diminui com a idade. Os trabalhadores noturnos dormem menos 5-
7horas/semana do que deviam, sendo esta redução feita à custa da fase N2 e do sono REM, com
menor latência do sono. Existe assim um estado cronico de privação de sono que altera o humor
e as capacidades de trabalho do individuo.

▪ Disritmia circadiária=jet lag


Depois do transporte aéreo, existe uma sensação de mal-estar geral com alteração do
padrão de sono, fadiga diurna, incapacidade de dormir à noite, cefaleias, perda de apetite e
dificuldades de concentração. Estes sintomas resultam do desajustamento do relógio biológico
face às solicitações do novo fuso horário.

As principais causas são: altitude, humidade de cabine baixa, nível de O 2 baixo,


turbulência, pressão barométrica abaixa, vibração, ruido, duração do voo, ansiedade, etc. A
gravidade está diretamente relacionada com a direção do voo e o numero de fusos horários
atravessados (determina extensão do desfasamento e numero de dias necessários para
ressincronização).

O jet lag tem três componentes:


o Dessincronização externa: entre ritmo circadiario e os indicadores de tempo
externo. Resolve-se com exposição gradual ao novo horário.
o Dessincronização interna: vários ritmos circadiarios sincronizam a velocidades
diferentes a novo horário, levando a um desfasamento temporário entre eles.
o Diminuição do tempo total do sono: dificuldade em adormecer e sono interrompido
devido aos dois componentes anteriores.

O tratamento pode ser feito com benzodiazepinas de curta ação (nas primeiras 48h após a
chegada) e com melatonina. A exposição solar, ao influenciar a secreção de melatonina, também
pode ser útil.

187
▪ Síndrome de atraso na fase do sono
O sono noturno surge retardado em relação aos tempos convencionais (adormece e acorda
mais tarde – o adormecer espontâneo ocorre depois das 2h). Nos adolescentes, predomina nos
rapazes (10:1), mas nos adultos não tem preferência de género. Não existe predisposição familiar.
Nos casos puros, apesar de começar tarde, o sono é normal. Nos casos com alterações
psiquiátricas, podem existir consumo imoderado de álcool e hipnóticos, alterações psicológicas e
sintomas depressivos. Os sintomas têm uma evolução cronica, iniciando-se normalmente na
adolescência.
O tratamento faz-se com fototerapia matinal e melatonina.

▪ Síndrome de avanço de fase do sono


O sono noturno surge muito cedo (deitam-se e levantam-se muito cedo). É muito raro.
O diagnóstico é feito quando o doente se deita entre as 18-21h e acorda entre as 1-5h, sendo
que se deve fazer diagnostico diferencial com a redução fisiológica do sono e com manifestações
depressivas.
O tratamento faz-se com fototerapia noturna.

▪ Padrão irregular vigília-sono


O sono total é normal para a idade, mas aparece de forma irregular e imprevisível ao longo
do dia. Surge em doentes com patologia cerebral orgânica.

▪ Síndrome de ciclo de vigília-sono diferente de 24 horas


Surge em indivíduos cegos há muito tempo, com atraso mental e esquizofrénicos graves,
para os quais o ciclo de sono tem 25 horas. Tentar a sincronização para horários convencionais
são ineficazes e causam sonolência diurna e dificuldades no desempenho de tarefas.

▪ Sonolência diurna excessiva (SDE)


É uma das principais consequências das perturbações do sono e carateriza-se por
sonolência quando o individuo devia estar acordado e alerta. Afeta 5% da população.
Tem diversas causas:
o Síndrome da apneia obstrutiva do sono
o Síndrome da resistência das vias aéreas superiores
o Narcolepsia
o Depressão movimentos periódicos dos membros durante o sono: por vezes queixam-
se de dificuldade em iniciar e manter o sono e não de SDE
o Hipersónia idiopática
o Interrupção de estimulantes
o Síndrome do sono insuficiente
o Dependência/abuso de drogas
o Efeito secundário da medicação

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o Hipersónia pós-traumática
Deve-se avaliar os doentes nos seguintes âmbitos:
o HC e EO o Teste de latências múltiplas
o Escalas de sonolência o Teste de manutenção da vigilia
o Diário do sono o Avaliação laboratorial
o Polissonografia o Tipagem HLA (narcolepsia)

▪ Higiene do Sono – How to sleep BETTER


▪ Confortável e seguro
Bedroom ▪ Escuro e fresco
▪ Minimizer barulho e luz
Exercise ▪ Atividade durante o dia, mas não perto da hora de dormir
▪ ≤ 8h
▪ Estabelecer tempo necessário para estar alerta durante o dia
Time in bed
▪ Sair da cama com o despertador
▪ Ir para a cama assim que sente sono
Tension ▪ Relaxar antes de ir para a cama
▪ Evitar cafeina
Eating habits ▪ Evitar bebidas alcoolicas
▪ Comer de forma saudável
▪ Dormer no escuro da noite
Rhythm ▪ Estar ativo na fase clara do dia
▪ Manter ritmo diário constante

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