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Será que René Descartes refutou o ceticismo?

Perante o problema epistemológico “Será que o conhecimento existe?”, encontram-se três respostas
aparentemente simples: sim, não e sim/não. Os fundacionalistas, como Descartes e Hume, que procuraram
uma crença básica que provasse a existência de conhecimento, dizem que sim. Os céticos radicais dizem
que não, porém, os céticos moderados apresentam uma resposta mais elaborada: sim, existe conhecimento
apenas em algumas áreas. Neste ensaio filosófico vamos ter em conta a perspetiva de Descartes para
avaliar se este consegue refutar o ceticismo.

Na sua busca por um fundamento para o conhecimento que refutasse o ceticismo, Descartes decide
assumir uma posição de cético moderado, decidindo aplicar a dúvida cartesiana, possuindo estas quatro
características: metódica, hiperbólica, teórica e voluntária.

Descartes aplica a dúvida a três níveis: o primeiro nível, os enganos sensoriais, põe em causa
algumas crenças a posteriori, já que este afirma que, como os sentidos nos enganaram no passado, “é de
prudência nunca confiar naqueles”. Já o segundo nível da dúvida, o argumento dos sonhos, leva-nos a supor
que: “Se tenho sonhos que não são distinguíveis das perceções que tenho quando estou acordado, então
não posso garantir que neste momento não estou a sonhar, nem que a minha vida não é um sonho”. Deste
modo, Descartes põe em causa todas as crenças a posteriori, ao duvidar da nossa própria existência física.
Para terminar, no terceiro nível da dúvida, na hipótese do Génio Maligno, Descartes, com um caráter ainda
mais hiperbólico, leva-nos numa experiência mental em que nos convida a imaginar que existe um Deus
maligno que nos manipula nas crenças a priori, fazendo-nos duvidar de crenças, como 1+1=2.

Depois de toda esta experiência mental, Descartes chega à conclusão que é necessário ele existir
para que possa ser manipulado por um Deus enganador. Assim, conclui que, como pensa, ainda que
erradamente, tem necessariamente de existir, chegando, assim, à sua crença básica e indubitável: Cogito
(“Penso, logo existo”). Desta forma, chega também ao critério de verdade: tudo que seja tão claro e distinto
como o Cogito pode ser considerado verdadeiro. No entanto, continua com o problema do Génio Maligno,
no qual não podemos ter conhecimento de nenhuma crença a priori ou posteriori, encontrando-se, portanto,
num impasse (solipsismo), em que apenas consegue provar que existe como ser pensante.

Sendo assim, surge a necessidade de provar a existência de Deus para assegurar a veracidade do
critério de verdade e refutar, finalmente, o ceticismo. Descartes acaba por conseguir provar a existência de
Deus, a partir do argumento da marca: Eu tenho uma ideia de perfeição, mas eu não sou perfeito, logo,
como apenas um ser igualmente perfeito tem a capacidade de criar essa ideia de perfeição, podemos
concluir que Deus existe.

Ao provar a existência de Deus, com recurso ao argumento da marca, Descartes considera que refuta
o ceticismo, no entanto, será verdade? David Hume apresenta um argumento bastante forte, no qual afirma
que não há forma de termos a certeza que, ao provar a existência de Deus, não estamos sob influência do
Génio Maligno (argumento da incoerência). Outra objeção é que Descartes justifica a veracidade das ideias
claras e distintas pela existência de Deus e prova a existência de Deus por ser uma ideia clara e distinta,
cometendo a falácia da circularidade.

Consideramos que, na nossa opinião, com descoberta do Cogito, Descartes refuta o ceticismo
radical, no entanto esta descoberta não permite que tenha mais nenhum conhecimento, logo, já que não
consideramos o argumento da marca válido, pois concordámos com as objeções propostas, podemos
afirmar que Descartes apenas refuta o ceticismo radical.

Concluindo, na nossa perspetiva, Descartes conseguiu provar a existência de conhecimento, com o


Cogito, refutando assim os céticos radicais, porém, não conseguiu refutar o ceticismo moderado, já que não
consideramos válido o argumento da marca, ficando preso numa posição solipsista. Será que se Descartes
tivesse encontrado outra forma de afirmar a existência de Deus, refutaria toda a dúvida em volta deste
problema?

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