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Roteiro – Necrose – Patologia

1 Quando os estímulos lesivos (estresses) moleculares e/ou bioquímicos que acometem


uma célula são progressivos e contínuos, as nossas células podem morrer. Essa morte
celular pode ocorrer por diversos mecanismos, mas hoje falaremos especificamente da
morte celular por necrose. O processo de necrose é irreversível e culmina na morte
celular. Um processo de isquemia (diminuição do fluxo sanguíneo) e a hipóxia podem
levar a uma diminuição do ATP mitocondrial e reduzem as funções celulares que
dependem de energia, podendo levar dessa forma a necrose. Do mesmo modo, múltiplos
estímulos nocivos (estresse) levam a uma maior formação de espécies reativas de
oxigênio (ROS) e causam danos aos lipídios, proteínas e ácidos nucleicos, o que
também pode levar a necrose celular.

2 As primeiras alterações que levarão a morte celular são sutis. De início, essas
alterações levam a queda da função celular, ao longo do tempo, até chegar ao ponto de
irreversibilidade (quando não é mais possível que a célula se recupere e volte a ser o que
era antes), a partir daí teremos alterações bioquímicas que culminarão na morte celular,
levando a alterações ultraestruturais, alterações na microscopia óptica e por último a
alterações morfológicas macroscópicas.

3 A necrose é um tipo de morte celular que resulta de uma lesão inicialmente reversível
que progrediu devido à persistência do estímulo lesivo. A reposta inflamatória nesse
caso é localizada com o objetivo de “limpar a cena do acidente”.

4 Dentre as principais causas da necrose podemos citar: hipóxia (diminuição do


oxigênio tecidual), isquemia, exposição a toxinas microbianas, queimaduras e outras
formas de lesão química e física, geração de radicais livres, ação de enzimas líticas,
agressão direta à membrana citoplasmática (como após a ativação do sistema
complemento ou de linfócitos T CD8), etc. Em situações incomuns, como na
pancreatite, a necrose decorre do extravasamento de proteases (enzimas) ativas das
células, provocando danos aos tecidos adjacentes.

5 Um dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos na necrose são os danos por


disfunção mitocondrial e acontece quando temos por exemplo a incidência de radiação,
ação de toxinas ou após a reperfusão subsequente a uma isquemia. Essas situações
levam a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), como o superóxido, que
geram alterações celulares como a peroxidação de lipídios e assim levando danos à
membrana plasmática; além disso, pode levar a um dobramento anormal de proteínas e
gerar danos ao DNA, levando a mutações celulares.

6 Danos por toxinas também podem levar a necrose. Por exemplo, o tetracloreto de
carbono gera um radical livre tóxico, principalmente no fígado, e este radical livre é
uma causa de lesão celular. Essa substância, rapidamente leva a danos às membranas do
retículo endoplasmático dos hepatócitos e causa um declínio na síntese de enzimas e
proteínas plasmáticas. Na sequência, há a tumefação do retículo endoplasmático
agranular e dissociação de ribossomas do retículo endoplasmático rugoso, o que leva a
diminuição da síntese de apoproteínas que formam complexos com triglicerídeos.
Posteriormente, ocorre lesão mitocondrial seguida por diminuição dos estoques de ATP
que resulta em um transporte de íons deficitário e tumefação progressiva das células.
Por fim, as membranas plasmáticas são danificadas por aldeídos graxos produzidos por
peroxidação lipídica no retículo endoplasmático, o que leva a necrose.

7 Os danos por reação inflamatória também podem acontecer. Temos moléculas


produzidas nos tecidos que provocam lesão durante a inflamação como citocinas,
quimiocinas e células de defesa.

8 As alterações celulares durante a necrose possuem como resultado a desnaturação das


proteínas celulares, extravasamento do conteúdo celular através das membranas
danificadas, inflamação local e digestão enzimática da célula. Essas alterações celulares
levam a um dano às membranas, como foi dito, fazendo que com os lisossomos liberem
enzimas no citosol e estas fazem a digestão celular. Após isso, o conteúdo celular
extravasa para o meio extracelular levando a inflamação devido a liberação de DAMPs
(padrões moleculares associados a danos), por exemplo o ATP e o ácido úrico, dessa
forma células de defesa (como os macrófagos) são ativadas e aumentam a inflamação, o
que lesiona ainda mais o tecido. As células inflamatórias produzem mais enzimas
proteolíticas, e a combinação de fagocitose e digestão enzimática pode levar a remoção
das células necróticas.

9 Alguns marcadores laboratoriais podem nos dar pistas de que está ocorrendo necrose.
O extravasamento de proteínas intracelulares através das membranas plasmáticas
danificadas leva essas moléculas até a circulação sanguínea, sendo possível detectar
laboratorialmente a lesão celular de tecidos específicos. No infarto agudo do miocárdio,
por exemplo, temos a elevação da troponina. Já em muitas doenças hepáticas, as
aminotransferases (como TGO/AST e TGP/ALT) se encontram elevadas.

10 Entre os tipos de necrose, podemos citar:


1) Necrose por coagulação: a causa mais frequente é a isquemia.
Macroscopicamente, a área atingida é esbranquiçada e se sobressai na superfície
de órgão, sendo quase sempre circundada por uma região de hiperemia
compensatória. Microscopicamente, além de alterações nucleares (especialmente
a cariólise), as células necrosadas possuem citoplasma com aspecto de
substância coagulada (acidófilo, granuloso e gelificado). De início os contornos
celulares são nítidos, mais tarde, toda a arquitetura tecidual fica perdida.
2) Necrose por liquefação: a região necrosada adquire consistência mole,
semifluida ou liquefeita. Tipo comum no tecido nervoso, suprarrenal e mucosa
gástrica após anóxia (abolição total do suprimento de oxigênio tecidual). É
causada pela grande liberação de enzimas lisossômicas. Também ocorre em
inflamações purulentas.
3) Necrose lítica: ocorre em hepatócitos durante hepatites virais, os quais sofrem
lise ou esfacelo.
4) Necrose caseosa: adquire, macroscopicamente, o aspecto de queijo.
Microscopicamente, observa-se um conglomerado de células necróticas em uma
massa homogênea, acidófila, contendo alguns núcleos picnóticos (retração e
adensamento do núcleo, com perda da individualidade dos grânulos de
cromatina) e, principalmente, na periferia, núcleos fragmentados (cariorrexe). A
lesão parece resultar de mecanismos imunitários. É comum na tuberculose.

11 Existem tecidos com capacidade regenerativa após a necrose, como o fígado, em


casos leves de hepatites.

12 Outros tecidos evoluem com a cicatrização, isto é, o tecido necrosado é substituído


por tecido cicatricial, isso acontece quando a lesão é extensa e, se as células afetadas
não tem capacidade regenerativa.

13 Também é possível que após a necrose haja o encistamento, esse processo acontece
quando o material necrótico não é absorvido (seja por ser volumoso ou por falta de
migração de leucócitos). Aqui a reação inflamatória acontece somente na periferia da
lesão levando a formação de uma cápsula conjuntiva que encista o material necrótico
(pseudoscisto). Com o tempo, restos teciduais destruídos são reabsorvidos, ficando
somente o conteúdo líquido.

14 Outra possibilidade de evolução da necrose é a eliminação do tecido necrótico e


acontece em tecidos que possuem um canal que se comunica com o meio externo.

15 Em relação a calcificação, embora os níveis de cálcio se elevem em tecidos mortos,


os mecanismos para que ela aconteça não são ainda totalmente conhecidos.

16 Outro desfecho é a gangrena. Decorre das modificações que ocorrem em uma área
de necrose pela ação de agentes externos. Pode ser seca, úmida/pútrida ou gasosa. Na
gangrena seca há a desidratação da região atingida (em contato com o ar), como
extremidades de dedos, de artrelhos e da ponta do nariz (lesões vasculares). Já na
gangrena úmida, temos a invasão por microrganismos anaeróbios produtores de enzimas
que liquefazem os tecidos mortos e produzem gases fétidos, acontece no trato digestivo,
nos pulmões e na pele, nos quais a umidade a favorece. Por fim, a gangrena gasosa é
secundária à contaminação com microrganismos do gênero Clostridium (liberam
enzimas proteolíticas e lipolíticas e grande quantidade de gás, formando bolhas), são
feridas infectadas.

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