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DESCRIÇÃO

Principais aminoacidopatias. Proteínas plasmáticas, de fase aguda e do metabolismo do ferro.


Hepatograma.

PROPÓSITO
Conhecer as características dos aminoácidos, das proteínas e enzimas hepáticas é
fundamental para compreender os distúrbios/patologias que envolvem esses elementos,
permitindo determinar de forma acurada os exames laboratoriais e o fornecimento de
diagnósticos mais precisos.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Descrever os distúrbios no metabolismo de aminoácidos e os padrões de eletroforese de


proteínas plasmáticas em diferentes patologias

MÓDULO 2

Descrever o metabolismo do ferro, suas deficiências e o diagnóstico laboratorial


MÓDULO 3

Relacionar as patologias hepáticas com as alterações no hepatograma

INTRODUÇÃO
Quando estudamos a fisiologia humana, dividimos o organismo em várias partes para facilitar a
análise, mas os sistemas estão todos integrados, não é verdade? Portanto, aqui, você estudará
a Análise de proteína e hepatograma dividida em três módulos: um sobre aminoácidos e
proteínas; outro sobre metabolismo do ferro; e o último sobre o fígado.

À primeira vista, os assuntos podem parecer estranhos entre si, mas, acredite, não são.
Veremos as alterações genéticas pontuais que afetam vias metabólicas de aminoácidos,
causando distúrbios ligados a funções hepáticas e alterando o perfil proteico no plasma
sanguíneo. Logo, pequenas mudanças geram alterações que impactam todo o organismo.

O fígado é o órgão que produz a maior parte das proteínas plasmáticas e de fase aguda. Entre
elas, estão aquelas que participam do metabolismo do ferro. O bom funcionamento desse
órgão complexo e vital para a manutenção da vida pode ser avaliado com a ajuda de exames
laboratoriais que envolvem essas e outras substâncias, permitindo auxiliar diagnósticos e
acompanhar patologias associadas. Para isso, você precisará, primeiro, entender cada parte
desse todo.

Vamos lá!

MÓDULO 1

 Descrever os distúrbios no metabolismo de aminoácidos e os padrões de


eletroforese de proteínas plasmáticas em diferentes patologias
DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DE
AMINOÁCIDOS

 Cadeia de aminoácidos ou biomoléculas chamadas proteínas.

As proteínas são as moléculas orgânicas mais abundantes no corpo humano e desempenham


funções vitais para o organismo, como catálise de reações químicas, transporte, contração
muscular, sinalização intracelular, controle da expressão gênica e funções estruturais. Elas são
formadas a partir da união de aminoácidos por meio de ligação peptídica: ligação covalente
entre o radical amino (-NH2) de um aminoácido e o ácido carboxílico (-COOH) de outro.

 Estrutura molecular e a formação de ligação peptídica entre eles.

Os distúrbios do metabolismo de aminoácidos, também chamados de aminoacidopatias, são,


em sua maioria, hereditários. Transmitidos de forma autossômica recessiva, ou seja, cada um
dos pais transmite uma cópia do gene defeituoso. O defeito afeta a atividade de determinadas
enzimas, causando acumulação de substratos que, em alguns casos, podem ser tóxicos e
gerar danos a tecidos e/ou órgãos. Em outros, pode levar à diminuição da produção de
produtos importantes do metabolismo, como veremos mais adiante.

Os quadros clínicos, portanto, resultam de defeitos na decomposição (metabolismo/ação


enzimática) dos aminoácidos, acarretando maiores concentrações nos líquidos biológicos,
como sangue, urina, líquor e outros.

Algumas aminoacidopatias se apresentam como defeitos no transporte de aminoácidos nos


túbulos renais. Nesses casos, esses distúrbios renais são chamados de distúrbios renais de
aminoácidos, com o aumento de aminoácidos sendo detectados apenas na urina.

AUTOSSÔMICA

O gene não provém de um cromossomo sexual.

PRINCIPAIS AMINOACIDOPATIAS
FENILCETONÚRIA (PKU)

Este é um dos distúrbios do metabolismo de aminoácidos mais conhecidos. A criança nasce


com quantidades insuficientes da enzima fenilalanina hidroxilase, responsável pela catálise da
fenilalanina em tirosina, levando ao acúmulo de fenilalanina, fenilpiruvato e fenilactato no
plasma e na urina.

Se o defeito não for detectado de forma rápida e o bebê submetido a uma dieta especial, pode
desenvolver retardo mental, já que a fenilalanina é tóxica para o cérebro. Vale ressaltar que
existem três tipos de PKU, de acordo com a atividade da enzima hidroxilase. Veja a seguir
alguns tipos de fenilcetonúria.

FENILCETONÚRIA CLÁSSICA

A atividade da enzima praticamente não existe (inferior a 1%). Nesses casos, os níveis
plasmáticos de fenilalanina são superiores a 20 mg/dL.
FENILCETONÚRIA LEVE

A atividade da enzima é de 1 a 3% e os níveis plasmáticos de fenilalanina estão entre 10 mg/dL


e 20 mg/dL.
HIPERFENILALANINEMIA TRANSITÓRIA OU
PERMANENTE

A atividade enzimática é superior a 3% e os níveis de fenilalanina ficam entre 4 mg/dL e


10 mg/dL. Este quadro é benigno e não apresenta sintomatologia.

QUAL TESTE PODERIA AJUDAR A DIAGNOSTICAR


DOENÇAS METABÓLICAS, GENÉTICAS E
INFECCIOSAS?

SAIBA MAIS
A triagem neonatal, popularmente conhecida como teste do pezinho, é um dos exames mais
importantes a que os bebês são submetidos ao nascer. A partir de poucas gotas de sangue do
calcanhar recolhidas em um papel filtro especial, é possível diagnosticar precocemente
algumas doenças metabólicas, congênitas e infecciosas, entre elas a fenilcetonúria.

No Brasil, o teste é oferecido gratuitamente na rede pública (pelo Sistema Único de Saúde –
SUS) e a amostra deve ser coletada entre o terceiro e o quinto dia de vida. O teste pode ser
realizado por fluorimetria, ensaio enzimático colorimétrico ou espectrometria de massa.
 Teste do pezinho.

DOENÇA DE HARTNUP

Este é outro defeito inato e envolve o transporte de aminoácidos nos túbulos renais e no
intestino. Neste caso, os aminoácidos neutros não são devidamente reabsorvidos e são
encontrados em grandes quantidades na urina. Também é comum ter quantidades aumentadas
de indóis na urina. Os indóis são metabólitos resultantes da decomposição bacteriana do
triptofano, quando esse aminoácido não é absorvido no intestino.

O quadro clínico da doença, como o desenvolvimento de dermatite e ataxia cerebelar, parece


ser consequência da falha em absorver o triptofano no intestino e também de reabsorvê-lo nos
túbulos renais. Isso leva à deficiência de nicotinamida: vitamina essencial do complexo B,
sendo uma forma da vitamina B3.

AMINOÁCIDOS NEUTROS

São aqueles que apresentam a cadeia lateral R sem carga em pH neutro.

DOENÇA DA URINA DE XAROPE DE BORDO


(DXB)

Também conhecida como leucinose, a DXB é uma doença inata que afeta o metabolismo dos
aminoácidos leucina, isoleucina e valina. O distúrbio é caracterizado pela deficiência de
atividade do complexo enzimático alfacetoácido-desidrogenase, levando ao acúmulo dos
subprodutos desses aminoácidos. Isso causa alterações neurológicas, como convulsões e
deficiência intelectual, e produz um odor característico na urina – que também pode se
apresentar em outros líquidos corporais.
 VOCÊ SABIA

O xarope de bordo, em inglês maple syrup , é pouco conhecido no Brasil, mas utilizado nos
Estados Unidos e no Canadá como condimento para as panquecas. Ele apresenta cheiro
adocicado que lembra açúcar queimado ou caramelo, mesmo cheiro observado na urina dos
pacientes com DXB.

A presença da DXB é detectada pelo aumento dos aminoácidos no sangue em exames de


triagem neonatal ampliada (que não é fornecida pelo SUS), utilizando a espectrometria de
massa em tandem. O diagnóstico é confirmado por exame genético, conforme discutiremos a
seguir.

ESPECTROMETRIA DE MASSA EM TANDEM

Espectrometria de massa (MS2) é um sistema em que as amostras são convertidas em íons


em fase gasosa e separados no espectrômetro de massas de acordo com sua razão massa
(m) sobre a carga (z), m/z, permitindo a identificação e quantificação dos metabólitos
analisados.

CISTINÚRIA E CISTINOSE

A cistinúria é um exemplo de distúrbio inato que afeta o transporte de aminoácidos nos túbulos
renais. O defeito leva à menor reabsorção de cistina, o que aumenta a sua concentração na
urina.

A cistina é resultado da oxidação do aminoácido cisteína e, por ser mais estável, é a maneira
que prevalece tanto no sangue quanto na urina. O excesso de cistina forma cálculos de cistina,
devido à sua baixa solubilidade na urina ácida. Os cristais terminam por se depositarem nos
rins, na bexiga, na pelve renal e/ou nos ureteres. Isso pode levar à insuficiência renal ou à
infecção do trato urinário, já que os cristais podem criar um ambiente propício ao acúmulo de
bactérias.
PELVE RENAL

Área onde a urina que sai do rim se acumula.

URETERES

Tubos que transportam a urina dos rins para a bexiga.

Veja a seguir as três formas clínicas de cistinose.

CISTINOSE INFANTIL
É a forma mais comum e mais agressiva. Também chamada de cistinose nefropática.
CISTINOSE DE APARECIMENTO TARDIO
Também denominada cistinose juvenil ou intermediária. É mais branda do que a infantil. Na
imagem, há cálculos de cistina encontrados na urina.

CISTINOSE BENIGNA
Chamada também de cistinose não nefropática. É a forma mais branda, costuma acometer os
adultos afetando apenas os olhos.

É importante não confundir cistinúria com cistinose. Na cistinose, há comprometimento do


transporte de cistina dos lisossomos para o citoplasma, resultando no seu acúmulo no interior
dos lisossomos. Ou seja, na cistinose, a cistina se acumula nas células e em diferentes
tecidos, e não é excretada em excesso na urina como na cistinúria.
HOMOCISTINÚRIA CLÁSSICA

Esta é outra doença hereditária recessiva autossômica. Neste caso, o metabolismo afetado é
do aminoácido homocisteína, resultante da metabolização do aminoácido metionina
proveniente da alimentação. O distúrbio é causado pela ausência da enzima cistationina β-
sintase, levando ao acúmulo de homocisteína e metionina.

O quadro clínico pode apresentar distúrbios de visão, deficiência intelectual e anomalias


esqueléticas. O diagnóstico laboratorial se baseia em exames de sangue e urina para dosar os
níveis dos aminoácidos envolvidos. É possível utilizar o teste do pezinho para o diagnóstico
precoce.

TIROSINEMIA

Esta doença hereditária é resultante de uma mutação que afeta enzimas que metabolizam o
aminoácido tirosina. A metabolização da tirosina acontece em cinco etapas e o distúrbio pode
afetar três das enzimas que participam desta transformação, são elas:

TIROSINEMIA TIPO I
Resultado da deficiência da enzima fumarilacetoacetato hidrolase, com acúmulo de
fumarilacetoacetato. Apresenta a clínica mais agressiva, podendo, em sua forma crônica,
levar à insuficiência hepática, crise neurológica e até hepatocarcinoma.

TIROSINEMIA TIPO II
Resultado da deficiência da enzima tirosina aminotransferase e da não formação do ácido
4-hidroxifenilpiruvato. Essa forma não está associada a danos hepáticos e sua clínica
costuma acometer olhos, pele e Sistema Nervoso Central.

TIROSINEMIA TIPO III


A deficiência da enzima 4-hidroxifenilpiruvato dioxigenase, que gera um acúmulo de
tirosina e do ácido 4-hidroxifenilpiruvato, tem pouca incidência e geralmente só acomete o
Sistema Nervoso Central.

Em todos os tipos de tirosinemia, a análise laboratorial característica é aminoacidemia


acentuada e altas concentrações de tirosina, fenilalanina e metionina no sangue. Contudo, o
achado relevante é a presença de succinilacetona na urina (ou no líquido amniótico, no caso de
pré-natal).

No caso de suspeita de tirosinemia do tipo III, também é possível realizar testes de função
hepática (que estudaremos a seguir). Para confirmação de diagnóstico, podem ser realizados
testes genéticos.

ALCAPTONÚRIA

Também conhecida como acidúria homogentísica, a alcaptonúria é outra doença hereditária


autossômica recessiva. Neste caso, o defeito leva à deficiência da enzima ácido homogentísico
oxidase que, por sua vez, leva ao acúmulo do ácido homogentísico ̶ um composto intermediário
da via de degradação dos aminoácidos fenilalanina e tirosina, no sangue, na urina e nos
tecidos.

O ácido homogentísico se oxida e polimeriza em contato com o ar, formando a alcaptona (por
isso, o nome alcaptonúria), um pigmento negro que dá cor à urina dos afetados pela doença.
O pigmento também pode se depositar em órgãos e tecidos, o que é chamado de ocronose.

Os sinais clínicos mais comum são: artropatia ocronótica, ocronose cardiovascular, cutânea e
ocular, e obstrução do trato geniturinário por cálculos ocronóticos. O diagnóstico se baseia na
coloração da urina e detecção do ácido homogentísico no plasma e na urina.

ANÁLISE CLÍNICA DAS AMINOACIDOPATIAS

As aminoacidopatias podem ter seu diagnóstico a partir da análise das concentrações de


aminoácidos no plasma e/ou na urina. No caso das aminoacidopatias hereditárias, a amostra
mais relevante é o plasma, que fornece uma visão geral da via metabólica.

Como a excreção dos aminoácidos é muito variável, a urina não se apresenta como uma boa
amostra para análise. Entretanto, ela é a melhor escolha para análise das aminoacidopatias
renais, porque, nesses quadros, o metabolismo dos aminoácidos está normal, mas a
reabsorção nos túbulos renais está comprometida. As anormalidades aparecerão na urina.
TESTE DETECTA PATOLOGIA

Cianetonitroprussiato Grupamentos sulfidrila Cistinúria e homocistinúria

Nitrosonaftol Metabólitos da tirosina Tirosinemia

Cloreto férrico Cetoácidos Fenilcetonúria

Concomitante a estes testes, utiliza-se cromatografia semiquantitativa no sangue e na


urina

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

 Quadro: Testes urinários para investigação de aminoacidopatias.


Elaborado por Kathleen Gonçalves.

Nenhum dos testes nesse quadro é específico. Contudo, resultados positivos podem direcionar
para a realização de exames mais acurados. Quando apontam que determinado aminoácido
está em concentrações maiores do que o normal, é indicado o uso de técnicas quantitativas,
como a cromatografia de troca iônica, rotineiramente usada na análise de aminoácidos.

Em casos agudos, devido ao tempo de análise, ela tem sido substituída pela espectrometria
de massa em tandem, técnica bastante sensível e rápida, que permite diagnóstico de amplo
espectro de doenças metabólicas em uma única corrida analítica, como a PKU e outras
hiperfenilalaninemias; DXB; homocistinúria; tirosinemias do tipo I, II e III; alcaptonúria e outras
aminoacidopatias. As amostras são de sangue, coletadas em papel filtro.

A cromatografia líquida (HPLC), que usa amostras de plasma heparinizado ou urina, também é
bastante precisa e permite quantificar diversos aminoácidos ao mesmo tempo. Para dosagem
de succinilacetona na urina (tirosinemia do tipo I), é comum usar cromatografia gasosa
acoplada à espectrometria de massa.

Para confirmação de distúrbios inatos do metabolismo de aminoácidos em indivíduos já


nascidos, o sequenciamento completo do gene de interesse costuma ser o teste de escolha,
realizado a partir de amostra de sangue total. No caso dos exames pré-natal, essa confirmação
dos distúrbios inatos do metabolismo poderia ser das seguintes formas:
 Procedimento para realização da Amniocentese.

Amniocentese – Procedimento invasivo para obter líquido amniótico a partir da 15ª semana de
gestação. Alguns exames utilizam diretamente o líquido amniótico, mas a maioria dos testes
depende da cultura celular inicial.

 Representação da vilosidade coriônica.

Amostras de vilosidade coriônica – Procedimento invasivo para obter o tecido-alvo realizado


entre a 10ª e a 12ª semanas de gestação. A vantagem sobre a amniocentese é o menor tempo
para coleta; contudo, o risco de perda fetal é mais elevado.
 Estrutura de DNA.

Análise pré-natal de DNA – Realizada no caso em que os pais são afetados pela doença ou
são portadores conhecidos da mutação.

ALBINISMO E O METABOLISMO DA
TIROSINA
A especialista Kathleen da Silva Gonçalves fala sobre a fisiopatologia do albinismo e seu
diagnóstico clínico e laboratorial.

PROTEÍNAS PLASMÁTICAS

Os níveis plasmáticos das proteínas têm grande relevância na avaliação do estado nutricional
dos indivíduos e no diagnóstico de doenças sistêmicas, tanto agudas como crônicas.

A dosagem isolada de proteínas plasmáticas totais não permite uma avaliação precisa, pois o
aumento dos níveis de determinada fração pode, por exemplo, ser compensado pela
diminuição dos níveis de outra fração de proteínas (veremos mais adiante o que representam
essas frações).

Entretanto, há casos em que alterações nos valores totais podem indicar determinados quadros
clínicos como, por exemplo:
Quando há diminuição acentuada dos níveis proteicos, característica de estados de
desnutrição grave, doenças hepáticas e renais.

Quando há aumento acentuado, característico de certas doenças infecciosas ou alguns tipos


de câncer, como o mieloma múltiplo.

MIELOMA MÚLTIPLO

Câncer de plasmócitos, que são células da medula óssea.

Já foram identificados mais de cem tipos de proteínas no plasma sanguíneo, estudados a partir
de sangue coletado sem anticoagulante separando-se o soro. Elas podem ser avaliadas como
proteínas totais pelos métodos bioquímicos (turbimetria, floculação, química seca),
imunológicos ou por ultracentrifugação. Porém, quando se quer avaliar componentes
específicos, utiliza-se a técnica de eletroforese padrão de proteínas plasmáticas, que
permite o fracionamento dessas moléculas em cinco frações: albumina, alfa-1 globulina, alfa-2
globulina, betaglobulina e gamaglobulina, conforme a figura a seguir.

 Padrão eletroforético normal das frações de proteínas plasmáticas no soro.

Para se fazer uma análise clínica correta a partir das alterações apresentadas no resultado da
eletroforese, é indispensável conhecer os valores normais apresentados na tabela a seguir.

Proteínas* % g/dL
Totais 100 6,0 a 8,0

Albumina 50,0 a 63,0 3,2 a 5,5

Alfa-1 2,5 a 5,7 0,2 a 0,4

Alfa-2 5,8 a 13,0 0,5 a 0,9

Beta 8,5 a 14,7 0,6 a 1,1

Gama 11,8 a 20,2 0,7 a 1,5

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

* Os valores relativos e absolutos apresentam pequenas variações dependendo dos diferentes


reagentes bioquímicos e tipos de eletroforese usados.

 Tabela: Intervalos normais das concentrações totais e frações de proteínas plasmáticas no


soro.
Extraída de NAOUM, P. C., 2010, p.291.

A eletroforese, juntamente com a dosagem de proteínas totais, oferece um quadro bem


completo para a análise de determinadas patologias e pode ser utilizada também para o
acompanhamento da evolução clínica dos pacientes.

ANÁLISE LABORATORIAL DE PROTEÍNAS


PLASMÁTICAS

O fígado é o local onde a maioria das proteínas plasmáticas é produzida e, por esse motivo, a
análise das proteínas séricas é fundamental para avaliação da função desse órgão. Não se
preocupe, nosso foco agora serão as proteínas plasmáticas, e a função hepática abordaremos
no último módulo.
Os métodos laboratoriais para o estudo das proteínas circulantes podem ser quantitativos,
semiquantitativos ou qualitativos. Os utilizados mais frequentemente são:

Determinação da concentração de proteínas totais

Determinação da relação albumina/globulinas

Separação por eletroforese das proteínas séricas

QUAL A DIFERENÇA ENTRE ANÁLISE QUALITATIVA E


ANÁLISE QUANTITATIVA?

ANÁLISE QUALITATIVA
Os elementos a serem detectados são identificados a partir da coloração, odor, ponto de fusão,
ponto de ebulição e solubilidade. Ex.: No caso da eletroforese, a análise qualitativa é feita pela
comparação dos tempos de migração dos padrões utilizados com os tempos de migração das
proteínas do soro.


ANÁLISE QUANTITATIVA
É realizada por densitometria, que calcula a porcentagem da área de cada fração.

PADRÕES

Substâncias cujo comportamento eletroforético é pré-conhecido.

ELETROFORESE DE PROTEÍNAS NO SORO


Grande parte das patologias que envolvem proteínas do plasma afeta não apenas uma, mas
um grupo de componentes proteicos. É por isso que a análise dos padrões eletroforéticos é
bastante comum nos diagnósticos médicos.

A eletroforese de proteínas, apesar de ser um método semiquantitativo, permite a dosagem da


concentração total das proteínas em amostras de soro de pacientes.

Durante o exame laboratorial, podemos usar duas metodologias de eletroforese: a eletroforese


convencional ou a capilar, que são:

ELETROFORESE CONVENCIONAL
As proteínas migram em um meio poroso, que pode ser de acetato de celulose, gel de agarose
ou gel de poliacrilamida. A separação acontece com a formação de bandas (frações) de
proteínas. É um método manual em sistema aberto, ou seja, o meio em que as proteínas
migram é manipulado.


ELETROFORESE CAPILAR
As proteínas migram por um tubo capilar e são separadas por tamanho e pelas propriedades
físico-químicas. É um sistema fechado e pode ser manual ou automatizado.

Na eletroforese convencional, obtêm-se cinco frações, já na eletroforese capilar, que possui


alta capacidade de resolução, é possível verificar seis frações, pela subdivisão da fração beta
em beta-1 e beta-2. Outra vantagem da eletroforese capilar é que o processo pode ser
automatizado e, assim, os resultados são mais rapidamente liberados.

 (A) Gráfico da separação eletroforética de proteínas do soro. (B) Frações proteicas


separadas em gel por eletroforese. Em ambos, vemos o padrão normal das frações.

Podemos utilizar diferentes métodos. O quadro a seguir faz um resumo desses métodos:

Método Aplicação Resolução


Acetato de celulose Rotina laboratorial Boa

Gel de agarose Rotina laboratorial Boa

Gel de poliacrilamida Pesquisa Excelente

Screening (triagem de alterações


Isoeletrofocalização Excelente
enzimáticas) e pesquisa

Capilar eletro-
Rotina laboratorial Excelente
osmótica

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

 Quadro: Sensibilidade e aplicação dos principais métodos eletroforéticos.


Extraído de NAOUM, P. C., 2010, p. 6.

PROTEÍNAS DAS FRAÇÕES


ELETROFORÉTICAS
ALBUMINA

É a proteína mais abundante no plasma (60% do total proteico). É produzida no fígado e suas
principais funções são a manutenção da pressão osmótica no plasma e o transporte de
diversas substâncias endógenas e exógenas, como os ácidos graxos e fármacos.

Por ser uma molécula de tamanho bem reduzido, é comum ser excretada pela urina quando há
danos aos glomérulos renais. A diminuição acentuada de sua concentração, chamada de
hipoalbuminemia, é indicativa de quadros clínicos caracterizados por:

1.

Síntese reduzida, como nas hepatopatias;

2.

Aumento do seu catabolismo, como em neoplasias malignas, insuficiência cardíaca congestiva,


doenças inflamatórias e infecciosas crônicas;
3.

Perda acentuada, como em síndrome nefrótica, enteropatias e queimaduras graves.

 A albumina atua na manutenção da pressão oncótica, sua baixa concentração gera o


edema.

ALFA-1 GLOBULINA

Embora essa fração seja formada por várias proteínas, 90% dela é composta de alfa-1
antitripsina. A porção restante é composta por alfa-1 glicoproteína ácida, alfafetoproteína e
algumas proteínas carreadoras.

A alfa-1 antitripsina é um inibidor de proteases e seus níveis geralmente estão aumentados


quando há processos inflamatórios, infecciosos e imunes. Essa proteína é codificada por dois
alelos codominantes denominados M e Z. A homozigose ZZ acarreta redução drástica ou, até,
a ausência da proteína e está relacionada ao surgimento de enfisema panlobular grave ou
cirrose hepática na infância. Nesses casos, a eletroforese de proteínas plasmáticas possibilita o
diagnóstico, pois a fração alfa-1 praticamente desaparece, mas o diagnóstico deve ser
confirmado por técnicas imunoenzimáticas. Entretanto, os casos de heterozigose para a
deficiência de alfa-1 antitripsina não podem ser detectados pela eletroforese.
A proteína alfa-1 glicoproteína ácida (AAGP), também chamada de orosomucoide, é outra
proteína de fase aguda encontrada nessa fração. Ela faz parte do grupo das mucoproteínas e é
sintetizada nos hepatócitos.

PROTEASES

Enzimas que degradam proteínas.

O exame de mucoproteínas no sangue é utilizado para monitoramento de processos


inflamatórios. No entanto, este ensaio não apresenta boa reprodutibilidade por sofrer
interferência de fatores como temperatura e tempo de estocagem. Por isso, ele é substituído
pela dosagem da AAGP, que é a principal constituinte destas glicoproteínas.

A amostra é de sangue e o método, em geral, é a imunoturbidimetria. Veja a seguir o que


seus níveis podem indicar.

IMUNOTURBIDIMETRIA

Esta técnica se baseia na formação de um complexo antígeno-anticorpo, utilizando um


anticorpo específico para a molécula-alvo.

NÍVEIS AUMENTADOS
NÍVEIS REDUZIDOS

NÍVEIS AUMENTADOS

Artrite reumatoide;

Lúpus eritematoso disseminado;

Neoplasias;
Infarto do miocárdio;

Outros casos com quadros inflamatórios e traumas.

NÍVEIS REDUZIDOS

Hepatopatias graves;

Enteropatias com perda proteica;

Desnutrição.

ALFA-2 GLOBULINA

É composta por proteínas como haptoglobina, alfa-2 macroglobulina, ceruloplasmina,


eritropoetina, colinesterase e outras, mas a maior parte corresponde à haptoglobina e alfa-2
macroglobulina. Sua concentração aumenta frente a infecções, quadros inflamatórios e
processos imunológicos, pois, assim como a fração alfa-1, é uma proteína de fase aguda.

A alfa-2 macroglobulina é um inibidor de proteases produzido pelo fígado, por isso sua
diminuição é observada em quadros de hepatopatias crônicas. Já a elevação de seus níveis é
característica da síndrome de deficiência imunológica adquirida (AIDS). Na síndrome nefrótica,
sua concentração cresce de forma significativa (cerca de 10 vezes). Como é uma das maiores
proteínas globulínicas, seus níveis séricos podem ficar iguais, ou até maiores, do que os da
albumina.

A haptoglobina é um marcador bastante sensível de hemólise intravascular. Por esse motivo,


em síndromes hemolíticas, como alguns tipos de anemias, seus níveis se encontram
notadamente diminuídos. Apresenta-se com concentrações aumentadas em processos
inflamatórios agudos.
HEMÓLISE INTRAVASCULAR

Destruição de hemácias dentro dos vasos sanguíneos.

BETAGLOBULINA

Composta por um grupo bem heterogêneo de proteínas. As mais importantes do ponto de vista
clínico são a transferrina e o complemento C3.

A transferrina tem como função primordial o transporte do ferro no plasma sanguíneo. Assim, a
elevação dos seus níveis séricos é um bom indicador de carência de ferro, como acontece na
anemia por deficiência de ferro (anemia ferropriva). Concentrações diminuídas são
observadas em hepatopatias crônicas, uma característica comum nas proteínas sintetizadas no
fígado. Voltaremos a falar da transferrina no próximo módulo.

O complemento C3 é um componente do sistema complemento e atua como mediador em


diversas reações que envolvem o sistema imunológico. Também é considerado uma proteína
de fase aguda e, portanto, a elevação de seus níveis plasmáticos é um importante marcador da
presença de processos infecciosos.

 SAIBA MAIS

É possível separar as frações em beta-1 e beta-2 globulinas ao acrescentarmos 100 mg de


cálcio em um litro do tampão utilizado na eletroforese.

GAMAGLOBULINA

É composta por todas as classes de imunoglobulinas (Igs): IgA, IgD, IgE, IgG e IgM, que
podem ser encontradas no plasma sanguíneo e nos líquidos orgânicos. Cada uma dessas
imunoglobulinas tem concentrações e funções diferentes em nosso organismo, conforme
observado no quadro a seguir. A maioria dos anticorpos no plasma é do tipo IgA, IgG e IgM.
IMUNOGLOBULINAS (IGS)

Anticorpos compostos por glicoproteínas secretados pelos plasmócitos. Existem ainda quatro
subclasses de IgG e duas de IgA.

Concentração
Tipos Características e principais funções
plasmática

Imunoglobulinas presentes nas secreções das


IgA 10 a 15% mucosas, líquidos intestinais e lágrimas. Sua principal
função é antimicrobiana.

IgD < 1% A função da IgD circulante é desconhecida.

IgE < 0,5% Medeia reações alérgicas e de hipersensibilidade.

Ativação do complemento, neutralização de toxinas e


combate às infecções. A IgG1 é a subclasse
IgG 70 a 75% predominante, constituindo 65% da IgG total. A IgG de
origem materna proporciona imunidade passiva ao
recém-nascido e é transportada pela placenta.

Primeiro anticorpo que aparece na resposta a um


IgM 5 a 10% antígeno. Pode ser produzida pelo feto e não
atravessa a placenta.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

 Quadro: Características das imunoglobulinas plasmáticas.


Elaborado por Kathleen Gonçalves.

Na corrida eletroforética das gamaglobulinas, apenas a IgG apresenta migração por toda a
banda da fração gama. Além disso, por ter a maior concentração entre as globulinas, as
alterações nessa zona acabam por refletir o que acontece com essa imunoglobulina.
A IgA é a que aparece mais próxima do polo negativo (anodo) e pode se localizar na área de
encontro da fração gama com a beta. A IgM é menos anódica e migra na zona eletroforética da
betaglobulina, quando estimulada (nos casos de infecções agudas). É possível detectá-la na
região entre a IgA e a IgG. Existem situações clínicas em que a delimitação entre as zonas beta
e gama não aparece, essa fusão geralmente ocorre em soro e plasma de pacientes com
cirrose hepática.

A seguir veja a representação do comportamento eletroforético das imunoglobulinas.

 Relação das imunoglobulinas com o padrão eletroforético das proteínas séricas.

É comum investigar e suspeitar da presença de processos inflamatórios a partir da


concentração plasmática das imunoglobulinas. Esse valor é determinado relação
albumina/proteínas totais. A diferença entre as duas concentrações informa o valor aproximado
da fração de globulinas totais. Como a maior parte das globulinas totais é composta de
imunoglobulinas, esse valor é indicativo da presença ou não de processo inflamatório de
maneira inespecífica.

Vamos agora conhecer os principais padrões eletroforéticos da fração gama:

PICO POLICLONAL
Quando as imunoglobulinas são produzidas por diferentes plasmócitos, chamamos a banda de
policlonal.

Anticorpos policlonais formam um conjunto de imunoglobulinas que, apesar de secretadas em


resposta a um antígeno específico, reconhecem epítopos (é a menor parte de um antígeno
capaz de induzir uma resposta imunológica) diferentes.

O pico policlonal (aumento policlonal) é chamado de gamopatia policlonal. O padrão


eletroforético revela uma curva de base larga, pois, nesse caso, ocorre elevação da produção
de todas as classes de imunoglobulinas. Esse padrão é característico de processos
inflamatórios, imunes ou infecciosos como a tuberculose, sarcoidose, artrite reumatoide, lúpus
eritematoso sistêmico e outras patologias.

PICO MONOCLONAL
Quando há aumento de anticorpos produzidos por um único clone plasmocitário, ou seja,
quando são produzidas imunoglobulinas idênticas entre si, temos um pico monoclonal,
característico de gamopatias monoclonais.

O gráfico eletroforético apresenta uma curva gama de base estreita, pois o crescimento
representa um único anticorpo e geralmente apresenta um pico na fração gama. No entanto,
como vimos, a IgA tem uma migração característica e, caso seja a proteína que está
aumentada, o pico pode se apresentar na fração beta.

Podemos considerar o mesmo raciocínio para a elevação de IgM monoclonal. Sendo assim,
quando ocorre crescimento na fração gama, não é possível determinar, com certeza, se a
fração monoclonal é IgA, IgG ou IgM. Portanto, é necessário realizar dosagens imunológicas
específicas para essas imunoglobulinas ou ensaios de imunoeletroforese com determinados
antissoros.

As doenças associadas a esse perfil eletroforético são: mieloma múltiplo (MM),


macroglobulinemia, leucemia linfocítica crônica e linfoma.

HIPOGAMAGLOBULINEMIA
Também chamada de agamaglobulinemia, caracteriza a redução dos níveis de
gamaglobulinas e é indicativo da presença de variante da cadeia leve do mieloma múltiplo,
presente em cerca de 20% dos casos de MM. Normalmente, o pico monoclonal é visto na
eletroforese a partir de amostras de urina, pois as cadeias leves das imunoglobulinas são
pequenas o suficiente para extravasarem os túbulos renais. Essas proteínas são chamadas de
proteínas Bence Jones. Além do mieloma múltiplo, outras causas levam à
hipogamaglobulinemia, são elas:
 Outras causas da deficiência ou ausência de imunoglobulinas.

 SAIBA MAIS

Nas gamopatias monoclonais, as imunoglobulinas secretadas pelas células podem ser intactas
ou fragmentos delas. Nos referimos às duas como paraproteínas, proteínas monoclonais ou
proteínas M. É possível que elas sejam de qualquer classe de anticorpos e o aumento revela
na eletroforese uma única banda estreita.

As proteínas de Bence Jones que vimos são exemplos delas, encontradas no mieloma múltiplo,
macroglobulinemia de Waldenström e em doenças de cadeia pesada. Entretanto, pode-se
achar paraproteínas também em pacientes sem patologia associada, em que são referenciadas
como paraproteínas benignas ou gamopatia monoclonal de significância incerta.

Os testes para identificação específica das imunoglobulinas são realizados principalmente com
amostras de sangue. A imunoeletroforese é a mais conhecida, mas, hoje, existem métodos
mais rápidos e sensíveis como:

Imunoturbidimetria

Eletroquimioluminescência

Radioimunoensaio

Elisa

Na eletroforese, quando se detecta a presença de paraproteínas, deve-se realizar a técnica de


imunofixação para quantificá-las. Esse método também é utilizado quando se identifica
aumento de IgD, para determinar se ele é monoclonal ou policlonal.

No caso da IgE, a quantificação total não é útil como método de triagem para diagnóstico de
doença alérgica. Inclusive, níveis séricos normais de IgE não descartam a possibilidade deste
quadro clínico.

Os testes para quadros alérgicos são, em grande parte, testes de sensibilização alérgica ou
pesquisa de IgE específica contra determinados alergênicos.

PROTEÍNA C-REATIVA E SUA RELEVÂNCIA NA


FASE AGUDA

Como mencionado, as proteínas de fase aguda são marcadores plasmáticos bem


característicos dos processos infecciosos. Além disso, encontram-se alteradas na presença de
crescimento tumorais e após cirurgias ou traumas. Assim, a dosagem dessas proteínas serve
para monitorar o curso da doença nos indivíduos acometidos. No quadro a seguir, temos
descritas as principais funções dessas proteínas.

Função Exemplos

Atua como mediadores inflamatórios: a proteína C-reativa (PCR) ativa o


Mediar complemento. O fibrinogênio e os componentes da coagulação geram
coágulos e matrizes de fibrina ajudando na reparação dos tecidos.

Inibe a atividade de proteases. α1-antitripsina e α1-antiquimotripsina


Inibir inibem as ações de enzimas liberadas por leucócitos durante a fagocitose.
A inibidora da esterase C1 inibe parte do sistema complemento.

Inibe ou elimina substâncias nocivas produzidas durante o processo


inflamatório: a haptoglobina forma um complexo com a hemoglobina livre
Eliminar
para que possa ser depurado pelo fígado; a PCR pode opsonizar DNA e
detritos celulares de membrana.
Modula a resposta imune: a alfa-1 glicoproteína ácida é expressa nas
Regular
membranas de linfócitos.

Controla e estabelece os elementos do tecido conjuntivo: a α1-antitripsina


e α1-antiquimotripsina são depositadas de maneira sequencial na
Reparar
superfície das fibras elásticas recém-formadas; a alfa-1 glicoproteína
ácida promove o crescimento de fibroblastos.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

 Quadro: Funções das proteínas de fase aguda.


Extraído de MARSHALL, W. J.; LAPSLEY, M.; DAY, A. P.; AYLING, R. M., 2016, p. 851- 852,
adaptado por Kathleen Gonçalves.

OPSONIZAR

Processo que facilita a fagocitose. Consiste na fixação de anticorpos ou fragmentos do sistema


complemento (chamados de opsoninas) na superfície de células e/ou microrganismos,
indicando os que devem ser eliminados pelo sistema imunológico.

No quadro inflamatório agudo, geralmente as imunoglobulinas se apresentam no limite da


normalidade e suas frações só crescem à medida que o processo se torna crônico. Uma das
proteínas mais sensíveis e precoces de quadros agudos é a proteína C-reativa (PCR).

Essa proteína é sintetizada pelo fígado e encontrada no plasma e, em condições normais, com
concentrações inferiores a 1 mg/dL. Em resposta a um estímulo inflamatório, seus níveis
aumentam rapidamente (em 6 horas já é possível detectar), podendo chegar a mil vezes os
valores basais.

Os testes quantitativos utilizados para medir os valores de PCR não têm sensibilidade para
detectar a proteína no soro de indivíduos saudáveis, o que é necessário para o monitoramento
de quadros inflamatórios crônicos. Para esses casos, são aplicadas técnicas de alta
sensibilidade, hs-PCR (high sensitivity -PCR). Já se encontram disponíveis no mercado a
metodologia ELISA e métodos automatizados de turbidimetria e nefelometria.
 SAIBA MAIS

Níveis de PCR estão associados ao maior risco de doença arterial periférica, infarto do
miocárdio, AVC e morte súbita cardiovascular.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

 Descrever o metabolismo do ferro, suas deficiências e o diagnóstico laboratorial

IMPORTÂNCIA DO FERRO

O ferro é um elemento essencial para o corpo humano, pois desempenha papel de relevância
em diversos processos metabólicos. Ele é o íon central do grupo heme, um componente não
proteico tanto da hemoglobina como da mioglobina, fundamental no transporte de oxigênio
para os tecidos.
 Estrutura do heme com o íon Fe2+ no centro.

Como componente dos citocromos na membrana mitocondrial, é peça-chave na transferência


de elétrons e geração de energia. Já o ferro não heme participa, ainda, da síntese do DNA,
tendo em vista que a função da ribonucleotídeo-redutase depende da presença do ferro.

CITOCROMOS

Enzimas da cadeia respiratória.

RIBONUCLEOTÍDEO-REDUTASE

Enzima que catalisa a formação de desoxirribonucleotídeos dos ribonucleotídeos, fornecendo,


assim, precursores para a síntese de DNA.

METABOLISMO DO FERRO
O ferro encontrado no organismo é originário de duas fontes principais: alimentação e
reciclagem dos glóbulos vermelhos senescentes.

Uma dieta balanceada provê, aproximadamente, de 15 a 20 mg de ferro ao dia, mas


apenas 5 a 10% são absorvidos. Isso é distribuído para os tecidos ligados a proteínas de
armazenamento, como a ferritina (solúvel) e a hemossiderina (insolúvel).

O conteúdo total de ferro no corpo de adultos sem patologias é entre 3 e 4 g. Para formação de
novas hemácias, é necessário cerca de 30 mg de ferro ao dia. Contudo, diariamente, o corpo
perde, aproximadamente, 1 mg de ferro e essa perda precisa ser reposta pela alimentação. As
mulheres têm perda extra de 0,5 mg de ferro devido ao período menstrual ou gravidez.
Crianças e adolescentes também requerem quantidade maior. As concentrações normais de
ferro no soro variam entre 10 e 40 μmol/L.

 ATENÇÃO

No organismo, o ferro pode existir em dois estados estáveis oxidados: ferro ferroso solúvel

(Fe2+) e ferro férrico insolúvel (Fe3+).


 Metabolismo do ferro: ingestão, absorção, armazenamento e excreção.

A quantidade de ferro que será absorvida é regulada pela necessidade do organismo, e a


velocidade desse processo é regulada por diversos fatores fisiológicos, descritos a seguir.

Fator fisiológico Regulação

Estoques de A absorção do ferro é inversamente proporcional aos estoques,


ferro ou seja, eleva a absorção quando os estoques diminuem.

Velocidade da Aumento da produção de hemácias leva à mais absorção,


eritropoiese mesmo com estoques de ferro adequados ou elevados.

O ácido ascórbico e os açúcares facilitam a absorção. Nas dietas


Conteúdo da
ricas em alimentos com taninos, fitatos e fosfatos, que compõem
dieta
complexos insolúveis com o ferro, a absorção é inibida.

O ferro é mais bem absorvido na forma ferrosa (Fe2+) do que a


Estado químico
forma férrica (Fe3+). O ferro heme, proveniente das carnes e
do ferro
derivados, pode ser absorvido com a molécula intacta.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal


 Quadro: Fatores fisiológicos que regulam a absorção do ferro.
Elaborado por Kathleen Gonçalves.

≈≈

Quando há aumento da demanda por ferro, cresce também a expressão de proteínas


relacionadas à sua absorção.

 Proteínas envolvidas com a absorção do ferro.

A transferrina é uma proteína produzida no fígado, responsável pelo transporte plasmático do

ferro em sua forma Fe3+. Cada transferrina carreia dois íons de ferro férrico e esse complexo
(ferro-ferritina) pode se ligar a receptores específicos na membrana de diversos tipos celulares.

Em condições normais, a transferrina existente no plasma é capaz de transportar até 12 mg de


ferro. Contudo, dificilmente, essa capacidade é utilizada em sua plenitude. O ferro circula livre,
podendo causar graves danos celulares, em distúrbios em que há sobrecarga de ferro e o total
dessa proteína encontra-se saturado ou próximo de sua saturação máxima.

A ferritina, principal proteína de armazenamento do ferro, é encontrada, principalmente, nas


células do retículo endotelial de órgãos como fígado, baço e medula óssea e nos músculos.

Além de ser estocada na ferritina, a forma férrica (Fe3+) também pode ser encontrada na
hemossiderina, que é a forma degradada da ferritina, e ser corada com ferrocianeto de potássio
na presença de ácido clorídrico.
 Corte histológico mostrando a presença de hemossiderina (marrom) em macrófagos
alveolares.

A homeostase do ferro é controlada pelas proteínas reguladoras de ferro que atuam na inibição
ou indução da transcrição genética (regulação intracelular) e pela regulação sistêmica, que
requer uma comunicação entre os locais de absorção, de utilização e de estoque. Esse papel é
desempenhado pela hepcidina, um hormônio circulante sintetizado no fígado, que atua como
regulador negativo do metabolismo do ferro. Sua expressão é induzida, quando há sobrecarga
de ferro e em quadros de infecção e inflamação, e diminuída, em situações de deficiência de
ferro.
 Regulação da hepcidina e sua ação no metabolismo do ferro.

O METABOLISMO DO FERRO
A especialista Kathleen da Silva Gonçalves fala sobre a absorção, o transporte e a regulação
do ferro no organismo humano.
DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DO FERRO

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a deficiência de ferro é a alteração


hematológica mais comum com uma prevalência de 20 a 30% na população mundial e pode
levar ao desenvolvimento de diversas doenças.

A anemia é o quadro mais característico, quando os níveis de ferro estão abaixo dos valores
de referência. Quando seus níveis estão aumentados, também há quadros clínicos que
precisam de atenção. Sendo assim, é de grande importância realizar o monitoramento e
controle dos níveis desse metal.

DISTÚRBIOS RELACIONADOS A BAIXOS NÍVEIS


DE FERRO
A anemia é definida como a diminuição da concentração total de hemoglobina no sangue,
ficando em níveis abaixo das necessidades fisiológicas de um indivíduo saudável (mulheres e
crianças < 11 g/dL e adultos < 12 g/dL).

A anemia pode ser classificada, de acordo com o tamanho dos eritrócitos, em: microcítica,
normocítica e macrocítica.

Os sintomas são vagos, mas refletem a fraca distribuição de oxigênio no organismo, podendo
ser acompanhados de cansaço, dor de cabeça, falta de ar, entre outros. A anemia ferropriva é
causada, principalmente, pela deficiência de ferro, mas também pode ocorrer devido a outros
fatores, como:

 Causas e características dos eritrócitos na anemia ferropriva.

A anemia hipocrômica microcítica e a ausência de coloração de ferro em biópsia de medula


óssea são os melhores índices diagnósticos de deficiência de ferro estabelecidos.

Além da anemia, existem outros quadros clínicos acompanhados da diminuição dos níveis de
ferro, entre eles estão:

Inflamação aguda (respiratória e abcessos)

Inflamações crônicas

Doenças malignas

Infarto do miocárdio

Hemorragia aguda

Doação de sangue recente

Ciclo menstrual
DISTÚRBIOS RELACIONADOS AO EXCESSO DE
FERRO

É possível ocorrer por doenças genéticas ou de forma adquirida. A sobrecarga pode ser
resultado de transfusões sanguíneas realizadas de maneira crônica, como acontece com
alguns pacientes com anemia falciforme, ou ser resultado de hematopoiese deficiente, comum
na insuficiência renal. Doenças como hemocromatose, que veremos no próximo tópico,
também levam à elevação dos níveis de ferro, bem como casos de intoxicação por ferro.

Os mecanismos de excreção do ferro são incipientes – descamação das células intestinais e


epidermais, menstruação e perda de sangue oculto nas fezes. Por isso, às vezes, terapias de
reposição do ferro levam ao aumento acima dos níveis de referência. Em situações de
sobrecarga de ferro, a concentração de ferritina no soro também pode ir para níveis acima dos
valores de referência.

Hemocromatose

Doença hereditária do metabolismo do ferro relativamente comum, dependendo da mutação


genética associada. É caracterizada pelo crescimento da absorção intestinal de ferro, em torno
de 2 a 3 vezes acima do normal, levando à deposição de ferro em diversos tecidos, o que, por
sua vez, tende a causar disfunção em diferentes órgãos.

 Hemocromatose no tecido hepático. Os grânulos alaranjados são depósitos de


hemossiderina no citoplasma dos hepatócitos.
Normalmente, a mutação mais comum acontece no gene que codifica a proteína HFE e leva à
substituição de um aminoácido cisteína por uma tirosina, resultando na redução da síntese de
hepcidina, um regulador negativo do metabolismo do ferro.

A hepcidina se liga à ferroportina na membrana das células intestinais, induzindo sua


internalização e degradação. Isso impede que ela exporte o ferro para o plasma, ficando retido
no interior das células.

Esse ferro é, enfim, excretado com a descamação das células intestinais. Logo, a redução dos
níveis de hepcidina está associada ao aumento dos níveis de ferro sérico e à desregulação do
seu metabolismo.

QUAIS AS VÁRIAS FACES DA HEMOCROMATOSE?

SAIBA MAIS
Existem quatro tipos de mutações, em genes diferentes, que levam ao desenvolvimento desta
doença:

Tipo 1: As mutações do gene HFE estão entre as causas de maior prevalência da doença, mas
varia de acordo com os grupos étnicos e raramente apresenta sintomas antes dos 20 anos. A
mutação C282Y é a mais comum.

Tipo 2: Hemocromatose juvenil. É rara e as mutações afetam os genes HJV (tipo 2A) e HAMP
(tipo 2B).

Tipo 3: Ocorre devido a mutações no gene TRF2, que codifica o receptor de transferrina.

Tipo 4: Também chamada de doença por ferroportina, já que as mutações afetam o gene
SLC40A1 que codifica aferroportina-1.

Os sintomas da hemocromatose costumam aparecer na meia-idade, com quadro clínico


característico, que inclui fadiga crônica e, em casos mais intensos, pigmentação da pele
(fenótipo bronzeado), diabetes, cardiomiopatia e cirrose.

Com o aumento da concentração de ferro sérico, a saturação da transferrina chega


próxima a 100%. Por esse motivo, é o exame com alta especificidade para esta doença.
Os níveis de ferritina também se encontram elevados. No entanto, a genotipagem é o
método capaz de diagnosticar, com alta sensibilidade, a hemocromatose hereditária.
OUTROS DISTÚRBIOS COM SOBRECARGA DE
FERRO

Existem outros distúrbios que acompanham o crescimento dos níveis de ferro sérico. Vejamos
a seguir:

ACERULOPLASMINEMIA
Acúmulo excessivo de hemossiderina nos tecidos. Os principais órgãos afetados são pulmões
e rins. Neles, os depósitos resultam de hemorragia nos tecidos seguida da ruptura dos
eritrócitos, causando liberação de ferro. Nos rins, a hemólise pode ser intravascular e o ferro se
acumula no tecido renal à medida que o sangue é filtrado.

HEMOSSIDEROSE
Consequência de mutações no gene da proteína ceruloplasmina. Essa proteína atua na

regulação do estado iônico do ferro, oxidando o Fe+2 em Fe+3. Assim, permite a incorporação
do íon à transferrina. Sem poder se ligar a ela, há acúmulo de ferro sérico.

ATRANSFERRINEMIA
Distúrbio raro e congênito em que há deficit de transferrina, que aumenta o ferro sérico livre, e
o desenvolvimento de quadros graves devido ao estresse oxidativo.

 Transporte de substâncias na corrente sanguínea.

ANÁLISE LABORATORIAL DO FERRO


Para o estabelecimento do diagnóstico de patologias associadas ao metabolismo do ferro, o
hemograma é uma ferramenta essencial. Além dele, temos estes testes: ferro sérico,
saturação da transferrina, receptor solúvel da transferrina, capacidade plasmática total de
ligação ao ferro e hepcidina.

Veja a seguir cada um desses parâmetros avaliados laboratorialmente.

PARÂMETROS DO HEMOGRAMA

Você estudará este assunto com mais profundidade em outro momento, mas vamos conhecer
os valores de referência dos parâmetros que devem ser avaliados nos casos de deficiência de
ferro.

Índice/Medida Parâmetro avaliado Valores

Volume Corpuscular Tamanho médio das < 80 fl indicam


Médio (VCM) hemácias microcitose

Concentração de Quantidade de Valores de referência: 31


Hemoglobina hemoglobina nas a 36 g/dL. Valores baixos
hemácias
Corpuscular Média indicam hemácias
(CHCM) hipocrômicas

Determinação do número
de hemácias
> 6% indicam deficiência
hipocrômicas (possível Número de hemácias
de ferro
com certos analisadores
automáticos)

> 14,5% indicam


Heterogeneidade das
RDW (do inglês Red Cell deficiência de ferro, mas
hemácias em relação ao
Distribution Width ) precisa ser avaliado junto
tamanho
com o VCM

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

 Quadro: Índices hematimétricos em quadros de deficiência de ferro.


Elaborado por Kathleen Gonçalves.

FERRO E FERRITINA SÉRICOS

Como os valores de referência para o ferro no soro apresentam grande variação, a medida da
sua concentração tem valor limitado, pois as baixas concentrações plasmáticas podem ser
observadas em diversos quadros clínicos. Seu valor é mais preditivo em casos de sobrecarga e
envenenamento agudo por ferro.

Já a ferritina é um parâmetro bastante sensível da deficiência de ferro, se não estiver


acompanhado de nenhuma outra alteração clínica. Como a porcentagem de ferro associado à
ferritina sérica está em equilíbrio com os depósitos do ferro ligados à ferritina nos tecidos, sua
concentração no sangue reflete as reservas no organismo.

VAMOS CONHECER OS VALORES DE REFERÊNCIA


PARA O FERRO E A FERRITINA?

Grupos Ferro sérico Ferritina sérica

Homens 70 a 180 μg/dL 70 a 435 ng/mL

Mulheres 60 a 180 μg/dL 10 a 160 ng/mL

Recém-nascidos 95 a 225 μg/dL 25 a 200 ng/mL

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

 Tabela: Valores de referência de ferro e ferritina séricos.


Elaborada por Kathleen Gonçalves.

 ATENÇÃO

Como a ferritina é uma proteína plasmática de fase aguda, caso haja quadros inflamatórios
coexistentes com deficiência de ferro, seus níveis podem se apresentar falsamente normais.
 Clínicas que acompanham o aumento dos níveis de ferritina.

TRANSFERRINA E SUA CAPACIDADE DE


LIGAÇÃO AO FERRO SÉRICO

A concentração de transferrina sérica pode ser medida direta ou indiretamente pela


capacidade total de ligação de ferro, conhecida pela sigla TIBC.

No plasma, em condições normais, a transferrina está cerca de 30% saturada com Fe2+:

Quando essa saturação diminui (< 16%), podemos suspeitar de quadros de deficiência de
ferro.

Quando a saturação aumenta (> 55% em homens e > 50% em mulheres), desconfiamos de
quadros de sobrecarga de ferro.

A TIBC é uma medida da concentração máxima de saturação da transferrina. Como apenas 1/3
dos sítios ligadores de ferro está ocupado, a proteína tem capacidade reserva para ligação com
mais íons. Assim, a TIBC está elevada nas deficiências de ferro e diminuída nos quadros
inflamatórios, doenças malignas e desordens relacionadas à sobrecarga de ferro.

Outro parâmetro relacionado às reservas de ferro é a porcentagem de saturação da


transferrina, útil na diferenciação das causas de anemia por carência nutricional ou por outros
motivos, como aplasia de medula.

O resultado laboratorial clássico em anemia ferropriva é encontrar a ferritina e o ferro séricos


reduzidos, a saturação de transferrina baixa e a TIBC aumentada. Os valores de referência da
TIBC vão de 300 a 360 μg/dL. No quadro a seguir, vemos a correlação entre o ferro e o TIBC
em diferentes situações.

Condição Ferro sérico TIBC

Deficiência de ferro ↓ ↑

Infecções crônicas ↓ ↓
Malignidades ↓ ↓

Menstruações ↓ ↓

Envenenamento por Fe ↑ ↓

Anemia hemolítica Variável Variável

Hemocromatose ↑ N, ↓

Infarto do miocárdio ↓ N

Gravidez tardia ↓ ↑

Anticoncepcionais orais N, ↑ ↑

Hepatite por vírus ↑ ↑

Nefrose ↓ ↓

Kwashiorkor ↓ ↓

Talassemia ↑ ↓

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

↓ = diminuição; ↑ = aumento; N = normal.

 Quadro: Ferro sérico e TIBC em várias condições.


Extraído de MOTTA, V. T., 2009, p. 8, adaptado por Kathleen Gonçalves.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 3

 Relacionar as patologias hepáticas com as alterações no hepatograma

FÍGADO

O fígado é o órgão mais volumoso do corpo humano, anatomicamente dividido em quatro


lobos: direito, esquerdo, caudado e quadrado. Recebe suprimento sanguíneo proveniente de
dois grandes vasos: veia porta e artéria hepática, ramificação da aorta, que entrega sangue
oxigenado proveniente do sistema digestório, rico em nutrientes.

Cerca de 80% da massa celular do fígado é formada pelos hepatócitos que se agrupam
compondo placas chamadas de lóbulos hepáticos. A unidade funcional do fígado é
representada pelos ácinos. Estes não são estruturas anatômicas definidas e foram
arbitrariamente divididos em três zonas (1, 2 e 3) que correspondem à sequência em que o
sangue se desloca. Os hepatócitos da zona 1 são irrigados com o sangue mais oxigenado. Os
hepatócitos da zona 3 recebem um sangue com menos oxigênio e nutrientes.

SISTEMA DIGESTÓRIO

Estômago, intestino delgado e grosso, pâncreas e baço.

 Esquema histológico do lóbulo e das zonas funcionais dos ácinos hepáticos.

O fígado realiza múltiplas funções. Portanto, a preocupação com a saúde desse órgão é crucial
para a homeostase de todo o organismo. Veja essas funções a seguir.

METABOLISMO
Tem papel fundamental no metabolismo dos nutrientes provenientes da alimentação,
principalmente dos carboidratos, lipídeos e proteínas.

SÍNTESE
Com exceção das globulinas, a maioria das proteínas plasmáticas de fase aguda é produzida
no fígado. Ele auxilia na manutenção da pressão oncótica ao produzir albumina.

ARMAZENAMENTO
Armazena glicose na forma de glicogênio (estoque de energia), ferro, vitaminas lipossolúveis A,
D, E e K, vitamina B12, ácido fólico e diversas outras substâncias.

DESINTOXICAÇÃO
O conjunto de enzimas que participam dessa atividade é chamado de sistema microssomal
hepático, que converte compostos nocivos ou pouco solúveis em substâncias que possam ser
excretadas pelos rins.

EXCREÇÃO
É responsável pela excreção de toxinas e produtos finais do metabolismo. Também secreta a
bile, uma substância com composição bastante diversa, entre elas ácidos e sais biliares.

ENTENDENDO MAIS O FÍGADO


A especialista Kathleen da Silva Gonçalves fala sobre a anatomia, a histologia e a fisiologia
hepática.
SUBSTÂNCIAS PRODUZIDAS PELO
FÍGADO

BILE

Uma secreção gastrointestinal responsável por excretar diversos solutos que não são expelidos
pelos rins e ainda secretar substâncias fundamentais para o processo digestivo e para a
absorção de lipídios.

Inicialmente, é sintetizada pelos hepatócitos que secretam, nos canalículos biliares, um fluido
com osmolaridade similar ao plasma, contendo sais biliares, colesterol, fosfolipídios, pigmentos
biliares e outras substâncias. Na passagem pelos dutos biliares, suas células epiteliais (os
colangiócitos) secretam nesse concentrado um fluido rico em bicarbonato, induzido por
hormônios, principalmente a secretina.
No intervalo entre as refeições, parte da bile é direcionada para a vesícula biliar, órgão
responsável pelo seu armazenamento. Nela ocorre a remoção de sais e água dessa bile
(hepática), formando o que chamamos de bile vesicular.

SAIS BILIARES

O fígado é o principal local de síntese do colesterol endógeno e o único local onde ele é
convertido em ácidos biliares que serão excretados. O ácido cólico e o quenodesoxicólico são
os ácidos biliares primários. A maior parte desses ácidos biliares, ao chegar no intestino, é
reabsorvida no íleo e retorna pela veia porta ao fígado (circulação êntero-hepática), onde é
novamente conjugada e excretada.

Os ácidos primários, que seguem pelo íleo em direção ao intestino grosso, sofrem a ação da
enzima 7α-hidroxilase de bactérias presentes no intestino e são convertidos em ácidos biliares
secundários: ácidos desoxicólicos e litocólicos, excretados por meio das fezes.

SECRETINA

Hormônio polipeptídico produzido pelas células S do duodeno.

 ATENÇÃO

A principal função dos sais biliares é solubilizar o colesterol contido na bile, bem como produtos
da digestão dos lipídeos provenientes da alimentação.

Veja a seguir o metabolismo dos ácidos biliares.


 Excreção e circulação êntero-hepática dos ácidos biliares.

BILIRRUBINA E UROBILINOGÊNIO

Os eritrócitos senescentes são retidos e destruídos pelos macrófagos do retículo endotelial e


vários componentes celulares são liberados nesse processo. Veja o que ocorre no plasma:

1.

O ferro se liga à transferrina.

2.

As globinas são degradadas em seus aminoácidos que serão reutilizados.


3.

A protoporfirina IX (grupamento heme sem o ferro) é transformada em biliverdina que, por sua
vez, é reduzida à bilirrubina, um dos pigmentos biliares.

GLOBINAS

Proteínas que contêm um grupo heme. Capazes de transportar, entre outros, o oxigênio.
Hemoglobina e mioglobina são exemplos de globinas.

A bilirrubina produzida no retículo endotelial é conhecida como bilirrubina não conjugada ou


bilirrubina indireta. É insolúvel em água e transportada no plasma ligado à albumina. Dentro
dos hepatócitos, a bilirrubina sofre ação enzimática e é conjugada com ácido UDP-glicurônico,
formando o monoglicuronídeo e o diglicuronídeo da bilirrubina. Essas formas são chamadas de
bilirrubina conjugada ou bilirrubina direta, sendo agora solúveis em água e excretadas dos
hepatócitos como bile.

Na bile, 25% da bilirrubina está conjugada com monoglicuronídeos e 75% conjugada com
diglicuronídeos, havendo ainda traços de bilirrubina não conjugada. Se o trato biliar estiver
bloqueado por algum motivo (como, por exemplo, a existência de cálculos biliares), a bilirrubina
não será excretada.

A bilirrubina conjugada também é encontrada em pequenas quantidades no plasma e na urina.


Por ser pouco absorvida no intestino, ela segue pelo trato digestório e chega ao íleo e intestino
grosso. A forma conjugada diglicuronídeo é hidrolisada pela enzima β-glicuronidase dos
hepatócitos, das células do epitélio e de bactérias intestinais, formando bilirrubina livre.

No intestino, a bilirrubina livre é reduzida a urobilinogênios. Cerca de 20% deles são


reabsorvidos para o fígado pela circulação êntero-hepática. Grande parte do que foi
reabsorvido é excretada na bile e uma pequena parte chega ao plasma e aparece na urina
(entre 1 e 4 mg por dia).
 Resumo do metabolismo da bilirrubina.

Processos patológicos que induzem à maior formação e excreção de bilirrubina, como na


icterícia hemolítica, levam ao aumento das concentrações de urobilinogênios na urina e nas
fezes.

HIPERBILIRRUBINEMIA
 Fenótipo característico de icterícia: pele e esclera amarelados.

A bilirrubina no plasma está geralmente abaixo de 21 μmol/L. Concentrações acima podem


apresentar alguma significância clínica. Porém, acima de 50 μmol/L, a hiperbilirrubinemia é
detectada pelo quadro de icterícia, caracterizada pela coloração amarela da pele, da esclera e
de membranas mucosas. A dosagem de bilirrubina plasmática pode oferecer uma avaliação do
nível de severidade da icterícia.
COMO É DETECTADA A HIPERBILIRRUBINEMIA?

Diversas patologias acompanham as alterações na produção, na captação, no armazenamento


e na excreção da bilirrubina, que tanto pode ser a conjugada quanto a não conjugada. Existem
três condições mais comuns que levam a quadros de hiperbilirrubinemia:

Hemólise

Obstrução do sistema biliar

Dano hepatocelular

No caso de elevação de bilirrubina por hemólise intravascular, a bilirrubina é


predominantemente não conjugada. Esse tipo de hiperbilirrubinemia, associado à função
imatura do fígado, é muito comum em bebês e deve ser acompanhado cuidadosamente sob o
risco de acometimento de lesão neurológica cerebral irreversível, conhecida como síndrome
de Kernicterus. Já a bilirrubina conjugada não causa essa síndrome, pois não é lipossolúvel e,
portanto, não é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica.

Como já aprendemos, é possível que os cálculos biliares bloqueiem os dutos biliares,


completamente ou parcialmente. Quando a obstrução é completa, as concentrações de
bilirrubina e fosfatase alcalina aumentarão e, neste caso, os níveis de urobilinogênio na urina
serão muito baixos ou ausentes; enquanto as fezes estarão pálidas. Quando a obstrução é
parcial, a concentração de bilirrubina sérica tende a ficar dentro dos valores de referência e a
concentração de fosfatase alcalina provavelmente estará alta.

 SAIBA MAIS

Os canalículos biliares podem ser obstruídos em quadros como cirrose, câncer hepático ou por
infecção, levando ao aumento da concentração de bilirrubina conjugada no plasma.

Nem sempre a obstrução é consequência de problemas na árvore biliar, como ocorre nas
hepatites virais ou devido à intoxicação por drogas, por exemplo. Nesses casos, além da
bilirrubina e da fosfatase alcalina, outras enzimas, como as aminotransferases, também estarão
com seus níveis elevados.

O quadro mostra o diagnóstico diferencial da hiperbilirrubinemia.


Hemólise Obstrução das vias biliares Dano Hepatocelular

Concentração variável AST e ALT


Bilirrubina muito elevada
de bilirrubina sérica aumentadas

Ausência de bilirrubina Bilirrubina aumentada


Bilirrubina na urina
na urina tardiamente

Fosfatase alcalina com níveis


Reticulocitose acima dos valores de Bilirrubina na urina
referência (geralmente)

Hemoglobina ↓

Fosfatase alcalina
AST, ALT, LDH um pouco
Haptoglobina ↓ aumentada
aumentadas
tardiamente

↑ LDH (possivelmente)

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

LDH = lactato desidrogenase; AST = aspartato aminotransferase; ALT = alanina


aminotransferase.

 Quadro: Diagnóstico laboratorial diferencial de hiperbilirrubinemia.


Extraído de GAW, A.; MURPHY, M. J.; SRIVASTAVA, R.; COWAN, R.A.; O’REILLY, D. St. J.,
2015, p. 187, adaptado por Kathleen Gonçalves.

LDH

Enzima que participa do metabolismo da glicose.


COMO É REALIZADA A DETERMINAÇÃO
LABORATORIAL DA BILIRRUBINA?

Os valores de bilirrubina total no plasma não são utilizados para estabelecer nenhum
diagnóstico. Na verdade, a concentração de sais biliares no soro é um índice mais sensível
para avaliar o transporte hepático. Contudo, alterações dos níveis de bilirrubina plasmática
podem ter significado prognóstico para a evolução de doenças como a cirrose biliar primária.
Também é importante no monitoramento de icterícia neonatal; na avaliação da resposta ao pós-
operatório de desobstrução das vias biliares; e para confirmar suspeita de hiperbilirrubinemia,
que não é clinicamente aparente.

A amostra utilizada para exames laboratoriais é o soro obtido em jejum e isento de hemólise e
lipemia. O método mais comum é o colorimétrico. No quadro a seguir, veja os exames para a
dosagem de bilirrubina.

Valores de
Exame Quantificação Características
referência

Reação de Van den Adultos e


Mono e
Bergh em solução Bilirrubina crianças acima
diglicuronídios são
aquosa conjugada* de 1 ano: 0,2 a
solúveis em água
(colorimétrico) 1,0 mg/dL

Adultos e
Bilirrubina não
Método colorimétrico Bilirrubina não crianças acima
conjugada não é
̶ reação com álcool conjugada* de 1 ano: 0,2 a
solúvel em água
1,0 mg/dL

Só para amostras Entre 2 e


Espectrofotometria de recém- 14 mg/dL,
Bilirrubina total
direta nascidos (soro depende do
sem lipocromos) tempo de vida
Adultos: entre
0,3 e 1,2 mg/dL
Recém-
nascidos
(dependendo
A enzima oxida
do tempo de
Teste enzimático da bilirrubina à
Bilirrubina total vida): 1,4 a
bilirrubina oxidase biliverdina
12,0 mg/dL
(incolor)
Prematuros
(dependendo
do tempo de
vida): até
16,0 mg/dL

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

*A bilirrubina total é a soma das duas frações.

 Quadro: Exames para dosagem de bilirrubina.


Elaborado por Kathleen Gonçalves.

HEPATOGRAMA
Os exames que compõem o hepatograma também costumam ser chamados de testes (ou
provas ou exames) de função hepática. No entanto, esse nome é considerado inadequado,
já que os resultados, como veremos a seguir, não fornecem uma análise quantitativa da
capacidade do fígado de realizar suas funções.

 Situações clínicas que demandam a realização de um hepatograma.

Na avaliação de uma possível doença hepática, é essencial realizar um exame físico do


paciente em conjunto com uma anamnese acurada com o objetivo de identificar a existência de
fatores de risco. Quando o exame físico e o histórico são insuficientes para definir um
diagnóstico, os exames laboratoriais e de imagem complementam a avaliação.

FATORES DE RISCO

Consumo de álcool, drogas e medicamento, histórico familiar, obesidade e outros.

 ATENÇÃO

Algumas das substâncias dosadas no hepatograma podem estar com valores fora da
referência em pessoas com distúrbios não relacionados ao fígado. Lembre-se de que os testes
auxiliam no estabelecimento de doença hepática, mas não fornecem diagnóstico!

Os testes de função hepática medem, no sangue, os níveis de determinadas enzimas e


proteínas produzidas no fígado. Uma dessas substâncias é a bilirrubina, que já estudamos. A
seguir, serão apresentadas outras substâncias dosadas em um hepatograma.

ENZIMAS HEPÁTICAS

As enzimas dosadas nos testes de função hepática, geralmente, têm pouca ou nenhuma
função fisiológica conhecida no plasma sanguíneo. Contudo, a alteração dos seus níveis
séricos é utilizada como um indicador importante de dano hepático.

Aminotransferases (AST e ALT)

As enzimas aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT) são


aminotransferases amplamente usadas como indicadores de dano hepático. São consideradas
marcadores sensíveis, mas não específicos, de:

1.

Dano hepático agudo, causado por hepatites de qualquer tipo.

2.

Lesões por toxicidade, como na ingestão excessiva de drogas.

3.

Hipóxia grave.
4.

Insuficiência cardíaca etc.

 ATENÇÃO

As aminotransferases também são conhecidas como transaminases. Você pode encontrar a


AST sendo chamada de Transaminase Glutâmica Oxalacética (TGO) e a ALT, de
Transaminase Glutâmica Pirúvica (TGP).

A ALT é encontrada em grandes concentrações especificamente no citoplasma dos


hepatócitos. Já a AST pode ser encontrada no citoplasma e nas mitocôndrias de outros órgãos,
além do fígado, como: músculos esquelético e cardíaco, rins, pâncreas e nos eritrócitos. Assim,
é fácil perceber que a ALT é um marcador mais específico de dano no fígado que a AST.

Contudo, quando há lesão hepática, ocorre elevação dos níveis de ambas aminotransferases, e
costuma ser na mesma proporção. A exceção é quando há dano hepático gerado por ingestão
alcóolica, pois o álcool tem efeito inibidor sobre a síntese de ALT. Neste caso, a elevação dos
níveis de AST é bem maior do que a de ALT (AST/ALT > 2).

 ATENÇÃO

Caso haja uma lesão somente no fígado, os níveis de ALT subirão mais rapidamente do que os
de AST.

No quadro a seguir, vemos a inter-relação entre essas enzimas.

↑ até 5x ↑ até 5x limite ↑ até 5x limite


limite superior normal superior normal ↑ maior que 15x limite
superior – predominando – predominando superior normal
normal ALT AST
Dano hepático
Hepatite B e C
Hemólise relacionado com Hepatites virais agudas
crônicas
álcool

Hepatite virais
Miopatias Esteatose Medicamentos/toxinas
agudas

Tireoide Esteatose Hepatite isquêmica

Hemocromatose Hepatites autoimunes

Medicamentos Doença de Wilson

Hepatites Cirrose extra- Obstrução dos ductos


Exercício autoimunes hepática biliares
físico

Deficiência de Síndrome de Budd-


alfa-1 antitripsina Chiari

Ligadura da artéria
Doença de Wilson
hepática

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

↑aumento

 Quadro: Etiologia do aumento dos níveis séricos de ALT e AST.


Extraído de BARCELOS, L. F.; AQUINO, J. L., 2018, p. 145, adaptado por Kathleen Gonçalves.

Fosfatase alcalina

A fosfatase alcalina (FA) não é específica do fígado. É possível encontrá-la nos ossos, no
intestino delgado, na placenta, nos rins e outras partes. Seus níveis séricos dependem da
idade e do sexo, sendo normalmente mais altos em idosos, crianças e gestantes.
No fígado, a FA é encontrada, principalmente, nas células que revestem os canalículos biliares
e seus níveis costumam elevar em resposta à obstrução das vias biliares, tanto intra como
extra-hepática. No entanto, esse aumento não é específico de obstrução biliar, já que outros
tipos de lesão hepática podem induzir o crescimento dos níveis dessa enzima, com ou sem
colestase.

O aumento de três vezes nos níveis de fosfatase alcalina, contudo, é um forte indicador de
doenças hepáticas colestáticas, infiltrativas (como neoplasias) e em doenças ósseas com
grande turnover.

A maior parte da FA detectada no plasma é originária do fígado e dos ossos e, para identificar
sua origem, é possível separá-las por eletroforese. Quando o aumento de FA está associado à
elevação de outra enzima, a gama-glutamiltranspeptidase (GGT), temos um forte indício de
obstrução biliar. No entanto, o aumento de FA acompanhado de níveis normais de GGT sugere
doenças ósseas.

Gama-glutamiltranspeptidase (GGT)

A GGT é uma enzima sintetizada em diversos tecidos. No fígado, ela é sintetizada difusamente
por todo o órgão, diferentemente da FA que é, em grande parte, produzida nas células dos
canalículos biliares.

O aumento dos níveis plasmáticos é um índice sensível para doença hepática, mas não é
específico. Sua atividade é elevada pelo uso de álcool e algumas drogas, mesmo sem
doença hepática associada.

A partir deste quadro, conseguimos comparar as concentrações de FA e GGT nas doenças


hepáticas.

Gama-
Hepatopatias Fosfatase alcalina
Glutamiltranspeptidase

Doenças
Aumentados Aumentados
colestáticas

Cirrose biliar Aumentados (15 a 20x


Aumentados
primária LSN)
Hepatite viral
Aumentados (> 5x LSN) Aumentados (<10x LSN)
aguda

Tumores hepáticos De normais até > 10x LSN De normais até > 10x LSN

Cirrose hepática De normais até > 10x LSN De normais até > 15x LSN

Hepatite crônica Normais De normais até 3x LSN

Normais ou pouco
Hepatite alcóolica Muito aumentados
aumentados

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

LSN = Limite superior normal (dos valores de referência)

 Quadro: Comportamento dos níveis de FA e GGT em hepatopatias.


Extraído de BARCELOS, L. F.; AQUINO, J. L., 2018, p. 146, adaptado por Kathleen Gonçalves.

PROTEÍNAS PLASMÁTICAS

Como o fígado está envolvido com a síntese, liberação e depuração de muitas proteínas
plasmáticas, não é de se estranhar que, em distúrbios que afetem esse órgão, as
concentrações dessas proteínas possam estar modificadas. É possível que as alterações dos
níveis de determinadas proteínas, como, por exemplo, a albumina e os fatores de coagulação,
indiquem problemas na função hepática; enquanto outras, como a alfa-1 antitripsina e a
ceruloplasmina (que estudamos no módulo anterior), podem ser usadas no diagnóstico de
hepatopatias específicas.

A albumina, como sabemos, é produzida exclusivamente pelo fígado. Sua meia-vida é longa e,
por isso, não é um bom indicador para a severidade de hepatopatias agudas, pois níveis
reduzidos demoram para ser detectados no plasma. Portanto, a hipoalbuminemia é mais
comum em doenças crônicas como a cirrose.
É preciso avaliar, contudo, a ingestão inadequada de proteínas e ingestão excessiva de álcool
como possíveis causas de redução da síntese de albumina. Veja outros fatores que podem
contribuir para hipoalbuminemia:

Perda renal, devido à síndrome nefrótica;

Perda por enteropatia perdedora de proteínas ou através da pele, devido a queimaduras.

Por esses motivos, as concentrações plasmáticas de albumina não devem ser utilizadas como
um indicador isolado da função de síntese do fígado.

 Perfil eletroforético característico de hepatopatia crônica.

A alfafetoproteína é uma proteína produzida pelo fígado nos fetos. É o equivalente fetal da
albumina. Sua síntese cessa logo após o nascimento. Em adultos normais, sua concentração
plasmática é muito pequena, mas, nos casos de carcinoma hepatocelular, seus níveis
aumentam cerca de 80 a 90% e ela se torna detectável no plasma. Também é utilizada como
marcador de tumores de células germinativas.

TEMPO DE PROTROMBINA

O fígado tem uma função central na hemostasia, pois sintetiza grande parte dos fatores e das
proteínas envolvidos na coagulação e no sistema fibrinolítico. Um exemplo é a protrombina,
uma proteína produzida pelo fígado, que, quando ativada, promove a conversão de fibrinogênio
em fibrina.
A síntese de fatores de coagulação é dependente de vitamina K, lipossolúvel, obtida
pelos alimentos e que tem sua absorção dependente da ação dos sais biliares.

É possível que a produção dos fatores de coagulação seja afetada pelo mau funcionamento do
fígado ou pela falta deste composto. A cirrose biliar primária e a colangite esclerosante primária
são distúrbios relacionados à obstrução das vias biliares, que podem ser a causa da deficiência
de vitamina K, levando à diminuição da síntese dos fatores de coagulação.

Como a protrombina tem uma meia-vida curta, ela funciona como um indicador precoce da
redução da síntese hepática. Além disso, o teste do tempo de protrombina é um método
simples e barato para avaliar essa função do fígado. Os valores de referência de tempo de
protrombina estão entre 10 e 14 segundos.

DOENÇAS HEPÁTICAS

Existem muitas doenças que afetam o fígado, podendo ser agudas ou crônicas. A diferença
entre esses distúrbios é a gravidade e a velocidade com que deterioram o órgão.
 Principais causas de dano hepático agudo e seus possíveis desfechos.

Veremos agora os quadros clínicos mais relevantes, começando pelos agudos até chegarmos
nas complicações crônicas.

INTOXICAÇÃO

As intoxicações hepáticas mais comuns envolvem doses excessivas de drogas ilícitas, álcool e
de alguns medicamentos, como o paracetamol.

Em pequenas quantidades, esses compostos são naturalmente metabolizados e excretados


pelo fígado. Entretanto, em altas concentrações, a quantidade de metabólitos tóxicos
resultantes leva ao comprometimento das funções dos hepatócitos e à intensa liberação de
enzimas na circulação sanguínea.

A capacidade do fígado de reagir ao dano resultante da intoxicação é reduzida quando


associada a outras circunstâncias, como ingestão alcóolica, desnutrição ou doença crônica
preexistente. Existem casos de intoxicações, chamadas de endógenas, que são
acompanhadas de acúmulo de substâncias tóxicas produzidas pelo próprio organismo.

Outra possibilidade de intoxicação é aquela que afeta indivíduos suscetíveis a certas


substâncias, como o valproato de sódio e o halotano.
INFECÇÕES NO FÍGADO

Hepatite é um termo utilizado para qualquer processo inflamatório que acometa o fígado,
levando à degeneração e necrose do tecido hepático e que resulta na diminuição da sua
função. É possível que este quadro seja causado por microrganismos infecciosos,
medicamentos, toxinas e outros.

No caso dos microrganismos, tanto bactérias como vírus podem gerar hepatite. Porém, os
casos mais comuns são de hepatites virais. Estudaremos as de maior prevalência a seguir.

HEPATITE A
Causada pelo vírus da família Picornaviridae, que se multiplica nos hepatócitos e é excretado
para o sistema digestório pela bile. Por isso, suas partículas costumam ser encontradas nas
fezes de infectados com a doença aguda.

HEPATITE B
Transmitida por um vírus mais complexo que leva ao acometimento de uma doença mais
prolongada e séria do que a hepatite A. O vírus infecta e se replica em grande quantidade nos
hepatócitos, de onde é liberado para a circulação sanguínea periférica. Laboratorialmente, é
detectado por diferentes antígenos, como mostra o esquema a seguir.

 Os determinantes antigênicos que podem ser testados laboratorialmente para VHB.


HEPATITE C
Apresenta-se como doença crônica, podendo evoluir para cirrose após 10 anos de infecção.
Em torno de 20% dos pacientes desenvolvem carcinoma hepatocelular.

No caso de hepatites, os testes padrão de função hepática são utilizados para:

Sugerir a existência da doença;

Avaliar sua gravidade;

Acompanhar sua progressão;

Verificar a resposta do paciente à terapia implementada;

Verificar se as hepatites são ou não virais (realizado por testes sorológicos, exames de
imagem ou avaliação histológica).

QUAIS OS TESTES UTILIZADOS NOS CASOS DE


HEPATITE AGUDA?

SAIBA MAIS
Nos quadros de hepatite aguda, os testes geralmente apresentam os seguintes resultados no
plasma:

Grande elevação dos níveis das aminotransferases (AST e ALT), geralmente acima de
1.000 U/L. Os níveis de atividade dessas enzimas no plasma costumam indicar a
gravidade da doença; por exemplo, nas hepatites fulminantes, os níveis chegam a
aumentar de 20 a 40 vezes em relação ao limite superior do intervalo de referência;

Uma elevação discreta dos níveis de fosfatase alcalina, menos do que duas vezes os
valores de referência, que variam bastante dependendo do sexo e da idade;

Elevação da concentração de bilirrubina e, nos casos mais graves, hiperbilirrubinemia,


com valores acima de 2,3 mg/dL;
No monitoramento laboratorial da hepatite B, a redução da concentração de albumina no
soro sugere piora do quadro clínico.

Veja a seguir um resumo das hepatites virais.

Hepatite A Hepatite B Hepatite C

Tipo de Vírus da hepatite Vírus da hepatite B Vírus da hepatite


vírus A (VHA) (VHB) C (VHC)

Via de
Fecal-oral Parental Parental
transmissão

Tempo de
2 a 7 semanas 1 a 6 semanas 6 a 8 semanas
incubação

Os mais comuns são:


Inespecífico, com icterícia, fadiga,
sinais e sintomas anorexia, perda de
que lembram uma peso, náusea, urina É uma doença
gripe: febre, escura e fezes crônica. A fase
Quadro
náuseas, vômito e claras. Alguns aguda
clínico
dores pelo corpo. indivíduos relatam normalmente é
É comum o dores musculares e assintomática.
quadro de nas articulações.
icterícia. Pode evoluir para
doença crônica.

Diagnóstico ↑ da bilirrubina, ↑ Na existência de ↑ bilirrubina total ↑


IgM e linfócitos lesão necrótica no IgG e GGT,
atípicos. fígado, há ↑ da alterações
bilirrubina total no polifásicas de
plasma e na urina. AST/ALT Anti-
VHC, detecção de
Detecta HBsAg e VHC-RNA por
anti-HBc IgM. PCR.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

↑ = aumento

 Quadro: Resumo das hepatites virais mais comuns.


Elaborado por Kathleen Gonçalves.

PARENTAL

Contato com secreções orgânicas, via sexual, transmissão vertical, transfusões sanguíneas,
punções com agulhas contaminadas e qualquer outro procedimento que permita o contato com
sangue contaminado.

VOCÊ SABIA QUE EXISTEM OUTROS TIPOS DE


HEPATITES, ALÉM DAS HEPATITES A, B E C?

SAIBA MAIS
Além do ABC, existem outros vírus que causam hepatite. Um exemplo é o vírus da hepatite D
(VHD). Ele não é patogênico, mas precisa do VHB para sua replicação. Quando ocorre a
coinfecção, a evolução clínica pode ser tão grave como uma hepatite fulminante, uma
hepatopatia crônica ou um hepatocarcinoma. O diagnóstico para detectar sua infecção é o
HBsAg e anti-VHD positivos. O vírus da hepatite E (VHE) é semelhante ao VHA, gerando
sintomas leves e inespecíficos, com raras exceções, como nas mulheres grávidas em que há
elevado grau de mortalidade. O diagnóstico laboratorial é a detecção de anticorpos anti-VHE
(IgM e IgG). As hepatites também podem ser induzidas por drogas (hepatite tóxica). A clínica é
semelhante à de outras hepatites. O que determinará a gravidade do quadro é a quantidade do
agente tóxico. O abuso de álcool é uma das causas mais comuns desse tipo de hepatite,
resultando, às vezes, não só em hepatite alcóolica como em esteatose hepática e cirrose.
INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA

A insuficiência hepática é um quadro grave de degeneração das funções do fígado gerado


pelas hepatites, cirrose, distúrbios ou substâncias que acarretem danos ao órgão. Essa
insuficiência vai desde graves desequilíbrios ácido-base e hipoglicemia à insuficiência renal
crônica, devido à exposição dos rins a toxinas que deveriam ter sido metabolizadas pelo fígado.

Pode ainda ocorrer um desequilíbrio dos eletrólitos e das concentrações de sódio e cálcio no
sangue, bem como aumento dos níveis de amônia que não foi convertida em ureia.

Verifique a seguir algumas das anormalidades laboratoriais encontradas em casos de


insuficiência hepática.

 Anormalidades laboratoriais na insuficiência hepática.

Tipos de insuficiência hepática

A insuficiência hepática pode ser:


Agora vamos conhecer sobre cada uma delas.

Aguda

Os quadros agudos são causados, principalmente, por vírus, medicamentos e toxinas. Nesses
casos, a síntese de albumina é afetada, podendo causar hipoalbuinemia, levando ao
surgimento de edemas e/ou ascites. Há maior tendência a hemorragias e, em quadros mais
graves, aumento de processos de coagulação intravascular, ambos em decorrência da
diminuição da produção de fatores de coagulação.

Nesses quadros, os testes de função hepática são utilizados para monitorar a recuperação e
como prognóstico auxiliar.

Crônica

Quando a insuficiência hepática se desenvolve progressivamente, levando meses ou até anos,


estabelece-se a forma crônica da doença.

 ATENÇÃO

Existem três formas principais de dano crônico que podem progredir até a insuficiência
hepática, são elas: esteatose hepática alcoólica; hepatite crônica ativa; e cirrose biliar primária.
Ou seja, todas podem evoluir para cirrose.

Além da fibrose, que se estende por todo o tecido hepático e é, na maioria dos casos,
irreversível, surgem os nódulos parenquimatosos de vários tamanhos, nos locais resultantes
do ciclo contínuo de lesão e regeneração dos hepatócitos. Isso gera as cicatrizes fibróticas que
causam a contração do tecido. Ocorre, então, a desorganização da arquitetura tecidual, que
atinge não só as células, mas uma extensa rede vascular hepática, o que interfere fortemente
no transporte de sangue pelo órgão.
Todo esse cenário de fibrose e comprometimento do fluxo de sangue resulta em maior tensão
sobre a veia porta, levando ao que chamamos de hipertensão portal, característica marcante
do quadro de cirrose.

 Tecido hepático cirrótico com formação de nódulos ao redor de áreas com intensa fibrose.

 ATENÇÃO

Cirrose não é sinônimo de insuficiência hepática! Muitos indivíduos podem passar anos com
cirrose e não chegar a esse quadro.

Os sinais e sintomas da cirrose dependem da extensão do dano ao tecido. Em geral, o


paciente apresenta icterícia, hipercolesterolemia, desnutrição (devido à anorexia), metabolismo
glicídico desregulado, edemas, coagulopatias e outras anormalidades metabólicas. Os quadros
que envolvem esta e todas as outras hepatopatias devem ser acompanhados. Os testes de
função hepática são bastante úteis para esse objetivo.

VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos que as aminoacidopatias são os erros inatos de metabolismo mais frequentes. Elas
estão associadas a sintomas graves, como distúrbios do Sistema Nervoso Central, sistema
respiratório e digestivo. Para minimizar, ou até eliminar, esses sintomas, é necessário detectar
a doença o mais precocemente possível. Os aminoácidos, por sua vez, são os formadores de
proteínas, constituintes essenciais de todos os tecidos e órgãos, desempenhando muitas
funções. Investigar a concentração das proteínas é indispensável, tanto como
acompanhamento preventivo como em quadros clínicos patológicos.

Aprendemos também que o deficit ou excesso de ferro pode acarretar o desenvolvimento de


patologias que precisam ser diagnosticadas e devidamente tratadas para que não evoluam a
quadros graves.

Por fim, relembramos a anatomia, histologia e fisiologia de um dos órgãos mais complexos do
corpo humano: o fígado. Para auxiliar no diagnóstico de patologias que o afetam, aprendemos
sobre o hepatograma, importante ferramenta nas análises laboratoriais para a avaliação da
função e do metabolismo do órgão, bem como para acompanhar a evolução de hepatopatias.

 PODCAST
A especialista Kathleen da Silva Gonçalves encerra o conteúdo falando sobre o metabolismo
de macronutrientes no fígado.
AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
BARCELOS, L. F.; AQUINO, J. L. Tratado de Análises Clínicas. 1.ed. Rio de Janeiro:
Atheneu, 2018.

GAW, A.; MURPHY, M. J.; SRIVASTAVA, R.; COWAN, R.A.; O’REILLY, D. J. Bioquímica
Clínica. 5.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

GROTTO, H. Z. W. Metabolismo do ferro: uma revisão sobre os principais mecanismos


envolvidos em sua homeostase. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2008; 30(5):390-397.

MARSHALL, W. J.; LAPSLEY, M.; DAY, A. P.; AYLING, R. M. Bioquímica Clínica: aspectos
clínicos e metabólicos. 3.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

MOTTA, V. T. Bioquímica Clínica para o Laboratório: princípios e interpretações. 5.ed. Rio de


Janeiro: MedBook, 2009.

NAOUM, P. C. Eletroforeses: Hemoglobinopatias, Proteínas Séricas, Lipoproteínas, DNA. São


Paulo: Livraria Santos Editora, 2010.

SILVA, R. O. P.; LOPES, A. F.; FARIA, R. M. D. Eletroforese de proteínas séricas:


interpretação e correlação clínica. Revista Médica de Minas Gerais. 2008; 18(2): 116-122.

WILLIAMSON, M. A.; SNYDER, L. M. WALLACH: Interpretação de Exames Laboratoriais.


10.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.

EXPLORE+

O livro Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina


Laboratorial (SBPC/ML): coleta e preparo da amostra biológica , para ficar por dentro das
diretrizes para boas práticas dos profissionais de laboratórios clínicos.
O Manual de investigação e manejo inicial de erros inatos do metabolismo , que traz um
ótimo resumo do tema.

O Manual de Normas Técnicas e Rotinas Operacionais do Programa Nacional de Triagem


Neonatal , produzido pelo Ministério da Saúde.

O artigo de revisão Diagnóstico laboratorial da deficiência de ferro , de Helena Z. W.


Grotto, que apresenta testes que auxiliam na investigação da deficiência de ferro.

As Novas diretrizes para diagnóstico e tratamento da hepatite B .

O artigo Abordagem de anormalidades laboratoriais das enzimas hepáticas em pacientes


assintomáticos , uma ótima revisão das enzimas envolvidas nos testes de função
hepática e seu uso na prática clínica.

CONTEUDISTA
Kathleen da Silva Gonçalves

 CURRÍCULO LATTES

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