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SECRETARIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO


DEPARTAMENTO FISCAL

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO LUIZ FUX, PRESIDENTE DO


COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ARE 1.294.969/SP
AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
AGRAVADO: DRAUSIO FERREIRA LEMES E OUTRO

O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, por seu procurador infra-


assinado, nos autos do recurso em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência,
no prazo legal, com fundamento nos artigos 183 e 1.022, I e II, do Código de Processo Civil, opor
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO em face da r. decisão disponibilizada em 18/02/2021 e
publicada em 19/02/2021, consubstanciados nas razões de fato e de direito adiante expostas:

Trata-se, na origem, de mandado de segurança visando afastar a


exigência de ITBI (imposto sobre transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens
imóveis e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua
aquisição) sobre a cessão de direitos decorrentes de compromisso de compra e venda do bem
imóvel descrito na petição inicial.

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O E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerou


descabida a incidência do ITBI sobre cessão de direitos por ausência de registro no Cartório de
Registro de Imóveis.

O Município interpôs Agravo contra decisão denegatória de Recurso


Extraordinário, tendo sido reconhecida a existência de repercussão geral da questão constitucional,
fixando-se a tese abaixo:

“O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis


(ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária,
que se dá mediante o registro.”

O recurso extraordinário não foi distribuído livremente para


julgamento, como estabelece o artigo 323, § 1º, do Regimento Interno do C. STF, tendo sido negado
provimento ao reclamo pela “reafirmação da jurisprudência desta Corte.”

Ocorre que não há jurisprudência desta Corte sobre a questão


constitucional em análise no recurso extraordinário, que não versa sobre incidência do ITBI sobre
compromisso de compra e venda, mas sobre incidência do ITBI sobre cessão de direitos à
aquisição de bem imóvel ou de direitos reais sobre imóveis, que é a terceira hipótese de
incidência do tributo prevista expressamente no artigo 156, II, da Constituição Federal. Daí a
contradição.

Conforme bem ressaltou o Exmo. Ministro Marco Aurélio em sua


manifestação:

“2. Tem-se questão de envergadura constitucional, a reclamar o crivo do


Supremo. Cumpre ao Tribunal definir se configurado, ou não, fato gerador do

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Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI havendo cessão de direitos


decorrentes de compromisso de compra e venda, ausente registro imobiliário.
“Não cabe o julgamento de fundo. A matéria deve ser analisada em momento
posterior, no que aberta oportunidade à sustentação oral, observando-se o
devido processo legal.”

Como se vê, não foi observado o devido processo legal, pois, uma vez
reconhecida a existência de repercussão geral, deve-se seguir a livre distribuição do recurso
extraordinário para julgamento de mérito, até porque não há jurisprudência firmada sobre a
questão constitucional em discussão.

Nesse diapasão, constata-se, com a devida vênia, omissão e


contradição no aresto embargado. Além de não se ter considerado a distinção constante do recurso
extraordinário entre a hipótese sob exame (cessão de direitos sobre a aquisição de imóvel) e a
tributação pela simples pactuação de compromisso de compra e venda, adotaram-se como
precedentes para reafirmação de jurisprudência julgados que não correspondem à específica
questão tratada no presente feito.

Veja-se que, na hipótese dos autos, não se está a tributar


compromisso de compra e venda sem registro, mas sim a cessão dos direitos sobre a aquisição da
propriedade. Assim, a situação descrita nos autos amolda-se perfeitamente à regra matriz de
incidência prevista no texto constitucional (art. 156, II, 3ª parte), sendo exigível o ITBI incidente
sobre a cessão dos direitos sobre a aquisição do imóvel indicado na petição inicial.

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:


(...)
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens
imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis,
exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
(g.n)

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É inegável, pois, que o dispositivo constitucional alcança três


espécies distintas de transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, quais sejam: (i)
a transmissão de bens imóveis, por natureza ou acessão física; (ii) a transmissão de direitos reais sobre
imóveis, exceto os de garantia; e (iii) a transmissão de direitos a aquisição de bens imóveis ou de
direitos reais sobre imóveis.

Posta a questão nesses termos, bem se nota, data venia, o equívoco


perpetrado no Julgado, ao pretender que, nessa específica hipótese de incidência (cessão de direitos
a aquisição de bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis), o “direito cedido” deva ser, também
ele, um direito real. A diferença, embora sutil, é de fundamental relevância, porque oriunda do
próprio texto constitucional: na cessão de direitos tributável pelo ITBI, o que se cede não é propriamente
a propriedade ou algum direito real sobre imóveis; diversamente, o objeto dessa cessão são os direitos à
aquisição dessa propriedade ou desse direito real.

Vale dizer, não exige a Constituição Federal, para fins de incidência


do ITBI, que os direitos cedidos pelo contribuinte (cedente) sejam, eles próprios, direitos reais. O
que há de ser direito real, bem entendido, é o direito que, no futuro, uma vez cumprido o contrato
cuja posição jurídica se transfere, o cessionário vai adquirir (a propriedade ou outro direito real sobre
imóvel), por ter-se tornado o titular do direito a sua aquisição, transmitido por meio da cessão
celebrada.

E assim é porque, sabidamente, a cessão de direitos decorrentes do


compromisso de compra e venda, ainda que não levado a registro, já revela manifestação de
riqueza e circulação econômica, únicas realidades que interessam ao direito tributário.

Evidente, portanto, a absoluta impropriedade de impedir a cobrança


do ITBI por falta de registro do compromisso de compra e venda, cujos direitos do promitente-
comprador foram cedidos. E isso porque, aos olhos da Constituição da República, pouco importa
esteja o compromisso de compra e venda registrado ou não, visto que a Constituição não exige
que os direitos cedidos (direitos obrigacionais à aquisição da propriedade, no caso), sejam,
também eles, reais.

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A prevalecer a tese no sentido de que “o fato gerador do ITBI somente


ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”
restará, inadvertidamente, riscada do texto constitucional a terceira hipótese de incidência do ITBI.

Isso porque se o compromisso de compra e venda estiver registrado,


será também ele um direito real, nos exatos termos dos arts. 1.225, VII e 1.227 do Código Civil. Sendo
um direito real, a sua cessão representará, propriamente, uma transmissão de direito real sobre imóvel
– precisamente a segunda hipótese de incidência do ITBI prevista no art. 156, II, da Constituição
Federal.

Ou seja, ao se exigir o registro do compromisso de compra e venda


(cujos direitos o promitente-comprador cede) para se admitir a incidência do ITBI – sob a alegação
de que apenas a transmissão de direitos reais autorizaria a imposição tributária na espécie – se está
afirmando que o art. 156, II, da Constituição Federal não diz o que diz. Ora, sabido que o
constituinte não usa palavras inúteis, não haverá o intérprete da Constituição de supor que a
expressão “cessão de direitos a sua aquisição” está contida no período anterior, referente à
“transmissão de direitos reais sobre imóveis”, representando um exercício de redundância e má-
técnica legislativa.

Vale dizer, quisesse o constituinte que a tributação pelo ITBI recaísse,


exclusivamente, sobre as transmissões de direitos reais, não se teria valido de repetições inúteis;
teria, diversamente, encerrado a norma inserta no art. 156, II, da Carta precisamente após a locução
“direitos reais sobre imóveis”. Mas, se não o fez, preferindo inserir uma cláusula final iniciada pelo
conectivo “bem como” – para prever a incidência do imposto também sobre as cessões de direitos
a aquisição de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis – só o que pode fazer o aplicador
da norma é respeitar a vontade do constituinte e reconhecer que, nesse caso, a agregada menção à
cessão de direitos só pode referir-se à cessão de direitos obrigacionais, visto que as transmissões de
direitos reais já se fazem contempladas pelo enunciado anterior.

Portanto, conforme mencionado alhures, cuida-se o caso dos autos,


precisamente, da terceira hipótese de incidência do ITBI prevista na Constituição Federal, isto é,
da cessão de direitos a aquisição de bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis, não se

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tributando a operação representada pelo compromisso de compra e venda, mas sim da cessão de
direitos dela originados. A r. decisão, ora embargada, contudo, não se manifestou a respeito, sendo
necessário sanar tal omissão.

Assim, a situação descrita nos autos amolda-se perfeitamente à


regra matriz de incidência prevista no texto constitucional (art. 156, II, 3ª parte), no Código
Tributário Nacional (art. 35, III) e na legislação municipal (Lei Municipal 11.154/91, art. 2º, IX),
sendo exigível o ITBI incidente sobre a cessão dos direitos decorrentes do compromisso de
compra e venda noticiado na inicial, negócio intermediário entre a celebração do compromisso
em si (negócio originário) e a venda a terceiro comprador (negócio posterior).

Convém citar, por oportuno, a doutrina de Ricardo Lobo Torres:

“O ITBI incide, finalmente, sobre cessões de direitos à aquisição de bens


imóveis por natureza e acessão física e de direitos reais sobre imóveis, exceto
os de garantia. A cessão de direitos pessoais à aquisição dos bens
imóveis está abrangida pela norma constitucional, pelo que o tributo
incidirá sobre a cessão da promessa de venda e compra e sobre a
cessão da promessa de cessão, embora não incida sobre as promessas.”
(Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e
Tributário. Vol. IV, Renovar, 2007. Página 353) (g.n)

No mesmo sentido destaca-se a lição extraída da obra Comentários a


Constituição do Brasil1:

“As cessões de direitos à aquisição de bens imóveis não são formas


translativas da propriedade e, portanto, foram levadas ao âmbito de
incidência do ITBI como forma de evitar-se a utilização desse subterfúgio

1 JJ Gomes Canotilho, Gilmar Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck, Editora Saraiva, 1ª Edição, 2013, p.1731.

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como modo de elisão à incidência do ITBI. Salvo contrário poder-se-ia


utilizar do expediente de sucessivas cessões sem a incidência do ITBI sobre a
transmissão final. São exemplos de cessão de direitos: as de posse; de direitos
hereditários; de compromisso de compra e venda, entre outros”.

Além dos deletérios efeitos de abertura a elisão tributária bem


anotados pela doutrina supracitada , uma vez que não se pretende a tributação da promessa de
compra e venda mas da cessão dos direitos dela decorrentes, há que se considerar que a exclusão
da cessão dos direitos aquisitivos do âmbito de incidência do ITBI implica perverso incentivo a
celebração de sucessivas transações não levadas a registro, prejudicando a credibilidade dos
cadastros públicos relativos a imóveis, cuja relevância transcende o imposto sobre transmissão
para alcançar o acesso de terceiros a informação dominial, a sujeição passiva do IPTU, a
consolidação patrimonial, dentre outras tantas operações sustentadas nestes registros.

À luz dessas considerações, conclui-se que a cessão em questão


constituiu fato gerador do ITBI-IV diverso do compromisso de compra e venda, este exigível no
registro perante o Cartório de Registros Imobiliários, conforme inúmeros julgados deste Colendo
Supremo Tribunal Federal, e aquela exigível no momento de formalização do ato, de acordo com
expressa previsão constitucional.

Insista-se, portanto, que, para fins de incidência do ITBI sobre as


cessões de direitos decorrentes de compromissos de compra e venda, é absolutamente
irrelevante, à luz do disposto pela norma constante do art. 156, II, parte final, da Constituição da
República, se tenha levado o respectivo título a registro.

Nessa esteira, a r. decisão embargada ao reafirmar a jurisprudência


da Corte Suprema, traz à baila julgados acerca da não incidência do ITBI na hipótese da celebração
do compromisso de compra e venda e da necessidade de registro para cobrança do imposto, sem
levar em conta que cessão de direitos à aquisição de imóveis não é um direito real, mas sim
direito obrigacional.

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Dessa forma, cumpre ressaltar que o Tribunal Pleno deste C. STF não
possui precedentes de mérito especificamente acerca da higidez da cobrança do ITBI na cessão de
direitos à aquisição de imóveis, hipótese de incidência expressamente prevista na Constituição
Federal.

Diante de todo o exposto, o Município de São Paulo requer,


respeitosamente, o acolhimento dos presentes embargos de declaração para o fim de sanar a
contradição e a omissão apontadas e, em consequência, determinar a livre distribuição do recurso
extraordinário para julgamento da questão constitucional suscitada, relativa à incidência do ITBI
sobre cessão de direitos a aquisição de bem imóvel ou de direitos reais sobre imóveis, hipótese
autônoma e expressamente prevista pelo legislador constituinte (artigo 156, II, in fine).

Termos em que,
pede deferimento.
São Paulo, 02 de março de 2021.

Fábio Alvim Ferreira


Procurador do Município FISC 43
OAB/SP 418.764

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