Você está na página 1de 6

O ITBI e a Transmissão de Posse

Introdução

Compete aos Municípios instituir imposto sobre a transmissão inter vivos, a


qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão
física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como
cessão de seus direitos a sua aquisição. Assim está escrito no art. 156, II, da
Constituição Federal.

Na análise da definição acima, constata-se a existência de três hipóteses de


incidência do ITBI:

I – a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens


imóveis, por natureza ou por acessão física;

II – a transmissão inter vivos, por ato oneroso, de direitos reais sobre imóveis,
exceto os de garantia;

III – a cessão inter vivos, por ato oneroso, de direitos à aquisição de imóveis.

Como se vê, o núcleo da materialidade do imposto é a transmissão ou cessão


de imóvel, mas sempre por ato oneroso. Transmissão ou cessão gratuita não
faz incidir o ITBI; doação é tributada pelo Estado.

Outra condição é a relação inter vivos. Se for ato causa mortis, como a herança
por falecimento do donatário, por exemplo, incidirá o imposto estadual.

Ao assunto do presente comentário, dois aspectos assumem fundamental


importância na descrição do imposto:

A) O texto não limita as transmissões exclusivamente da propriedade. De forma


clara diz “transmissão de bens imóveis”. Em outras palavras, não seriam
somente as transmissões de propriedade dos imóveis sujeitas ao ITBI. Desde
que seja transmissão inter vivos, por ato oneroso, de imóvel, estaria
configurada a hipótese de incidência do tributo;

B) A redação esclarece que a transmissão pode ser “a qualquer título”. Ora,


são inúmeras as modalidades de transmissão previstas no Direito Civil: compra
e venda, arrematação, direito de superfície, dação em pagamento, permuta e
tantas outras, entre as quais não podemos descartar a aquisição derivada da
posse, ou cessão de direitos de posse.

Transmissão da posse

www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Telefax: 21 2709-8329
O ITBI é um imposto que abriga conceitos originados do Direito Civil. E sendo
assim, a transmissão da propriedade do imóvel deve ser entendida nos termos
do Código Civil:

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título


translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser
havido como dono do imóvel”.

Observa-se que a materialidade da transmissão de propriedade vem com o


registro da escritura. Vai daí em dizer que o fato imponível do ITBI ocorre no
momento do registro do título no Ofício de Registro de Imóveis. O Superior
Tribunal de Justiça mantém essa posição:
“2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a
transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante o
registro do negócio jurídico junto ao ofício competente. Nesse sentido, acerca
do ITBI, já decidiu o STJ: REsp 771.781/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda
Turma, DJ 29/06/07; AgRg no AgRg no REsp 764.808/MG, Rel. Min. Luiz Fux,
Primeira Turma, DJ 12/04/07”.

Não nos cabe refutar aqui o entendimento do STJ, mas resta claro que tal
decisão diz respeito, unicamente, à transferência da propriedade imobiliária, e
esta não é, absolutamente, a única hipótese de incidência do ITBI, o que é
facilmente observado na leitura da norma constitucional. Em consequência de
tal entendimento, parece escapar da tributação as transmissões ou cessões de
direitos reais da posse, assunto deste comentário.

A posse é tema de grande complexidade, fato já apontado por diversos


autores. Disse Lafaille: “Diversas causas têm contribuído para que a posse seja
um dos setores mais árduos e mais complicados do Direito Civil”. De fato, há
grande diferença entre a aquisição da propriedade e a da posse. Sua origem já
é diferente, pois aquisição da propriedade comprova-se por sua origem ou pelo
motivo que a engendrou, enquanto aquisição da posse não se comprova por
sua origem, em razão de ser mero estado de fato, ou, a dizer, não comprovável
juridicamente. Sua origem pode conter vícios, como a ocupação violenta,
clandestina ou precária, portanto, vícios contraídos na origem da ocupação, e
não em consequência de fatos posteriores.

Cabe aqui distinguir a posse que dá causa à propriedade (jus possidendi), da


posse autônoma (jus possessionis). A primeira ocorre em razão do título
devidamente transcrito que permite ao proprietário ter a posse do imóvel. A
segunda, que interessa ao tema em discussão, a posse se dá sem o possuidor
dispor de um título que lhe confere a propriedade do imóvel. No primeiro caso,
se o proprietário perder a posse por invasão violenta de um terceiro, a sanção
natural é a restituição manu militari do imóvel ao proprietário. No segundo caso,
se alguém apoderar-se, mansa e pacificamente, de imóvel de um terceiro, essa

www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Telefax: 21 2709-8329
posse pode perdurar se o proprietário não se manifestar contra ela. Ou seja, a
lei socorre a posse enquanto o direito do proprietário não desfizer essa
situação. “O jus possessionis persevera até que o jus possidendi o extinga”,
como diz Octávio Moreira Guimarães na obra “Da Posse e seus Efeitos”.

Temos, também, que distinguir a posse “ad interdicta” da posse “ad


usucapionem”. A primeira não conduz à usucapião, não tendo o possuidor o
ânimo de ser o dono do imóvel, como é o caso do locatário. Já a posse “ad
usucapionem” é aquela que, em função de determinado lapso tempo de
domínio, pode deferir ao titular a possibilidade de gerar o direito de
propriedade. Excluindo os casos de má-fé, aquele que adquire a posse de
outro possuidor e passa a exercê-la continuamente, de forma mansa e pacífica,
poderá ao tempo obter sua propriedade. Esta forma de adquirir a posse, em
nosso entendimento, daria ensejo à cobrança do ITBI, quando o ato de
aquisição tiver sido oneroso.

Das diversas teorias ao estudo da posse, duas se sobrelevam.

A primeira, de Savigny, pela qual a posse se caracteriza com a conjugação da


detenção física da coisa e a intenção de ocupá-la como se dono fosse e
defendê-la contra a intervenção de outros. Isto é, além do elemento corpus (a
posse física da coisa), haveria também o elemento animus (a intenção de ser o
proprietário).

A segunda, de Ihering, pela qual basta o corpus, como domínio da coisa, para
caracterizar a posse. A intenção de ser dono já se insere no contexto da posse,
diante da visibilidade do domínio e o uso econômico da coisa.

Pois bem. O Código Civil vigente seguiu a teoria de Ihering, anotando-se os


seguintes artigos:
“Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
“Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o
exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”.

Observa-se, assim, que a aquisição da posse pode concretizar-se por qualquer


dos modos de aquisição em geral, entre esses, portanto, o negócio jurídico de
compra e venda. Todavia, cabe ressaltar alguns aspectos.

Os modos de aquisição da posse costumam ser classificados em originários e


derivados. Se for originário, por certo não há consentimento de possuidor
precedente. Deste modo, toda aquisição originária de posse não seria um ato
oneroso, exatamente por inexistir um transmitente. Em outras palavras,
incabível alegar a incidência do ITBI nas aquisições originárias de posse por
inexistência da onerosidade na transmissão. A lembrar que a usucapião é

www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Telefax: 21 2709-8329
considerada uma aquisição originária da propriedade, portanto, sem incidência
do imposto.

A aquisição originária de posse pode ser:

A) Por apreensão, quando ocorre a apropriação unilateral de coisa abandonada


(res derelicta) ou quando a coisa não for de ninguém (res nullius);

B) Por exercício de direito, quando o possuidor assume o direito de utilizar o


bem (jus in re aliena). Exemplo clássico é a servidão.

Em ambos os casos não há incidência do ITBI.

Todavia, alguns modos de aquisições derivadas de posse estão sujeitos ao


imposto. Vejamos:

Há aquisição derivada quando a posse decorre de um negócio jurídico com a


transmissão do imóvel pelo possuidor a outro. Segundo Orlando Gomes,
adquire-se a posse por modo derivado quando há consentimento de
precedente possuidor, ou seja, quando a posse é transferida.

Tal transmissão pode decorrer dos seguintes modos:

A) Pela tradição, que pressupõe um acordo de vontades, um negócio jurídico


de alienação. A tradição se manifesta por um ato material de entrega do bem,
podendo ser gratuita (doação, por exemplo), ou onerosa (compra e venda);

B) Pela sucessão, conforme estabelece o art. 1.206 do Código Civil: “A posse


transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos
caracteres”.

Deste modo, ocorre a incidência do ITBI nos casos de transmissão da posse do


imóvel mediante negócio jurídico oneroso de compra e venda. Não há
incidência do imposto nos casos de transmissões gratuitas ou decorrentes de
sucessão.

O registro do imóvel

A grande dificuldade da cobrança do ITBI na transmissão onerosa de posse é a


comprovação do ato. Por isso, necessário um comentário ao sistema brasileiro
de registro de imóveis.

Em tempos idos, a lei brasileira assemelhava-se ao adotado na França e na


Itália, pelas quais os imóveis eram transmitidos através, unicamente, do acordo
de vontades das partes firmado em contrato, sem necessidade de outra

www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Telefax: 21 2709-8329
qualquer exigência. A dizer, portanto, que a escritura de compra e venda, por si
só, operava a transferência do domínio.

Mas, o Código Civil de 1916, acompanhado pelo Código Civil de 2002, passou
a exigir que o acordo de vontades se completasse pelo registro, sem o qual a
transferência não se concretiza por completo. É o que diz o art. 1.245 do
Código Civil vigente:
“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título
translativo no Registro de Imóveis”.
“§ 1º - Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser
havido como dono do imóvel”

A lei brasileira aproximou-se do sistema adotado na Alemanha, onde o registro


tem valor absoluto. Naquele país, a presunção da propriedade está no registro
do imóvel, porém, vale observar, a Alemanha dispõe de um registro rígido e
completo, no qual todos os imóveis estão inscritos. E, pode-se dizer, sem erros
ou omissões.

O Brasil não chegou a tanto, mas o nosso registro não é somente para se dar
publicidade do ato translativo, como é na França, pois também gera direito real
para o adquirente, transferindo-lhe o domínio.

No Brasil, o sistema de registros públicos foi regulado pela Lei n. 6.015/73,


denominada Lei de Registros Públicos. Com a intenção de individualizar os
imóveis, a referida lei instituiu a matrícula.

A matrícula constitui o núcleo do registro imobiliário. Cada imóvel tem matrícula


própria, de maneira que nenhum poderá ser matriculado mais de uma vez. Se
uma parte do imóvel for desmembrada, essa parte constituirá uma nova
matrícula com número próprio. Se houver fusão de dois ou mais imóveis, as
matrículas serão unificadas, encerrando-se as anteriores, mas com a
averbação das matrículas primitivas.

Averbação é qualquer anotação feita à margem de um registro, para indicar as


alterações ocorridas no imóvel, tanto em relação à sua situação física
(edificação, mudança de nome da rua, ou numeração do imóvel), quanto em
relação à situação do seu proprietário (alteração do estado civil, falecimento).

O registro sucede à matrícula e é o ato que efetivamente acarreta a


transferência da propriedade. O número inicial da matrícula é mantido, mas os
subsequentes registros receberão numerações diferentes, em ordem
cronológica, vinculados ao número da matrícula-base.

Em relação à transmissão de posse, o Ofício de Registro de Imóveis é obrigado


a registrar a legitimação de posse, mas apenas aquelas relativas às ocupações
de áreas rurais, especialmente de terras devolutas, para licenciamento de

www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Telefax: 21 2709-8329
exploração agrária. Não há, assim, obrigatoriedade de nem mesmo averbar no
registro de imóveis os contratos de transmissão de posse, o que entendemos
ser uma omissão da lei que deveria ser sanada. Afinal, o fato de existir um
possuidor no imóvel seria esta uma informação importante para qualquer
interessado, inclusive para o próprio proprietário, se houver. Seria, também,
uma forma de ajudar na comprovação do tempo que o imóvel esteve sob
domínio do possuidor, para fins de usucapião.

Outro aspecto, a fugir um tanto do tema, está relacionado ao Cadastro


Imobiliário das Prefeituras. A grande maioria dos Municípios não mantém
correlação de suas inscrições imobiliárias com as matrículas respectivas do
registro de imóveis. Se houvesse um trabalho conjunto que permitisse a
migração de informações entre os dois “cadastros” a qualidade dos registros
seria bem melhor.

Em conclusão, há, sim, incidência do ITBI nas transmissões inter vivos, por ato
oneroso, decorrentes de transferência derivada de possuidor, da mesma forma
em que há incidência do imposto nas transmissões oriundas de promessa de
compra e venda de imóvel, de enfiteuse, de superfície etc. O problema, porém,
reside na identificação do fato imponível.

Roberto A. Tauil
Outubro de 2012

www.consultormunicipal.adv.br
Rua Comendador Manuel Azevedo Falcão, 112, Niterói, RJ
CEP 24.358-390
Telefax: 21 2709-8329

Você também pode gostar