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DINÂMICA

CARDIOVASCULAR
Do Miócito à Maratona
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CARDIOLOGIA Outros livros
de interesse
Aloan – Cardiologia Intervencionista Nobre, Mion e Oigman – MAPA – Monitorización Ambulatoria de la Présion
Aloan – Hemodinâmica e Angiocardiografia 2a ed. Arterial (edição em espanhol)
Alves – Novo Dicionário Médico Ilustrado Inglês – Português Nobre, Mion e Oigman – MAPA – Monitorização Arterial da Pressão
Andrade e Ávila – Doença Cardiovascular, Gravidez e Planejamento Familiar Ambulatorial 3a ed.
APM-SUS – O Que Você Precisa Saber sobre o Sistema Único de Saúde Oliveira – Cirurgia Cardiovascular
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Batlouni e Ramires – Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular 2a ed. Pastore – Electrocardiology 2001
Beltrame Ribeiro – Atualização em Hipertensão Arterial – Clínica, Diagnóstico Perez – Hipertensão Arterial – Conceitos Práticos e Terapêutica
e Terapêutica Póvoa e Ferreira – Cardiologia para o Clínico Geral
Cabrera e Lacoste – Cirurgia da Insuficiência Cardíaca Grave Protásio da Luz – Nem Só de Ciência se Faz a Cura 2a ed.
Chagas e Palandrini – Pronto-Socorro Cardiológico Protásio, Chagas e Laurindo – Endotélio e Doenças Cardiovasculares
De Angelis – Riscos e Prevenção da Obesidade Pró-Cardíaco – Rotinas de Emergência
Dias Carneiro e Couto – Conduta Diagnóstica e Terapêutica em Cardiologia Ramires, Lage e Machado César – Série Doença Coronária e Aterosclerose
Dias Carneiro e Couto – Endocardite Infecciosa – Clínica, Terapia Intensiva e Emergências Vols. 1/2
Dias Carneiro e Couto – Semiologia e Propedêutica Cardiológica Ratton – Medicina Intensiva 3a ed.
Dias Carneiro e Couto – Tromboembolismo Pulmonar Rocha e Silva – Série Fisiopatologia Clínica (com CD-ROM)
Evandro Tinoco – Semiologia Cardiovascular Vol. 1 Rocha e Silva – Fisiopatologia Cardiovascular
Figueiró e Bertuol – Depressão em Medicina Interna e em Outras Condições Vol. 2 Zatz – Fisiopatologia Renal
Médicas – Depressões Secundárias Schor – Série Clínica Médica – Medicina Celular e Molecular
Finamor – De Peito Aberto (Experiências e Conselhos de um Médico após sua Vol. 4Bases Moleculares da Cardiologia e Medicina de Urgência
Cirurgia Cardíaca) Soc. Bras. Clínica Médica – Série Clínica Médica Ciência e Arte
Fortuna – O Pós-Operatório Imediato em Cirurgia Cardíaca – Guia para Pachón – Arritmias Cardíacas
Intensivistas, Anestesiologistas e Enfermagem Especializada Lopes – Equilíbrio Ácido-Base e Hidroeletrolítico
Franco Jr. (Série Hospital Universitário USP) Vol. 1 – Manual de Terapia Intensiva Cruz e Lopes – Asma, um Grande Desafio
Furtado – Transradial, Diagnóstico e Intervenção Coronária Soc. Bras. Card. (SBC) FUNCOR – Prevenção das Doenças do Coração – Fatores
Galvão – O Choque – Etiofisiopatogenia, Clínica e Terapêutica de Risco
Ghorayeb e Meneghelo – Métodos Diagnósticos em Cardiologia Clínica SOCESP (Soc. Card. Est. SP) Cardiologia – Atualização e Reciclagem 94/95
Ghorayeb e Turíbio – O Exercício – Preparação Fisiológica, Avaliação Médica, Cardiologia 96/97 Manual de Cardiologia 2000/2001
Aspectos Especiais e Preventivos Sousa e Sousa – Stent Coronário – Aplicações Clínicas
Giannini – Cardiologia Preventiva – Prevenção Primária e Secundária Stolf e Jatene – Tratamento Cirúrgico da Insuficiência Coronária
Goldberger – Tratamento das Emergências Cardíacas Terra – Coagulação 3a ed.
Guimarães – Propedêutica e Semiologia em Cardiologia Terzi e Araújo – Monitorização Hemodinâmica e Suporte Cardiocirculatório do
Hospital Israelita Albert Einstein – Protocolos de Conduta do Hospital Paciente Crítico
Israelita Albert Einstein Timerman – Desfibrilação Precoce – Reforçando a Corrente de Sobrevivência
InCor – Os Chefs do Coração Timerman e Feitosa – Síndromes Coronárias Agudas
InCor – Manual de Dietoterapia e Avaliação Nutricional do Serviço de Nutrição e Tinoco – Semiologia Cardiovascular
Dietética do InCor (USP) Tinoco – Série Livros de Cardiologia de Bolso (Coleção Completa 6 Vols.)
Knobel – Condutas no Paciente Grave 2a ed. (2 vols.) Vol. 1 Nóbrega – Atividade Física em Cardiologia
Knobel – Série Terapia Intensiva Vol. 2 Martins – Avaliação do Risco Cirúrgico e Cuidados Perioperatórios
Vol. 1 Pneumologia e Fisioterapia Respiratória 2a ed. Vol. 3 Mady, Arteaga e Ianni – Cardiomiopatias: Dilatada e Hipertrófica
Vol. 2 Cardiologia Vol. 4 Tinoco e Fonseca – Medicina Nuclear Aplicada à Cardiologia
Vol. 3 Hemodinâmica Vol. 5 Vilanova – Anticoagulação em Cardiologia
Lage e Ramires – Cardiologia no Internato – Bases Teórico-Práticas Vol. 6 Bruno – Cardiogeriatria
Levene e Davis – Dor Torácica: Seu Diagnóstico e o Diagnóstico Diferencial Zarco – Exame Clínico do Coração 2a ed.
Martinelli – Atlas de Marcapasso: A Função Através do Eletrocardiograma Zugaib e Kahhale – Síndromes Hipertensivas na Gravidez
Nicolau e Marin – Síndromes Isquêmicas Miocárdicas Instáveis

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Carlos Antonio Mascia Gottschall

DINÂMICA
CARDIOVASCULAR
Do Miócito à Maratona

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CAPA: Elisabete Maria Santos Gottschall


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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gottschall, Carlos Antonio Mascia


Dinêmica Cardiovascular : do miócito à maratona / Carlos
Eduardo Mascia Gottschall – São Paulo: Editora Atheneu, 2005

Bibliografia
1.Sistema cardiovascular - Fisiologia I. Título.

CDD-612.1
05-6935 NLM-WG 102

Índices para catálogo sistemático:

1. Sistema cardiovascular : Fisiologia : ciências médicas 612.1

GOTTSCHALL, C.A.M.
Dinâmica Cardiovascular
©
de Carlos Antonio Mascia Gottschall
Reservados todos os direitos de publicação à EDITORA ATHENEU LTDA – São Paulo, Rio de Janeiro,
Ribeirão Preto, Belo Horizonte, 2005.

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Às memórias dos grandes e sempre
presentes amigos e mestres

Mario Rigatto
Rubem Rodrigues
Rubens Maciel

Um agradecimento especial a

Robert Rushmer

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“It has been shown by reason and experiment that blood by the beat
of the ventricles flows through the lungs and heart and is pumped to
the whole body …
… for when muscles are moving and in action, they gain strength
and become tense, from soft they become hard, they are lifted up and
thickned, and so likewise the heart.”

William Harvey, De Motu Cordis, 1628

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Prefácio da Presente Edição

“Dinâmica Cardiovascular, do Miócito à Como não é possível reinventar a fisiologia a


Maratona”, é em parte uma nova edição do an- cada nova edição de um livro, é sempre um de-
terior “Função Cardíaca, da Normalidade à In- safio manter o equilíbrio entre o precursor e o
suficiência”. No prefácio da primeira edição es- atual. Infelizmente, alguns pensam que a medi-
tão explicadas as motivações básicas de tê-la es- cina tem a idade do último artigo lido. Isto às
crito, as possíveis angústias do escriba e os propó- vezes pode ser verdade para temas de pesquisa
sitos da obra. Em parte o livro atual é novo, por- original e revolucionária mas jamais para a ex-
que acrescentei dois capítulos ao anterior (o pri- pressão de uma cultura médica crítica e conse-
meiro, “Desenho do aparelho cardiovascular”, e qüente. Por isso procurei manter a visão históri-
o sétimo, “Controle neural do coração e da cir- ca de um conhecimento sedimentado em progres-
culação”), revisei inteiramente e atualizei texto sos seminais multiplicadores, como penso que deva
e bibliografia em todos os capítulos e mais que ser o aprendizado, a formação básica de um co-
dupliquei a quantidade de figuras, de 80 para nhecimento sólido e preparado para assimilar os
172. progressos de novos ensinamentos válidos.
Aparentemente é menos fácil explicar a con- Penso que quatro décadas de docência e pes-
tinuidade de propósitos, tendo mudado aspectos quisa em fisiopatologia cardiovascular ensina-
de forma e conteúdo, ou seja, o paradoxo da trans- ram-me a identificar as principais dúvidas dos
formação da perenidade, mas a complexa fisio- aprendizes na matéria, a separar o permanente
logia cardiovascular de hoje nos remete a mean- do acessório, o profundo do supérfluo. Imagino que
dros antes insondáveis. Dentro da ordem carte- este livro pode ser útil para o estudante, o médico, o
siana em que se situa a ciência, esta é cada vez cardiologista, o cirurgião e – por que não? – para o
mais verdadeira quando os pilares sustentam, sem professor e até para o fisiologista. Não sendo um
vergarem, os novos acréscimos de conhecimento. livro de controvérsias mas de sedimentada revisão
Atualização não é infidelidade às origens. Foi o crítica, com pretensões didáticas, procurando dar a
que procurei fazer, atitude que se refletiu na ma- visão unitária de minha experiência sobre os aspec-
nutenção de uma bibliografia predominan- tros tratados, é a explicação que ofereço para que
temente seminal, ressaltando que, quando se fala continue sendo uniautoral.
em qualidade, novo nem sempre é sinônimo de
melhor. É melhor repetir o bom que inventar o
ruim. Por isso reproduzo não necessariamente Porto Alegre, 3 de setembro de 2005
novas figuras mas as que considero mais infor-
mativas. CARLOS A. M. GOTTSCHALL

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Apresentação da Presente Edição

Na primeira edição deste livro, intitulada siopatologia ensejaram importantes acréscimos em


“FUNÇÃO CARDÍACA, da Normalidade à In- seu tratamento farmacológico, cirúrgico, inter-
suficiência”, prólogo e prefácio foram redigidos, vencionista, além de técnicas recentes, como a res-
respectivamente, pelos insignes e saudosos mes- sincronização miocárdica.
tres da Cardiologia Brasileira, Mario Rigatto e Passados dez anos da primeira edição, tor-
Rubem Rodrigues. Dotados ambos de grande nou-se assim oportuna a atualização desta obra,
versatilidade científica e literária, traçaram ele- cujo novo título “DINÂMICA CARDIOVAS-
gantemente o perfil do autor e de sua obra. Um CULAR, do Miócito à Maratona” causa impac-
novo prefácio poderia ser supérfluo e desneces- to e perplexidade, pelo desafio que encerra e pela
sário. Entretanto, na presente versão, o Prof. solução que apresenta. O livro é reflexo da perso-
Carlos Antonio Mascia Gottschall ressaltou: nalidade e dos atributos científicos e docentes do
“O livro atual é, em parte, uma nova edição Prof. Gottschall. Abrange em profundidade e
do anterior, porém, em parte, é novo”, porque pormenores toda a gama de conhecimentos
foram acrescentados capítulos inéditos e sofreu sobre o tema, expostos em redação e didática
revisão e atualização integral do texto e bi- impecáveis, tornando sua leitura agradável e
bliografia em todos os capítulos, além de ter de fácil compreensão, em que pese a complexi-
sido enriquecido com grande número de no- dade do texto. Em seus dez capítulos são dis-
vas ilustrações. Ou seja, houve importantes cutidos todos os aspectos da fisiopatologia do
alterações no conteúdo e na forma, justifican- aparelho cardiovascular. Desde o miócito, dis-
do prefácio adicional. secado em suas características anatômicas e
É acaciano afirmar que novos conhecimen- funcionais, até o coração como bomba, com as
tos vêm se acumulando com velocidade extraor- propriedades intrínsecas e influências neuro-
dinária em todas as áreas da Medicina e da Car- hormonais, que o tornam capaz de desempe-
diologia em especial. Conceitos aparentemente nho excepcional em circunstâncias de grande
estabelecidos são revisados ou aprimorados e no- exigência, como a maratona. As ilustrações são
vas descobertas científicas continuamente incor- fartas, oportunas e de excelente qualidade,
poradas. No que concerne à Fisiopatologia Car- muitas originais.
diovascular, cumpre enfatizar que os avanços O livro é primoroso em extensão e porme-
ocorridos em seus conhecimentos foram, em gran- nores, envergadura científica e exigência di-
de parte, os alicerces sobre os quais se desenvolve- dática, de caráter formador e informativo. É
ram, ampliaram e aprimoraram os recursos te- expressão do ideal de uma vida acadêmica
rapêuticos. Exemplo clássico é o da insuficiência marcada por muito trabalho e competência.
cardíaca, na qual a melhor e mais ampla com- Durante quatro décadas ininterruptas de do-
preensão dos mecanismos envolvidos em sua fi- cência e pesquisa em fisiopatologia cardiovas-

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cular o Prof. Gottschall acumulou produção tschall enriquece sobremaneira a literatura
científica própria, extensa e de alta qualida- cardiológica e será útil a fisiologistas, clínicos
de, exposta nas referências bibliográficas de e cardiologistas de todas as subespecialidades,
todos os capítulos. Tornou-se possível, assim, tanto aos que buscam informações básicas como
entender como obra de tal vulto tenha sido ela- àqueles com conhecimentos sedimentados e que
borada por um só autor. O livro do Prof. Got- desejem aprimorá-los.

MICHEL BATLOUNI
Professor de Pós-graduação em Cardiologia da Universidade de São Paulo
Consultor Científico do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia

JOSÉ EDUARDO M.R. SOUZA


Livre-Docente em Cardiologia da Escola Paulista de Medicina
Diretor do Hospital do Coração de São Paulo
Fundador e Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e
Cardiologia Intervencionista e Sociedade Latino-Americana de
Cardiologia Intervencionista

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Prefácio da Primeira Edição

ISTO É, pérfluos. Parece que o delírio da intervenção to-


mou conta da cardiologia. É óbvio que o catete-
Fazer um livro é uma pretensão que exige rismo intervencionista, ao qual me dedico com
respeito, pois a perenidade da palavra escrita tem entusiasmo, tem representado um fantástico
mais força de consagração ou de demolição que avanço terapêutico mas pensar que a fisiologia
a palavra oral, que o vento leva. Há muito que- interessa pouco, porque a imagem mostra tudo e,
ria escrever este, mas outras obrigações e o ques- só através dela, pode tratar-se os pacientes, não
tionamento de sua utilidade retardaram o pro- merece nem comentário. Em alguns locais não se
jeto. Fazer um livro para quê? Para repetir o que formam mais cardiologistas, hemodinamicistas,
outros já disseram? Para compilar o que outros fisiologistas, mas apenas “imaginologistas”. Nun-
escreveram? Para colocar o enfoque de minha ca é demais lembrar que prática sem doutrina
vivência na matéria? Para divulgar algumas con- pode transformar-se apenas em charlatanismo.
tribuições originais que produzi? Para dizer que Alguns nem se preocupam em saber “por quê”,
fiz um livro? Posso dizer que a resposta represen- quando é mais rentável “para que”. Mas o “para
ta a afirmação de um pouco de cada pergunta, que” sem o “porque” pode por em risco a vida do
menos da última. Se fosse apenas para dizer que paciente. A fisiologia e a fisiopatologia são e con-
escrevi um livro, não teria esperado tanto tempo. tinuarão sendo os divisores entre o “técnico e prá-
Quando jovem estudante de Medicina, ouvi de tico” e o “médico e cientista”, e, até nas questões
Bernardo Houssay: Fale o suficiente do que sabe mais pragmáticas, o conhecimento da fisiologia
e nada do que não sabe. De tanto respeitar essa fornece base crítica para decisões ou condutas mais
máxima, cuido-me para pertencer ao grupo dos corretas.
que falam quando têm algo a dizer, e não ao dos Dentro da ordem de paixões com que me nutre
que apenas dizem porque precisam falar. a Medicina, sempre coloquei o estudo da função
O tempo também não me preocupa. Novi- cardiopulmonar e da hemodinâmica entre as
dades, precedências, últimas verdades, são mais prioridades. Na verdade, até sem eu sentir, este
próprias para teses ou artigos de revistas. Penso livro nasceu décadas atrás, quando me caiu nas
que um livro como o que pretendo tem que ser mãos uma das primeiras edições do insuperável
pessoal, trazer um pouco de paixão, senão é qua- “Cardiovascular Dynamics” de Robert Rushmer,
se desnecessário. Na tentativa de que perdure, um dos meus mestres favoritos, com quem nunca
procurei dar muita atenção à história dos even- me encontrei pessoalmente, mas cuja genialida-
tos, aos conceitos estabelecidos, ao conhecimento de transformou em muito próximo um conheci-
sedimentado, pois pretendo também que seja um mento produzido a enorme distância, misturan-
livro de aprendizado e de entendimento de fatos do em doses certas fisiologia com filosofia, alter-
básicos, e ao mesmo tempo profundos, de fisiolo- nando com perfeição o saboroso e o surpreenden-
gia e fisiopatologia cardíacas, que alguns, dire- te do conhecimento científico, despertando-me
cionados para uma “ação” imediata, acham su- paixão latente. O verdadeiro conhecimento pode

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ser até complementado, detalhado, explicado, mas livro pessoal dá direito a essa licença. Quando
não desaparece. Porventura alguém pensa que, pouco ou nada se modificou da idéia original,
dentro da ciência, possa ser modificado o que não é justo preterir o autor apenas para ser
Harvey descobriu e divulgou em 1628? Ou o que “atual”. Citar o original requer mais incursão
Fick deduziu no século passado? Ou o que Frank pela literatura mas faz justiça. O pouco do que
e Starling e colaboradores nos legaram no início cito meu ou do nosso meio deve ser entendido
deste? Ou o que a estrutura do sarcômero de Hu- como manifestação de vivência, sem o que tam-
xley nos demonstrou, em 1957? Ou o que os mo- bém não considero válido escrever um livro. A
delos de contratilidade de Sonnenblick nos lega- contribuição pessoal com que o complemento
ram, em 1962? Esses são exemplos de conheci- advém de algumas concepções originais desen-
mento raiz que, como outros anteriores e poste- volvidas por mim, em nível de literatura médica
riores, permanecerão. Torná-los compreensíveis, mundial, que a prática tem comprovado como
digeríveis, divulgá-los em todas as suas nuances é válidas. Entre essas, cito as relações peculiares
um objetivo deste livro. Este livro nasceu também entre pré e pós-carga como índice funcional car-
de aulas que tenho dado em disciplinas por que díaco e equações de correção desenvolvidas para
sou responsável nos Cursos de Pós-Graduação em medidas mais precisas da contratilidade miocár-
Cardiologia e Pneumologia, na UFRGS, no IC/ dica. Se me for permitida outra pequena preten-
FUC, e, a convite, em outras Universidades, e, são, diria que a forma de abordagem do estudo
principalmente, do estímulo recebido dos muitos da função cardíaca, baseada nos determinantes
alunos com quem tenho tido a graça de conviver. do débito cardíaco, e vista como uma seqüência
Por que os temas selecionados nos oito capítulos? de fatos encadeados até a ejeção, também é ori-
Porque aqui me permito misturar compromisso ginal, bem como o são os quadros e muitas figu-
passional com didático. Porque são temas dos quais ras apresentadas. Embora já desenvolvidos an-
me deleita a parte quase filosófica ou teleológi- tes, alguns tópicos são brevemente repetidos em
ca, como é o caso dos três primeiros capítulos, certos capítulos, para torná-los mais compreensí-
ou aos quais tenho me dedicado na teoria e na veis por si só, evitando o retorno à fonte, e não
prática, como é o caso dos cinco últimos. Na suprimir-lhe a unidade.
verdade, este livro é uma vitrine de como vejo o Pretensões são pretensões. Deve dizer alguém
que gosto de fazer. que o verdadeiro pretensioso nunca faz nada,
Tentando fazer justiça aos pioneiros de cada porque só se contenta com o cem por cento. Se
época, que pouco a pouco foram construindo a isso é verdade, este livro não é de um pretensioso,
monumental cardiologia de hoje, a bibliografia pois o ofereço para contribuir um pouco, não sei
mínima que relaciono talvez não seja considera- quanto, mas se ensinar alguém, motivar alguém
da tão “atual” como alguns talvez desejassem. ou deleitar alguém, considerar-me-ei sinceramen-
Recuso-me a só citar artigos dos últimos dois anos te recompensado.
(a cardiologia tem séculos), muitas vezes pálidas
cópias de vigorosos originais que criaram conhe- Porto Alegre, 12 de outubro de 1994
cimento. A bibliografia que exponho é uma pe-
quena seleção do que mais me impressionou, mais
me ensinou e mais me motivou. Penso que um CARLOS A. M. GOTTSCHALL

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Prólogo da Primeira Edição

DO AUTOR E DO LIVRO vezes em que tem saído, geralmente tem sido a


convite de instituições estrangeiras. Não para
Carlos Antonio Mascia Gottschall é um dos ensiná-lo. Mas para ouvi-lo.
mais destacados médicos produzidos pelo Rio “Função Cardíaca: da Normalidade à Insu-
Grande do Sul nestas últimas décadas. Destaque ficiência” é uma rica expressão do que aprendeu,
avalizado pelo seu curso médico (1o. lugar: Prê- do que descobriu, do que desenvolveu – em suma,
mio Paulo Brossard), por sua titulação acadê- do que sabe – o Dr.Gottschall no campo da fi-
mica (Docente-Livre, UFRGS), por sua carrei- siopatologia cardiocirculatória. E como sabe
ra professoral (Professor de Graduação, UFRGS, muito, o livro é rico. Não apenas como fonte de
e de Pós-Graduação, UFRGS e Instituto de Car- informação mas também, e principalmente, como
diologia, RS), por sua carreira profissional (nome fonte de entendimento dos fenômenos que com-
de referência para estudos de função pulmonar e põem a matéria nele abordada.Este qualificati-
estudos e procedimentos hemodinâmicos: cente- vo confere ao livro interesse e propriedade para
nas de trabalhos publicados e vivenciados, alunos, professores, pesquisadores e especialistas.
introdutor da angioplastia coronária translumi- Envaidece-me ter podido ter Carlos Antonio
nal no RS) e por sua carreira de investigador como aluno, como médico-residente, como cola-
(pesquisas de ampla repercussão em fisiopatolo- borador, como colega e como amigo. Envaidece-
gia cardiorrespiratória; duas dezenas de teses me poder ser agora leitor de um livro seu: um
orientadas). ótimo livro.
Melhor que a excelência alcançada é a ori-
gem dela: é toda nossa. Carlos Antonio, por de-
terminação pessoal, desenvolveu os muitos talen- MARIO RIGATTO
tos que tem, sem sair do país. Fez questão de pro- Professor de Medicina Interna, UFRGS.
Pesquisador, CNPq.
var a si próprio – e a nós todos, por que não? – Membro da Academia Nacional e da
que é possível alcançar os mais altos patamares Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina.
da qualificação médica sem sair do Brasil. Nas MACP (USA). MMRS (UK).

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Apresentação da Primeira Edição

Escrever um livro não é uma tarefa fácil e palavras, quem faz o prefácio deveria ser alguém
muito menos a realização de um capricho de que, conhecendo tão bem o autor, fosse capaz de
quem busca o sucesso a qualquer preço, sem res- antever o conteúdo em todos os sentidos. Porque
peitar a qualidade em todos os seus aspectos: prag- este é o verdadeiro significado do binômio mes-
máticos, éticos, cognitivos, didáticos, científicos tre-discípulo; mestre é aquele que cria idéias e
e, sobretudo, inquisitivos. estabelece doutrinas; discípulo é aquele que se-
Neste final de século, no qual ocorreram as gue idéias e doutrinas, aceitando-as ou contes-
mais notáveis descobertas científicas, os mais in- tando-as em função da autenticidade de atitu-
críveis avanços tecnológicos e a criação da inteli- des que aprendeu a adotar com aquele que acei-
gência artificial, ou nos conformamos em sermos tou como mestre, de acordo com suas convicções e
meros espectadores dos fatos que se descortinam à princípios. Ninguém é mestre por decreto, nin-
nossa observação, ou neles intervimos decidida, guém é discípulo por bajulação ou tráfico de in-
compulsiva e obsessivamente, tornando-nos par- fluências. Mestres não estão à venda, e discípulos
tícipes de um processo em permanente ebulição. não se compram. Um sábio aforismo popular diz,
Assim é a sina de quem escreve um livro, ele com muita propriedade: “Iludem-se os pseudolí-
não espera, age; ele não duvida, investiga; ele deres que alimentam ilusões concedendo vanta-
não inventa, cria; ele não destrói, reorganiza gens e benefícios na vã e ignóbil tentativa corpo-
idéias, pensamentos e ações. Ele é o artífice que rativista de tornar-se herói”. Enfim o verdadeiro
busca na verdade dos fatos o correto equaciona- mestre ou, se quiserem, líder, é aquele que cons-
mento de incógnitas de problemas aparentemen- trói, cria e contesta e é contestado com a mesma
te insolúveis. É o feiticeiro que, na combinação naturalidade de quem assume o palco ou senta-
de fórmulas, equações e símbolos, transforma se na platéia entre os mais comuns dos mortais;
dúvidas em certeza; absurdos em verdades abso- que é, em última análise, o que todos somos.
lutas. Sem truques, sem magias nem simbolis- Como natural corolário caberia dizer que o me-
mos, mas com a decidida capacidade artesanal lhor discípulo é aquele que supera o mestre em
de quem manipula letras, frases, expressões, pe- todos os sentidos e sob qualquer ângulo de aprecia-
ríodos e parágrafos, compondo-os harmoniosa e ção. Como diria Érico Veríssimo: “O resto é silên-
melodiosamente em odes à sabedoria e à inteli- cio”. Porque no silêncio estão a sabedoria e a paz.
gência. Em minha frente estão os originais de “FUN-
Após esse breve preâmbulo, um tanto quanto ÇÃO CARDÍACA – Da Normalidade à Insu-
romântico e filosófico, sinto-me mais à vontade ficiência”. Em princípio pensei: “que tema ex-
para fazer aquilo que já foi feito, como fazem tenso, controverso e complexo para transformar-
subentender o prefixo e o sufixo dessa palavra se num livro de texto fácil e clarividente com-
tão tradicional. Na realidade, quem prefacia preensão”. Mas, como diz o provérbio “nada se
deveria escrever antes que uma obra literária ou decide em julgado”. Portanto, aqui estou para
científica fosse tornada realidade. Em outras formular meu juízo, estabelecer conceitos, ana
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lisar idéias, princípios e definições. A tarefa é ças, jamais abandonou a verve científica cinze-
árdua mas gratificante, porque se trata de uma lada por um dos artífices de sua formação per-
obra de profundidade e fértil de conhecimentos queridora: o Professor Mario Rigatto.
adquiridos, vividos e sedimentados no dia a dia Coube-me a gratificante tarefa de prefaciar
de atividade intensa, séria e responsável, emba- este livro que, certamente, será um tratado obri-
sada, em grande parte, numa sólida base de in- gatório de consulta e de referência em tudo que
vestigação científica, cuja linha de pesquisa o disser respeito à Fisiologia e Fisiopatologia Car-
autor estabeleceu com critérios rígidos e avaliados diovasculares. Faço-o com a certeza de quem es-
por excelente formação clínica e laboratorial. pera que esta obra será mais um dos marcos mais
O autor, Carlos Antonio Mascia Gottschall, destacados no balizamento dos rumos que o Ins-
é um dos produtos mais autênticos de uma filo- tituto de Cardiologia e a Fundação Universitá-
sofia de trabalho implantada com sucesso há três ria de Cardiologia vêm vitoriosamente percor-
décadas, após ser incubada por cerca de dez anos rendo. Ninguém mais do que eu pode orgulhar-
numa modesta enfermaria de nossa saudosa San- se disso, por razões que para muitos podem ser
ta Casa de Misericórdia de Porto alegre. Com óbvias, para outros apenas a constatação históri-
efeito, o Instituto de Cardiologia do Rio Grande ca do que aconteceu. O que realmente importa é
do Sul e sua tutelar entidade mantenedora – a que aconteceu, tornando-se uma realidade in-
Fundação Universitária de Cardiologia – for- contestável. Todos têm o direito ao sucesso, al-
mam hoje um binômio indissolúvel e respeitá- guns impõem-se o dever do sucesso, ninguém,
vel. Há quase trinta anos, aquele esqueleto de entretanto, poderá obtê-lo fortalecendo os fracos
cimento, abandonado e esquecido pelas autori- para enfraquecer os fortes, como sentenciava
dades responsáveis, situado na então desprestigi- Abraham Lincoln. De minha parte não me sin-
ada margem esquerda do riacho Ipiranga, tor- to apenas com o direito de estar feliz, mas com o
nou-se o principal centro polarizante da cardio- dever de sentir-me feliz.
logia do sul do Brasil. Este livro que ora se publi-
ca tem tudo para sedimentar o conceito e o pres-
tígio que esta Instituição merecidamente gran- RUBEM RODRIGUES
Coordenador e Professor do Curso de
geou, fruto de um trabalho persistente e compe- Pós-Graduação em Cardiologia do
tente de uma equipe da qual o autor é um dos Instituto de Cardiologia do Rio Grande
mais brilhantes representantes. Fiel discípulo deste do Sul. Presidente do Conselho Diretor
Instituto, é hoje um dos mais dedicados diretores da Fundação Universitária de
e, na ingrata função de administrar suas finan- Cardiologia, Porto Alegre, RS.

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Sumário

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 23
Coração, marcador da vida e da história ......................................................................... 23

Capítulo I
DESENHO DO APARELHO CARDIOVASCULAR ........................................................... 27

Capítulo II
PROPRIEDADES GERAIS DO APARELHO CARDIOVASCULAR ................................. 30

Natureza da difusão ................................................................................................................... 30


Membrana celular ..................................................................................................................... 31
Finalidade do aparelho cardiovascular ....................................................................................... 32
Arquitetura do aparelho cardiovascular ..................................................................................... 34
Artérias sistêmicas ..................................................................................................................... 37
Capilares.................................................................................................................................... 40
Filtração capilar ......................................................................................................................... 44
Linfáticos .................................................................................................................................. 46
Veias .......................................................................................................................................... 48
Circulação sistêmica e circulação pulmonar .............................................................................. 50

Capítulo III
TRANSPORTE DE OXIGÊNIO PARA AS CÉLULAS ........................................................ 54

Ventilação pulmonar ................................................................................................................. 54


Difusão pulmonar ..................................................................................................................... 59
Perfusão pulmonar .................................................................................................................... 62
Cociente ventilação/perfusão .................................................................................................... 66
Hemoglobina e hemácias .......................................................................................................... 69

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Cascata de oxigênio ................................................................................................................... 70
Respiração tecidual ou celular ................................................................................................... 73
Consumo máximo de oxigênio ................................................................................................. 78

Capítulo IV
ARQUITETURA DA CONTRAÇÃO CARDÍACA ............................................................. 85

Ultra-estrutura do miocárdio .................................................................................................... 85


Contração do cardiomiócito ..................................................................................................... 88
Relaxamento do cardiomiócito ................................................................................................. 94
Peculiaridades contráteis do miocárdio ..................................................................................... 96
Coordenação da contração ........................................................................................................ 99
Ciclo cardíaco ......................................................................................................................... 102
Geometria funcional dos ventrículos ...................................................................................... 106
Lei de Laplace e o coração ....................................................................................................... 110
Determinantes do consumo de oxigênio pelo miocárdio ........................................................ 115

Capítulo V
DETERMINANTES DO DESEMPENHO CARDÍACO .................................................. 120

Freqüência cardíaca ................................................................................................................. 121


Pré-carga ................................................................................................................................. 123
Pós-carga ................................................................................................................................. 127
Sinergia ................................................................................................................................... 128
Contratilidade ......................................................................................................................... 130

Capítulo VI
O CORAÇÃO COMO BOMBA .......................................................................................... 140

Débito cardíaco ....................................................................................................................... 140


Reserva cardíaca e consumo de oxigênio ................................................................................. 142
Eficiência do coração como bomba ......................................................................................... 146
Variações do débito cardíaco ................................................................................................... 147
Adaptações do débito cardíaco a curto e longo prazo ............................................................. 151
Bases ultra-estruturais da insuficiência cardíaca ...................................................................... 161

Capítulo VII
CONTROLE NEURAL DO CORAÇÃO E DA CIRCULAÇÃO ...................................... 168

Receptores e sinalizadores ....................................................................................................... 168


Sistema simpático (efeitos cárdio-aceleradores) ....................................................................... 171

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Sistema parassimpático (efeitos cárdio-inibidores) .................................................................. 177
Barorreceptores e quimiorreceptores ....................................................................................... 179
Controle do volume sanguíneo e da pressão arterial ............................................................... 182
Regulação periférica e local do fluxo ....................................................................................... 185
Regulação circulatória durante o exercício .............................................................................. 189
Outras regulações .................................................................................................................... 191

Capítulo VIII
CIRCULAÇÃO CORONARIANA ....................................................................................... 194

Macroanatomia da circulação coronariana .............................................................................. 194


Distribuição transmiocárdica da circulação coronariana ......................................................... 196
Peculiaridades metabólicas do miocárdio ................................................................................ 198
Características do fluxo coronariano ....................................................................................... 200
Fatores determinantes do fluxo coronariano ........................................................................... 200
·
Fatores que afetam o VO2 miocárdico e o fluxo coronariano ................................................. 202
Regulação do fluxo coronariano .............................................................................................. 205
Reserva coronariana e medida do fluxo coronariano ............................................................... 210
Fluxo coronariano na isquemia miocárdica ............................................................................. 215
Efeitos da isquemia sobre o miocárdio .................................................................................... 219
Reversibilidade da isquemia miocárdica .................................................................................. 223
Insuficiência cardíaca na cardiopatia isquêmica ...................................................................... 228

Capítulo IX
DIÁSTOLE NORMAL E ANORMAL ................................................................................. 235

Propriedades diastólicas do coração ........................................................................................ 235


Relaxamento diastólico normal e anormal .............................................................................. 236
Disfunção diastólica ................................................................................................................ 241
Conseqüências da disfunção diastólica .................................................................................... 244
Disfunção diastólica, hipertrofia e isquemia ........................................................................... 246

Capítulo X
AVALIAÇÃO HEMODINÂMICA DA FUNÇÃO CARDÍACA ........................................ 251

Ejeção cardíaca ........................................................................................................................ 251


Força contrátil (carga ventricular) .......................................................................................... 255
Pressões de ventrículo direito e artéria pulmonar .................................................................... 255
Pressões de ventrículo esquerdo e aorta ................................................................................... 257
Resistências vasculares ............................................................................................................. 259
Tensão e estresse parietal ......................................................................................................... 260
Trabalho cardíaco ................................................................................................................... 262

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Volume e massa ventricular .................................................................................................... 264
Volumes cardíacos ................................................................................................................... 264
Massa ventricular .................................................................................................................... 269
Relaxamento e distensibilidade (complacência) .................................................................... 270
Pressões atriais e diastólicas ventriculares ................................................................................ 270
Relaxamento isovolumétrico e diastólico inicial ...................................................................... 273
Complacência (relaxamento auxotônico e rigidez) ................................................................. 275
Encurtamento miocárdico ...................................................................................................... 276
Sinergia e fração de ejeção ....................................................................................................... 276
Encurtamento regional ........................................................................................................... 279
Volume sistólico final .............................................................................................................. 281
Velocidade de encurtamento circunferencial ........................................................................... 284
Contratilidade miocárdica ...................................................................................................... 285
Valor das medidas de contratilidade ........................................................................................ 285
Curva de pressão ventricular e dP/dt ...................................................................................... 287
Vmax no coração intacto ........................................................................................................ 288
Busca do índice ideal ............................................................................................................... 291
Correções para a dP/dt ............................................................................................................ 291
Índice de contratilidade .......................................................................................................... 293
Sensibilidade das medidas de contratilidade ........................................................................... 296
Seqüência funcional da descompensação cardíaca................................................................... 305
Avaliação suscinta do desempenho cardiovascular ................................................................ 306
Avaliação do desempenho sistólico ventricular ....................................................................... 306
Avaliação do desempenho diastólico ventricular ..................................................................... 307
Avaliação do desempenho ventricular direito .......................................................................... 307
Avaliação global do desempenho cardíaco ............................................................................... 308

ÍNDICE REMISSIVO ........................................................................................................... 313

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Introdução

CORAÇÃO, MARCADOR apenas na tradição e no argumento da autori-


DA VIDA E DA HISTÓRIA dade.

N
A capacidade de mover-se continuamente
ão existe órgão do corpo humano que por um século ou até mais em alguns privile-
mais tenha despertado interrogações e giados identificou o coração com a própria
desafiado a interpretação e os sentimentos do vida. Em observações de embriologia animal,
homem do que o coração. Na era mítica e nas Aristóteles, no século IV a.C., chamava-o de
culturas antigas sempre aparece com um lu- “o primeiro a mover-se”, e, no fim da vida, “o
gar de destaque, seja para exaltar sentimen- último a morrer”. Identificado com a vida,
tos, seja para glorificar deuses, de preferência passou também a ser visto como a fonte do
ofertado ainda pulsando. A reverência huma- calor corporal, pois a vida produz calor e a
na pelo coração não tem limites: não só o co- morte é fria. Como até o século XVII não ha-
locou como a sede da vida e do calor corporal via noção de que o sangue circulava pelo cor-
como a sede dos sentimentos, talvez porque o po (o sangue “caminhava” num “vai e vem”,
mais notório ato relacionado a uma emoção consumindo-se na periferia do corpo, sendo a
seja o aumento do seu pulsar, o que de manei- transpiração o seu resíduo), a explicação para
ra figurada se mantém até hoje nas expressões o coração agitar-se era porque produzia calor
“um bom coração” ou “não tem coração”. que distribuía ao corpo, quanto mais calor
Quando, no século IV a.C., Hipócrates mais vigorosos seus pulsares. Tão grande era
aplicou o método indutivo para criar um cor- sua importância que os pulmões não eram vis-
po de doutrina baseado em observações que tos como um complemento igualmente ne-
podiam ser classificadas e servir como genera- cessário à vida mas como meros foles (daí a
lizações capazes de apontar um caminho para expressão em voga até hoje, “fole torácico”)
o conhecimento, deixando o mítico para trás, para refrigerar o coração nos seus movimen-
estava criando não só as bases da medicina mas tos: por isso, quanto mais se agitava o coração
as bases da própria ciência. A Medicina nas- mais aumentava a ventilação pulmonar!
ceu da observação mas se transformou em Também, sem o conhecimento de que o
ciência pelo estudo do coração e da descober- sangue circula pelo corpo, não havia explica-
ta da circulação do sangue. O conhecimento ção para termos dois tipos de sangue, um ver-
científico e humano tem evoluído por rompi- melho rutilante (arterial) e outro vermelho
mentos de paradigmas, a sociedade primeiro escuro (venoso). Como a ciência não pára por
condenando os que os romperam e depois falta de explicações, os antigos ensinavam que
homenageando-os. Vários importantes para- o sangue escuro era produzido no fígado para
digmas vencidos e decisivos para o progresso levar alimento às diversas partes do corpo e
da Medicina foram por novos conceitos sobre que o claro levava “pneuma” – um princípio aé-
o coração, destruindo falsos saberes baseados reo identificado com a vida – ao cérebro. Muito
24 ARLOS
C NTONIO
A M ASCIA OTTSCHALL
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depois de ter surgido o cultivo da racionalida- Sanguinis in Animalibus, 1628, no século


de humana, com os gregos na era pré-cristã, XVII, o século do Iluminismo. Os maiores
foi o pitagórico Alcmeon de Crótona o pri- historiadores da medicina apontam a desco-
meiro a colocar no cérebro a sede das sensa- berta da circulação do sangue como a mais
ções, o que constituiu uma grande virada no importante descoberta médica do milênio pas-
entendimento humano, dando à razão a pos- sado. Por quê? Porque foi a primeira vez que o
sibilidade de desvincular-se de sentimentos, método científico, estando surgindo com Ga-
pois racionalidade é exatamente isso, ou pelo lileu, foi aplicado integralmente na Medicina:
menos pensa-se que assim seja. observação, experimentação, análise e conclu-
Mas por que tamanha reverência pelo co- são. Isso marca o início da fisiologia e do dis-
ração? É certo que sem ele não existe vida mas curso médico modernos, deixando para trás
também vida não existe sem fígado, rim, pul- concepções míticas milenares. Toda a biolo-
mão, cérebro. Talvez por três razões: pela os- gia moderna e os fantásticos avanços da ciên-
tensividade de seus movimentos, que desper- cia médica atual têm por base a descoberta da
ta interesse; pelo medo de que pare, seja atra- circulação do sangue, que marcou o início da
vessado por uma lança, como nos tempos he- era científica na Medicina, embora Harvey não
róicos, seja fulminado por um infarto, como soubesse para que o sangue circula.
nos tempos atuais, e, talvez, pela consciência Quase duzentos anos depois, no fim do
científica ou pela inconsciente percepção lei- século XVIII e em plena Revolução Francesa,
ga de que o coração e o aparelho circulatório é graças ao gênio de Antoine Lavoisier, que des-
que propiciaram o aparecimento de organis- vendou o papel do oxigênio na respiração e
mos superiores, permitindo que células e teci- na combustão, ficou claro que o coração é o
dos heterogêneos, na cadeia da evolução, se órgão central de um sistema encarregado de
agrupassem num organismo. Sem coração e levar a fonte da vida às células do corpo, e a
sem circulação a vida não iria além de uma explicação para os dois tipos de sangue, o cla-
ameba! Esse argumento é o mais forte para ro, por efeito da absorção de oxigênio por in-
sustentar a idéia de que o coração é o sol do termédio dos pulmões (hematose), e o escuro,
corpo, como afirmou Harvey. retornando dos tecidos (não hematosado),
No século XVI, em plena Renascença, depletado desse oxigênio. Por fim o oxigênio
quando começou a surgir a ciência moderna, substituía o hipotético “pneuma” como fonte
entre outros fatos, através dos primeiros estu- da vida!
dos de anatomia humana por dissecções siste- Um dos postulados do pensamento cientí-
máticas, André Vesálio, no seu monumental fico é que o fato científico deve ter uma ex-
livro De Humani Corporis Fabrica, que até hoje pressão matemática. Pois o elo que faltava en-
nos encanta, promoveu a experiência à fonte tre Medicina e Matemática veio através do
do conhecimento e começou a destruir o ga- coração. Adolf Fick, um gênio alemão da fi-
lenismo (de Galeno, médico do século II, cujos siologia, deduziu no século XIX, o século da
ensinamentos vigoraram por toda a Idade construção da Fisiologia, a fórmula para me-
Média até o século XVII), mostrando que não dir o débito cardíaco no homem, sessenta anos
existiam poros no septo que divide o coração, antes de ter sido feito o primeiro cateterismo
como afirmara Galeno, e que o sangue não cardíaco, que confirmou a validade dessa fór-
podia passar do lado direito para o lado es- mula, e que permitiu, a partir daí, fisiologia
querdo do coração por ali. cardíaca e estudo do coração serem a parte da
Estava aberto o caminho para a descoberta ciência médica mais ligada a expressões mate-
da circulação pulmonar e, depois, para a des- máticas e, portanto, demonstrada cientifica-
coberta da circulação do sangue, por William mente. A partir do século XX, o progresso
Harvey, publicada no seu De Motu Cordis et sobre os conhecimentos cardiológicos tem sido
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D INÂMICA CARDIOVASCULAR 25

exponencial em inúmeras frentes mas tanto do os falsos profetas com ausência de resposta
avanço científico, em vez de tirar, só reforça o ou com a suprema decisão de fazer cessar a
encanto que esse órgão admirável desperta. vida. Ensinando-nos a separar o joio do trigo,
Sendo o coração um órgão tão fascinante, são as respostas do coração a pesquisas sérias
é natural que sempre tenha atraído a cupidez que sustentarão as crescentes possibilidades de
dos aventureiros. Não é por outro motivo que, prolongar uma vida saudável.
ao lado do conhecimento cientificamente se-
dimentado e da pesquisa séria, ao longo da
história e nos dias atuais, tantos impostores BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
tenham tentado consagrar-se ludibriando os
Gottschall C. O Sopro da Alma e a Bomba da Vida, 3000
não iniciados com métodos mágicos de trata- anos de idéias em respiração e circulação
. Editora Athe-

mento, clínicos ou cirúrgicos. Porém, esse ór- neu e Fundação Universitária de Cardiologia, Rio de

gão inigualável também nos ensina que não é Janeiro e Porto Alegre 2000.

só um repositório de belas histórias mas que Gottschall C. Coração, Marcador da Vida e da História.

Jornal Mente Corpo , publicação da Clínica Psicanalí-


sabe triar o que lhe convém, melhorando e tica Dr. João Gomes Mariante, Porto Alegre, RS, Ed.
prolongando nossa existência, ou condenan- 8, maio/junho, pág.3, 2004.
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CAPÍTULO

Desenho do Aparelho
Cardiovascular I

A lguns fenômenos caracterizam um ser vivo

no planeta Terra: existência de limite en-

tre esse ser e o ambiente, intercâmbio de subs-


baseado em gradientes de concentração); b)

ação da membrana (processo ativo contra gra-

diente com dispêndio de energia); c) formas

tâncias com o meio circundante, desenvolvi- especiais de nutrição e excreção (fagocitose,

mento de um metabolismo, capacidade de re- pinocitose).

produzir-se, possibilidade de evoluir ou sofrer Aparelho cardiovascular: A partir de um

mutações. Neste planeta, a vida desenvolveu- certo número de células reunidas, fez-se ne-

se a partir da água no estado líquido e de com- cessário que os nutrientes do meio externo cir-

postos químicos hidrogenados e nitrogenados cundante se movessem para agilizar e facilitar

unidos ao carbono, sendo fundamental o oxi- as trocas. Com a evolução das espécies, o apa-

gênio retirado da camada de doze quilôme- relho cardiovascular desenvolveu-se para per-

tros desse gás que circunda a Terra, a atmosfe- mitir que diferentes tipos de células se agru-

ra, fato único no sistema solar. O homem é, passem a fim de formar organismos progressi-

antes de tudo, um processo nutritivo, consis- vamente mais diferenciados. Então, um apa-

tindo no movimento incessante de determi- relho cardiovascular tornou-se requerimento

nadas substâncias químicas. Há um fluxo cons- essencial para manter a existência de organis-

tante de matérias pelas células do corpo – dan- mos complexos. Com as exigências da home-

do aos tecidos a energia de que precisam –, e otermia, depois de uma evolução de milhões

ainda dos elementos químicos que constroem de anos, o coração das aves e dos mamíferos

a frágil e efêmera estrutura de nossos órgãos e se constituiu como dois sistemas de bombea-

de nossos humores. mento, a circulação pulmonar e a circulação

Trocas com o ambiente: A vida da célula sistêmica, respectivamente mantidas pelo ven-

mais primitiva ou do ser mais complexo de- trículo direito e pelo ventrículo esquerdo.

pende do intercâmbio com o meio ambiente, Arquitetura: Toda a arquitetura do apare-

ou externo, fundamentalmente com o oxigê- lho cardiovascular se ajusta à necessidade de

nio, pois a oxidação – o fenômeno químico trocas rápidas de O e CO pelas células, e


2 2
mais primitivo – é a base da vida, culminando não ao transporte de alimentos, vitaminas ou

no interior de qualquer organismo vivo com hormônios, pois nos organismos superiores o

um processo semelhante à combustão: utili- O


2 e nutrientes têm que ser levados continua-
zação do oxigênio, formação de calor e de bi- mente às células distantes, e delas retirados os

óxido de carbono e água. O metabolismo catabolitos. É necessário um veículo, o san-

celular produz energia e movimento, sendo gue, que deve ser muito volumoso em relação

que as trocas celulares com o meio externo se às células que banha, para ser pouco modifi-

fazem por: a) difusão (processo físico passivo cado em sua constituição por efeito das tro-
28 CARLOS NTONIO
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cas, mantendo composição estável. Além dis- las, com alto fluxo e com altas pressões, ou

so, o estoque de oxigênio tem que prover gran- seja, tudo ao contrário do que é requerido pela

de gradiente para uma rápida difusão, o que é periferia. Como transformar esses volumes e

conseguido com um transportador extrema- pressões em um fluxo suficientemente amplo,

mente capaz, a hemoglobina. O surgimento próximo, contínuo, lento e com baixa pressão

da molécula de hemoglobina permitiu que os a banhar as células?

animais superiores aumentassem sua superfí- Solução: Aumentando ao máximo a área

cie corporal. de secção transversal (AST) da árvore vascular

Requerimentos: Os requerimentos de cé- em direção à periferia, pela dicotomização pro-

lulas distantes e agrupadas (tecidos) são que: gressiva e pelo afinamento das paredes dos

1) o meio externo (extracelular) seja amplo vasos – as quais atingem espessura mínima nos

(para manter a estabilidade de composição) e capilares –, o meio a banhar as células torna-

próximo (para facilitar o intercâmbio); 2) o se amplo e próximo. Aumentando a resis-

veículo (sangue) seja contínuo (para facilitar tência vascular periférica (RVP), pela inter-

a renovação dos nutrientes) e lento (para ha- posição de arteríolas com tono ativo e capi-

ver tempo suficiente para as trocas). É neces- lares, transforma o fluxo pulsátil com alta

sário, então, que haja um volume circulante pressão em contínuo e lento. Juntos, o au-

suficientemente amplo, próximo, contínuo e mento da AST e da RVP diminuem a pres-

lento e, além disso, que a periferia das células são na periferia a níveis suportáveis pelos

suporte baixa pressão, para não danificá-las. capilares (Figura I-1).

Organização: Para cumprir esses requeri- Fluxo, pressão e resistência são interdepen-

mentos, o aparelho cardiovascular organizou- dentes. Sempre que varia um, os outros res-

se nos organismos superiores através de: uma pondem. Para atingir esses objetivos, o apare-

bomba central (coração), vias centrífugas (ar- lho cardiovascular exibe propriedades gerais

térias), zonas de trocas (capilares), vias centrí- facilitadoras dentro de um circuito fechado

petas (veias), vasos auxiliares (linfáticos). (Figura I-2), especializou-se no transporte de

Problema: Entretanto, essa organização oxigênio para as células, desenvolveu uma ar-

trouxe uma dificuldade, pois o coração lança quitetura própria, mostra um desempenho

sangue com relativos pequenos volumes pul- assegurado por determinantes específicos,

sáteis nas artérias, a grande distância das célu- criou uma poderosa bomba central aspirante-

­ volume extra-celular (meio externo amplo): composição estável


Aumento
da AST
­ capilares com paredes finas (meio externo próximo): difusão mais rápida

¯ pressão na periferia (proteção das células): integridade do sistema

¯ pulsatilidade (fluxo contínuo): renovação dos nutrientes


Aumento
da RVP
¯ velocidade do fluxo (fluxo lento): tempo para trocas
FIGURA I-1. O aparelho cardiovascular mais perfeito, o dos mamíferos, resolveu os desafios de conduzir um meio
nutriente amplo, próximo, contínuo, lento e com baixa pressão às células, aumentando progressivamente sua área
de secção transversal (AST), afinando a parede dos locais de trocas (capilares) e aumentando a resistência vas-
cular periférica (RVP) (Gottschall 2005).
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D INÂMICA CARDIOVASCULAR 29

Capilares linfáticos

Capilares
Nódulo pulmonares
linfático

10
Artéria
pulmonar
120/80 Veia pulmonar

2 25 120/0
A.D. 8
Válvula
120/0
25/0
V.E.
V.D.

Artéria
sistêmica
Veia
sistêmica
Vaso
linfático 120/80

Nódulo 20
linfático 10 30 FIGURA I-2. Esquema do
aparelho cardiovascular
Capilares constituindo um sistema fe-
sistêmicos chado para a circulação de
Vaso sangue e linfa. Os números
linfático representam pressões em
Capilares
linfáticos mmHg (Gottschall 2005).

premente com energia suficiente para manter A partir daqui passaremos à tentativa de

todo o circuito em atividade, estabeleceu um explicar o funcionamento desses mecanismos

controle neural externo que o integra a todo o vitais.

organismo, formou uma circulação peculiar

circundante com aspecto de coroa para forne-


BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
cer à bomba grandes requerimentos de oxigê-

nio, aperfeiçoou propriedades específicas nos Gottschall C. O Sopro da Alma e a Bomba da Vida, 3000
seus tecidos, que o tornam um músculo pecu- anos de idéias em respiração e circulação. Editora Athe-
liar tanto no seu relaxamento quanto na sua neu e Fundação Universitária de Cardiologia, Rio de
Janeiro e Porto Alegre 2000.
contração, todas essas ações convergindo para
Gottschall C. Maior descoberta médica do milênio
apresentar alto desempenho com grande re- (Passos fundamentais para o entendimento do de-
serva contra a descompensação. sempenho cardíaco). Arq Bras Cardiol 1999;
O desempenho cardíaco começou a ser en- 73:310-319.
Gottschall C. The greatest medical discovery of the mil-
tendido cientificamente a partir do século
lennium (Fundamental steps to the understanding of
XVII, quando Harvey estabeleceu definitiva- cardiac performance). Arq Bras Cardiol 1999; 73:320-
mente o modelo circulatório humano atual. 330.
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CAPÍTULO

Propriedades Gerais do
Aparelho Cardiovascular II

N os organismos superiores, o grau mais


avançado de especialização celular pode
ser demonstrado pelo efeito da suspensão da
NATUREZA DA DIFUSÃO

Difusão é o processo pelo qual substâncias se dis-


circulação para órgãos vitais. Por exemplo, ces- persam de locais de alta concentração para locais
sação do fluxo sanguíneo para o cérebro por de baixa ou nula concentração. Colocando-se
somente alguns segundos produz inconsciên- uma gota de corante num líquido, observar-
cia e por cinco minutos dano irreversível, en- se-á após tempo variável que a mesma se espa-
quanto que um torniquete num membro por lha em todas as direções até que o líquido fi-
meia hora causa paralisia temporária, com re- que uniformemente corado. A dispersão das
cuperação funcional sem seqüela alguns mi- moléculas resulta de agitação térmica, carac-
nutos depois da restauração do fluxo. É a di- terizada por rápido movimento e colisão fre-
ferença no grau de especialização e intensida- qüente das partículas, conhecido como movi-
de do metabolismo que dita o fluxo dos in- mento browniano. É um movimento proba-
gredientes essenciais para determinada função. bilístico que afeta cada íon ou molécula inde-
Para células envolvidas em intensas transfor- pendentemente, muito mais em direção afora
mações energéticas são mandatórias altas tro- da área de concentração que adentro. Se fo-
cas ininterruptas de oxigênio, como para man- rem colocadas, em três regiões diferentes, uma
ter as funções cerebral e muscular, enquanto gota de corante, uma de açúcar e uma de uréia,
que para tecidos com baixo metabolismo po- cada molécula mover-se-á independentemen-
dem ser muito mais lentas. Isto é, a manuten- te das outras até alcançarem distribuição uni-
ção dos processos vitais dentro das células depen- forme em todo o volume líquido.
de, assim, de contínuas trocas com o meio am- Uma molécula de água pode levar cem anos
biente. Em animais unicelulares, isso ocorre para mover-se por difusão da cabeça aos pés
por estarem imersos em grandes volumes de de um homem. Um cilindro de tecido de um
água, de onde retiram seus nutrientes essen- centímetro de diâmetro mergulhado num
ciais, por difusão e convecção. Nos organis- meio de oxigênio puro leva três horas para fi-
mos superiores, o processo continua similar, car 90% saturado com esse gás. Já um cilin-
pois é através do meio interno que circunda dro de tecido de 0,7 mm ficará 90% saturado
as células – fazendo o papel do meio externo em 54 seg, e um neurônio de 7 m em 0,0054
para os unicelulares – que se fazem as trocas seg. Assim, uma célula de pequena dimensão
de oxigênio, gás carbônico e outros nutrien- mergulhada num meio com nutrientes essen-
tes. O processo mais fundamental a assegurar ciais pode sobreviver somente por difusão.
essas trocas, assim como para os organismos Entretanto, o número de células capazes de
unicelulares, é a difusão. manter um metabolismo adequado seria ne-
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ARDIOVASCULAR 31

cessariamente limitado se a difusão do O 2 par- rede capilar a atravessar e/ou mais estreito espa-

tisse de um interstício não vascularizado. Pela ço intersticial (distância), intensificam a veloci-

ausência de renovação rápida desse gás e pela dade de difusão num ou noutro sentido. Consi-
maior distância a percorrer, o gradiente para derando o oxigênio, quanto mais a célula o
difusão seria pequeno. A interposição de con- utilizar, tanto mais baixa a concentração des-
dutos com paredes finas (vasos capilares) en- se gás no seu interior e maior o gradiente para
tre as células, transportando O 2 em altas con- difusão, acelerando-se o processo através da
centrações, ao mesmo tempo que renova o membrana celular até o protoplasma. As subs-
meio com esse gás, diminui a distância para tâncias produzidas no interior da célula, como
que o mesmo atinja as células, fatores que au- CO2 e outros catabolitos, seguem caminho
mentam o gradiente para a difusão gasosa (Fi- inverso em direção ao exterior através do mes-
gura II-1). Essa é a função precípua do apare- mo processo, bem como o calor produzido
lho cardiovascular. dissipa-se por gradientes térmicos. A membra-
O gradiente de difusão para dada substân- na e o protoplasma celular são fundamentais
cia através de uma membrana resulta da utili- para o processo de difusão (Figura II-2).
zação ou produção dessa substância por parte
da célula. Metabolismo aumentado eleva o
gradiente e a velocidade de difusão. Assim, essa MEMBRANA CELULAR
velocidade varia diretamente em relação ao
gradiente de concentração da substância e in- As membranas externas e internas dos compo-

versamente em relação à distância. Isto é , em nentes da célula estão envolvidas em praticamente

célula progressivamente mais ativa na produção todos os processos vitais .


A membrana citoplas-
ou consumo de determinada substância, a com- mática tem o papel de regular o meio interno,
binação da diferença proporcional de concentra- estabelecendo e mantendo marcadas diferen-
ção dessa substância (gradiente), respectivamen- ças de composição entre os fluidos intra e ex-
te, entre o meio externo e o meio interno, com o tracelulares, através de sua permeabilidade se-
progressivamente menor percurso entre o sangue letiva para vários tipos de moléculas e de íons,
e o meio interno celular, devido a mais fina pa- sua capacidade de transportar ativamente

Difusão sem circulação Difusão com circulação

FIGURA II-1. Difusão é o pro-


cesso físico pelo qual substân-
cias transferem-se de regiões de
alta concentração para regiões
de baixa concentração mole-
cular (diferença de gradiente). A
interposição dos capilares entre
as células torna o fluxo sanguí-
neo lento e contínuo e aproxi-
ma a fonte com alto conteúdo de
oxigênio (sangue) das mesmas.
A maior concentração de oxigê-
Concentração

Gr nio e a menor distância aumen-


ad tam o gradiente para difusão do
ien
te oxigênio muito além do que fa-
ria difusão sem circulação, per-
mitindo a imediata e contínua
oferta desse gás para todas as
células do organismo (modifica-
Distância Difusão do de Rushmer 1967).
32 ARLOS
C ANTONIO M ASCIA OTTSCHALL
G
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Capilar Capilar FIGURA II-2. O gradiente de


arterial venoso concentração de oxigênio e sua
difusão para dentro das células
aumentam por maior oferta ar-
terial (mais fluxo sanguíneo e
maior pressão de O2 para den-
tro), por maior consumo mito-
O2 CO condrial (mais intenso metabo-
2 + H2 O
O2 lismo) ou por ambos. O gradien-
CO2 te de concentração e a difusão
Gradiente de Gradiente de do bióxido de carbono para fora
concentração concentração das células aumentam por maior
produção celular (mais intenso
metabolismo), por maior drena-
gem venosa (mais fluxo sanguí-
neo e maior pressão de CO 2
Hemácia para fora), ou por ambos. Em
Hemácia qualquer caso, a menor distân-
cia dos meios a ultrapassar fa-
vorece a difusão gasosa. O in-
Interstício verso das condições citadas di-
minui a difusão (modificado de
Rushmer 1967).

materiais contra gradiente e de manter subs- parte integral da mesma (Figura II-3). Dessa
tancial potencial elétrico. Membranas intra- maneira, as proteínas e glicoproteínas contri-
celulares – que apresentam muito em comum buem para a integridade estrutural da mem-
com as extracelulares – envolvem importan- brana, funcionando também como enzimas ou
tes estruturas internas, como núcleo, mito- como mecanismos de suporte para transporte
côndria e lisossomas, e formam o retículo ativo de substâncias. Atribui-se a especificida-
endoplasmático. Na membrana mitocondrial de da membrana à diversidade das proteínas
sintetiza-se a adenosinatrifosfato (ATP), que que a compõem, como ocorre com as mito-
é a fonte de energia para os processos meta- côndrias e retículo endoplasmático, em trans-
bólicos. formações de energia e síntese proteica, res-
A membrana celular é formada por uma pectivamente.
dupla lâmina de moléculas compostas por
pares de moléculas lipídicas justapostas, com
um grupo glicerol na extremidade superior. FINALIDADE DO APARELHO
As cadeias pareadas de ácidos graxos são inso- CARDIOVASCULAR
lúveis em água, hidrofóbicas, e estendem-se
para dentro em direção ao centro da mem- Os bilhões de células vermelhas e os milhões
brana, sendo que a extremidade fosfolipídica de células brancas do sangue de um adulto hu-
da molécula é hidrofílica e forra as superfícies mano estão suspensos no líquido plasmático,
externa e interna da membrana. Assim, as duas que contém, além disso, proteínas, ácidos, açú-
lâminas arranjam-se de modo a apresentar as cares, gorduras, substâncias químicas variadas,
superfícies hidrofílicas para o interior da célu- secreções glandulares e células aptas para re-
la e para o meio externo, com as cadeias lipí- parar tecidos em caso de necessidade. O san-
dicas formando uma estrutura entre elas. A gue leva a cada célula sua nutrição própria e
dupla lâmina tem cerca de 45 nm de espessu- serve ao mesmo tempo de escoadouro, dre-
ra, servindo como suporte para as proteínas nando os resíduos rejeitados pelos tecidos vi-
componentes da membrana, que se associam vos. Ao executar tarefas tão prodigiosas, a cor-
a ela aderindo à sua superfície ou formando rente sanguínea assemelha-se a um grande rio
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ARDIOVASCULAR 33

O2 Hidrofílico
Nutrientes
Constituintes

CO2 Hidrofóbico
Secreções
Excreções
Trabalho
Difusão

Célula Membrana

Arteríola Vênula
a
íol
ter
Ar

la
nu

FIGURA II-3. Metabolitos e catabolitos celulares difundem-se através da membrana celular constituída de dupla
camada lipídica e de proteínas intercaladas. As lâminas das extremidades são hidrofílicas, e as internas são hidro-
fóbicas. A relação entre capilares funcionantes e células vivas se faz de maneira contínua, assegurando trocas
permanentes, equilibrando-se a distribuição das substâncias difundidas no meio por oferta e consumo (lado arte-
rial) e produção e drenagem (lado venoso) (Gottschall 1995).

que vai seguindo seu curso abastecendo, lim- sua corrente sanguínea por meio de nervos
pando e consertando as construções às suas vasomotores, substâncias humorais e metabo-
margens. litos produzidos localmente. O aparelho cir-
Um fragmento de tecido vivo colocado culatório surgiu e evoluiu para, através de um
num frasco exigirá um volume líquido cerca fluxo contínuo de sangue, levar principalmen-
de duas mil vezes o seu para não ser envene- te oxigênio e depois nutrientes à vizinhança
nado dentro de alguns dias pelos próprios resí- das células, de onde o ingresso nelas se faz prin-
duos. Por conseguinte, um corpo humano re- cipalmente por difusão, como nos organismos
duzido à sua massa e cultivado artificialmente unicelulares. Isto é, a finalidade última do apa-
exigiria aproximadamente duzentos mil litros relho cardiovascular é garantir o mais eficaz gra-
de fluido nutritivo. É devido à maravilhosa diente de concentração e a mínima distância de
perfeição do sistema cardiovascular, à sua ri- oxigênio para levá-lo até o interior das células ,
queza em substâncias nutritivas e à elimina- assegurando remoção do gás carbônico no sen-
ção constante de resíduos que nosso corpo tido inverso, e secundariamente o transporte
pode viver em seis ou sete litros de fluido, em de outros nutrientes e catabolitos, também nos
vez de em duzentos mil. A velocidade da cir- dois sentidos. Transportar hormônios, vitami-
culação é suficiente para impedir que a com- nas ou outros metabolitos não exigiria um
posição do sangue seja alterada pelos dejetos. aparelho circulatório complexo, de alto custo
Cada órgão regula o volume e a velocidade de energético e grande desgaste.
34 CARLOS A NTONIO M ASCIA OTTSCHALL
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A corrente sanguínea deve necessariamen- de sangue intracapilar, de modo que as molé-


te ser distribuída por canais que imponham culas de água e eletrólitos deixando o capilar
mínima resistência à difusão e levem o gra- se movem bastante longe e rápido, tornando-
diente de concentração dos nutrientes o mais se altamente diluídas no espaço extravascular
próximo possível das células (garantindo rá- em fração de segundo(s). Isto é, a extrema ra-
pida difusão), o que é satisfeito por centenas pidez de trocas iônicas e moleculares entre o san-
de milhões de tubos endoteliais (capilares) de gue e o fluido circundante somente é possível por-
paredes finas distribuídos por todo o corpo. que enorme quantidade de capilares distribui-se
O número de capilares (densidade capilar) por na vizinhança de cada célula do corpo . Como
volume de tecido reflete a intensidade do me- já visto (Capítulo I), os requerimentos funda-
tabolismo do mesmo. A molécula pequena e mentais do sistema cardiovascular são que a
lipossolúvel da substância com máximo índi- circulação do sangue na periferia seja inin-
ce de utilização e limitada capacidade de ar- terrupta, suficientemente lenta, ampla e pró-
mazenamento, o oxigênio, oferece condições xima das células, e que um fluxo sanguíneo
ideais para ser transportada por difusão. Sen- com baixa pressão se ajuste às exigências teci-
do seu gradiente de concentração mais agudo duais. Isto é, o coração deve adaptar seu débito
na arteríola, tende a achatar-se em direção ao a fim de balancear o fluxo vital para os bilhões
fim do capilar venoso à medida que as trocas de capilares do corpo. Assim, coração, artérias e
ocorrem. Desde que a composição interna da veias existem para assegurar contínua circulação
célula é diferente do meio externo, torna-se em nível capilar.
claro que outros processos além da difusão
(que pode ser retardada para algumas subs-
tâncias por estruturas celulares), como trans- ARQUITETURA DO APARELHO
porte ativo e reações químicas, respondem pelo CARDIOVASCULAR
movimento através da membrana e do cito-
plasma. Dos requerimentos celulares periféricos decorre a
Em repouso, os tecidos retiram em média arquitetura do aparelho circulatório, com suas
25% da oferta do oxigênio que por eles passa, propriedades funcionais fundamentais, ou seja,
podendo chegar a 75% em músculos intensa- exigências e respostas da natureza, conforme
mente exercitados. Estudos com isótopos ra- mostra o Quadro II-1.
dioativos mostram que num curto tempo A partir das grandes artérias, aorta saindo
moléculas de água e eletrólitos intercambiam- do ventrículo esquerdo e pulmonar saindo do
se completamente com moléculas e eletróli- ventrículo direito, a área de secção transversal
tos extravasculares. Também indicam que o (AST) da soma das diversas ramificações au-
volume de líquido circundando cada capilar é menta sempre, até um máximo que ocorre no
suficientemente grande em relação ao volume setor veno-capilar, quando progressivamente

QUADRO II-1. Exigências e soluções para o aparelho cardiovascular funcionar


Exigências dos tecidos Respostas cardiovasculares
1. Grande área a banhar as células ­ da AST pela multiplicação vascular
2. Mínima distância para difusão Paredes capilares só de células endoteliais
3. Baixa pressão arterial periférica ­ da AST e ­ RVP: ¯ pressão pós-arteriolar
4. Fluxo contínuo na periferia ­ RVP: ¯ pulsatilidade e velocidade
5. Baixa velocidade de fluxo periférico ­ da AST progressiva até os capilares
6. Interdependência de eventos: F, P e R Variação pressórica na circulação
F = fluxo; P= pressão; R= resistência.
AST = área de secção transversal; RVP = resistência vascular periférica.
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ARDIOVASCULAR 35

diminui até a área ocupada pelas grandes veias dentemente menor nas regiões de maior AST,
que desembocam nos átrios esquerdo e direi- tal como a corrente num rio com margens mais
to, respectivamente. Na microcirculação, ca- distantes ou mais próximas. A não ser por pe-
pilares derivam das arteríolas e freqüentemente quenas redistribuições regionais do fluxo, a
formam novelos, de modo que a AST dos ca- quantidade de sangue passando em cada seg-
pilares venosos e vênulas pós-capilares é mui- mento na unidade de tempo é exatamente
to maior que qualquer outro segmento da ár- igual à quantidade bombeada dentro do siste-
vore circulatória. O volume de sangue conti- ma e à quantidade que o abandona. Por exem-
do dentro das arteríolas e capilares é relativa- plo, num cão de aproximadamente treze kg, a
mente pequeno e fixo, sendo que a porção AST da aorta é de 0,8 cm2, enquanto que no
majoritária está contida nos pós-capilares ve- setor capilar chega a 625 cm2, aproximada-
nosos, vênulas e pequenas veias. O volume de mente oitocentas vezes mais, pois os vasos se
sangue nas artérias se mantém em torno de multiplicam por três bilhões. Como conse-
20%, de 5% nos capilares, e de 75% do volu- qüência, o fluxo cai de 40-50 cm/seg na raiz
me sistêmico total nas veias, que podem alte- da aorta para 0,07 cm/seg nos capilares, ou
rar sua capacidade grandemente e acomodar seja, setecentas vezes menos (Figura II-4). Isto
variações de volume total e regional. O volu- é, é essa muito baixa velocidade de fluxo, favore-
me de sangue circulante na unidade de tempo cendo maior tempo de contato com os tecidos
flui igualmente em cada segmento do sistema muito próximos, que permite as trocas em toda
circulatório, mas com velocidade correspon- sua plenitude.

Artérias Veias

FIGURA II-4. A área de secção


transversal (AST) do sistema
circulatório aumenta através da
soma das áreas dos vasos que
vão se dividindo e diminuindo o
calibre, e cresce extraordinaria-
cm2 cm/s mente no setor capilar. Em fun-
5000 50 ção da menor AST dos vasos, a
velocidade do sangue é maior
na raiz das grandes artérias,
4000 40 chegando ao mínimo no setor
capilar (para facilitar as trocas),
aumentando novamente nas
3000 30
grandes veias. Entretanto, pela
maior AST, a velocidade nas
2000 20 veias é sempre um pouco me-
nor que na artéria correspon-
dente. Ao = aorta; GA = grandes
1000 10 artérias; PA = pequenas artérias;
AR = arteríolas; CA = capilares;
VE = vênulas; PV = pequenas
0 0 veias; GV = grandes veias; VC
Ao GA PA AR CA VE PV GV VC = veia cava (dados de Vander
Vasculatura 2001, Gottschall 2005).
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O fluxo circulatório depende de um gra- ou seja mmHg/l/min, ou mmHg·mm·l , o que


-1

diente de pressão gerado pela contração car- equivale a 80 din·seg·cm .


-5

díaca e pelas paredes arteriais. Segundo ensi- Analisando os termos dessa fórmula, vê-se
na a física, pressão é força sobre unidade de que dois são constantes numéricas e que, para
superfície. Considera-se onda pressórica uma efeitos práticos de sua aplicação no homem, o
flutuação periódica da força da coluna san- comprimento da vasculatura também deve ser
guínea sobre a superfície vascular, consistindo assim considerado, a não ser em algumas ra-
um ciclo no intervalo entre dois picos de pres- ras situações patológicas. Dos outros dois ele-
são. Menor pressão significa menor energia mentos que podem variar, a viscosidade do
perdida por fricção e menos calor produzido sangue e o raio da secção transversal dos capi-
pelo atrito das partículas do sangue com os lares, certamente este último é o maior deter-
vasos e vice-versa (resistência). Como o fluxo minante da resistência vascular, pois a modi-
sanguíneo é pulsátil, e o leito vascular tem fica na razão inversa de sua quarta potência. A
propriedades e capacidades elásticas não linea- aplicação da fórmula de Poiseuille a circuitos
res, pode ser empregado o conceito de impe- vasculares animais representa apenas uma
dância vascular à resistência. Impedância vas- aproximação confiável da realidade, já que os
cular é a resistência ao fluxo sanguíneo num vasos não são tubos rígidos, mas pulsáteis, e o
segmento da circulação. É fácil admitir que o sangue não é um líquido newtoniano mas con-
fluxo (F) através de um vaso está na depen- tém partículas em suspensão, no caso eritró-
dência direta da diferença de pressão (DP) citos, leucócitos e plaquetas. Examinando-se
entre as extremidades do mesmo e inversa da as relações entre fluxo, pressão e resistência,
resistência (R) que o conduto oferecer: vê-se que a única maneira de manter constan-
'3 te a pressão ao aumentar a resistência é dimi-
) nuir o fluxo. Mantendo-se o fluxo constante,
5
Poiseuille, no século dezenove, estabeleceu sempre que aumentar a resistência haverá hi-
que a circulação de líquidos newtonianos com perpressão no sistema. Essas relações podem
fluxos laminares não pulsáteis, em tubos rígi- ser demonstradas objetivamente consideran-
dos de calibre constante, é regida pela seguin- do um fluxo laminar de água através de tu-
te equação: bos. Num tubo de largura constante, a queda
de pressão é diretamente proporcional ao seu
)
S( 3)U 4 comprimento. Se o comprimento do tubo
8QO dobrar, a queda de pressão também dobrará.
em que r = raio, n = viscosidade, l = compri- A resistência através do tubo aumenta gran-
mento. Assim, em tubos rígidos não pulsáteis demente por redução na área de secção trans-
com fluxo laminar, a R é diretamente propor- versal. Se a queda de pressão num segmento
cional ao comprimento do tubo e à viscosida- for um cm de água, quando o raio cair à me-
de do fluido e inversamente proporcional à tade a queda na pressão será de dezesseis ve-
quarta potência do raio. Rearranjando-se, pode zes, pois, conforme indicada pela fórmula, a
ver-se que: resistência friccional é a recíproca da quarta
3 8QO potência do raio. Também, como mostra a fór-
5
) SU 4 mula, a queda de pressão é proporcional ao
No sistema cgs: volume do fluxo e à viscosidade do fluido (Fi-
gura II-5). Considere-se que o fluxo através
5
GLQ / FP2
GLQ.VHJ.FP 5 das artérias maiores tem pouca perda friccio-
FP3 / VHJ nal, o que é indicado pela mínima queda de
Na prática, a R é expressa em unidades arbi- pressão média. Com a progresssiva subdivisão
trárias de resistência (UR), ou unidades Wood , arterial, o calibre dos vasos diminui e o gra-
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ARDIOVASCULAR 37

Pressão (P) Raio (r)


+P

–P

+F –F +r +F –r –F

Pr 4
Fv
LV
Comprimento (L) Viscosidade (V)

+F –F +F –F

–L +L –V +V
FIGURA II-5. Segundo a fórmula de Poiseuille, num tubo rígido, o fluxo (F) é diretamente proporcional à diferença
de pressão (P) nas extremidades e à quarta potência do raio (r 4) do conduto, e inversamente proporcional ao
comprimento (L) do tubo e à viscosidade (V) do líquido dentro dele (Gottschall 2005).

diente pressórico torna-se mais agudo. Cerca dade do fluxo cair, mas a resistência e a queda
de 80% da queda pressórica ao longo dos ca- de pressão são grandemente acentuadas pela
nais arteriais ocorre nas artérias terminais e resistência friccional ao fluxo de líquido atra-
setor microvascular. É o marcado aumento da vés do curto comprimento dos tubos de pe-
resistência nos pequenos vasos que produz queno calibre (Figura II-6). Isto é, na perife-
uma aguda queda na pressão e no fluxo, tor- ria, aumenta a resistência e diminui a pressão e
nando-o contínuo e lento, e formando uma o fluxo. Fluxo, pressão e resistência são tão inti-
demarcação pressórica entre os territórios ar- mamente relacionados que nenhum pode alte-
terial e venoso. rar-se sem influenciar os outros dois.
É importante considerar que os efeitos da
redução do calibre de um único vaso são dife-
rentes da redução do calibre de suas ramifica- ARTÉRIAS SISTÊMICAS
ções. Constrição num único tubo resulta em
maior resistência (queda de pressão por uni- Artérias são vasos que emergem e conduzem o
dade de comprimento) e aumento da veloci- sangue a partir dos ventrículos. Enquanto man-
dade do fluxo. Em contraste, a velocidade do têm grande calibre, funcionam como condu-
fluxo, a resistência ao fluxo e a diferença de tos de baixa resistência, e a grande quantida-
pressão por unidade de comprimento redu- de de fibras elásticas nas paredes das artérias
zem-se acentuadamente quando o líquido flui sistêmicas acomodam o volume de sangue
por uma região de área de secção transversal entrante sem demasiado aumento pressórico,
(AST) grandemente aumentada. Contudo, o transformando-as em reservatório de pressão
sangue bombeado pelo coração, em vez de fluir para o resto do sistema circulatório. A disten-
num segmento dilatado, flui por uma arbori- são arterial é fundamental para a propulsão
zação de canais com calibre diminuindo sem- do sangue e, por isso, as grandes artérias con-
pre, apesar do aumento da soma das AST. A têm mais fibras elásticas em suas paredes que
AST das arteríolas e dos capilares faz a veloci- qualquer outro segmento vascular (Figura II-7).
38 ARLOS
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Canal normal Canal contraído

P1 F P2 P1 F¯ P2 ¯
FIGURA II-6. Num tubo, a resistên-
P1 – P 2 R cia (R) é diretamente proporcional
R=
F ao gradiente de pressão (P1-P2)
entre suas extremidades e inver-
Canal expandido Canal constringido samente proporcional ao fluxo (F).
(AST ­) (AST ­) A contração de um canal aumenta
a R e diminui a P e o F após, en-
quanto que a expansão, ao au-
mentar a área de secção transver-
P¯ P¯ sal (AST), diminui a R, a P e o F.
Na circulação, o aumento da AST
P1 R¯ P2 ¯ P1 R­ P2 ¯ no setor capilar ocorre com inter-
F¯ F¯ posição de microcanais (arteríolas
e capilares) que aumentam muito
a R e diminuem agudamente a P
e o F (Gottschall 1995).

Aorta Veia Cava


Artéria Esfíncter Veia
Arteríola
Capilar Vênula
25 mm 4 mm 5 mm 30 mm
8m 20 m
30 m 35 m

Parede 2mm 1mm 20m 30m 1m 2m 0,5mm 1,5mm


Endotélio + + + +++ + + + +
Tecido ++++ +++ ++ + 0 0 ++ ++
elástico
Tecido ++ ++++ +++ +++ 0 0 ++ +++
muscular
Tecido +++ ++ ++ + 0 + ++ +++
fibroso

FIGURA II-7. Calibres, espessuras parietais, espessuras endoteliais, riqueza em tecidos elástico, muscular e fibro-
so nos diversos compartimentos vasculares do aparelho circulatório. O maior calibre aumenta a condutância e
diminui a resistência vascular, o inverso acontecendo nos vasos de menor calibre. A maior riqueza em tecido
elástico auxilia na atenuação da onda pressórica na sístole e na impulsão anterógrada do sangue na diástole,
enquanto que a quantidade de tecido muscular indica maior vasoatividade. Conteúdo de tecido fibroso relaciona-se
com proteção parietal à deformação. Mínima camada endotelial (capilares) facilita as trocas por difusão (modifica-
do de Burton 1966).

O ventrículo esquerdo (VE) injeta sangue rit- tinuam a impulsionar o sangue para os capila-
micamente na aorta, que se distende enquan- res, diminuindo a pressão progressivamente até
to a pressão sistólica (PS) aumenta. Na diás- a próxima contração, flutuando acima e abai-
tole ventricular cessa o influxo mas, por efeito xo de 90 mmHg sem nunca cair a zero. Isto é,
elástico, as paredes arteriais retraem-se e con- sem a elasticidade arterial, ou seja, se esses vasos
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ARDIOVASCULAR 39

fossem rígidos, haveria enormes oscilações com quanto que RP é a resistência periférica e FC

muito grandes valores sistólicos, podendo chegar a freqüência cardíaca. VO depende da capaci-

a zero na diástole. É também a elasticidade ar- dade do coração como bomba, Ve da contra-

terial que mantém a pressão diastólica (PD) tilidade ventricular, D da elasticidade aórtica,

dentro do vaso, através de um tono de complexa Rp do estado de contração da árvore arterial e

regulagem (Capítulo VII). Assim: da viscosidade do sangue. Quanto menor a

freqüência cardíaca, permanecendo estáveis os


92 u 9H
36 outros fatores, mais baixa a pressão diastólica,
'
pois haverá mais tempo de escoamento peri-
3' 53 u )& férico (Figura II-8). A diferença entre a máxi-
em que VO é o volume ejetado pelo VE, Ve é ma pressão arterial (sistólica) e a mínima (dias-
a velocidade de entrada do sangue na aorta, e tólica) chama-se pressão de pulso. Devido à
D é a distensibilidade da parede arterial, en- forma triangular da curva de pressão, a pres-

A. Pressão sistólica e diastólica B. Bombeamento intermitente


D
FIGURA II-8. A: A contração car-
F díaca transforma as energias
P F química e mecânica em energia
pressórica (pressão sistólica –
D (Energia PS – ventricular) que é liberada
potencial)
PS do ventrículo esquerdo como
(Tubo elástico)
VO × Ve energia cinética sob forma de
PS=
D volume (VO) e velocidade (Ve)
D=O
de fluxo (F) – que na aorta volta
(VO a ser energia pressórica (PS
× Ve)
P F aórtica) –, estocada como ener-
F(Energia gia cinética potencial nas pare-
(Tubo rígido) des elásticas desse vaso, devi-
cinética)
PS do a sua distensibilidade (D). A
(Energia pressão diastólica (PD) do sis-
pressórica) tema arterial depende da resis-
PD = Rp × FC tência periférica (Rp) e da fre-
qüência cardíaca (FC). B: O flu-
Energia química xo é mantido durante o período
Energia eletromecânica diastólico no sistema arterial
devido à elasticidade das gran-
des artérias. Se as paredes fos-
sem rígidas, as pressões atingi-
riam valores altíssimos na sís-
tole, caindo a zero na diástole,
danificando as artérias, sobre-
carrregando o sistema e trans-
formando o fluxo em intermiten-
te, em vez de contínuo no setor
160
capilar. Embaixo: Curva pressó-
rica de um paciente com rítmo
bigeminado demonstra a impor-
120 tância da FC no estabelecimen-
to da pressão diastólica: se o ba-
timento bigeminado fosse efeti-
mmHg

80 vo, a FC seria de 84 cpm e a PD


de 134 mmHg. Entretanto, a FC
efetiva é de 42 cpm, o que dá
40 mais tempo para o escoamento
periférico, sendo a PD real de
88 mmHg (Gottschall 1995).
0
40 CARLOS ANTONIO M ASCIA OTTSCHALL
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são arterial média pode ser estimada como a QUADRO II-2. Regulação da pressão arterial
pressão diastólica mais um terço da pressão de Volume de sangue
pulso. Conseqüente às peculiares relações entre Flutuações do volume intravascular
Substâncias vasoativas simpáticas e parassimpá-
fluxo, pressão e resistência no sistema cardiovas- ticas
cular, a pressão arterial média (PAM) é igual ao Barorreceptores e quimiorreceptores
Fatores arteriolares miogênicos, metabólicos e hor-
produto do débito cardíaco (DC) pela resistên-
monais
cia periférica (RP), isto é, PAM = DC x RP. Como Fatores metabólicos teciduais
efeito de ondas refletidas dentro do sistema arte-
rial, a pressão arterial periférica (radial ou femo-
ral) pode mostrar maior pressão de pulso, com nos vasos, caindo acentuadamente no fim do
pico sistólico mais alto que o da aorta proximal, setor arteriolar para 30 a 40 mmHg, com acha-
sendo, porém, a pressão média idêntica ou até tamento da diferencial, e mais ainda no setor
cinco mmHg mais baixa que a da aorta. capilar, onde as flutuações praticamente desa-
Ao ocorrerem flutuações do volume intra- parecem, tornando o fluxo contínuo. Arterío-
vascular, as variações locais do calibre arterial las constituem o sítio de maior resistência ao
exercem um importante papel na regulação da fluxo no sistema vascular e têm um papel re-
pressão arterial, por efeito de substâncias va- levante em determinar a pressão arterial mé-
soativas. Nervos simpáticos são a única iner- dia e a distribuição dos fluxos para os vários
vação da maior parte das arteríolas e atuam órgãos e tecidos (Figura II-9). Fatores locais,
via receptores alfa-adrenérgicos. Os barorre- reflexos, neurais e regulação hormonal deter-
ceptores primários são os arteriais, os dois seios minam a resistência arterial. Fatores locais que
carotídeos e o arco aórtico. Barorreceptores se modificam com o grau de atividade física e
não-arteriais localizam-se nas veias sistêmicas, metabólica produzem vasodilatação arteriolar
em vasos pulmonares e nas paredes do cora- e fluxo aumentado por hiperemia ativa. Isto
ção. Os impulsos dos barorreceptores arteriais é, a auto-regulação pressórica, uma mudança na
são proporcionais à pressão arterial média e à resistência que mantém o fluxo constante em face
pressão de pulso. Aumento no estímulo devi- de uma modificação na pressão sanguínea, deve-se
do a aumento na pressão provoca, por meio a fatores metabólicos locais e a respostas miogênicas
do centro cardiovascular medular, maior des- arteriolares à distensão. São agentes vasoconstri-
carga parassimpática e menor descarga sim- tores: noradrenalina e adrenalina, angiotensina,
pática para o coração, arteríolas e veias, cau- vasopressina ou hormônio antidiurético. Epine-
sando como resultado uma diminuição no frina (adrenalina) causa vasoconstrição ou va-
débito cardíaco e resistência periférica total e, sodilatação, dependendo do órgão ou tecido. São
portanto, uma diminuição na pressão arterial agentes vasodilatadores: bradicinina, serotonina,
média. O oposto ocorre quando o evento ini- histamina, prostaglandinas. Alguns estímulos
cial é uma diminuição na pressão arterial. Os vasodilatadores atuam pela liberação de substân-
reflexos barorreceptores são reguladores agu- cia relaxante das células endoteliais, identificada
dos da pressão arterial mas com o tempo po- com o óxido nítrico (Capítulo VII).
dem adaptar-se a modificações mantidas. Po-
rém, o regulador mais importante da pressão
arterial a longo prazo é o volume de sangue CAPILARES
(Quadro II-2).
Para um adulto, consideram-se limites de Capilares são canais cilindrícos formados unica-
pressões arteriais normais em torno de 100 a mente por células endoteliais chatas, unidas nas
140 mmHg para a sistólica e em torno de 60 suas bordas pelo “cimento intercelular”, com ca-
a 90 mmHg para a diastólica. A pressão arte- libre próximo ao dos eritrócitos. As células en-
rial média declina gradualmente até os peque- doteliais assemelham-se a ovos fritos em for-
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ARDIOVASCULAR 41

Incisura

VE Artérias A-Cap. Veias VD


mmHg Aorta
100
Artéria femoral

50 Artéria radial

Arteríola
0
Capilar
FIGURA II-9. As pressões do ventrículo esquerdo (VE) e das grandes artérias sistêmicas são cinco a seis vezes
maiores que as correspondentes do ventrículo direito (VD) e artéria pulmonar. Note-se a maior pressão de pulso
nas artérias de médio calibre (maior número de fibras musculares que elásticas), antes de o sangue ingressar no
setor arteriolar e capilar (A-CAP). No setor arteriolar, o grande aumento da resistência periférica produz abrup-
ta queda da pressão e torna o fluxo praticamente contínuo em nível capilar. O fluxo sanguíneo venoso retorna
para as cavidades cardíacas direitas, que constituem o local de mais baixas pressões no sistema circulatório
(Gottschall 2005).

ma e têm somente um m de espessura, exceto devido à enorme área de secção transversal.


no núcleo. Os interstícios entre as células cor- Pela mesma razão, a superfície total das pare-
respondem a “poros” descritos antigamente. des capilares é muito extensa, particularmen-
A descoberta da anatomia e do sentido da fi- te em relação à quantidade de sangue dentro
siologia dos vasos capilares deve-se a Malpi- de cada capilar e ao volume total do leito ca-
ghi, em 1660, completando o elo que faltava pilar. Isto é, todo o sangue nos capilares fica
no sistema circulatório de Harvey, cuja publi- muito perto dos espaços teciduais extravascula-
cação em 1628 representou a maior revolu- res, uma condição essencial para a rápida trans-
ção na medicina, inaugurando a fisiologia cien- ferência de substâncias por difusão.
tífica atual. Não surpreende que as grossas paredes dos
Os capilares são os menores vasos do teci- grandes vasos suportem pressões de centenas
do vascular e a razão da existência deste. Sua de mmHg mas é fantástico que as finas pare-
espessura é a de uma única célula, onde não des dos capilares agüentem pressões de 30-40
chegam músculos nem nervos, e por onde se mmHg, em casos extremos até de 300 mmHg
fazem as trocas. O sangue que chega ao leito nas extremidades inferiores (em pé) sem rom-
capilar é regulado pela resistência arterial, pela perem. A explicação reside no pequeno cali-
atividade dos esfíncteres pré-capilares e pelos bre capilar. Laplace demonstrou no século XIX
curto-circuitos artério-venosos, que podem que a tensão (força de estiramento sobre uni-
abrir ou fechar para regular a quantidade de dade de comprimento) na parede de um ci-
sangue chegando a esse leito, sendo que o flu- lindro elástico é diretamente proporcional à
xo capilar é determinado pela resistência das pressão (força sobre unidade de superfície) no
arteríolas que o suprem e pelo número de es- seu interior e inversamente proporcional ao
fíncteres pré-capilares abertos (Figura II-10). seu raio. Isto é, para uma mesma pressão, tanto
A mais aguda queda de pressão entre artérias menos tensão parietal quanto menor o raio . Isso
e veias ocorre nos pontos de resistência con- pode ser ilustrado com um balão inflado: na
trolada na entrada do setor capilar, mas, uma sua porção média, mais calibrosa, sente-se a
vez nesse setor, se dá apenas ligeira queda do maior tensão parietal, enquanto que a ponti-
gradiente pressórico para manter o fluxo. nha de baixo permanece flácida, embora a
Como vimos, a velocidade do fluxo é menor pressão no interior do balão seja a mesma.
nos capilares que em qualquer outro lugar, Burton, aplicando esta lei ao sistema vascular,
42 CARLOS ANTONIO M ASCIA OTTSCHALL
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Arteríola

Liga intercelular Estômato EPC Metarteríola


Células
endoteliais Membrana capilar

Capilares
Poro Canal Pinocitose
Bainha CP

Vênula

FIGURA II-10. Em cima, à esquerda: Capilares são tubos endoteliais cujas paredes compõem-se de células acha-
tadas e finas, unidas por “cimento” intercelular e presença de estômatos. Água, O2, CO2, uréia, glicose e eletrólitos
passam através de suas finas paredes. Além desses elementos, proteínas, bactérias e hemácias passam também
pelas junções. Pinocitose assegura transferência de algumas substâncias. Fagócitos podem passar através dos
estômatos ou poros. A bainha dá sustentação ao capilar (embaixo). À direita: O esfíncter pré-capilar (EPC) na
metarteríola regula o fluxo através do canal principal (CP) ou de canais secundários que servem para trocas com os
tecidos (Gottschall 1995).

mostrou que a aorta, com um raio de 1,3 cm, microscópicos na parede capilar, com diâme-
suporta uma pressão de 100 mmHg, desen- tro uniforme de 3 nm, respondem por valores
volvendo tensão de 170.000 din/cm de com- de difusão de moléculas lipídicas insolúveis em
primento. Contrariamente, capilares com raio água, variando do tamanho do NaCl ao da
de 4m suportam pressão de 30 mmHg com hemoglobina. Água e substâncias lipossolúveis
uma tensão parietal de somente 16 din/cm. podem difundir através do endotélio capilar,
Assim, para agüentar uma pressão apenas três de modo que as trocas capilares de O2 e CO2
vezes menor que a da aorta, um capilar requer utilizam toda a parede capilar. Passagem de
um raio 3.000 vezes menor e consegue redu- outras substâncias (incluindo pequenas molé-
zir sua tensão parietal cerca de 10.000 em re- culas orgânicas, inorgânicas e proteínas) tor-
lação àquela da aorta (Figura II-11). Isto é, na-se restringida por essas membranas celula-
em tubos de pequeno calibre não é necessária res e ocorre somente através de junções entre
grande tensão para agüentar alta pressão inter- as bordas celulares. (Atravessam a parede das
na: por isso, as paredes capilares podem ser tão células endoteliais: água, O , CO2, uréia, gli-
finas e não romperem. Isso é fundamental para cose, eletrólitos. Atravessam2 as junções linea-
que a distância de difusão de sua porção central res: os mesmos, mais proteínas, bactérias, cé-
até o exterior seja bem curta. lulas sanguíneas. Atravessam os estômatos:
Em todos os capilares, excluindo os do cé- células sanguíneas). Há três tipos de trocas
rebro, a difusão é o meio principal pelo qual através da parede capilar: a) por meio de jun-
oxigênio, nutrientes, gás carbônico e catabo- ções ou poros entre as células; b) por meio de
litos são transportados pela parede capilar. Está pequenos poros dentro das células; c) por meio
bem demonstrado que íons e moléculas di- de vesículas (Figura II-10). Gases, como O e
fundem através das paredes capilares com CO2, e pequenas moléculas, como glicose2 e
grande velocidade, tendo a água o maior va- lactato, passam por difusão através dos poros,
lor de intercâmbio. “Poros” ou orifícios ultra- enquanto que transporte de moléculas maio-
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ARDIOVASCULAR 43

Balão A anatomia funcional dos capilares tem


T sido intensamente estudada e muito do seu
entendimento derivou da microscopia eletrô-
nica que não confirmou conceitos antigos de
R
“poros”. Hoje consideram-se os poros como
situados entre as bordas das células endote-
P R T liais, indicando junções anatômicas estreitas.
Adicionalmente, as células endoteliais contêm
grande número de sombras circulares ou “ve-
sículas”, interpretadas como mecanismo reser-
va para transporte ativo, como vimos. Manei-
ras alternativas de transporte de materiais para
Aorta dentro e para fora da célula são fagocitose e
T Capilar pinocitose. Fagocitose, ou seja, o processo pelo
qual uma célula engloba partículas e as absor-
ve, é usado em relação a moléculas maiores
R = 13mm R = 4m
como proteínas, colágeno, enzimas catalíticas,
hormônios e mesmo bactérias. Pinocitose,
P = 120mmHg outro processo de absorver materiais por uma
P = 30mmHg célula, caracteriza-se por invaginações na
T = 16din/cm
membrana externa que evoluem para forma-
ção de vesículas, maneira freqüente pela qual
grandes moléculas e mesmo partículas podem
T = 170.000din/cm passar para o protoplasma ou através da cé-
lula, saindo pelo lado oposto. As vesículas
FIGURA II-11. Um capilar, devido ao pequeno raio (4m),
comparado com o grande raio da aorta (13mm), é ca- formam-se como pequenas reentrâncias da
paz de suportar altas pressões (P) internas sem rom- membrana que engolfam uma grande mo-
per, pois desenvolve pequena tensão (T) nas paredes lécula, fecham-se sobre si e transportam a
(Lei de Laplace). Note-se que, num balão, onde o raio é
maior, a tensão parietal também o é, e vice-versa (Got- molécula para o lado oposto, onde a célula
tschall 1995). se abre e a libera. Embora esses vários me-
canismos assegurem meios para proteínas
migrarem do plasma até o fluido intersti-
res, como ácidos graxos e proteínas podem ser cial, tal movimento é pequeno em muitos
feitos por vesículas (pinocitose). Têm sido órgãos e tecidos.
consideradas várias rotas para transporte de Variações no tamanho dos canais aquosos
material: a) passagem direta através das célu- intercelulares explicam variações de permea-
las endoteliais; b) migração de vesículas; c) bilidade dos capilares. Num extremo se en-
vesículas esvaziando-se uma na outra; d) pas- contram os capilares “fechados” do cérebro,
sagem ao longo das junções; e) “bypass” por em que moléculas de baixo peso molecular
difusão pela junção através de uma fina cama- solúveis em água transitam pelo espaço inters-
da de células endoteliais; f ) “bypass” pela jun- ticial cerebral, transportadas através da bar-
ção por transporte vesicular. Passagem de reira hemato-liquórica. No outro estão os ca-
moléculas com peso molecular de 40.000, e pilares hepáticos, que mostram as maiores fen-
também partículas maiores, através das estrei- das intercelulares, verdadeiros “buracos” en-
tas junções anatômicas, sugerem a necessida- tre células endoteliais, de modo que mesmo
de de “poros” dispersos de 1,5 a 5,0 nm, evi- grandes moléculas proteicas passam facilmente
denciados pela microscopia eletrônica. por elas. Isso é importante porque uma das
44 ARLOS
C NTONIO
A M ASCIA OTTSCHALL
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maiores funções do fígado é a síntese e meta- FILTRAÇÃO CAPILAR


bolismo de proteínas, com grandes molécu-
las, que devem entrar para o sangue e dele sair. De acordo com Starling, a filtração ou reab-
A permeabilidade capilar nos diversos órgãos sorção de fluidos através das paredes capilares
oscila entre esses dois extremos. Em muitos depende do efeito de quatro forças interdepen-
tecidos os capilares são circundados por uma dentes: a) pressão capilar; b) pressão tecidual;
bainha de células ou fibras membranosas reti- c) pressão osmótica do plasma; d) pressão os-
culares que formam uma linha de demarca- mótica dos fluidos teciduais. Os fluidos orgâ-
ção entre o espaço perivascular e a matriz ge- nicos contêm muitas substâncias diferentes em
latinosa nos espaços intersticiais. O endotélio solução, com um equivalente osmolar total de
capilar é responsável pela permeabilidade, en- cerca de 0,9% salino. O poder potencial de
quanto a condição da membrana perivascular difusão é tão grande que, se uma membrana
determina o grau de fragilidade capilar. Há semi-permeável fosse capaz de separar com-
muitas diferenças entre capilares de vários te- pletamente a água dessa fraca solução, a pres-
cidos especializados do corpo, cuja significân- são osmótica resultante seria enorme, da altu-
cia e extensão ainda não são completamente ra de um edifício de muitos andares. A pres-
conhecidos. são osmótica do plasma resulta da diferença
É importante ficar claro que as células na concentração proteica do sangue e do flui-
teciduais não trocam substâncias diretamen- do extravascular. Pressão capilar efetiva ou
te com o sangue, mas com o fluido que ba- pressão de filtração é a diferença entre pressão
nha as células – fluido ou meio intersticial. capilar e pressão tecidual, enquanto a diferen-
Isto é, o meio intersticial sempre atua como ça entre pressão osmótica plasmática e teci-
intermediário entre os dois, sangue e células, dual é a pressão osmótica efetiva. A máxima
para a entrada ou para a saída de materiais pressão osmótica plasmática efetiva alcança
(Figura II-12). cerca de 30 mmHg em regiões onde os capila-
Capilar venoso
Capilar arterial

FIGURA II-12. Todas as


substâncias que entram nas
células ou delas saem pas-
sam pelo meio intersticial ou
extracelular, nosso “oceano
interno”, cuja desorganiza-
ção terminaria com a vida
(Gottschall 2005).
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res não permitem o escape de proteínas. A fora do capilar é a resultante da pressão hi-
pressão capilar efetiva média situa-se no nível drostática capilar (Phc) menos a pressão hi-
do coração. Fluxo de proteínas livres no plas- drostática do fluido intersticial (Phi), ou seja,
ma ou fluido intersticial, através dos capila- Phc-Phi. A força que tende a atrair líquidos
res, determina a distribuição de fluido extra- para dentro é a pressão coloidosmótica das
celular entre os dois setores. Filtração e absor- proteínas do sangue capilar (Poc) menos a for-
ção não mudam a concentração de cristalói- ça das proteínas do líquido intersticial (Poi).
des no plasma e no fluido intersticial porque Assim, a saída do fluido, ou pressão de filtra-
essas substâncias movem-se junto com a água. ção (PF), é regulada pela equação:
Normalmente há pequeno excesso de filtra-
ção sobre absorção. Predomina a filtração em
3) >3KF  3KL  3RF  3RL @
regiões onde a maior pressão capilar não é con- A Phc média é de 15 mmHg. Como a Phi
trariada por aumento correspondente na pres- é próxima à atmosférica, uma pressão de 15
são extravascular. Desde que o fluido corre de mmHg tenderá a extravasar o líquido. A Poc
regiões de alta pressão para regiões de baixa é cerca de 25 mmHg e a Poi é negligenciável.
pressão, a pressão diastólica de enchimento no Assim, 10 mmHg é a pressão resultante (e tudo
ventrículo direito estabelece o nível inferior o que nos separa do edema pulmonar!) para
do gradiente na pressão venosa. Isto é, modifi- manter o fluido no tecido intersticial em re-
cações na pressão venosa local ou na pressão dias- pouso. Essa margem pode estreitar-se por au-
tólica do ventrículo direito afetam a pressão ca- mento da pressão venosa (Figura II-13). Nos
pilar sistêmica. O mesmo vale para o ventrículo pulmões, o líquido intersticial é drenado pe-
esquerdo e a circulação pulmonar. los espaços perivasculares e peribrônquicos,
Apenas cerca de meio micron separa o san- principalmente através dos numerosos linfá-
gue capilar dos alvéolos e das células sistêmi- ticos nesses espaços, até os linfonodos hilares.
cas. A força que tende a expulsar líquido para É justamente pelo ingurgitamento desses es-

30

Filtração

PF=(Phc-Phi)–(Pop-Poi)=(+) Reabsorção

mmHg 15 Pop PF=(Phc-Phi)–(Pop-Poi)=(–)


Phc Phc Phc

Phi¯ Poi­ Phi¯ Poi­ Tecido

Capilar
0
Lado arterial Lado venoso
FIGURA II-13. A pressão efetiva de filtração (PF) ou de reabsorção capilar é a diferença entre a pressão hidrostá-
tica efetiva e a pressão coloidosmótica efetiva. Se a diferença for positiva, haverá filtração, se for negativa haverá
reabsorção de plasma em nível capilar. A pressão coloidosmótica efetiva é dada pela diferença entre a pressão
oncótica do plasma (Pop) dentro do capilar, que é alta, e no interstício dos tecidos (Poi), que é mínima. A pressão
hidrostática efetiva é dada pela diferença entre a pressão hidrostática dentro do capilar (Phc), que é alta, e no
interstício dos tecidos (Phi), que é mínima. O gradiente de pressão nos capilares sob uma série de condições pode
produzir filtração na extremidade arteriolar do capilar e reabsorção na extremidade venular, sem troca real de
fluido. Entretanto, este balanço completo é antes a exceção que a regra (Gottschall 1995).
46 CARLOS A NTONIO M ASCIA OTTSCHALL
G
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paços que começa o edema intersticial, cuja vido filogeneticamente para fazer retornar a re-
progressão faz transudar líquido pelo epitélio servatórios venosos próximos ao coração fluidos
alveolar nos espaços alveolares, encharcando- que passaram dos capilares para os espaços teci-
os e perturbando a ventilação e a difusão ga- duais sem voltar pelas veias, sendo que o volu-
sosa nesses locais. Aumentos crônicos da pres- me retornado em um dia aproxima-se ao do
são intersticial (insuficiência ventricular es- volume plasmático total. A distribuição dos
querda, estenose mitral) estimulam o desen- vasos linfáticos segue estreitamente a das veias
volvimento de mais eficiente drenagem linfá- superficiais na derme e nas mucosas. Vasos lin-
tica e a tolerância pelo paciente de pressões fáticos profundos mergulham e se anastomo-
capilares pulmonares acima de 25 mmHg, às sam ao redor de veias que acompanham arté-
vezes até 40 mmHg ou mais, o que não seria rias profundas, compartilhando bainhas vas-
viável se desenvolvidas agudamente. culares com esses vasos e se distribuindo nos
A efetiva pressão osmótica do plasma re- mesmos tecidos e órgãos. A função de trans-
duz-se marcadamente em capilares permeáveis porte do sistema linfático obedece a dois pro-
a proteínas. Julgada pela concentração protei- pósitos: a) retorno de filtrado capilar para a
ca de linfa de várias regiões, a permeabilidade circulação; b) remoção de partículas e exsuda-
capilar não se faz uniforme em todo o corpo. tos dos espaços teciduais e cavidades serosas.
Por exemplo, linfa proveniente da pele e tecido No interior do espaço intersticial, as termina-
conjuntivo geralmente contém menos que 1% ções dos capilares linfáticos e venosos também
de proteína. Linfa do coração, pulmão, intesti- ficam muito próximas. Admite-se que os lin-
no e rim contém 3 a 4% de proteínas. Linfa do fáticos apresentam fundo cego nos espaços
fígado contém 6% de proteínas, enquanto a con- intersticiais (Figura II-14). Desenvolvem-se
centração do plasma é de 7%, sugerindo uma preferencialmente ao longo dos espaços peri-
pressão coloidosmótica efetiva de 4 mmHg nos vasculares, onde ficam idealmente localizados
sinusóides hepáticos. Em tecidos onde a proteí- para transporte de filtrado do leito capilar. Em
na escapa de capilares numa concentração de 3% tecidos livres de fluido, os capilares linfáticos
ou mais, a linfa flui continuamente. mostram-se com membranas endoteliais in-
tactas, observando-se aberturas quando circun-
dados por exsudato inflamatório. O exato
LINFÁTICOS mecanismo a conduzir a linfa de extremida-
des inferiores (onde a pressão vascular é mui-
O sistema linfático é essencialmente um sistema to alta e a pressão tecidual muito baixa) até a
“paravenoso”, um sistema de drenagem desenvol- veia subclávia parece ligar-se às mesmas ações

Poros

FIGURA II-14. Os capilares lin-


Válvulas fáticos, cujo início é cego, têm
paredes constituídas por céluas
que mantêm entre si poros
maiores que os capilares san-
guíneos e que desembocam
Capilares num vaso coletor. A linfa é im-
linfáticos pedida de retornar pela presen-
ça de “válvulas” e propelida para
a frente, até o canal torácico, por
compressão de estruturas late-
Vaso coletor rais e por efeito dos movimen-
linfático tos torácicos, como as veias (re-
desenhado de Guyton 1992).
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ARDIOVASCULAR 47

musculares, abdominais e torácicas que valem no interstício alveolar (Figura II-15). É no es-
para o retorno venoso. Confinados em bai- paço intersticial maior e mais complacente que
nhas vasculares comuns, os linfáticos passam circunda os bronquíolos terminais, pequenas
a ser comprimidos nas mudanças cíclicas dos artérias e veias, e que se segue àquele do septo
calibres de artérias e veias, que elevam a pres- alvéolo-capilar, que surgem os linfáticos pul-
são linfática e propelem a linfa para o cora- monares. Devido à maior complacência desse
ção, impedida de retornar por válvulas. Alguns espaço “mole”, o líquido tende a se acumular
linfáticos têm contratilidade independente, nele quando a capacidade de drenagem linfá-
um tipo de movimento peristáltico. Pela com- tica é superada, havendo compressão das pe-
binação desses mecanismos, a pressão da linfa quenas vias aéreas e vasos. Normalmente, o
no duto torácico consegue ultrapassar a pres- movimento contínuo de líquidos e colóides
são das veias subclávias, nas quais drena (Vide dos vasos para o espaço intersticial é mantido
Figura I-2). constante pelos linfáticos, que os bombeiam
Projeções citoplasmáticas das células endo- para as veias sistêmicas, regulando assim o
teliais dos capilares pulmonares juntam-se por volume desse espaço.
interdigitação, restando nessas junções falhas Havendo aumento na permeabilidade ca-
de 4 nm de largura, o que permite comunica- pilar por dano tóxico ou, principalmente, por
ção entre capilares e espaço intersticial. Tais hipertensão venosa pulmonar secundária a
junções são suaves e se alargam com aumen- doença no coração esquerdo pode surgir ede-
tos da pressão capilar. Ao contrário, as jun- ma pulmonar. No estágio I de edema pulmo-
ções entre as células alveolares são mais resis- nar, há aumento de transferência de líquidos
tentes e não cedem com facilidade, sendo que e colóides dos capilares através do interstício
a substância tênsio-ativa produzida pelos – as junções capilares se alargam por aumento
pneumócitos tipo II mantém a estabilidade e das forças filtrantes ou por dano tóxico –, mas
a “secura” alveolar. O espaço intersticial entre não aumenta o volume intersticial porque há
o alvéolo e o capilar é estreito e resistente à igual aumento no fluxo linfático, devido à dis-
distensão, chamado “duro”. Não há linfáticos tensão de receptores pulmonares periféricos,

3 3

3 FIGURA II-15. Entre o alvéolo


(A) e o capilar (C) situa-se o es-
paço intersticial “mole” (1), pri-
A A meiro local onde se acumula flui-
do por transudação capilar no
início do edema pulmonar. As
junções alveolares são “duras”
2 2 (2) e só se rompem com altas
1 1 1 1
pressões, depois do que são
inundados os alvéolos, sendo o
espaço peribrônquico (3) o mais
C resistente de todos à acumula-
C
ção de líquidos (Gottschall
2005).
48 ARLOS
C NTONIO
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que desencadeiam taquipnéia, aumentando o mento de um sistema de tubos representa o


bombeamento linfático. O estágio II se carac- nível mais baixo do gradiente circulatório por
teriza pelo início do acúmulo de líquidos e esses tubos. No sistema circulatório, esse pon-
colóides no espaço intersticial frouxo, quan- to situa-se no ventrículo direito durante a diás-
do a carga filtrada dos capilares pulmonares é tole inicial (Pd1). Devido a efeito gravitacio-
suficientemente grande, excedendo a capaci- nal, a pressão venosa aumenta de –10 mmHg
dade de drenagem linfática. Estágio posterior no septo sagital do cérebro para 0 mmHg nas
(IIIa) ocorre quando o excesso de filtração atin- jugulares, 8 mmHg nos braços, 22 mmHg na
ge também o espaço intersticial alvéolo-capi- bifurcação das cavas, 35 mmHg nas mãos, 40
lar, com pressões suficientes para romper as mmHg nas coxas, chegando a 90 mmHg nos
junções da parede alveolar – acumulando-se pés de um indivíduo ereto. Como vimos, a
líquido nos ângulos da membrana alvéolo-ca- resistência nas veias é muito menor que a en-
pilar, onde o raio da curvatura é menor. No contrada nas arteríolas e esfíncteres pré-capi-
estágio final (IIIb), o alvéolo perde sua confi- lares, mas a resistência pós-capilar, devido a
guração, rompendo-se os componentes da sua posição estratégica, não é negligenciável.
membrana alvéolo-capilar, porque a pressão Assim como constrição venular eleva a pres-
hidrostática excede a pressão de insuflação – são capilar e aumenta a filtração, venodilata-
diminuindo ou desaparecendo o volume al- ção acompanhada de constrição pré-capilar
veolar, que fica encharcado por líquido e ma- resulta em reabsorção aumentada de fluido
cromoléculas. extravascular no sangue capilar, desidratando
os tecidos e expandindo o volume plasmáti-
co. Esse fenômeno é mais evidente nos glo-
VEIAS mérulos renais mas ocorre também em outros
locais do corpo. No músculo esquelético fra-
Veias são vasos que afluem ao coração, servindo ciona o fluido entre os espaços intra e extra-
como condutos de baixa resistência e alta com- vascular (Figura II-13).
placência para o retorno do sangue. Quando o Mas as veias, mais do que atuar como con-
sangue flui dos capilares para o coração, a con- dutos de passagem do sangue dos capilares para
fluência com as veias se associa com redução o coração, servem também para acomodar as
da resistência. Ao passar às veias, o fluxo ace- variações no volume sanguíneo. Em função
lera progressivamente seu retorno, já que a área disso, contêm 65 a 75% do volume sanguí-
de secção transversal da vasculatura venosa neo total. Como têm maior complacência,
diminui em direção ao coração, excedendo um para mesmas variações de volume aumentam
pouco o calibre correspondente das artérias, muito menos sua pressão interna que as arté-
de modo que o fluxo venoso aproxima-se mas rias. Nos leitos vasculares periféricos, a maio-
não se iguala ao das artérias. Isto é, devido à ria do sangue está nas vênulas e pequenas veias,
baixa resistência, nas grandes veias o fluxo au- onde relativamente poucas mudanças no cali-
menta como conseqüência de mínima variação bre de muitas pequenas veias afetam grande-
do gradiente pressórico. Sendo o sistema arte- mente a quantidade de sangue que elas con-
rial reservatório de volume relativamente fixo têm (Figura II-16). O retorno venoso do san-
de alta pressão, e o sitema venoso reservatório gue pelas veias é elemento fundamental para
de volume variável de baixa pressão, ainda que uma eficiente atividade cardíaca, pois as va-
o volume de sangue que ingressa no sistema riações do débito cardíaco, em grande parte,
arterial seja igual ao que abandona o sistema limitam-se ou ampliam-se por meio desse re-
venoso na unidade de tempo, as flutuações da torno. Vários fatores contribuem para a efi-
pressão venosa são mínimas em relação às da ciência do retorno venoso: a) volume de sangue
pressão arterial. A pressão no ponto de escoa- nas veias; b) contração muscular esquelética;
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ARDIOVASCULAR 49

Circulação pulmonar: 12% Concomitantemente, o abaixamento diafrag-


mático por essa mesma ventilação comprime
os órgãos abdominais e “empurra” o sangue
em direção ao tórax (Figura II-17). Durante
exercício, faz-se redistribuição de sangue por
vasoconstrição no trato gastrintestinal, fíga-
do, rins, baço, músculos inativos e epiderme.
Coração: 9% Em algumas dessas regiões, o fluxo pode di-
minuir 80% (Capítulo VI e Figura VI-7).
Reflexos vasomotores diminuem a capacida-
de das veias, na posição ereta. Exercício, hi-
perventilação, emoções, frio, anemia, adrena-
lina e isoproterenol diminuem a resistência
Artérias: 11% periférica total (vasodilatação) e aumentam
o tono simpático da parede venosa (veno-
constrição), intensificando o retorno sanguí-
Veias e
neo ao coração. Essas ações são primariamen-
vênulas:
Artérias e
te comandadas por reflexos autonômicos com
61%
capilares: 7%
vias aferentes para a base do cérebro e acima,
incluindo o córtex cerebral como parte do
complexo controle neural. Isto é, a variação
no tono venoso devida à atividade venomoto-
ra é a principal reguladora da capacidade da
circulação em resposta a alterações no volume
de sangue.
O baço, que contém apenas 200 a 250 ml
de sangue, teve sua função reguladora supe-
FIGURA II-16. Distribuição de sangue nos diversos se- restimada no passado, enquanto que o plexo
tores do aparelho cardiovascular. Note-se o papel de subcapilar da pele é um depósito sanguíneo
reservatório sanguíneo das veias, que contêm cerca de
dois terços do volume circulante do organismo (dados mais relacionado com regulação térmica e não
de Vander 2001, Gottschall 2005). volumétrica. Já as veias pulmonares mantêm
em seu interior cerca de dez por cento do vo-
lume sanguíneo total, atuam como reservató-
c) compressão abdominal; d) aspiração torácica; rio de volume para o coração esquerdo, aten-
e) redistribuição de sangue (Capítulo VI). dendo a transitórias diferenças nos débitos dos
A contração muscular esquelética compri- ventrículos esquerdo (VE) e direito, como
me as veias, propelindo o sangue em direção ocorre principalmente no início de um exer-
ao coração e reduzindo a pressão venosa e ca- cício súbito. Isto é, se a reserva de volume san-
pilar nas extremidades inferiores, enquanto guíneo nas veias pulmonares fosse menor, sempre
válvulas unidirecionais nas suas paredes im- que necessário enchimento rápido do VE, desfa-
pedem o refluxo do sangue, e a ventilação leceríamos por baixo débito cardíaco, até ser atin-
pulmonar – ao aumentar a negatividade in- gido novo equilíbrio circulatório . Para cumprir
trapleural – auxilia na aspiração torácica do esse propósito, o setor venoso pulmonar con-
sangue. A pequena mas abrupta queda de pres- tém cerca da metade do volume sanguíneo dos
são nas veias cavas indica o ponto de entrada pulmões, as artérias trinta por cento, e os ca-
desses vasos na cavidade torácica, refletindo o pilares vinte. As pequenas veias têm a maior
efeito da pressão negativa intratorácica. distensibilidade entre os vasos pulmonares,
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Coração 120

–P +P
cm
Veias

+P –P
40
Músculos

10
0
INSPIRAÇÃO EXPIRAÇÃO
Músculos Músculos Fluxo acelerado para o tórax Fluxo reduzido para o tórax
relaxados contraídos
FIGURA II-17. Como verdadeiros “corações auxiliares”, a contração muscular que “espreme” e empurra o sangue
contra paredes venosas dotadas de válvulas – que impedem o retorno do sangue para a periferia – e a inspiração
torácica – que diminui a pressão (P) intratorácica e aumenta a intrabdominal –, ajudando na aspiração do sangue pelo
tórax, são os principais mecanismos de retorno venoso para o coração, alimentando o débito cardíaco (Gottschall 2005).

quarenta e cinco por cento, contra, respecti- CIRCULAÇÃO SISTÊMICA E


vamente, quinze por cento das grandes arté- CIRCULAÇÃO PULMONAR
rias, grandes veias e capilares, e dez por cento
de complacência total das pequenas artérias Se bem que as circulações sistêmica e pulmonar
(Figura II-18). estejam colocadas em série e obedeçam aos mes-

ARTÉRIAS CAPILARES VEIAS


grandes pequenas pequenas grandes
D
I
S
T
E
N
S
I
B 30% 20% 50%
I
L
I
D
A
D
E

CAPACIDADE
FIGURA II-18. O setor venoso pulmonar não só tem a maior capacidade de armazenamento de sangue nos pul-
mões, como as pequenas veias constituem o segmento da circulação pulmonar mais distensível, o que é funda-
mental como reserva de sangue para garantir súbitos aumentos do débito cardíaco, sem que haja lipotímia (repro-
duzido sob permisssão de Rigatto 1973).
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ARDIOVASCULAR 51

mos princípios gerais de funcionamento, man- po passa pela circulação sistêmica, e lá tem

têm marcadas diferenças anatômicas, de com- pressões de 120/70, com média de 90 mmHg

portamento e exteriorização, que se devem à na aorta, na pulmonar é impulsionado atra-

adaptação das mesmas a suas destinações princi- vés de uma resistência cerca de oito vezes me-

pais. O Quadro II-3 e a Figura II-19 resumem nor. Para isso, basta uma pressão sistólica de

as principais diferenças entre a circulação sis- 25 mmHg no ventrículo direito, com diastó-

têmica e a pulmonar. O sangue arterial se move lica final de até 5 mmHg, e de 25/8, com

na circulação pulmonar impulsionado por média de 13-14 mmHg na artéria pulmonar,

baixas pressões e pequenos gradientes porque: sendo a pressão no ponto de defluxo do cir-

a) as arteríolas geram pequenas resistências; cuito pulmonar, ou seja, a pressão diastólica

b) os capilares são volumosos, muito anasto- média do ventrículo esquerdo, de 7 mmHg.

mosados e com calibre maior que os sistêmi- Portanto, um gradiente de apenas seis mmHg

cos; c) os vasos pulmonares distendem-se e são é adequado para impulsionar o sangue em vo-

facilmente recrutados em resposta ao aumen- lume e velocidade suficientes através dos pul-

to do fluxo; d) a rede vascular só é perfundida mões. Isto é, tamanha é a reserva de resistência


na totalidade em situações extremas; e) todos na circulação pulmonar que um pulmão inteiro
os vasos pulmonares têm calibre algo maior pode ser excisado, sem que aumente a resistência
que os correspondentes sistêmicos. Assim, o vascular pulmonar, ou o débito cardíaco pode
mesmo volume de sangue que, no mesmo tem- aumentar três vezes, sem que aumente a pressão,
QUADRO II-3. Diferenças entre circulação sistêmica e pulmonar
Circulação sistêmica Circulação pulmonar
Perfunde a maioria dos tecidos do corpo Perfunde apenas os pulmões
Obedece a demandas variáveis Nutre somente os alvéolos
Responde a múltiplos controles Responde a poucos controles
Enfrenta altas pressões Enfrenta baixas pressões
Vence altas resistências Vence baixas resistências
Altas colunas hidrostáticas Pequenas colunas hidrostáticas
Maior e mais variável volume de sangue Menor e menos variável volume de sangue
Condições extravasculares variáveis Mesmo órgão extravascular

mmHg

110

100
FIGURA II-19. A baixa
90 resistência ao fluxo ofe-
recida pela circulação
80 pulmonar permite que
70 um gradiente médio de
apenas 4 a 6 mmHg en-
60 tre a artéria pulmonar e
o átrio esquerdo propul-
50 sione o mesmo volume
de sangue (débito car-
40 Ventrículo Artérias Veias díaco) que necessita de
Ventrículo
direito pulmonares pulmonares esquerdo um gradiente médio de
30 Capilares 90 mmHg para circular
alveolares pelo circuito sistêmico
20
(redesenhado de Rush-
10 mer 1976, Gottschall
1995).
0
52 ARLOS
C ANTONIO M ASCIA G OTTSCHALL © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

e seis vezes sem que aumente a resistência arte- emunctório de substâncias voláteis, fonte de ati-

rial pulmonar (Figura II-20). Além da função vidades metabólicas e de dissipação de calor.

principal da circulação pulmonar, que é a oxi- Apesar de ser sistêmica, a circulação brôn-

genação do sangue venoso, arterializando-o, ou quica mantém estreitas relações com a circu-

hematosando-o, esta circulação também cum- lação pulmonar, por meio de anastomoses

pre outras funções, como: nutridora dos alvéo- broncopulmonares arteriais e anastomoses

los, reservatório de volume sanguíneo para ser broncopulmonares venosas, que são fontes de

mobilizado em situações de desbalanço agudo repercussões funcionais compensatórias ou

entre os débitos do ventrículo esquerdo e direi- deletérias em casos de hipertensão arterial

to, função de filtro de partículas sanguíneas e de pulmonar, embolia pulmonar e hipertensão

outras origens, sede de comandos reflexos, veno-capilar pulmonar (Figura II-21).

PAP
30
20
10
0
mmHg
Antes 1o min 2o min 3o min 4o min 5o min Logo após
FIGURA II-20. Oclusão por balão do ramo direito da artéria pulmonar, durante cateterismo, de um pulmão a ser
excisado cirurgicamente. Vê-se que a pressão na artéria pulmonar contralateral sobe minimamente, o que indica a
grande reserva de resistência vascular da circulação pulmonar (Rigatto, Gottschall e Varnieri 1973).

Artérias Veias
brônquicas brônquicas Capilares
AORTA

BRÔNQUIOS

pulmonares

2 3
1 ABPA ABPV

3 Artéria
pulmonar Veia
Bronquíolos pulmonar
Artéria pulmonar e Veias pulmonares
alvéolos

Vasos
pleurais
Êmbolo Artéria brônquica
FIGURA II-21. Anastomoses broncopulmonares arteriais (ABPA) podem tornar-se significativas quando cai a pres-
são distal na artéria pulmonar, como no caso de embolismo pulmonar (1). Anastomoses broncopulmonares veno-
sas (ABPV) podem exagerar o curto-circuito veno-arterial normal em casos de hipertensão venosa sistêmica por
insuficiência cardíaca direita (2), e, inversamente, podem produzir distensão e varicosidades venosas brônquicas
por curto-circuitos artério-venosos, em casos de hipertensão veno-capilar pulmonar, como ocorre na estenose
mitral ou na insuficiência cardíaca esquerda (3) (modificado de Rigatto 1973 e de Rushmer 1976).
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ARDIOVASCULAR 53

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CAPÍTULO

Transporte de Oxigênio
para as Células III

S em ingerir vitaminas uma pessoa é capaz


de viver vários meses. Esse tempo se reduz
para algumas semanas ou alguns dias em se
utilizado principalmente pelas mitocôndrias
(Figura III-1). Para atingir esse objetivo, o pro-
cesso respiratório global compõe-se de três ci-
tratando, respectivamente, de glico-lipo-pro- clos: 1) ciclo pulmonar (ventilação, difusão e
teínas ou água. Entretanto, cinco minutos é perfusão: captação de O2); 2) ciclo sanguíneo
toda a sobrevida que a privação de oxigênio (débito cardíaco: conteúdo e saturação da he-
permite. Respiração, a mais fundamental das moglobina em O2); 3) ciclo tecidual (respira-
funções vitais, significa, nos organismos su- ção celular: diferença artério-venosa e utiliza-
periores, intercâmbio com o meio ambiente ção mitocondrial de O2).
de oxigênio e bióxido de carbono associados à Conforme demonstraram Astrad e cols., o
atividade metabólica. Isto é, dentro da hierar- consumo corporal de O2 por um adulto nor-
quia vital e na evolução dos seres, circulação e mal pode aumentar linearmente de um míni-
digestão surgiram como subprodutos da respira- mo de 250 a 300 ml/min, em repouso, até
ção, já que a vida iniciou com as células mais quatro ou mais l/min, em caso de esforço
primitivas utilizando oxigênio, antes de forma- máximo praticado por indivíduo supertreina-
·
rem colônias que necessitassem de sistemas circu- do, correlacionando-se o VO2 com o trabalho
latório e digestivo. Das substâncias essenciais à físico (Figura III-2).
vida, o oxigênio é aquela cujas reservas se exau-
rem com maior rapidez. Num adulto normal,
variam em torno de 1500 ml. Como este me- VENTILAÇÃO PULMONAR
taboliza cerca de 300 ml/min, segue-se que
garantem apenas cinco minutos de vida du- A ventilação pulmonar é um processo cíclico de
rante a privação total desse gás. Daí a necessi- inspiração e expiração, no qual determinado vo-
dade de o sistema respiratório manter e de o lume de ar entra nos pulmões e aproximadamente
circulatório distribuir adequado volume de igual volume os abandona. Como o indivíduo
sangue normalmente oxigenado a todas as cé- normal tem milhões de alvéolos pulmonares,
lulas do organismo. Embora o CO 2 deva ser torna-se necessário que a ventilação alveolar
removido também por esses sistemas, o orga- seja satisfatória não só quanto ao volume glo-
nismo suporta sua retenção por períodos maio- bal de ar que penetra nos pulmões, como tam-
res que suporta a escassez de O 2. O transporte bém quanto à distribuição equitativa e simul-
de O2 para ser utilizado pelos tecidos vai de- tânea desse ar entre os alvéolos. De maneira
pender dos pulmões, do coração, do sangue e semelhante ao que ocorre na rede vascular, a
da pressão parcial do oxigênio arterial (PaO 2) partir da traquéia, a árvore brônquica dicoto-
para penetrar por difusão nas células, onde será miza-se progressivamente até a 23 a. geração,
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ARDIOVASCULAR 55

Ciclos respiratórios cela de ventilação total que atinge a superfície


CO2 O2 de hematose – a área pulmonar onde se fazem
as trocas gasosas ar-sangue –, em torno de dois
terços desse valor, a porção complementar
Ciclo permanecendo no espaço morto, que é a re-
CO2
pulmonar gião das vias aéreas onde não se fazem trocas
gasosas. Nas pessoas idosas, os valores tendem
O2 a elevar-se, para compensar eventual má dis-
CO 2
CO2
tribuição da ventilação intrapulmonar. Se bem
que as variações do VM se acompanhem de
Ciclo variações da VA, a medida do primeiro não
sanguíneo
expressa o valor da segunda, porque VM e VA
O2
O2 são calculados por fórmulas diferentes:

90 9$& u )5
9$ (9$&  9(0 ) u )5

em que VAC é volume de ar corrente, FR é


O2
CO2 freqüência respiratória e VEM é volume do
espaço morto. Se o VEM for de 150 ml e o
H 2O
VAC de 500 e de 300 ml para respectivas fre-
CO 2
Ciclo qüências de 15 e de 25 cpm (ciclos por minuto),
de O2
Krebs Ciclo
o VM será idêntico nos dois casos e igual a
tecidual 7500 ml/ min. A VA, entretanto, será de 5250
H 2O H+ ml/min no primeiro caso e de 3750 ml/min
no segundo. A fórmula para o cálculo da VA
FIGURA III-1. O ciclo pulmonar da respiração é respon-
sável pela hematose, o ciclo sanguíneo pelo transporte não pode ser aplicada quando o VAC é muito
do O2 aos tecidos e do CO2 aos pulmões, e o ciclo teci- baixo, porque – por assumir o fluxo gasoso
dual pelo aproveitamento e catabolização do oxigênio –
aerobiose com formação de energia intracelular (Gotts- forma cônica e não quadrada – ocorre alguma
chall e Rigatto 1965, Gottschall 1985, 1995). VA mesmo que o VAC seja menor que o VEM.
Esse fenômeno explica a manutenção da vida
a despeito de VAC extremamente pequeno.
aumentando sempre sua área de seção trans- As trocas gasosas entre o meio ambiente e
versal depois da 10a. geração. Da 17a. à 19a. os alvéolos são asseguradas pelo aparelho ven-
aparecem brônquios lobares respiratórios, da tilatório, cuja eficácia depende fundamental-
20a. à 22a. ductos alveolares, e, finalmente, a mente de: a) eficiente comando nervoso pelos
23a. geração é constituída só por alvéolos, que centros respiratórios e quimiorreceptores cen-
são as unidades respiratórias em forma de sa- trais e periféricos; b) adequada resposta dos
cos, por onde se fazem as trocas gasosas com músculos respiratórios aos comandos nervo-
os capilares que os circundam (Figura III-3). sos; c) normais complacências torácica e pul-
Volume minuto (VM) é o volume de ar que monar; d) baixa resistência das vias aéreas ao
ventila os pulmões em um minuto. Costuma ser fluxo aéreo. Isto é, a finalidade da ventilação
expresso em relação à superfície corporal. O alveolar é manter níveis normais de pressão par-
valor normal para adultos em condições ba- cial de oxigênio e de bióxido de carbono nos al-
sais é de 2,0 a 4,5 l/min/m 2; em repouso, de véolos. Alguns desvios da ventilação normal em
3,0 a 5,5 l/min/m2, o que assegura um volu- repouso devem ser definidos: taquipnéia é au-
me de ventilação alveolar (VA), ou seja, a par- mento da freqüência respiratória; hiperpnéia é
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kcal kJ/
/min min
5–0 24 101 Esquiar, correr, remar, nadar (homem)

4–2 20 83 Esquiar, correr (16 km/h), nadar (mulher)

Subir escadas carregando 15 kg, correr


Consumo de O2 (l/min)

3–5 17 71 (13 km/h)


Correr (11 km/h)
2–8 14 58 Nadar 50 m/min
Trabalho manual muito pesado
Correr (9 km/h). Caminhar (8 km/h)
2–1 11 46 Andar de bicicleta (21 km/h)
Subir escadas
Trabalhar com madeira
1–5 8 33 Trabalho manual pesado
Andar (7 km/h)
Trabalho manual em fazenda, minas de
0–9 5 21 carvão, etc.
Andar (5 km/h)
Trabalho leve, trabalho caseiro.

300 600 900 1200 1500 1800 2100 kpm/min


50 100 150 200 250 300 350 Watts

Trabalho ergométrico
FIGURA III-2. Relações entre consumo de oxigênio (V· O2) corporal e capacidade de produzir trabalho físico. V· O2
máximo só chega a 4 l / min em atletas supertreinados. A maioria das atividades rotineiras fica abaixo de 2 l / min
(redesenhado de Astrand 1976 e de Duarte 1978).

aumento da amplitude ventilatória; polipnéia


é respiração rápida e superficial; hiperventila-
400 ção significa aumento ventilatório além das
Bronquíolos
necessidades metabólicas, e hipoventilação uma
AST
terminais ventilação aquém dessas necessidades; ponop-
200 néia é respiração dolorosa; trepopnéia é respi-
(cm2) ração em decúbito eletivo; ortopnéia é respira-
ção em decúbito supino; dispnéia significa
consciência da necessidade de um esforço res-
10 20
piratório aumentado.
Geração da
via aérea Conforme demonstrou Paul Bert, em
1878, o efeito fisiológico de um gás (G) de-
pende de sua pressão parcial (Pp), que pode
SA
ser calculada pela fórmula:
DA
BR2 BR3 3S* 3DWP u %*
BR1
BT em que Patm é a pressão atmosférica (760
mmHg no nível do mar) – sendo mais alta
FIGURA III-3. A área de secção transversal dos pulmões em profundidades e mais baixa em altitudes – e
aumenta sempre até a 23a. geração, onde estão as uni- %G a concentração desse gás no meio. No caso
dades de trocas respiratórias, os alvéolos. Chegando
ao espaço alveolar, o fluxo aéreo praticamente cessa
do O2, 760 mmHg x 0,20 (sua concentração
para permitir a difusão gasosa. O ar que chega à zona no ar é cerca de 20%), o que dá 152 mmHg
de trocas constitui a ventilação alveolar, normalmente de Pp para o O2 no nível do mar. Pois bem,
dois terços do volume ventilado (modificado de West
1977). uma ventilação alveolar adequada mantém
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ARDIOVASCULAR 57

uma Pp de O2 nos alvéolos (PAO2) em torno rios são sensíveis ao gasto energético da venti-
de 100 mmHg. Por que a perda de mais de 50 lação e tendem a minimizá-lo, isto é, otimi-
mmHg entre o ambiente externo e os alvéo- zam a combinação entre freqüência e amplitude
los? Porque no espaço alveolar misturam-se o ventilatórias, concorrendo vários impulsos ner-
O2 vindo da atmosfera, o CO 2 proveniente vosos e humorais para esse controle, tanto em re-
dos tecidos e despejado pelo sangue venoso, pouso como durante exercício: centros rítmicos
exercendo uma Pp (PACO2) de 40 mmHg da ventilação, reflexos proprioceptivos pulmona-
(760 mmHg x 5,5%), o N2, que é um gás res, quimiorreceptores periféricos e centrais sensí-
inerte, com uma Pp de 570 mmHg e o vapor veis ao O2, CO2 e H+ e a aferentes parietais e
d’água com uma Pp de 47 mmHg. Como a musculares (Figura III-4).
soma das Pp não pode exceder a Patm total, Resultante de modificações nos componen-
se uma aumentar, outra ou outras terão que tes nervoso e humoral do controle ventilató-
diminuir. O Quadro III-1 mostra as pressões rio, a ventilação aumenta com o exercício. Ao
parciais exercidas pelos diversos gases na iniciar-se o exercício, há aumento imediato da
atmosfera, nos alvéolos, no sangue arterial, no freqüência e da amplitude ventilatórias que
sangue venoso e tecidos, em situações normais. ocorrem rápido demais para se deverem a
O volume minuto respiratório pode au- agentes humorais. Tais alterações são atribuí-
mentar quase vinte vezes em exercício intenso das a impulsos nervosos a partir dos centros
sem que surja sensação de dificuldade respira- respiratórios, provavelmente secundários a
tória (dispnéia) porque os centros respirató- descargas corticais sobre os mesmos. Também

QUADRO III-1. Composição atmosférica, alveolar e sanguínea (mmHg)


Gás Atmosfera Alvéolo Artérias Veias
Pressão de N2 570 570 570 570
Pressão de O2 150 100 90 40
Pressão de CO2 2 40 40 46
Pressão de H2O 47 47 47 47

Bulbo

Centro pneumotáxico Nervo


glossofaríngeo
Inibe Nervo vago
Quarto
ventrículo Corpo
Centro apnêustico carotídeo
Grupo respiratório Grupo respiratório
dorsal ventral (expiração e
(inspiração) inspiração)

Vago e
glossofaríngeo Corpos aórticos
Vias
respiratórias
FIGURA III-4. Na medula e bulbo situam-se, nos chamados centros respiratórios, células que regulam ritmo e
profundidade dos movimentos ventilatórios, mediados principalmente pelos nervos vagos e glossofaríngeos. Nas
regiões ventrolaterais da medula encontram-se os denominados quimiorreceptores centrais, formados por células
mais sensíveis ao CO2 e H+, cujos aumentos estimulam a ventilação. Nos corpos aórticos e principalmente carotí-
deos situam-se os chamados quimiorreceptores periféricos, que respondem com estímulo ventilatório principal-
mente à queda do O2 sanguíneo (redesenhado de Guyton 2000).
58 C ARLOS NTONIO
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estimulam a ventilação impulsos propriocep- lismo, passando da hiperpnéia fisiológica para


tivos a partir dos músculos ativos. Durante os a hiperventilação da exaustão, o limiar anae-
primeiros minutos de exercício discreto ou róbico. Clássico trabalho de Comroe e cols.
moderado a ventilação aumenta até atingir um mostra que a freqüência cardíaca é o elemen-
valor estável, que é função linear do gasto ener- to mais responsivo à variação da saturação da
gético. A maior parte desse aumento deve-se a hemoglobina arterial em O 2. Já começa a au-
estímulo hipóxico dos quimiorreceptores pe- mentar com saturação abaixo de 94% (PaO 2
riféricos (mais responsivos à queda do O 2); o < 80 mmHg), enquanto que o volume minu-
restante deve-se ao gás carbônico e ao hidro- to respiratório só aumenta a partir de satura-
gênio, que potenciam o estímulo hipóxico, ção menor que 80% (PaO2 < 55 mmHg). Essa
mas podem também atuar em sua ausência, mudança é mediada através do componente
principalmente sobre a formação reticular res- humoral de várias maneiras, principalmente:
piratória central. Desde o repouso até um tra- a) reforço do estímulo quimiorreceptor pela
balho muscular de 1500 kgm/min, a PaO 2 adrenalina ou outro agente; b) hiperacidemia,
pode subir 10 mmHg, a PACO2 pode descer secundária à produção de ácido lático pelos
10 mmHg, o pH pode diminuir 0,2 e a tem- músculos exercitados; c) aumento da tempe-
peratura pode aumentar 1,5oC, É caracterís- ratura corporal; d) aumento do nível de sensi-
tico de maior aptidão física fazer o mesmo tra- bilidade da formação reticular respiratória ao
balho com menor aumento da ventilação e da CO2 e ao H+ (Figura III-6). Esses fatores são
freqüência cardíaca (maiores eficiências respi- grandemente influenciados pelo estado de trei-
ratória e cardíaca), o contrário ocorrendo em namento físico e o débito cardíaco do indiví-
caso de menor aptidão física (Figura III-5). duo. Ao findar-se o exercício, a interrupção
Durante exercício extremo, a ventilação abrupta do componente neurogênico causa uma
aumenta desproporcionadamente ao metabo- imediata e substancial redução ventilatória, sen-

170
160 III
150

130 140
II
FC (cpm)
FC (cpm)

110 120

90 100 I
70
80
50
Trabalho 60
Repouso Exercício Recuperação
0 10 20 30 40 50 60 –5 0 5 10 15 20 2
minutos minutos
FIGURA III-5. O aumento inicial da freqüência cardíaca (FC) – e da ventilação –, em ciclos por minuto (cpm), por
efeito do exercício deve-se antes a fatores reflexos que humorais. Na fase intermediária, a FC e a ventilação são
mantidas pelos componentes humoral (O2, CO2, adrenalina, ácido lático, temperatura) e neuromuscular (controle
nervoso e trabalho respiratório), sendo a queda ventilatória e da FC na fase de recuperação governada inicialmen-
te por fatores reflexos e depois pelo restabelecimento do componente humoral no sangue. À esquerda: Pico de FC
num indivíduo destreinado fisicamente (trabalho anaeróbico), que não se mantém, enquanto que um indivíduo
treinado (trabalho aeróbico) mantém a FC praticamente estável em todo o período de trabalho físico. À direita: A
curva I indica maior capacidade aeróbica para o mesmo trabalho físico que a curva II (intermediária) e esta melhor
que a curva III, a qual indica menor capacidade aeróbica para desempenhar o mesmo trabalho (maior aumento da
FC e do débito cardíaco) (redesenhado de Bowen 1904 e de Pini 1978).
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ARDIOVASCULAR 59

100
100 PaO2 90
PaO2(mmHg)

% Hb O2
80
70
90
49 cH+
38 100
90
PaCO2 (mmHg)

FC (cpm) 80
cH (mmEq/l)

70
60

40
32 38
PaCO2 30
Tempo (oC)

39 Temp VMR
20
(l/min)
10
37
0 300 600 900 1200 1500 100 20 16 12 8 4
Trabalho (kgm/min) % de O2 no ar inspirado
FIGURA III-6. À esquerda: Variações da PaO2, concentração de íons H+, PaCO2 e temperatura em função de
intenso trabalho corporal continuado. As linhas tracejadas indicam a fase de trabalho anaeróbico. À direita: Res-
postas da freqüência cardíaca (FC) e do volume minuto respiratório (VMR) à queda da saturação em O 2 da hemo-
globina arterial (%HbO2). Como se vê, a FC aumenta mais precocemente que o VMR, por efeito da hipoxemia
(redesenhado de Holmgren e McIlroy 1964 e de Comroe 1966).

do o seu subseqüente declínio aos níveis de re- interceptam (Figura III-7).


· Isto é, abaixo do
pouso governado pela velocidade de restabeleci- limiar
· anaeróbico, o V CO 2 proporcional ao
é
mento do componente humoral (Figura III-5). V O2, enquanto que acima do limiar anaeróbi-
· ·
Limiar anaeróbico é o ponto durante exer- co o V CO2 é produzido em excesso ao V O2. A
cício dinâmico em que os músculos utilizam utilidade do limiar anaeróbico decorre de que
metabolismo anaeróbico como uma fonte trabalho abaixo desse nível abarca a maior par-
energética adicional, embora nem todos des- te das atividades diárias. Reduz-se em pacien-
viem-se simultaneamente para a anaerobiose. tes com cardiopatia ou pneumopatia grave.
Decorre do acúmulo de ácido lático num su- Uma elevação nesse limiar pelo treinamento
jeito sadio não· treinado quando este alcança aumenta a capacidade individual para realizar
40 a 60 % do VO2 máximo, o que pode pro- atividades submáximas sustentadas, com con-
duzir acidose metabólica com a intensificação seqüente melhoria da qualidade de vida. Mu-·
do exercício. À medida que se forma lactato, danças no limiar anaeróbico e no pico do V
este é tamponado no soro pelo bicarbonato, O podem ser usadas para estimar progressão
2

resultando em excreção aumentada de CO 2, e da doença, resposta terapêutica e melhora da ade-


causando hiperventilação reflexa. Assim, o li- quação cardiopulmonar com treinamento.
miar anaeróbico de troca gasosa é o ponto no
qual a ventilação aumenta
· desproporcional-
mente em relação ao VO2 e ao trabalho (hi- DIFUSÃO PULMONAR
perventilação). Esse limiar fica
· aparente no
ponto ·em que a inflexão do VCO2 se separa Difusão pulmonar é o processo físico pelo qual os
da do VO2 ou quando as inflexões dos dois se gases passam de um lado para outro da mem-
60 CARLOS NTONIO
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Hiperventilação
160 Capacidade ventilatória
máxima

Volume minuto respiratório (l/min)


120 140

Tr. Ana.
Vent. pulmonar (l/min)

100
120
80 Hiperpnéia do exercício
100
60

Tr. Aer.
80
40
60 CO2
20
0 40
pH
0 5 10 15 20 25
(CAL./min.) 20
Tr. Aer. Tr.Ana. O2
% CO2 2 4 6 8 10
O2 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0
pH 7,3 7,2 7,1 7,0 6,9 6,8 6,7

FIGURA III-7. À esquerda: Até cerca de 80 l / min de ventilação alveolar há uma relação linear entre ventilação
pulmonar e trabalho aeróbico, após o que a ventilação se torna maior que as necessidades metabólicas (hiperven-
tilação), passando o trabalho a ser anaeróbico (fase de exaustão). À direita: As variações da PaCO2 são o principal
estímulo químico à ventilação e lineares com o volume minuto ventilatório numa ampla faixa. Embora o estímulo
pela acidose nos quimiorreceptores centrais seja mais agudo na fase inicial, não se mantém tanto, enquanto o
estímulo ventilatório pela hipoxemia é mais retardado (Gottschall 1995 e redesenhado de Comroe 1966).

brana alvéolo-capilar dos pulmões. A zona de brilas colágenas, fibroblastos e células seme-

trocas gasosas é representada pela região do lhantes a mastócitos. Aproximadamente me-

septo interalveolar contendo um segmento tade da superfície de contato entre o endoté-

capilar e as superfícies alveolares que o cobrem. lio capilar e o epitélio alveolar é formada ex-

Para o O , esse processo inicia-se na unidade clusivamente pela fusão das membranas ba-
2
acinar, do centro para a periferia, onde se dá a sais das duas lâminas celulares, havendo um

difusão na fase gasosa, até a membrana alvéo- enorme volume aéreo dentro do alvéolo em

lo-capilar e, depois, na fase líquida, quando relação aos capilares, por onde as hemácias

atravessa o revestimento alveolar extracelular, passam em fila indiana, expondo-se ao máxi-

o epitélio alveolar, o interstício, o endotélio mo e unitariamente à difusão do oxigênio (Fi-

capilar, o plasma, a membrana eritrocitária e gura III-8).

o fluido intra-eritrocitário, até unir-se com a A difusão na fase gasosa é regulada pela lei

hemoglobina. A espessura da membrana alvéo- de Graham, segundo a qual as velocidades de

lo-capilar no pulmão humano é em torno de passagem do O e do CO são inversamente


2 2

1,7 a 0,5 m, como média aritmética e har- proporcionais à raiz quadrada de seus pesos

mônica, respectivamente. O epitélio e o en- moleculares. Logo, nessa fase, a difusão do O


2

dotélio participam com cerca de 30% da es- é ligeiramente superior à do CO . Num espa-
2

pessura cada um, e o meio intersticial com ço alveolar normal, com cerca de 0,5 mm de

cerca de 40%. A espessura do epitélio que re- diâmetro, 80% do equilíbrio gasoso por difu-

veste o alvéolo é variável e depende do grau são se faz em 0,002 seg. Num volume alveolar

de insuflação pulmonar – com o qual se torna de 7 mm de diâmetro (o que pode ocorrer

mais fino –, podendo atingir um mínimo de numa bolha enfisematosa), 80% do equilíbrio

100 A. O interstício do septo interalveolar é se faz em 0,38 seg, ou seja, num tempo 190

um meio líquido (meio intersticial) em que se vezes maior que no caso normal, o que expli-

encontram proteoglicanos, fibras elásticas, fi- ca a mais lenta renovação do ar alveolar na


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ARDIOVASCULAR 61

Hemácia
Plasma
Membrana capilar
Fluído intersticial
Membrana alveolar

Capilar

Alvéolo

Capilar

FIGURA III-8. À esquerda: A difusão do O2 desde o alvéolo até a hemácia compreende a passagem pela membrana
alveolar, pelo meio intersticial, pela membrana capilar, pelo plasma e pela membrana eritrocitária, até unir-se à
hemoglobina, hematosando o sangue. Para uma adequada difusão, é fundamental o suficiente gradiente alvélo-
capilar de O2 e a normalidade dos meios a atravessar. À direita: Hemácias circulando em “fila indiana” nos espaços
capilares interalveolares. Note-se o enorme volume aéreo (oferta de O 2) em relação ao volume dos glóbulos ver-
melhos (captação de O2) (reproduzido parcialmente e modificado de Comroe 1962 e de West 1977).

hiperinsuflação pulmonar. Na fase líquida, a cada no homem pode ser simplificada para: V
difusão é regulada pela lei de Henry, pela qual gás = DP x Dp, em que Dp é chamada de ca-
a solubilidade é proporcional à pressão par- pacidade de difusão pulmonar e inclui área,
cial (concentração) do gás em causa. O CO 2, espessura da membrana e coeficiente específi-
por ser muito mais solúvel que o O 2, é cerca co de difusão. Assim:
de vinte vezes mais difusível. 9JiV
Os fatores que influenciam a velocidade de 'S
3$  3D
passagem de um gás de um lado para outro de
uma membrana são: é medida em ml/min/mmHg de diferença de
pressão alvéolo-capilar. No alvéolo, a PAO é 2
'3 u $ u ' de 100 mmHg e no capilar a PaO é de 40
9JiV 2
( mmHg. Logo, há um gradiente de 60 mmHg.
onde DP = diferença pressórica entre os dois Calculando-se, a difusão pulmonar tem um
lados da membrana; no caso do O 2, gradiente valor de 15 a 17 ml/min/mmHg, em repou-
alvéolo-capilar (A-a) de O (PAO -PaO ); A
2 2 2
so. Para maior precisão, deve considerar-se o
= área da membrana (área alveolar funcionan- valor médio integrado do gradiente alvéolo-
te); D = coeficiente específico (constante) de capilar, desde a entrada até a saída do eritróci-
difusão da membrana; E = espessura de mem- to da zona de hematose, o que não é fácil de
brana. Como não é possível medir-se com pre- determinar. O tempo de equilíbrio gasoso en-
cisão a área e a espessura da barreira sangue- tre alvéolo e capilar em condições normais é
gás dos pulmões durante a vida, e como essas cerca de 0,25 seg, enquanto que o eritrócito
variáveis distribuem-se em torno de uma mé- permanece em contato com a zona alveolar
dia para os indivíduos normais, a equação apli- mais ou menos 0,75 seg. Em exercício, esse
62 CARLOS A NTONIO M ASCIA OTTSCHALL
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tempo pode baixar para 0,25 seg, ainda sufi- capilar, situação que quer significar dificulda-
ciente para se fazerem trocas gasosas sem pre- de na passagem dos gases, pelo aumento da
juízo da hematose. Diminuindo o gradiente espessura e/ou modificações nos meios que o
(hipoxigenação ambiental, hipoventilação al- O2 precisa atravessar para chegar ao sangue,
veolar) ou aumentando o tempo para que se requerendo um tempo adicional para fazer-se
faça o equilíbrio gasoso (espessura maior dos o equilíbrio através da membrana ar-sangue
meios a atravessar) a transferência do gás pela (Figura III-9). Em exercício, ocorrendo soma-
membrana fica prejudicada. Favorecem a tório de condições ideais e aumento máximo
transferência do O2: a abertura de novos alvé- da área V/P, a difusão pulmonar pode chegar
olos e capilares, como acontece fisiologicamen- a 70 ml/min/mmHg. Isto é, considerando con-
te no exercício, ou a dilatação capilar, como dições fisiológicas perfeitas, a difusão pulmonar
acontece nas fases iniciais da estenose mitral no exercíciopode aumentar três a quatro vezes
ou da congestão pulmonar. Prejudicam a di- em relação ao repouso, pela combinação do au-
fusão: encharcamento alveolar (edema pulmo- mento do gradiente alvéolo-capilar dos gases
nar), destruição e remoção de tecido pulmo- (maior PAO2 pela maior ventilação alveolar e
nar (enfisema, cirurgia), obstrução ou destrui- correspondente distribuição, menor PvO pela 2

ção capilar (embolia, enfisema) ou obstrução maior extração periférica de oxigênio) e pelo au-
brônquica (secreção, tumor, corpo estranho, mento da área de difusão ou de contato de alvé-
espasmo). olos funcionantes com capilares funcionantes
Toda a resistência à difusão do O 2 reside (perfusão de áreas normalmente não perfundi-
na membrana alvéolo-capilar (A-a), ou seja, das em repouso, recrutamento de capilares adi-
na barreira entre sangue e gás, e na velocidade cionais, modificação na forma dos vasos).
finita da reação do O 2 com a hemoglobina
dentro do eritrócito. Na prática, as resistên-
cias oferecidas pela membrana e pelos com- PERFUSÃO PULMONAR
ponentes do sangue são mais ou menos iguais.
“Bloqueio alvéolo-capilar” refere-se generica- A perfusão pulmonar é o processo pelo qual o
mente a espessamento da membrana alvéolo- sangue impulsionado na artéria pulmonar pelo

PAO2
100
Normal

Anormal
PO2
Repouso Exercício (mmHg)
50
Muito anormal
PvO2

Exercício
0
1 seg 0,3 seg 0 0,25 0,5 0,75 1,0
Tempo no capilar (seg)
FIGURA III-9. Sendo normal a difusão pulmonar, o equilíbrio de O 2 entre o ar alveolar e o sangue capilar se faz em
cerca de 0,25 a 0,30 seg, tempo suficiente para saturar a hemoglobina (Hb) mesmo em exercício. Na difusão
anormal, esse equilíbrio pode se fazer em até 0,75 seg, suficiente para saturar a Hb em repouso mas não em
exercício. Porém, na difusão muito alterada não se faz nem em repouso (modificado de Rigatto 1973, Gottschall
1995).
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ARDIOVASCULAR 63

trabalho ventricular direito circula pelos pulmões . exercício, intensificando a contratilidade mio-

Em condições normais é igual ao débito car- cárdica, combinado com a diminuição da re-

díaco (DC). O DC é medido como o produ- sistência arterial periférica por vasodilatação,

to da freqüência cardíaca (FC) pelo volume produzem diminuição do VSF. Dessa forma,

sistólico ventricular (VS) e normalmente va- o aumento do VDF e a diminuição do VSF

ria de 4,0 a 7,0 l/min no adulto médio em acabam por aumentar o volume sistólico de

repouso (FC de 70 a 80 cpm e VS de 70 a 90 expulsão dos ventrículos.

ml). O DC máximo em exercício pode alcan- A partir do tronco da artéria pulmonar até

çar 25 a 30 l/min em atletas. Seu aumento se os capilares podem ser identificadas quatro

dá por elevação da freqüência cardíaca até 180 tipos de artérias: a) elásticas, com mais que

a 200 ciclos por minuto e aumento do volu- cinco lâminas elásticas na camada média das

me sistólico de 40 a 50% em relação ao re- primeiras cinco gerações, acima de 2000 m de


pouso, chegando até 140 ou 150 ou mais mi- diâmetro no adulto; b) musculares, com duas

lilitros no atleta. Nota-se, assim, que o aumen- a cinco lâminas elásticas na camada média e

to da freqüência é o principal determinante uma camada muscular contínua, 150 a 2000 m


do aumento do DC. A freqüência cardíaca de diâmetro, constituindo a maioria dos va-

aumenta linearmente com o consumo de O sos no pulmão; c) parcialmente musculares,


2
até o valor máximo, enquanto que o volume diâmetro de 75 a 150 m; d) não-musculares,

sistólico cresce até apenas um terço do consu- mais calibrosas que os capilares, com diâme-

mo máximo de O , estabilizando-se a partir


2 tro no adulto de 30 a 75 m. Estes dois últimos
daí. O aumento da FC no exercício depende tipos acompanham as unidades alveolares e são

de vários fatores, entre os quais reflexos, quí- responsáveis pela maior parte da resistência

micos, físicos, estímulo adrenérgico e norma- arterial pulmonar. As artérias que seguem os

lidade da circulação coronariana, enquanto brônquios respiratórios e os ductos alveolares

que o aumento do VS ou de expulsão ocorre – onde ocorrem as trocas gasosas – são mus-

por aumento do volume diastólico final e dimi- culares ou parcialmente musculares. O tono

nuição do volume sistólico final (Capítulo VI). da vasculatura pulmonar é controlado pelo

Aumentam o volume diastólico final músculo liso e tecido conjuntivo nas paredes

(VDF) a maior complacência ventricular dos vasos, auxiliados por neuropeptídeos não-

(maior distensibilidade) e o aumento do re- adrenérgicos, não-colinérgicos ou mediadores

torno venoso (maior pressão de enchimento, locais como eicosanóides (prostaciclina, trom-

maior pré-carga), enquanto que diminuem o boxane, leucotrienos), catecolaminas (adrena-

volume sistólico final (VSF) a maior contrati- lina, noradrenalina), autacóides (histamina,

lidade miocárdica e a diminuição da resistên- bradicinina) e óxido nítrico. A ação direta da

cia arterial ao esvaziamento ventricular (me- hipóxia ou da hiperóxia, constringindo ou di-

nor pós-carga). Vários fatores que ocorrem no latando as artérias musculares, torna-as con-

exercício facilitam essas adaptações. Assim é troladoras ativas do fluxo sanguíneo pulmo-

que o treinamento melhora a aspiração e a nar. Além disso, como a espiral de músculo

complacência ventriculares, e as ações conju- nas artérias parcialmente musculares está em

gadas da hiperpnéia – que intensifica a nega- continuidade com a camada muscular dos va-

tividade intratorácica –, dos movimentos dia- sos maiores, pode ocorrer propagação do estí-

fragmáticos – que elevam a pressão intra-ab- mulo através do sincício muscular, espalhan-

dominal – e da contração da musculatura pe- do-se a resposta vascular. Ao contrário da cir-

riférica sobre as veias com válvulas unidireci- culação sistêmica, a inervação simpática e pa-

onais produzem mais retorno venoso para o rassimpática na circulação pulmonar é pobre,

coração, aumentando o VDF. Adicionalmen- e sua distribuição tende a concentrar-se nos

te, o estímulo adrenérgico que acompanha o vasos maiores do hilo. Isto é, os vasos menores
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não são propensos a respostas vasomotoras mar- até 20 mmHg. No início da rede capilar, a
cadas, o que impede que a vasoconstrição isola- pressão média é em torno de 12 mmHg e, no
damente sobrecarregue excessivamente o ventrí- fim, de 8 mmHg, sendo de 5 a 8 mmHg no
culo direito. átrio esquerdo (Figura III-11). O valor da pres-
Em baixos volumes pulmonares os vasos são capilar pulmonar sofre efeito gravitacio-
extra-alveolares tendem a colapsar por falta de nal, aumentando de 0 nos ápices para 19
tração radial mas os vasos alveolares são man- mmHg nas bases, mantendo o valor médio de
tidos abertos pela retração alveolar. Em altos 14 mmHg, e não se elevando substancialmen-
volumes pulmonares os vasos maiores perma- te, apesar do aumento do débito cardíaco.
necem abertos, porém os menores têm a resis- Antigamente pensava-se que os vasos pul-
tência aumentada ao serem distendidos e com- monares aceitavam mais sangue mudando seu
primidos pelos alvéolos expandidos. Como volume, ou seja, passando da forma elíptica,
conseqüência das relações fluxo-pressão na cir- colapsados, para a forma circular, ingurgita-
culação pulmonar e suas variações com os vo- dos. Embora esse mecanismo tenha vez para
lumes pulmonares, a resistência vascular pul- o pulmão aceitar mais sangue sem aumentar a
monar diminui nos volumes médios (Figura pressão, não é o mais importante. Contrarian-
III-10). Isto é, a pressão alveolar desempenha do a visão tradicional de que cada alvéolo é
um ativo papel na distribuição do fluxo sanguí- acompanhado de um capilar, hoje sabe-se que
neo e nas trocas gasosas. Como já visto no capí- existem capilares arteriais supranumerários a
tulo II, em repouso, num adulto normal, as partir das artérias principais. Reconhecem-se
pressões na artéria pulmonar têm por limites dois tipos de vasos supranumerários: aberran-
25/8, com média de 14 mmHg, no máximo tes e acessórios. Uma artéria aberrante emerge
independentemente de qualquer via aérea mas
se ramifica com a artéria própria. Uma artéria
acessória ramifica-se independentemente de
120 qualquer via aérea mas penetra na periferia da
unidade respiratória. Assim, o leito vascular
Resistência vascular (cmH2O/l/min)

pulmonar normal pode aceitar grandes au-


mentos de fluxo sem elevar significantemente
100 a pressão, através do recrutamento desses ca-
nais vasculares. Isto é, é função dos vasos supra-
numerários contribuir para o aumento da área
de secção transversal da vasculatura pulmonar,
80
particularmente em exercício ou como reserva na
perda de tecido pulmonar, mantendo baixa a
resistência vascular pulmonar (Figura III-12).
No caso de leito restringido, esta reserva se
perde e a resposta do paciente é como se ele
60
50 100 150 200 estivesse iniciando no joelho da relação pres-
Volume pulmonar (ml) são-fluxo normal.
FIGURA III-10. Ventilação em baixos volumes pulmo- Sabe-se hoje que a complacência dos vasos
nares aumenta a resistência vascular à circulação, por pulmonares é menor que a dos sistêmicos e
compressão dos vasos pelos tecidos circundantes, en-
quanto que ventilação em altos volumes pulmonares faz
que aumentos do débito cardíaco de até três
subir a resistência intravascular, porque os vasos são ou quatro vezes em relação ao repouso se aco-
distendidos e afinam. A resistência vascular ótima ocorre modam sem elevar a pressão arterial pulmo-
quando a ventilação se faz em volumes pulmonares inter-
mediários, o que diminui o trabalho respiratório mecânico. nar, muito mais por recrutamento de vasos
Experiência em cão (redesenhado de West 1977). previamente não perfundidos do que por dis-
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ARDIOVASCULAR 65

75%
97,4%

97%

120
Pressão sanguínea (mmHg)

100

Segundo
80

60

40

20

0
AD VD AP CP VP AE VE Ao
FIGURA III-11. Curvas e valores pressóricos e saturações da hemoglobina em oxigênio nos diversos compartimen-
tos cardiovasculares (redesenhado de Comroe 1962).

FIGURA III-12. A não ser em exercício


máximo, muitos capilares ficam fecha-
dos. Ao assumir a forma esférica, um
Recrutamento Distensão vaso aumenta ao máximo sua área de
secção transversal (AST) tendo a maior
relação entre volume e superfície. Po-
rém, sendo necessário, o aumento da
soma da AST da circulação, com a con-
seqüente queda da resistência vascular
pulmonar, decorre muito mais do recru-
tamento de vasos de reserva do que da
mudança da forma dos vasos já atuan-
tes (modificado de Rigatto 1973).

tensão dos mesmos. A pressão transmural a periores dos pulmões – ou onde a pressão al-
que os vasos são submetidos é que determina veolar é maior que a pressão venosa pulmo-
o mecanismo a predominar. Nas porções su- nar –, o recrutamento é o mecanismo predo-
66 CARLOS ANTONIO M ASCIA OTTSCHALL
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minante. A distensão é o mecanismo que pre- rior (zona III), a pressão venosa excede a al-
domina nas porções inferiores dos pulmões, veolar e os vasos são sempre mantidos abertos
onde a pressão venosa pulmonar sobrepuja a pela diferença artério-venosa de pressão. Re-
pressão alveolar. conhece-se uma zona IV, pequena, nas bases
pulmonares, em que a pressão intersticial ele-
vada, devido à pouca expansão, reduz muito
COCIENTE VENTILAÇÃO/ o fluxo (Figura III-13). Respondendo à pro-
PERFUSÃO gressiva maior capacidade de expansão alveo-
lar em direção às bases pulmonares (os alvéo-
Cociente ou relação ventilação/perfusão pulmo- los dos ápices já estão superdistendidos), a ven-
nar expressa o encontro ou desencontro entre es- tilação pulmonar dirige-se predominantemen-
ses dois processos vitais, com todo o espectro de te para essa região e assim se adequa o acopla-
conseqüências advindas. Normalmente, as re- mento entre ventilação e perfusão. A área de
giões superiores dos pulmões (zona I de West) encontro entre alvéolos funcionantes com ca-
não são perfundidas, posto que a pressão al- pilares funcionantes – cociente ventilação (V)
veolar excede a pressão arterial pulmonar. Na / perfusão (P) eficaz – é de cerca de setenta
zona média (zona II), a pressão arterial excede metros quadrados no adulto normal, sendo
a pressão alveolar mas esta é maior que a ve- expressada por um cociente médio de 0,8 (4
nosa, e o fluxo capilar é proporcional à dife- l/min de ventilação alveolar / 5 l/min de per-
rença entre as duas primeiras. Na zona infe- fusão pulmonar), apesar das diferenças regio-

Pa < PA > Pv

Pa > PA > Pv

Pa > PA < Pv

FIGURA III-13. A distribuição do fluxo sanguíneo pulmonar é regulada pelas relações entre pressão arterial (Pa),
pressão alveolar (PA) e pressão venosa (Pv). No terço superior do pulmão, a maior P A determina colapso capilar
com fluxo mínimo ou nulo. No terço médio, a maior PA colapsa a porção justavenosa do capilar, com fluxo intermi-
tente nos picos sistólicos. No terço inferior, as maiores Pa e Pv mantêm o capilar sempre permeável. Apesar das
diferenças regionais, o cociente ventilação / perfusão é 0,8 (4 l/min de ventilação alveolar / 5 l/min de débito cardíaco)
(redesenhado de Rigatto 1973).
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nais que podem fugir muito dessa média, dado caso contrário surge hipoxemia que causa va-
que a V predomina nas porções superiores dos soconstrição e hipertensão arterial pulmonar.
pulmões e a P, nas porções inferiores (Figura A hipoxemia estimula a ventilação, e a PaCO 2
III-14). baixa. Este quadro é o mais freqüente nos ca-
Mais do que a ventilação, a difusão ou a sos de doença pulmonar obstrutiva crônica
perfusão isoladas, a relação V/P é o maior de- ainda compensada. Quando a compensação
terminante das trocas gasosas nos pulmões, e cessa por esgotamento do ajuste V/P, aí sim,
sua alteração representa mecanismo funda- surge hipoxemia e, num grau mais avançado,
mental no desenvolvimento de hipóxia alveo- hipertensão arterial pulmonar e também hi-
lar, hipoxemia, hipertensão pulmonar e pos- percapnia. Tão atuante é o reflexo de Euler e
terior hipercapnia. Havendo hipoventilação Liljestrand que sua remoção agrava a descom-
regional, a hipóxia dos alvéolos comprometi- pensação, por piorar agudamente o cociente
dos desencadeia um reflexo vasoconstritor ar- V/P (Figuras III-15 e III-16). Aumento da
teriolar (reflexo de Euler e Liljestrand) que ventilação em relação à perfusão (hiperventi-
diminui o afluxo local de sangue, anulando lação regional ou global) causa hiperoxemia,
ou atenuando a relação ventilação/perfusão hipocapnia, aumento do trabalho respirató-
diminuída e a conseqüente hipoxemia resul- rio e eventualmente dispnéia. Assim, a PAO 2
tante. Se o distúrbio não for suficientemente (alveolar) e a PaO2 (sanguínea) resultam de
amplo, a PaO2 fica dentro dos níveis normais, um balanço entre a remoção do oxigênio pelo

PO2 = 150

Volume

PvO2 = 40 Distribuição
PvCO2 = 46
Sangue venoso

PAO2 = 100
PACO2 = 40 PAO2 = 100 Difusão
PACO2 = 40

2,5 l/min 2,5 l/min

PaO2 = 90
PaCO2 = 40
Sangue arterial
Perfusão
FIGURA III-14. Idealmente, a ventilação (V) e a perfusão (P) devem distribuir-se igualmente entre os alvélos,
mantendo um cociente V/P de 0,8 (4 l/min de V e 5 l/min de P). A queda da pressão atmosférica de O 2 de 150 mmHg
para 100 mmHg nos alvéolos ocorre pela presença, no espaço alveolar, de vapor dágua e de CO2 proveniente do
sangue venoso que, por efeito da ventilação, baixa de 46 mmHg no sangue venoso para 40 mmHg nos alvéolos.
Como a relação V / P não é perfeita, ocorre pequeno gradiente alvéolo-arterial de oxigênio (PAO 2-PaO2) de apenas
10 mmHg, se a difusão for normal. Se a difusão for anormal e principalmente se a relação V / P for marcadamente
desuniforme, o gradiente A-a poderá aumentar muito e surgir hipoxemia (Gottschall 2005).
68 C ARLOS NTONIO
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Inelasticidade regional Obstrução regional

PAO2 = 45 PAO2 = 110

PaO2 = 100
PaO2 = 40
3,5 l/min
1,5 l/min

Colapsabilidade Restrição regional PaO2 = 82


regional
FIGURA III-15. À esquerda: Desuniformidade da distribuição da ventilação pode ocorrer por perda de elasticidade
regional (enfisema), obstrução brônquica (bronquite, asma brônquica), colapso brônquico (enfisema), restrição regional
de movimento (fibrose pulmonar, congestão). À direita: A má ventilação alveolar (hipóxia alveolar) causa hipoxemia
regional que pode ser compensada por vasoconstrição arteriolar reflexa provocada por essa hipóxia (reflexo de Euler e
Liljestrand). A vasoconstrição diminui o fluxo para as áreas mal ventiladas, o qual predomina nas áreas melhor ou bem
ventiladas, aumentando a média da tensão de oxigênio no sangue arterializado (PaO2) e normalizando uma PaO2 que
seria baixa sem esse reflexo. Vasoconstrição generalizada causa hipertensão arterial pulmonar (Gottschall 2005).

Controle 30 min

32 100
AP
(mm Hg)
16

4
IC
(l/min/m 2) %HbO2 75
2

RP 560
-5
(din.seg.cm )
280
50
Controle 30 min
FIGURA III-16. À esquerda: Paciente com hipertensão arterial pulmonar por cor pulmonale crônico mostra, no con-
trole, aumento da pressão média em artéria pulmonar (AP), índice cardíaco (IC) normal e aumento da resistência
vascular pulmonar (RP). Após 30 minutos de injeção de reserpina na circulação pulmonar, com conseqüente vaso-
dilatação, diminuem a pressão em AP e a RP, e aumenta o IC. À direita: Entretanto, devido à remoção da vasocons-
trição nas áreas mal ventiladas (anulação do reflexo de Euler e Liljestrand), essas áreas voltam a ser mais perfun-
didas, e a média da saturação arterial da hemoglobina em oxigênio (%HbO2) cai, indicando piora da hipoxemia por
perda desse reflexo protetivo (áreas achuriadas indicam limites da normalidade) (Rigatto e Gottschall 1973).
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ARDIOVASCULAR 69

sangue e a sua reposição pela ventilação. Isto de modo a ficarem o mais próximo possível
é, reduzindo-se gradualmente a ventilação sem do interstício, para facilitar a difusão das subs-
alterar-se a perfusão surge hipoxemia e hipercap- tâncias afora e adentro (Figura III-8).
nia. O extremo dessa situação é representado por Adicionalmente, no espaço entre as hemá-
curto-circuito veno-arterial anatômico ou ate- cias forma-se ativa circulação de plasma com
lectasia, em que a relação V/P é zero. Se a perfu- velocidade duas vezes maior que a do fluxo
são para um alvéolo normalmente ventilado for sanguíneo, o que propicia ampla exposição das
gradualmente reduzida, a PaO 2 do sangue que moléculas de hemoglobina ao meio que as cer-
por ele passar aumentará e a PaCO2 diminuirá. ca. A forma e a densidade também são provi-
denciais, pois o fato de serem anucleadas lhes
tira peso, além de que, se as hemácias fossem
HEMOGLOBINA E HEMÁCIAS esféricas, o fluxo seria impossível para hema-
tócrito > 45% e muito reduzido para hemató-
Seria impossível a manutenção da vida nos or- crito de 20%, tal a resistência à circulação. Para
ganismos superiores, compostos por trilhões de eliminar esse problema e oferecer a máxima
células complexas, diferenciadas e muito distan- capacidade de transporte de O2, as hemácias
tes entre si, sem um sistema circulatório que car- assumiram forma achatada, em disco, tendo
reasse a grande quantidade necessária de oxigê- membrana de pouca elasticidade mas alta de-
nio para o metabolismo. Se bem que o primiti- formabilidade, a fim de facilitar o achatamen-
vo processo de difusão continue se mantendo a finalidade do achatamento das he-
to. Isto é,
para a entrada e saída dos nutrientes em nível mácias é aumentar a superfície de troca para o
celular, a chegada do O 2 e a retirada do CO2 O2 e o CO2 e facilitar a formação laminar do
precisam de um sistema de transporte altamen- fluxo, que exige muito menos pressão de perfusão
te eficiente. Em função dessas necessidades, que o fluxo turbulento, o qual ocorre na raiz das
entre outros sistemas especializados, surgiram grandes artérias, aorta e pulmonar. Para man-
e evoluíram os pulmões, o aparelho cardio- ter o fluxo laminar, os glóbulos vermelhos de-
vascular, o sangue, a hemoglobina (Hb) e as vem migrar da parede, onde a velocidade é
hemácias. O surgimento da molécula de he- mínima, para o centro dos vasos, onde a velo-
moglobina permitiu levar a quantidade neces- cidade é máxima. Experiências in vitro mos-
sária de O2 aos tecidos. Isto é, se o oxigênio tram que esferas rígidas não se despegam da
fosse transportado apenas dissolvido no sangue, parede. Para fazer a migração precisam da for-
sem a hemoglobina, chegaria às células numa ma elíptica, o que facilita a passagem tanto
quantidade desprezível, totalmente incompatí- pelos capilares pulmonares quanto pelos peri-
vel com a vida. Entretanto, essa molécula de féricos. Na congestão circulatória da poliglo-
60 A poderia escapar pelos glomérulos renais bulia ou da insuficiência cardíaca perde-se o
e aumentar excessivamente a viscosidade do fluxo laminar, as hemácias atritam com a pa-
sangue. Para evitar esses inconvenientes, a na- rede vascular e a resistência circulatória aumen-
tureza colocou a hemoglobina nos glóbulos ta (Figura III-17).
vermelhos que, por serem maiores, não esca- Dependendo do sítio, e em função de suas
pam pelos poros glomerulares e praticamente características, a hemoglobina mostra humor
não aumentam a viscosidade do sangue. Cons- inconstante, atrai ou repele o O 2: no meio
tituem 99% das células sanguíneas mas ainda pulmonar, relativamente alcalino, e pobre em
assim são menos numerosos que as moléculas CO2, liga-se rapidamente ao O 2; no meio pe-
de Hb. Apesar de muito maiores que estas, riférico, relativamente ácido e rico em CO 2,
são suficientemente pequenos para passarem libera O2. Essa inconstância atende a propó-
pelos capilares, mas só passarem em fila indi- sitos maiores que são satisfazer a exigência dos
ana e encostando na fina parede endotelial, meios a que serve (Vide Figura III-19).
70 CARLOS NTONIO
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Fluxo de Viscosidade
HbO2 relativa à água

5 15 25 35 45 55 65 75
Hematócrito (%)

FIGURA III-17. Em cima, à esquerda: Normalmente o fluxo sanguíneo é laminar, sem aderir à parede vascular. No
meio, à esquerda: Havendo remora circulatória, o fluxo perde a laminaridade e adere à parede vascular, causando
atrito, que aumenta a resistência à circulação. Embaixo, à esquerda: Hemácias progridem uma a uma nos capila-
res, em fila indiana, cujo movimento produz entre elas um fluxo de plasma que auxilia na transferência do oxigênio
para o interior das mesmas. Em cima, à direita: A elevação do hematócrito até o limite de 60% aumenta o fluxo de
hemoglobina para os tecidos, mas excessiva hiperviscosidade faz diminuir o fluxo. Embaixo, à direita: As hemácias
não têm núcleo, o que diminui seu peso e a resistência à circulação, e apresentam forma circular achatada no meio,
o que facilita a deformação para passar pelos capilares, faz cair sua adesividade à parede e a resistência à sua
circulação (modificado de Rigatto 1973).

CASCATA DE OXIGÊNIO mmHg; o N , por ser inerte fisiologicamente,


2
é pouco afetado em sua concentração. A mis-

Para ser utilizado pelo metabolismo celular, o tura assim constituída passa a chamar-se ar

oxigênio precisa ser “succionado” por um proces- alveolar e nele a pressão parcial de O
2 (PAO2),
so de gradiente difusional desde a atmosfera . que era em torno de 150-160 mmHg no ar

Num adulto normal em repouso, uma vez ins- inspirado, cai para cerca de 100 mmHg (90 a

pirado o ar atmosférico, com seu conteúdo de 110 em repouso) e a do CO (PACO ), que


2 2
79,03% de nitrogênio, 20,93% de oxigênio e era de 2 mmHg, eleva-se para cerca de 40

desprezível de bióxido de carbono e gases ra- mmHg (36 a 45). Ressalte-se que essas modi-

ros, cerca de 350 ml do mesmo (dos 500 ml ficações não são estáticas, fracionadas, mas

de ar corrente, 150 ml permanecem no espa- dependem de um equilíbrio dinâmico, flutu-

ço morto) misturam-se com cerca de 2200 ml ante (Quadro III-1).

(capacidade residual funcional pulmonar) de Devido a maior ou menor diluição que a

gás contido no espaço alveolar, com menor hiper ou hipoventilação, respectivamente, cau-

concentração de oxigênio, por ter sido utili- sam no ar alveolar, na primeira circunstância

zado em grande parte na hematose, e rico em aumenta a pressão parcial exercida pelas mo-

bióxido de carbono, por ter difundido a par- léculas de O e diminui a exercida pelas de
2
tir do sangue venoso, e saturam-se com vapor CO , acontecendo o oposto na segunda. En-
2
d’agua que, à temperatura de 37
oC, no inte- tretanto, por mais intensa que seja a ventila-

rior dos pulmões, exerce pressão parcial de 47 ção com ar atmosférico, a PAO
2 não ultrapas-
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sará 130 mmHg e a PACO 2 não baixará de combinado com a hemoglobina (Hb) à razão
20 mmHg. Isto é, pode-se dizer que, dentro de de até 1,39 ml de O2/g de Hb, o que repre-
limites, a PAO2 e a PACO2 estão, respectivamen- senta a capacidade máxima de combinação da
te, direta e inversamente relacionadas com a Hb com o O2. Essa combinação depende da
magnitude da ventilação alveolar. Embora pressão parcial de oxigênio no sangue arterial
exista pequeno gradiente entre as respecti- (PaO2) e praticamente atinge o valor máximo
vas pressões parciais dos gases alveolares e quando a mesma é de 100 mmHg. Como o
arteriais (A-a), na prática, consideram-se sangue de um indivíduo normal contém cer-
equilibradas. Como as concentrações des- ca de 15 g de Hb/100 ml, esse mesmo volume
ses gases não se modificam no sangue arte- pode conter 15 x 1,39 ml de O 2, ou seja,
rial até chegarem aos tecidos, o mesmo pode 20,8ml de oxigênio combinados com a Hb,
ser usado como real espelho das condições ven- mais os 0,3 ml dissolvidos no plasma. Isto é,
tilatórias. Nos tecidos, devido à utilização do em condições normais, é através da hemoglobina
O2 pela respiração celular, sua pressão parcial que a imensa maioria do oxigênio absorvido pe-
(PtO2) cai para cerca de 40 mmHg (Figura los pulmões é transportada aos tecidos (cerca de
III-18). setenta vezes mais unido à Hb do que dissolvi-
No sangue venoso que aflui aos pulmões do). Quando a Hb consegue reter todo o O 2
para ser hematosado, a pressão parcial do O2 de que é capaz (1,39 ml de O 2/g de Hb), diz-
(PvO2) é de 40 mmHg e a do CO 2 46 mmHg, se que está totalmente saturada. Isto é, se 15 g
no indivíduo em repouso. Ao chegar aos capi- de Hb/100 ml de sangue, totalmente saturadas,
lares pulmonares, são as diferenças de 60 retêm cerca de 20 ml de O2, cada ml de O2 (vol%
mmHg entre a PAO2 e a PvO2 e de seis mmHg de O ) equivale a 5% de saturação para essa
2

entre a PvCO2 e a PACO2 que dirigem o oxi- quantia de Hb. A percentagem de saturação
gênio dos alvéolos para os capilares e o bióxi- da Hb (%HbO2) em O2 é avaliada pela se-
do de carbono dos capilares para os alvéolos. guinte fórmula:
O oxigênio difundido através da membrana
+E22
alvéolo-capilar incorpora-se ao sangue circu- % +E22 u100
+E22  +E
lante, arterializa-o, e por esse é transportado
de duas maneiras: a) dissolvido, à razão de Embora a capacidade de combinação do O 2
0,003 ml de O 2/100 ml/mmHg a 38 oC e, com a Hb, de mínima variação individual,
portanto, exercendo certa pressão parcial; b) dependa fundamentalmente da PaO 2, é in-

FIGURA III-18. Casca-


ta de oxigênio: A con-
150 centração fracional de
oxigênio cai do ar at-
Ar
mosférico para os pul-
mões, devido à dilui-
Pulmão e sangue ção no ar alveolar, do
PO2 (mmHg)

100
pulmão para o sangue
arterial como conse-
qüência de alterações
50 no cociente ventilação
Tecidos / perfusão, e do san-
gue arterial para os te-
cidos pelo consumo
0 celular de O 2 (Gotts-
Atmosfera Mitocôndria chall 1995).
72 CARLOS NTONIO
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fluenciada também pelos níveis de 2,3 DPG essa propriedade os fumantes viveriam ainda
(difosfoglicerol), pela temperatura e pH ou pior), e a segunda assegura fácil oxigenação
PCO locais (efeitos Bohr e Haldane), fatores tecidual. O fato normal de a %HbO não atin-
2 2

que favorecem a liberação do oxigênio aos te- gir 100% é explicado pela seguinte combina-
cidos, desviando a curva de dissociação para a ção de fatores; a) PaO 2 insuficiente para satu-
direita. No indivíduo normal, com PaO de rar totalmente a Hb (saturação total só se dá
2

cerca de 100 mmHg, a saturação da Hb man- com PaO > 300 mmHg); b) desuniformida-
2

tém-se em torno de 97,5% (94 a 100%). Ape- de da distribuição da ventilação pulmonar (co-
sar de a %HbO depender da PaO e de varia- ciente ventilação/perfusão não “ideal” mesmo
2 2

rem no mesmo sentido, a relação que man- em normais); c) drenagem das veias brônqui-
têm entre si não é linear, mas expressa por uma cas, de Tebésio e cardíacas anteriores nas pul-
curva característica, em “S”, chamada curva monares e no átrio esquerdo.

O2 total
(%HbO2 + dissolvido)
100 oC 22
100
pCO2
pH
%HbO2 18
80 80

oC 14
60 60
PCO2 Vol % O2
%HbO2
pH 10
40 40

6
20 20
O2 dissolvido 2

0 20 40 60 80 100 0 20 40 60 80 100 670


PaO2 (mmHg) PaO2 (mmHg)
FIGURA III-19. Curva de dissociação da hemoglobina (Hb). À esquerda: A curva de dissociação da Hb se desvia
para a direita (maior liberação de O2 para os tecidos) por efeitos isolados ou combinados da temperatura, PCO 2 e
pH. À direita: Com uma PaO2 de 100 mmHg a Hb já está quase totalmente saturada (%HbO2), e só 0,2% de
oxigênio dissolvem-se no plasma. Com PaO2 de 600 mmHg a saturação praticamente não aumenta, e o conteúdo
de O2 dissolvido no plasma é cerca de 2 vol% contra os 20 vol% de O2 carreados pela Hb (Gottschall 1985, 1995).

de dissociação da hemoglobina, cuja parte su- QUADRO III-2. PO2, O2 dissolvido e % HbO2 no
sangue arterial (pH = 7,40; 37 oC)
perior aplanada explica porque saturação com-
pleta somente costuma ocorrer com PaO aci- O2
2
PO2 (mmHg) (ml / 100 ml) %HbO2
ma de 300 mmHg. Entre outras, ressaltam
10 0,03 13,5
duas propriedades peculiares da curva de dis-
20 0,06 35,0
sociação: a) com PaO acima de 80 mmHg a
2
30 0,09 57,0
Hb já se satura quase completamente; b) com 40 0,12 75,0
50 0,15 83,5
PaO2 abaixo de 50-60 mmHg libera O 2 com 60 0,18 89,0
grande facilidade (Figura III-19 e Quadro 70 0,21 92,7
80 0,24 94,5
III-2). A primeira propriedade representa efi-
90 0,27 96,5
caz defesa do organismo contra a hipóxia (sem 100 0,30 97,4
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ARDIOVASCULAR 73

A pressão tecidual de oxigênio (PtO 2) va- fusão pelas membranas capilar e celular até o
ria de 0 a 60 mmHg, com média de 40 mmHg interior das mitocôndrias, nas quais ocorre a uti-
em repouso. Três fatores principais influem lização final do oxigênio, o que constitui a respi-
nessa variação fisiológica: a) aporte de oxigê- ração tecidual ou celular. Mitocôndrias, as usi-
nio aos tecidos, o que depende da capacidade nas celulares, são organelas citoplasmáticas ge-
cardiopulmonar; b) distância das células da ralmente múltiplas, presentes em praticamente
fonte de oxigênio, representada pelo sangue todas as células do organismo, cujo número é
capilar; c) intensidade do consumo do oxigê- proporcional à atividade metabólica da célu-
nio, o que reflete a intensidade do metabolismo la, onde se faz a oxidação final dos nutrientes
celular. Quando o sangue chega aos capilares sis- e a formação de adenosinatrifosfato (ATP), o
têmicos sua PaO2 (80-100 mmHg) equilibra-se grande depósito de energia celular, por meio
com a tecidual (30-40 mmHg) por difusão, de da chamada fosforilação oxidativa. As mito-
modo semelhante ao que ocorre na membrana côndrias utilizam 95% de todo o oxigênio
alvéolo-capilar pulmonar. Considera-se PtO2 < consumido por qualquer célula para transfor-
35 mmHg indicativo de hipóxia tecidual. mar alimentos em combustível. Isto é, cada
Decorrente da queda da PO2, resulta rápi- vez que respiramos, é dado um empurrão ener-
da liberação de O2 pela hemoglobina, libera- gético nas nossas células. Nesse processo, porém,
ção que é intensificada pelas mais altas PCO as mitocôndrias podem desgarrar elétrons,
e temperatura, e mais baixo pH, tanto mais chamados radicais livres, capazes de unir-se a
2

quanto mais intenso o metabolismo local, outras moléculas, danificando-as. Isto é, radi-
como no caso do exercício muscular. A vaso- cais livres podem ser considerados vilões molecu-
dilatação que se segue por efeito desses fatores lares, capturando elétrons de outras moléculas e
e do acúmulo de metabolitos teciduais aumen- provocando caos no interior das células, destru-
ta a área de capilares pérvios, intensificando o indo cromossomas ao danificarem o DNA. É
fluxo sanguíneo. Não obstante alguns tecidos uma das explicações para o envelhecimento.
evidenciarem metabolismo mais intenso que Como seria de esperar, o tecido muscular é o
outros, análises de sangue representativo da que apresenta o maior número de mitocôn-
média da composição venosa corporal (san- drias por célula. A ATP é provavelmente a mais
gue venoso misto), retirado do tronco da ar- importante substância – cuja hidrólise serve
téria pulmonar, mostram que, em repouso, o para dirigir reações endergéticas – presente nos
organismo utiliza, em média, 5 ml de O / sistemas biológicos. Sua energia é armazena-
100ml de sangue/min ou, mais simplesmen- da num grupo de compostos conhecidos como
2

te, 5 vol%/min, o que equivale a dizer que a “fosfagênios”: creatinafosfato nos vertebrados
%HbO do sangue venoso é de 75%, poden- e argininafosfato nos invertebrados. Os cor-
do oscilar muito, em função da maior ou menor pos fosfatados da ATP – que liberam grande
2

utilização corporal de oxigênio. Máximo consu- quantidade de energia quando esta é hidroli-
mo tecidual (músculo em exercício intenso) pode zada – foram batizados por Lipman de “com-
diminuir a saturação venosa da hemoglobina para postos de alta energia”.
25%, e aumentar a diferença artério-venosa lo- A oxidação dos alimentos é um processo
cal de oxigênio para 14 ou 15 vol%. químico escalonado na dependência de diver-
sas enzimas, que segue rotas metabólicas dife-
rentes a partir dos variados tipos de nutrien-
RESPIRAÇÃO TECIDUAL tes mas que se unem e percorrem o mesmo
OU CELULAR caminho a partir de certo estágio. A atividade
das enzimas depende por sua vez de outras
Fonte da vida, o fluxo contínuo de O2 assegura- pequenas substâncias orgânicas chamadas co-
do pelo aparelho cardiopulmonar passa por di- enzimas, geralmente derivadas do complexo
74 ARLOS
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vitamínico B. Hormônios também exercem ção de energia. Formação de ATP pela glicóli-
importante influência química reguladora, se é importante para a sobrevivência de célu-
controlando o transporte de metabolitos es- las isquêmicas, uma vez que ATP glicolítica
senciais através de membranas biológicas, pode proteger a membrana, fornecendo ener-
como é o caso da insulina, que facilita a entra- gia para as bombas relacionadas a ela, tais como
da de glicose na célula, independentemente a bomba de sódio e de cálcio do retículo sar-
de outro efeito metabólico. coplasmático. Isto é, durante a glicólise anae-
O coração, como o músculo esquelético, é róbica são produzidos duas ATP e dois H + que
onívoro nos seus requerimentos metabólicos representam apenas seis por cento da energia celu-
para converter a energia necessária a seus pro- lar que será derivada do metabolismo oxidativo .
pósitos contráteis, através do desdobramento Os dois H+ não formam água imediatamente,
dos 3,5 a 5 kg de ATP que usa por dia. Mais mas primeiro interagem com uma molécula
ou menos 87% da energia armazenada na ATP carreadora, nicotinamida adenina dinucleotí-
é convertida em trabalho mecânico pelo cora- deo (NAD), e originam NADH 2 que entra
ção. Considerando os músculos, e o coração na mitocôndria e também ajuda a formar al-
em particular, para que se produza tal energia gum ATP.
se requer que seus combustíveis potenciais, Em condições anaeróbicas, o metabolismo
como ácidos graxos e glicose, sejam quebra- desvia-se da dependência predominante dos
dos em componentes simples de dois carbo- ácidos graxos para a glicólise. O piruvato é
nos, capazes de entrar na mitocôndria e parti- convertido em lactato (éster do ácido lático),
cipar do processo de produção de energia. que deixa de ser aproveitado pelo miocárdio
Ácidos graxos de cadeia longa representam porque a NADH2 formada não pode entrar
mais ou menos dois terços do combustível na mitocôndria anaeróbica. Porém, em aero-
miocárdico em jejum, derivando-se o restante biose, na presença de certas coenzimas (piro-
de carboidratos e quase nada de aminoácidos. fostato de tiamina e ácido lipólico), o piruva-
Glicose é o maior combustível miocárdico ape- to é transformado pela oxidase pirúvica no
nas depois de copiosa refeição, sendo trans- composto acetil-coenzima A (acetil-coA), um
portada para as células cardíacas pelo trans- derivado do ácido pantotênico. A acetil-coA é
portador insulino-sensível GLUT-4, enquan- um ponto de convergência metabólica para
to que glicogênio é um combustível de reser- iniciar-se o ciclo celular aeróbico da respira-
va que pode ser usado em situações de emer- ção. Nessa primeira fase, pequenas moléculas
gência, como aumento súbito do trabalho car- como glicose, ácidos graxos e aminoácidos são
díaco ou isquemia. incompletamente metabolizados em acetil-
Através do processo enzimático catalítico coA, alfacetoglutarato ou oxalacetato, consti-
chamado glicólise, glicogênio ou glicose unem- tuindo a acetil-coA a maior parte, pois dois
se – em presença da enzima hexoquinase – a terços dos átomos de carbono dos carboidra-
um fosfato fornecido pela ATP, formando gli- tos, todos os átomos de carbono dos ácidos
cose-6-fosfato. A glicose-6-fosfato pode ser graxos e mais ou menos metade dos átomos
incorporada ao glicogênio de reserva pela de carbono dos aminoácidos originam acetil-
transformação em glicose-1-fosfato ou pode coA. Os três produtos finais da primeira fase
prosseguir numa cadeia metabólica até ser tomam parte na segunda fase, de liberação de
desdobrada em duas moléculas de piruvato energia, o chamado ciclo dos ácidos tricarbo-
(éster do ácido pirúvico) que, por ação da en- xílicos ou dos citratos ou aeróbico de Krebs,
zima piruvatoquinase, libera energia para seu descobridor. O ciclo de Krebs representa
transformar duas adenosinamonofosfato a rota metabólica final para a combustão com-
(ADP) em duas ATP, constituindo o chama- pleta de todos os alimentos. Isto é, na mito-
do ciclo anaeróbico (sem oxigênio) de produ- côndria, seis moléculas de oxigênio e uma de gli-
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ARDIOVASCULAR 75

cose unem-se e iniciam um processo catabólico energia livre disponibilizada pelos elétrons até
que termina formando seis moléculas de CO 2 e formar O2 e H2O é armazenada e conservada
seis de H2O. A desintegração da glicose libera a na forma de ATP . A soma total destas reações é
energia solar que nela havia sido incorporada conhecida como fosforilação oxidativa, distin-
pela fotossíntese, completando o processo de ae- guindo-se da fosforilação em nível de substra-
robiose. to que ocorre na glicólise anaeróbica. Normal-
O ciclo aeróbico de Krebs – que se passa mente constrói-se uma molécula de ATP para
no interior das mitocôndrias – inicia-se e con- cada quatro prótons transferidos, numa razão
tinua por efeito enzimático quando os dois P/O de 2,5. Isto é, alto consumo de oxigênio
fragmentos de carbono da acetil-coA ligam-se miocárdico reflete aumento da produção de ATP .
com ácido oxalacético, seguindo-se, num pro- A energia aeróbica obtida do metabolismo
cesso químico, produção sucessiva de ácidos oxidativo da glicose termina por produzir
cítrico, cisaconítico, isocítrico, oxalsucínico, aproximadamente 30 moléculas de ATP por
alfacetoglutárico, sucínico, fumárico e máli- molécula de glicose, com um total obtido de
co. Oxalacetato regenera-se em ácido oxalacé- 32 ATP (dois da fase anaeróbica).
tico para reagir com outra molécula de acetil- A ATP, ao desdobrar-se posteriomente em
coA e reiniciar o ciclo. No caso dos lipídios, a ADP e creatinafosfato, libera energia para os
acetil-coA penetra na barreira mitocondrial processos vitais. Essa energia é usada, entre
carreada pelo composto carnitina. A porção outras ações, para a interação actina-miosina,
que não entra na mitocôndria não pode ser contração muscular e produção de trabalho
oxidada e forma triglicerídios e lipídios estru- cardíaco. Estima-se que 60-80% do total de
turais miocárdicos, os últimos por mudanças energia livre disponível nos alimentos seja li-
na saturação e no comprimento da cadeia. berada na fase oxidativa do metabolismo.
Em várias dessas transformações ácidas pro- Mesmo tendo perdido energia, o H+ é amea-
duzem-se, por desidrogenação, H+ ricos em ça, pois pode acidificar o meio mitocondrial,
energia e moléculas de CO2 e H2O. O resul- bloqueando o processo aeróbico. Assim, cada
tado é a liberação de duas moléculas de CO2 e dois H e um O formam H2O, neutralizan-
+ –
oito H+ por decarboxilação e desidrogenação do a ameaça ácida (Figura III-20). Isto é, a
enzimáticas. Note-se que o carbono não reage finalidade metabólica última do oxigênio é uni-
diretamente com o O2 para formar CO2. O camente a de aceptor de hidrogênio após desi-
CO2 produzido toma parte em outras reações drogenação de algumas substâncias (metabolis-
ou difunde de volta da mitocôndria para o mo aeróbico), e as enzimas respiratórias que o
sangue capilar. Os prótons e elétrons acom- utilizam são os citocromos, flavoproteínas e piri-
panhantes entram numa série de reações de dina necleotídeos, todas componentes mitocon-
oxidação (perda de elétrons) e redução (ganho driais.
de elétrons) conhecida como sistema de trans- Como já referido, a principal função do
porte de elétrons. Em seqüência, os H+ são metabolismo é a liberação e subseqüente es-
transportados e transferidos para fora através tocagem de energia sob a forma de “compos-
da membrana mitocondrial pelo processo de tos ricos em energia” para transformação em
bombeamento de prótons, principalmente por trabalho mecânico. Característica fundamen-
uma cadeia de citocromos até unirem-se ao tal da reação glicolítica é o papel dos fosfatos
oxigênio e formar água, que acaba juntando- e seus aceptores, como a ADP, para a efetiva-
se à água total do organismo. Nesse caminho, ção de várias reações. Incorporando fosfato
a energia proveniente da perda de elétrons pe- (creatinafosfato), a ADP se transforma em
los H+ é aproveitada para adicionar fosfatos ATP (na célula, a fosfocreatina fica próxima
de alta energia à ADP e transformá-la em ATP, da enzima creatinoquinase que a transforma
o combustível principal das células. Isto é, a em ATP). Caindo o nível de ADP, diminui a
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Liberação Conservação Utilização


Combustíveis
Ácidos graxos (Lipólise)
Glicose (PV)
Lactato (Glicólise)
Proteínas Actomiosina
CIT µ-CETO CP

ATP
Ciclo de Fibra Trabalho
AC+AOA SUC cardíaco
KREBS muscular
CoA

MAL FUM Actina + Miosina


Pi+ADP
CO2 Citocromos
O2 H+

H 2O
FIGURA III-20. Ácidos graxos, glicose, lactato, proteínas entram no ciclo de Krebs (ciclo dos ácidos tricarboxílicos)
unindo-se com a acetilcoenzima A (Ac-CoA) e, depois de uma série de transformações, liberam íons H + (fase de
liberação). Esses H+, ao entrarem na cadeia dos citocromos, fornecem energia para a transformação de adenosina
difosfato (ADP) – unindo-se com fosfato inorgânico (Pi) – em adenosina trifosfato (ATP), a qual se desdobra em
creatinafosfato (CP) para ser estocado na célula (fase de conservação). A energia proveniente do desdobramento
da ATP é usada para desencadear a interação actina-miosina e promover a contração miocárdica, produzindo
trabalho cardíaco externo, que é o produto da pressão desenvolvida pelo volume de expulsão ventricular (PV) (fase
de utilização), ou contração muscular esquelética (redesenhado de Olson e Piatnek 1959).

glicólise por falta de “tração”. Aumentando a Assim, a circulação pode ser vista como um
ADP, como ocorre no exercício muscular – sistema para a transferência de energia do co-
quando grandes quantidades de ATP são hi- ração para órgãos da periferia, pois a ATP pro-
drolizadas em creatinafosfato e ADP –, aumen- duzida no miocárdio a partir do O 2 levado
ta a glicólise. Essa gangorra explica como o pela circulação coronariana é degradada e seu
funcionamento muscular controla a taxa de poder transformado em energia mecânica, que
liberação de energia e porque, após atividade propele o sangue pela circulação sistêmica
muscular vigorosa, o metabolismo aumenta. para, por sua vez, liberar O2 para os capilares
Um importante mecanismo regulador do ci- e depois para os tecidos, onde se recria a ATP
clo dos citratos é a razão mitocondrial de a partir da ADP. Isto é, a circulação atua como
NAD/NADH2 – que diminui durante traba- um sistema de transferência de ATP .
lho cardíaco aumentado –, quando mais ATP É importante considerar que tanto a pres-
citosólico é desdobrado em ADP, cujo gradien- são, ou tensão, como o conteúdo (número de
te citosólico o impulsiona para dentro da mi- moléculas por unidade volumétrica de sangue)
tocôndria pela translocase ADP-ATP, o que de oxigênio são fundamentais para o metabo-
estimula a fosforilação oxidativa. Isto é, o me- lismo oxidativo normal. A tensão deve ser de
tabolismo mitocondrial energético é dirigido por suficiente magnitude para provocar a difusão
maior intensidade de formação de ADP e con- do gás desde o capilar até a mais remota célu-
centração aumentada de cálcio, que o estimula la, e o conteúdo deve assegurar a satisfação das
(Capítulo IV). necessidades em oxigênio de todas as células.
A contração miocárdica usa ATP e provê a No envenenamento por CO, a PaO 2 pode es-
energia mecânica para dirigir o sangue pela tar normal mas a quantidade liberada aos te-
circulação e liberar O2 para vários tecidos. cidos praticamente nula (apenas disponível a
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ARDIOVASCULAR 77

porção dissolvida no plasma), devido à inati- fícios que decorrem de uma atividade física
vação da hemoglobina (a hemoglobina tem vigorosa e continuada são bem documenta-
uma afinidade 210 vezes maior com o CO que dos, incidindo os benefícios salutares do trei-
com o O2), e nas policitemias compensadoras namento físico sobre todas as etapas de forne-
baixa PaO2 pode associar-se a conteúdo nor- cimento do oxigênio às células, até um maior
mal do gás. aproveitamento mitocondrial. Em estudo do
Proveniente do metabolismo tecidual, o qual participamos, comparando-se o compor-
CO2 é transportado aos pulmões na propor- tamento, em face de exercício de moderada
ção de 60% no plasma e 40% nos eritrócitos. intensidade, de 14 estudantes de medicina de
Da porção plasmática, 60% viajam como bi- vida relativamente sedentária com outros 14
carbonato, 30% como compostos carbamídi- de educação física, submetidos a pelo menos
cos e 10% dissolvidos, e, como tal, exercendo 15 horas de exercício físico por semana, este
uma pressão parcial no sangue venoso grupo diferiu significativamente do primeiro
(PvCO2) de 46 mmHg, em média. Isto é, essa por uma menor elevação da freqüência car-
porção dissolvida é a mais prontamente mobili- díaca, do volume minuto respiratório, do con-
zável, já que é a forma pela qual o CO 2 é elimi- sumo de oxigênio, da produção de gás carbô-
nado pelos pulmões. Como o ar inspirado nor- nico e da lactacidemia, nesta ordem de ascen-
malmente contém apenas cerca de 0,03% de dência. A elevação da lactacidemia nos não
CO2, uma conseqüência da ventilação alveo- treinados foi mais que o dobro dos treinados
lar é a diluição, nos pulmões, do CO2 prove- (Figura III-21). A diferença de comportamen-
niente do sangue venoso. Essa diluição asse- to entre estes dois grupos está de acordo com
gura uma concentração de CO2 alveolar em a experiência de outros, segundo a qual o in-
torno de 5,6%, o que determina uma pressão divíduo fisicamente apto obtém cerca de
parcial de CO2 alveolar (PACO2) em torno 95% de sua demanda energética do metabo-
de 40 mmHg (0,056 x 760 mmHg). A con- lismo aeróbico, e somente 5% ou menos de
centração de CO2 alveolar é regulada pela se- metabolismo anaeróbico. Nos sedentários, a
guinte equação, tendo correlação linear com participação do metabolismo anaeróbico, para
a ventilação alveolar em presença de metabo- o mesmo grau de atividade, é aproximadamen-
lismo estável: te duas vezes maior, ou seja, 10% do total.
Isto é, isso demonstra que o sedentarismo reduz
GpELWR &22
3$&22 significantemente a capacidade humana de res-
YHQW.DOYHRODU
piração tecidual .
Vê-se, assim, que a PACO2 varia na razão Como sabemos, o aproveitamento do oxi-
inversa da ventilação alveolar e também o CO 2 gênio se faz através da atividade mitocondrial,
arterial (PaCO2), já que esse se equilibra com isto é, a capacidade aeróbica provém do meta-
o alveolar. Daí decorre o valor da medida da bolismo celular e está diretamente relacionada
PaCO2 como teste das condições com que se com a riqueza em mitocôndrias no músculo. É im-
cumpre a ventilação alveolar. Normalmente, portante não só o número de mitocôndrias,
a PaCO2 varia de 36 a 42 mmHg, com média mas que funcionem adequadamente, sejam
de 38 mmHg. Sua remoção depende apenas supridas de substratos para a aerobiose e de-
da ventilação alveolar e do débito cardíaco. puradas de seus subprodutos. O número de-
Inúmeras evidências clínicas, epidemioló- pende de atividade física regular e suficiente-
gicas e experimentais mostram que a vida se- mente intensa, pois exercício o aumenta
dentária a que a “civilização” condicionou a proporcionalmente em semanas, conforme
maior parte de seus habitantes tem importan- demonstram biópsias musculares, enquanto
tes repercussões negativas sobre a saúde respi- que sedentarismo o diminui progressivamen-
ratória e circulatória. Inversamente, os bene- te. Entretanto, esse aumento não costuma ser
78 CARLOS NTONIO
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650
Não-treinados

Treinados

400

Após
exercício:
% de aumento

150

0
FC FR VM V· O2 V· CO2 AL
FIGURA III-21. Variação de parâmetros circulatórios e repiratórios em adultos jovens não-treinados e treinados
face a exercício moderado (600 kgm / min). Os aumentos percentuais médios (n=14 em cada grupo), observados
no 5o. minuto de exercício em bicicleta ergométrica, têm como mais notáveis diferenças em relação ao repouso as
referentes à respiração tecidual. Os indivíduos treinados cumprem a carga de trabalho com menor participação do
metabolismo anaeróbico (elevação do ácido lático – AL – no sangue venoso menos que a metade dos não treina-
dos). Por outra, seu metabolismo aeróbico gera energia com menor consumo de O 2 (V· O2) e menor eliminação de
CO2 (V· CO2). FC = freqüência cardíaca (o aumento percentual foi o mesmo mas partindo de valores mais baixos
nos treinados); FR = freqüência respiratória; VM = volume minuto respiratório (Tomazzi, Rigatto e Gottschall 1976).

mais que duas vezes o número em repouso, respiração, o fumo prejudica os ciclos pulmo-
para qualquer nível de exercício. A partir daí, nar e circulatório e o sedentarismo prejudica
o que aumenta é o desempenho qualitativo os ciclos circulatório e mitocondrial.
da respiração celular, passando a aproveitar
melhor o oxigênio (Figura III-22). Adminis-
tração programada de oxidase sucínica, enzi- CONSUMO MÁXIMO DE OXIGÊNIO
ma fundamental à aerobiose, provoca nítido
aumento do desempenho após treinamento Consumo de oxigênio pelo organismo (V· O2) é o
físico regular. Quanto ao suprimento de subs- produto do débito cardíaco pela diferença arté-
tratos, também a atividade física – ao estimu- rio-venosa (diferença A-V) de oxigênio (Capí-
lar a multiplicação capilar – oferece maior flu- tulo VI) e representa a máxima quantidade de
xo e aproximação do sangue às mitocôndrias. O2 usada por uma pessoa para determinada
Prejudicam a aerobiose o sedentarismo e tóxi- tarefa. Cada indivíduo tem um limite máxi-
cos que bloqueiam enzimas necessárias à sua mo que varia com a capacidade de captação e
realização, por exemplo, fumo, ácido cianídri- transporte de O2, com a integridade mitocon-
co e monóxido de carbono. Condições am- drial e com o treinamento individual. Dimi-
bientais, pulmonares, circulatórias e teciduais, nui com a idade, é menor na mulher e tem
mais especificamente mitocondriais, isolada- variação genética, cai na doença cardiopulmo-
mente ou em soma, também podem prejudi- nar e no sedentarismo. Em sedentários, a di-
car a aerobiose. Assim, a poluição atmosférica ferença A-V de O2 no pico do exercício é rela-
prejudica os ciclos ambiental e pulmonar da tivamente constante (14 a 17 vol%), e o V·O2
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ARDIOVASCULAR 79

FIGURA III-22. À esquerda: Microscopia eletrônica (30000 X) de biópsia de músculo solear de rato destreina-
do. À direita: Biópsia do mesmo músculo após seis semanas de exercício regular e intenso. Note-se, neste
caso, o aumento em número e tamanho das mitocôndrias interfibrilares (reproduzido sob permissão de Larsen
e Malmborg 1971).

máximo (max) é uma aproximação do débito O2 do sangue pelos tecidos diminui marcada-
cardíaco máximo. V·O2 max pode ser compa- mente com saturação abaixo de 30% (PaO2
rado com valores preditos empiricamente ba- de 20 mmHg).
seados em idade, sexo, peso e altura. Como vimos, um indivíduo normal em
Se num adulto médio normal, em repou- repouso consome2 cerca de 250 ml de O2/min
so, multiplicar-se o valor do débito cardíaco (170 ml/min/m de superfície corporal). Esse
(5,0 l/min) x quantidade de hemoglobina consumo aumenta proporcionalmente ao au-
(150 g/l) x capacidade de ligação do O com mento do metabolismo muscular, podendo
a Hb (1,39 ml/g) x saturação de Hb em2 O2 chegar em indivíduos supertreinados fisica-
(0,95), encontrar-se-á um valor em ml de O2/ mente a 4000 ou mais ml/min em exercício
min próximo a 1000 ml/min, o que represen- extremo. Isto é, para que o organismo atinja
ta a capacidade de o aparelho circulatório desse o consumo máximo de O 2 é necessário que a
indivíduo transportar oxigênio, ou seja, qua- ventilação, a difusão e a perfusão pulmonares
tro vezes o consumo basal do organismo, que funcionem em regime máximo. Se examinar-
é cerca de 250 ml de O2/min. O débito car- mos suas disponibilidades, constataremos
díaco diminui na insuficiência cardíaca ou no que esses três mecanismos de transferência
choque, a hemoglobina nas anemias, a capa- do O às células têm como limite um V·O
cidade de combinação do oxigênio com a he- em torno de 4 l/min, mesmo num indiví-
2 2

moglobina na meta, sulfa ou carboxihemoglo- duo supertreinado:


binemia, a saturação da hemoglobina na hi-
poxigenação ambiental, na hipoventilação al- 1. Considerando a ventilação, num exercício
veolar, na desuniformidade da distribuição da máximo, o indivíduo consegue atingir uma
ventilação, no curto-circuito veno-arterial ana- ventilação alveolar de cerca de 80 l/min (au-
tômico. Quando mais de um desses fatores for mento de 12 a 16 vezes em relação ao re-
comprometido, a liberação de O2 diminuirá pouso). Como a quantidade transferida
em proporção geométrica. Se o produto final (equivalente ventilatório) de O· é 50 ml de
for de apenas 250 ml/min, os tecidos não se- O por litro de ventilação, o VO máximo
2

rão oxigenados suficientemente, sendo isso atingido será: 80 l/min x 0,05 l de O /l,
2 2

incompatível com a vida, pois a extração de ou seja, 4,0 l de O /min.


2
2
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2. Considerando a difusão, num exercício mente. Qualquer alteração em um deles di-


máximo, o indivíduo pode chegar a um minuirá a transferência de oxigênio para as
valor de difusão de 70 ml de O 2/min/ células, mesmo que os outros dois estejam in-
mmHg (aumento de 3 a 4 vezes em rela- denes. É o caso de insuficiência ou limitação
ção ao repouso). Considerando-se o gra- ventilatória, volumétrica ou distributiva, de
diente médio alvéolo-capilar de O 2 como insuficiência ou limitação difusional ou alvéo-
60 mmHg, a capacidade máxima de trans- lo-capilar, de insuficiência ou limitação da
ferência de O pela difusão será: 70ml de
2
bomba cardíaca. A diminuição da hemoglo-
O /min/mmHg x 60mmHg ou igual a 4,2
2
bina, como ocorre nas anemias, pode ser um
l de O /min.
2
fator adicional a limitar o tranporte de oxigê-
3. Considerando a perfusão, num exercício nio às células (Quadro III-3).
máximo, o indivíduo é capaz de desenvol- O treinamento físico regular é capaz de
ver um débito cardíaco de 30 l/min (au- aumentar o consumo máximo de oxigênio pelo
mento de 6 vezes em relação ao repouso). organismo, ao mesmo tempo em que isso é
A diferença artério-venosa de O , de 5 ml 2
atingido com uma redução da freqüência car-
de O /min/100ml de sangue, passa no
2
díaca, da ventilação e da produção de ácido
exercício limite para 14 ml de O /min/ 2
lático, o que evidencia uma maior eficiência
100ml de sangue, devido à extração máxi- no aproveitamento do oxigênio, ou seja, me-
ma de O pelos tecidos. Assim, a quanti-
2
lhor metabolismo aeróbico (Figuras III-21 e
dade máxima de O transportada para os
2
III-23). Indivíduos mantidos em repouso com-
tecidos será: 30 l/min x 0,014 l de O /l de 2
pleto por três semanas perdem de 15 a 25%
sangue, o que equivale a 4,2 l de O /min. 2
de sua capacidade
· máxima de consumo de
oxigênio (VO máx), sendo que mais ou me-
2

Obviamente, esses valores máximos só po- nos três meses de completo sedentarismo re-
derão ser atingidos se os mecanismos que as- movem o condicionamento físico anterior-
seguram a ventilação, a difusão e a perfusão mente obtido. Por outra, o retorno ou o iní-
pulmonares máximas funcionarem perfeita- cio do treinamento físico aumenta mais acen-

QUADRO III-3. Transporte de oxigênio para as células


Evento Repouso Exercício Mecanismo Insuficiência
Ventilação: 6 l/min 80 l/min Capacidade ventilatória Ventilatória:
Volume minuto Complacência pulmonar Obstrutiva
respiratório e torácica Restritiva
Neuromuscular
Difusão: 15 70 Alvéolos e capilares Alvéolo-capilar:
Acoplamento ml/min/mmHg ml/min/mmHg funcionantes Distributiva
alvéolo-capilar Membrana íntegra Difusional
Perfusão: 5 l/min 30 l/min ­ Freqüência cardíaca Bradicardia
Débito cardíaco ­ VDF Insuficiência diastólica
¯ VSF Insuficiência sistólica
­ Circulação coronariana Insuficiência coronariana
Ligação: 15 g% 18 g% Afinidade com O2 Inativação da hemoglobina
Hemoglobina Quantidade de Diminuição da hemoglobina
hemoglobina
Respiração: 5 ml O2 /100 ml 14 ml O2 Dissociação ­ pH
Diferença A-V sangue / 100 ml da hemoglobina ¯ Temperatura
de O2 sangue Mitocôndrias 2,3 DPG

VDF = volume diastólico final A-V = artério-venosa


VSF = volume sistólico final DPG = difosfoglicerol
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lO2/min cpm
210
4,0 200
190
3,5 180
170
3,0 150

2,5

2,0 100
V·O2 máx.(STPD) Freqüência cardíaca

1 HAR 1 HAR
2 HAS 2 HAS
Indivíduos 3 KAN
4 ROB Indivíduos 3 KAN
4 ROB
5 WAR 5 WAR
6 WOL 6 WOL

Média Média

Dias Dias

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 28 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 28
FIGURA III-23. Treinamento físico continuado aumenta o consumo máximo de oxigênio (à esquerda) ao mesmo
tempo que diminui a freqüência cardíaca necessária, ou seja, menor débito cardíaco, para o respectivo desempe-
nho (à direita). Isto indica aumento da eficiência aeróbica (redesenhado de Larsen e Malmborg 1971).

tuadamente o consumo do oxigênio e progres- Estudos em indivíduos respirando oxigê-


sivamente o vai tornando mais horizontaliza- nio puro e ar ambiente, em exercício, mos-
do, até quase não mais crescer (Figura III-24). tram que o fator limitante do exercício, isto é,

l/min Consumo máximo de oxigênio

5,0 5,0

4,0 4,0

FIGURA III-24. Indivíduos


em repouso forçado por três
3,0 3,0 semanas perdem substan-
cial reserva aeróbica, em
B.B. qualquer nível basal de con-
G.H.
J.H. sumo máximo de oxigênio,
2,0 K.L. 2,0 recuperando-o completa-
L.L.
mente com cerca de dois
meses de retorno ao treina-
mento físico, o que demons-
1,0 1,0 tra os efeitos do sedentaris-
mo e do treinamento sobre
3-5 mi/dia 6-12 milhas/dia a capacidade de respiração
celular (redesenhado de
0 0 Saltin, Blomqvist, Mitchell, e
0 2 10 20 30 40 50 60
cols 1968).
Dias
82 C ARLOS ANTONIO M ASCIA OTTSCHALL
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o ponto de exaustão a partir do qual não é possí- um paciente, bem como para quantificação fun-
vel continuar, está na periferia, nos tecidos, e não cional, isolada ou comparativa, com finalidade
no setor cardiopulmonar. Enquanto os primei- prognóstica e de avaliação terapêutica . Estudo
ros ainda apresentam reserva venosa de O e hemodinâmico combinado com técnicas não
2
de produção de ácido lático, todos entram em invasivas e análise de gases aumenta a infor-

exaustão com os mesmos limites de diferença mação em pacientes selecionados. Testes de

artério-venosa de O (140 ml/l) e de pH (7,20) aptidão física estão disponíveis nos laborató-
2
(Figura III-25). rios de função cardiopulmonar, em várias ga-

Exercício é um estresse fisiológico comu- mas de complexidade, capazes de avaliar to-

mente usado para determinar a normalidade das as etapas da função cardíaca e pulmonar.

da função cardiopulmonar ou evidenciar anor- Em estudos relativamente simples, pela ava-

malidades fisiológicas ausentes em repouso. liação incruenta e combinada de dados como

Isto é, medidas cardiopulmonares em exercíco freqüência cardíaca, volume minuto respira-


· ·
são úteis para entender a resposta fisiológica de tório, VO , VCO – e suas respostas à carga
2 2
ergométrica – pode estimar-se se a limitação é

cardíaca ou respiratória, considerando-se os

níveis previstos a serem atingidos. Sob condi-


Ca-vO2(ml/l) · ·
140 ções estáveis, VO e VCO colhidos na boca
2 2

equivalem ao consumo total de oxigênio e pro-

dução de CO pelo corpo, sendo que a rela-


2 ·
100 ção entre trabalho, VO , freqüência cardíaca
2

e débito cardíaco durante exercício é linear.


%HbO2 Considera-se diminuída a capacidade má-
100
xima de exercício quando a relação do
·
VO max para o previsto é menor que 85-90%.
2

60 Oximetria não invasiva pode ser usada para

monitorar a saturação arterial em O , e o va-


2

lor encontrado normalmente não diminui


20 mais que 5% durante exercício. Quociente
pH
7,35 respiratório (QR), uma expressão introduzi-

da por Lavoisier ainda no século XVIII, signi-

7,25

FIGURA III-25. Pacientes respirando


oxigênio puro (linhas tracejadas) e ar
7,15 ambiente (linhas cheias) submetidos a
Ác. láctico cargas crescentes de trabalho físico
5 (mmol/l) chegam ao ponto de exaustão com idên-
ticas diferenças artério-venosa de O2 e
idênticos pH. Aqueles respirando O2 a
100% chegam à exaustão com maior
3 saturação venosa em hemoglobina
(%HbO2) e menor acúmulo de ácido lá-
tico no sangue. Esses achados indicam
que o ponto de exaustão no exercício
1 não depende da reserva de oxigênio
150
100 Trabalho nem de maior capacidade aeróbica mas
50 % Trab. máx. de acidose metabólica das células peri-
féricas (redesenhado de Larsen e Malm-
Repouso 4 8 12min. borg 1971).
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 83

fica a razão entre o CO Handbook of Physiolo-


2 produzido e o O2
Farhi L. Gas stores of the body, em

consumido. Costuma variar entre 0,7 e 0,85.


gy, vol. 1, Respiration. American Physiological Socie-
ty, Washington 1964:873-885.
Para uma alimentação rica em carboidratos é Astrand P. Quantification of exercise capability and eva-

em torno de 1,0, enquanto para lipídios é em luation of physical capacity in man. Progr Cardiovasc
torno de 0,7. Em altos níveis de exercício, o Dis 1976; 19:51-67.
Pini M (ed.). Fisiologia Esportiva . Guanabara Koogan, Rio
QR passa de 1,0, indicando a presença da hi-
de Janeiro 1978.
perventilação que acompanha a atividade ex- Wenger N (ed.). Exercise and The Heart . F.A. Davis Co,
tenuante. Philadelphia 1978.

O termo equivalente metabólico (MET) Duarte G. Teste Ergométrico. Livraria Atheneu, Rio de Ja-
neiro 1978.
refere-se a uma unidade de consumo de O
2 Comroe J. The Lung. Clinical physiology and pulmonary
-
em repouso, sendo equivalente a 3,5 ml O 2.kg function tests. Year Book Medical Publ, Chicago 1962.
V O2 medido
·
1 -1
.min de peso corporal. Isto é,
em ml/min/kg dividido por um MET determi-
Gottschall C, Rigatto M. Provas de função pulmonar

(Valor, limitações e interpretação fisiopatológica). Rev

na o número de METs associados com a ativida- Assoc Med Rio Grande do Sul 1965; 9:73-100.
de considerada . Atividades de trabalho podem
Comroe J. Physiology of Respiration . Year Book Medical

Publ, Chicago 1966.


ser calculadas em múltiplos de METs. Esta Dejours P. Respiration. Oxford University Press, New York
medida é útil para prescrever exercício, ava- 1966.

liar disabilidade e estandartizar as cargas de


Gottschall C. Função Pulmonar e Espirometria. Jornal de
Pneumologia 1980; 6:107-120.
trabalho de exercícios submáximo e máximo, Gottschall C. Princípios gerais de fisiologia e fisiopatolo-

ao serem usados protocolos diferentes. Um gia respiratórias, em Lucchese F (ed.). Tratamento

trabalho ergométrico de 3 a 5 METs concor- Intensivo Pós-Operatório. Fundo Editorial Byk-Proci-


enx, São Paulo 1985:179-204.
da com atividades como trabalhos caseiros,
Mines A. Respiratory Physiology. Raven Press, New York
jardinagem, carpintaria, golfe e caminhadas de 1992.

3 a 4 milhas por hora. Trabalhos de 5 a 7 METs Com-


Rigatto M. Fisiologia respiratória, em Silva L (ed.).

ajustam-se a serrar árvores, tênis e basquete pêndio de Pneumologia. Fundo Editorial Byk, São Pau-
lo 1993:68-91.
não profissional. Trabalhos acima de 9 METs
Vander A, Sherman J, Luciano D. Respiration, em Van-
são compatíveis com trabalho manual pesa- Human Physio-
handball squash
der A, Sherman J, Luciano D (eds.).
do, como o de vaqueiros, , , logy. McGraw-Hill, Boston 2001:463-504.
futebol profissional e corrida de 6 a 7 milhas Arnott W, Cumming G, Horsfield K. Alveolar ventila-
· tion. Ann Intern Med 1968; 69:1-12.
por hora. Estimar o VO2 do indivíduo pelo
Bert P. La Pression Barométrique. Recherches de Physio-
trabalho realizado ou em esteira pode levar a logie, Masson, Paris 1878.

interpretações errôneas, quando: a) o equipa- Gray J. Pulmonary Ventilation and its Physiological Regu-
mento de exercício não for adequadamente lation. Charles C Thomas Publ, Springfield Ill 1950.
Kellog R. Central chemical regulation of respiration, em
calibrado; b) o paciente se mantiver apoiado;
Handbook of Physiology, vol. 1, Respiration. American
c) não atingir o estado estável; d) for obeso; e) Physiological Society, Washington 1964:507-534.

tiver doença vascular periférica ou vascular Bowen W. Changes in heart-rate, blood-pressure, and

pulmonar ou cardíaca. Em alguns indivíduos duration of systole resulting from bicycling. Am J


com doença cardiovascular ou pulmonar o
Physiol 1904; 11:59-77.
· Holmgren A, McIlroy M. Effect of temperature on arte-
VO não aumenta linearmente com a taxa de J Appl
2 rial blood gas tensions and pH during exercise.

trabalho, podendo ser superestimado. Physiol 1964; 19:243-245.


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CAPÍTULO

Arquitetura da Contração
Cardíaca IV

A energia mecânica liberada durante a sís-


tole ventricular representa a contribuição
proveniente do encurtamento de cada uma das
sangue e como via de entrada mas, também,
como impulsionador do sangue até o ventrí-
culo. O ventrículo, por sua vez, é a principal
fibras do miocárdio, que depende não só do fonte da força que propele o sangue pela cir-
seu poder contrátil mas também da sua orien- culação pulmonar ou pela periférica. Meca-
tação dentro das paredes cardíacas. nismos especiais mantêm a ritmicidade e trans-
Quatro anéis de tecido conjuntivo denso mitem potenciais de ação para todo o miocár-
unem-se lado a lado formando o esqueleto fi- dio, de modo a produzir a contração cardíaca
broso do coração. A partir dessa estrutura fi- simultaneamente.
brosa emergem as quatro câmaras cardíacas e Para formar as paredes ventriculares, as fi-
os dois troncos arteriais principais, aorta e bras musculares cardíacas arranjam-se em qua-
pulmonar. Os átrios e os troncos arteriais tro camadas entrelaçadas, como num turban-
unem-se à parte superior desse esqueleto e os te indiano. Compõem essas paredes os mús-
ventrículos e as lacínias valvulares unem-se à culos sinoespirais e bulboespirais, superficiais
parte inferior. e profundos, sem mudanças abruptas na orien-
Válvulas atrioventriculares (AV), válvulas tação das fibras, tão aderidas que se torna di-
semilunares e cordas tendíneas são estruturas fícil separar os componentes individuais. Essa
fibrosas que garantem o unidirecionamento arquitetura não é identificada apenas na base
da corrente sanguínea, permitindo manter o dos músculos papilares. A orientação das fi-
influxo e o defluxo do sangue nas câmaras car- bras não se modifica significativamente com
díacas, com mínima sobrecarga de volume em a contração, apenas faz o movimento de um
cada ciclo. As válvulas AV impedem o refluxo leque abrindo e fechando, exceto no ápice, o
de sangue dos ventrículos para os átrios, e as que provoca mínima tensão nas sucessivas ca-
sigmóideas, das artérias para os ventrículos. madas de fibras.
Anatomia e funcionamento dessas estruturas
são notáveis, capazes de resistir íntegras por
cem anos ou mais ao impacto. ULTRA-ESTRUTURA DO MIOCÁRDIO
O coração é constituído por duas bombas
distintas, o coração direito que bombeia o san- Examinadas ao microscópio ótico, as paredes
gue pelos pulmões, e o coração esquerdo que do coração são compostas por feixes de fibras
bombeia o sangue pelos órgãos periféricos. musculares aproximadamente cilíndricas de 10
Cada um desses corações, por sua vez, é uma a 25m de diâmetro e 50 a 140m de compri-
bomba aspirante-premente de duas câmaras, mento, mostrando estriações cruzadas claras
composta de um átrio e um ventrículo. O átrio e escuras em seqüência e ligações ou braços
funciona principalmente como reservatório de laterais. São as células miocárdicas ou cardio-
86 C ARLOS ANTONIO M ASCIA OTTSCHALL
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miócitos , atriais e ventriculares, sendo os mió- ocupam três quartos do miocárdio e respon-

citos atriais menores (menos que 10 m de diâ- dem por mais da metade do seu peso, embora

metro e cerca de 20 m de comprimento) que sejam um terço do número total de células

os ventriculares (17 a 25 m por 60 a 140m, res- (Figura IV-1).

pectivamente), e ainda maiores os do tecido Examinada ao microscópio eletrônico des-

de condução. Em geral o núcleo localiza-se cortina-se um novo cenário: cada célula é en-

centralmente, alguns miócitos tendo vários volvida por uma membrana complexa bilipí-

núcleos. Uma miofibra é um grupo de mióci- dica, o sarcolema , que circunda feixes de mio-

tos mantidos juntos por tecido conjuntivo cir- fibrilas, as quais delimitam um segmento ain-

cundante. Essa matriz extracelular, viva e rea- da menor, de 5 a 10 nm de diâmetro e com-

tiva, os amarra e os sustenta. Comunicação primento em repouso de 1,6 a 2,2 m, chama-


entre miócitos ocorre por poros juncionais nos do sarcômero , a unidade morfo-funcional do

limites das células, onde se abrem diminutos miocárdio. Cerca de metade de cada célula

canais condutores formados por proteínas es- ventricular é ocupada por miofibrilas. Disper-

pecializadas que regulam a passagem de íons e sas entre as miofibrilas e imediatamente abai-

pequenas moléculas de uma célula para outra. xo do sarcolema, ocupando de um quinto a

Os impulsos elétricos passam preferentemen- um terço do volume do miócito, situam-se

te por essas junções. A função precípua dos inúmeras mitocôndrias cuja principal função

cardiomiócitos é executar o ciclo de contra- é gerar energia a partir da ATP, necessária para

ção-relaxamento, sendo que as proteínas con- manter a função contrátil do coração e os gra-

tráteis sediam-se dentro deles. Essas células dientes iônicos associados. O citoplasma cons-

Fibra muscular
Miofibrila
FIGURA IV-1. A fibra
muscular cardíaca é
A composta de miofibrilas
H Z formadas principalmen-
te por unidades contrá-
teis (sarcômeros) dis-
postas em série. As pro-
teínas contráteis miosi-
na e actina interpene-
tram-se no ciclo contra-
ção-relaxamento, por
Z I efeito de pontes interfi-
brilares de alta energia
(pontes cruzadas), en-
curtando e alongando o
sarcômero, que é limita-
do por duas bandas Z,
ina onde estão aderidos os
Mios filamentos de actina. A
Actina banda A, central, é
constituída por filamen-
M tos de miosina. Para
ios
ina encurtar o sarcômero, a
Distendida
actina desliza sobre a
miosina em direção ao
centro do mesmo, apro-
ximando as bandas Z
(redesenhado de Rush-
mer 1976, Gottschall
Contraída 1995).
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ARDIOVASCULAR 87

titui-se do fluido intracelular e das proteínas tes do retículo sarcoplasmático ficam em apo-
contidas dentro do sarcolema. O citosol, que é sição com os túbulos T ou se espalham ao re-
a parte não proteica do citoplasma, contém dor deles, formando as cisternas subsarcole-
sistemas sinalizadores moleculares que trans- mais, também denominadas retículo sarcoplas-
mitem mensagens de receptores superficiais mático juncional, localizado nas extremidades
para organelas intracelulares estrategicamen- do sarcômero (Figura IV-2). As proteínas do
te situadas. Denotando uma organização, en- sarcoplasma incluem muitas enzimas que ace-
zimas ficam próximas de seus substratos. Es- leram reações químicas, geralmente produzin-
palhando-se pelos miócitos como uma fina do energia. A função principal desse retículo
rede com sua camada bilipídica, similar àque- é liberar cálcio pelo canal de liberação de cálcio
la do sarcolema – e formando um complexo – que faz parte de uma estrutura complexa
novelo de túbulos intracelulares circundando conhecida como receptor rianodina (RyR) –,
as fibrilas –, situa-se o retículo sarcoplasmático , para iniciar o ciclo contrátil, descarregado em
que se constitui em longitudinal, ou seja, tú- resposta à onda de excitação elétrica (Vide Fi-
bulos ramificados ao longo do sarcômero – gura IV-6).
cuja grande função é o armazenamento de Huxley demonstrou que no sarcômero, a
cálcio –, e transversal, o qual representa uma unidade contrátil do miocárdio, há dois tipos
invaginação do sarcolema, formando uma ex- de miofilamentos: um grosso com alto peso
tensa rede tubular transversa (túbulos T) que molecular (500.000) – uma enzima chamada
se ramifica e penetra na profundidade dos sar- miosina –, que é uma ATPase; e um fino cha-
cômeros, estendendo o espaço extracelular até mado actina – a proteína contrátil –, com peso
o interior da célula e provendo importante via molecular de 47.000. A miosina pode ser se-
para liberação de substrato à miofibrila. Par- parada em três isoenzimas. Constitui 55 a 60%

Retículo
sarcoplasmático
Mitocôndria T-Túbulo
Túbulo
Sarcolema transverso

Contato do
retículo com
T-Túbulo

Contato do retículo Mitocôndria T-Túbulo


com T-túbulo
FIGURA IV-2. Estrutura da miofibrila cardíaca (modificado de Braunwald 1992).
88 ARLOS
C NTONIO
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da proteína miofibrilar, a actina cerca de 20%, circundada por duas cadeias leves que atuam
e proteínas estruturais cerca de 8 a 13%. O sar- como um colar cervical. A mais próxima da ca-
cômero é limitado em cada extremidade pela beça da miosina parece inibir o processo contrá-
linha Z (abreviação para Zückung, contração til por interação com a actina. A outra cadeia
em alemão) na qual estão aderidos os filamen- regulatória leve é um sítio potencial para fosfori-
tos de actina. Contrariamente, os filamentos lação, por exemplo, em resposta à estimulação
de miosina estendem-se do centro do sarcô- beta-adrenérgica. Os filamentos finos são com-
mero para os dois lados sem alcançar as linhas postos de moléculas de actina que se dispõem
Z; entretanto, ligam-se às linhas Z por gran- em dupla fila, entrelaçadas como um rosário
des moléculas elásticas de titina ou conectina. enroscado, e sobre elas um duplo cordão da pro-
As zonas próximas à banda Z são claras, cons- teína tropomiosina, que se estende sobre cerca de
tituindo a banda I (I=isotrópica), preenchidas sete moléculas de actina, tendo uma molécula
só com filamentos de actina. A banda central de troponina numa extremidade. Troponina, que
(A=anisotrópica), escura, é ocupada pelos fi- pode ser separada em três componentes (T,C,I),
lamentos de miosina e de actina em paralelo, e tropomiosina são proteínas reguladoras da con-
e o meio da banda A (zona H) representa a tração, constituindo cerca de 10% da proteína
região ocupada só pela miosina, onde a actina miofibrilar (Figura IV-4).
não chegou. O citoesqueleto dentro do mióci- Conectina ou titina é a maior molécula de
to sustenta as proteínas contráteis, conectan- proteína já descrita, elástica, flexível e delgada
do-as com as linhas Z. Outras partes do cito- – atuando como um terceiro filamento para
esqueleto unem os miócitos à matriz extrace- prover elasticidade –, que suporta a miosina e
lular via moléculas de integrina que se juntam a une com a linha Z. Tendo entre 0,6 e 1,2 m
ao sarcolema. Se o sarcômero for cortado trans- de comprimento, estende-se da linha Z até um
versalmente e não longitudinalmente, verifi- pouco antes da linha M e apresenta dois seg-
ca-se que mais ou menos seis filamentos finos mentos distintos: um segmento ancorador
circundam um filamento grosso quase até o inextensível e um extensível que espicha pela
centro do sarcômero. Entre os dois filamen- parte enovelada quando o sarcômero encom-
tos há um sistema de pontes miofibrilares que prida, sua elasticidade explicando a relação do
se projetam da cabeça da miosina a intervalos estresse de torsão dos músculos cardíaco e es-
regulares (Figura IV-3). Distrofina é uma gran- quelético. Atua como uma mola bidirecional
de proteína intracelular que liga o sistema con- que desenvolve forças passivas em sarcômeros
trátil, por meio da actina, com o sarcolema e distendidos além de 2m e forças de restaura-
daí com a matriz extracelular. ção em sarcômeros encurtados a menos de
Cada filamento de miosina consiste de duas 1,85m. Por isso, pode ser o sensor de compri-
cadeias pesadas, beta e alfa, que formam uma mento, suas modificações servindo para ex-
cabeça bilobada, mas com diferentes atividades plicar os imaginados elementos elásticos em
ATPase, e quatro cadeias leves. A cadeia beta é série nas extremidades do músculo, preconiza-
menos ativa que a alfa mas é a forma predomi- dos por Hill, antes do advento da microscopia
nante no adulto humano. Essa dupla cadeia, re- eletrônica (Capítulo V e Figura V-8).
gulando a atividade ATPase da miosina, é neces-
sária para produzir um maior deslocamento da
actina do que a cadeia leve faria. Cada lobo da CONTRAÇÃO DO CARDIOMIÓCITO
cabeça bilobada da cadeia pesada tem um bolso
de ATP e uma fenda estreita que se estende da Todos os modelos correntes de acoplamento exci-
base deste bolso até a face da actina com que se tação-contração atribuem um papel fundamen-
une. O pescoço de cada miosina pesada é for- tal à abertura dos canais sarcolemais de cálcio
mado principalmente por uma longa hélice alfa chamados tipo L voltagem-induzida na inicia-
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ARDIOVASCULAR 89

FIGURA IV-3. À esquerda: Sarcômero em corte longitudinal. À direita: Sarcômero em corte transversal, ambos em
aumentos de 50.000 vezes. Os filamentos grossos são miosina, e os finos, actina (reproduzido sob permissão de
Huxley 1957, Holland e Klein 1960).

Tropomiosina
Actina
Troponina
Ca++

Filamento
fino

Energia ATP
ADP
PO4

Filamento Miosina
grosso

FIGURA IV-4. O cálcio inicia o processo de contração entrando no miócito e unindo-se à troponina C. Esta ação
anula a inibição da tropomiosina pela troponina I. Livre, a tropomiosina promove o acoplamento actina-miosina, o
que faz o sarcômero encurtar. A energia para a contração-relaxamento vem do desdobramento da ATP em ADP e
fosfato inorgânico pela miosina, que é uma ATPase (modificado de Rushmer 1976, Gottschall 1995).

ção do processo contrátil . Canais são proteínas No início da despolarização, ativam-se e

macromoleculares formadoras de poros que


+
abrem-se canais de Na , e o sarcolema se tor-

abrem e fecham na membrana bilipídica sar- na muito permeável a esse íon, que penetra

colemal, permitindo ou não um caminho se- na célula. Aumenta a positividade no interior

letivo para transferência de íons para o mióci- da célula, a qual tende a impedir a entrada de

to. Guardando cada canal existem dois ou mais mais íons Na


+ com sua carga positiva; os que

“portões” hipotéticos. No caso dos canais de tinham entrado tendem a sair numa troca com

sódio e cálcio voltagem-dependentes, melhor íons Ca


++ que tendem a entrar. A maioria des-
entendidos, o “portão” de ativação é fechado se influxo de sódio através do sarcolema deve

durante o potencial de repouso normal da ser equilibrado pela atividade da bomba Na /


+
membrana.
+
K -ATPase ou simplesmente bomba de Na ,
+
90 ARLOS
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que é ativada por sódio interno ou potássio de sódio voltagem-ativados, permitindo a rá-
externo, sendo usada uma molécula de ATP pida entrada de íons sódio positivos, em se-
em cada ciclo. Para balancear a pequena quan- guida abrindo-se os canais de cálcio, ativados
tidade de íons cálcio entrando na célula car- por uma voltagem menos negativa que os ca-
díaca em cada despolarização, uma quantida- nais de sódio (fase 0 do potencial de ação, em
de semelhante deve deixar a célula por um de que o interior da célula fica positivo). A se-
dois processos. Primeiro e principalmente, o guir, há um breve período de rápida repolari-
cálcio pode ser trocado por íons Na + entran- zação com a saída do potássio (fase 1, em que
do pela troca Na+/Ca++ e, depois, uma bomba a voltagem cai), antes que o potencial de ação
de cálcio sarcolemal utilizando ATP transfere forme um plateau sustentado pelo influxo de
cálcio contra gradiente para o espaço extrace- cálcio (fase 2, em que o potencial equilibra-se
lular. A acumulação de íons cálcio no retículo em torno de zero). Durante a repolarização, o
sarcoplasmático durante a estimulação rápida potássio continua a fluir para a célula, termi-
do miocárdio pode inibir o trocador Na+/Ca++ nando o plateau do potencial de ação (fase 3,
e a bomba de sódio, resultando em um au- em que o potencial vai negativando pelo re-
mento na força de contração. Prolongada so- torno do cálcio ao exterior), até que o poten-
brecarga de cálcio pode contribuir para a mio- cial de repouso seja recuperado (fase 4) (Figu-
cardiopatia da taquicardia. ra IV-5). Esta descrição se aplica às células
Como os valores do Ca++ extracelular (10-3 miocárdicas contráteis e às fibras condutoras
M) são muito maiores que os do intracelular, de Purkinje e não espontaneamente ao tecido
a saída do Ca++ requer energia provinda da nodal. Isto é, o sarcolema miocárdico ejeta íons
ATP para vencer esse gradiente. A mitocôn- sódio e absorve potássio para produzir o poten-
dria tem um hipotético valor de 10-6M de Ca++ cial negativo de repouso da membrana. Este pro-
e pode atuar como um tampão contra mu- cesso é alcançado pela atividade da bomba de
danças excessivas na concentração de cálcio sódio (sódio-potássio ATPase), que se distribui
citosólico livre. Admite-se que para cada três pelas membranas celulares.
sódios exportados importam-se dois potássi- Após o início da despolarização e/ou o ago-
os. Assim, durante esse processo, uma carga nista beta-adrenérgico interagir com o beta-
positiva deixa a célula. Por isso a bomba é cha- receptor (Capítulo VII), uma série de modifi-
mada bomba eletrogênica de sódio e é essen- cações mediadas por proteínas chamadas G
cial para manter o balanço iônico normal, ex- ativa a enzima adenilciclase que desdobra a
pulsando íons Na+ pela troca Na +/Ca++ ou ATP em AMPc (adenosinamonofosfato cícli-
pelo canal de Na+. A corrente induzida pela ca). Esta atua por meio da proteinoquinase A
atividade bombeadora pode contribuir com para estimular o metabolismo e fosforilar a
cerca de –10 mV para o potencial de repouso proteína dos canais de cálcio do tipo L volta-
da membrana. Durante a diástole, íons posi- gem-sensitivos do sarcolema, pois um dos
tivos de potássio deixam os miócitos cardía- componentes proteicos dessa membrana res-
cos, aumentando a negatividade intracelular ponde à carga positiva levada pela despolari-
(hiperpolarização). Há dois tipos principais de zação, altera a configuração molecular do con-
canais de potássio: um voltagem-dependente, junto e aumenta o movimento de Ca ++ pelo
que responde à despolarizaçào e permite a saí- sarcolema para os túbulos T, que penetram no
da do potássio, e outro, sensível à ATP, que músculo na altura da linha Z e “dirigem” o
abre no fim da repolarização para que o po- estímulo elétrico para o interior do miócito,
tássio retorne à célula e a ajude a recuperar o sustentando a despolarização. Isso permite a
potencial de repouso da membrana. entrada de quantidades relativamente peque-
Resumindo, a onda de excitação elétrica nas de íons cálcio durante cada onda de exci-
inicia a despolarização, a qual abre os canais tação elétrica, trocados pelos íons Na+, como
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ARDIOVASCULAR 91

15 K+ dades de um receptor nesse retículo, próximo


Na+ 1)
2) Ca++ dos canais de cálcio tipo L do sarcolema, cha-
0 Ca++
mado rianonida (RyR). O receptor RyR abre
o canal de liberação de cálcio do RS para des-
Na+ carregar os íons cálcio no espaço subsarcole-
mV mal entre o pé (base) e o túbulo T e depois no
3) K++
0) citosol. Este processo eleva cerca de dez vezes
Ca++
a concentração de íons cálcio no citosol, ha-
vendo evidência eletrofisiológica que liga a
4) repouso
duração do potencial de ação com a extensão
4)
–85 da liberação do cálcio. O resultado é uma in-
200 ms
teração aumentada dos íons cálcio com a tro-
FIGURA IV-5. Despolarização e repolarização cardía-
ponina C, para desencadear o processo con-
cas resultam de um movimento iônico que faz variar as trátil. Íons cálcio também intensificam o des-
cargas elétricas no interior da célula. A rápida entrada dobramento da ATP em ADP e fosfato inor-
(seta para baixo) de Na+, seguida de Ca++, positiva o
potencial intracelular (fase 0). Começando a sair (seta gânico, produzindo energia (Figura IV-6). Isto
para cima) K+ e continuando a entrar Ca++, a milivolta- é, durante a despolarização, a pequena quanti-
gem fica em torno de zero (fases 1 e 2). Voltando a en-
dade de cálcio que entra nas células cardíacas
trar K+ mas saindo mais Ca++, negativa-se o potencial
intracelular (fase 3), retornando por fim aos valores de desencadeia a liberação de mais cálcio do RS pelo
um potencial de repouso de – 60 a – 85 mV, conforme a processo de entrada de cálcio-liberação de cálcio .
célula (fase 4) (Gottschall 2005).
Assim, a tríade composta pelo retículo sar-
coplasmático (RS) superficial (sistema longi-
tudinal), o sistema transverso (tubos T) e as
vimos. Os túbulos T unem-se com a cisterna cisternas controla a seqüência contração-rela-
ou componente juncional do retículo sarco- xamento, como um mecanismo sincronizador
plasmático (RS) por estruturas especializadas da liberação de energia para a contração do
chamadas pés, as quais, pensa-se, “guiam” os sarcômero. Há um segundo receptor no RS,
íons cálcio entrando no miócito para o recep- para o trifosfato de inositol (IP3), que é seme-
tor específico encarregado de depois liberar lhante ao receptor RyR, porém menor. O IP 3
cálcio do RS. Cada canal de cálcio tipo L do é um dos mensageiros da rota fosfatidilinosi-
sarcolema controla um grupo de 4 a 10 canais tol, respondendo a certos agonistas com vaso-
de liberação do RS. Numa parte do RS próxi- constrição, como é o caso de estimulação
mo dos túbulos T, encontra-se a principal pro- alfa1– adrenérgica, angiotensina II e endote-
teína armazenadora de cálcio, chamada calci- lina. Cálcio liberado do RS pelo IP3 estimula
oqüestrina. Isto é, a onda de despolarização é o diretamente a troca Na+/Ca+. No músculo
evento inicial. Ela desliza ao longo do túbulo T vascular liso, este sistema mensageiro IP 3 é de
para abrir o canal de cálcio da membrana tubu- importância fundamental para regular a libe-
lar e permitir que os íons de cálcio penetrem no ração do cálcio do RS e, por isso, o tono arte-
sarcômero. rial. No miocárdio, a função do IP 3 é ainda
A entrada dessa pequena quantidade de controversa.
Ca++ atua como um gatilho para a liberação Ocasionalmente, pequenas quantidades de
de quantidades muito maiores de íons cálcio cálcio podem ser liberadas localmente do retí-
entesourados no retículo sarcoplasmático (RS) culo sarcoplasmático (RS) mesmo na ausên-
longitudinal, quando a calcioqüestrina descar- cia de trânsito pelos canais L, o que represen-
rega Ca++ no canal de liberação de cálcio. Cal- taria a abertura de um ou de um grupo de
cioqüestrina e outras proteínas localizadas na canais de liberação de cálcio sem efetividade
membrana do RS ajudam a regular as proprie- para iniciar a contração. Entretanto, várias “fa-
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Na K FIGURA IV-6. Pequenas


quantidades de Ca++ entran-
do pelos canais tipo L no tú-
ATP ATP Sarcolema bulo T (tT) e atuando princi-
palmente sobre o receptor
rianodina (RyR) liberam
Ca Na grande quantidade de Ca++
RS estocado no retículo sarco-
plasmático (RS). Esse Ca++

RyR
Ca Ca Ca Ca junto com o entrante por ou-
tros canais e pela troca Ca++/
Na+, desencadeia a contra-
ção ao unir-se com a tropo-
SERCA nina C. O desacoplamento
Ca do Ca++ da troponina C (TC)
Ca Ca Mitocôndria
é favorecido pela proteína
fosfolamban, enquanto a
Ca bomba de tomada de Ca++ do
RS (SERCA) o devolve para
ser rearmazenado pelo RS.
Na Fosfolamban O Ca++ proveniente do exte-
tT rior da célula é trocado por
Na+ e também expulso atra-
vés do sarcolema por ação
TT TC TI
da ATP (Gottschall 2005).

++
íscas” de cálcio podem ser ativadas por íons tração dos íons Ca , estes interagem com a

cálcio entrantes e produzir uma onda de pro- troponina C para aliviar a inibição na tropo-

pagação capaz de disparar o acoplamento ex- miosina exercida pela troponina I. A tropo-

citação-contração. Quando o RS é sobrecar- miosina livre ativa a miosinaATPase que, em


++
regado com cálcio – como na toxicidade cate- presença de Mg , desdobra a ATP em ADP

colamínica ou durante reperfusão inicial –, na membrana mitocondrial, liberando fosfa-

então as centelhas de cálcio podem produzir to inorgânico e energia para provocar o en-

ondas de propagação causadoras de arritmias curtamento do sarcômero. Fosforilação e des-

graves ou comprometimento da contratilida- fosforilação das proteínas contráteis ajuda a

de. Um aumento da concentração do íon cál- controlar a extensão da ativação dos miofila-
-7 -5
cio de 10 M para 5 x 10 M eleva cinco vezes mentos. Esta fosforilação promove o ciclo das
a atividade ATPase da miosina e a conseqüen- pontes cruzadas, que é a interação das cabeças

te hipercontratilidade, podendo provocar da miosina com os filamentos de actina, pois,

arritmias letais. Isto é, eventos importantes, como quando a ATP é hidrolizada, a cabeça da mio-

necrose miocárdica, encurtamento da duração do sina junta-se a uma unidade adjacente da ac-

potencial de ação e arritmias potencialmente fa- tina e puxa os filamentos finos em direção ao

tais podem ocorrer pela sobrecarga de cálcio, por centro do sarcômero. Parece ser o pescoço da

falha dos mecanismos reguladores de sua concen- cadeia de miosina que modifica a configura-

tração citosólica. ção no ciclo contrátil. Mutação desta cadeia

Estando baixo o cálcio citosólico, a molé- leve pode ser causa de miocardiopatia. Isto é,

cula de tropomiosina fica fletida e as cabeças a intensidade do deslizamento entre os filamen-


da miosina não interagem com a actina. A tos e o encurtamento do sarcômero paraleliza a
grande quantidade de cálcio ionizado libera- energia liberada no processo de contração.
do das reservas intracelulares do retículo sar- A formação das pontes cruzadas ativa as

coplasmático, difundindo-se para o citosol, vizinhas e a interação do processo se espalha,

aumenta muito sua concentração aí e inicia o um complexo cálcio-troponina podendo ati-

ciclo contrátil. Assim, aumentando a concen- var até 14 moléculas de actina. A contração
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ocorre quando a cabeça da miosina flexiona A


H
para mover a actina de tal modo que as linhas S 2,8m
Z se aproximam e o sarcômero encurta, em- %
A 1,5m
120
bora os comprimentos da miosina e da actina I 1,3m
mantenham-se inalterados. A banda A perma-
nece constante durante a contração e o rela-
xamento, e a banda I encurta de acordo com
S 2,3m
o encurtamento do sarcômero, sendo que a 100 A 1,5m
zona H encolhe quando os dois filamentos I 0,8m
escorregam um sobre o outro em graus extre-
mos de encurtamento (Figura IV-7). Quando
os íons Ca++ deixam a troponina C a tropo-
S 2,3m
miosina novamente assume a configuração 100 A 1,5m
inibitória, o ciclo das pontes cruzadas cessa e I 0,8m
começa a fase diastólica do ciclo cardíaco. Isto
é, contração e relaxamento cardíacos são expli-
cados por um ciclo de cálcio intracelular. O cál-
cio na verdade inibe o inibidor e, por isso, de- S 2,0m
90 A 1,5m
sencadeia a contração miocárdica. Entrada e re- I 0,5m
moção do cálcio ocorrem numa fração de segun-
do e representam o principal mecanismo pelo qual
o processo contrátil é controlado e sincronizado
S 1,8m
através de toda a parede miocárdica. A quanti- 80 A 1,5m
dade de cálcio liberado geralmente não satura I 0,3m
todos os sítios de união da troponina e assim o
número de pontes cruzadas ativas pode aumen-
tar, se o cálcio citosólico aumentar ainda mais.
A interação das pontes cruzadas aumenta 60 S 1,4m
pela estimulação dos receptores beta-adrenér-
gicos: primeiro, por mais entrada de cálcio
pelos canais L, liberando muito mais cálcio FIGURA IV-7. Durante a contração, os comprimentos
do retículo sarcoplasmático para interagir com da miosina e da actina mantêm-se fixos. É o efeito do
deslizamento da actina sobre a misosina, aproximan-
mais troponina C; segundo, as pontes cruza- do as linhas Z, que encurta o sarcômero. Em graus
das reagem à velocidade maior, como resulta- máximos de distensão, o sarcômero (S) deixa de con-
trair-se e em graus máximos de encurtamento se en-
do de um efeito direto da quantidade aumen- ruga (redesenhado de Huxley 1955, Holland e Klein
tada e velocidade do cálcio citosólico sobre a 1960).
cinética das mesmas e também como um efei-
to indireto do aumento associado de AMPc,
que ajuda a regular a atividade ATPase da mio- tes cruzadas actina-miosina adicionais, mes-
sina. Isto é, durante a contração desenvolve-se mo na ausência de mais união de cálcio com a
tensão por recrutamento de mais ciclos de pontes troponina C das mesmas, ou ainda alterações
cruzadas conforme aumenta a concentração de na extensão da fosforilação da miosina de ca-
cálcio citosólico. Para explicar esse modelo gra- deia leve. Isto é, separação da cabeça da miosi-
dual de resposta tem que se admitir resposta na do filamento de actina é efetivado quando
escalonada da troponina C aos íons cálcio, ATP migra para um bolso especial na cabeça.
incluindo ligação e liberação, e da miosinaA- Depois, a ATP é hidrolizada em ADP e Pi, e a
TPase ao cálcio, bem como ativação de pon- forma desse bolso muda. Quando ADP e Pi saem,
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há uma outra mudança na configuração mole- pontes cruzadas diminui em resposta a uma di-
cular da cabeça da miosina, e a explosão inicia-se. minuição da concentração do cálcio citosólico .
A pressão ventricular esquerda só começa Durante a desativação de uma ponte cruzada,

a subir quando a chegada dos íons cálcio às a tensão é mantida por outras ativadas nesse

proteínas contráteis desencadeia a interação período. AMPc também media a fosforilação

actina-miosina, sendo que o avanço da onda da troponina I para aumentar a velocidade de

de despolarização no ECG é indicado pelo relaxamento. Esse efeito é alcançado por meio

pico da onda R. Logo a seguir, a pressão do da atividade da bomba de cálcio do RS cha-

ventrículo esquerdo (VE) no início da fase de mada SERCA (Sarco Endoplasmático Retículo

contração excede aquela do átrio esquerdo, Ca


++-ATPase) que constitui aproximadamen-
normalmente de 10 a 15 mmHg. Conforme te 90% da composição proteica desse retículo

mais e mais miofibras se contraem, aumenta a e que aumenta sua atividade em resposta ao

interação da actina com a miosina e a pressão estímulo beta-adrenérgico. O cálcio tomado

nos ventrículos. O valor da ejeção não é só pelo RS é armazenado em altas concentrações

determinado pelo gradiente pressórico através em proteínas armazenadoras, principalmente

da válvula aórtica mas também pelas proprie- calcioqüestrina, antes de ser novamente libe-

dades elásticas da aorta e da árvore arterial, rado. A SERCA existe em várias isoformas mas
a
que desenvolvem expansão sistólica. A pres- a forma cardíaca dominante é SERCA 2 . Para

são ventricular atinge um pico e depois come- cada mol de ATP hidrolizada por esta enzi-

ça a cair, porque a concentração iônica de cál- ma, são tomados dois íons cálcio para acumu-

cio citosólico começa a diminuir, devido à to- larem-se no RS. Isto é, em nível celular, o rela-
mada de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, xamento miocárdico é um processo na dependên-
sob a influência da proteína fosfolamban ati- cia da diminuição da concentração do cálcio do
vada. Assim, mais e mais miofibrilas atingem citosol, que volta a sua concentração normal de
o estado de relaxamento, caindo a velocidade 10-7 mol por litro.
da ejeção do sangue do VE para a aorta du- Então, o cálcio é removido do citosol por

rante essa fase de ejeção reduzida. transporte ativo pela bomba de cálcio do retí-

culo sarcoplasmático (SERCA), que o bom-

beia de volta para os sítios de armazenamento

RELAXAMENTO DO nas cisternas subsarcolemais. Fosfolamban,

CARDIOMIÓCITO cujo significado é receptor de fosfato, é uma

proteína pentamétrica consistindo de cinco su-

Depois que a onda de excitação passa, não en- bunidades e atuando como uma ATPase trans-

tram mais íons cálcio e cessa sua liberação pelo portadora, sendo o maior regulador desta

retículo sarcoplasmático, porque: a) ou o au- bomba de tomada de cálcio. Responde à esti-

mento da concentração de cálcio citosólico mulação beta-adrenérgica do miócito cardía-

inibe o processo de liberação; b) ou quando o co aumentando a tomada do cálcio pela SER-

canal fecha cessa a liberação; c) ou a concen- CA para intensificar o relaxamento (Figura IV-

tração do cálcio citosólico aumentado ativa a 6). Sua atividade é governada por seu estado

bomba de tomada de cálcio do retículo sarco- de fosforilação, um processo que altera a con-

plasmático (RS); d) ou a liberação do cálcio figuração molecular da bomba de cálcio. Há

continua somente enquanto durar o poten- duas principais proteinoquinases envolvidas,

cial de ação; e) ou a combinação de dois ou uma ativada por íons cálcio e outra pela AMPc.

mais desses mecanismos, que se inicia quan- À medida que a concentração do cálcio do ci-

do o cálcio passa a retornar novamente para o tosol diminui, o íon dissocia-se da troponina

retículo sarcoplasmático longitudinal. Isto é, C, deixando a troponina I novamente inibir a

efetiva-se o relaxamento quando a atividade das interação entre actina e miosina, o que reduz
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o ciclo das pontes cruzadas e permite a ambas menta pelo aumento do cálcio citosólico e pode
retornar à configuração pré-contrátil. Este efei- ser estimulada adicionalmente por fosforilação
to explica o relaxamento aumentado (efeito da proteína regulatória fosfolamban. Promove-
lusitrópico) por ação catecolamínica. O pro- se a entrada de cálcio no retículo sarcoplasmáti-
cesso termina quando o permutador de sódio- co e quando o cálcio citosólico começa a dimi-
cálcio e a bomba de cálcio do sarcolema trans- nuir ocorre o relaxamento. A troca sódio-cálcio
portam o cálcio remanescente para o espaço também contribui para o relaxamento, removen-
extracelular (Figura IV-8). Durante isquemia do tanto cálcio quanto o que entrou via canais
severa e prolongada, diminui o nível total de tubulares de cálcio.
ATP, sobrando pouca ATP para quebrar a É por competição entre três rotas que a
união entre a cabeça da miosina e a actina, concentração de Ca++ do retículo sarcoplas-
com o desenvolvimento do chamado “cora- mático (RS) reduz-se durante o relaxamento:
ção de pedra”. Isto é, a atividade da bomba de tomada pelo RS, trocas Na+/Ca++ e bombea-
tomada do cálcio ATP-dependente do retículo mento para fora da membrana pela bomba de
sarcoplasmático (SERCA) é fundamental, au- cálcio-ATPase, sendo a bomba de tomada de

Cisterna
subsarcolemal
Retículo
sarcoplasmático Miofilamentos
(actina + miosina)

Diástole final Contração Relaxamento

Actina Miosina

FIGURA IV-8. A membrana da célula cardíaca ou sarcolema representa uma barreira efetiva aos íons Ca ++ e, na
diástole, mantém um gradiente de concentração de cálcio de 10000:1 entre o fluido extracelular e o citosol. Com a
excitação, o sarcolema se despolariza e o cálcio migra através dos canais de cálcio tipo L, o que serve para
provocar uma liberação maciça de cálcio das reservas intracelulares nas cisternas subsarcolemais. O resultante
acréscimo no cálcio citosólico causa modificação na configuração nas proteínas inibitórias (troponinas) localizadas
na actina, permitindo a formação de pontes cruzadas e a contração miocárdica. Para ocorrer o relaxamento, o Ca ++
deve ser removido do citosol, a fim de restaurar o gradiente normal de repouso de 10000:1. Isto é conseguido por
bombas de cálcio no retículo sarcoplasmático, bem como por trocas de sódio-cálcio e bombas de cálcio no sarco-
lema (redesenhado de Grossman 1991, Gottschall 1995).
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Ca++ do RS (SERCA) o mecanismo dominante culo contraem-se de maneira similar ao mús-


para o cálcio intracelular. Este trocador con- culo esquelético, exceto que a duração da con-
siste de 970 aminoácidos e não tem semelhan- tração é muito maior no miocárdio. Por outro
ça substancial com qualquer outra proteína lado, as fibras condutoras e excitatórias espe-
conhecida. Foram identificados peptídeos ini- cializadas, que são miócitos muito modifica-
bitórios específicos. A direção da troca iônica dos – com estruturas contráteis pobremente
é responsável pelo potencial da membrana e desenvolvidas e adaptadas para rápida condu-
pelas concentrações de sódio e cálcio em am- ção –, contraem-se apenas fracamente. Entre-
bos os lados do sarcolema. Modificação do tanto, apresentam ritmicidade e variáveis ve-
potencial da membrana do valor de repouso locidades de condução, proporcionando um
de –85 mV para +20 mV em alguns sítios na sistema excitatório e um sistema de transmis-
fase de rápida despolarização do potencial de são do estímulo elétrico por todo o órgão.
ação pode reverter brevemente a direção das Anatômica e funcionalmente o miocárdio
trocas Na /Ca (Figura IV-5).
+ ++
distingue-se e se assemelha parcialmente por
alguns elos de ligação à musculatura lisa vis-
ceral e à musculatura estriada esquelética. Ca-
PECULIARIDADES CONTRÁTEIS racterísticas anatômicas comuns com o mús-
DO MIOCÁRDIO culo liso são: núcleo localizado centralmente
e arranjo sincicial, enquanto que caraterísti-
O coração é contituído por três tipos principais cas funcionais comuns são: excitação autogê-
de músculo cardíaco: músculo atrial, músculo nica, ritmicidade inerente, transmissão inter-
ventricular e fibras musculares condutoras e ex- celular da excitação e controle autonômico.
citatórias especializadas. Células atriais diferem Características anatômicas comuns do miocár-
ultra-estruturalmente de células ventriculares dio com o músculo esquelético são: estriações,
por serem menores, com menores túbulos T e forma cilíndrica e cor, enquanto que caracte-
com mais curta duração do potencial de ação, rísticas funcionais comuns são: relações entre
bem como um tipo de miosina próxima à fe- comprimento e tensão e tempo de contração.
tal, sendo também mais própria para a con- Músculo liso mostra rápida despolarização
dução do sinal do fosfatidilinositol, o que pode sustentada por período prolongado, podendo
explicar o relativamente maior efeito inotró- ter múltiplas espículas superimpostas. Célu-
pico positivo nos átrios que nos ventrículos las vasculares de músculo liso diferem em for-
em resposta à angiotensina II, além de algu- ma, ultra-estrutura e função das células mio-
mas células atriais terem capacidade de des- cárdicas estriadas (Quadro IV-1 e Figura IV-9).
polarização espontânea. Têm ainda mais jun- Isto é, as células miocárdicas adaptaram-se para
ções laterais. Estas diferenças explicam a me- muito mais lentos valores de contração e relaxa-
nor força de contração atrial e a mais rápida mento e para a manutenção de contrações tôni-
condução do impulso elétrico que nos ventrí- cas sustentadas, dessa forma ajudando a regular
culos. É provável que a mais rápida repolari- a resistência contra a qual o coração se contrai .
zação atrial deva-se ao aumento da corrente O miocárdio tende a permanecer despolariza-
de saída do potássio. Estas características his- do por um período aproximadamente igual
tológicas e fisiológicas podem ser atribuídas à ao da contração. O músculo esquelético, po-
menor necessidade de os átrios gerarem altas rém, recupera rapidamente a polarização após
pressões internas, sendo mais sensíveis a mo- a excitação e responde a estímulos repetidos
dificações de volume, embora conservando para manter a contração. No miocárdio po-
ação contrátil suficiente para ajudar no enchi- dem ser produzidas somação e tetania, em
mento ventricular e responder a estímulo ino- condições experimentais, embora essas respos-
trópico. Os tipos atrial e ventricular de mús- tas sejam consideradas típicas do músculo es-
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QUADRO IV-1. Semelhanças e distinções entre miocárdio, músculo liso e músculo estriado
Miocárdio Músculo liso Músculo estriado
Núcleo central Sim Não
Arranjo sincicial Sim Não
Excitação autógena Sim Não
Ritmo inerente Sim Não
Transmissão da excitação Sim Não
Controle autonômico Sim Não
Estriações Não Sim
Forma cilíndrica Não Sim
Cor vermelha Não Sim
Relação comprimento e tensão Não Sim
Despolarização = contração (tempo) Não Sim
Somação e tetania (experimental) Não Sim

Músculo liso Miocárdio Músculo esquelético

– Núcleo central – Estriação cruzada


– Arranjo sincicial – Forma cilíndrica
– Excitação autógena – Cor vermelha
– Ritmo próprio – Relação comprimento-
– Transmissão tensão
intercelular do estímulo – Despolarização =
– Controle autonômico contração

FIGURA IV-9. O miocárdio apresenta algumas características de músculo liso e outras de músculo esquelético,
combinando-as, para melhor atender aos seus propósitos de excitação-contração (Gottschall 2005).

quelético. Músculo esquelético denervado exi- tão, pela troca Na+/Ca++, o cálcio citosólico.
be excitação autogênica espontânea (fibrila- Assim, esse efeito seria diferente daquele do
ção), comportamento que é a forma típica de aumento da pré-carga, que atua por ativação
excitação do miocárdio e do músculo liso. pelo comprimento. Efeito Bowditch ou “es-
Algumas respostas características do mio- cada”: Aumento progressivo da freqüência car-
cárdio que constituem os efeitos Anrep e Bow- díaca eleva a força da contração ventricular
ditch ou “escada” merecem comentários. mesmo numa preparação de músculo papilar
Efeito Anrep: Quando a pressão aórtica au- isolado, o que é chamado efeito inotrópico
menta abruptamente, segue-se um efeito ino- positivo da ativação ou relação força-freqüên-
trópico positivo dentro de um a dois minu- cia. Por outra, freqüência diminuída age ne-
tos, o que é chamado auto-regulação homeo- gativamente. O efeito Bowditch é também
métrica, porque aparentemente independe do explicado por mais íons sódio e cálcio entran-
comprimento muscular. É provável que a ten- do na célula miocárdica, auxiliados pela bom-
são aumentada da parede ventricular esquer- ba de sódio e pelos mecanismos de saída do
da atue nos receptores miocárdicos de disten- cálcio. Opõe-se a ele diminuída duração do
são para incrementar o sódio citosólico e en- enchimento ventricular em freqüência alta,
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o que pode ser visto em pacientes com fi- niente sobreposição da actina com a miosina,
brilação atrial com variáveis intervalos de conforme modelos de músculo esquelético.
enchimento. Hoje sabe-se que o músculo esquelético de-
No coração intacto, normalmente o pico senvolve muito mais tensão que o cardíaco
da força contrátil é alcançado com 150 a 180 para o mesmo comprimento relativo. Com
estímulos/min. Em miocárdio isolado, alcan- 80% de estiramento, o músculo esquelético
ça-se ótimo desenvolvimento de força com fre- já desenvolve cerca de 90% de tensão, e o car-
qüências de 120 a 150 cpm, enquanto em díaco apenas 10%. Isto é, o sarcômero cardíaco
pacientes com miocardiopatia a freqüência car- funciona próximo ao limite superior de seu com-
díaca aumentada produz uma tensão diminuí- primento máximo (Lmax). Estudos relacionan-
da. Em tecidos de corações muito doentes, a do modificações do comprimento do sarcô-
tensão diastólica costuma aumentar marcada- mero a modificações de volume no coração
mente com o aumento da freqüência, suge- intacto demonstram que um comprimento
rindo excesso de cálcio citosólico com defi- sarcomeral de 85% do Lmax é capaz de efeti-
ciente utilização do mesmo pelo retículo sar- var modificações fisiológicas no volume ven-
coplasmático. Assim, o pico da tensão isomé- tricular, estimativa que se aproxima do encur-
trica instantânea em fibras de coração normal tamento de 15% do coração normal funcio-
com freqüências de estimulação de 150/min é nante. Isto é, devido às relações peculiares entre
3,5 vezes maior que no· coração insuficiente. comprimento e volume, a ejeção diminui o vo-
Como o aumento do VO2 é linear com o au- lume do coração mais do que a metade mas o
mento da força, a combinação de desenvolvi- comprimento do sarcômero só cai de 2,20 para
mento de menor força cardíaca e aumento de 1,90m (15%).
·
VO2 indica diminuída eficiência miocárdica Pensa-se que um comprimento aumenta-
(Capítulo VI). do do sarcômero leva a uma maior sensibili-
Em todas as formas de músculo estriado, dade do aparelho contrátil ao cálcio citosólico
incluindo o cardíaco, a força de contração de- – e não a um aumento de trânsito do íon –,
pende do comprimento inicial do músculo, sen- possivelmente através do estiramento da mo-
do que o aumento do volume cardíaco traduz-se lécula de titina. O mecanismo para esta mo-
num maior comprimento muscular, que atua por dificação reguladora parece residir no espaça-
um mecanismo sensor de comprimento. Assim, mento interfilamentar, porque, quando o
o comprimento do sarcômero associado com a músculo cardíaco é distendido, a distância in-
contração mais potente, em qualquer nível de terfilamentar lateral diminui, havendo, hipo-
concentração do Ca++, é 2,2m. Com um com- teticamente, um aumento da transição do es-
primento sarcomeral de 3,6m, a tensão desen- tado de união fraco para forte. Isto é, é propos-
volvida cai a zero e é nesse ponto que os fila- to que o estiramento sensibiliza as miofibrilas à
mentos finos são inteiramente deslocados da concentração de íons cálcio, atuando através de
banda A. Em sarcômero com comprimento de mudanças da distância lateral entre actina e
1,65m ou menos os filamentos finos se enrugam, miosina. Também, a distensão aumenta as for-
produzindo dupla superposição e quase nenhu- ças passivas mantidas pela titina, o que pode in-
ma força (Figura IV-7). Com comprimento de fluenciar a posição das cabeças miosínicas . A re-
2,15m, o mesmo trânsito de cálcio, com o mes- lação entre o comprimento inicial da fibra e a
mo valor de pico, causa muito maior desenvol- força desenvolvida forma a base ultra-estrutu-
vimento de força, permitindo concluir que o ral da lei de Frank-Starling que estabelece,
alongamento do sarcômero leva a maior sensibi- dentro de limites, que um aumento do volu-
lização à ação do cálcio. me ventricular inicial, ou seja, maior compri-
Previamente, explicava-se o comprimento mento muscular, resulta em aumento da for-
ideal para a contração por uma mais conve- ça de contração.
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ARDIOVASCULAR 99

COORDENAÇÃO DA CONTRAÇÃO zinhança do nó SA. Descargas vagais liberan-

do acetilcolina diminuem a freqüência dos

Para uma eficiente contração cardíaca global, o impulsos, enquanto que descargas simpáticas

encurtamento das diversas partes do coração deve liberando simpaticomiméticos aceleram a fre-

ser harmônico, coordenado , numa seqüência quência de formação de impulsos. Deixado

quase simultânea e não caótica, como é o caso livre de qualquer influência neural ou hormo-

da fibrilação. Para isso o coração desenvolveu nal, o nó SA geraria impulsos numa freqüên-

um sistema especializado de geração e condu- cia maior que cem por minuto. Porém, devi-

ção do estímulo elétrico, primeiro nos átrios e do à influência vagal, essa freqüência se man-

depois nos ventrículos, cuja seqüência atende tém entre sessenta e cem por minuto, tanto

aos propósitos de uma sístole eficiente (Figu- mais baixa quanto mais vagotonia e tanto mais

ra IV-10). O sistema de excitação-condução é alta quanto mais simpaticotonia.

responsável pelo início periódico e rítmico do O potencial da fibra do nó sinusal entre as

estímulo, pelo retardo entre a contração atrial descargas tem negatividade de –55 a –60 mV,

e ventricular, e pela rápida despolarização das em comparação com –85 a –90 mV da fibra

espessas paredes ventriculares. Quando o sis- ventricular. Essa menor negatividade decorre

tema excito-condutor funciona normalmen- de que as membranas das fibras sinusais são

te, a mesma seqüência se repete em cada ciclo mais permeáveis a íons positivos sódio e cál-

cardíaco. cio, que tendem a entrar nas fibras do nó por

O nó sinoatrial ou sinusal (SA), a princi- múltiplos canais da membrana, elevando o

pal fonte geradora dos impulsos cardíacos, é potencial de repouso gradualmente entre dois

uma pequena faixa achatada e elíptica de teci- batimentos cardíacos. Ao atingirem o limiar

do miocárdico especializado mergulhado na de cerca de –40 mV, canais de cálcio-sódio

massa atrial direita, localizado abaixo e late- são ativados, levando à entrada muito rápida

ralmente à desembocadura da veia cava supe- de íons sódio e cálcio e desencadeando o po-

rior. As fibras sinusais, que medem 3 a 5 m de tencial de ação. Dentro de 100 a 150 ms após

diâmetro, são contínuas com as fibras muscu- sua abertura, os canais de cálcio-sódio inati-

lares atriais, três vezes mais calibrosas. Fibras vam-se (fecham-se) e abre-se um número

simpáticas e parassimpáticas terminam na vi- maior de canais de potássio, o qual se difunde

Átrio esquerdo

Nó sinusal 2
1
Feixe de His FIGURA IV-10. A partir do nó sinu-
Átrio direito sal, a onda de excitação despolari-
Ramos za o átrio direito e depois o esquer-
do. Após um pequeno retardo no nó
Nó atrioventricular 3 atrioventricular, os impulsos elétri-
5
cos são conduzidos pelo feixe de His
e rede de Purkinje, que espalha a
onda de excitação do endocárdio
Válvula para o epicárdio e do lado esquerdo
do septo para o direito, parede livre
Músculo papilar do ventrículo direito e parede do
ventrículo esquerdo. Os números
4 indicam a seqüência. A repolariza-
ção se faz do epicárdio para o en-
docárdio (Gottschall 1995).
Fibras de Purkinje
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A ASCIA
M OTTSCHALL
G
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para fora das células, pondo fim ao potencial cerca de 0,08 seg. Ao atingir o septo intera-
de ação. O potássio carrega grande número trial, a onda de excitação alcança outra massa
de cargas positivas consigo, causando tempo- de tecido especializado de condução, o nó
rária negatividade no interior da fibra (hiper- atrioventricular (AV), que está localizado no
polarização). A hiperpolarização diminui o lado direito do septo, perto da entrada do seio
potencial da membrana em repouso para –55 coronariano. Nessa estrutura, a onda de exci-
a –60 mV. Esse estado se dissipa porque, nos tação sofre um retardo, uma “parada” de cerca
décimos de segundos subseqüentes ao fim do de 0,08 a 0,13 seg, devido à lenta condução
potencial de ação, um número crescente de por fibras finas conectando o miocárdio atrial
canais de potássio começam a se fechar, quan- com o tecido nodal. Isto é, esse retardo permite
do os íons sódio que vazam para o interior que se conclua a contração atrial antes de ini-
superam o fluxo para fora dos íons potássio, ciar-se a ventricular. Fibras de transição muito
elevando-se novamente o potencial de “repou- delgadas ligam as vias internodais atriais ao
so” e atingindo outra vez o limiar de descarga nó AV, e conduzem o estímulo com velocida-
de –40 mV para reiniciar-se todo o processo de tão pequena como 0,02 a 0,05 m/seg (doze
(Figura IV-11). avos da velocidade do músculo cardíaco nor-
É difícil identificar sistema de condução mal), retardando muito a entrada do impulso
organizado nos átrios, pois a onda de excita- no nó AV. Também a velocidade de condução
ção espalha-se por toda a parede atrial. Entre- nas fibras nodais é baixa, 0,05 m/seg, um oi-
tanto, isso segue uma seqüência, primeiro no tavo da velocidade de condução do músculo
átrio direito, para a frente e para baixo, e de- cardíaco normal, e a mesma velocidade da
pois no átrio esquerdo, para a esquerda e para parte penetrante do feixe AV. Porém, nos ven-
trás. A velocidade de condução no músculo trículos, que precisam contrair-se em bloco, a
atrial é de cerca de 0,3 m/seg. Foram identifi- despolarização se completa em menos de 0,10
cados o feixe interatrial anterior, para o átrio seg (Figura IV-12).
esquerdo, e três pequenos feixes denomina- Noradrenalina (mensageiro agonista) incre-
dos vias internodais anterior, média e poste- menta a permeabilidade da membrana das fi-
rior, que conduzem o impulso a mais ou me- bras ao sódio e ao cálcio. A AMPc, o segundo
nos 1 m/seg. Apresentam fibras semelhantes mensageiro (Capítulo VII e Figura VII-2), ele-
às de Purkinje, misturadas com fibras muscu- va a freqüência de descarga do marcapasso ao
lares. Completa-se a despolarização atrial em estimular a entrada de cálcio na célula, aumen-

FIGURA IV-11. Mecanismos de alteração


da freqüência do marcapasso sinusal: “C”
S C P é o controle, em que o potencial da mem-
brana desencadeia o estímulo efetivo ao
20 chegar em –40 mV; “S” é o efeito da esti-
mulação simpática, em que a inclinação
0 da curva do potencial é mais aguda e atin-
Potencial da membrana

ge antes o limiar, aumentando a freqüên-


–20 cia; “P” é o efeito da estimulação paras-
(mV) simpática, em que não só reduz a inclina-
Limiar ção da curva do potencial como torna o po-
–40
tencial da membrana mais negativo antes
de começar a ascensão, atingindo o valor
–60 do limiar mais tarde e diminuindo a freqüên-
cia dos impulsos pelo marcapasso. Aumen-
–80 to ou diminuição no limiar de excitação ou
na magnitude do potencial de repouso tam-
bém podem, respectivamente, diminuir ou
Tempo aumentar a freqüência (Gottschall 1995).
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0,01 seg 0,10 seg 0,22 seg 0,28 seg


FIGURA IV-12. Seqüência da despolarização elétrica desde o nó sinoatrial até os ventrículos e gênese do eletro-
cardiograma. A despolarização dos átrios se completa em 0,10 seg (onda P), havendo um retardo do estímulo no
nó atrioventricular por mais 0,10 seg (espaço PR), fazendo-se a despolarização septal nos próximos 0,02 seg
(onda Q), completando-se o complexo QRS em 0,08 seg. A rapidez da excitação-condução é essencial para
que a musculatura miocárdica se contraia simultaneamente, em bloco, a fim de assegurar eficiente volume
sistólico. Após, vem a repolarização ventricular (onda T, linha tracejada), que se completa nos próximos 0,12
seg (Gottschall 2005).

ta a velocidade de condução e o nível de exci- minuindo a formação da AMPc (Capítulo VII


tabilidade em todo o coração, a força de con- e Figura VII-2). Ao aumentar a permeabilida-
tração atrial e ventricular. No nó sinusal, au- de da membrana das fibras para a saída do
mento da permeabilidade ao sódio ocasiona potássio – o que torna mais negativo o inte-
um potencial de repouso menos negativo e rior das mesmas (hiperpolarização) –, dimi-
uma elevação mais rápida do potencial de nui o potencial da membrana “em repouso”
membrana até o limiar de auto-excitação, ca- das fibras do nó para –65 a –75 em vez de –
paz de acelerar a freqüência cardíaca. No nó 55 a –60 mV, e, portanto, requer um interva-
atrioventricular, a maior permeabilidade ao lo maior até atingir o limiar de excitação, o
sódio facilita o potencial de ação excitar a parte que torna mais lento o ritmo. Assim, faz bai-
distal das fibras de condução, diminuindo as- xar a freqüência do nó sinusal e a excitabilida-
sim o tempo de condução dos átrios para os de das fibras juncionais entre a musculatura
ventrículos. A intensificação da permeabilida- atrial e o nó atrioventricular. Pode bloquear
de aos íons cálcio é, pelo menos, parcialmente totalmente a condução, dependendo da dose.
responsável pelo aumento da força contrátil À noite, o tono vagal aumenta e o simpático
do miocárdio sob influência da estimulação diminui, e com isso cai a formação da AMPc.
simpática, porque, como visto, os íons cálcio A condução pelo feixe atrioventricular (AV)
têm papel fundamental no eclodir do proces- normalmente se faz em sentido único, já que
so contrátil das miofibrilas. O mais rápido mo- os potenciais de ação não viajam em sentido
vimento do cálcio citosólico intensifica todos os retrógrado, o que impede a reentrada de im-
outros movimentos iônicos e diminui a hiper- pulsos cardíacos dos ventrículos para os átrios,
polarização pelo potássio. Isto requer menos tem- e também porque os átrios são separados dos
po para ser alcançado o limiar de despolariza- ventrículos por uma barreira fibrosa contínua,
ção espontânea e disparar o marcapasso. que atua como isolante, excluindo a passagem
Acetilcolina (mensageiro antagonista) di- de impulsos entre essas cavidades por qual-
minui a freqüência do marcapasso porque de- quer outra via que não a condução anterógra-
prime a atividade da proteína precursora G da pelo feixe AV. A partir do nó AV desce um
estimulante e aumenta a da G inibidora, di- feixe de fibras de tecido de condução especiali-
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C NTONIO
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zado formado por fibras de Purkinje, o feixe rante a seqüência quase simultânea da contra-
de His, dirigido anteriormente ao longo do ção dos ventrículos, primeiro o direito e depois
lado direito do septo atrial – antes de descer o esquerdo, num intervalo não maior que 0,10
através da junção AV para a margem superior seg (Figura IV-12). Isto é, se o impulso trafegasse
do septo interventricular –, onde se divide em apenas pelo músculo, a velocidade de condução se-

dois ramos, direito e esquerdo, com subdivi- ria seis vezes menor, e grande parte da massa ven-

sões, muitas das quais correm pelos respecti- tricular iria contrair-se antes do restante, com um

vos lados do septo interventricular. Cada ramo bombeamento efetivo praticamente nulo.

do feixe de His chega até o ápice do ventrícu- No nó atrioventricular (AV) as fibras des-
lo, dividindo-se em ramos menores que cir- carregam normalmente com uma freqüência
cundam a respectiva câmara ventricular, e vol- rítmica de 40 a 60 por minuto, e as fibras de
tam em direção à base do coração. No inte- Purkinje com freqüência de 15 a 40 por mi-
rior do miocárdio, o feixe de His ramifica-se nuto. Isto é, o nó sinusal (SA) é o marcapasso
num enovelado de fibras de Purkinje que se normal por originar ondas de excitação mais

distribuem pelas superfícies internas das câ- rápido que qualquer outro ponto do coração . É
maras ventriculares. As fibras de Purkinje ter- justamente por isso que o nó SA controla o
minais penetram cerca de um terço do trajeto ritmo cardíaco, pois a cada descarga sua o
pela massa muscular e depois tornam-se con- impulso é conduzido tanto pelo nó AV como
tínuas com as fibras musculares cardíacas. São pelas fibras de Purkinje, despolarizando as
fibras muito grandes, maiores ainda que as fi- membranas excitáveis. Em seguida esses teci-
bras musculares dos ventrículos, e transmitem dos e o nó recuperam-se, ficando hiperpolari-
potenciais de ação com velocidades de 1,5 a zados. Entretanto, o nó SA perde sua hiper-
5,0 m/seg, seis vezes mais que a velocidade pelo polarização e emite novo impulso muito an-
músculo (que é de 0,3 a 0,5 m/seg) e 150 ve- tes que qualquer um dos outros locais atinja
zes a medida em algumas fibras de transição. seu limiar de auto-excitação.
Isso é causado pela maior permeabilidade das Estes processos podem ser monitorados na
junções abertas nos discos intercalados entre superfície corporal pelo ECG, no qual a onda
as sucessivas células que constituem as fibras P representa a despolarização atrial, o interva-
de Purkinje. Nesses discos, os íons passam fa- lo PR inclui o retardo no nó AV e o complexo
cilmente de uma célula para a seguinte. Como QRS demonstra a fase de despolarização ven-
essas fibras também têm poucas e rudimenta- tricular. O segmento ST evidencia o ventrí-
res miofibrilas, praticamente não se contraem culo plenamente despolarizado, corresponden-
ao transmitir os impulsos. do ao plateau do potencial de ação. A onda T
Depois de deixar o nó AV, a onda de des- reflete o processo de repolarização. Embora se
polarização viaja a 4-5 m/seg pelas fibras de esperasse uma onda T negativa, ela é nor-
Purkinje até a superfície endocárdica, por onde malmente positiva, na mesma direção do com-
começa a contração, primeiro pelas trabécu- plexo QRS (Figura IV-12). O ECG permite pre-
las carnosas e músculos papilares e sempre do cisa determinação do ritmo e da freqüência car-
endocárdio para o epicárdio. O impulso car- díacos. Há também características modificações
díaco chega ao sarcolema do miócito ventri- eletrocardiográficas na hipertrofia ventricular, nos
cular, sendo o próximo passo o acoplamento bloqueios cardíacos, na isquemia e no infarto.
excitação-contração, que desencadeia integral-
mente o processo contrátil. Como o impulso
pelas fibras de Purkinje segue o trajeto dos mús- CICLO CARDÍACO
culos espirais cardíacos, o tempo total de trans-
missão requer mais ou menos 0,03 seg. Essa ra- Um ciclo cardíaco completo é constituído por fases

pidez da excitação pelo sistema de condução ga- que asseguram o movimento do sangue por meio
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do melhor aproveitamento energético do coração . te pressórico do átrio para o ventrículo, o que

Wiggers, em 1915, elucidou completamente é conseguido pela sístole atrial (que aumenta a
as diversas fases do ciclo cardíaco. Um ciclo pressão atrial no fim da diástole ventricular) –

cardíaco completo dura geralmente de 1,0 seg particularmente importante quando necessá-

(freqüência de 60/min) a 0,6 seg (freqüência rio grande débito cardíaco –, como no exercí-

de 100/min), ocupando a diástole (enchimen- cio, ou quando o ventrículo não se relaxa ade-

to) cerca de 55%, e a sístole (contração) cerca quadamente, como na hipertrofia. A con-

de 45% do mesmo (Figura IV-13). tração atrial aumenta discretamente as pres-

No início do intervalo diastólico abrem-se sões atrial e ventricular, fluindo o sangue em

as válvulas atrioventriculares, flui sangue para direção aos ventrículos ou às grandes veias,

os ventrículos e as dimensões ventriculares dependendo de qual oferecer menor resistên-

aumentam rapidamente ( fase de enchimento cia. A quantidade de sangue que entra nos

rápido), logo a seguir atingem um plateau e ventrículos é variável mas em geral contribui

passam à fase de enchimento lento (diástase), com cerca de 25 % do volume diastólico ven-

que persiste com volume e pressão praticamen- tricular. Após a sístole atrial os átrios relaxam,

te estáveis. O gradiente atrioventricular dimi- sua pressão diminui abaixo da ventricular, cau-

nui e reverte transitoriamente. Isto ocorre por- sando o fechamento das válvulas atrioventri-

que o relaxamento ventricular aproxima-se do culares e o fim da diástole. O advento da sísto-


fim e o fluxo de sangue vindo do átrio enche le ventricular produz um rápido aumento na
o ventrículo, aumentando a pressão ventri- pressão ventricular. Os átrios começam a se

cular, enquanto baixa a do átrio. A reversão encher novamente durante a próxima sístole

do gradiente atrioventricular desacelera e faz ventricular.

cessar o rápido fluxo de sangue da diástole Ao findar a contração atrial, começa a ex-

inicial, ocorrendo apenas pequeno enchimento citação dos ventrículos, completando-se 0,08

ventricular durante a porção média da diástole. seg após. Durante certo período, chamado de

Quando as pressões nos átrios e ventrículos isovolumétrico, o volume ventricular não va-

se igualam, o enchimento cessa, sendo que ria, exceto pelo movimento do sangue para

aumento adicional requer elevação do gradien- mover e fechar as válvulas. Quando a onda de

FIGURA IV-13. Contração atrial (CA) e


2-VDF volume diastólico final (VDF) completam
a pré-carga ventricular. A seguir, vêm a
1-CA 3-FIS fase isométrica sistólica (FIS) – quando
aumenta a pressão (P) sem variação do
V=100
volume (V) –, a fase de expulsão sistóli-
P=12
V=100 V=100 ca (FES) – que se divide em máxima e
P=12 P=80 reduzida –, chegando ao volume sistóli-
co final (VSF), quando o V é mínimo e a
P é máxima. Logo após, inicia-se o rela-
xamento ventricular pela fase isométrica
7-FED CICLO 4-FES diastólica (FID) – em que o V não varia
CARDÍACO mas a P chega ao valor mínimo –, e so-
brevém a fase de enchimento ventricular
V=75 diastólico (FED) – dividida em enchimen-
P=8 V=65
P=100 to ventricular rápido e reduzido –, quan-
do o ventrículo é repleto até sobrevir nova
contração atrial, variando muito pouco
6-FID 5-VSF sua pressão diastólica. As setas maiores
indicam o sentido do fluxo sanguíneo, e
as menores a tendência do movimento
V=30 V=30 ventricular. Os números indicam o V em
P=0 P=120 ml e a P em mmHg (Gottschall 2005).
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excitação a partir da superfície endocárdica lumétrico do ventrículo esquerdo (VE) varia-


atinge as trabéculas carnosas e os músculos ria com a pressão aórtica: aumento de 60
papilares, estes, ao se contraírem, tracionam mmHg para 120 mmHg de pressão diastólica
as cordas tendíneas dirigindo as válvulas atrio- aórtica o duplicaria, e a fase de ejeção reduzir-
ventriculares em aposição, o que facilita seu se-ia proporcionalmente, desde que o ciclo
fechamento pela pressão intraventricular cres- cardíaco total permanecesse constante. Sendo
cente. Na verdade, nesse período, há discreta o volume sistólico em grande parte função da
redução no volume ventricular e discreto au- diferença instantânea de pressão entre o VE e
mento na pressão atrial, pela elevação do pla- aorta, torna-se claro que o aumento da pres-
no valvular. O súbito estiramento dos múscu- são intraventricular, refletida no incremento
los circunferenciais logo antes de se contraí- da dP/dt, atua como fator fundamental na
rem aumenta sua eficiência contrátil. A seguir, capacidade de o coração aumentar sua veloci-
a contração dos músculos papilares dirige dade de ejeção, ao elevar-se o volume sistólico
as bordas das válvulas em direção ao ápex. ou diminuir o período expulsivo, como na
O miocárdio em contração empurra a válvula taquicardia.
atrioventricular para cima, de modo que o san- No início da sístole expulsiva ( fase de ex-
gue dentro da cavidade ventricular esquerda é pulsão rápida ou máxima ), o comprimento do

aprisionado e eleva a pressão intraventricular ventrículo diminui rapidamente e o plano val-


sem variar seu volume (fase isovolumétrica sis- vular desce, enquanto que as outras dimen-
tólica), até que essa pressão sobrepuje a dias- sões, como diâmetro, circunferência e com-
tólica da aorta, abrindo a válvula e iniciando primento externo recuam simultaneamente.
a fase de expulsão ventricular , quando o sangue As pressões ventriculares sobrepujam as pres-
é acelerado dentro da aorta ( fase de ejeção má- sões dos troncos arteriais, o que produz acele-
xima). O início da sístole ventricular esquer- ração no fluxo sanguíneo capaz de formar um
da pode ser visto como: a) o começo da con- pico de fluxo (dP/dt dos ventrículos > dP/dt
tração isovolumétrica, quando a pressão do das artérias), e a expulsão é rápida. Durante a
ventrículo esquerdo excede a atrial, ou b) fe- porção final da sístole, a pressão ventricular
chamento valvular mitral. Estes eventos têm cai discretamente abaixo da arterial – não obs-
boa correspondência porque o fechamento da tante continuar o esvaziamento por uma ace-
válvula mitral ocorre cerca de 20 milisegun- leração residual do fluxo –, sendo a expulsão
dos após o ponto de cruzamento das pressões. lenta (fase de ejeção reduzida). Assim, a pres-
Assim, na prática, o termo contração isovolu- são arterial eleva-se enquanto o volume ven-
métrica freqüentemente inclui este breve pe- tricular diminui abruptamente, bem como a
ríodo precoce da contração sistólica, mesmo tensão parietal. A seguir, as pressões ventri-
antes do fechamento mitral, quando o volu- culares e arteriais caem, iniciando-se o relaxa-
me cardíaco não varia substancialmente. mento do ventrículo, enquanto o fluxo ruma
O período de contração isovolumétrica nos em direção aos capilares. No início do relaxa-
ventrículos dura cerca de 0,013 seg no ventrí- mento ventricular, ocorre marcada queda da

culo direito e cerca de 0,06 seg no esquerdo. pressão, abaixo da arterial, e o pequeno fluxo
Isto é, a habilidade que tem o miocárdio de al- retrógrado nas artérias aproxima as válvulas
terar sua freqüência de contração, bem como de semilunares, produzindo a incisura dícrota na
enfrentar cargas variáveis, mantendo essencial- curva aórtica ou pulmonar.
mente constante o período de contração isovolu- Do fechamento da válvula aórtica até a
métrica, através da variação da velocidade de abertura da mitral, o ventrículo esquerdo (VE)
aumento da pressão intraventricular –dP/dt-, é uma câmara fechada com volume inaltera-
representa uma de suas mais importantes pro- do. O relaxamento miocárdico começa na úl-
priedades. Se assim não fosse, o período isovo- tima parte da sístole e causa um degrau devi-
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do à queda aguda da pressão intraventricular, ficientemente longo, o volume ventricular


conforme elementos elásticos do VE – que atinje um plateau em que não entra mais san-
haviam sido comprimidos e espremidos du- gue dos átrios (período de diástase). É a com-
rante a ejeção – recolhem-se. Segue-se uma placência ou distensibilidade ventricular que
fase (cerca de 0,08 seg) em que cai a pressão determina o aumento da pressão em relação
intraventricular sem variação apreciável de ao volume diastólico (Capítulo IX). O com-
volume (relaxamento isovolumétrico) até que primento da diástole depende da freqüência
valha menos que a pressão atrial, e as válvulas de descarga do marcapasso em iniciar outro
atrioventriculares (AV) abram, facilitando a ciclo cardíaco. Como a maior parte do enchi-
entrada da corrente de sangue nos ventrículos. mento se faz no início da diástole, e a contra-
Embora não ocorra enchimento no período ção atrial contribui com cerca de vinte e cinco
isovolumétrico, os processos que determinam por cento no fim, pouco diminuirá o enchi-
a velocidade de declínio da pressão isovolu- mento se a diástole encurtar por taquicardia,
métrica influenciam o enchimento ventricular o que ainda é compensado por maior aspira-
após a abertura da válvula mitral. Pelos 30 a ção inicial. Isto é, apenas freqüências muito al-
40 milisegundos após a abertura da mitral, o tas é que prejudicam o enchimento diastólico .
relaxamento da tensão parietal do VE é bas- Durante a última porção da diástole, depois
tante rápido para fazer cair a pressão intra- da contração atrial, a pressão ventricular iguala
ventricular, a despeito de um aumento de vo- a atrial esquerda e a capilar pulmonar porque
lume dessa cavidade, isto é, é o relaxamento as válvulas atrioventriculares permanecem
que “puxa” a pressão. Esta queda na pressão VE completamente abertas, formando uma cavi-
produz um gradiente de pressão (gradiente dade única, sem fluxo de uma para outra (Fi-
transmitral) que acelera o sangue do átrio es- guras IV-13 e IV-17).
querdo (AE) para o VE, resultando no enchi- Um dos melhores meios de entender os
mento rápido do início da diástole. Embora o eventos do ciclo cardíaco é através da curva
pico do enchimento ocorra após o pico do gra- pressão-volume. Na prática, são necessárias
diente de pressão, os dois são muito próximos medidas invasivas para traçar a curva comple-
(estão muito relacionados). Dois principais fa- ta, que representa uma medida indireta das
tores (relaxamento miocárdico e pressão atrial relações de Frank-Starling (Capítulo VI) en-
esquerda) determinam o gradiente inicial da pres- tre a força (pressão) e o comprimento muscu-
são pela válvula mitral e a velocidade do enchi- lar (volume). Durante uma intervenção ino-
mento ventricular esquerdo. Sob circunstâncias trópica positiva a curva pressão-volume refle-
normais mais ou menos dois terços do volume te um pequeno volume sistólico final e uma
de enchimento entra no VE nessa fase. grande pressão sistólica final, de modo que o
Após a expansão rápida, os ventrículos di- deslocamento da relação pressão-volume
minuem sua pressão diastólica inicial a valo- move-se para cima e para a esquerda, os diver-
res próximos a zero ou menos, isto é, pressão sos pontos das diversas curvas formando uma
diastólica inicial ou Pd 1, no caso do ventrículo relação curvilinear ascendente para a esquer-
direito o momento de mais baixa pressão do apa- da, por efeito de um inotropismo aumenta-
relho cardiovascular, e no caso do esquerdo a mais do. O efeito beta-adrenérgico favorece tam-
baixa pressão do circuito sistêmico .
Curvas de bém um maior relaxamento (efeito lusitrópi-
volume instantâneas indicam que a velocida- co positivo), o que resulta, normalmente, em
de de enchimento inicial, devido à aspiração mais baixa curva pressão-volume durante o
ativa por parte dos ventrículos, é maior que a enchimento ventricular (Vide Figuras IV-14,
velocidade de contração. O enchimento ven- X-7, X-8, X-16 e X-28). São enfatizados os
tricular se completa logo após o início do re- eventos no ventrículo esquerdo por sua maior
laxamento, e, se o intervalo diastólico for su- importância fisiológica mas os corresponden-
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tes no ventrículo direito decorrem de meca- clo cardíaco é a diástole cardiológica. Assim, a sís-
nismos similares. tole cardiológica começa um pouco depois que
A chamada sístole fisiológica estende-se do a sístole fisiológica e termina significantemente
início da contração isovolumétrica até o pico depois. Para o cardiologista clínico, a protodiás-
da fase de ejeção, de modo que a diástole fisio- tole é a fase precoce do enchimento rápido.
lógica começa no início da queda da pressão

ventricular. Este conceito se ajusta bem com a


curva pressão-volume, que representa a trans- GEOMETRIA FUNCIONAL DOS
formação da função miocárdica em bomba VENTRÍCULOS
ventricular (Figura IV-14). Diástole fisiológi-
ca começa quando os íons cálcio são tomados São as caraterísticas da árvore arterial a que ser-

pelo retículo sarcoplasmático de modo que o vem que estabelecem o molde anátomo-funcio-

relaxamento do miócito sobrepuja a contração, nal dos ventrículos .

e a pressão do ventrículo começa a cair, como se Tudo no ventrículo direito (VD) concorre
vê na curva pressão-volume. Em contraste, a sís- para que este seja uma câmara de volume e de
tole cardiológica é demarcada pelo intervalo en- baixa pressão. Cortes longitudinal e transver-
tre a primeira e a segunda bulha cardíaca, du- sal mostram assemelhar-se a um fole de larei-
rando da primeira bulha (M1) até o fechamento ra, com grande área em relação ao volume. Ao
da válvula aórtica (A2). O remanescente do ci- contrair-se, o VD expulsa sangue através de

P T
U

Q S C
120
E.L. PRÉ-S C.I. Ejeção R.I. E.R. E.L.
120 D
PS 90
Pressão ventricular E

Ao B

PD Ao (mmHg) 60
mmHg dP
dt
30
Pd2 Mi
Mi
C.A. AE A
Pd1 E F
0
0 20 70 120
0,6 a 1,0 seg Volume ventricular E (ml)
FIGURA IV-14. À esquerda: Fases da contração cardíaca, eletrocardiograma e curva de pressão ventricular es-
querda. A diástole – composta das fases de enchimento lento (EL), pré-sístole (Pré-S), onde se dá a contração
atrial (CA), relaxamento isométrico (RI), enchimento rápido (ER) e enchimento lento (EL) – ocupa maior espaço no
ciclo cardíaco que a sístole, composta das fases de contração isovolumétrica (CI) e ejeção máxima e reduzida. A
velocidade do fluxo na aorta é mais lenta que no ventrículo. Pd2 é a pressão diastólica final, PS a pressão sistólica e Pd1
a pressão diastólica inicial do ventrículo esquerdo (VE). DP/dt é a variação da pressão isovolumétrica num infinitésimo
de tempo. Na parte ascendente da curva, fechamento da válvula mitral (Mi) e abertura da válvula aórtica (Ao), e, na parte
descendente, fechamento da Ao e abertura da Mi. Na porção inferior da curva, as variações da pressão em átrio esquer-
do (AE). À direita: Curva pressão-volume do VE. AB, contração isovolumétrica; BC, expulsão máxima; CD, expulsão
reduzida; DE, relaxamento isovolumétrico; EF, enchimento rápido; FA, enchimento lento. No ventrículo direito a seqüên-
cia dos fenômenos expostos acima é similar, apenas com pressões mais baixas (Gottschall 1995).
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três movimentos: a) as trabéculas e os múscu- áreas, configuração que permite expulsar grande
los papilares contraem-se, abaixam o plano volume com pequeno encurtamento e pouca ten-
valvular tricúspide e encurtam a cavidade; b) são, o que é suficiente para uma circulação de
o encurtamento circunferencial da parede baixa resistência como a pulmonar (Figura IV-
move-se contra a massa convexa do septo, e 15). O VD responde aos mesmos determinan-
pequeno movimento dessa grande área per- tes de contração que o VE e pode exibir uma
mite que desloque um maior volume de san- curva de função normal em presença de insu-
gue; c) a contração das fibras circulares pro- ficiência ventricular esquerda, ou vice-versa,
fundas do ventrículo esquerdo (VE) acentua mas quase pode ser considerado um ventrícu-
sua forma esférica, que protrui para dentro da lo de reserva. Excluindo-se o VD da circula-
cavidade ventricular direita, diminuindo mais ção, ocorre pequeno aumento da pressão ve-
o volume do ventrículo direito. Isto é, no VD nosa, mas o VE é capaz de manter sozinho a
confina-se um espaço estreito entre duas grandes circulação. Normalmente, o VD é necessário

FIGURA IV-15. O sangue é


ejetado do ventrículo direito
(VD) pelo encurtamento longi-
tudinal com deslocamento
para baixo do plano valvular
tricúspide e o movimento con-
trátil de sua parede em dire-
ção ao septo, enquanto que a
contração do ventrículo es-
querdo (VE) auxilia na com-
pressão do VD, repuxando
suas bordas e diminuindo mais
a cavidade pela protrusão do
septo. A ejeção do VE deve-
se principalmente a uma com-
pressão circunferencial de seu
diâmetro e adicional encurta-
mento no sentido longitudinal.
Como a cavidade do VD é cir-
cundada por um septo inter-
ventricular convexo e uma pa-
rede côncava que pode ser
Diástole final Sístole média Sístole final considerada o segmento de
uma esfera maior, pequeno
encurtamento dessa parede
pode ejetar grande volume de
C3 C2 C2
R1 C1 C3
R1 C1
C3 C2 sangue. Como o VE asseme-
R1
R2 R2 C1 R2 lha-se a um cilindro de pare-
VE VD VE VE
VD VD
V=25ml
des grossas, as fibras internas
V=103ml V=64ml têm menor circunferência e
raio que as externas, diferen-
ça que se acentua durante a
contração, quanto mais inten-
sa for esta, e quanto mais su-
perficiais ou profundas forem
C1 E1 C2 C1 E2 C2 C1 E3 C 2 as fibras (Gottschall 1995).
108 ARLOS
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M OTTSCHALL
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apenas para manter uma pressão venosa nor- a adaptação se faz por crescimento da área
mal. Porém, sua função torna-se muito im- em relação ao volume, assumindo caracte-
portante na presença de exercício, hipovole- rísticas próprias de VD.
mia ou hipertensão pulmonar. Nesta última As várias faixas de miocárdio dispõem-se
situação, hipertrofiar-se é a única maneira de em diferentes direções e descrevem círculos de
manter um volume sistólico adequado. Se o diferentes diâmetros, de modo que seus en-
VD enfrentasse as mesmas pressões que o VE, curtamentos variam em sentido e intensida-
a tensão desenvolvida em suas paredes – de- de. De maneira simplificada, pode-se dizer que
vido a maior circunferência e menor espes- as fibras da porção média da parede ventri-
sura –, seria muito maior que as desenvol- cular esquerda são circunferenciais e que as
vidas pelo VE, levando-o a descompensar. camadas interna e externa orientam-se obli-
Por isso, em situações de sobrecarga aguda, quamente em direções contrárias, não haven-
como na embolia pulmonar maciça, o VD do transição definida entre elas (Figura IV-16).
pode entrar em súbita insuficiência. Em si- A contração causa um repuxamento longitu-
tuações de sobrecarga crônica do VD, com dinal juntamente com uma constrição circun-
suficiente tempo de adaptação, a hipertro- ferencial. Analisando a geometria de tal figu-
fia vai tornando essa cavidade progressiva- ra, fica claro que o raio e a circunferência da
mente concêntrica. porção interna são menores que da porção
Entretanto, o ventrículo esquerdo (VE) externa e que, ao contraírem-se, a camada in-
tem um padrão morfofuncional totalmente terna encurta mais que a externa – tornando-
oposto ao do ventrículo direito (VD). A câ- se a porção intermediária mais calibrosa –, sen-
mara do VE se assemelha a uma elipse, sendo do que a maior diferença ocorre no esvazia-
que sua contração causa: a) encurtamento do mento ventricular completo. Assim a espes-
eixo longitudinal no sentido apical; b) encur- sura parietal do ventrículo esquerdo (VE) au-
tamento dos músculos circunferenciais com menta normalmente 30-35% na sístole, o que
diminuição do diâmetro da porção cilíndrica auxilia a diminuir a tensão parietal enquanto
da cavidade. O encurtamento longitudinal a pressão intraventricular sobe (Lei de Lapla-
envolve abaixamento da válvula mitral em ce). Quanto maior o diâmetro da cavidade,
direção ao ápex. Como o septo encurta menor a diferença nos graus de encurtamento
muito pouco, esse movimento é pequeno e entre as camadas interna e externa. Isto é, se
menos eficiente em expulsar sangue, porque aumentar a distensão diastólica, o volume ex-
é proporcional à modificação do compri- pulso dos ventrículos pode ser o mesmo ou até
mento. O mais efetivo movimento na con- maior, com menor encurtamento das paredes, e,
tração do VE – e responsável pelo maior por isso, com menor fração de ejeção, porque pe-
volume de expulsão (cerca de 80% do to- quena redução na circunferência de uma grande
tal) e poder contrátil – é o encurtamento esfera pode ejetar maior volume que grande re-
dos músculos circunferenciais, já que o vo- dução na circunferência de uma pequena esfera.
lume de um cilindro é proporcional ao qua- Desde que a parede do ventrículo direito (VD)
drado do raio. Isto é, por ser cilíndrica, a corresponde ao segmento de uma grande es-
cavidade do VE tem pequena superfície em fera, enquanto a parede interna do VE asse-
relação ao volume, ao contrário do VD. A es- melha-se mais a um cilindro, para ejetar o
pessa camada do VE torna-o próprio para en- mesmo volume o VE necessita encurtar mui-
frentar a circulação sistêmica, de alta pressão to mais que o VD (Figura IV-15).
e alta resistência, e menos adaptado a varia- O volume de sangue ejetado por uma ca-
ções de volume (Figura IV-15). Por exemplo, vidade depende de dois fatores: a) volume dias-
em casos de insuficiência aórtica, ou seja, tólico; b) intensidade de encurtamento mio-
de máxima sobrecarga volumétrica do VE, cárdico. Normalmente, os ventrículos ejetam
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FIGURA IV-16. As paredes ventriculares compõem-se de várias camadas de fibras que se distribuem em diferentes
direções. Contração simultânea dessas fibras, quanto mais intensa for, cria tanto maior tensão nas conexões entre
elas e nos elementos fibrosos. A superfície interna irregular dos ventrículos ao ser comprimida enruga-se mais e
auxilia a diminuir o conteúdo da cavidade sem encurtamento adicional das fibras internas. A tensão interfascicular
gerada na contração é energia potencial que será utilizada no relaxamento e sucção diastólicos do próximo ciclo
cardíaco (Gottschall 1995).

cerca de dois terços do seu volume diastólico papilares. Isto é,devido ao espaço ocupado pe-
final. Volume semelhante pode ser ejetado de los músculos papilares, as camadas interiores do
um ventrículo menos distendido devido a um VE ainda podem descrever círculos relativamen-
mais completo esvaziamento sistólico. A va- te grandes, estando a cavidade já praticamente
riação de volume produzida pela redução na vazia, o que economiza energia contrátil . Esse
circunferência de um cilindro é muito menor mecanismo é menos importante no ventrícu-
que a produzida pela mesma redução na cir- lo direito porque a sua parede é muito mais
cunferência de uma esfera. Os músculos espi- fina, sua circunferência é maior e, portanto, para
rais superficiais circundam um grande volu- expulsar o mesmo volume, o encurtamento é me-
me que é grosseiramente esférico, o que per- nor que no VE (Figuras IV-15 e IV-16).
mite a pequeno encurtamento ejetar grande Durante a contração cardíaca, fibras que
volume. Os músculos constritores profundos se cruzam obliquamente e a compressão das
circundam a porção cilíndrica da cavidade camadas profundas produzem estiramento,
ventricular esquerda e descrevem círculos de distorsão e fricção, desenvolvendo tensão in-
menor circunferência, de modo que precisam terfascicular armazenada na sístole, tanto mais
encurtar bem mais para ejetar o mesmo volu- tensão quanto mais potente a sístole. Essa ten-
me. Como a forma do ventrículo esquerdo são é liberada na diástole, em forma de relaxa-
(VE) impede que o encurtamento das cama- mento elástico, o qual representa o mais im-
das interna e externa seja igual, quando a ca- portante mecanismo aspirativo diastólico,
mada interna atinje o mínimo ainda sobra como uma mola liberada depois de compri-
comprimento externo para encurtar. Se a su- mida: é a pressão diastólica inicial (Pd 1) da
perfície interna fosse lisa, ainda restaria muito curva ventricular, que se desenha no início do
volume na cavidade ao encurtar-se maxima- enchimento rápido, podendo atingir valores
mente. Justamente para que isso não aconte- negativos (aspiração diastólica ativa), e que tem
ça, existem enrugamentos pré-formados, as papel fundamental no enchimento diastólico,
trabéculas carnosas, que ocupam espaço den- principalmente em freqüência cardíaca alta,
tro dos ventrículos, junto com os músculos quando a diástole encurta. Como a taquicar-
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dia se acompanha por ejeção mais completa – sacelerado, a pressão sanguínea lentamente jun-
devido ao aumento da contratilidade –, mais ta as válvulas que estavam flácidas, praticamen-
tensão interfascucular também produz maio- te sem refluxo retrógrado.
res recolhimento e aspiração diastólica (Capí-
tulo IX e Figura IX-4).
A arquitetura do ventrículo esquerdo (VE) LEI DE LAPLACE E O CORAÇÃO
assegura uma aceleração ao fluxo sanguíneo
não atingida por qualquer modelo humano A hipertrofia e posterior dilatação do ventrículo
de bombeamento hidráulico convencional nas esquerdo (VE) costumam ser as manifestações que
mesmas condições, chegando, em valores ex- acompanham uma sobrecarga cardíaca de im-
tremos, a dez vezes a força da gravidade no portância. Daí surgiu o antigo aforisma: “A
início da sístole. O ventrículo direito (VD), hipertrofia cardíaca traz em si o germe da in-
porém, atinge valores quatro vezes menores, e suficiência”. Se bem que possam haver aspec-
o pico de aceleração do fluxo ocorre no meio tos isquêmicos, metabólicos e bioquímicos
da sístole. Entretanto, os volumes ejetados envolvidos nessa evolução, alguns outros pu-
pelos ventrículos têm que ser muito próximos ramente mecânicos e arquiteturais do ventrí-
porque, se um deles mantiver um débito maior culo ajudam a explicar diferenças dinâmicas
que o outro por alguns minutos, os pulmões entre o comportamento do coração humano
ficarão congestionados e as veias depletadas normal e dilatado. Não obstante a presença
de sangue, no caso do predomínio do VD, ou das trabéculas carnosas e dos músculos papi-
os pulmões ficarão secos e o sistema venoso lares – que tornam irregular a superfície in-
ingurgitado no caso de predomínio do VE. terna do VE –, a cavidade por ela limitada
Lidando com cargas muito menores, o VD não aproxima-se muito da forma esférica. Assim,
encontra dificuldade em manter débito igual o VE comporta-se geométrica e fisicamente
ao do VE. Isto é, o objetivo final da contração como uma esfera elástica e, dessa maneira, pela
ventricular é a expulsão de um volume adequado aplicação da lei de Laplace, é possível calcular
de sangue, em suficiente velocidade, contra uma a tensão parietal durante o ciclo cardíaco, co-
resistência arterial num curto espaço de tempo . nhecendo-se os valores concomitantes de pres-
Para assegurar o direcionamento anterógra- são e volume ventriculares. Apesar das restri-
do do fluxo, existem as válvulas cardíacas, ções que possam ser feitas à aplicação dessa lei
atrioventriculares e ventrículo-arteriais. Porém, ao coração, medidas diretas da tensão parietal
se essas válvulas fossem rígidas ou com pouca ventricular têm confirmado as predições teó-
mobilidade, antes que fechassem completa- ricas.
mente, impulsionadas pela pressão na cavida- A lei de Laplace, enunciada em 1821, rela-
de ou vaso a jusante, refluiria sangue em sen- ciona tensão, pressão e raio em uma esfera ou
tido retrógrado. Esse efeito indesejável é im- cilindro. De acordo com ela, para dada pres-
pedido: a) pela desaceleração retrógrada do são interna, a tensão na parede de uma esfera
fluxo no fim da diástole dos ventrículos, ou varia diretamente com o raio e inversamente
nas artérias no fim da expulsão ventricular; b) com a espessura da parede, ou seja (equação 1):
pela flexibilidade das válvulas. A desacelera-
3u5
ção causa turbulência entre a válvula e a pare- 7
de do ventrículo, no caso das atrioventricula- 2K
res, ou entre a válvula e a parede da artéria, no em que P = pressão no interior da esfera, T =
caso das sigmóideas, empurrando as válvulas tensão parietal, R = raio, h = espessura parie-
em aposição para trás, impelindo-as a fechar tal. Como, numa esfera, o volume (V) é: V =
no momento em que o fluxo é praticamente 4pR3/3 e a área (A) é: A = 4pR2, tem-se que:
zero (Figura IV-17). Isto é, estando o fluxo de- V/A = R/3 ou R = 3V/A (equação 2). Substi-
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Válvula Válvula
pulmonar aórtica

Cúspide Cúspide
anteromedial posterolateral

Válvula mitral Válvula tricúspide

FIGURA IV-17. A: Se as cús-


pides valvulares fossem rí-
gidas, haveria refluxo ventrí-
culo-atrial e artério-ventri-
cular, respectivamente, na
sístole e na diástole. B: A fle-
B xibilidade das válvulas, que
são aproximadas pela turbu-
lência retrógrada provocada
pela intensa desaceleração
da corrente sanguínea, che-
gando a zero no momento
exato, impede qualquer re-
fluxo (Gottschall 2005).

tuindo-se, na equação 1, R por seu valor (equa- lume líquido, ao contrair-se uniformemente
ção 2), a lei de Laplace pode também ser for- o faz pelo encurtamento do número infinito
mulada assim: de circunferências de mesmo raio que a com-
põem, e a pressão, ou força, que o volume lí-
3 u 39
7 quido passa a exercer sobre sua superfície in-
2$
terna distribui-se uniformemente (princípio de
Isto é,a equação V/A = R/3 mostra que quan- Pascal da hidrostática). Como resistência ao
do o raio de uma esfera se modifica, seu volume estiramento, em cada uma dessas circunferên-
varia muito mais rapidamente que sua área. Por cias desenvolvem-se forças longitudinais, cuja
exemplo, aumento do raio de uma esfera de resultante dirige-se radialmente, e é igual e
2,73 cm para 4,92 cm, ou seja, menos do do- contrária à pressão exercida sobre a parede da
bro, aumenta a área e o volume da mesma de esfera. Essa força resultante é chamada de ten-
93,7 cm2 e 85 ml para 304 cm2 e 500 ml, res- são parietal total ou simplesmente tensão pa-
pectivamente. rietal, enquanto as infinitas componentes são
Considerando a espessura parietal constan- chamadas de tensão contrátil (Figura IV-18).
te, uma esfera oca e elástica contendo um vo- Por outro lado, a física ensina que P = F/A ou
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Tc Tp volume sistólico de 60 ml e ambos desenvol-


vendo pressões normais: 70 mmHg no fim da
fase de contração isométrica e 120 mmHg no
fim da fase de expulsão rápida, ao atingirem
P Tp pressão máxima. (A Tp é calculada em dinas,
multiplicando-se área em cm2 por pressão em
mmHg, no instante considerado, por 1333,2,
que representa a pressão em din/cm 2 equiva-
T p=A.P.
lente a 1 mmHg). Enquanto que o ventrículo
T p=4pR2.P
normal suporta uma determinada carga, re-
Tc=pR 2.P
sultante da pressão intraventricular de 70
mmHg – necessária para abrir a válvula aórti-
ca no instante final da contração isométrica e
inicial da fase de expulsão –, o ventrículo di-
FIGURA IV-18. Secção plana pelo centro de uma esfe-
ra cuja parede suporta determinada pressão intra-es- latado, para enfrentar idêntica pressão, desen-
fera. A tensão parietal total (Tp) é a força resultante volve uma Tp três vezes e meia maior. Duran-
da soma das infinitas componentes longitudinais (Tc)
que se desenvolvem na parede da esfera, em oposi-
te (em dado momento) e no fim da fase de
ção à pressão (P) exercida sobre a mesma (Gotts- expulsão rápida as respectivas Tp são quatro
chall 1967, 1995). vezes e meia e mais de seis vezes maiores. Po-
rém, se os mesmos ventrículos continuarem
ejetando 60 ml de volume sistólico, desta vez
F = AP, em que P = pressão, F= força, A = contra pressões aórticas de 120 mmHg, e de-
área. No caso de uma esfera, a força ou tensão senvolvendo pressões sistólicas de 220 mmHg,
parietal (Tp) pode ser calculada pela fórmula: como mostra a Figura IV-20, no caso do VE
Tp = 4pR2P, e a tensão contrátil (Tc) pela fór- de tamanho normal, a Tp ainda diminuirá
mula: Tc = pR2P, em que 4pR2 é a área inter- durante a fase de expulsão e até o fim da sísto-
na da esfera e pR2 a área interna do círculo le, ao passo que no ventrículo dilatado as Tp
limitado pela circunferência considerada. serão cerca de 50% mais durante a ejeção, e
Conforme mostram essas fórmulas, numa es- quase o dobro no fim da sístole, em relação ao
fera a Tp é quatro vezes maior que a Tc. Ana- fim da fase isovolumétrica. A Figura IV-21
logamente, considerando-se esférico o ventrí- expõe o comportamento da Tp ou carga ven-
culo esquerdo, a tensão nas fibras do períme- tricular no ventrículo normal e no dilatado,
tro parietal de cada secção plana que passa pelo ao enfrentarem ambos pressões diastólicas de
seu centro vale 1/4 da Tp desenvolvida para 60 e 140 mmHg e sistólicas de 120 e 200
suportar a pressão ventricular no momento mmHg.
considerado. A Tc é assim quatro vezes me- Assim, no ventrículo esquerdo (VE) de
nor que a Tp em qualquer circunstância e será volume normal – por efeito da diminuição do
aqui chamada de carga ventricular. tamanho durante a ejeção –, mesmo aumen-
Consideremos o volume diastólico final do tando sua pressão, a tensão parietal diminui,
ventrículo esquerdo (VE) de um adulto nor- o que compensa a viscosidade miocárdica e a
mal, em repouso, de 85 ml, e o volume sistó- tensão fascicular desenvolvida. Os exemplos
lico residual de 25 ml, sendo o volume ou apresentados mostram que, tanto no caso do
débito sistólico de 60 ml. A Figura IV-19 ilus- coração normopressórico como no do hiper-
tra as interrelações entre volume, pressão e o pressórico, a Tp ou carga ventricular é maior
efeito sobre a Tp em um VE normal e em um no ventrículo dilatado que no normal, em to-
dilatado, respectivamente com 85 e 500 ml das as fases consideradas da sístole. Além dis-
de volume diastólico final, ejetando ambos um so, e talvez mais significativo, é o aumento em
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C Normopressão
O Fase do ciclo cardíaco
R Fim da contração isométrica Durante expulsão rápida Ao atingir pressão máxima

N
O
V=85ml V=45ml V=25ml
R
A=93,7cm2 A=61,3cm2 A=41,2cm2
M P=120mmHg
P=70mmHg P=100mmHg
A
L
Tp=8,74.106din Tp=8,17.106din Tp=6,59.106din

D
I
L V=500ml V=460ml V=440ml
A A=304cm2 A=288,2cm2 A=279,8cm2
P=70mmHg P=100mmHg P=120mmHg
T
A
D
O

Tp=28,37.106din Tp=38,42.106din Tp=44,76.106din

FIGURA IV-19. Influência de diferentes volumes (V) e áreas (A) ventriculares sobre a tensão parietal (Tp) em
ventrículo esquerdo enfrentando pressões (P) normais. Note-se que no coração normal a Tp diminui no decorrer da
sístole, enquanto que no dilatado a Tp aumenta nessa fase do ciclo cardíaco. A Tp é o maior fator de consumo de
O2 pelo miocárdio (Gottschall 1967, 1995).

C Hiperpressão
O Fase do ciclo cardíaco
R Fim da contração isométrica Durante expulsão rápida Ao atingir pressão máxima

N
O
V=85ml V=45ml V=25ml
R
A=93,7cm2 A=61,3cm2 A=41,2cm2
M P=220mmHg
P=120mmHg P=180mmHg
A
L
Tp=14,99.106din Tp=14,71.106din Tp=12,08.106din

D
I
L V=500ml V=460ml V=440ml
A A=304cm2 A=288,2cm2 A=279,8cm2
P=120mmHg P=180mmHg P=220mmHg
T
A
D
O

Tp=48,63.106din Tp=69,16.106din Tp=82,06.106din

FIGURA IV-20. Influência de diferentes volumes ventriculares (V) sobre a tensão parietal (Tp) em coração hiper-
pressórico (P). Note-se que no ventrículo de volume normal, mesmo hiperpressórico, a Tp continua diminuindo no
decorrer da sístole, enquanto aumenta grandemente no dilatado (Gottschall 1967, 1995).
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80 FIGURA IV-21. Tensão parietal total


(Tp) no ventrículo esquerdo (VE) nor-
mal (colunas pontilhadas) e no dila-
tado (colunas cheias), ao enfrenta-
60 rem diversas pressões. Em cada
conjunto de colunas, o valor da es-
querda representa a pressão no fim
Tp.(106din)

da fase de contração isométrica


(pressão diastólica arterial), e o da
40 direita a pressão máxima na fase de
expulsão (pressão sistólica arterial).
Em todos os casos, o volume dias-
tólico final considerado é de 85 ml e
20 500 ml, e o volume sistólico residual
de 25 e 440 ml, respectivamente,
para o ventrículo normal e para o di-
latado. Mesmo hipertensivo, o VE de
volume normal diminui a Tp no de-
60 120 80 140 100 160 120 180 140 200 correr da sístole, enquanto no dila-
tado a Tp aumenta sempre (Gotts-
Pressão (mmHg) chall 1967, 1995).

ambos os casos da carga tensional no coração de débito sistólico) a partir de volume diastólico
dilatado no decorrer da sístole, enquanto que, final de 224 ml. Dessa forma, independente-
também em ambos os casos, no ventrículo mente da moléstia que lhe deu origem, a dila-
normal essa carga diminui na mesma fase do tação cardíaca é desvantajosa, considerando-
ciclo cardíaco. Isto é, um ventrículo normal pode se apenas suas implicações dinâmicas. É claro
desenvolver maior pressão intraventricular que que o comprometimento miocárdico pela
um dilatado exercendo a mesma força contrátil, doença subjacente é mais um fator a influir
e, devido a características próprias de volume e de modo negativo na eficiência cardíaca.
forma, reduzir a carga à medida que a sístole Desde 1958, sabe-se que a tensão desen-
progride e a pressão intraventricular aumenta, volvida pelo miocárdio durante a contração é
enquanto que o dilatado perde essa vantagem, o determinante primário do consumo de car-
especialmente em presença de hipertensão arte- díaco de oxigênio. Aceitando-se o consumo
rial. É evidente, portanto, que o VE funciona de oxigênio como o melhor índice do nível
com volumes sistólico e diastólico ideais. Des- metabólico de um tecido, conclui-se que o
de que uma cavidade normal tem sua carga miocárdio torna-se mais sobrecarregado sob
tensional diminuída no decorrer da sístole, e condições de trabalho que o obrigam a desen-
uma dilatada apresenta comportamento inver- volver mais tensão. Essa sobrecarga desenca-
so, existe, certamente, determinado volume deia ciclo fisiopatológico capaz de acarretar
diastólico final crítico – para dados débito sis- consigo modificações metabólicas irreversíveis,
tólico e níveis pressóricos diastólico e sistólico culminando com o aparecimento de insufi-
– a partir do qual o comportamento da carga ciência cardíaca. É importante considerar que
ventricular passa a ser o inverso do caso nor- os conceitos aqui desenvolvidos foram simpli-
mal, ou seja, aumenta a tensão parietal com o ficados e esquematizados por motivos de cla-
aumento da pressão, em vez de diminuir, como reza: a) a cavidade ventricular esquerda não é
normalmente. Cálculo matemático permite perfeitamente esférica, embora possa ser as-
estabelecer esse volume crítico. Isto é, num sim considerada para fins de discussão; b) as
ventrículo perfeitamente esférico, a Tp passa a fibras das várias camadas musculares que a cir-
ser maior no fim da fase de expulsão máxima cundam orientam-se em diversas direções e
que no fim da fase de contração isométrica (para não em apenas uma; c) a contração ventricular
pressões respectivas de 120 e 70 mmHg e 60 ml faz-se em movimento de torsão não unifor-
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me, e a espessura da cavidade aumenta na sís- cardíaca, chamado de índice tempo-tensão.


tole; d) a seqüência e a magnitude da curva Mais recentemente verificou-se que o V· O2
pressão-volume da contração cardíaca não são miocárdico é quase completamente determi-
fixas mas variam em circunstâncias tanto fi- nado pelo tempo de pico da pressão ventri-
siológicas como patológicas. Devido a esses cular. Isto é, o produto da pressão sistólica aórti-
fatores, as situações individuais e específicas ca pela freqüência cardíaca pode dar uma indi-
apenas tendem a aproximar-se das situações cação muito precisa do consumo de oxigênio mio-
expostas. É importante lembrar que se consi- cárdico. Quando aumenta o débito cardíaco
derou o coração anormalmente dilatado. só por aumento do volume sistólico, deixan-
Como se sabe, em atletas, o coração costuma do a freqüência constante, o consumo de oxi-
aumentar de volume (hipertrofia fisiológica) gênio não se altera, mas isto quase não se en-
a fim de atender às maiores necessidades cir- contra na prática, porque aumentos de débito
culatórias. Entretanto, o volume de um cora- costumam ocorrer com aumentos de freqüên-
ção normal, mesmo crescido, raramente alcan- cia cardíaca, sendo a taquicardia que faz au-
ça o de um dilatado, além de o coração de mentar o consumo de O2.
atleta ser bradicárdico (maior tono vagal), ter De acordo com a lei de Laplace, a tensão
contratilidade aumentada e rede coronariana que se desenvolve na parede miocárdica é o
amplamente desenvolvida, fatores que, reuni- produto da pressão interna pelo raio da cavi-
dos, contribuem para proporcionar-lhe a dade e inversamente proporcional à espessura
maior eficiência de que goza. da parede. Hiperpressão endocavitária e au-
mento volumétrico elevam a tensão parietal,
sendo, portanto, responsáveis pelo consumo
DETERMINANTES DO CONSUMO aumentado de oxigênio, o que se deve ao maior
DE OXIGÊNIO PELO MIOCÁRDIO requerimento de ATP, quando a miofibrila
desenvolve mais tensão. Isto é, quanto mais
Ocorre trabalho efetivo quando uma massa é tensão parietal maior o consumo de oxigênio pelo
deslocada a certa distância por uma força. Em miocárdio. Embora a massa miocárdica aumen-
termos de coração, a massa é o volume ejeta- tada requeira mais oxigênio, a espessura da
do e a força é a pressão sanguínea. Assim, tra- parede diminui a tensão desenvolvida. Isto é,
balho ventricular (TV), num determinado ins- a hipertrofia atua num sentido compensatório.
tante, é medido como o produto do volume O tempo de tensão também é importante.
ejetado (VO) pela pressão desenvolvida (P) Assim, aumento da freqüência cardíaca, quan-
mais a velocidade (Ve) imposta à coluna san- do ocorrem mais sístoles por minuto, eleva a
guínea: tensão parietal na unidade de tempo, bem
como prolongamento da sístole, como ocorre
79 ³ 92 u 3  9H na estenose aórtica, com seu maior tempo de
A área total pressão-volume relaciona-se esvaziamento. Adicionalmente, o aumento do
proximamente com o consumo de oxigênio estado contrátil do miocárdio (dP/dt e subs-
miocárdico. Desses componentes, é a geração tâncias inotrópicas) e o aumento de carga ven-
da pressão, produzindo tensão parietal, que tricular, o que produz mais trabalho, elevam a
mais aumenta o consumo miocárdico de oxi- tensão parietal. A energia de ativação é res-
gênio. Investigações em animais com pressão ponsável por cerca de 1% do consumo de oxi-
aórtica, freqüência cardíaca e débito cardíaco gênio e o metabolismo em repouso é respon-
controlados indicam que o consumo miocár- sável por cerca de 19%. Isto é, cerca de 80%
dico de O2 relaciona-se linearmente com o do consumo de oxigênio pelo miocárdio é de-
produto da área desenhada pela curva de ten- terminado pelo índice tempo-tensão , ou seja,
são (pressão) média ventricular e a freqüência pelo produto da tensão média ventricular pela
116 C ARLOS A NTONIO ASCIA
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freqüência cardíaca. Na prática, utiliza-se o BIBLIOGRAFIA SELECIONADA


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Examinando um pouco mais a fundo, ve- em Rushmer R. Cardiovascular Dynamics. WB Saun-
rifica-se que a tensão ou estresse parietal é o ders1976:76-131.
denominador comum das situações que au- Katz A. Fisiologia do Coração. Guanabara Koogan, Rio de
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mentam o VO miocárdico (podendo preci-
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tão importante do consumo de O (maior raio,
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maior tensão parietal, pela lei de Laplace), mas during contraction. Nature 1954; 173:971-973.
também porque a demanda miocárdica de Huxley H, Hanson J. Changes in the cross-striations of
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oxigênio pode subir pelo aumento da freqüên-
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CAPÍTULO
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Determinantes do
Desempenho Cardíaco V

O sistema circulatório, em termos funcio-


nais, constiui-se de três componentes em
série: primeiro, o coração como bomba, cuja
Harvey verificara e usara como argumento, en-
tre outros, que o sangue precisava circular pelo
corpo porque, medindo o número de contra-
atividade motora refaz a cada ciclo, por seus ções do coração vezes o volume de sangue que
elementos contráteis, o gradiente de pressão expulsava, isto representava numa hora três ve-
necessário para propelir continuamente a co- zes mais que o peso do animal. Porém, não
luna sanguínea; segundo, o reservatório veno- tinha a mínima idéia de que o coração po-
so, cuja capacitância (capacidade de aceitar au- deria variar o seu débito e de que essa varia-
mento de volume) dos vasos controla a velo- ção obedecia às necessidades celulares de oxi-
cidade do influxo de sangue para o órgão cen- gênio, que ainda não era conhecido, e cujo
tral; terceiro, o setor arterial, cuja resistência, papel foi esclarecido por Lavoisier no sécu-
principalmente dos vasos arteriolares, oferece lo XVIII.
variável impedância (relação entre a tensão No homem, o suficiente desempenho fun-
aplicada ao sistema e o fluxo que a percorre) à cional do ventrículo esquerdo (VE) como
ejeção do sangue pela bomba muscular. Cada bomba, ou seja, a manutenção de um débito
componente pode influenciar o outro, sendo cardíaco adequado às necessidades metabóli-
as três partes do sistema controladas e interli- cas, é regulado pela modulação harmonica-
gadas pelo sistema nervoso autônomo, sim- mente integrada de mecanismos intrínsecos e
pático e parassimpático, além de por metabo- extrínsecos de controle do miocárdio ventri-
lismos periférico e local. Quanto ao simpáti- cular. Representa o débito cardíaco (DC) o
co, seus receptores alfa-adrenérgicos distri- produto da freqüência cardíaca (FC) na uni-
buem-se pelos vasos de impedância e capaci- dade de tempo pelo volume sistólico de eje-
tância, têm ação vasoconstritora mas não inter- ção ventricular (VS): DC = FC x VS. Mas o
ferem na atividade cardíaca, enquanto que os VS é a diferença entre o volume diastólico fi-
receptores beta-adrenérgicos provocam dilatação nal (VDF) e o volume sistólico final (VSF) no
arteriolar e constrição ou dilatação venosa, au- mesmo ciclo de contração. Assim:
mentam a freqüência dos impulsos do marca-
'& )& u (9')  96) )
passo cardíaco e o inotropismo da fibra. Quanto
ao parassimpático, com suas ações inibitórias, A FC depende fundamentalmente do au-
reduz a freqüência de impulsos do marcapasso, tomatismo do coração e de mecanismos neu-
diminui a força de contração atrial e provoca roendócrinos, o VDF do retorno venoso (pres-
dilatação arteriolar e venosa (Capítulo VII). são de enchimento) e da distensibilidade (com-
Embora nos seus experimentos, que inau- placência) ventricular, e o VSF da pressão dias-
guraram a fisiologia moderna no século XVII, tólica aórtica (resistência ao esvaziamento) e
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do estado funcional (contratilidade) ventri- plificação, porque em nível sarcomeral carga e


cular. Esses mecanismos fundamentais ligados contratilidade interrelacionam-se.
à atividade cardíaca condicionam os determi-
nantes do desempenho dos ventrículos, em
especial do esquerdo, que são, então: freqüên- FREQÜÊNCIA CARDÍACA
cia cardíaca, pré-carga, pós-carga, sinergia e
contratilidade ventriculares (Quadro V-1 e O número de contrações assegurado por uma fre-
Figura V-1). Insuficiência cardíaca significa qüência cardíaca regular e variável é o maior
chegada de sangue aos tecidos em volume e/ suporte da função cardíaca. No início do de-
ou pressão em quantidades aquém dos reque- senvolvimento embrionário do coração, os
rimentos metabólicos. Isto é, deve lembrar-se ventrículos contraem-se lenta e irregularmen-
de que os fatores pré-carga, pós-carga, contratili- te. Após, formam-se os átrios que, com seu
dade, freqüência e ritmo representam uma sim- ritmo intrinsecamente maior, assumem o co-

QUADRO V-1. Determinantes do desempenho cardíaco


Determinantes Alterações
1. Freqüência cardíaca (seqüência rítmica de Arritmias: Bradicardia, bloqueio A-V, taquiarritmias
impulsos na unidade de tempo)
2. Pré-carga (estiramento da fibra miocárdica – Inibição diastólica: Complacência diminuída,
VDF, PDF) disfunção diastólica
3. Pós-carga (tensão sistólica intraventricular Sobrecarga sistólica: Impedância aórtica aumentada,
durante a ejeção) estenose aórtica
4. Sinergia (seqüência temporal harmônica da Assinergia e assincronia: Isquemia, bloqueio,
contração ventricular) extra-sístole
5. Contratilidade (velocidade de encurtamento Insuficiência miocárdica: Diminuição da
miocárdico para dada carga) contratilidade
A-V = atrioventricular
VDF = volume diastólico final
PDF = pressão diastólica final ou Pd2

Pós-carga
Retorno
venoso Pressão Contratilidade
aórtica
e sinergia
Freqüência Distensibilidade (dP/dt global = local)
cardíaca (complacência)

Pressão de
enchimento

Pré-carga

FIGURA V-1. Determinantes do desempenho cardíaco: Freqüência cardíaca, pré-carga, pós-carga, sinergia e con-
tratilidade. A freqüência cardíaca depende do funcionamento do nó sinusal; a pré-carga, do retorno venoso, da
pressão de enchimento e da complacência miocárdica; a pós-carga, da pressão aórtica e da tensão parietal ventri-
cular; a sinergia, de excitação-contração harmônica, e a contratilidade, da saúde muscular. Desempenho máximo
só ocorre com todos os determinantes funcionando em limites adequados (modificado de Rushmer 1976).
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mando, mas é o nó sinusal (SA), remanescen- (ação central e periférica). A FC também au-
te do seio venoso, e última estrutura a surgir, menta por estímulo dos mecanorreceptores
o marcapasso normal do coração mais desen- atriais que intensificam a freqüência de des-
volvido. Os estímulos oriundos do nó SA se carga do nó sinusal. Assim, o débito cardíaco
espalham pelos átrios e atingem os ventrículos, – que é o produto do volume sistólico x FC –
através do sistema especial de condução. Isto aumenta. Inversamente, deprimem a FC: a)
é, o nó SA manterá seu comando sobre qualquer depressão cortical (sono, tranquilização); b)
outra zona do coração desde que: a) gere impul- reflexos aórticos e carotídeos (compressão ex-
sos com maior freqüência; b) o sistema de con- terna, aumento da pressão arterial); c) estímu-
dução funcione adequadamente. los mecânicos, físicos e químicos de órgãos
A expressão centro(s) cárdio-regulador(es) internos (terminais nervosas das vias aéreas,
designa uma zona não bem definida da me- variações respiratórias, estímulos dolorosos dos
dula oblongata, cuja estimulação atua sobre a músculos esqueléticos ou a partir do trato gas-
freqüência cardíaca (FC) e a resistência vas- trintestinal – náuseas, vômitos, cólicas – ou
cular periférica, e que possui propriedades ace- distensão mecânica do próprio coração); d)
leradoras e inibidoras sobre o coração. Desses reflexo óculo-cardíaco (pressão no globo ocu-
centros descem fibras nervosas pelas colunas lar); e) drogas (ação central e periférica). Fi-
intermédio-laterais da medula, deixam o tron- bras sensitivas de praticamente todo o corpo
co simpático através de T1 a T4 e, às vezes, influenciam a FC. Geralmente, nervos visce-
T5, passam para o gânglio estrelado e daí para rais aferentes produzem bradicardia. Dor so-
o coração, principalmente para o átrio direito mática e frio na pele geralmente provocam ta-
através dos nervos cardíacos. Hunt, em 1899, quicardia.
concluiu que os nervos aceleradores, simpáti- Dentro de ampla faixa de atividade fisio-
cos, do coração mantêm-se em quase perma- lógica, a elevação da freqüência cardíaca (FC)
nente atividade tônica. Os núcleos motores é a principal responsável pelo aumento do
do vago situam-se próximos ao mesmo sítio débito cardíaco, desde que o volume sistólico
medular, sendo que a estimulação de suas ter- cresça, não se altere ou diminua pouco – seja
minais distribuídas pelo nó sinusal ocasiona a expensas de aumento do volume diastólico,
bradicardia acentuada. Os nervos vagais e sim- do inotropismo ou de diminuição da impe-
páticos conduzem impulsos de descargas qua- dância à ejeção, em ações isoladas ou geral-
se constantes dos núcleos cárdio-aceleradores mente combinadas. Em um adulto pode va-
e cárdio-inibidores, os quais se antagonizam riar em repouso de 50 a 100 cpm, dependen-
mutuamente, em resposta a estímulos aferen- do do nível de treinamento físico. Em crian-
tes de várias regiões corporais. ças pequenas pode ser normal uma freqüên-
A maior necessidade de consumo de O2, cia de 130 cpm. Em atletas jovens pode che-
representada pelo exercício físico e pelo au- gar a 220 e raramente a 250 cpm por breves
mento da temperatura corporal, é o principal períodos. Seus níveis máximos diminuem com
estímulo metabólico para a elevação da fre- a idade, de acordo com a equação: FC máxi-
qüência cardíaca (FC). Podem afetar os cen- ma = 220 – idade em anos ± 12 (Figura V-2).
tros cárdio-reguladores e a FC, sem necessária A estimativa da FC máxima pela idade é im-
relação direta com a atividade metabólica: a) portante mas o grande desvio padrão nas mui-
impulsos corticais (excitação, ansiedade, an- tas equações de regressão usadas e o impacto
gústia, medo, fase pré-exercício, ocasional va- dos medicamentos limitam a utilidade desta
riação voluntária); b) posição do corpo (mais predição. Grandes aumentos da FC, ocorren-
baixa deitado, intermediária sentado, mais alta do com progressiva redução do volume dias-
em pé); c) tênsio e químio receptores aórticos tólico final e do volume sistólico, ocasionam
e carotídeos (hipotensão, hipóxia); d) drogas diminuição do débito cardíaco. A FC ótima
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­ Adrenalina Um dos elementos mais valorizados como


plasmática resposta adequada do coração normal ao exer-
­ Atividade dos
cício é a capacidade de elevar sua freqüência
¯ Atividade dos nervos pa-
nervos simpáticos rassimpáticos do coração cardíaca (FC) a níveis submáximos ou máxi-
do coração
mos previstos para idade e sexo, sem desen-
volver alterações isquêmicas no ECG. Coro-
Nó sinusal: nariopatas, mesmo assintomáticos em repou-
­ Freqüência cardíaca so, costumam mostrar essas alterações e/ou
angina típica antes de atingir valores submá-
220
ximos ou máximos de FC, ou simplesmente
200
não os conseguem atingir. Na coronariopatia
180
aguda ou crônica, a freqüência e o ritmo car-
160
díacos podem mostrar marcadas alterações,
140
desde variações sinusais da freqüência, taqui
FCM 120 FC = 220 – Idade (anos) ou bradiarritmias, extra-sistolia ventricular a
(cpm) 100
dissociação atrioventricular.
80
60
40
PRÉ-CARGA
20
0
A pré-carga é representada pelo volume diastóli-
5 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Idade (anos) co final (VDF) do ventrículo, o qual serve como

FIGURA V-2. Aumento do estímulo simpático (nervos um indício do grau de estiramento inicial da fi-
simpáticos e adrenalina plasmática) e diminuição do es- bra miocárdica. Reflete a pressão venosa de
tímulo parassimpático (acetilcolina) aumentam a fre- enchimento do átrio, que por sua vez enche o
qüência de descargas do nó sinusal. O balanço de estí-
mulos simpáticos e vagais é que diminui ou aumenta a ventrículo durante a diástole. No caso do ven-
freqüência cardíaca (FC), cujo valor máximo normal para trículo esquerdo (VE), quando aumenta a pré-
cada idade (FCM), em ciclos por minuto (cpm), pode
ser calculado pela fórmula: FCM = 220 – idade em anos carga, o mesmo se distende durante a diástole
(Gottschall 2005). e o volume sistólico de expulsão aumenta de
acordo com a lei de Frank-Starling (Capítulo
VI). O VDF depende basicamente de fatores
não é somente a mais alta mas aquela que de- que acentuam ou diminuem o volume de re-
termina tempo adequado para o enchimen- torno venoso e a pressão de enchimento dias-
to diastólico e o melhor desempenho mecâ- tólico, de um lado, e, de outro, da capacidade
nico. Freqüências cardíacas induzidas acima de distensão da parede ventricular em aceitar
de 150 cpm podem ser toleradas, enquanto esse volume. O retorno venoso pode aumen-
freqüências maiores, não, devido ao desen- tar por aumento do volume circulante (hiper-
volvimento de bloqueio atrioventricular. Em volemia, policitemia), por transferência de san-
contraste, durante exercício, a FC passa de gue das veias periféricas para as centrais (ele-
170 cpm, acompanhada de contratilidade vação dos membros inferiores, exercício), por
aumentada e vasodilatação periférica. Em venoconstrição (estimulação alfa-adrenérgica).
pacientes com severa hipertrofia do ventrí- Inversamente, pode diminuir por insuficien-
culo esquerdo, a FC crítica fica entre 100 e te retorno venoso (ectasias, varizes), na hipo-
130 cpm – devido à diminuição do volume volemia, no ortostatismo, na venodilatação e
sistólico de expulsão –, com uma queda do na inibição vagal da sístole atrial.
desempenho ventricular em freqüências Os átrios, ao lado da função de reservató-
mais altas. rios de sangue, atuam: primeiro, pela contra-
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ção pré-sistólica, ajudando a completar o en- Pd2


(mmHg)
chimento do ventrículo correspondente; se-
40
gundo, como sensores volumétricos do cora-
Pd2 = 0,14 × PS – 6,82 ± 4,23
ção, por exemplo, liberando uma proteína, o
peptídeo natriurético atrial em resposta à dis- 30 r = 0,71
tensão intermitente e vários outros estímulos, n = 72
p < 0,001
incluindo angiotensina II e endotelina; tercei-
ro, contendo receptores para vias aferentes de 20
vários reflexos, como mecanorreceptores que
aumentam a intensidade de descarga sinusal,
10
por isso contribuindo para a taquicardia do
exercício quando o retorno venoso aumenta
(reflexo de Bainbridge). 0
A maior ou menor complacência ventri- 0 50 100 150 200 250
cular é expressada pela modificação de volu- PS (mmHg)
me (dV) em relação à modificação de pressão FIGURA V-3. Correlação linear (r) entre pressão diastó-
(dP) ventriculares. Desde os clássicos traba- lica final (Pd2) e pressão sistólica (PS) do ventrículo es-
querdo (VE) em 72 indivíduos sem ou com sobrecarga
lhos de Frank-Starling (Capítulo VI), sabe-se do VE, coronárias normais e contração considerada
que o inadequado esvaziamento sistólico do normal pela análise do ventriculograma. Note-se a sig-
ventrículo esquerdo (VE), por sobrecarga vo- nificante linearidade da Pd2 em relação à PS, indepen-
dentemente da freqüência cardíaca. Cada faixa contí-
lumétrica ou pressórica, conduz a aumento do nua representa o afastamento de dois desvios-padrão
volume sistólico final (VSF) – maior resíduo dos valores da Pd2 a partir da linha média, tracejada
(p<0,05) (Gottschall 1977, 1995).
sistólico –, e também a aumento progressivo
do volume diastólico final (VDF) nas subse-
qüentes contrações, até ser atingido um pon-
to de equilíbrio entre carga inicial e resposta dinâmico, tão simples como útil, é influen-
final, ou seja, entre pré e pós-carga. Geralmen- ciado não só pelo estado contrátil do miocár-
te, o aumento do VDF se acompanha de cor- dio, como também por variações da carga dias-
respondente elevação na pressão diastólica fi- tólica ou sistólica ou por alterações da com-
nal do VE (PDF ou Pd2), cuja magnitude há placência ventricular. Existem casos com so-
muito vem servindo como medida de função brecarga pressórica e/ou volumétrica do VE e
ventricular. Assim, em faixa normal de fun- pressão diastólica final (PDF ou Pd2) elevada,
cionamento, costuma haver correlação entre bem como outros com mau desempenho e
pré e pós-carga (Figura V-3). PDF com valores normais ou baixos. Por ou-
A pressão diastólica intracavitária inicial tra, o volume diastólico final (VDF) pode es-
(Pd1) é o ponto de menor pressão diastólica tar aumentado sem elevar-se a Pd2, em pre-
intraventricular e representa o fim do relaxa- sença de alta complacência, como é o caso de
mento isovolumétrico, antes do enchimento algumas sobrecargas de volume. A Pd2 pode
ventricular rápido. A pressão diastólica intra- aumentar por: a) sobrecarga diastólica (VDF
cavitária final (Pd2) gera-se como função di- aumentado – dilatação predominante); b) so-
reta da força desenvolvida sobre a superfície brecarga sistólica (impedância aumentada –
endocárdica, e inversa do raio da cavidade, hipertrofia predominante); c) complacência
podendo ser alterada pelas condições de com- diminuída (alterações na relação pressão-vo-
placência miocárdica. Considera-se 12 mmHg lume); d) insuficiência miocárdica (VDF e vo-
como o valor máximo da normalidade no ven- lume sistólico final aumentados) (Quadro V-2).
trículo esquerdo (VE) e 5 mmHg no ventrí- No ventrículo esquerdo (VE) sobrecarre-
culo direito. Entretanto, tal parâmetro hemo- gado por volume e/ou pressão, mas com res-
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QUADRO V-2. Determinantes do volume e pressão Pd2


diastólicos finais (mmHg)
I. DETERMINANTES DO VOLUME DIASTÓLICO 40
FINAL (VDF)
1. Quantidade do líquido extracelular
2. Distribuição do líquido extracelular 30 r = 0,71
a) Posição corporal n = 23
b) Pressão intratorácica p < 0,001
c) Pressão intrapericárdica 20
d) Tono venoso
e) Contração muscular esquelética
3. Contração atrial
10
II. DETERMINANTES DA PRESSÃO
DIASTÓLICA FINAL (PD2)
A – Fatores extracardíacos 0
1. Posição do manômetro 0 50 100 150 200 250
2. Pressão atmosférica PS (mmHg)
3. Volemia e estado circulatório FIGURA V-4. Correlação linear (r) entre pressão diastó-
B – Fatores cardíacos lica final (Pd2) e pressão sistólica (PS) do ventrículo es-
querdo (VE) em 23 indivíduos com áreas de assinergia
1. Freqüência cardíaca no ventriculograma e fração de ejeção do VE de 60%
2. Carga diastólica ou mais. Nesses pacientes, os valores individuais da
3. Carga sistólica Pd2, ainda que superiores à média, se situam dentro da
4. Complacência miocárdica faixa de dois desvios-padrão (linhas contínuas) a partir
5. Contratilidade miocárdica da média (linha tracejada), estabelecida como faixa de
correlação normal, conforme é mostrado na figura V-3.
Note-se que a linearidade entre Pd2 e PS é praticamen-
te a mesma encontrada para os 72 indivíduos com ven-
triculograma esquerdo normal, mostrando a interdepen-
posta contrátil preservada, a distensão das fi- dência entre pré e pós-carga, apesar do incipiente au-
bras – por aumento da pré-carga – permite a mento relativo da Pd2 para dada PS (p<0,05) (Gotts-
chall 1977, 1995).
ejeção de maior volume sistólico (VS) com
menor encurtamento circunferencial. No VE
hipertrófico, diminui a contratilidade por
unidade muscular mas a Pd2 aumentada, ao ção da complacência miocárdica, devido a al-
lado da formação de novas unidades miocár- teração dos componentes viscoelásticos do
dicas, mantém o VS normal. Como já visto, miocárdio. A marcada alteração da compla-
complacência expressa modificação de volu- cência que se observa na cardiopatia isquêmi-
me (dV) em relação à modificação de pressão ca, sobretudo aguda, elevando importante-
(dP) ventriculares. Assim, aumento de com- mente a Pd2 em presença de volume diastóli-
placência significa diminuição da pressão dias- co final normal, significa elevada tensão ini-
tólica final (PDF ou Pd2) para um mesmo cial na miofibrila, sem modificação presumí-
volume e vice-versa. Porém, a PDF nem sem- vel de comprimento, o que pode acabar em
pre correlaciona com o volume diastólico fi- superdistensão da miofibrila e falência con-
nal (VDF) em presença de elevada compla- trátil do miocárdio. A hipertrofia muitas ve-
cência (certas sobrecargas volumétricas, como zes começa pelo aumento da tensão em con-
exemplo insuficiência mitral), e outras vezes baixa trapartida ao aumento de volume como ele-
complacência (hipertrofia, fibrose, isquemia, mento compensatório iniciador (antes da di-
pericardiopatia, infiltração miocárdica) explica latação) do mecanismo de Frank-Starling.
Pd2 elevada em presença de VDF e desempe- Como expressão final da deterioração miocár-
nho ventriculares normais (Figuras V-4 a V-6). dica devido ao comprometimento contrátil,
A isquemia miocárdica, quanto mais inten- surge a inabilidade de o ventrículo esquerdo
sa for, provoca imediata e marcada diminui- (VE) manter um volume sistólico normal em
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Pd2 Pd2
(mmHg) (mmHg)
40 50

30 r = 0,36 40 r = 0,19
n = 44 n = 27
p < 0,02 p > 0,05
20
30

10
20

0
0 50 100 150 200 250 10
PS (mmHg)
FIGURA V-5. Correlação linear (r) entre pressão diastó-
lica final (Pd2) e pressão sistólica (PS) do ventrículo es- 0
querdo (VE) em 44 indivíduos com fração de ejeção do 0 50 100 150 200 250
VE de 40 a 59%. Nesses pacientes, uma quarta parte PS (mmHg)
dos valores individuais da Pd2 se situa acima da faixa FIGURA V-6. Correlação linear (r) entre pressão diastó-
de dois desvios-padrão (linhas contínuas) a partir da lica final (Pd2) e pressão sistólica (PS) do ventrículo es-
média (linha tracejada), estabelecida como faixa de cor- querdo (VE) em 27 indivíduos com fração de ejeção do
relação normal, conforme é mostrado na figura V-3. VE inferior a 40%. Nesses pacientes, a maioria dos va-
Note-se que a linearidade entre Pd2 e PS já começa a lores individuais da Pd2 se situam acima da faixa de dois
se desfazer, mas ainda mostrando a interdependência desvios-padrão (linhas contínuas) a partir da média (li-
entre pré e pós-carga, apesar do aumento relativo da nha tracejada), estabelecida como faixa de correlação
Pd2 para dada PS (p<0,05) (Gottschall 1977, 1995). normal, conforme é mostrado na figura V-3. A linearida-
de entre Pd2 e PS, característica dos grupos com me-
lhor estado contrátil do VE, vista nos exemplos anterio-
res, desapareceu, observando-se desproporcional au-
estado basal, a despeito de grande aumento mento da Pd2 para dada PS, tornando-as independen-
do volume diastólico final (VDF) e/ou da Pd2. tes (p>0,05) (Gottschall 1977, 1995).
Isto é, a elevação da Pd2 além de seus valores
normais previsíveis por sobrecarga (cerca de 10%
da respectiva pressão sistólica), excluindo-se hi-
pocomplacência ventricular esquerda, indica cer- PS, na maioria dos casos, é em torno de 10%,
to componente de contratilidade diminuída (Fi- ou seja, Pd2/PS x 100 = 10%. Entre 10% e
guras V-4 a V-6). A complacência específica 13% costumam situar-se casos com contra-
(CE) do VE (Capítulo X) – corrigida para o ção comprometida e, acima de 13%, casos com
volume sistólico final (VSF) – pode ser calcu- contração má. Na cardiopatia isquêmica, prin-
lada pela fórmula: cipalmente aguda, essa relação pode aumen-
tar muito por perda de complacência miocár-
9')  96)
&( dica, chegando a 20% ou mais. Nesse caso, a
( 3G 2  3G1) [96) rigidez miocárdica (“stone heart” ou “coração
que é expressa em ml/m2/mmHg x ml/m2, de pedra”), independentemente da capacida-
normalizando-se assim os volumes em relação de contrátil, pode causar congestão veno-ca-
à superfície corporal. Reafirmando, conforme pilar pulmonar e hipertensão arterial pulmo-
estudos nossos anteriores (Figuras V-3 a V-6) nar secundária. Valores abaixo de 0,2 ml/m2/
há correlação linear altamente significante mmHg x ml/m2 indicam avançada perda da
entre Pd2 e pressão sistólica (PS) nos VEs com complacência e correlacionam negativamente
contração normal, quando submetidos a di- com a relação Pd2/PS na cardiopatia isquêmi-
versas cargas, sendo que a relação entre Pd2 e ca (Vide Figura X-11).
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PÓS-CARGA pectivamente constrição e dilatação arteriolar,


e por fibras simpáticas e parassimpáticas. A
Como já visto (Capítulo IV), a pós-carga ven- via de saída é sensitiva não só à estimulação
tricular é representada pela tensão parietal, ge- neuro-adrenérgica mas também a vários fato-
rada na fase sistólica e dependente das relações res mecânicos que alteram o seu diâmetro e o
entre volumes e pressões intraventriculares, volume ventricular. Para alterar a impedância
expressadas pela lei de Laplace. A resultante ventricular, há que se modificar o curso tem-
final da pressão intracavitária, além de função poral e a magnitude da tensão sistólica da pa-
da tensão parietal e do raio da cavidade, é tam- rede ventricular esquerda. Na ausência de me-
bém função da espessura da parede, das pro- canismos adaptativos de controle, aumen-
priedades elásticas do músculo e da sinergia e to da impedância ventricular causa diminui-
sincronia globais do processo contrátil, sendo ção do volume sistólico (VS), enquanto que
que a característica pulsátil da árvore arterial diminuição da impedância ocasiona efeito in-
aumenta a carga com taquicardia, resistência verso. Isto é, as modificações no VS podem ser
periférica e idade (enrijecimento aórtico). São efetivadas sem mudanças no volume diastólico
os maiores determinantes da pós-carga: resis- final (VDF) ou no estado contrátil do miocár-
tência periférica, complacência arterial dimi- dio. Assim, o ventrículo esquerdo responderá à
nuída e pico da pressão interventricular. Para pós-carga aumentando ou diminuindo a veloci-
um mesmo volume de ejeção, a pós-carga de- dade e o volume de ejeção. Tal resposta afetará o
pende da impedância ao esvaziamento ventri- VDF, o volume sistólico final e a tensão parietal,
cular. Impedância é a relação instantânea en- havendo uma relação inversa entre tensão parie-
tre pressão e fluxo no mesmo ponto do vaso, tal e velocidade de encurtamento, semelhante, po-
isto é, a resistência no momento considerado. rém não idêntica, a que ocorre no músculo isolado.
Sofre, assim, a influência da viscosidade e den- Pela ação de mecanismos periféricos e ner-
sidade do sangue, diâmetro da aorta e viscoe- vosos centrais sobre os receptores beta-adre-
lasticidade da parede aórtica, pressão refletida nérgicos ocorre vasodilatação, com resultante
e ondas de fluxo geradas na parte distal da ár- redução na impedância ao fluxo, modificações
vore arterial. Dependendo da impedância, variáveis na capacitância venosa (geralmente
maior ou menor volume sistólico (VS) resulta diminuição), aumento da freqüência cardíaca
do maior ou menor encurtamento das miofi- e da velocidade de contração, ou seja, do ino-
brilas, uma vez que a tensão parietal exceda a tropismo. Como conseqüência, resulta mar-
pós-carga (pressão arterial diastólica). Via de cado aumento do fluxo sanguíneo, usualmen-
saída do ventrículo esquerdo (VE), válvulas te com pressão normal. Se, entretanto, o mio-
semilunares, aorta e arteríolas podem, isolada cárdio estiver doente ou incapacitado para res-
ou conjuntamente, dificultar a ejeção do san- ponder, resultará hipotensão. Se os receptores
gue pelo VE. A resistência ao fluxo depende alfa-adrenérgicos forem estimulados através
também da velocidade de ejeção, ou seja, a dos centros cerebrais, contrair-se-ão os vasos
impedância aumenta com o fluxo, principal- de resistência, aumentando a impedância à
mente em presença de estenose da via de saí- ejeção ventricular, surgindo com isso hiper-
da do VE, das válvulas, de qualquer segmento tensão arterial sistêmica, e contraindo-se os
aórtico, ou de constrição arteriolar. Em pre- vasos de capacitância, assim que se desenvol-
sença de estenose aórtica, a pressão intraven- verem congestão venosa central e pulmonar.
tricular aumenta exponencialmente com a Com uma pós-carga cronicamente aumenta-
velocidade do fluxo, o mesmo ocorrendo em da, como ocorre na hipertensão arterial sistê-
presença de rigidez aórtica. mica, na estenose aórtica, na estenose pulmo-
As arteríolas são reguladas por receptores nar, o ventrículo esquerdo ou o direito se hi-
alfa e beta-adrenérgicos, que determinam res- pertrofiam.
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No ventrículo ativo com função contrátil ITS (g  m/m2 ) = (PMAo  Pd 2 ) u VS/m 2 u 0,0136
normal ou satisfatória, pré e pós-carga são in-
terdependentes. A pré-carga é relacionada ao em que PMAo = pressão média aórtica
grau de estiramento das fibras miocárdicas no (mmHg); Pd2 = pressão diastólica final do
fim da diástole e a pós-carga ao estresse parie- ventrículo esquerdo (VE) (mmHg); VS/m2 =
tal gerado por essas fibras durante a sístole. índice sistólico (ml/m2), e 0,0136 = fator de
Isto é, as distinções apresentadas entre pré e pós- conversão de mmHg x ml/m2 em g-m/m2.
carga são fictícias, já que uma se transforma na
Como o volume sistólico geralmente relacio-
outra paulatinamente. Pela lei de Frank-Star-
na-se com a pressão sistólica (PS) no VE com-
ling, aumento do volume ventricular provoca pensado sem regurgitação, e esta com a pres-
mais potente contração, o que por sua vez são média aórtica, sendo a Pd2 muito peque-
aumenta a pressão arterial e, por isso, a pós- na relativamente à PS, segue-se que esta é a
carga. Dessa forma, a Pd2 pode estar elevada principal determinante numérica do ITS (Fi-
em ventrículo esquerdo (VE) submetido à so- gura V-7). Isto é, na prática, a pressão sistólica
é geralmente usada como sinônimo de pós-carga,
brecarga volumétrica e/ou pressórica, o que
ignorando a complacência aórtica, já que uma
reflete resposta adaptativa de miocárdio fun-
aorta rígida, como na hipertensão do idoso, au-
cionalmente bom a aumento da pós-carga, e,
menta a pós-carga.
inversamente, pode estar normal em um mau
VE, se submetido à baixa carga. Assim, se jul- Apenas em condições experimentais é pos-
gadas pré e pós-carga como variáveis mutua- sível manter-se constante a pós-carga e/ou a
mente dependentes, só se afastarão além de pré-carga. O trabalho cardíaco varia direta-
dados valores críticos – no VE com boa con- mente com a pós-carga mas pode chegar a zero,
tração – na medida necessária para produzir se grande pós-carga impedir a ejeção ventri-
sístoles mais ou menos potentes, mantendo, cular, tornando a contração isovolumétrica.
dessa maneira, dentro de limites, proporcio- Mesmo com pressão constante, a curva de fun-
nalidade mútua. Se o retorno venoso pela veia ção ventricular é uma interação complexa en-
cava inferior for parcialmente obstaculizado, tre pré e pós-carga, porque, se a pré-carga au-
diminui a pressão diastólica final – ou Pd2 – e menta, e com ela o volume ventricular, a pós-
também proporcionalmente o volume de eje- carga também sobe (maior tensão parietal), de
ção e a pressão sistólica ventricular, sem alte- acordo com a lei de Laplace. Como vimos, na
ração presumível da contratilidade. Inversa- cardiopatia, alterando-se a pós-carga, todas
mente, aumento da resistência aórtica por essas modificações podem ser efetivadas sem
vasoconstritores eleva a resistência ao esva- mudanças no volume diastólico final ou no
ziamento do VE, produzindo-se, de acordo estado contrátil do miocárdio. Assim, o ven-
com a lei de Frank-Starling, sístoles subse- trículo esquerdo responderá à pós-carga au-
qüentes mais potentes, com aumento do mentando ou diminuindo a velocidade e o vo-
volume sistólico de expulsão e da pressão lume de ejeção. A diminuição do índice de
sistólica, mantendo-se, também dentro de trabalho sistólico pode ocorrer por: a) aumento
limites, uma proporcionalidade entre pré e da pressão diastólica final (Pd2); b) diminui-
pós-carga (Figura V-3). ção da pressão sistólica (PS); c) diminuição
Assim, a curva de função ventricular re- do volume sistólico (VS), mas o fator capaz
presenta o estreito relacionamento entre pré e de causar maior variação é a PS (Figura V-7).
pós-carga. A pré-carga costuma ser expressa-
da pelo volume diastólico final ou pela Pd2, e
SINERGIA
a pós-carga pela tensão parietal ou pelo índice
de trabalho sistólico (ITS), que pode ser cal- Sinergia reflete a seqüência normal de excitação
culado pela fórmula: e contração dos ventrículos que deve se fazer or-
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Pd2 < 12 mmHg Pd2 > 20 mmHg Pd2 < 12 mmHg Pd2 > 20 mmHg
Pd2 = 13-20 mmHg N No de casos Pd2 = 13-20 mmHg N No de casos

ITS p<0,05 PS
(g–m/m2) (mmHg) p<0,01

75 p<0,001 200

p>0,05 p>0,05
p<0,001
p>0,05 p>0,05

p>0,05 p>0,05
50 p>0,05 p>0,05

100

25

44 22 5 23 25 19 3 9 15 44 22 5 23 25 19 3 9 15
0 0
VEB VES–R VEM VEB VES–R VEM
FIGURA V-7. À esquerda: Progressivamente maiores pós-cargas, refletidas por maiores índices de trabalho sistó-
lico (ITS), em 71 ventrículos esquerdos com contração considerada boa (VEB), requerem continuadamente maio-
res pré-cargas (Pd2), havendo correlação entre ambas, enquanto em 67 com contração considerada apenas satisfatória
ou regular (VES-R) essa correlação desaparece. Em 27 com contração considerada má (VEM), pré-cargas cres-
centes coincidem com pós-cargas em queda, o que indica ainda pior resposta contrátil (ITS) em relação ao estímu-
lo (Pd2). À direita: Considerando-se apenas a pressão sistólica do VE (PS) como representativa da pós-carga, em
vez do índice de trabalho sistólico, nos mesmos casos, o relacionamento entre pós-carga (PS) e pré-carga (Pd2) é
similar. Isso indica que, para fins práticos, PS pode ser considerada pós-carga (Gottschall 1977, 1995).

denadamente, com movimento integrado de re- tumam ressaltar. Dessa forma, na doença is-
cuo das paredes durante a ejeção. Entretanto, quêmica, o desempenho cardíaco pode ser
distúrbios na condução elétrica intraventricu- agravado não só por assincronia, que significa
lar, como ocorre nos bloqueios de ramo, no seqüência temporal anormal da contração –
caso o esquerdo, resultam em desordenada devido a retardo regional da condução elétri-
distribuição do movimento contrátil, o que ca –, como também por depressão segmentar
por si só pode comprometer a função ventri- da contratilidade, que se chama assinergia.
cular como um todo e o débito cardíaco, mes- Distúrbios regionais no movimento parie-
mo que cada zona miocárdica conserve intrín- tal ventricular podem ser apreciados pela ven-
secas propriedades contráteis normais. Tam- triculografia, em dois planos ou em um pla-
bém, pode produzir-se seqüência anormal do no. Segundo Herman e cols., são descritos
movimento parietal por distúrbios muscula- quatro tipos diferentes de anormalidades lo-
res localizados, ainda que em presença de ati- calizadas do movimento sistólico parietal ven-
vidade elétrica normal. Observam-se freqüen- tricular esquerdo (Capítulo X e Figura X-12):
temente anormalidades segmentares da con- a) hipocinesia, ou diminuição regional do
tração ventricular na doença arterial corona- movimento contrátil; b) acinesia, ou ausência
riana e menos comumente nas miocardiopa- regional do movimeno contrátil; c) discinesia,
tias. Em qualquer caso, contribuem mecani- ou movimento regional paradoxal, expansivo,
camente para disfunção contrátil mas é na durante a contração; d) assincronia, ou seqüên-
primeira situação que esses mecanismos cos- cia contrátil anormal, em que se manifestam
130 ARLOS
C NTONIO
A ASCIA
M OTTSCHALL
G
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alternadamente zonas em contração e expan- çar um maior pico de força, e reflete diretamente
são. Assinergia é um termo genérico referente o estado funcional do músculo. É a propriedade
a qualquer combinação dos três primeiros ti- miocárdica por excelência. Em nível molecular,
pos de movimentos parietais anormais duran- um aumento do estado inotrópico pode ser
te a fase contrátil. explicado por maior interação entre íons cál-
Adicionalmente à depressão local do esta- cio e proteínas contráteis, sendo um impor-
do funcional miocárdico, na disfunção regio- tante regulador do consumo de oxigênio mio-
nal, a assinergia, isoladamente, deteriora o cárdico. Aumentam-na: exercício, estimulação
desempenho ventricular, através de efeitos geo- adrenérgica, digital e outros agentes inotrópi-
métricos desfavoráveis no mecanismo de eje- cos. No coração normal, aumento de contra-
ção: aumenta a distensão das fibras normais e tilidade se associa como conseqüência com
acaba diminuindo a complacência e a contra- aumento do relaxamento, chamado de efeito
tilidade por sobrecarga continuada (Vide Fi- lusitrópico positivo. Isto é, maior contratilida-
gura VIII-23). Estima-se que a maioria dos de acompanha-se de mais intenso relaxamento.
pacientes após infarto agudo do miocárdio A magnitude da contratilidade é inversa-
desenvolve anormalidades localizadas mais ou mente proporcional à carga (força) aplicada
menos importantes da contração ventricular. ao músculo. Esse conceito representa genera-
Klein e cols. demonstraram que, quando a lização dos estudos de Hill que, em 1938, de-
assinergia atinge 20% da área do ventrículo monstrou serem as relações recíprocas entre
esquerdo, não mais pode ser mantido um dé- força e velocidade de contração uma das pro-
bito cardíaco normal sem que ocorra dilata- priedades fundamentais do músculo esquelé-
ção dessa cavidade. Isto é, essas anormalidades tico, ou seja, quanto maior a carga a carregar,
segmentares provocam tal desequilíbrio de car- menor a velocidade de encurtamento e vice-
gas nas áreas normais do ventrículo esquerdo que versa. Essas observações se aplicam ao mio-
terminam desencadeando o estímulo para a hi- cárdio, como tem sido demonstrado. Em suas
pertrofia. Inerente ao estímulo para a hiper- investigações, Hill sugeriu que a miofibrila
trofia é a necessidade de o músculo não isque- pode ser considerada como constituída por
miado encurtar em maior extensão, isto é, nesse elementos contráteis (EC) ativos e por elemen-
segmento hiperdinâmico uma parcela da força tos elásticos (EE) agrupados em série (EES) e
contrátil da parede é utilizada antes para dis- em paralelo (EEP), distensíveis passivamente.
tender o músculo hipocinético, acinético ou dis- O efeito contrátil é parcialmente força-depen-
cinético do que para ejetar um determinado vo- dente, pois a interposição dos EE com os EC
lume sanguíneo. O extremo da anormalidade resulta em que a tensão desenvolvida aumen-
segmentar é o desenvolvimento de aneurisma ta mais lentamente que a real interação das
ventricular, uma dilatação geralmente sacular, proteínas contráteis, uma vez que os EE tor-
localizada, de tamanho variável, que não se nam-se mais rígidos à medida que aumenta a
altera em sístole e diástole. força de contração. Equações baseadas em
observações experimentais permitem calcular
a velocidade e o encurtamento dos EC, inde-
CONTRATILIDADE pendentemente dos EE, possibilitando assim
avaliar a extensão e duração do chamado esta-
A atividade de todo músculo manifesta-se ex- do ativo do músculo. Com o desenvolvimen-
ternamente de duas maneiras: a) por encurta- to de tensão durante a contração isométrica,
mento; b) por desenvolvimento de força e ten- os EC encurtam-se na medida equivalente do
são. Contratilidade miocárdica significa veloci- alongamento dos EES. A velocidade de elon-
dade de encurtamento da fibra para uma dada gação dos EES e a velocidade de encurtamen-
carga, isto é, mais rápida contração para alcan- to dos EC igualam-se nas contrações isomé-
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tricas de músculos isolados e no coração in- primento muscular em cerca de 45% de seu
tacto durante as contrações isovolumétricas. valor inicial aumenta a força isométrica máxi-
Como a contratilidade é governada pela ma e desvia a curva força-velocidade para a
interação inversa entre força e velocidade, a direita, isto é, a distensão muscular, para uma
carga contra a qual o músculo se contrai in- mesma carga, aumenta a velocidade, sem modi-
fluencia a velocidade com que o mesmo se ficação na Vmax. Inversamente, diminuição do
encurta. Ao mover uma carga (força) através comprimento de um músculo em contração
de dada distância (espaço), o músculo produz move a curva para a esquerda, ou seja, para
trabalho, sendo a potência contrátil represen- valores progressivamente próximos de Fo. Para
tada pela velocidade de produção desse traba- um mesmo comprimento muscular, todo efei-
lho. As curvas resultantes da interação entre to inotrópico aumenta a Vmax com ou sem
força (abcissa) e velocidade (ordenada) descre- modificação em Fo. O miocárdio intacto se-
vem um segmento de hipérbole: a força (F) gue essencialmente os mesmos princípios do
interceptada em carga zero é chamada de músculo isolado, tendo o modelo de Hill se
Vmax, ou máxima velocidade de encurtamen- mostrado aplicável ao coração humano, com
to do músculo nessas condições. A natureza algumas restrições (Figura V-8).
das relações força-velocidade reflete a energia Principalmente devido às investigações de
do sistema contrátil. Desvios nessas curvas Sarnoff e cols., por volta de 1950, ficou claro
permitem apreciar as duas grandes generali- que podia haver, em animais e no homem, al-
dades da função miocárdica, que dependem terações do estado funcional miocárdico in-
de: a) modificações do comprimento; b) mo- dependentes de modificações no volume dias-
dificações do inotropismo. Partindo de um tólico. Em 1959, Abbott e Mommaerts mos-
comprimento no qual a tensão basal e a ativa traram a importância dos conceitos desenvol-
aproximam-se de zero, o aumento do com- vidos por Hill, a partir do músculo sartório

EC EEP D
V

B E

EES
0
0 F (P)
FIGURA V-8. À esquerda: Os três componentes do músculo, segundo Hill: Elementos contráteis (EC), elementos
elásticos em série (EES) e em paralelo (EEP). À direita: Curvas representativas das relações entre carga – força (F)
ou pressão (P) – e velocidade de contração muscular (V). O ponto A representa a interação controle para F e V.
Diminuição ou aumento da pós-carga resulta em respectivas modificações recíprocas na velocidade de contração,
com deslocamento para o ponto B ou C, sem modificar-se o estado contrátil. Intervenção inotrópica pura desloca a
relação F-V para o ponto D, representando real aumento da contratilidade, enquanto que combinação de aumento
da pós-carga com efeito inotrópico positivo desvia a relação para o ponto E (Gottschall 1977, 1995).
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132 CARLOS NTONIO
A M ASCIA OTTSCHALL
G

do sapo, quanto a sua eventual aplicabilidade De outra forma, o número de células mus-
ao miocárdio humano, porém chamando aten- culares cardíacas ativadas permanece fixo du-
ção de que o músculo cardíaco tem mais alta rante cada contração mas a capacidade con-
tensão de repouso, contrai-se mais lentamen- trátil de cada uma delas pode ser alterada fi-
te e não pode ser tetanizado. Sonnenblick, em siologicamente por: a) modificações no com-
1962, demonstrou a possibilidade de relacio- primento de repouso, isto é, mesmo sem variar
nar-se força e velocidade de contração mio- o estado contrátil, a simples distensão das fibras
cárdica através de uma curva cuja extrapola- miocárdicas por uma maior pré ou pós-carga
ção podia chegar até a máxima velocidade de produzirá uma contração mais potente); b)
encurtamento à carga zero (Vmax) e à máxi- modificações no estado inotrópico, ou seja, na
ma tensão desenvolvida pelo músculo (Fo). contratilidade, isto é, se na situação anterior de
Assim, o conceito de relação entre força (F) e sobrecarga estimular-se o miocárdio com uma
velocidade (V) expandiu-se do músculo esque- descarga simpática, a potência contrátil aumen-
lético para o cardíaco. Porém, há uma dife- tará mais ainda, elevando-se adicionalmente o
rença básica entre os dois. O músculo esque- volume sistólico e/ou a pressão sistólica (Figura
lético tem uma curva F-V única, essencialmen- V-9). Ambas as modificações podem desviar a
te fixa – em qualquer comprimento relacio- curva força (F) – velocidade (V). É demons-
nam-se da mesma maneira –, sendo que a trado, com preparações a partir de miocárdio
atividade contrátil do músculo esquelético isolado, que variações na atividade contrátil
só aumenta pelo recrutamento de fibras do miocárdio podem ser expressadas como
musculares adicionais e pelo aumento da deslocamentos da curva F-V. Consideremos
freqüência dos impulsos nervosos, enquan- famílias de curvas F-V (Figura V-10), cada
to a contratilidade de cada fibra permanece uma com diferente pré-carga, ou seja, diferente
constante. grau de estiramento, no eixo horizontal, o que

mmHg
Aorta clampeada
100
Aorta

0
Estímulo simpático
300

Aorta
200 clampeada

mmHg

100

0
FIGURA V-9. Aumento da resistência à saída do sangue do ventrículo esquerdo (VE) – clampeamento aórtico –
impede o esvaziamento, produzindo aumento do resíduo diastólico ventricular (aumento da pressão diastólica
final) e distensão ventricular, o que estimula contrações mais potentes, até sobrevir exaustão miocárdica e queda
do desempenho, apesar da distensão. Estímulo simpático produz contrações mais potentes por um certo período,
até nova exaustão. Retornando a pós-carga ao normal (desclampeamento aórtico), o esvaziamento ventricular se
reequilibra, com nova proporcionalidade entre pré-carga e pós-carga. Para fins de simplificação, cada sístole na
figura representa o último de cada cinco ciclos (modificado de Rushmer 1976).
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D INÂMICA CARDIOVASCULAR 133

10 síntese, mudança de comprimento miocárdico (es-


Músculo
Pré-carga (g) Comprimento (mm) tiramento) produz aumento da força de encur-
tamento. Aumento de contratilidade (mudança
0,1 11,7
Velocidade de encurtamento (mm/seg)

0,2 12,4 de estado contrátil) produz maior velocidade de


0,4 13,0 encurtamento.
0,6 13,3 Por um lado, aceitava-se que aumento no
0,8 13,4 comprimento inicial da fibra elevaria o nú-
mero de sítios geradores de força, sem altera-
5 ção qualitativa no processo cíclico que neles
ocorre, o que seria propiciado por uma mais
vantajosa sobreposição dos filamentos contrá-
teis para deslizarem e se interpenetrarem den-
tro do sarcômero. Atualmente, a explicação é
que o estiramento sensibiliza à ação do cálcio
citosólico (Capítulo IV). Por outro lado, mu-
dança no inotropismo resultaria de intensifi-
0 cação do processo cíclico gerador de força nos
0 5 10 sítios contráteis, sem mudança no número
Carga (g)
desses sítios, ou do maior número deles a se-
FIGURA V-10. Relações entre velocidades de encurta- rem ativados. Considera-se que, como uma
mento em vários comprimentos musculares iniciais num
base bioquímica sedutora a explicar algumas
músculo papilar de gato. Ao aumentar o comprimento
muscular inicial, a força ativa desenvolvida aumenta. Ao das propriedades mecânicas do músculo car-
serem extrapoladas para a carga zero (Vmax), todas as díaco, o pico da tensão sistólica, que é com-
curvas convergem para o mesmo ponto, mostrando que
a maior força de contração se devia apenas ao maior primento-dependente, relacionar-se-ia com o
estiramento (redesenhado de Sonnenblick 1962, Gotts- número de sítios geradores de força, dispostos
chall 1995). entre as proteínas contráteis actina e miosina;
Vmax representaria o estado contrátil, refle-
tindo a intensidade ou velocidade da intera-
significa aumento de força isométrica. Porém, ção das pontes actina-miosina, correlacionan-
dentro de limites, o estiramento não altera a do-se com a atividade da ATPmiosínica e mi-
velocidade intrínseca de encurtamento, desde ofibrilar; dP/dt associar-se-ia com a velocida-
que todas as curvas convirjam para o mesmo de de união dos íons cálcio-ativadores com a
ponto no eixo vertical (mesma Vmax). Pode- troponina, proteína moduladora das proteí-
se ver que aumento de comprimento relacio- nas contráteis, em uma ação reguladora do es-
na-se com aumento de F total. É fundamen- tabelecimento de sítios interativos entre acti-
tal notar que este comportamento da curva na e miosina.
F-V contrasta com o obtido pela administra- Como resultado da estimulação inotrópi-
ção de agente inotrópico – como cálcio, digi- ca, o coração se contrai mais rapidamente para
tal, noradrenalina – a um músculo com com- o mesmo comprimento de fibra e para a mes-
primento mantido constante. Estes agentes ma carga. No ventrículo esquerdo intacto isso
não só aumentam a F que o músculo é capaz conduz a: a) aumento da velocidade de ascen-
de deslocar – ou seja, a intersecção da curva são da pressão isovolumétrica intraventricu-
F-V no eixo horizontal, deslocando a curva lar; b) aumento da velocidade de ejeção para
para cima –, mas também a velocidade de en- um mesmo volume diastólico final; c) encur-
curtamento no músculo não sobrecarregado, tamento da sístole, além de outros efeitos
ou seja, a intersecção extrapolada no eixo ver- (Quadro V-3 e Figuras V-12 e V-13). Entre-
tical (carga ou Fo) (Figura V-11). Isto é, em tanto, alguns fatores adicionais interferem no
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desempenho de um músculo complexo como


= controle
o coração intacto, pois, nesse caso, o estado
Velocidade de encurtamento (mm/seg)

15 = +NE 0,05y/ml
(freqüência 60) contrátil sofre influência não só de modifica-
ções nos elementos contráteis mas também por
alterações na excitação, condução e diferenças
miocárdicas regionais. Qualquer anormalida-
10
de nessa cadeia pode deformar a resposta con-
trátil final e integrada, a despeito da estimula-
ção individual de sarcômeros por agentes ino-
5 trópicos. A distribuição e velocidade de con-
dução do impulso bioelétrico para todas as
partes do coração, que se faz uniformemente
no músculo isolado, mas não no órgão intac-
0 to, pode variar de célula para célula intramio-
1 2 3 cárdica. Mesmo que a contração seja sinérgi-
Carga (g) ca, e o estado contrátil semelhante nas diver-
FIGURA V-11. Efeito da adição de norepinefrina (NE) sas zonas, as diferenças regionais de tensão e
na relação força-velocidade do músculo papilar de gato. velocidade efetiva podem variar grandemente
NE produz um aumento na velocidade de encurtamento
em cada carga, na força máxima de contração isovolu- no que se refere a tempo de ativação, espessu-
métrica (Po), na abcissa, e na velocidade máxima de ra muscular e características viscoelásticas.
encurtamento a carga zero (Vmax), na ordenada. Este Normalmente esses efeitos são pequenos mas
efeito representa maior contratilidade e não apenas res-
posta a maior estiramento, como na figura anterior (re- em presença de doença podem tornar-se im-
desenhado de Sonnenblick 1962, Gottschall 1995). portantes.
Os mais poderosos fatores capazes de in-
tensificar o estado contrátil do miocárdio são
as substâncias adrenérgicas neurotransmisso-
QUADRO V-3. Efeitos do aumento da contratilidade
miocárdica ras, noradrenalina (NA) e adrenalina. A NA
presente no coração é sintetizada e então ar-
I. MAIOR FREQÜÊNCIA CARDÍACA
mazenada nas fibras nervosas simpáticas an-
1. Sístole mais curta
tes que nas células miocárdicas em si. Estimu-
2. Diástole mais curta
lação de nervos cardíacos simpáticos libera NA
II. MAIOR POTÊNCIA DE CONTRAÇÃO
VENTRICULAR de grânulos armazenados dentro do miocár-
dio, a qual se une aos beta-receptores na célu-
1. Mais potente contração atrial (maior onda “a”)
2. Mais rápido aumento da pressão intraventricular la muscular, e, por meio desse e de outros
(maior dP/dt) mecanismos, impele o elemento contrátil a
3. Mais alta pressão sistólica ventricular (maior PS)
4. Mais rápida diminuição da pressão intraventri- uma maior velocidade de encurtamento. Os
cular (maior dP/dt-) efeitos das catecolaminas nas propriedades
5. Mais profunda pressão diastólica inicial (mais bai- contráteis e elétricas do coração são media-
xa Pd 1)
dos predominantemente pelos beta-adreno-
III. MAIOR ACELERAÇÃO DO FLUXO
ceptores embebidos no sarcolema, sendo o
1. Mais alto valor de pico de fluxo cronotropismo mediado por beta2-recepto-
2. Maior volume de expulsão sistólica
3. Maior esvaziamento ventricular res localizados no nó sinoatrial. Beta1-adre-
3. Mais precoce e agudo travamento retrógrado norreceptores localizam-se em células efe-
IV. MENOR VOLUME VENTRICULAR toras próximas a sinapses adrenérgicas e res-
pondem primariamente à NA liberada de
1. Menores volumes diastólico e sistólico finais
2. Mais completa ejeção neurônios. De forma similar, a adrenalina
3. Mais rápido enchimento inicial circulante, liberada pela glândula adrenal,
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A
150 150

C
120 120
D

90 90

(mmHg) (mmHg)
max dP dP neg.
dt dt
60 60

DP
30 30

Dt
0 0
0,2 0,4 0,6 0,8 0,2 0,4 0,6 0,8
(seg) (seg)

FIGURA V-12. À esquerda: Curva de pressão intraventricular normal mostrando a inclinação da tangente pelo
ponto de máxima velocidade de ascensão (primeira derivada da curva de aumento da pressão intraventricular na
fase isovolumétrica ou dP/dt) e inclinação da tangente pelo ponto de máxima velocidade de descenso dessa mes-
ma curva (dP/dt negativa). À direita: Curvas de pressão intraventricular com contratilidade aumentada (A) e dimi-
nuída (D), em relação ao controle (C). Note-se em A a mais potente sístole atrial, a maior verticalização da ascen-
são da pressão, a maior pressão sistólica, a sístole mais curta, a maior aspiração diastólica inicial (menor Pd1), a
mais rápida velocidade de enchimento ventricular inicial e a mais baixa Pd2, e, em D, o oposto desses efeitos
(Gottschall 1995).

pode estimular as células miocárdicas atra- O mecanismo pelo qual alfa-adrenoceptores exer-
vés dos beta2, os quais se localizam longe cem efeito inotrópico positivo é diferente dos
das sinapses e respondem preferentemente beta: os alfa não aumentam a AMP cíclica intra-
à adrenalina circulante liberada pela medu- celular e são mais sensitivos à concentração ex-
la adrenal e também a beta-agonistas exó- tracelular de Ca++, parecendo exercer seu efeito
genos (Capítulo VII). inotrópico através do influxo de Ca++.
Quando a freqüência cardíaca aumenta por Os dados de músculos papilares mostran-
estimulação elétrica, o coração tem sua capa- do que a noradrenalina aumenta a Vmax po-
cidade máxima de bombeamento entre 100 e dem ser explicados por um efeito da estimula-
150 cpm, mas, quando aumenta por estimu- ção beta-adrenérgica intensificando a entrada
lação simpática, atinge a capacidade máxima de cálcio ou um efeito direto nas proteínas
de bombear sangue entre 170 e 220 cpm, isto contráteis ou ambos. Tal conceito relaciona-
porque o estímulo simpático aumenta não só se a mudanças no desempenho independen-
a freqüência como a força de contração, dimi- temente da carga, ou por aumento do nível
nui a duração da sístole e possibilita mais tem- citosólico de cálcio (por exemplo, estimula-
po para o enchimento durante a diástole. O ção beta-adrenérgica) ou porque as miofibri-
calor que se gera aumenta a permeabilidade las tornam-se mais sensitivas ao cálcio (resposta
da membrana aos íons, acelerando a auto-ex- a drogas). A despeito da similaridade nos pa-
citação. Enquanto os receptores ventriculares são drões de força-velocidade entre dados obtidos
todos beta1, cerca de 25% dos atriais são beta2. de músculo papilar e de miócitos isolados, as
136 ARLOS
C NTONIO
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Controle Descarga
simpática

B
D

J I

FIGURA V-13. Aumento da con-


tratilidade no coração intacto
produz os efeitos já referidos na
figura anterior sobre a curva de
pressão ventricular (A,B,C,D,E),
K além do aumento da velocidade
dos fluxos sistólico e diastólico
(F,G,H,I), encurtamento do ciclo
cardíaco (J), e diminuição dos
volumes diastólico e sistólico
ventriculares (K,L,M,N) (redese-
L nhado de Rushmer 1976).
N
M

circunstâncias das contrações não são iguais. contratilidade em condições normais, causan-
Embora possa haver uma aproximação de con- do rápidas mudanças na freqüência e no esta-
dições isométricas no coração intacto na fase do contrátil, através de impulsos pelos nervos
isovolumétrica, não prevalecem condições iso- adrenérgicos cardíacos; bloqueadores beta-
tônicas porque a carga está constantemente adrenérgicos e drogas depressoras da NA di-
mudando durante o período de ejeção, e au- minuem a resposta miocárdica ao estímulo
sência completa de carga é impossível. Por isso, simpático; 2) Catecolaminas circulantes: ao ser
a aplicação das relações força-velocidade no estimulada por impulsos nervosos, a medula
coração intacto é limitada. adrenal descarrega adenalina na corrente san-
Resumindo, no organismo intacto, a con- guínea, aumentando a contratilidade miocár-
tratilidade do miocárdio é controlada princi- dica através dos beta-receptores; este mecanis-
palmente por: 1) Atividade nervosa simpáti- mo é mais lento que o anterior mas de impor-
ca: a quantidade de noradrenalina (NA) libe- tância fisiológica em condições de hipovole-
rada pelas terminais nervosas simpáticas no co- mia e insuficiência cardíaca; 3) Relação inter-
ração é o fator mais importante a regular a valo-distensão: a contratilidade é influencia-
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D INÂMICA CARDIOVASCULAR 137

FIGURA V-14. A contratilidade


CORAÇÃO COMO MÚSCULO miocárdica responde pelo desem-
Contratilidade penho do coração como múscu-
lo, enquanto que pré-carga, pós-
carga e sinergia respondem pela
Freqüência cardíaca ação cardíaca como bomba, po-
dendo variar independentemente
do estado contrátil. A freqüência
CORAÇÃO COMO BOMBA cardíaca tem efeito dual ao au-
Pré-carga mentar a ação bombeadora car-
Pós-carga díaca e inerentemente a contrati-
lidade miocárdica (Gottschall
Sinergia
2005).

da grandemente pela freqüência e ritmo da desempenho cardíaco. Pré-carga, sinergia e pós-


contração cardíaca; assim, uma extra-sístole carga são determinantes do desempenho que,
ventricular aumenta a contratilidade e vai di- independentemente do estado contrátil do
minuindo-a em sucessivos ciclos, o mesmo coração, asseguram seu funcionamento como
ocorrendo com aumento fisiológico de fre- bomba, isto é, podem aumentar ou diminuir
qüência; este efeito é mais marcado no mús- sem que o estado contrátil do miocárdio varie.
culo cardíaco isolado ou no coração intacto Assim, permitirão expulsão de mais ou menos
com função deprimida do que no coração volume sistólico, respectivamente: aumento ou
normal intacto; 4) Agentes inotrópicos exó- diminuição da pré-carga, aumento ou dimi-
genos: glicosídios cardíacos, agentes simpati- nuição da sinergia contrátil, diminuição ou
comiméticos, Ca++, cafeína, teofilina, amrino- aumento da pós-carga. A freqüência cardíaca,
na e seus derivados, glucagon; 5) Depressores entretanto, auxilia no desempenho do cora-
fisiológicos e farmacológicos: hipóxia, isque- ção como bomba e como músculo. É essen-
mia, acidose, beta-bloqueadores, bloqueado- cial para a função bombeadora do coração
res dos canais de cálcio, antiarrítmicos, anes- porque débito cardíaco é volume sistólico x
tésicos locais, barbitúricos e a maioria dos anes- freqüência cardíaca, mas é capaz de modificar
tésicos; 6) Perda de massa miocárdica: necro- o funcionamento do coração como músculo
se miocárdica prejudica a função contrátil glo- porque seu aumento relaciona-se diretamente
bal mesmo que o tecido remanescente mante- com a intensificação da contratilidade mio-
nha contratilidade normal; 7) Depressão mio- cárdica, isto é, quanto mais elevada a freqüên-
cárdica intrínseca: na insuficiência cardíaca cia cardíaca maior a contratilidade miocárdica
com dilatação deprime-se acentuadamente (Figura V-14 e vide Figura X-3).
o estado contrátil de cada unidade miocár-
dica, numa progressão ao que já vinha ocor-
rendo anteriormente no estágio de apenas BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
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VI
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA CAPÍTULO

O Coração como Bomba

A contração dos sarcômeros determina o en-


curtamento miocárdico, o qual em últi-
ma análise expressa a função de bomba ven-
DÉBITO CARDÍACO

Define-se débito cardíaco (DC) como o volume


tricular. Assim, o desempenho do ventrículo de sangue ejetado anterogradamente por minuto
esquerdo (VE) depende da habilidade de en- pelo coração, sendo essencialmente igual para
cher (desempenho diastólico) e esvaziar (de- ambos os ventrículos. A finalidade maior do DC
sempenho sistólico). Isto é, a geração de um é assegurar a respiração tecidual, levando oxi-
volume sistólico, ou de expulsão, depende da con- gênio aos tecidos e deles retirando bióxido de
versão da pressão de enchimento em volume dias- carbono. Normalmente, varia de 4,0 a 7,0 l/
tólico final e deste em volume sistólico, sendo a min no adulto médio em repouso. Como de-
relação entre a entrada e a saída dada pela cur- pende da superfície corporal (SC) do indiví-
va de função ventricular ou mecanismo de Frank- duo, é costume expressá-lo em l/min/m 2, me-
Starling. Os determinantes da função cardía- dida que se chama índice cardíaco (IC) e que
ca já examinados anteriormente, ou sejam, fre- varia normalmente entre 2,4 e 4,0 l/min/m 2.
qüência cardíaca, pré-carga, pós-carga, siner- Assim, um indivíduo com 4,2 l/min de DC e
gia e contratilidade, atuando numa complexa 1,5 m2 de SC estará com melhor perfusão pe-
interação, concorrem para assegurar o efeito riférica (2,8 l/min/m 2) que outro com 5,3 l/
final da contração cardíaca, que é o bombea- min de DC e 2,2 m2 de SC (2,4 l/min/m2).
mento pelos ventrículos de um volume ante- Dividindo-se o DC e o IC, respectivamente,
rógrado com suficiente pressão e fluxo para pela freqüência cardíaca tem-se o volume sis-
perfundir os tecidos. Alteração em qualquer tólico e o índice sistólico, que valem de 60 a
um deles pode comprometer o produto fi- 120 ml e de 35 a 55 ml/m2, respectivamente.
nal e reduzir o volume sistólico e o débito A medida do débito cardíaco (DC) foi pro-
cardíaco. A magnitude dessa diminuição posta originalmente por Fick, em 1870, atra-
pode ser desde mínima redução de valores vés da mensuração do consumo de O 2 e da
máximos até importante redução de valores diferença artério-venosa de O2, 60 anos antes
em estado basal, dependendo da intensida- de ter sido determinada por cateterismo car-
de maior ou menor e da multiplicidade dos díaco no homem. Dessa forma, medindo-se,
determinantes comprometidos. Entretanto, com a ajuda de um espirômetro e/ou de um
a reserva funcional de cada um desses ele- analisador de gases, o consumo de oxigênio
·
mentos é tão grande que se torna necessário em ml por minuto (VO2), no laboratório o
importante ou múltiplo comprometimento conteúdo da hemoglobina (Hb) arterial e ve-
para haver queda do débito cardíaco em re- nosa e, por meio de um oxímetro, a saturação
pouso. em oxigênio (%HbO2) das mesmas, obtêm-
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·
se elementos para calcular o DC através da VO2 = 250 ml/min; CaO2 =19 ml/100 ml de
seguinte equação: sangue; CvO2 = 14 ml/100 ml de sangue; di-
ferença artério-venosa (dif A-V) de O 2 = 5 ml/
92  ( PO / PLQ )
'& ( PO / PLQ ) u 100 100 ml de sangue. Aplicando a equação de
&D2 ( YRO %)  &Y22 ( YRO %) Fick a esses dados, fica:

em que CaO2 é conteúdo de O2 do sangue


250PO / PLQ
arterial e CvO 2 é conteúdo em O2 do sangue '& u 100 5. 000PO / PLQ
19PO  14PO
venoso misto. O sangue arterial é obtido via
de regra da artéria femoral ou braquial, e o Em outras palavras, cada 100 ml de san-
venoso misto da artéria pulmonar, represen- gue passando através dos pulmões retém 5 ml
tando a mistura do sangue retornado de todas de O2. Assim, para cada ml de O 2 consumi-
as partes do organismo. O conteúdo arterial do, passam 20 ml de sangue pelos pulmões.
·
ou venoso de O2 é medido pela fórmula : Se o VO2 é de 250 ml/min, então o DC é 250
x 20 ou 5000 ml (Figura VI-1). O erro médio
&RQWH~GRGH22  J100PO
na determinação do consumo de O 2 é ± 6,0%,
J+E / 100PO u1,39 u % +E22
sendo muito maior se for estimado por no-
(1,39 refere-se à capacidade máxima da he- mogramas levando em conta a freqüência car-
moglobina de captar oxigênio, que é 1,39 ml díaca e o trabalho ergométrico realizado. O
de O2/grama de hemoglobina). Por exemplo, erro para a diferença artério-venosa (A-V) é

PRINCÍPIO DE FICK

Consumo de
O2 = 250 ml/min

Sangue arterial (A) =


= 19 ml O2/100 ml sangue

FIGURA VI-1. Me-


dindo-se o consumo
de O 2 corporal por
Diferença A–V = um espirômetro, o
= 5 ml O2/100 ml sangue conteúdo arterial de
O2 no sangue colhi-
Débito cardíaco = do por punção arte-
250 ml O2/min rial e o conteúdo ve-
= =
5 ml O2/100 ml sangue noso misto de O2 no
sangue retirado por
= 5000 ml ou 5 l/min um cateter da arté-
ria pulmonar, o dé-
bito cardíaco pode
ser calculado pela
fórmula de Fick, di-
Sangue venoso misto (V) = vidindo-se o consu-
= 14 ml O2/100 ml sangue mo de O2 pela dife-
rença artério-veno-
sa de O2 (Gottschall
2005).
142 ARLOS
C NTONIO
A ASCIA
M OTTSCHALL
G
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aproximadamente 5%, e o total para o débito ção, por sensores de fluxo, por técnicas exclu-
cardíaco é de ± 10%. A fidedignidade do mé- sivamente respiratórias ou por angiocardiogra-
todo de Fick é maior em paciente com baixo fia, mas estes métodos são mais sujeitos a er-
débito, no qual a diferença A-V é grande. ros que a técnica original de Fick, que, quan-
A fórmula de Fick para a medida do débi- do bem realizada, serve para aferi-los. Os er-
to cardíaco foi concebida por dedução lógica ros dos métodos de diluição (corante ou tér-
irrefutável, representa a união da medicina mico) são maiores em pacientes com débito
com a matemática, transformando-a em ciên- cardíaco muito baixo, regurgitação mitral e/
cia precisa, mensurável, permitiu a medida de ou aórtica severas ou curto-circuito intracar-
fluxos teciduais e do consumo de oxigênio pelo díaco. Atualmente, o método de termodilui-
organismo, e com isto o desenvolvimento de ção para determinar débito cardíaco tem tido
toda a Fisiologia, médica e esportiva. O mais a preferência porque a solução salina empre-
incrível é que sua previsão dos valores normais gada evita os inconvenientes dos corantes, tam-
do débito cardíaco e do consumo de oxigê- bém podendo ser repetido várias vezes sem
nio, em 1870, foi deduzida teoricamente e problemas de recirculação.
antecedeu em 60 anos a primeira medida do
débito por cateterismo cardíaco no homem,
que apenas a confirmou, quando, pelo pro- RESERVA CARDÍACA E CONSUMO
gresso da instrumentação médica, se tornou DE OXIGÊNIO
possível fazer todas as mensurações necessá-
rias em laboratório. Sem favor nenhum, pode A finalidade do débito cardíaco (DC) é a oferta
afirmar-se que todo o desenvolvimento da fi- de O2 e nutrientes aos tecidos para consumo .
siologia cardiovascular passou por Fick. Este, Mede-se a extração de O2 pelos tecidos pela
porém, que é pouco citado na literatura in- diferença (dif.) artério-venosa (A-V) de O 2.
glesa – por só ter escrito em alemão –, modes- Como se vê pela fórmula de Fick, esse valor
tamente comentou que estranhava o fato de varia inversamente com o DC. A dif. A-V de
ninguém antes dele ter-se lembrado de con- O2 é um parâmetro mais estável e relacionado
·
ceber tal fórmula. Realmente, gênio é o pri- com as condições circulatórias que o VO2, o
meiro que constata o óbvio! qual depende mais do metabolismo. Em indi-
·
Costuma-se dividir o VO2 em ml/min pela víduos normais, aumento da demanda teci-
superfície corporal, para normalizá-lo em re- dual para o O2 é alcançado por aumentos pa-
lação ao tamanho do paciente. O índice basal ralelos da extração periférica de O 2 e do DC,
·
normal para o VO2 varia de 110 a 150 ml/ sendo que exercício suficiente para dobrar
·
min/m2. Determina-se a diferença artério- o VO2 de repouso não costuma elevar a dif.
venosa através dos pulmões como a diferença A-V de O2 além de 3 vol%. Pacientes com
entre o conteúdo em O2 do sangue arterial insuficiência cardíaca ou reserva cardíaca di-
pulmonar e do ventrículo esquerdo (VE) ou minuída enfrentam a demanda aumentada de
artéria periférica, porque, geralmente, o das O2 elevando primariamente a dif. A-V de O 2,
veias pulmonares não é colhido. Entretanto, isto é, aumento da dif. A-V de O2 sugere ser o
devido à drenagem das veias brônquicas e de DC baixo em relação aos requerimentos corpo-
Tebésio no VE, o conteúdo de O 2 do sangue rais de O2.
arterial sistêmico tem de dois a cinco ml/l Reserva é a diferença entre o valor máximo
menos O2 que o sangue capilar. Por isso ocor- obtido e o considerado. É fácil· admitir que a
re uma pequena superestimação do débito car- oferta final de O2 às células (VO2) representa
díaco sem significação clínica. o produto da capacidade pulmonar (saturar a
O débito cardíaco pode ser também medi- Hb em O2) x capacidade sanguínea em he-
do por diluição de corantes, por termodilui- moglobina (conteúdo de hemoglobina – Hb)
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 143

¯RE ­C

FIGURA VI-2. Em cima: A


oferta de O2 às células (V·O2,
reserva cardiovascular) é o
produto do débito cardíaco
VDF-VSF VS (DC) pela diferença artério-
venosa (dif. A-V) de O2. A
reserva cardíaca depende
DC do aumento do DC através
×
das reservas de freqüência
cardíaca (FC) e de volume
sistólico (VS) (aumento do
­RV ­D FC × V· O2 volume diastólico final –
VDF – por maior retorno ve-
Dif noso – RV – e maior disten-
AV sibilidade – D – e diminui-
O2 ção do volume sistólico final
– VSF – por menor resistên-
6 cia ao esvaziamento ventri-
cular – RE – e maior contra-
tilidade – C). Esses compo-
5
Repouso nentes e a reserva corona-
riana são fundamentais para
Exercício
X de aumento

4 o coração produzir mais tra-


máximo
balho. Embaixo: A capacida-
3 de máxima de ofertar O 2 às
células eleva-se através do
2 DC (até seis vezes) e da dif.
A-V de O2 (até três vezes),
1 enquanto a saturação de he-
moglobina (%HbO2) e con-
0 teúdo de hemoglobina
% HbO2 Conteúdo Débito Dif. A-V (g%Hb) praticamente não
(Pulmão) Hb cardíaco O2 variam do repouso para o
(Sangue) (Coração) (Tecido) exercício (Gottschall 1995).

x capacidade cardíaca (débito cardíaco) x ca- exercício máximo) e a capacidade periférica


pacidade celular de utilizar O2 (diferença ar- de aproveitar O2 (a diferença A-V é capaz de
tério-venosa – A-V – de O 2). Num indivíduo aumentar três vezes, de 50 ml de O 2/l de san-
normal em repouso esse produto seria: 95 (%) gue para 150 ml de O2/l) (Figura VI-2). En-
x 15 (g%) x 5 (l/min) x 5 (vol%) = 35.625. tretanto, todos podem contribuir para dimi-
Num indivíduo supertreinado, em exercício, nuir significativamente o débito, se compro-
esses valores podem atingir: 98 (%) x 18 (g%) metidos.
x 30 (l/min) x 14 (vol%) = 740.880, ou seja, A reserva cardiovascular de O 2 (RCV) en-
·
um aumento de 20,7 vezes. Assim, o VO2 pode globa: a) reserva venosa de O 2; b) reserva de
aumentar de 250 ml/min em repouso para freqüência cardíaca; c) reserva de volumes; d)
mais de 4,0 l/min em exercício, perto de 20 reserva de trabalho cardíaco (Capítulo IV); e)
vezes. Entretanto, pouco contribuem para esse reserva coronariana (Capítulo VIII). A RCV
aumento a saturação da Hb e o conteúdo de é dada pela diferença entre os produtos do
Hb, que quase não se modificam. Os fatores débito cardíaco pela diferença artério-venosa
que mais interferem para elevar a oferta de O 2 de O2 máximos e no momento considerado,
às células são a capacidade cardíaca (o débito enquanto que a reserva cardíaca (RC), ou re-
cardíaco é capaz de aumentar seis vezes, de 5 serva de débito, é dada pela diferença entre os
l/min em repouso para 30 l/min ou mais em produtos da freqüência cardíaca (FC) pelo
144 C ARLOS NTONIO
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volume sistólico (VS) máximos e no momen- da capacidade pulmonar, da concentração de


to considerado (Figura VI-3). Normalmente, hemoglobina no sangue, de sua capacidade de
em repouso, como vimos, os tecidos extraem combinação com o O2, de sua saturação em
em média um quarto do conteúdo do oxigê- O2 e da extração ou diferença A-V de O 2 nos
nio do sangue que os perfunde, sendo a dife- tecidos. Só se exaurirá se a extração de O 2 for
rença artério-venosa (A-V) de O2 de 5 ml/100 máxima nos tecidos ativos e inativos.
ml de sangue (5 vol%). Entretanto, em duas A reserva de freqüência cardíaca (FC) – que
situações antípodas pode haver diferença ar- é o maior determinante do débito cardíaco
tério-venosa máxima, isto é, o maior débito (DC) – é dada pela máxima capacidade de
cardíaco com a maior extração de O 2 e o menor aumento da FC, e depende de fatores cardía-
débito cardíaco com a maior extração de O 2: a) cos, nervosos, endócrinos e humorais. Os vo-
músculos esqueléticos supertreinados em ati- lumes cardíacos são maiores em posição supi-
vidade extrema e miocárdio extraem três quar- na que em posição ereta. Ao passar o indiví-
tos do oxigênio do sangue que os perfunde e, duo da posição supina para a ereta, o aumen-
se a reserva venosa de O2 for totalmente utili- to do DC depende do incremento da FC, pois
zada, a diferença A-V de O2 poderá chegar a os volumes diastólico e sistólico de ambos os
14 ou 15 ml/100 ml de sangue (14 ou 15 ventrículos diminuem cerca de 5% e assim se
vol%), atingindo débito cardíaco e consumo mantêm, enquanto o volume de expulsão cai
de O2 níveis tão altos quanto, respectivamen- de 20 a 30%. Em exercício, primeiro é mobi-
te, 30 l/min e 4 l/min; b) na insuficiência car- lizada a reserva sistólica, e, numa fase poste-
díaca terminal, a incapacidade de o coração rior, também a diastólica. Nos casos em que a
alimentar as células com um débito adequa- FC é incapaz de variar ou aumentar adequa-
do, mesmo com baixo consumo de O 2 corpo- damente, o DC só pode elevar-se através do
ral (quase todo é gasto pelo coração e múscu- volume sistólico (VS), o que representa uma
los respiratórios), obriga os tecidos periféricos compensação parcial, pois nunca consegue
a extraírem o possível de oxigênio que por eles atingir valores máximos sem o auxílio da fre-
passa (Figura VI-4). A reserva do O 2 depende qüência. Atletas de alto desempenho costu-

Reserva cardíaca Reserva cardiovascular


150 20
19
Reserva diastólica
Rep.
Volume ventricular (ml)

Dif. A-V de O2 (vol %)

117
14
VDF
Reserva
Repouso Reserva

VSF
5
27
Reserva sistólica
0 0
0 50 100 150 200 0 10 20 30
FC (cpm) DC (l/min)
FIGURA VI-3. À esquerda: A diferença entre o máximo produto do volume sistólico pela freqüência cardíaca (VS x
FC) e no momento considerado é a reserva cardíaca (RC), que pode aumentar até seis vezes, principalmente pelo
incremento da FC (mais de três vezes) do que do volume de expulsão sistólico (cerca de 50-60% ou 1,5 vezes). À
direita: A reserva cardiovascular (RCV) – a diferença entre o máximo produto do débito cardíaco (DC) pela dif. A-V
de O2 e no momento considerado – pode elevar-se quase vinte vezes, mais pelo aumento do DC que da dif. A-V de
O2. A RCV amplia três vezes a oferta de O2 às células, em relação àquela da RC (Gottschall 1995).
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IC × A-V O2 =
18 × 120 = 2160 ml/min/m2
18 120 FIGURA VI-4. A maior
extração de O2 (V· O2)
pelos tecidos (dif.
A-V·O2) aumenta tan-
18 × ­ VO2 to no exercício inten-
15
so dos atletas (lado
direito) quanto na in-
suficiência cardíaca
12 Atletas 80 terminal (lado esquer-
treinados do). No primeiro caso,
ocorre com elevação
do débito cardíaco
9 (DC) / m2 de superfí-
DIF A-V O2 cie corporal (índice
IC DIF A-V O2
(l/min/m2) (ml/l) cardíaco – IC), ofere-
cendo 18 vezes mais
6 60 oxigênio aos tecidos.
Em presença de insu-
ficiência cardíaca
avançada, a dif. A-V
3 O2 é máxima porque
IC × A-V O2 = o DC não consegue
2 3 × 40 = 120 ml/min/m2
Índice levar volume suficien-
1
Morte cardíaco (IC) te de sangue oxige-
nado aos tecidos (re-
Insuficiência Normal Demanda ­ O2 (exercício) desenhado de Gross-
man e Baim 1996).

mam apresentar menor FC de repouso e maio- dica – mas se gera mais tensão para a mesma
res volume sanguíneo, conteúdo de hemoglo- pressão desenvolvida – que se geraria a partir
bina, pressão de enchimento e volumes dias- de uma diástole menor (lei de Laplace). As-
tólico e sistólico ventriculares. Respondem ao sim, a reserva de volume é dada pelas capaci-
exercício por menor aumento da FC (deixan- dades de aumentar o volume diastólico final
do a reserva de freqüência para requisições (VDF) e diminuir o volume sistólico final
mais intensas) e maior do VS, ambos os parâ- (VSF), produzindo um maior volume de ex-
metros elevando-se menos para o mesmo tra- pulsão. A maior oferta de sangue aos múscu-
balho físico, em comparação com não-treina- los em atividade máxima depende de um mais
dos (Vide Figuras III-5 e III-21). Resposta si- eficiente retorno venoso – a maior fonte ali-
milar ocorre em pacientes com anemia, tireo- mentadora do débito cardíaco –, que se ba-
toxicose, fístula artério-venosa e bloqueio A- seia no bombeamento muscular periférico,
V completo. Isto é, valores máximos de DC só abdominal e torácico, venoconstrição por es-
podem ser atingidos com FC máxima. Entretan- tímulo simpático e redistribuição do sangue a
to, freqüências excessivamente altas trazem pre- partir de vasoconstrição no trato gastrintesti-
juízo à contração ventricular e ao enchimento, nal, fígado, rins, baço, músculos inativos e
devido ao encurtamento da diástole. epiderme, onde o calor produz vasoconstri-
A reserva sistólica de volume depende de ção (Vide Figuras II-17 e VII-3). Aumentam
maior encurtamento das fibras miocárdicas o VDF o maior retorno venoso, o treinamen-
por aumento da contratilidade, enquanto que to físico regular, a mais potente contração atrial
a reserva diastólica de volume é usufruída pela (treinamento e estímulo simpático) e a maior
lei de Frank-Starling, quando se produz mais distensibilidade ou complacência ventricular
volume ejetado por unidade de encurtamen- (treinamento físico, circulação coronariana e
to e menos fricção (viscosidade) intramiocár- alterações viscoelásticas no miocárdio). Dimi-
146 C ARLOS ANTONIO M ASCIA OTTSCHALL
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nuem o VSF, por um mais completo esvazia- trabalho, sendo que a velocidade do fluxo nor-
mento sistólico, a menor impedância ao fluxo malmente pesa muito pouco. Existe íntima
ou resistência ao esvaziamento (vasodilatação relação entre produção de trabalho
· pelo cora-
periférica do exercício e pressão arterial mais ção e consumo de oxigênio (VO2) miocárdi-
baixa nos atletas) e aumento da contratilida- co. Em todo sistema produtor de trabalho,
de ventricular (reserva contrátil, descarga adre- apenas parte da energia é convertida em tra-
nérgica no miocárdio, circulação coronariana balho útil, sendo a maior parte perdida como
eficiente) (Quadro VI-1). calor. Só 12 a 14% do O2 consumido pode
ser convertido em trabalho externo, e a maior
parte da ATP é gasta na interação actina-mio-
EFICIÊNCIA DO CORAÇÃO sina e na geração de calor em vez de trabalho.
COMO BOMBA Daí surge o conceito de eficiência, que é a re-
lação entre o trabalho útil produzido e a ener-
Trabalho cardíaco útil é aquele que ocorre na gia liberada para produzi-lo, indicada pelo
fase de ejeção ventricular, quando o coração ex- consumo de O2 miocárdico. Isto é, maior efi-
pulsa um certo volume com determinadas pres- ciência significa mais trabalho ou mais contrati-
são e velocidade, gerando uma energia poten- lidade com o mesmo consumo de O2. Insuficiên-
cial armazenada nas paredes aórticas como cia cardíaca diminui a eficiência do coração.
tensão, capaz de propelir o sangue através do Agentes farmacológicos como dobutamina
sistema vascular na diástole. Como vimos (Ca- aumentam a eficiência do coração descompen-
pítulo IV), o trabalho cardíaco útil pode ser sado, porém a base subcelular para essas mu-
calculado como o produto do volume expul- danças não é completamente conhecida.
so pelos ventrículos vezes a pressão aórtica na No coração, a energia provém principal-
fase sistólica, mais a velocidade do sangue em mente da oxidação da glicose, do glicogênio
cada instante. No ventrículo esquerdo, pres- e, em menor escala, do ácido lático, que são
são e volume são os maiores determinantes do convertidos em energia mecânica para a con-
tração muscular. No ventrículo direito, a ener-
gia cinética prepondera em relação à poten-
QUADRO VI-1. Aumento do débito cardíaco pelo cial porque a pressão através do sistema ali-
exercício mentado por ele é baixa, o contrário do que
I. AUMENTO DA CONTRATILIDADE (Menor VSF) ocorre com o ventrículo esquerdo. Gasta-se a
1. Maior descarga adrenérgica miocárdica energia total de muitas maneiras e nem todas
2. Maior concentração de catecolaminas circulantes contribuem diretamente para a circulação do
3. Maior freqüência cardíaca
4. Maior tensão interfascicular
sangue, como para manter e reparar células
miocárdicas e no processo de excitação e con-
II. AUMENTO DO RETORNO VENOSO
(Maior VDF) dução. Tal gasto é pequeno se comparado com
outros associados a reações químicas, calor
1. Hiperpnéia
2. Contração muscular produzido pela energia friccional da viscosi-
3. Venoconstrição dade miocárdica, energia acumulada como
4. Diástole mais eficiente
tensão interfascicular (que será posteriormen-
III. DIMINUIÇÃO DA PÓS-CARGA te usada para a aspiração diastólica dos ventrí-
(Menor impedância)
culos na fase de enchimento ventricular rápi-
1. Vasodilatação periférica do), contração isovolumétrica e turbulência do
2. Maior débito cardíaco para mesma pressão
sangue. Também, a pressão arterial gera fluxo
A marca fundamental da insuficiência miocárdica é
a depressão das relações entre força e velocidade
e parte da energia cinética perde-se em calor
miocárdica, o que reflete redução do estado con- (Figura VI-5). Isto é, o total do trabalho útil
trátil do músculo cardíaco. dissipa-se em perdas friccionais nas paredes dos
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 147

vasos e em calor, exceto a energia potencial no A energia gasta na sístole deve ser refeita
ponto do próximo ventrículo dentro do sistema, na próxima diástole. Como o sangue venoso
que serve para distendê-lo na diástole. coronariano contém de 3,9 a 6,9 ml de O 2/
Calcula-se a eficiência pela seguinte equa- 100 ml, conclui-se que a tensão de oxigênio
ção: nas miofibrilas é muito baixa, diminuindo ain-
da mais no exercício. Desde que a tensão é
(ILFLrQFLD
7UDEDOKR~WLO NJ  P min baixa e a extração alta, o miocárdio tem pe-
(QHUJLDXWLOL]DGD NJ  P min quena reserva de oxigênio e depende prima-
Pode estimar-se a energia total produzida riamente
é,
da reserva de fluxo coronariano. Isto
pelo miocárdio admitindo-se que 2 kg-m de ciência cardíaca e pela capacidade de suprir flu-
o débito cardíaco máximo limita-se pela efi-
trabalho são produzidos pela utilização de 1 xo coronariano adequado.
ml de oxigênio. No coração normal, a eficiên-
cia situa-se em torno de 23%, maior do que
qualquer máquina que pretendesse reprodu- VARIAÇÕES DO DÉBITO CARDÍACO
zir tais condições de trabalho, sendo capaz de
aumentar ainda mais com o exercício, quan- Em função do balanço das funções vitais, as va-
do o aumento do trabalho útil torna-se maior riações do débito cardíaco precisam ser por vezes
que o aumento do consumo de oxigênio pelo rápidas e amplas. Como vimos, os determinan-
miocárdio. Ao contrário, diminui em pacien- tes do débito cardíaco (DC) e do volume sis-
tes com insuficiência cardíaca, e mais ainda tólico são: a) freqüência cardíaca (seqüência
com o exercício nessa situação. rítmica de impulsos na unidade de tempo); b)

TC = P × V + f

Sístole

23%

Reações químicas
Fricção tecidual
Calor
FIGURA VI-5. A eficiência do coração
+ como bomba é a relação entre o traba-
lho cardíaco externo produzido (TC) e a
Diástole energia gasta para isso, ficando em tor-
no de 23%. O restante é usado ou gas-
to internamente e na diástole. O traba-
lho cardíaco efetivo é o produto da pres-
77%
são ventricular (P) pelo volume de ex-
pulsão (V) mais fluxo (f), este um valor
desprezível em gasto de energia (Got-
tschall 2005).
148 CARLOS NTONIO
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pré-carga (estiramento da fibra miocárdica: vo- mento da freqüência cardíaca (maior efeito
lume diastólico final, pressão diastólica final); simpaticotônico). Isto é, em pé, diminui o re-
c) pós-carga (tensão sistólica intraventricular torno venoso, o volume diastólico final, o volu-
durante a ejeção: pressão sistólica); d) sinergia me sistólico de expulsão, o índice cardíaco e a
(seqüência temporal harmônica da contração pressão arterial, que acabam sendo adequados
ventricular); e) contratilidade (velocidade de reflexamente. Aumentam os níveis de renina e
encurtamento miocárdico para uma dada car- noradrenalina; volume sistólico final (VSF) e
ga). As alterações do DC para menos, perma- fração de ejeção (FE) não se modificam mui-
necendo constantes os demais elementos, es- to. Em normais, o VSF diminui e a FE au-
tão na dependência de um destes fatores: a) menta na mesma extensão do repouso para o
arritmias, bradicardia; b) inibição diastólica; exercício nas posições supina e em pé. A mag-
c) sobrecarga sistólica; d) assinergia e assin- nitude da mudança no volume diastólico fi-
cronia; e) insuficiência miocárdica. Permane- nal do repouso para o exercício máximo nas
cendo constantes os demais, causam aumento duas posições é pequena e pode variar de acor-
do DC: taquicardia, ampliação da diástole, do com a população estudada. Assim, o efeito
diminuição da pós-carga, aumento da siner- final no desempenho é um aumento aproxi-
gia contrátil, hipercontratilidade miocárdica mado de dez por cento no tempo de exercí-
(Capítulo V e Quadro V-1). cio, índice cardíaco, freqüência cardíaca e du-
Em repouso, débito cardíaco (DC) e volu- plo produto no pico do exercício, na posição em
me sistólico (VS) são maiores na posição su- pé, quando comparada com a posição deitada.
pina que na ereta porque, devido à atenuação Há importantes diferenças entre exercício
simpática na primeira, a geração do débito dinâmico e estático. A elevação do débito car-
funciona mais na base da distensão (mecanis- díaco (DC) do exercício dinâmico é mediada
mo de Frank-Starling) e menos do aumento por uma combinação de aumentados retorno
da contratilidade (Figura VI-6). Em pessoas venoso, freqüência cardíaca (FC) e contratili-
normais, em pé, o aumento do DC resulta da dade. O DC aumenta quatro a seis vezes aci-
combinação de diminuição do VS com au- ma dos níveis basais no exercício extremo na

Reserva diastólica
Vol. sistólico

Reserva sistólica

FIGURA VI-6. Em posição ereta (no meio) e em exercício (à direita) diminui o volume diastólico do coração, aumen-
tando a reserva diastólica de volume e diminuindo a reserva sistólica, por efeito de um estímulo simpático aumen-
tado. Na posição deitada (à esquerda), o volume de expulsão depende mais da resposta à distensão diastólica que
do estímulo simpático (redesenhado de Rushmer 1976).
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posição ortostática, dependendo da herança so, em parte devido à diminuída responsivi-


genética e nível de treino, por uma combina- dade beta-adrenérgica.
ção de FC máxima com incremento da pres- Em repouso, o índice cardíaco e o índice
são sistólica (PS) e da pressão de pulso, po- sistólico só diminuem abaixo do normal em
dendo o duplo produto ficar perto de 40.000 fases agudas ou avançadas de disfunção car-
(acima de 25.000 no teste ergométrico já in- díaca. Entretanto, mensurações durante exer-
dica boa capacidade funcional). Na fase pós- cício fornecem informações úteis, já que exer-
exercício, a FC volta aos níveis basais tanto cício suficiente para dobrar o consumo de oxi-
mais rápido quanto maior for o treinamento, gênio em relação ao repouso conduz a aumen-
mas sempre depois de normalizar-se a PS. Isto to de cinqüenta a setenta por cento do débito
é, a PS tende a normalizar-se antes da FC por- cardíaco (DC), havendo, nos normais, uma
que aumento de pressão arterial com taquicar- relação de mais de 600 ml de aumento de DC
dia consome muito mais oxigênio miocárdico que para cada 100 ml de aumento de consumo de
o mesmo aumento de FC com pressão normal . oxigênio. Isto é, o “fator de exercício” normal
Durante exercício dinâmico, os mecanismos significa variação do débito cardíaco / variação
primários de controle são maiores comando do consumo de O2, > 6,0. Se menor, indica que
cortical e sinalização anterógrada que estimu- o aumento do débito cardíaco é insuficiente.
la a atividade simpática adrenérgica e diminui Como vimos, o DC máximo em exercício
a inibição vagal. No exercício estático, aumen- pode alcançar 25 a 30 l/min em atletas, atin-
tam as duas pressões, sistólica e diastólica, pro- gindo estes um VO2 máximo de mais ou me-
vavelmente como resultado de reflexos origi- nos 4,0 l/min de O2. Nessa situação há uma
nando-se dos músculos para os centros car- redistribuição do sangue no corpo, podendo
diovasculares na medula e no hipotálamo. A dirigir-se mais de 80% do volume circulante
FC máxima e o DC podem diminuir no ido- para os músculos em atividade (Figura VI-7).

DISTRIBUIÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO


Repouso Exercício máximo

Cérebro Cérebro
Músculo Osso e
Pele
pele
Osso
Coração
Coração
Músculo
Aparelho
digestivo
Aparelho Rim
Rim
digestivo

FIGURA VI-7. Um débito cardíaco (DC) de 5 l / min em repouso (área do círculo pequeno) pode chegar a 30 l / min
em exercício máximo (área do círculo grande), havendo uma redistribuição do volume sanguíneo nos diversos
compartimentos orgânicos. Os músculos passam de uma irrigação de 15% do volume total do DC em repouso para
85% do volume do DC em exercício máximo (Gottschall 2005).
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O aumento máximo do DC se dá por eleva- de oxigênio em repouso não deve elevar as


ção da freqüência cardíaca até 180 a 200 ci- pressões em capilar pulmonar, artéria pulmo-
clos por minuto, sendo o aumento do volu- nar e ventrículo direito. Em indivíduos ido-
me sistólico de 40 a 60% em relação ao re- sos, sem manifestações clínicas de cardiopa-
pouso, chegando a 140 ou 150 mililitros. tia, o mesmo grau de exercício pode elevar até
Isto é, o aumento da freqüência é o principal um máximo de 20% os níveis pressóricos em
determinante do aumento do DC: a freqüên- relação aos de repouso. Quanto à Pd do VE,
cia cardíaca aumenta linearmente com o con- costuma diminuir por efeito do exercício nos
2

sumo de O 2, enquanto que o volume sistólico corações normais e elevar-se progressivamen-


cresce até apenas 40-50% do consumo máxi- te por sua influência à medida que o compro-
mo de O 2, estabilizando-se a partir daí(Figu- metimento funcional avança. A diminuição
ra VI-8). fisiológica das pressões veno-capilar pulmonar
O elevar dos membros inferiores pode au- e diastólica final do VE no exercício ocorre
mentar em dois a quatro mmHg a Pd2 do ven- por conjugação destes fatores: a) hiperpnéia,
trículo esquerdo (VE), devido ao decúbito e que aumenta a drenagem linfática, “secando”
aumento do retorno venoso. Exercício em ní- o interstício pulmonar; b) diminuição do vo-
vel de dois METS – que corresponde ao do- lume de reserva sanguínea pulmonar por or-
bro do consumo de O2 – e usualmente alcan- tostatismo e aumento da velocidade circula-
çado com carga de 75 kgm/min, provoca au- tória; c) diminuição do volume diastólico fi-
mento da freqüência cardíaca e pequeno do nal do VE pela taquicardia; d) diminuição do
volume sistólico. Em indivíduos normais, exer- volume sistólico final por aumento da contra-
cício suficiente para quintuplicar o consumo tilidade e diminuição da pós-carga; e) dimi-

100

80
% VS
Máximo 60

40
FIGURA VI-8. Linhas repre-
200 sentativas do crescimento
do volume sistólico (VS) e
da freqüência cardíaca (FC)
180 de indivíduos de ambos os
sexos, do repouso até con-
160 sumo de oxigênio (V·O2) má-
ximo, produzido por exercí-
cio gradado. Para mulheres,
140
FC os VSs médio em repouso
(cpm) e exercício foram de 68 e
120 110 ml, e para homens de
88 e 134 ml, respectivamen-
100 te. Note-se que o VS prati-
camente não aumenta a
partir de 40-50% do V·O2 má-
80 ximo, enquanto a FC au-
menta linearmente até
60 100% do V· O 2 (modificado
de Astrand, Cuddy, Saltin e
20 40 60 80 100 Stenberg 1964).
% V· O2 máximo
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nuição da pressão diastólica inicial do VE por que agem pela modificação do comprimento
mais eficiente aspiração diastólica. da fibra miocárdica e pelo controle nervoso
O rico fluxo de linfa através do interstício autônomo. Em nível celular, são as variações
pulmonar, que pode aumentar até cinco ve- de comportamento do mecanismo do cálcio
zes, é função direta dos movimentos do fole que explicam as respostas contráteis estimula-
torácico. A taquipnéia pós-exercício, princi- das pela sobrecarga ou pela ação simpática.
palmente em sedentários, decorre do aciona- Porém, ultimamente tem surgido outro con-
mento da drenagem linfática pulmonar, para junto de sinalizadores aferentes e eferentes cen-
eliminar a congestão intersticial determinada trado nas células endoteliais e endocárdicas
pela desproporção entre o esforço realizado e secretoras de substâncias que podem alterar a
a aptidão física do indivíduo (Capítulo II). Um contratilidade dos cardiomiócitos (Capítulo
atleta treinado não costuma apresentar taquip- VII).
néia marcada pós-exercício. Assim, durante Como as reservas cardiovascular e cardíaca
exercício, a Pd1 deve ser inferior a zero e a Pd2 são muito grandes, mesmo em presença de
não deve ultrapassar dezesseis mmHg em qual- sobrecarga, comprometimento valvular, con-
quer caso normal, mas nos isquêmicos, mio- gênito ou miocárdico, o débito cardíaco pode
cardiopatas e valvulopatas pode aumentar con- manter-se adequado por longo período em
sideravelmente. Também, o exercício pode repouso e até em exercício, por meio do de-
exacerbar regurgitação mitral ou tricúspide e senvolvimento de mecanismos compensado-
marcado aumento no gradiente transmitral na res que são fundamentalmente: 1) mecanis-
estenose mitral. Cardiopatas avançados tor- mo ou lei de Frank-Starling (distensão da mi-
nam-se incapazes de elevar adequadamente o ofibrila); 2) hipertrofia e remodelamento (au-
volume sistólico e o débito cardíaco, suprin- mento do número de sarcômeros); 3) hiper-
do os tecidos por aumento da diferença arté- simpaticotonia (intensificação da atividade
rio-venosa de O2. beta-adrenérgica). Isto é, pode haver débito car-
díaco baixo em termos de bomba sem insuficiên-
cia miocárdica, como pode haver insuficiência
ADAPTAÇÕES DO DÉBITO contrátil do miocárdio sem insuficiência cardía-
CARDÍACO A CURTO E ca, desde que esses mecanismos adaptativos se
LONGO PRAZO conjuguem para compensar o débito cardíaco
(Quadro VI-2).
Seja para mudanças rápidas e fugazes capazes 1) Lei de Frank-Starling: Como vimos, as
de enfrentar as necessidades corporais, ou lentas duas generalizações fundamentais da função
e permanentes para enfrentar estados de sobre- cardíaca são a distensão miocárdica e a con-
carga contínua, identificam-se mecanismos ou tratilidade. A compreensão da influência da
receptores para sentir solicitações, sinais para en- distensão do miocárdio a partir dos trabalhos
viar requerimentos e integrar a informação e vias de Frank, com músculo sartório de sapo, no
para modificar anatomia e função do cardiomi- fim do século XIX, continuados por Patter-
ócito.Para o coração adaptar-se às exigências son, Pipper e Starling, com preparação cora-
transitórias de desempenho, incluindo varia- ção-pulmão de cães, no início do século XX,
ções de volume e de trabalho, ocorrem altera- antecedeu a compreensão sobre a influência
ções fugazes em organelas específicas no âm- da contratilidade, que começou a emergir atra-
bito pós-transcricional. Porém, alterações sus- vés de trabalhos publicados por volta de 1950
tentadas de longo prazo, decorrentes de mo- (Capítulo V).
dificações patológicas, determinam alteração Frank, em 1895, em estudos em sapos, re-
da expressão gênica. Os dois conjuntos de si- feriu que, aumentando o enchimento inicial
nalização mais conhecidos do coração são os do ventrículo esquerdo (VE), tornam-se mais
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QUADRO VI-2. Mecanismos compensadores do 3


débito cardíaco
I. LEI DE FRANK-STARLING
(Distensão da miofibrila) 4
Ventrículo
1. Maior potencial contrátil
2. Menor encurtamento na ejeção 2
3. Maior tensão miocárdica
4. Congestão pulmonar e sistêmica
II. HIPERTROFIA (Aumento do
número de unidades contráteis)
1. Maior miofibrila com sarcômeros em série 1
2. Maior tensão sistólica intraventricular
3. Maior massa miocárdica
4. Menor contratilidade por unidade muscular
III. HIPERSIMPATICOTONIA
(Aumento da atividade beta-adrenérgica) 4
1. Maior contratilidade
2. Maior freqüência de contração Átrio
3. Depressão de catecolaminas miocárdicas
4. Aumento de catecolaminas circulantes 3
Utilização da lei de Frank-Starling, variações da fre- 2
qüência cardíaca e da contratilidade são mecanis-
mos de variação do débito cardíaco em situações 1
agudas, fisiológicas e cotidianas, sem ou com so-
brecarga. Hipertrofia e dilatação representam me- FIGURA VI-9. Experiências de Frank com miocárdio de
canismos adicionais desenvolvidos e utilizados em sapo mostram que, sem enchimento atrial, ocorre fraca
situações duradouras de sobrecarga cardíaca. contração ventricular (1). Com descarga atrial discreta
Aumento crônico do tonus simpático ocorre no a resposta ventricular é muito maior (2), sendo máxima
último estágio da deterioração miocárdica para es- com pré-carga ótima (3). O excesso de enchimento ven-
timular aumentos da freqüência cardíaca e da con- tricular (4) por pré-carga exagerada produz diminuição
tratilidade, quando outros mecanismos não com- da força contrátil, o que indica sobrecarga e fadiga mus-
pensam adequadamente a função cardíaca. cular. Verifica-se nessas curvas de Frank que a veloci-
dade de ascensão da pressão ventricular relaciona-se
com a potência contrátil do ventrículo (redesenhado de
Frank 1895).

rápida a velocidade de aumento, mais alto o


pico de pressão alcançado e mais rápido o re-
laxamento diastólico. Dessa forma, ele descre- ventricular esquerdo ao débito cardíaco, o que
veu os maiores efeitos inotrópico e lusitrópi- ocorre em corações com complacência nor-
co conseqüentes a um aumento do volume mal. Implicação mais direta desse achado é que
cardíaco no início da contração, começando- o volume de expulsão relaciona-se com o vo-
se a criar a idéia de “contratilidade” ou de au- lume diastólico final. Entretanto, na prática,
mento da velocidade e da potência da contra- mede-se não o volume mas indicadores subs-
ção (Figura VI-9). Estes achados, complemen- titutivos, como pressão diastólica final (Pd2)
tados por Starling anos após, são descritos ou pressão capilar pulmonar, sabendo-se que
como lei de Frank-Starling e respondem por a relação entre volume diastólico final e Pd 2 é
dois dos mecanismos subjacentes ao aumento curvilinear e depende da complacência do VE.
do volume sistólico no exercício, isto é, o au- A partir desses estudos com preparação
mento do enchimento diastólico e o aumento do coração-pulmão, Starling e cols. conseguiam
estado inotrópico. Starling e cols., em 1915, re- produzir sobrecarga diastólica, aumentando o
lacionaram a pressão venosa no átrio direito retorno venoso para o coração, ou produzir
com o volume do coração de cães em uma pre- sobrecarga sistólica, aumentando a resistência
paração coração-pulmão, ligando o volume ao esvaziamento, constringindo a aorta. Em
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ambos os casos, a resposta dos ventrículos era excessivo de sangue nas veias. Entretanto, au-
um esvaziamento incompleto por algumas mento exagerado das cargas – com demasia-
batidas após, com aumento progressivo de seu das distensão volumétrica e pressórica – limi-
volume diastólico final (resíduo diastólico au- ta-se por queda no volume de expulsão, ca-
mentado) e da sua Pd2, isso indicando dispa- racterizando insuficiência contrátil do miocár-
ridade entre o influxo na diástole e a expulsão dio. “A lei do coração é, entretanto, a mesma
ventricular na sístole, até que esses efeitos pro- que a do músculo esquelético, ou seja, a ener-
duzissem suficiente distensão diastólica, segui- gia mecânica liberada ao passar do estado de
da de sístoles progressivamente mais poten- repouso para o de contração depende da área
tes, atingindo a preparação novo equilíbrio das ‘superfícies quimicamente ativas’, isto é,
contrátil, capaz de enfrentar essas cargas au- do comprimento das fibras musculares”, foi o
mentadas e refazer o volume de expulsão a enunciado dessa lei.
valores normais (Figura VI-10). Assim, verifi- Numa época em que não se imaginava a
caram que a quantidade do sangue bombeado complexa ultra-estrutura do miocárdio nem
pelo coração na unidade de tempo é determi- se vislumbrava a existência do sarcômero de-
nada pelo retorno venoso, o que equivale a monstrada pela microscopia eletrônica que
dizer que os tecidos periféricos controlam seu surgiu cerca de trinta anos depois, Starling foi
próprio fluxo sanguíneo, e a soma de todos profético ao dizer que “dentro de limites fi-
eles volta para o coração pelo átrio direito. Isto siológicos, quanto maior o volume do cora-
é, dentro de limites fisiológicos, significa que o ção tanto mais energia de contração e mais
coração consegue bombear novamente todo o san- quantidade de trocas químicas em cada con-
gue que retorna até ele, sem permitir acúmulo tração”. Assim, muito antes do advento da mi-

Sístole
Mudança no vol.

15
ventr. (ml)

PS ou VS ou ITS

25 10

35 20
130 142
124 122 118
PAo 30 95
105
(mmHg) 145 70 138 58
95 105 120 103
PAD 55 85 75 Diástole
(mmH2O)
0 20 40 60 0 20 40 60 80 100
Distensão miocárdica
(Seg) (Seg)
ou
VDF ou PDF
FIGURA VI-10. À esquerda: Modificações nos volumes ventriculares do coração de um cão, pressões aórticas
(PAo) e pressões atriais direita (PAD) ao elevar-se o reservatório venoso da preparação coração-pulmão (pressão
atrial direita – PAD – de 95 para 145, e depois baixada para 55 mmH 2O). No centro: Modificações ao elevar-se e
abaixar-se a resistência periférica em vários degraus. Note-se que aumento dos volumes ventriculares é visto
como deslocamento para baixo do traçado de volumes. À direita: Relações entre o comprimento muscular cardíaco
em repouso (comprimento do sarcômero, volume diastólico final – VDF – ou pressão diastólica final – PDF ou Pd 2
– e força de contração cardíaca desenvolvida (pressão sistólica – PS – ou volume sistólico – VS – ou índice de
trabalho sistólico – ITS). Essas relações entre distensão miocárdica e força contrátil produzida constituem uma
curva de função cardíaca. Note-se que a excessiva distensão diastólica a partir de um ponto de resposta sistólica
ótima (curva ascendente) diminui o desempenho contrátil (curva de Starling em fase descendente) (redesenhado
de Patterson, Piper e Starling 1914).
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croscopia eletrônica, mas sabendo que o mio- Sarnoff e cols., em 1954, mostraram que o
cárdio é constituído de fibras longitudinais, mecanismo de Frank-Starling é melhor repre-
propôs que “o alongamento do músculo au- sentado por uma família de curvas do que por
menta a extensão das superfícies ativas”, idéia uma única curva de função ventricular. Para
semelhante aos conceitos atuais baseados no construí-las, seleciona-se algum índice de de-
deslizamento intrasarcomeral. Também vis- sempenho ventricular na ordenada (volume
lumbrou os mecanismos moleculares da insu- sistólico de expulsão, índice de trabalho sistó-
ficiência cardíaca propondo que “a concentra- lico, pressão sistólica) contra algum índice de
ção de moléculas ativas diminui”, conforme a comprimento ou distensão muscular na ab-
visão moderna de anormalidades na ciclagem cissa (volume diastólico final, pressão diastó-
do cálcio na insuficiência cardíaca. lica final, circunferência ventricular, pressão
A partir desses estudos, tal relação entre atrial). Altera-se o volume de sangue retorna-
causa e efeito, ou seja, entre distensão miocár- do ao coração ou a resistência ao esvaziamen-
dica e efeito contrátil, com suas fases ascen- to em ampla faixa e mede-se, por exemplo, o
dente e descendente, passou a chamar-se lei índice de trabalho sistólico e a Pd 2 em cada
de Frank-Starling e a governar as explicações nova situação. Assim, pode-se constatar que
sobre a adaptação do funcionamento do cora- agente inotrópico desloca a curva para a es-
ção aos diversos requerimentos circulatórios, querda e para cima do controle, o que signifi-
até mais ou menos 1950, quando as mudan- ca mais contratilidade e mais produção de tra-
ças do estado contrátil entraram com impor- balho ventricular (Figura VI-11). O aumento
tante parcela na explicação das variações do do trabalho ventricular vai até um máximo,
desempenho cardíaco (Capítulos V e X). Vá- após o que se inicia o declínio, quando o limi-
rios trabalhos têm demonstrado a aplicabili- te de distensão ótimo é ultrapassado, causan-
dade da lei de Frank-Starling em situações fi- do desvio da curva para a direita e para baixo,
siológicas no coração intacto, sem que seja no rumo da insuficiência cardíaca.
necessário invocar mudança do estado con- Ressalte-se que mudança na curva não ne-
trátil. Isto é, com o aumento do volume diastó- cessariamente significa modificação na con-
lico final (aumento da pré-carga), o maior esti- tratilidade, podendo representar apenas inte-
ramento das fibras miocárdicas permite ejetar o ração entre trabalho e distensão miocárdica.
mesmo volume com menor encurtamento (me- Dentro de limites razoáveis, as alterações da
nor contratilidade) e, por isso, com menor gasto pressão arterial (pós-carga) contra a qual o
de O2. O limite dessa compensação é o limite de coração bombeia não modificam o valor do
distensão da fibra miocárdica no músculo isola- débito cardíaco. Dessa forma, as relações en-
do, e do volume diastólico final no coração in- tre desempenho e carga são determinantes fun-
tacto. A explicação para a maior força de con- damentais do comportamento do coração
tração residia em que a distensão do múscu- como bomba, considerando-se um estado con-
lo traria os filamentos de actina e miosina a trátil estável. Isto é, o efeito bomba do coração
um grau de superposição mais perto do óti- traduz-se na manutenção do débito cardíaco . É
mo, o que ocorre no músculo esquelético. somente quando a carga volumétrica e/ou a
Hoje aceita-se que receptores de distensão pressórica arterial se elevam acima da faixa
sinalizam para uma maior sensibilização ao operacional normal que a sobrecarga faz o co-
cálcio citosólico, aumentando a força con- ração começar a falhar, entrando na fase des-
trátil. Além desse fator, a distensão da pare- cendente da curva de função ventricular. Nos
de atrial direita aumenta a freqüência car- ventrículos direito e esquerdo, esta fase prece-
díaca de 10 a 20%, o que também ajuda de, respectivamente, os edemas periférico e
mas em grau muito menor que o mecanis- pulmonar (Vide Figura X-4). Num coração
mo de Frank-Starling. progressivamente isquêmico, a curva de Frank-
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70
Distensão 4,0 Distensão + noradrenalina
2,0
60 4,0
1,0 0,5
2,0
1,0
Trabalho sistólico (g-m)

50
0,5
40 0,2
0,2 0
30 0

20

10
AE (média) cmH2O
0
5 10 15 20 25 5 10 15 20 25
FIGURA VI-11. Sarnoff e cols. mostraram que os ventrículos, no caso o esquerdo, não funcionam em apenas uma
curva de função mas em várias curvas, que dependem do estado contrátil no momento considerado. O estímulo
inotrópico (noradrenalina) desvia a curva para a esquerda, enquanto hipocontratilidade crescente vai deslocando-
a progressivamente para a direita. Excessiva distensão a torna descendente (redesenhado de Sarnoff e Berglund 1954).

Starling funciona num patamar corresponden- conjuntivo. Fibras miocárdicas normais têm
temente mais baixo que o de um coração nor- diâmetro de 13 a 16m, que pode atingir 25 a
mal. O aumento crônico da carga ventricular, 32m ou mais nas hipertróficas. A hipertrofia
principalmente sistólica, é o maior estímulo miocárdica ocorre pela proliferação de elemen-
para a hipertrofia miocárdica que, com o maior tos contráteis intramembranas, devido à for-
número de sarcômeros, visa compensar a que- mação adicional de DNA, multinucleações e
da da contratilidade. Isto é, no ventrículo es- poliploidia, produzindo ou alongamento ou
querdo hipertrófico, diminui a contratilidade por expansão concêntrica das células, ou ambos,
unidade muscular mas a Pd2 aumentada, ao lado independentemente de o estímulo ser sobre-
da formação de novas unidades contráteis, man- carga de volume ou de pressão. Dentro dessas
tém o volume sistólico normal. células existe contínua formação e degrada-
2) Hipertrofia e remodelamento: O cora- ção de actina e miosina, cuja meia vida nor-
ção se desenvolve a partir da proliferação de mal situa-se em torno de duas semanas.
células miogênicas indiferenciadas que se di- No músculo esquelético, os novos sarcô-
videm mitoticamente e gradualmente iniciam meros parecem ser adicionados no fim das fi-
a produção das proteínas miofibrilares que se bras existentes. De maneira similar, largas e
transformarão nos elementos contráteis. irregulares bandas Z no miocárdio hipertrofi-
Quando vai se completando o desenvolvimen- ado sugerem que estas podem ser sítio de ori-
to cardíaco, diminui o número de células mi- gem de novos sarcômeros. Existe associação
tóticas e aumenta a produção de proteínas entre o grau de hipertrofia e a elevação de con-
contráteis. Os mioblastos originais convertem- teúdo e concentração de RNA por unidade
se em células cilíndricas mas ainda se observa de tecido miocárdico, o que denota aumento
mitose em corações neonatais. Após o nasci- de síntese de proteínas contráteis, bem como
mento, o número total de miócitos permane- de proteínas colágenas. Nos estágios iniciais,
ce constante em torno de 25%, sendo 75% o acréscimo de miócitos e proteínas contrá-
do tecido miocárdico principalmente tecido teis é maior que o aumento dos elementos
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conetivos. Nos mais avançados, elementos


conjuntivos, particularmente o colágeno, se
acumulam em maior proporção. Histologica-
mente, os miócitos hipertrofiados apresentam-
se com orientação e ordenação normais, exce-
to por pequenas áreas focais (Figura VI-12).
Mutações nas proteínas contráteis do sarcô-
mero explicam cardiomiopatia hipertrófica, A
enquanto que mudanças nas proteínas citoes-
queléticas explicam cardiomiopatia dilatada,
mas estudos mostram alterações moleculares
sobrepostas nestas duas situações clínicas.
Sobrecarga pressórica, como ocorre na hi-
pertensão arterial ou estenose aórtica, aumenta
a tensão parietal sistólica ventricular, prima-
riamente devido a aumento do diâmetro dos
miócitos. Sobrecarga volumétrica de longa B
duração, como na regurgitação aórtica ou mi-
tral, aumenta o estresse parietal diastólico e
produz alargamento da cavidade ventricular
com maiores comprimento e diâmetro dos
miócitos. Em insuficiência aórtica, estenose
aórtica e insuficiência mitral, a massa ventri-
cular esquerda pode aumentar de duas a três
vezes. Contrariamente ao que alguns pensam,
na dilatação ventricular sempre há hipertrofia C
com aumento absoluto de massa miocárdica
total, apesar de a relação massa/volume dimi-
nuir. Em pacientes com hipertrofia cardíaca
clinicamente aparente mas sem insuficiência,
a massa do ventrículo respectivo aumenta
aproximadamente 70% na hipertofia ventri-
cular direita e quase 100% na hipertrofia ven-
tricular esquerda. Isto é, o remodelamento ven- D
tricular constitui a base para a progressão da dis-
função miocárdica, cobrando o custo de o cora- FIGURA VI-12. A, B, C e D, de cima para baixo, mos-
tram estágios progressivos da hipertrofia miocárdica. No
ção ser obrigado a trabalhar em condições des- início, a organização celular está preservada, embora o
vantajosas de volume e forma (Capítulo IV e aumento do número e tamanho de miofibrilas, mitocôn-
drias e núcleos (A). Progredindo a hipertrofia, aumen-
Figuras IV-19 a IV-21). tam número e tamanho das mitocôndrias e surgem no-
Sobrecarga de pressão no ventrículo direi- vos elementos contráteis em áreas localizadas das cé-
to (VD) é muito menos tolerada que sobre- lulas, que variam em tamanho (B). Hipertrofia de longa
duração ocorre com núcleos muito grandes e membra-
carga de volume. Parece que a disfunção con- nas lobuladas, deslocando miofibrilas adjacentes e rom-
trátil é uma propriedade intrínseca da hiper- pendo bandas Z. O volume das miofibrilas predomina
sobre o aumento inicial das mitocôndrias (C). O estágio
trofia por sobrecarga de pressão ventricular mais avançado se caracteriza por diminuição de ele-
direita. Por outra, o ventrículo esquerdo (VE) mentos contráteis, ruptura adicional de bandas Z, de-
formação do arranjo paralelo do sarcômero, deposição
tolera melhor que o VD uma sobrecarga de de tecido fibroso e dilatação e tortuosidade dos túbulos
pressão, sem redução do desempenho contrá- T (reproduzido sob permissão de Ferrans 1983).
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til. Para este, a sobrecarga pressórica represen- nicas elevadas e contratilidade diminuída, ba-
ta uma alteração qualitativa, enquanto que seadas no aumento da massa miocárdica, não
para o VE apenas quantititva, o que permiti- por maior número de fibrilas musculares mas
ria ao VE uma melhor adaptação por ser “do por maior número de sarcômeros por miofi-
ramo”. Sobrecarga de volume pura no VD é brila. Os benefícios do remodelamento são:
bem tolerada durante décadas. Apenas quan- a) aumenta a capacidade de trabalho ventri-
do sobrevém sobrecarga pressórica, por exem- cular; b) normaliza o estresse da parede ven-
plo, hipertensão pulmonar, é que o VD des- tricular; c) normaliza o encurtamento sistóli-
compensa. Neste ventrículo, exposição crôni- co das fibras. Os malefícios são: a) diminui a
ca à hiperpressão reduz a quantidade de célu- reserva contrátil; b) diminui a reserva corona-
las musculares em relação ao tecido conjunti- riana; c) diminui a reserva de volume, indu-
vo, o qual aumenta proporcionalmente, o que zindo à dilatação ventricular precoce; d) di-
não acontece quando o mesmo é exposto à minui a reserva de distensibilidade ventricular;
sobrecarga de volume. Sobrecarga de volume e) aumenta o conteúdo colágeno do coração.
do VE parece ser bem tolerada no início mas Entretanto, lesões agudas anteriores a um re-
surgem alterações definidas se for substancial modelamento protetivo costumam causar qua-
e prolongada. A insuficiência aórtica é sobre- dros mais graves ou fatais de descompensação
carga de volume e pressão, enquanto que a cardíaca. Ao se tornarem incompetentes para
insuficiência mitral é pura de volume. Cargas sustentar débito adequado, sobrevém insufi-
volumétrica ou pressórica impõem caracterís- ciência cardíaca, esquerda ou direita. Pela lei
ticas próprias à cavidade, isto é, adaptação à de Laplace (Capítulo IV), a tensão parietal no
sobrecarga de volume se faz por aumento da ca- ventrículo esquerdo é diretamente proporcio-
vidade desproporcional à espessura da parede; na nal ao produto da pressão pelo volume e in-
sobrecarga pressórica a espessura da parede pre- versamente proporcional à espessura da pare-
domina sobre eventual aumento de volume (Fi- de. Isto é,tanto mais espessura, menor tensão
gura VI-13). parietal desenvolvida . Embora a hipertrofia
Hipertrofia e dilatação (remodelamento restaure a tensão parietal em direção ao nor-
volumétrico) compensam para cargas mecâ- mal, o aumento na massa miocárdica predis-

Sobrecarga de volume Sobrecarga de pressão

Ventrículo direito (VD)

VD
VE VD VE

FIGURA VI-13. “Esquerdização” do


ventrículo direito (VD) é o remode-
lamento conseqüente a uma sobre-
carga de pressão dessa câmara,
Ventrículo esquerdo (VE) enquanto que sobrecarga de volu-
me no ventrículo esquerdo (VE) lhe
causa uma “direitização”. Essas mo-
dificações obtidas cronicamente
atendem a uma conformação geo-
VD VE VD VE métrica mais eficiente para tratar
com volumes ou pressões elevados.
Sobrecarga de pressão no VE e de
volume no VD apenas acentuam
mais as características geométricas
dessas cavidades (Gottschall 1995).
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põe o miocárdio à isquemia, especialmente em


Fibras normais
casos de sobrecarga pressórica, pois há aumen-
to na relação entre as fibras e a luz das arterío-
las e capilares, e neoformação vascular menor
que proliferação das proteínas contráteis, tra-
zendo “diluição” de vasos na massa miocárdi-
ca, o que limita a reserva coronariana e expli-
ca o porquê das manifestações clínicas e ele-
trocardiográficas de isquemia miocárdica, tão
freqüentes em pacientes sem coronariopatia Fibras hipertrofiadas
mas com hipertrofia concêntrica do miocárdio.
Na hipertrofia, o fluxo coronariano total
pode aumentar em valor absoluto, embora
permaneça de 80 a 100ml/100g de miocár-
dio. Na hipertrofia importante, o fluxo san-
guíneo miocárdico geralmente é normal em
repouso, mas anormal durante estresse hemo-
dinâmico, especialmente na camada subendo-
cárdica. Com o tempo, uma subperfusão epi-
sódica pode levar ao dano miocárdico. Sem
precisar invocar-se diminuição intrínseca da
contratilidade, existem várias alterações no
interstício do miocárdio hipertrofiado que
podem explicar a função contrátil diminuída,
incluindo aumento da quantidade de tecido
conjuntivo, aumento da distância de difusão FIGURA VI-14. A hipertrofia miocárdica aumenta a dis-
tância para a difusão do oxigênio até o centro da miofi-
capilar ao músculo e maior rigidez miocárdi- brila. Como a superfície da membrana não cresce na
ca. Isto é, quando tecido fibroso aumenta anor- mesma proporção que o volume celular, diminui relati-
malmente, a contração e o relaxamento miocár- vamente a área para a transferência intra e extracelular
de íons, por exemplo Ca++, necessários para manter o
dico ficam comprometidos por forças de inércia . processo contrátil normal (Gottschall 2005).
A impossibilidade de a fibra ultrapassar
diâmetro de 50m é atribuída a retardo na libe-
ração de oxigênio, devido à grande distância
para difusão até o centro do miócito, o que pertrofia, e, ao elevar-se a freqüência nessses
diminuiria sua nutrição e prolongaria o tem- casos, o miocárdio sofre conseqüências da hi-
po de recuperação energética além de limites póxia.
toleráveis (Figura VI-14). Vários estudos de- Considera-se que os principais mecanismos
monstram que o aumento da duração do po- reguladores da hipertrofia cardíaca são: a)
tencial de ação é a alteração mais óbvia no modulação hormonal; b) ativação dos recep-
miocárdio hipertrofiado, e teria como objeti- tores adrenérgicos; c) regulação da carga.
vo fornecer um nível aumentado de ativação a) Modulação hormonal: Agentes como
para a contração, pois a diminuição da rela- corticosteróides da supra renal, insulina ou
ção entre superfície e volume reduz a propor- hormônio do crescimento, e principalmente
ção da área eletricamente efetiva para a entra- o hormônio tireóideo, têm sido considerados
da de cálcio por unidade de volume celular. como iniciadores, mediadores ou mantenedo-
Provavelmente por isso a freqüência cardíaca res da hipertrofia cardíaca. O hormônio tire-
é menor que no normal em presença de hi- óideo desencadeia a formação de um mensa-
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geiro RNA novo que pode levar à neo-síntese à sobrecarga e subcarga, é razoável supor que
proteica. Entretanto, não existe nenhuma evi- a carga seja um importante regulador da mas-
dência direta de que algum destes fatores te- sa cardíaca. Quatro linhas de evidência suge-
nha papel primário na iniciação ou manuten- rem que a carga cardíaca aumentada é um es-
ção da hipertrofia cardíaca, o que não exclui tímulo primário para a hipertrofia. Em pri-
atuação permissiva para alguns deles. Porém, meiro lugar, o aumento do comprimento do
deve enfatizar-se que, na avaliação de um pa- músculo denervado isolado aumenta a síntese
pel regulador potencial do hormônio da ti- de proteínas. Segundo, em corações isolados
reóide ou de qualquer outro hormônio circu- e perfundidos, estiramento miocárdico por
lante, torna-se extremamente difícil dissociar pressão aórtica elevada é o indicador mecâni-
os supostos efeitos tróficos destes agentes de co mais intimamante associado com síntese
seus efeitos inotrópicos conhecidos, que po- proteica aumentada. Terceiro, diminuições na
dem regular a massa cardíaca através de um carga miocárdica, sem alterações seletivas nas
aumento na carga hemodinâmica. catecolaminas neurais ou circulantes, resultam
b) Ativação dos receptores adrenérgicos: A em reversibilidade na estrutura e função car-
ativação dos receptores adrenérgicos é impor- díacas. Finalmente, miócitos adultos cultiva-
tante na iniciação e manutenção da insuficiên- dos num substrato deformável – que permita
cia cardíaca. Estudos em células cultivadas de manipulação do comprimento da célula e da
músculo cardíaco neonatal de ratos demons- carga –, demonstram crescimento hipertrófi-
tram que os efeitos alfa1 específicos das cate- co pela deformação celular. Assim, considera-
colaminas produzem aumento no tamanho se que a carga hemodinâmica resulta em alte-
celular e concentração de proteínas. Entretan- ração na tensão parietal regional e que este
to, a regulação do crescimento do miócito ju- estímulo mecânico é convertido em um ou
venil pode não se aplicar para o adulto. Se- mais sinais bioquímicos capazes de alterar a
gunda linha de evidência provém de que, em massa cardíaca. O influxo de sódio e cálcio
ratos espontaneamente hipertensivos, os fato- induzido pela deformação pode ser um sinal
res adrenérgicos desempenham papel primá- precoce da transformação da carga celular em
rio na modulação da hipertrofia em resposta à hipertrofia.
hipertensão. Porém, tais resultados, em ani- Com o retorno da carga a um valor nor-
mais geneticamente programados, podem não mal, tanto na sobrecarga aguda quanto crôni-
se aplicar em humanos que desenvolvem hi- ca, costuma ocorrer regressão da hipertrofia à
pertrofia após sobrecarga pressórica de longa morfologia e função normais, desde que o pro-
duração. Terceira linha de evidência emerge cesso não tenha progredido para insuficiência
de que doses subpressoras de noradrenalina cardíaca. Na reversão da hipertrofia do ven-
produzem hipertrofia cardíaca em cães. Con- trículo esquerdo há redução no conteúdo e
tudo, na ausência de controles estritos, não concentração de RNA das células musculares,
dá para excluir aumento da tensão parietal denotando redução do conteúdo de proteínas
ventricular desse efeito. Deste modo, não há contráteis, enquanto a quantidade de hidro-
certeza de um papel primário das catecolami- xiprolina – que é um indicador da concentra-
nas na iniciação ou manutenção da hipertro- ção de fibras colágenas – permanece em geral
fia cardíaca no coração adulto, havendo, em inalterada; portanto, sua concentração aumen-
contrapartida, demonstrações de que nem as ta com a regressão da hipertrofia. A reversão
catecolaminas circulantes nem as locais são não deteriora a função cardíaca, já que de-
necessárias para o desenvolvimento da hiper- pende de diminuição da carga, tornando-se
trofia cardíaca por hiperpressão. proporcional a esta. Diante destas consta-
c) Carga : Como o miocárdio responde tações, torna-se claro que a hipertrofia e a
com hipertrofia ou hipotrofia, respectivamente atrofia cardíacas são a resposta adaptativa
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básica do miocárdio a sobrecarga ou sub- zidos dos receptores beta-adrenérgicos nos lin-
carga hemodinâmicas impostas e que as al- fócitos periféricos e alfa2 nas plaquetas. Estes
terações funcionais e anatômicas que ocor- achados indicam atenuação do comando adre-
rem com elas são completamente reversíveis, nérgico e resultam de desregulação dos recep-
quando do restabelecimento das condições tores beta-adrenérgicos em resposta à prolon-
normais de carga. Isto é, o miocárdio é um gada elevação dos níveis de catecolaminas cir-
tecido dinâmico cujas propriedades anatômi- culantes ou ao acoplamento alterado dos re-
cas e funcionais definem-se e redefinem-se con- ceptores beta-adrenérgicos cardíacos, quan-
tinuamente por um amplo espectro de condi- do ativados à geração da AMPc. Contudo,
ções de carga. tais alterações na função dos receptores beta-
3) Hipersimpaticotonia: As catecolami- adrenérgicos parecem ser mais o efeito do
nas são o principal regulador endógeno do que a causa da IC, porque a densidade des-
estado inotrópico (Capítulo VII). Em nor- ses receptores, na realidade, aumenta duran-
mais, durante exercício moderado, a con- te a hipertrofia por sobrecarga de pressão e
centração de noradrenalina (NA) plasmáti- insuficiência cardíaca inicial. Os alfa2 po-
ca não se modifica ou aumenta muito pou- dem ter grande significado em presença de
co mas em pacientes com insuficiência car- hipersimpaticotonia, como ocorre na insu-
díaca congestiva (IC) encontram-se grandes ficiência cardíaca.
aumentos, presumivelmente devido à ativi- A biossíntese de noradrenalina (NA) se
dade do sistema adrenérgico. O inverso processa através de uma série de passos da
ocorre no exercício máximo. Também, nos tirosina para dopa e desta para dopamina, o
pacientes com IC em repouso ocorre eleva- precursor imediato do neurotransmissor.
ção marcada da excreção de NA, indicando Sabe-se que a tirosinahidroxilase, que cata-
aumento da atividade adrenérgica, e essa lisa a reação tirosina para dopa, é a enzima
elevação correlaciona com o grau de disfun- limitante na síntese de NA. Redução mar-
ção ventricular esquerda, relacionando-se cada na atividade desta enzima acompanha
diretamente com a mortalidade. Por outra, a depleção de NA nos corações insuficien-
drogas anti-adrenérgicas, como propanolol tes, e isso parece ser responsável pela dimi-
ou guanetidina, intensificam as manifesta- nuição cardíaca de NA na insuficiência car-
ções de IC. Todos esses fatos demonstram díaca (IC). Em vista do forte estímulo ino-
que a atividade adrenérgica é importante trópico exercido pela NA, o sistema nervo-
para manter ou estimular a contratilidade so adrenérgico pode ser considerado como
miocárdica quando esta se deprime. Isto é, importante fonte de suporte para o miocár-
o aumento crônico do tono simpático, ou seja, dio insuficiente. Entretanto, os incremen-
da atividade beta-adrenérgica para estimular tos na freqüência cardíaca e na força con-
a elevação da freqüência cardíaca e a contra- trátil que ocorrem em animais com IC expe-
tilidade miocárdica, quando os mecanismos de rimental e depleção de NA cardíaca, pela in-
compensação anteriores falham, representa a fusão desse agente, não se reproduzem com o
última tentativa de ajustamento circulatório . estímulo dos nervos cardíacos simpáticos. Re-
Entretanto, a concentração e o conteúdo de servas cardíacas de NA não são fundamental-
NA nos tecidos atrial e ventricular em pa- mente necessárias para manter o estado con-
cientes com IC costumam estar reduzidos a trátil do miocárdio mas – desde que a redução
menos de um terço do normal, devido à das reservas de NA na IC se associa com uma
pequena quantidade de NA liberada em re- liberação diminuída de neurotransmissor –
lação ao impulso que transita pelas termi- esta depleção de NA torna-se responsável pela
nais simpáticas no coração. Ainda, na IC se perda do suporte adrenérgico necessário ao
encontram número e responsividade redu- coração insuficiente.
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Pressões, volume e peso são significativa- BASES ULTRA-ESTRUTURAIS DA


mente maiores nos corações hipertrofiados que INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
nos normais. Para manter uma adequada fun-
ção de bomba, o coração necessita responder Em última análise, a marca fundamental da
às catecolaminas com aumentos de velocida- insuficiência miocárdica é a depressão das rela-
de e força de contração, ou seja, aumentar a ções entre força e velocidade, o que reflete redu-
contratilidade. Em pacientes com hipertrofia ção do estado contrátil do músculo cardíaco, ou
miocárdica inicial por pós-carga cronicamen- seja, diminuição de contratilidade . Esta situa-
te elevada, o valor da fração de ejeção costu- ção pode ser compensada por muito tempo
ma ser igual ou maior que para indivíduos pela atuação dos outros determinantes da fun-
normais. Contudo, a hipertrofia diminui a ção cardíaca (Capítulo V). A insuficiência car-
eficiência das miofibrilas e, num estágio mais díaca (IC), porém, reflete uma incompetên-
avançado, a dilatação se acompanha de perda cia global da bomba cardíaca, resultante de
irreversível de energia contrátil e se indispo- grande agressão ao miocárdio ventricular – seja
nibiliza para produzir trabalho mecânico du- por sobrecarga, dano tóxico, infeccioso ou is-
rante a contração. Excessivo estiramento, ao quemia –, cujo início provoca mecanismos
produzir alta tensão de repouso, danifica o compensatórios capazes de manter a eficiên-
músculo, produzindo perda de energia con- cia do coração por longo tempo antes de sur-
trátil que seria utilizada para atingir a neces- gir inequívoca falência. Anormalidades intrín-
sária velocidade de encurtamento muscular secas e extrínsecas provocam o envolvimento
(Figura VI-15). Assim, os corações hipertrofi- de vários mecanismos celulares que podem
ados apresentam diminuição da resposta con- levar à falência generalizada: mudanças na
trátil à infusão de catecolaminas, quando com- matriz extracelular, alterações ultra-estruturais,
parados aos normais. Isto é, quanto maior a hipertrofia celular, anormalidades no comple-
massa cardíaca, menor a capacidade de o cora- xo excitação-contração, deficiência na utiliza-
ção responder com aumentos de contratilidade . ção de energia, alteração na responsividade

1,2

1,0

Normal (15)
0,8 HV (11)
Velocidade (Lo/seg)

ICC (11)
0,6

FIGURA VI-15. Relações força-velocida-


0,4 de em músculos papilares de 15 gatos
normais, 11 com hipertrofia ventricular
(HV) e 11 com insuficiência cardíaca con-
0,2 gestiva (ICC). Note-se a nítida diminuição
da contratilidade (Vmax) na HV e mais
ainda na ICC. As barras verticais repre-
sentam um desvio padrão a partir da mé-
dia (redesenhado de Spann, Buccino,
Sonnenblick e Braunwald 1967, Gottschall
0 1 2 3 4 5 6 1995).
Carga (g/mm2)
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A MASCIA GOTTSCHALL © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

neuro-humoral celular, perda de miócitos por vos mensageiros RNA. Receptores ou senso-
apoptose, ou morte programada, e necrose, res sarcomerais sensíveis à distensão, como o
mais ou menos nessa ordem (Figura VI-16). disco Z e sua proteína LIM, transmitem estí-
Alteração na geometria e na eficiência mecâ- mulos mecânicos produzidos por sobrecargas
nica do coração constitui o chamado remode- pressóricas prolongadas que são transforma-
lamento, que geralmente antecede ostensiva dos em sinais de crescimento. A distensão tam-
IC, pois o exercício contínuo dos mecanismos bém estimula um trânsito iônico aumentado
compensatórios é autolimitado por uma com- pela célula, principalmente de cálcio. Fatores
binação de intensidade e tempo. Isto é, o qua- transcricionais que atuam nas regiões promo-
dro da insuficiência cardíaca avançada associa- toras do DNA são ativados por quinases sina-
se intimamente com o desenvolvimento conco- lizando seqüências como a rota mitogênica
mitante de uma série de anormalidades meta- proteinoquinase-ativada (MAP).
bólicas miocárdicas e circulatórias neuro-humo- A rota MAP é constituída por um grupo
rais, ressaltando a ativação adrenérgica e do sis- de três ou mais enzimas para o qual conver-
tema renina-angiotensina-aldosterona. gem a maioria dos caminhos promotores de
Crescimento celular ocorre em resposta a crescimento e muitos dos sinais pró-sobrevi-
estímulo de receptores da membrana por ago- vência. A cascata da MAP transporta os sinais
nistas circulantes ou sintetizados no coração. dos receptores da superfície celular por uma
Forças biomecânicas agindo no miócito de- série de quinases que fosforilam seqüencial-
terminam sinais que tornam a sobrecarga pres- mente fatores de transcrição e ativam a próxi-
sórica geradora de hipertrofia concêntrica, e a ma quinase até alcançar o complexo MAP. Este
sobrecarga volumétrica geradora de hipertro- fosforila e faz transitar os sinais de transcrição
fia excêntrica, por hipertrofia longitudinal do citosol para o núcleo, onde atuam na re-
predominante. Provavelmente distorções pre- gião promotora do DNA, ativando protoon-
coces na microarquitetura da matriz extrace- cogenes, para formar mRNAs que transpor-
lular ativam sistemas sinalizadores que estimu- tam complexos transcricionais para os ribos-
lam transcrição nuclear para a síntese de no- somas onde as cadeias polipeptídeas são cons-

Lesão miocárdica

Disfunção miocárdica

Carga aumentada
Perfusão sistêmica reduzida

Neurohormônios, Citoquinas
Distensão mecânica

Expressão gênica Crescimento e Toxicidade, Isquemia, FIGURA VI-16. Passos


alterada remodelamento Depleção para o desenvolvimento
de insuficiência cardía-
ca por alteração (remo-
Apoptose Necrose delamento) e destruição
(necrose) miocárdicas
(modificado de Braun-
Morte celular wald 2000).
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truídas, que, por sua vez, orquestram conse- permanente. Na sobrecarga volumétrica com
qüências pró-sobrevivência ou pró-apoptose. dilatação, a célula aumentada longitudinal-
A estimulação da família MAP libera alguns mente parece não compensar bem para de-
componentes como ERK que promove espe- mandas por mais hipertrofia e acaba surgindo
cificamente crescimento mas outros são pró- insuficiência. Na miocardiopatia dilatada a
apoptóticos. Sinais de crescimento incluindo causa é inexplicada mas o efeito é aumento da
angiotensina-II (A-II) e insulina também es- cavidade e da tensão parietal. Na miocardio-
timulam fatores transcricionais via rota MAP, patia hipertrófica, a causa é genética.
no caso da A-II, e via Akt, no caso da insuli- Havendo dilatação, o comprimento dos
na. Encontram-se outros fatores citosólicos, sarcômeros aproxima-se do máximo, desen-
como NF-kB, que quando ativado desloca-se volvendo-se aumento da tensão parietal com
para o núcleo onde promove a formação de desbalanço na razão suprimento/demanda de
um grande número de genes que estimulam oxigênio e alterações no metabolismo do cál-
muitas vias promotoras de crescimento. Ou- cio. Distendido, o miocárdio funciona nos li-
tros, como insulina e IGF-1, se unem com um mites da curva de Frank-Starling e qualquer
grupo receptor para insulina, a qual promove aumento na Pd2 não é seguido por aumento
crescimento e inibe apoptose através das qui- no desempenho. A rigidez por alterações vis-
nases PI-3 e Akt. Ocorrem subtipos de fatores coelásticas do miocárdio produz anormalida-
alternativos hipertróficos e anti-hipertróficos, des no enchimento e no relaxamento do ven-
em atuações não bem entendidas. Óxido nítri- trículo esquerdo, causando disfunção diastó-
co sintetizado no sistema nervoso autônomo lica, cujo resultado é hiperpressão atrial e ca-
fortalece a atividade do parassimpático mas, pilar pulmonar, ligada à severidade da
produzido em excesso, como no choque sép- dispnéia. Ressalte-se que nenhuma anormali-
tico, assume efeitos inibitórios na contração e dade isolada – seja defeito primário intrínse-
no metabolismo mitocondrial. co da célula, seja defeito miocárdico com efei-
A transição da hipertrofia miocárdica ou tos secundários na mesma – explica de modo
do estado compensado para ostensiva dilata- completo a descompensação funcional do
ção com insuficiência cardíaca ocorre por uma miocárdio hipertrofiado. Isto é, a combinação
combinação de fatores e não por uma causa de defeitos no metabolismo do cálcio e na efi-
isolada. Essas condições podem ser agrupadas ciência miocárdica, juntamente com perfusão e
como ligadas a carga sustentada e progressiva, distensibilidade tecidual anormais, é que desen-
isquemia relativa (de demanda), disfunção cadeiam a descompensação.
diastólica, fatores neuro-humorais. No início, Começando a cair o volume sistólico e o
o equilíbrio pode manter-se por longo tem- débito cardíaco, reduz-se o enchimento arte-
po. Uma carga pressórica excessiva, como na rial, o que diminui a sinalização inibitória pe-
hipertensão arterial sistêmica, é inicialmente los reflexos barorreceptores e aumenta a su-
compensada por hipertrofia concêntrica e premacia simpática, com vasoconstrição sis-
eventualmente alguma dilatação ventricular. têmica, ativação do sistema renina-angioten-
Grau extremo de hipertrofia sensibiliza o mio- sina-aldosterona (SRAA), reabsorção renal
cárdio para uma série de anormalidades que aumentada de sódio e sua retenção. A ativa-
podem causar fibrose miocárdica e insuficiên- ção do SRAA produz o potente vasoconstritor e
cia miocárdica devido a uma reserva corona- peptídeo mitogênico angiotensina-II (A-II),
riana comprometida, causadora de hipóxia que eleva a resistência periférica e aumenta a
focal e fibrose por desbalanço suprimento/de- pós-carga, estimula hipertrofia de miócitos,
manda de oxigênio, mais nas zonas subendo- apoptose, fibrose intersticial, remodelamento
cárdicas. A hipóxia e a fibrose focal determi- cardíaco e vascular e secreção de aldosterona,
nam aumento da rigidez da câmara e dano que, por sua vez, também estimula o remode-
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A ASCIA
M OTTSCHALL
G
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lamento cardíaco, a proliferação de fibroblas- mento cardíaco e vascular, estimula o sistema

tos e a deposição de colágeno. A-II é liberada renina-angiotensina-aldosterona e aumenta a

por miócitos em resposta ao estresse biomecâ- ativação de fibroblastos cardíacos. Citocinas

nico, sendo: a) a mais importante das várias pró-inflamatórias sistêmicas e cardíacas, como

proteínas Gq ligadas a receptores agonistas que fator de necrose tumoral (TNF)-alfa e inter-

ativam a proteinoquinase C e a cascata de cres- leucina (IL)-1B, aumentam na insuficiência

cimento associada a esta, que conduz a quina- cardíaca estimuladas pela ativação neuro-hu-

ses MAP que fosforilam fatores de transcri- moral. Na insuficiência cardíaca aguda isto

ção; b) age de maneira autócrina para promo- tende a manter a pressão arterial e a função

ver sua própria síntese e crescimento celular; cardíaca. Na insuficiência crônica, causam re-

c) libera outros fatores de crescimento, como modelamento hipertrófico e apoptose, o que

endotelina e TGF-B, este promovendo cresci- provoca adicional lesão miocárdica e diminui-

mento do tecido fibroso. O aumento do teci- ção da função cardíaca. Respostas ao aumen-

do conjuntivo formado em resposta a A-II, to da TNF-alfa incluem caquexia e miopatia

TGF-B e outros fatores de crescimento indu- da musculatura esquelética, enquanto que

zem à formação de colágeno que forma fibro- aumento da IL-1B causa inflamação miocár-

se, o que limita a função diastólica além da dica, proliferação celular e apoptose, contri-

simples rigidez. O processo de remodelamen- buindo para o remodelamento ventricular e a

to se estende às artérias e arteríolas, que se progressão da insuficiência. TNF-alfa e outras

enrijecem devido a aumento da camada mus- citocinas ativam a sintetase do óxido nítrico,

cular, mediado por estímulo pressórico e A- cujo aumento exagerado pode diminuir a fun-

II. Mobilização do cálcio tem importante pa- ção cardíaca.

pel na vasoconstrição. Estas alterações aumen- Em decorrência da continuada hiperativi-

tam a rigidez passiva dos ventrículos e das ar- dade simpática diminuem número e sensibi-

térias piorando a disfunção diastólica. Além lidade de receptores beta1 adrenérgicos mio-

disso, a aldosterona reduz a reutilização neu- cárdicos, causando dessensibilização miocár-

ronal de noradrenalina, contribuindo para o dica ao estímulo adrenérgico e induzindo à

aparecimento de arritmias na insuficiência expressão de citocinas pró-inflamatórias TNF-

cardíaca (IC). A ativação crônica do sistema alfa, interleucinas-1 e 6 (IL-1 e IL-6), as quais

simpático na IC e o conseqüente aumento da podem deprimir a contração cardíaca e pro-


·
pós-carga, da freqüência cardíaca e do V O mover dilatação. Interessante é que dose bai-
2
miocárdico sobrecarrega um miocárdio já in- xa de betabloqueadores parece restaurar o nú-

suficiente e provoca mais hipertrofia, isque- mero e sensibilidade dos receptores beta1 adre-

mia, taquiarritmias e dano miocárdico por so- nérgicos na superfície do miocárdio, modu-

brecarga de cálcio ou apoptose. lando positivamente a resposta cardíaca ao es-

Concentração elevada de noradrenalina, de tímulo adrenérgico.

angiotensina-II e estímulos osmolares causam Apoptose ou morte celular programada é

liberação pela neuro-hipófise do hormônio promovida por rotas de receptores de morte e

vasopressina sintetizado no hipotálamo, com por liberação mitocondrial de citocromo c.

conseqüentes vasoconstrição, retenção hídri- Ambos podem convergir no caspase-3 o qual

ca e hiponatremia por diluição. Moléculas si- deforma os núcleos celulares tornando-os cor-

nalizadoras, como angiotensina-II, noradrena- pos apoptóticos seguidos de morte celular.

lina, vasopressina, interleucina-1 estimulam a Citoquinas como interleucina-1 e –6 e TNF-

produção de endotelina que, agindo sobre re- alfa podem ter efeitos celulares protetivos ou

ceptores específicos, também causa constrição destrutivos, mediados por diferentes rotas e

na musculatura lisa, tem potencial mitogêni- dependentes da intensidade e duração da es-

co e estimulante do crescimento e remodela- timulação citoquínica do receptor TNF. Cor-


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ticotrofina-1 estimula outro receptor, gp 130, Na insuficiência cardíaca, as vias de sinali-


a mediar uma via protetiva. zações compensatórias, como estiramento
No coração insuficiente, a expressão gêni- mecânico da parede (hipertrofia, expansão de
ca reverte para o padrão fetal, com metabolis- volume), estímulo adrenérgico (aumento da
mo mais dependente da glicose que de ácidos freqüência cardíaca, da contratilidade, expan-
graxos. A ciclagem do cálcio adentro e afora o são de volume, hipertrofia), sistema renina-
retículo sarcoplasmátio fica comprometida por angiotensina-aldosterona (expansão de volu-
suspensão da tomada de cálcio pela SERCA, me, hipertrofia), endotelina (hipertrofia), ci-
diminuindo a ação do receptor rianodina – toquinas (hipertrofia) trazem junto efeitos bio-
provavelmente pelo estado hiperadrenérgico –, lógicos adversos. São estes: a) no estresse pa-
o que ajuda a explicar a hipocontratilidade. A rietal por estiramento, remodelamento e cres-
duração do potencial de ação é prolongada, cimento, apoptose, expressão alterada de ge-
possivelmente o resultado da inibição da corrente nes; b) por estímulo adrenérgico, efeitos tóxi-
de repolarização Ito. Canais de cálcio tipo-L no cos miocelulares, apoptose, remodelamento e
músculo ventricular hipertrófico têm um baixo crescimento, expressão alterada de genes; c)
valor de pico com repolarização retardada. A hi- por aumento da angiotensina-II, apoptose,
pertrofia pode regredir diminuindo a carga, como remodelamento e crescimento, expressão al-
abaixamento da pressão arterial, ou correção de terada de genes, deposição de colágeno; d) por
uma estenose aórtica. Porém, bloqueio dos re- maior produção de endotelina, crescimento e
ceptores da angiotensina é mais efetivo que be- remodelamento, expressão alterada de genes;
tabloqueador para a regressão, sugerindo que o e) por efeito das citoquinas TNF-alfa e inter-
sistema renina-angiotensina e A-II têm um im- leucinas, apoptose, inflamação, crescimento e
portante papel no desenvolvimento e tratamen- remodelamento, expressão alterada de genes,
to da hipertrofia ventricular humana. ativação de metaloproteinases desestabilizado-
No coração hipertrofiado insuficiente há ras da matriz extracelular, intensificando o re-
expressão de fenótipo fetal com a capacidade modelamento ventricular.
de os ventrículos produzirem peptídeo na- Desde que a insuficiência cardíaca se acom-
triurético atrial (PNA) e peptídeo natriuréti- panha freqüentemente por redução em: a)
co cerebral (PNC). PNA é liberado por pres- depósitos cardíacos de noradrenalina; b) den-
são aumentada – causando distensão, aumen- sidade miocárdica de beta-adrenoceptores; c)
to do estresse parietal e estiramento dos mió- sensibilidade miocárdica a catecolaminas; d)
citos – atuando nos átrios e, com menor in- resposta inotrópica a impulsos nos nervos car-
tensidade, nos ventrículos. Estimula a guani- díacos adrenérgicos, as curvas de função ven-
latociclase vascular a provocar vasodilatação e tricular não podem elevar-se a níveis normais
diurese. Parte da molécula é semelhante à A- pelo estímulo do sistema nervoso adrenérgi-
II, sendo que o PNA antagoniza efeitos da A- co, e o aumento de contratilidade que deveria
II, incluindo vasoconstrição e liberação de al- ocorrer no exercício se atenua ou não aparece.
dosterona. PNC é também liberado a partir Os fatores que tendem a aumentar o enchi-
do ventrículo insuficiente e tem propriedades mento ventricular no exercício, em normais,
similares às do PNA. Adrenomedulina é ou- empurram a curva de função do miocárdio
tro vasodilatador e natriurético peptídeo re- insuficiente ainda mais para a direita ao longo
centemente identificado. Entretanto, na insu- de sua já aplanada curva comprimento-ten-
ficiência cardíaca, os benefícios desses três pep- são, ou volume-pressão, e, embora o desem-
tídeos vasodilatadores são sobrepujados por penho ventricular esquerdo possa melhorar
estímulos opostos vasoconstritores e retento- um pouco, isto só ocorre com elevação do
res de sódio, como A-II, endotelina, vasopres- volume diastólico e da pressão diastólica final
sina e aldosterona. e, por conseqüência, da pressão capilar pul-
166 CARLOS ANTONIO M ASCIA GOTTSCHALL © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

monar (Figuras VI-10 e VI-11, vide Figura Sarnoff S, Berglund E. Starling´s law of the heart studied
X-4). Isto é, a elevação da pressão capilar pul- by means of simultaneous right and left ventricular
function curves in the dog. Circulation 1954; 9:706-
monar intensifica a dispnéia e limita a inten- 718.
sidade do exercício, tornando-se fatal a insu- Sarnoff S, Mitchell J. The regulation of the performance
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de função ventricular deprime-se até o ponto Sarnoff S, Mitchell J. The control of the function of the
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VII
CAPÍTULO

Controle Neural do Coração


e da Circulação

Epaz mçãode termos puramente mecânicos, o cora-


é uma bomba aspirante-premente ca-
balancear o seu produto final – o volu-
integrativa do sistema nervoso central onde
estão localizados os núcleos essenciais para o
controle da circulação e da pressão arterial, os
me de sangue ejetado na circulação na unida- quais recebem e mandam projeções para todo
de de tempo, chamado débito cardíaco (DC) o cérebro, sendo a regulação neural pelo siste-
– numa ampla faixa. Considerando-se que um ma nervoso central o resultado das ações des-
indivíduo normal bem treinado, em exercício ses núcleos cerebrais sobre os neurônios pré-
máximo, pode aumentar seu DC seis vezes e ganglionares simpáticos, localizados na medula
que os tecidos podem aumentar sua diferença espinhal, e sobre os corpos celulares dos neu-
artério-venosa (dif. A-V) de O2 três·vezes, se- rônios pré-ganglionares parassimpáticos loca-
gue-se que o consumo de O2 tecidual (VO2) pode lizados no tronco cerebral. Essas influências
aumentar dezoito vezes só por esses dois meca- agem por seus efeitos cárdio-aceleradores e
nismos, uma vez que, pela fórmula de Fick, V·O2 cárdio-inibidores mediados pelo sistema ner-
= DC x dif. A-V de O2 (Capítulo VI). voso central e sistema nervoso autônomo (sim-
Embora o débito cardíaco seja o resultado da pático e parassimpático), barorreceptores e
multiplicação da freqüência cardíaca (FC) pelo quimiorreceptores aórticos e carotídeos e ou-
volume sistólico de expulsão ventricular (VS), tros, e medula adrenal, cujas descargas esti-
os efeitos desses dois componentes não são iguais. mulam ou inibem o sistema excito-condutor
Enquanto a FC pode aumentar linearmente cerca do coração e o miocárdio, e produzem vaso-
de 3 a 5 vezes até o V·O2 máximo, o VS só au- dilatação ou vasoconstrição de artérias e veias.
menta cerca de 1,5 vezes. Assim, dentro de um Adicionalmente, interferem para regular o
mesmo estado funcional, as variações do VS volume sanguíneo e a pressão arterial em co-
pouco alterariam o débito cardíaco (DC). É o nexão com o sistema renina-angiotensina. Por
aumento da FC, com suas modificações ineren- sua vez, as peculiaridades anátomo-funcionais
tes na contratilidade miocárdica, o mecanismo dos diversos segmentos do aparelho cardiovas-
predominante capaz de aumentar o débito e, cular e as modificações locais do metabolismo
portanto, a oxigenação tecidual (Vide Figura VI- vascular e tecidual orientam a distribuição dos
8). Isto é, a ritmicidade própria do coração seria fluxos circulatórios no sentido de maior ou
intocada e inefetiva para modificar o DC sem a menor oferta e drenagem sanguínea.
conexão com os estímulos externos.
As variações da freqüência cardíaca e da
contratilidade miocárdica dependem de in- RECEPTORES E SINALIZADORES
fluências neurais e humorais externas que, por
sua vez, também influenciam o sistema vas- Cada vez mais fica evidente que respostas fi-
cular. O tronco cerebral constitui uma área siológicas representam a ponta de um iceberg
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 169

de ações bioquímicas e metabólicas celulares rem-se via uma proteína da superfamília de


extremamente complexas e inter-relacionadas proteínas G – estimuladoras, inibidoras ou
das quais apenas pequena parte é aparente e modificadoras de sistemas enzimáticos locali-
muito do relatado são hipóteses. Somente zados no citoplasma – a uma molécula efeto-
aqueles mecanismos mais conhecidos, com ra, a qual produz um segundo mensageiro in-
interesse direto para o assundo desenvolvido, tracelular. Este mensageiro ativa proteinoqui-
serão discutidos aqui. nases que, por sua vez, regulam os níveis de
Os dois maiores braços do sistema nervoso cálcio citosólico e outros íons, alterando a ati-
autônomo são o sistema estimulante ou adrenér- vidade de organelas, como canais ou retículo
gico e o sistema inibidor ou colinérgico . O siste- sarcoplasmático. A soma total desses proces-
ma adrenérgico libera dois neurotransmisso- sos convertendo um hormônio extracelular ou
res, adrenalina e noradrenalina, enquanto o estímulo neural em uma mudança fisiológica
neurotransmissor colinérgico é a acetilcolina. intracelular é chamada condução de sinal, a
Cada um desses sistemas conecta-se pela por- qual começa tipicamente com o agonista unin-
ção terminal de seus neurônios com as células do-se a um sítio receptor e inaugurando a ati-
da parte do coração ou vaso a ser controlada, vidade de um complexo sistema de mensagei-
descarregando seus mensageiros primários, ros sarcolemais e citosólicos, terminando com
respectivamente noradrenalina e acetilcolina uma ação funcional como contração ou rela-
– com efeitos opostos –, que transitam por xamento muscular (Figura VII-1). Ainda exis-
curtas distâncias na junção chamada sinapse tem outros sistemas de mensageiros para trans-
(junção sináptica) para a membrana das célu- portar diferentes sinais, como, por exemplo,
las cardíacas ou do músculo liso vascular. Nes- nos vasos sanguíneos, onde o óxido nítrico
sas regiões, os neurotransmissores atuam sobre formado na camada endotelial interna estimu-
sítios específicos da membrana, ou recepto- la a formação de guanosinamonofosfato cícli-
res. O ajuste entre a molécula estimulante, ca (GMPc) na camada muscular lisa, por isso
chamada agonista, e o receptor é específico, causando relaxamento (vasodilatação). Isto é,
como chave e fechadura. sistemas sinalizadores ligam a ocupação de um
Neurotransmissores e peptídeos regulado- receptor com mudanças na função biológica,
res ativam processos intracelulares ao ocupa- como contração muscular, vasoconstrição ou va-
rem um receptor na membrana celular e uni- sodilatação.

Agonista, Antagonista:
Receptor Noradrenalina, Acetilcolina
(1o mensageiro)

Efetor:
Adenilciclase,
Proteínas G Fosforilase,
Canais iônicos

ATP

AMPc
(2o mensageiro)

FIGURA VII-1. Exemplo de se-


qüência de transmissão de um
sinal intracelular do receptor até
Proteinoquinase Contração a efetivação da ação (Gottschall
Cálcio
(3o mensageiro) Relaxamento 2005).
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A MASCIA OTTSCHALL
G
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O conceito de receptor celular começou em xo de proteínas G capaz de passar o sinal do


1905, quando Langley intuiu que agentes li- beta-receptor para a adenilciclase por meio de
berados por terminais nervosas não atuam di- uma subunidade chamada alfa (existem subu-
retamente sobre células adjacentes. Em 1913, nidades beta e gama), que se combina com a
Ehrlich chamou de receptores grupos celula- GTP para aumentar a atividade da adenilci-
res que se uniriam com medicamentos, e em clase. A maior parte da adenilciclase se locali-
1948 Ahlquist propôs que a estimulação sim- za no citoplasma e, estimulada pela Gs, pro-
pática se faz interagindo com dois tipos de duz o segundo mensageiro do receptor da ati-
receptores, os alfa e os beta. Isto é, receptor é vidade beta-adrenérgica, adenosinamonofos-
uma molécula ou mais (porção especializada da fato cíclica (AMPc), a partir do desdobramen-
camada externa do sarcolema ou estendendo-se to da adenosinatrifosfato (ATP) produzida
por ele) capaz de reconhecer e reagir especifica- pelo ciclo dos ácidos tricarboxílicos (Ciclo de
mente com um agente agonista ou antagonista Krebs, capítulo III), que atua através de adi-
(primeiros mensageiros) e gerar um sinal que cionais sinais intracelulares e também produz
inicia cadeia de eventos culminando numa ação o terceiro mensageiro, proteinoquinase A, para
biológica . Geralmente, o efetor (proteínas in- aumentar o trânsito de cálcio citosólico (Ca-
tegradas da membrana que requerem fortes pítulo IV), aumentando a freqüência cardíaca
detergentes para quebrar as uniões hidrofóbi- e a contratilidade (Figura VII-2). Adenilcicla-
cas) é uma parte especializada da camada in- se é o único sistema enzimático que produz
terna ou situada dentro da célula, como o caso AMPc, requerendo baixa concentração de
dos receptores para o hormônio tireóideo. No ATP e magnésio como substrato. A maior par-
caso de drogas são inespecíficos e não bem te dos efeitos da AMPc são mediados por pro-
definidos. Como já dito, o ajuste molecular teinoquinases compostas de duas subunidades,
entre o agente e o receptor pode ser compara- regulatória e catalítica, que fosforilam várias
do a chave e fechadura, no qual o agonista é a importantes proteínas e enzimas. Fosforilação
chave e o receptor a fechadura. Isto é, a chave é a doação de um grupo fosfato para a enzima
abre a fechadura para produzir um efeito intra- considerada, um estímulo metabólico que
celular mediado por um segundo mensageiro. Um pode amplificar muito o sinal. Em contraste,
antagonista compete reversível ou irreversivel- uma segunda proteína unida à GTP, chamada
mente com o agonista pelo sítio receptor, e a Gi, é responsável pela inibição da adenilcicla-
vitória de um ou outro dependerá da respecti- se, revertendo seus efeitos, enquanto uma ter-
va concentração da substância. ceira pode unir receptores adrenérgicos com
As proteínas G unem guanosinatrifosfato outros, modificando sinais transcricionais e/
(GTP) e outros nucleotídeos guanina, sendo ou finalmente expressão gênica.
fundamentais para carregar o sinal do primei- AMPc tem muito rápido turnover, como
ro mensageiro e seu receptor e ativar o siste- resultado de um balanço dinâmico constante
ma enzimático ligado à membrana que pro- entre sua formação pela adenilciclase e a re-
duz o segundo mensageiro. Subunidades das moção por outra enzima, a fosfodiesterase.
proteínas G podem regular efetores diferen- Geralmente modificações direcionais no con-
tes, como adenilciclase, fosforilase C e canais teúdo tecidual de AMPc podem ser relacio-
iônicos. A tripla combinação beta-receptor, nadas com modificações direcionais na ativi-
complexo de proteínas G (vários subtipos) e dade contrátil do coração. Forscolina, um es-
enzima adenilciclase é chamada de sistema timulador da adenilciclase, aumenta a AMPc
beta-adrenérgico. Adenilciclase constitui um e a atividade contrátil. Adenosina, atuando
sistema enzimático transmembrana sarcolemal pelos alfa1-receptores, inibe a adenilciclase,
que responde à ação das proteínas G, a Gs es- diminui a AMPc e a contratilidade. Ainda, um
timulante e a Gi inibidora. Gs é um comple- número de hormônios ou peptídeos pode aco-
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1) Estímulo 6) Inibição
simpático vagal
Ca++ K+

b C
Membrana Membrana 8) Membrana
celular celular celular
G
Ge 3) Gi
5) 2) + AC 7) –

4) Proteinoquinase

AMPc ATP
Hiperpolarização
(mais negatividade)
Marcapasso e 9)
contratilidade

FIGURA VII-2. O estímulo simpático sobre o receptor beta-adrenérgico ativa um grupo de proteínas estimulantes
(Ge) que, atuando sobre a enzima adenilciclase (AC), desdobra a ATP em AMPc, a qual ativa uma enzima proteino-
quinase que abre o canal de cálcio, cuja entrada na célula estimula o marcapasso (nó sinusal) e a contratilidade
miocárdica. Inibição vagal ativa as proteínas inibidoras (Gi) que freiam a AC, diminuindo a entrada do cálcio. Outras
proteínas G abrem os canais de potássio, que sai da célula e a torna mais negativa, diminuindo o potencial intrace-
lular (hiperpolarização). A maior ou menor hiperpolarização requer, respectivamente, mais ou menos tempo para a
variação de cargas intracelulares atingirem o limiar de excitação da célula, assim diminuindo ou aumentando a
freqüência de descarga do marcapasso. Os números indicam a seqüência representada (Gottschall 2005).

plar-se com a adenilciclase independentemen- fugir, e resultam da liberação de noradrenali-


te do receptor beta-adrenérgico. São o gluca- na dos neurônios terminais de fibras pós-gan-
gon, hormônio tireóideo, prostaciclina (PGI2) glionares que saem dos gânglios estrelados di-
e um peptídeo relacionado com a calciotoni- reito ou esquerdo, e/ou da liberação de adrena-
na. Outro nucleotídeo cíclico, a guanosina- lina da medula adrenal. O reflexo automático
monofosfato (GMPc), atua como um segun- diante do perigo foi implantado em nossos ge-
do mensageiro para alguns aspectos da ativi- nes para evitar que sejamos feridos ou coisa pior,
dade colinérgica, sendo o segundo mensagei- e manter a espécie viva. Nos momentos estres-
ro do óxido nítrico no músculo vascular liso. santes decorrentes de reações emocionais, fami-
Estes mensageiros químicos estão presentes nas liares, profissionais e sociais também é liberada
células cardíacas em mínimas concentrações, adrenalina, como nos tempos primitivos.
a do AMPc sendo cerca de 10-9M e a do GMPc Os receptores adrenérgicos dividem-se em
de 10-11M. tipos alfa e beta, sendo que o estímulo cardía-
co provém de receptores beta-adrenérgicos,
que se dividem em beta1, estes cárdio-estimu-
SISTEMA SIMPÁTICO (EFEITOS lantes, e os beta2, principalmente extracardía-
CÁRDIO-ACELERADORES) cos, vasodilatadores arteriolares. Há dois ti-
pos de receptores alfa-adrenérgicos: a) os si-
O sistema adrenérgico ou simpático é assim de- tuados no sarcolema, pós-sinápticos ou pós-
nominado porque seus efeitos estão em “simpa- juncionais (alfa1); b) os situados nas varicosi-
tia” com estados de excitação, como levantar, dades terminais, pré-sinápticos ou pré-junci-
lutar, correr, emoções, enfim, uma cascata bio- onais (alfa2), ambos atuando mais no contro-
química que prepara o corpo para atacar ou le vascular.
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M OTTSCHALL
G
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Cerca de 20% do total dos beta-receptores vasoconstritora alfa-adrenérgica é antagoniza-


estão no ventrículo esquerdo e cerca de o do- da pelas influências vasodilatadoras dos recep-
bro dessa porcentagem está nos átrios. Nor- tores beta-adrenérgicos e dos receptores beta-
malmente, a maioria dos receptores vantricu- colinérgicos que levam a modificações no
lares são beta1, mas na insuficiência cardíaca metabolismo local do vaso.
pode duplicar a porcentagem dos beta2. A se- A ocupação dos receptores beta-adrenérgi-
qüência da sinalização pós-receptor beta1 é cos pelo agonista estimula a reação entre a
melhor entendida que a beta2, embora a esti- proteína G estimulante e a guanosinatrifosfa-
mulação dos receptores beta2 tenha efeitos si- to (GTP) para aumentar a atividade da enzi-
milares inotrópicos e lusitrópicos. Os beta2- ma adenilciclase que converte a ATP em ADP
receptores parecem ter maior capacidade em e AMPc, o segundo mensageiro que ativa a
ativar o sistema proteína G adenilciclase que proteinoquinase A. Esta quinase fosforila uma
os beta1, sendo o melhor ajuste obtido com o subunidade do canal de cálcio, abrindo-o para
agente sintético isoproterenol, em vez de com admitir mais íons cálcio no miócito e desen-
as catecolaminas naturais noradrenalina e adre- cadear o processo de contração, ao liberar o
nalina. No caso dos receptores beta1, a ordem cálcio armazenado no retículo sarcoplasmáti-
da atividade agonista é isoproterenol > adre- co. AMPc também fosforila a proteína fosfo-
nalina = noradrenalina, enquanto que no caso lamban do retículo sarcoplasmático, que faci-
receptores beta2 a ordem é isoproterenol > lita a tomada do cálcio por esse retículo. Ao
adrenalina > noradrenalina. Embora os recep- diminuir a hiperpolarização da célula pela
tores beta2 unam-se eficientemente com a entrada do Ca++, desencadeiam-se processos
adenilciclase pelas proteínas Gs, podem tam- celulares, como, por exemplo, descarga no nó
bém acoplar-se com as proteínas inibitórias Gi, sinusal e aumento da força contrátil do cora-
ao menos em situações experimentais. ção. Quanto mais cálcio mais força de contra-
O receptor alfa-adrenérgico tem um siste- ção. Assim, instensificam-se contração e rela-
ma mensageiro dual envolvendo 1,4,5trifos- xamento, o que explica os efeitos inotrópico e
fato de inositol (IP3) e um ativador da protei- lusitrópico positivos pela estimulação cardíaca
noquinase C. Adicionalmente, a estimulação beta-adrenérgica (Capítulo IV e Figura VII-2).
de outros receptores vasoconstritores, como Isto é, estimulação beta–adrenérgica via forma-
AII da angiotensina e endotelina, leva tam- ção de AMPc e ativação da proteinoquinase A
bém à liberação de IP3. Tais sinais são impor- aumenta a entrada de íons cálcio nas células
tantes para controlar o fluxo de cálcio no miocárdicas através dos canais de cálcio do retí-
músculo vascular liso, assim regulando o tono culo sarcoplasmático, por isso estimulando a con-
vascular e indiretamente a pressão arterial. No tração cardíaca (efeito inotrópico positivo). Esti-
músculo vascular liso, a fosforilação que ocor- mulação beta-adrenérgica também estimula a
re sob a influência da quinase miosínica de velocidade de tomada de volta dos íons cálcio
cadeia leve é um passo obrigatório para a va- para o retículo sarcoplasmático, fosforilando o
soconstrição promovida pelos receptores adre- fosfolamban. Assim, o cálcio citosólico diminui
nérgicos alfa1 e alfa2 ao atuarem pelo sistema .
muito, e o relaxamento diastólico se intensifica
mensageiro do IP3, o qual estimula o aumen- Em detalhes, a provável seqüência de even-
to do cálcio citosólico na musculatura lisa das tos dos efeitos inotrópicos positivos das cate-
artérias, a ativação da quinase da miosina de colaminas é: estímulo catecolamínico ® beta-
cadeia leve e a interação actina-miosina. (Ca- receptor ® modificações moleculares ® união
pítulo IV). No miocárdio, o IP3 não tem maior da GTP com a subunidade alfa da proteína G
papel fisiológico, embora na insuficiência car- ® subunidade alfa GTP estimula adenilciclase
díaca seu receptor no retículo sarcoplasmáti- ® formação de AMPc a partir da ATP ® ati-
co possa ser sobre-regulado. Essa influência vação da proteinoquinase dependente da
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 173

AMPc acoplada por uma proteína ancorante faz: a) via células do gânglio estrelado direito,
A-quinase ® fosforilação da proteína sarcole- aumentando a liberação de NA para áreas dos
mal p27 ® incremento da entrada de íon cál- nó sinusal e atrioventricular (AV); b) via célu-
cio através da abertura dos canais de cálcio las do gânglio estrelado esquerdo, liberando NA
voltagem-dependente tipo L ® maior libera- para o ventrículo esquerdo; c) via medula adre-
ção de cálcio cálcio-induzida através do recep- nal liberando adrenalina para todo o miocár-
tor RyR do retículo sarcoplasmático, acopla- dio. No miocárdio, como visto, essas cateco-
do com fosforilação do receptor RyR ® maior laminas atingem os receptores dos miócitos,
e mais rápido aumento da concentração de estimulam sinalizadores e aumentam o influ-
cálcio livre intracelular ® aumento da intera- xo de cálcio para dentro da célula. Como con-
ção cálcio-troponina C com bloqueio da tro- seqüência, aumentam a freqüência cardíaca, a
ponina I e desinibição do efeito da tropomio- velocidade do impulso elétrico através do nó
sina sobre a interação actina-miosina ® au- AV e de todo o sistema de condução, a con-
mento da intensidade e número de pontes cru- tratilidade miocárdica e a pressão arterial. Adi-
zadas interagindo com a atividade aumentada cionalmente, a adrenalina dilata as arteríolas
da miosina ATPase ® aumento da intensida- por meio de seus receptores beta-adrenérgi-
de e pico de desenvolvimento de força. De- cos. Também a NA tem um efeito dual, pois,
pois da sístole, o efeito lusitrópico é a conse- embora a circulante estimule beta-receptores,
qüência do aumento da fosforilação do fosfo- a liberada localmente tem potente efeito va-
lamban mediada pela proteinoquinase A. soconstritor através da estimulação alfa1-adre-
Por sua estrutura química semelhante, nérgica de artérias e veias. Os efeitos agudos e
adrenalina e noradrenalina (NA) são chama- crônicos da descarga adrenérgica estão relacio-
das de catecolaminas. Ambas atuam nos re- nados no Quadro VII-1 e na Figura VII-3.
ceptores beta-adrenérgicos cardíacos, princi- A noradrenalina (NA) é sintetizada em
palmente beta1. A estimulação simpática se pequenas saliências terminais na junção sináp-

QUADRO VII-1. Efeitos agudos da estimulação simpática


Setores Efeitos
1. Respiração Taquipnéia e hiperpnéia, aumentando a ventilação pulmonar para prover mais oxi-
gênio ao corpo
2. Coração e vasos Aumento da FC, da CM, do DC, da PA, vasoconstrição de órgãos viscerais e extre-
midades
3. Músculos Vasodilatação, maior oferta de O 2, aumento do estado contrátil para enfrentar a
ação
4. Sistema nervoso Aumento dos níveis de serotonina, dopamina, adrenalina, produção de midríase,
maior estado de alerta
5. Aparelho digestivo Glicogenólise hepática para prover mais energia aos músculos, interrupção da di-
gestão, cessação da fome
6. Suprarrenal Liberação de mais adrenalina e cortisol para manter a força muscular
7. Genitais Recolhimento, pois a força e a ação precisam ser dirigidas para a preservação
imediata da vida
8. Sistema imunológico Linfócitos produzem mais anticorpos, plaquetas aumentam ação antitrombogênica
9. Pele e fâneros Vasoconstrição produzindo palidez e esfriamento da pele; arrepio capilar para as-
sustar o inimigo
FC = Freqüência cardíaca DC = Débito cardíaco
CM = Contratilidade miocárdica PA = Pressão arterial
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A M ASCIA OTTSCHALL
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ATIVAÇÃO SIMPÁTICA

Emoção 1
Estresse
Pré-exercício

­ FC ­ Condução
Gânglio
estrelado E
Gânglio
2
estrelado D
2

NA

NA SA
NA
AV
NA
Medula 3 A
adrenal NA
­ Contratilidade NA
A
A

NA

(­ b)
b (Dilatação)
4 ­ Contratilidade
(Constrição)
a

FIGURA VII-3. Emoção, estresse, fase de pré-exercício aumentam a descarga de noradrenalina (NA) através dos
gânglios estrelados direito e esquerdo e de adrenalina circulante (A) produzida pela medula adrenal. NA atuando
no nó sinusal (SA) e no nó atrioventricular (AV) aumenta a freqüência cardíaca (FC) e a condução do estímulo pelo
sistema condutor. NA e A aumentam também a contratilidade miocárdica agindo sobre os beta-receptores ventri-
culares. NA produz vasoconstrição e A produz vasodilatação ao estimularem, respectivamente, os alfa-receptores
e os beta-receptores vasculares. Os números indicam a seqüência representada (Gottschall 2005).

tica dos neurônios do sistema nervoso adre- dominante e pode aumentar ou diminuir por
nérgico, mas não nas células miocárdicas, a neuromodulação, o que significa auto-inibir
partir da cadeia dopa > dopamina > aminoá- sua liberação e modular o excesso, atuando nos
cido tirosina, este captado da circulação. É receptores alfa2 pré-sinápticos, que são ativa-
armazenada em grânulos ou vesículas nessas dos retrogradamente. O mais poderoso neu-
varicosidades terminais para ser solta em maior romodulador é a angiotensina II, um vasocons-
ou menor grau por estímulo adrenérgico, tritor circulante que ajuda a controlar a pres-
como excitação, estresse ou exercício. Libera- são arterial, causando vasoconstrição por efei-
da das terminações nervosas e atuando via alfa- to direto nos receptores pós-sinápticos AII do
receptores pós-sinápticos, apenas pequena pro- sarcolema vascular. Exercendo uma neuromo-
porção da NA aparece no plasma, de vez que dulação negativa, os mensageiros locais ade-
a maior parte é retomada pelas varicosidades nosina e óxido nítrico – formado no endoté-
nervosas para rearmazenamento ou para ser lio normal durante exercício – diminuem a
metabolizada. Tem efeito vasoconstritor pre- liberação de NA, bem como esta diminui com
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o aumento da atividade colinérgica durante a teínas G com ele. Essa desconexão entre a es-
noite, ao serem estimulados os receptores pré- timulação do receptor com a atividade da ade-
sinápticos vagais dos neurônios terminais (Fi- nilciclase é chamada de desacoplamento. Des-
gura VII-4). sensibilização e ressensibilização ocorrem ra-
Um mecanismo de retroalimentação ate- pidamente porque dentro de minutos o re-
nua o grau de resposta pós-receptor para a es- ceptor se ressensibiliza por uma ação mediada
timulação beta-adrenérgica. Essa atenuação pela proteinoquinase A, ativada pela AMPc.
fisiológica que termina o sinal beta-receptor Tais mudanças em curto prazo podem ocor-
em minutos ou segundos é chamada de des- rer em presença de crise emocional ou exercí-
sensibilização e ocorre porque, com a estimu- cio súbito, para ajustar os efeitos da estimula-
lação sustentada, a quinase beta-agonista ção beta e prevenir os riscos dos excessos, como
(BARK), normalmente encarregada da fosfo- arritmias severas ou letais. Prolongada dessen-
rilação do receptor, tem sua afinidade desvia- sibilização pós excessiva estimulação de recep-
da para outra família de proteínas, as arresti- tores adrenérgicos, como durante infusões lon-
nas, que modificam a configuração molecular gas de agentes simpaticomiméticos, pode ser
do receptor, dificultando a interação das pro- explicada pela seqüestração do receptor, cha-

Despolarização Vago

Estímulo Inibição

NA

NO
b2, A-II Adenosina

Retomada a2

NA
A Angio-II

a1

b2 A-II

Músculo
vascular liso

Vasodilatação Vasoconstrição

FIGURA VII-4. Neurônio adrenérgico terminal. A noradrenalina (NA) é armazenada em grânulos no neurônio sim-
pático e liberada no espaço sináptico entre o neurônio e o músculo liso da parede arterial. Estimulam a liberação:
despolarização elétrica, estímulo sobre os receptores beta2-adrenérgicos e sobre os receptores A-II da angiotensi-
na. Inibem sua liberação: estímulo vagal, óxido nítrico e adenosina. A NA tem efeitos vasoconstritores agindo sobre
os receptores alfa1-adrenérgicos pós-sinápticos. A NA também estimula receptores alfa2 pré-sinápticos, inibindo
sua própria liberação – para modular o excesso –, por retomada pela célula. Pode ser poderosamente substituída
pela angiotensina II (capaz de bloquear a liberação de NA), que age sobre os receptores específicos A-II. A adrena-
lina circulante tem efeitos vasodilatadores, estimulando receptores beta2-adrenérgicos mas também receptores
pré-sinápticos do nervo terminal que promovem livramento de NA. Estimulação colinérgica atua inibindo a libera-
ção de NA, causando, desse modo, vasodilatação (modificado de Opie 2004).
176 C ARLOS A NTONIO MASCIA OTTSCHALL
G © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

mada internalização, e mesmo degradação li- qüência cardíaca, a contratilidade e portanto


sossomal. Adicionalmente, o receptor inter- o débito cardíaco; porém, eleva a pós-carga,
nalizado pode participar na sinalização do cres- devido ao aumento da resistência periférica
cimento porque a arrestina forma um com- causado pela vasoconstrição arterial resultan-
plexo com o beta-receptor e com tirosinoqui- te do estímulo alfa-adrenérgico periférico. O
nases, por esse meio unindo-se a uma protei- efeito é uma elevação da pressão arterial e es-
noquinase amitogênica. Assim, estimulação tímulo dos barorreflexos para diminuir a fre-
prolongada de beta-receptores pode produzir qüência cardíaca; como conseqüência, o dé-
crescimento, enquanto perde resultados fisio- bito cardíaco não se modifica ou até diminui
lógicos, como efeitos inotrópicos ou lusitró- um pouco. Quando só os nervos simpáticos
picos. Embora os efeitos beta-arrestina sejam do coração, e não os da periferia, são estimu-
melhor descritos para receptores beta2, tam- lados, aumentam a freqüência cardíaca, a pres-
bém ocorrem numa extensão menor nos beta1. são sistólica do ventrículo esquerdo e a dP/dt.
Isto é, estas modificações de sinais pós-receptores A pressão sobe por incremento do débito car-
podem ajudar a explicar alterações patológicas díaco (Figura VII-6). Com o exercício, o estí-
no sistema de sinalização beta-receptor na insu- mulo alfa-adrenérgico tende a perder para o
ficiência cardíaca. beta-adrenérgico, ocorrendo vasodilatação
Os efeitos das catecolaminas no exercício periférica como resultado final. No estresse
decorrem principalmente da ação da adrena- emocional, o aumento da demanda de oxi-
lina. Liberada pela medula adrenal em resposta gênio miocárdico é mediado por uma com-
a emoções ou exercício, a adrenalina estimula binação de atividade alfa e beta-adrenérgi-
o coração e causa vasodilatação arterial, redu- ca. Em indivíduos normais, domina a se-
zindo a resistência periférica. O resultado fi- creção de adrenalina, e a taquicardia é acom-
nal é um decréscimo da pressão arterial dias- panhada por um volume sistólico aumenta-
tólica e um eventual aumento da sistólica por do, vasodilatação periférica e pequenas mo-
aumento do débito cardíaco (Figura VII-5). dificações da pressão arterial. Entretanto, em
Por sua vez, a noradrenalina aumenta a fre- hipertensos ou limítrofes, o estresse emo-

PAS
140 125
mmHg
10

85
Débito cadíaco (l/min)

9 PAD
mmHg
ml ou cpm

VS 8
100

7
DC 14 RVP
6 din·seg·cm-5
FC
60 5 10

0,2 1,0 2,0 6,0 0,2 1,0 2,0 6,0


FIGURA VII-5. Infusão intravenosa de adrenalina aumenta: 1) a freqüência cardíaca (FC), por ação discreta sobre o
nó sinusal (a noradrenalina tem mais ação taquicardizante); 2) proporcionalmente mais o volume sistólico (VS), por
aumento da contratilidade miocárdica; 3) mais ainda o débito cardíaco (DC), porque este é o produto da FC x VS;
4) diminui marcadamente a resistência vascular periférica (RVP) por ação vasodilatadora através dos beta-recep-
tores vasculares; 5) por isso, a pressão arterial diastólica (PAD) diminui um pouco; 6) apesar do grande aumento do
DC a pressão sistólica (PAS) sobe minimamente (redesenhado Freyschuss, Hjemdahl e Juhlin-Dannfelt 1986).
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180
PA
(mmHg)

0
2 min FIGURA VII-6. Efeitos agudos
do estímulo do gânglio estrela-
200 do direito causam: 1) aumento
VE marcado na freqüência cardía-
(mmHg) ca (FC), por ação sobre o nó si-
nusal; 2) grande aumento na
0 contratilidade miocárdica (dp/
dt), por estímulo dos receptores
beta-adrenérgicos miocárdicos;
3) em função do aumento da
+10.000 contratilidade, elevam a pressão
sistólica do ventrículo esquerdo
dp/dt
(VE); 4) conseqüentemente, há
(mmHg/s) 0
aumento das pressões arteriais
–10.000 (PA) sistólica (a mesma do VE)
e diastólica, através de vaso-
constrição causada por estímu-
250 lo sobre os receptores alfa-adre-
FC nérgicos vasculares (reproduzi-
(cpm) do parcialmente de O’Neill e
125 Paterson 1996, Opie 2004).

cional pode levar a substancial aumento da tos vasodilatadores da adrenalina circulante


pressão. simultaneamente liberada (por exemplo, exer-
Como seria de esperar, o controle cardio- cício). A adrenalina age preferencialmente nos
vascular global é um balanço complexo. O efei- beta2-receptores vasodilatadores das arterío-
to beta-adrenérgico noradrenalínico estimula las coronárias e do músculo esquelético, mas
os nós sinoatrial e atrioventricular, a condu- tem efeito nos alfa-receptores vasoconstrito-
ção pelos feixes de His e Purkinje e a contrati- res de outros vasos de resitência e veias. O efei-
lidade miocárdica, dilata artérias coronárias, to predominante, porém, é vasodilatador.
musculares esqueléticas, esplâncnicas e geni- Contudo, em arteríolas do leito esplâncnico,
tais, e constringe as renais. Já o efeito alfa-adre- a adrenalina também estimula receptores alfa1-
nérgico não age sobre o sistema excito-con- adrenérgicos para causar vasoconstrição, des-
dutor do coração, pode aumentar um pouco sa forma ajudando a desviar sangue de tecidos
a contratilidade miocárdica e constringe os não musculares para musculares durante exer-
territórios arteriais e venosos. Embora a nora- cício.
drenalina também estimule os receptores
beta2-adrenérgicos, a vasoconstrição predomi-
na, provavelmente porque os receptores alfa1 SISTEMA PARASSIMPÁTICO
ficam mais perto das terminais nervosas que (EFEITOS CÁRDIO-INIBIDORES)
os beta2 e/ou porque os receptores alfa1 estão
em maior número e atividade que os beta. Chamam-se vagais ou colinérgicos os efeitos des-
Entretanto, há variações individuais, tenden- te sistema cuja função precípua é antagonizar o
do a predominar os efeitos vasoconstritores nos simpático, produzindo resultados inversos ao
indivíduos propensos à hipertensão. No mús- da estimulação simpática – daí a denomina-
culo liso vascular, os efeitos vasoconstritores ção parassimpático –, e resultam da liberação
da noradrenalina são antagonizados pelos efei- do neurotransmissor acetilcolina pelas termi-
178 CARLOS ANTONIO M ASCIA G OTTSCHALL © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

nais parassimpáticas, que atuam via recepto- envolve dois nucleotídeos cíclicos opostos,
res vagais ou muscarínicos. Denominam-se AMPc e GMPc, sendo que muitos efeitos da
muscarínicos porque respondem ao compos- estimulação vagal sobre o receptor muscaríni-
to químico complexo muscarina, derivado de co são explicados pela ação da GMPc, o se-
certos cogumelos. Isto é, há sucessivos impedi- gundo mensageiro direto da acetilcolina, que
mentos que podem limitar a potencialmente pe- inibe o canal de cálcio.
rigosa superatividade do sistema beta-adrenér- O sítio principal da ação parassimpática no
gico, incluindo a autolimitação (neuromodula- coração é no nó sinusal (SA), onde exerce in-
ção) iniciada pelo próprio receptor e a atividade fluência inibidora, ao diminuir a liberação de
do sistema colinérgico parassimpático . Outros noradrenalina pelo processo de neuromodu-
sinais inibitórios incluem óxido nítrico, ade- lação nos neurônios terminais (Figura VII-7).
nosina e opióides. Interação entre os sistemas A acetilcolina ativa o desdobramento da GTP
parassimpático e simpático em nível celular em GMPc, que se une à subunidade inibitó-

ATIVAÇÃO PARASSIMPÁTICA

Sono
1
Repouso
Treinamento

Nervo vago ¯ FC ¯ Condução

AC ¯ Contratilidade
(discreta)
SA AC

AV

­ canal K+ AC
Coração
¯ AMP c
AC
3

¯ liberação NA
Arteríolas (Vasodilatação)
­ NO endotelial
4

FIGURA VII-7. Sono, repouso, treinamento aumentam a descarga de acetilcolina (AC) sobre os receptores vagais
ou muscarínicos dos nós sinusal (SA) e atrioventricular (AV), arteríolas e miocárdio. Ao inibir o simpático, o efeito
da AC sobre a excitação-condução diminui a freqüência cardíaca (FC) e a condução do estímulo elétrico. No
miocárdio, estimula a abertura dos canais de K+, aumentando a hiperpolarização, e diminui a atividade da AMPc,
com prejuízo da entrada de Ca++ na célula, ações que fazem diminuir a contratilidade. Nas arteríolas, provoca
queda da liberação de noradrenalina e aumento da liberação de óxido nítrico, ações combinadas que causam
vasodilatação. Os números indicam a seqüência representada (Gottschall 2005).
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 179

ria alfa (Gi). Esta, então estimulando a enzi- clase a produzir GMPc, que, como visto, di-
ma GTPase, quebra a subunidade alfa estimu- minui o cálcio citosólico, causando efeito ino-
lante (Gs), diminuindo a atividade da adenil- trópico negativo. Nos vasos sanguíneos, esse
ciclase e a formação de AMPc. Outra subuni- processo relaxa a musculatura lisa, provocan-
dade, beta-gama, ativa o canal acetilcolínico do vasodilatação. (Na insuficiência cardíaca,
para a saída do potássio, cujo fluxo para o ex- receptores beta2 podem atuar via Gi para li-
terior mantém o meio relativamente positivo mitar apoptose. Adicionalmente, adenosina,
fora da célula e relativamente negativo dentro por interação com receptores A1, acopla-se
da membrana do nó SA, causando o que é com Gi para inibir a contração e a freqüência
chamado de hiperpolarização. A hiperpolari- cardíaca. Porém, o receptor A2 da adenosina
zação diminui o ritmo cardíaco porque, ini- aumenta a AMPc. Este efeito, de pequena sig-
ciando-se o estímulo a partir de uma maior nificação no miocárdio, é de maior importân-
negatividade intracelular, a corrente de K + e cia no músculo vascular liso, onde produz va-
outras correntes requerem mais tempo de as- sodilatação. A Gi pode aumentar em insufi-
censão para atingir o limiar de despolarização ciência cardíaca pós-infarto experimental.)
espontânea que dispara o gatilho do marca- Sabe-se que opióides liberados no sistema
passo. Isso ocasiona retardo dos estímulos nos nervoso central participam na regulação car-
nós SA e atrioventricular e, portanto, da fre- diovascular, inibindo o simpático e estimulan-
qüência cardíaca, da velocidade de condução do o parassimpático. Os efeitos dessas subs-
pelos feixes de His e Purkinje, e produz pe- tâncias podem ser mediados em parte através
quena diminuição da contratilidade miocár- de receptores cardiovasculares locais, em res-
dica, assim invertendo a seqüência de eventos posta a condições de estresse fisiológico ou
provocada pelo estímulo simpático (Vide Fi- psicológico. Tais opióides endógenos, chama-
guras VII-2 e IV-11). O maior tono vagal nos dos endorfinas, estão envolvidos nos benefí-
atletas treinados explica a correspondente cios do treino cardiovascular, mediando o pré-
menor freqüência cardíaca. No ventrículo, a condicionamento pela ativação da rota pro-
seqüência colinérgica não é tão importante teinoquinase C. Na insuficiência cardíaca, a
porque os receptores muscarínicos são mais atividade dos opióides limita a ativação adre-
esparsos, sendo a inibição mais evidente quan- nérgica. Em animais, ativação de seus recep-
do a atividade da adenilciclase está aumenta- tores pode explicar a hibernação e, no homem,
da por prévia estimulação adrenérgica. Isto é, opióides como a morfina atuam além do alí-
a estimulação colinérgica atua mais para blo- vio da dor. Há três receptores, sendo dois en-
quear o excesso simpático no miocárdio. contrados no coração humano, o outro medi-
Estímulo parassimpático tem efeito vaso- ando sinais que enfraquecem a resposta dolo-
dilatador sobre as circulações coronariana, rosa. No coração, deprimem o sistema adre-
muscular esquelética, cólons e genitais e não nérgico pelo acoplamento com a proteína G
age sobre a circulação esplâncnica e renal. A inibidora, assim diminuindo a ativação da
vasodilatação é mediada pela liberação do si- adenilciclase decorrente da estimulação beta-
nalizador óxido nítrico, produzido pelo en- adrenérgica.
dotélio vascular sadio. Óxido nítrico, também
liberado por influência do exercício, e adeno-
sina ajudam no controle do tono vascular, o BARORRECEPTORES E
que é de fundamental importância na regula- QUIMIORRECEPTORES
ção da pós-carga. Isto é, ao interagir com o sis-
tema vagal, o NO adiciona proteção contra efei- Barorreceptores (baro, pressão) são terminações
tos adversos do excesso de estimulação adrenérgi- sensoriais especializadas que se localizam na ca-
ca. Também parece estimular a guanilatoci- mada adventícia de grandes vasos, como aorta e
180 CARLOS NTONIO
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bifurcação carotídea, e que respondem a altera- namento agudo das modificações da pressão ar-
ções na tensão da parede vascular. Uma vez esti- terial.
mulado, o sinal trafega por fibras aferentes re- Então, barorreflexos a partir de aumento

ceptoras mielinizadas e não mielinizadas dos da pressão arterial sobre o arco aórtico e uma

nervos depressor aórtico e sinusal, os quais se dilatação da artéria carótida chamada seio ca-

unem respectivamente aos nervos cranianos rotídeo – por exemplo, após descarga de no-

vago e glossofaríngeo em direção ao sistema radrenalina, ao tensionar células sensíveis des-

nervoso central. Os corpos celulares das fibras sas paredes – provocam respostas que enviam

aferentes aórticas e carotídeas localizam-se nos impulsos para um centro coordenador chama-

gânglios nodoso e petroso, respectivamente. do centro vasomotor que, por sua vez, desen-

Conseqüente a cada sístole arterial, a onda de cadeia estímulos vagais, liberando mais acetil-

pulso sobre as artérias estira esses receptores, colina na região do nó sinusal, diminuindo a

promovendo sua despolarização e asseguran- descarga simpática, a freqüência cardíaca, o

do reflexamente o controle pressórico momen- débito cardíaco e a resistência arterial perifé-

to a momento (Figura VII-8). Isto é, os baror- rica e restaurando a pressão arterial aos níveis

reflexos unem coração e vasos, funcionando como desejados. Isto é, pressão arterial aumentada >

mecanorreceptores, importantes para o tampo- barorreceptores > centro vasomotor > estímulo

REFLEXO BARORRECEPTOR

Emoção 1
Estresse
Pré-exercício

3
4

Vago
5 ­ PA

AC
Ativação 2
simpática
AC
SA

AV

¯ FC
¯ Condução
6 ¯ Contratilidade
¯ VS
¯ PA

FIGURA VII-8. Emoção, estresse, fase pré-exercício aumentam a atividade simpática que, por sua vez, eleva a
pressão arterial (PA). O impacto pressórico sobre a parede estimula os barorreceptores aórticos e carotídeos que
fazem, reflexamente, o vago descarregar acetilcolina sobre o coração, diminuindo a freqüência cardíaca (FC), a
condução do estímulo, a contratilidade miocárdica, o volume sistólico de expulsão (VS) e a PA, reequilibrando o
aparelho circulatório. Diminuição da PA causa estímulos no sentido inverso, fazendo-a aumentar. Os números
indicam a seqüência representada (Gottschall 2005).
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vagal > diminuição da freqüência cardíaca > rotídeo para terminar com uma taquicardia

diminuição do débito cardíaco > diminuição da atrial paroxística.

pressão arterial. Esta seqüência explica a ocor- Alterações na atividade quimiorreceptora,

rência de bradicardia reflexa durante elevação especialmente na hipóxia severa, promovem

aguda da pressão arterial, mesmo que esta seja ajustes reflexos no sistema cardiovascular e

resultado de estímulo vasoconstritor alfa1- respiratório, contribuindo para o controle da

adrenérgico. Efeitos opostos ocorrem quando ventilação e da pressão arterial, pois as fibras

cai o impacto pressórico sobre o arco aórtico aferentes dos quimiorreceptores juntam-se às

e os seios carotídeos (hipotensão, insuficiên- fibras dos barorreceptores para formar o ner-

cia cardíaca), os barorreceptores passam a es- vo do seio carotídeo, um ramo do nervo glos-

timular a vasoconstrição adrenérgica e aumen- sofaríngeo (Vide Figura III-4). Assim, a exci-

tam a freqüência cardíaca. Em ambas as situa- tação hipóxica dos quimiorreceptores aórticos

ções esses receptores tendem a restaurar a pres- e principalmente carotídeos produz hiperven-

são aos valores normais (Figura VII-9). Den- tilação e vasoconstrição com hipertensão sis-

tre os fatores que modulam a atividade baror- têmica, além de taquicardia. As células qui-

receptora, suprimindo-a, encontram-se o NO miossensíveis nos corpos carotídeos são irri-

endógeno e os doadores de NO, como a S- gadas por uma artéria originada da carótida

nitrosocisteína. Alterações na estrutura vas- comum, o que as mantém em estreito contato

cular e na distensibilidade podem ocorrer no com os gases sanguíneos. Essas células, de dois

arco aórtico e nas paredes das carótidas, por tipos, possuem grânulos citosólicos que con-

idade, arterioesclerose e diabete, diminuindo têm catecolaminas e secretam dopamina como

a atividade barorreceptora e contribuindo para o principal neurotransmissor, em resposta às

o desenvolvimento da doença hipertensiva. alterações dos componentes gasosos do san-

Este reflexo é a base da massagem no seio ca- gue. Uma variante (tipo I) estabelece sinapses

ADRENALINA INTRAVENOSA

20 mg/min

PAS

130
mmHg

100

80 FIGURA VII-9. Demonstração do


Barorreflexo reflexo barorreceptor. Infusão de
90 noradrenalina no homem aumen-
ta as pressões arteriais sistólica
cpm

70 (PAS) e diastólica, estimula o ba-


FC
rorreflexo, que faz cair a freqüên-
50 cia cardíaca (FC) e o fluxo san-
guíneo braquial (FSB), por dimi-
ml/100ml/min

5
nuição do débito cardíaco. Voltan-
do a pressão aos níveis prévios,
FSB diminui a influência sobre os ba-
rorreceptores, retornando tam-
bém FC e FSB aos valores con-
0 trole (redesenhado de Barnett,
10 20 30 40 Blacket, Depoorter, e cols 1950,
Minutos Opie 2004).
182 ARLOS
C NTONIO
A ASCIA
M OTTSCHALL
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com terminações aferentes do nervo do seio pressora. Só em 1934 esses achados começa-
carotídeo, o qual, como já visto, é estimulado ram a ser valorizados por Goldblatt ao provo-
quando ocorrem diminuições principalmen- car hipertensão experimental persistente em
te na PaO2 e, secundariamente, no pH e ou cães constringindo a artéria renal. Em 1940,
elevações na PaCO2. Braun-Menendez na Argentina e Page e Hel-
mer nos USA demonstraram ser a renina uma
enzima que, agindo sobre um substrato pro-
CONTROLE DO VOLUME tético plasmático descoberto por eles, catalisa
SANGUÍNEO E DA a formação de um peptídeo vasoconstritor,
PRESSÃO ARTERIAL chamado de hipertensina pelo argentino e de
angiotonina pelos americanos. Cerca de vinte
Ao lado da reação adrenérgica voltada para a anos depois a substância pressórica passou a
luta, animais e homens precisam defender-se con- chamar-se angiotensina e o substrato da reni-
tra a perda de água e sal. Se o volume circulan- na passou a chamar-se angiotensinogênio.
te diminuir, poderá haver insuficiência circu- O controle da pressão arterial envolve me-
latória. Se o volume de sangue for excessivo, o canismos como o volume sanguíneo, a secre-
coração será sobrecarregado. Para ajudar a re- ção de renina, a vasopressina e o fator natriuré-
gular o volume sanguíneo e a pressão arterial, tico atrial, entre outros hormônios, que mo-
a curto e longo prazo, há um mecanismo fi- dulam os componentes autonômicos simpá-
siológico de controle, o sistema renina-angio- ticos e parassimpáticos para o coração e para
tensina, o qual é estimulado fisiologicamente os vasos sanguíneos. Sendo a pressão arterial
no exercício intenso para conservar sódio e (PA) o produto da resistência vascular perifé-
água perdidos pelo suor. Nervos simpáticos rica (RVP) pelo débito cardíaco (DC), e o DC
renais têm funções múltiplas, participando na o produto da freqüência cardíaca pelo volu-
regulação da circulação renal, na filtração, na me sistólico – este dependendo do volume
reabsorção e na secreção de solutos e água, bem diastólico final e da contratilidade –, segue-se
como na secreção renal de substâncias vasoa- que a PA está sob a influência de todos esses
tivas. Essas fibras eferentes simpáticas são o fatores. A aorta tem um duplo papel no con-
braço de um sistema central de controle refle- trole da PA, tanto pelo que representa como
xo, cujas respostas dependem tanto de estí- componente da pós-carga (que não é só a re-
mulos aferentes periféricos como da integra- sistência vascular periférica), quanto pela sua
ção de estímulos centrais, os quais afetam a elasticidade, pois hipertensão sistólica no adul-
regulação do fluido corporal. to é o resultado direto da elasticidade dimi-
Em 1867, von Bezold e Hirt demonstra- nuída da aorta. Contudo, a RVP é o mais im-
ram que alcalóides do veratrum podem dimi- portante regulador da pressão arterial, e vaso-
nuir a pressão arterial e a freqüência cardíaca, constrição ou vasodilatação pela alteração da
efeitos que são prevenidos pela vagotomia. RVP aumenta ou diminui a PA porque esta é
Depois foi demonstrado que reflexos cardio- = RVP x DC (Capítulo II). Entretanto, a RVP
pulmonares a partir dos átrios, junções veno- é regulada pelo menos por três fatores: a) con-
atrial e miocárdio ventricular ativam fibras trole autonômico com constrição alfa 1–adre-
aferentes mielínicas e amielínicas que produ- nérgica mediada, em contraste com vasodila-
zem, respectivamente, reflexos simpaticoexci- tação vagal ou beta2–adrenérgica mediada; b)
tatórios e simpaticoinibitórios conseqüentes a neuro-hormônios vasoconstritores, como an-
variações na pressão arterial e na pressão de giotensina II; c) controle endotelial represen-
enchimento cardíaco. Em 1898, Tiegerstedt e tado pela endotelina vasoconstritora versus o
Bergman chamaram de renina uma substân- óxido nítrico vasodilatador. Frente a alterações
cia produzida pelo rim, causante de resposta na PA, o sistema nervoso central modula re-
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flexamente a atividade dos componentes au- guíneo é muito pequeno. Aqueles presentes
tonômicos simpático e parassimpático para os na região cardíaca estão diretamente envolvi-
diferentes leitos vasculares e o coração (Figura dos na liberação de fator natriurético atrial,
VII-10). Isto é, o controle da resistência perifé- enquanto os do fígado têm função ainda des-
rica e do débito cardíaco permite a esse mesmo conhecida. Os mecano e quimiorreceptores
sistema restabelecer os níveis normais de pressão renais também estão envolvidos no chamado
arterial. reflexo renorrenal, sugerindo que os nervos
Existem sensores que captam variações do renais inibem o tono simpático para o rim
volume extracelular e da pressão arterial. São oposto. Assim, receptores de alta e baixa pres-
mecanorreceptores situados na circulação cen- são unem-se ao sistema renina-angiotensina.
tral, no coração, no arco aórtico, no seio caro- Durante hipertensão aguda ou sobrecarga de
tídeo, no fígado e nos rins. Os estímulos tra- volume, a freqüência de descarga adrenérgica,
fegam por vias aferentes simpáticas e paras- a resistência vascular e a liberação de renina
simpáticas para o tronco cerebral onde são dos rins diminuem. Ao contrário, durante hi-
integrados e desencadeiam respostas que mo- potensão ou quando diminui o volume circu-
dulam a função renal. Variações no volume lante, descarga adrenérgica aumentada provoca
circulatório equilibram-se rapidamente por uma liberação de renina mediada por recep-
mecanismos efetores eferentes neurais e hu- tores beta, o que aumenta a angiotensina II,
morais (vasopressina, fator natriurético atrial, produzindo vasoconstrição periférica.
sistema renina-angiotensina-aldosterona). Os A renina é uma enzima (protease) deriva-
mecanorreceptores renais afetam a função re- da de seu precursor enzimaticamente inativo,
nal através da secreção de renina – mediada prorrenina. É sintetizada no rim pelas células
pela ativação dos receptores beta1 –, bem justaglomerulares na parede da arteríola glo-
como são capazes de ativar um segundo me- merular aferente, estrutura conhecida como
canismo pressor, que é a redução da natriure- “aparelho justaglomerular”. Fatores que dimi-
se. Receptores cardiopulmonares de baixa pres- nuem o volume sanguíneo e a pressão arterial
são reagem a modificações no volume sanguí- (baixa perfusão renal), como dieta hipossódi-
neo, alterando o valor da descarga autonômi- ca, hemorragia, insuficiência cardíaca conges-
ca, de modo que o hiperfluxo acompanha-se tiva, síndrome nefrótica e vasodilatação peri-
de diminuição da resistência vascular, com férica de diversas origens ativam a liberação
modificações inversas quando o volume san- de renina. É estocada e secretada pelos rins,

Barorreceptores SNC
Quimiorreceptores
R. cardiopulmonares

Vago Simpático

FIGURA VII-10. Esquema do


controle da pressão arterial por
meio de reflexos cardiovascula-
Freqüência Volume
res, da influência do sistema
cardíaca sistólico
nervoso central (SNC) – pelo
vago e simpático –, e de ações
sobre a resistência periférica, o
Débito cardíaco que inclui mecanismos miogêni-
cos vasculares e metabólicos
arteriolares e teciduais (redese-
Pressão Resistência nhado de Mauad, Cabral e Vas-
arterial periférica quez 1997).
184 C ARLOS NTONIO
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estimulando a conversão do polipeptídeo an- da liberação de noradrenalina quanto direta-


giotensinógeno, seu principal substrato, para mente nos receptores arteriais e é a mais im-
gerar no fígado outra proteína, o decapeptí- portante da família das angiotensinas, a longo
deo angiotensina I. O angiotensinógeno plas- prazo estimula a síntese de proteínas e pro-
mático é secretado pelos hepatócitos, e sua sín- move hipertrofia muscular da camada média
tese é influenciada por glicocorticóides, estro- das arteríolas, ações que se fazem quando age
gênios, hormônios tireoideanos e insulina. A sobre os receptores AT1, os quais são parte da
reação catalisada pela renina para formar an- família de receptores de hormônios peptídeos
giotensina I depende tanto da concentração ligados às proteínas G. Quando ocupados,
da própria renina quanto da concentração do promovem aumento do cálcio intracelular e
angiotensinógeno, que variam na saúde e na fosforilação de proteínas intracelulares. A de-
doença. A angiotensina I circulante, bem como gradação ou inativação das angiotensinas rea-
experimentalmente injetada em veia, é trans- liza-se por várias peptidases, nenhuma especí-
formada em angiotensina II, um potente va- fica. Para elevar a pressão arterial, a angioten-
soconstritor, pela enzima de conversão da an- sina II, além da vasoconstrição periférica (au-
giotensina, encontrada principalmente no leito mento da resistência), age por outros meca-
capilar do pulmão, no plasma, em vários flui- nismos, como facilitação da neurotransmissão
dos corporais, na retina, no cérebro, em célu- adrenérgica e inibição barorreflexa, e também
las endoteliais, rins, adrenal, intestino delga- diminuindo a excreção de sódio e água pelos
do, placenta e outros órgãos (Figura VII-11). rins e promovendo a liberação de aldosterona
Embora não seja a forma ativa fisiologicamen- (por isso atualmente usa-se mais a expressão
te, a angiotensina I costuma ser tão potente sistema renina-angiotensina-aldosterona). A
quanto a II sobre a musculatura lisa vascular e aldosterona provoca retenção de sódio, libe-
o córtex adrenal. ração de hormônio anti-diurético pela hipófi-
Para produzir seus efeitos, as angiotensi- se e de vasopressina pelo hipotálamo, ambas
nas, como outros hormônios peptídeos, inte- substâncias vasoconstritoras e, portanto, hi-
ragem com receptores na superfície de suas pertensoras (Figura VII-11). Há outras angi-
células alvo, genericamente designados como otensinas de efeitos menos intensos e menos
AT. A angiotensina II atua tanto por inibição claros.

¯ VS
¯ PA
¯ Na+

­ NA+
Córtex Aldosterona ­ H 2O
SR
­ Na+
Renina Sistema A-II
RIM ¯ Vasos ­ PA
R-A
HAD
Hipotálamo ­ VS

­ H 2O

FIGURA VII-11. Havendo queda intravascular do volume sanguíneo (VS), da pressão arterial (PA) ou do Na +, o rim
é estimulado a produzir renina que, por ação do sistema enzimático renina-angiotensina (R-A), produz angiotensi-
na-II (A-II) a qual age sobre o córtex suprarrenal (SR), diretamente sobre as arteríolas e sobre o hipotálamo. Na SR
favorece a produção de aldosterona a qual faz reter Na+ e H2O, nas arteríolas causa vasoconstrição, e através do
hipotálamo estimula a produção de hormônio anti-diurético (HAD), que tem ação vasoconstritora e também ajuda a
reter água. Essas ações reequilibram os níveis do Na+, da PA e do VS (Gottschall 2005).
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Existe uma terceira proteína G (Gq) que com o tono normal intrínseco da musculatura
se une a um grupo helicoidal de sete recepto- lisa das arteríolas . É a constrição ou dilatação
res miocárdicos, incluindo o receptor alfa-adre- dessas arteríolas que explica o aumento ou a
nérgico e aqueles para AII e endotelina, com diminuição da resistência vascular periférica
outra enzima associada à membrana, a fosfo- porque a resistência é inversamente relaciona-
lipase C, e dali à proteinoquinase C. Duas das da com a quarta potência do raio, segundo a
quatro isoformas da Gq se encontram no co- lei de Poiseuille (Capítulo II). O simpático
ração. Aumento da atividade da Gq no maca- exerce um tono constante, fisiológico, varian-
co conduz à miocardiopatia dilatada. Coinci- do de território para território, mas estímulos
dentemente, endotelina e AII são superativas fisiológicos vasodilatadores provenientes do
na insuficiência cardíaca humana, cujas fases endotélio se opõem ao simpático. Mais de 50%
iniciais envolvem hipertrofia do miócito e si- da queda da pressão arterial se dá nas arterío-
nalização apoptótica. Quanto aos miócitos las, com sua rica musculatura lisa, inervação e
cardíacos humanos, considera-se que recepto- endotélio, regulando a pressão arterial por va-
res acoplados à proteinoquinase C, como AII, sodilatação e vasoconstrição. Três estados pa-
podem ter um importante papel na regulação tológicos acompanhados de estímulo adrenér-
do crescimento do miócito e, às vezes, efeito gico aumentam a resistência vascular periféri-
inotrópico. ca: a) hipertensão arterial sistêmica; b) insufi-
Antes da descoberta da angiotensina, a hi- ciência cardíaca congestiva, quando o peque-
peratividade simpática era vista como o único no volume sistólico expulso pelo ventrículo
fator de hipertensão arterial. Hoje sabe-se que esquerdo ativa os barorreceptores aórticos e
pode haver hiperatividade simpática em sítios carotídeos; c) choque cardiogênico, pela mes-
diferentes e que esta correlaciona com o nível ma razão anterior.
de hipertensão primária no homem. Cada vez O conceito de reatividade vascular envol-
mais há evidência de interação renina-angio- ve resposta contrátil própria do músculo liso
tensina, sistema nervoso autônomo e endoté- arterial, o qual se organiza como unidade úni-
lio vascular. A tradicional visão do sistema re- ca com inervação simpática individual ou uni-
nina-angiotensina dependente da renina cir- dade múltipla com única fibra para o conjun-
culante de origem renal expandiu-se para in- to. São verdadeiros marcapassos por possuí-
cluir um sistema renina-angiotensina local ou rem automatismo, a despolarização se trans-
tecidual, que pode sintetizar angiotensina I mitindo para as fibras vizinhas e iniciando a
independentemente da renina circulante e de contração. A distensão do músculo liso vas-
seus substratos. O sistema renina-angiotensi- cular estimula o aumento do número de des-
na-aldosterona integra-se no sistema nervoso cargas, o que mantém o tono muscular inde-
periférico e central, potencializando sua ativi- pendentemente da inervação e de outros fato-
dade quando aumenta a degradação do NO res. Este chamado mecanismo de Bayliss é um
pela geração de ânions superóxidos. Isto é, o regulador autógeno (auto-regulação) do tono
óxido nítrico modula atividade do sistema ner- em regiões de brusca alteração pressórica. Por
voso central e periférico interferindo na função exemplo, aumento do débito cardíaco disten-
barorreceptora e no tono vasomotor . de a arteríola, que se contrai, aumenta a resis-
tência e diminui o fluxo. Também, mais fluxo
pode elevar o O2 e diminuir o CO2, causando
REGULAÇÃO PERIFÉRICA E vasoconstrição. Além da reatividade própria,
LOCAL DO FLUXO os vasos podem ser regulados por fatores oriun-
dos do endotélio, como o óxido nítrico, e por
O tono vascular normal é a soma algébrica de fatores produzidos nos tecidos, como a ade-
fatores constritores mais dilatadores interagindo nosina, isto é, vasos e tecidos trazem em si uma
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capacidade autóctone de regulação do fluxo san- quantidades de NO, que atua como mensageiro

guíneo. intracelular, ressaltando-se que a SNOn situa-se

Trabalhos pioneiros mostram que a remo- nas terminais encarregadas da neurotransmissão

ção do endotélio endocárdico de músculo pa- da noradrenalina, e a SNOe em células endote-

pilar isolado produz contração isométrica mais liais arteriais, venosas e capilares, endocárdicas e

curta, com menor pico de força e início pre- cardiomiócitos. As três isoformas requerem o

coce do relaxamento, sugerindo que tais mo- mesmo co-fator para a síntese do NO.

dificações poderiam dever-se à ausência de O NO é uma pequena molécula lipossolú-

substâncias produzidas ou secretadas por cé- vel de gás livre com vida média de 6 a 30 se-

lulas endoteliais ou endocárdicas. Duas têm gundos, tendo sua síntese aumentada pela ati-

sido mais estudadas, a endotelina e o óxido vação de células endoteliais sensíveis ao fluxo

nítrico. Situado entre o sangue circulante e o pulsátil e força de cisalhamento ( shear stress,
músculo liso vascular, o endotélio hoje é con- força de arrasto) exercida pela corrente san-

siderado um órgão endócrino ativo responden- guínea sobre o endotélio por aumento da car-

do a estímulos humorais, neurais e mecâni- ga cardíaca, por aumento da freqüência car-

cos, sintetiza e libera susbstâncias vasoativas díaca ou por efeito da bradicinina. Tem uma

que modulam ou ajustam o calibre vascular, a cascata de liberação complexa, envolvendo um

resistência periférica e o fluxo sanguíneo, com sistema de transdução com mensageiros secun-

papel ativo na regulação da pressão arterial. dários, que incluem as proteínas G, as quais

As substâncias vasoativas que libera são fato- fazem a conexão com a via fosfatidilinositol.

res relaxantes e fatores constritores. Os rela- O NO se difunde rapidamente para o múscu-

xantes são no mínimo três: NO, fator hiper- lo liso vascular para ativar a guanilatociclase

polarizante e prostaciclina (PGI2). Os cons- que converte a GTP em GMPc. O aumento

tritores são: endotelina, produtos da ciclooxi- da concentração intracelular desta provoca

genase, como endoperóxidos (PGH2), trom- relaxamento vascular e vasodilatação. Atingin-

boxane (TXA2), e espécies reativas de oxigê- do a corrente sanguínea, o NO difunde-se para

nio (EROS), como ânion superóxido (O-2). o eritrócito e é inativado pela hemoglobina.

O mais importante vasodilatador produ- Depois da ação, a GMPc é hidrolizada em

zido pelo endotélio, o óxido nítrico (NO), cuja GMP pelo nucleotídeo fosfodiesterase ou ex-

elucidação do papel fisiológico propiciou o pulsa da célula. Pensa-se que a formação de

Prêmio Nobel de 1998 aos seus descobrido- GMPc ocorre não só em resposta à estimula-

res, é sintetizado a partir da L-arginina no ção colinérgica mas também ao NO derivado

endotélio vascular e nos terminais nervosos do endotélio ou de doadores de NO, como

que o liberam (nervos nitroxidérmicos), bem nitratos. A ativação da proteinoquinase depen-

como em outros sítios do sistema nervoso, ou dente da GMPc provoca aumento no seqües-

em certas circunstâncias nos cardiomiócitos, tro de cálcio pelo retículo sarcoplasmático da

por meio de uma reação catalítica que envol- célula muscular lisa e redução no influxo de

ve uma família de enzimas polipeptídeas, de- cálcio pelos canais de cálcio para dentro da

nominadas sintases do óxido nítrico, das quais célula, diminuindo o cálcio intracelular dis-

são conhecidas três isoformas: endotelial ou ponível, desfosforilizando a miosina de cadeia

constitutiva (SNOe), neuronal (SNOn) e leve, e causando vasodilatação, diminuição da

induzível (SNOi). As sintases endotelial e indu- freqüência cardíaca e possivelmente um efei-

zível são cálcio-dependentes, encontram-se no to inotrópico negativo. Por isso, o sistema NO

miocárdio e envolvem-se em funções cardiovas- modula negativamente os efeitos cardíacos da

culares e neuronais normais mas a induzível in- estimulação adrenérgica. O NO também di-

depende do cálcio e liga-se a processos patológi- minui o metabolismo mitocondrial, com isso

cos. A SNOe e a SNOn sintetizam pequenas reduzindo a demanda miocárdica de oxigênio.


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Assim, o NO atua como um mensageiro estimula a da SNOi, pois quantidade aumen-


local para transmitir sinais do endotélio para tada de NO intensifica a oxidação e formação
o músculo liso vascular e como um modula- de radicais livres de oxigênio, como o peroxi-
dor em cada nível de controle neurogênico, nitrito e o ânion superóxido, funcionando
para inibir descarga simpática e diminuir a li- como estímulo inotrópico negativo. Os inibi-
beração de noradrenalina dos neurônios ter- dores da enzima de conversão da angiotensi-
minais. Também media vasodilatação induzi- na e os betabloqueadores melhoram a respos-
da pelo parassimpático porque é liberado pelo ta vasodilatadora por regular a produção da
endotélio normal em resposta à acetilcolina. SNOe nos cardiomiócitos.
A acetilcolina age estimulando um receptor Disfunção endotelial é uma condição fi-
muscarínico na célula endotelial, produzindo siopatológica desreguladora em que a ativa-
NO que difunde para o músculo vascular sub- ção endotelial se torna inapropriada, poden-
jacente e, relaxando-o, causa vasodilatação. do chegar à lesão estrutural do endotélio e até
Segundo Furchgott e Zawadski, o endotélio a seu desnudamento. Na disfunção endotelial,
íntegro é essencial para acetilcolina provocar a resposta normal à acetilcolina é substituída
vasodilatação. Sendo normal a função endo- por vasoconstrição paradoxal. São apontados
telial, esta responde à acetilcolina, bradicini- vários fatores causantes de disfunção endote-
na e oclusão temporária da artéria braquial lial, como hipóxia, estresse oxidativo e infla-
com hiperemia reativa. Estando lesado o en- matório. Lesão ou disfunção endotelial asso-
dotélio a acetilcolina é vasoconstritora. ciam-se à hipertensão arterial, fumo, dislipi-
Estudos em animais confirmam a impor- demia, diabete, hiperhomocisteinemia, ateros-
tância vasodilatadora fisiológica do NO, fun- clerose, menopausa, envelhecimento. A dis-
damental para a regulação do fluxo e da pres- função endotelial sinaliza para uma inapro-
são arterial. Adicionalmente exerce ação anti- priada resposta vasoconstritora da circulação
aterogênica e tromborresistente, prevenindo coronariana e proliferação da camada muscu-
adesão e agregação plaquetárias, regula proli- lar dos vasos, com conseqüente remodelamen-
feração e migração de células do músculo liso to, aumento da deposição de lipídios parietais
vascular, adesão de leucócitos e permeabilida- e possível trombose intracoronariana. Pode
de vascular a lipoproteínas. Pequenas doses de ocorrer diminuição da resposta vasodilatado-
NO provenientes da ativação da isoforma en- ra endotélio-dependente pela acetilcolina, cau-
dotelial parecem propiciar efeito inotrópico sada por menor atividade da SNOe. Como o
fisiológico, além de suprimir a apoptose e ini- fluxo pulsátil e a tensão de cisalhamento tam-
bir o consumo de oxigênio, por interferir no bém regulam a produção do NO, queda no
transporte de elétrons nas mitocôndrias. A débito cardíaco pode sinalizar para o início da
explicação pode ser: a) liberação de cálcio do disfunção endotelial que prejudicará a vaso-
retículo sarcoplasmático pelo mensageiro dilatação.
ADPribose e/ou; b) inibição de uma fosfodi- Espécies reativas de oxigênio (EROs) que
esterase miocárdica sensitiva à GMPc. Con- caracterizam o estresse oxidativo são represen-
tudo, alguns investigadores vêem o NO como tadas por: ânion superóxido, peróxido de hi-
tendo efeitos bidirecionais dose-dependente drogênio e peroxinitrito, entre outros. O
no estado inotrópico. Doses elevadas de NO estresse oxidativo provoca disfunção endote-
oriundas da ativação da isoforma induzível são lial e lesão em órgãos-alvo por inativar o NO,
citotóxicas, incentivando a apoptose e deple- provocar peroxidação de lípides (LDL oxida-
ção de miócitos. Em algumas situações anor- tiva), danificar o DNA e modificar proteínas.
mais, o NO pode ser sintetizado nos mióci- Também as EROs ativam vias de sinalização
tos, sendo que a hipóxia regula negativamen- intracelular relacionadas com produção de
te a atividade e expressão gênica da SNOe e células cardíacas, de músculo liso vascular e
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endoteliais, contribuindo para o remodela- Outros sistemas sinalizadores e outros sub-


mento vascular que ocorre na doença hiper- tipos de receptores também se envolvem na
tensiva sinalização da adenosina. Primeiro, recepto-
Proveniente do metabolismo tecidual, a res A1 acoplam com os canais de potássio sen-
adenosina é outro mensageiro vasodilatador síveis à acetilcolina para estimular a abertura
de produção local que causa hiperemia ativa desses canais e por isso exercer efeitos inibitó-
conseqüente a aumento do metabolismo ou rios nos nós sinoatrial e atrioventricular. Esta
hiperemia reativa conseqüente a suspensão inibição é a base do uso de adenosina no tra-
temporária do fluxo. A adenosina tem efeito tamento das arritmias de reentrada nodais.
vasodilatador direto tanto por suas ações nos Segundo, receptores A1 podem acoplar com
receptores adenosínicos das células muscula- o sistema proteinoquinase C e daí para o ca-
res lisas da parede vascular quanto pela inibi- nal de potássio ATP sensitivo, isso explicando
ção da liberação de noradrenalina. Quando as hipoteticamente seu papel no pré-condicio-
necessidades musculares ou miocárdicas de namento. Terceiro, receptores A3 também pré-
oxigênio aumentam fisiologicamente (como condicionam por meio da proteinoquinase C,
trabalho cardíaco aumentado), seja por esfor- porém sem os efeitos hemodinâmicos da esti-
ço físico, por ação catecolamínica, ou patolo- mulação dos receptores A1.
gicamente (como na isquemia), cai a pressão Mesmo numa visão resumida a reativida-
tecidal de O2 e a produção de adenosinatri- de vascular é complexa. Quando o cálcio au-
fosfato (ATP), que depende do metabolismo menta suficientemente na célula muscular lisa
aeróbico (ciclo de Krebs), acumulando-se ade- vascular ocorre vasoconstrição. Essa entrada é
nosinabifosfato (ADP). A hipóxia estimula a facilitada pelos receptores alfa1 e receptores
atividade da adenosinaquinase ou ATP/AMP da angiotensina II (AII), sob a influência da
fosfotransferase, que utiliza duas moléculas de noradrenalina liberada localmente. O recep-
ADP, formando uma de ATP e outra de AMP tor é ligado por uma proteína Gq com seu
(adenosinamonofosfato), através da estimula- efetor, fosfolipase C, que hidroliza o fosfatidil-
ção da adenilciclase, acumulando-se AMP na inositol, produzindo: a) formação do mensa-
célula. Os ésteres fosforados não conseguem geiro intracelular trifosfato de inositoal (IP 3),
abandonar as células mas, sob a influência da este estimulando a liberação de cálcio do retí-
enzima 5'-nucleotidase, a AMP se transforma culo sarcoplasmático; b) ativação da protei-
gradativamente em adenosina, a qual se di- noquinase C pelo seu deslocamento do esta-
funde das células para o meio intersticial, para do citosólico de repouso para o estado ativo
atuar no músculo liso arterial coronariano e locado na membrana; a proteinoquinase C
causar vasodilatação mediada pelos recepto- ativada pode regular o desempenho dos ca-
res A2. Esses receptores também são encon- nais iônicos, por exemplo, permitindo um in-
trados nos cardiomiócitos, embora sua estimu- fluxo aumentado de íons cálcio para sustentar
lação não mostre conseqüências funcionais. a contração vascular iniciada pelo IP3; no
Somente os receptores A1 acoplados à adenil- miocárdio, a proteinoquinase C é também
ciclase pela proteína Gi é que são funcionan- importante na resposta ao crescimento e no
tes no miocárdio. Isto é, a adenosina é o mais fenômeno autoprotetivo de pré-condiciona-
importante produto de desdobramento da ATP. mento; c) outro vasoconstritor é a endotelina
Tem funções protetivas múltiplas incluindo va- produzida pelo endotélio. O sistema mensa-
sodilatação coronariana compensatória. Também geiro para esses três receptores inclui a libera-
diminui a freqüência cardíaca atuando na cor- ção de IP3, para aumentar os níveis do cálcio
rente do potássio, inibe a corrente de cálcio e pro- intracelular. Induzem relaxamento muscular
vavelmente tem papel importante no pré-condi- vascular, produzindo vasodilatação: óxido
cionamento pela ativação da proteinoquinase C. nítrico (NO) em resposta à acetilcolina libe-
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rada pela estimulação parassimpática, o que vascular pela liberação de endotelina; outros
aumenta o nível de GMPc; AMPc aumenta- fatores endoteliais incluem prostaciclina e
da no músculo liso vascular, em resposta à es- tromboxane A2. A vasodilatação metabólica é
timulação beta-adrenérgica ou do receptor contrabalançada aproximadamente 30% por
adenosínico. Esses mecanismos vasodilatam vasoconstrição adrenérgica mediada por alfa-
porque diminuem os níveis de cálcio intrace- receptores.
lular (Figura VII-12).
Há um triplo controle da vasomotilidade que
se faz por neuromodulação, mediante receptores REGULAÇÃO CIRCULATÓRIA
vasculares e pelo endotélio: 1) neuromodulação, DURANTE O EXERCÍCIO
como visto, controla a liberação da noradre-
nalina vasoconstritora, cujo efeito é aumenta- A regulação circulatória durante o exercício se
do pela ativação adrenérgica e pela angioten- faz por desvios dos mecanismos que a asseguram
sina II; 2) nos receptores vasculares, agonistas em repouso. A fase pré-exercício dinâmico re-
vasoconstritores incluem atividade alfa1 e sulta em reflexos que aceleram a freqüência
alfa2-adrenérgica, angiotensina II e endoteli- ventricular devido à inibição vagal, aumentam
na, enquanto estímulo vasodilatador inclui a ventilação alveolar e o retorno venoso, pri-
atividade agonista beta2-adrenérgica com for- mariamente como resultado de venoconstri-
mação de AMPc (adenosina 3’,5’-monofosfa- ção simpática. Em pessoas normais essas ações
to) e a síntese de NO com a formação de servem para aumentar o débito cardíaco antes
GMPc (guanosina 3’,5’-monofosfato cíclica) do exercício, sendo que a seguir a hipersimpa-
via guanilatociclase; adenosina atuando nos ticotonia do exercício intensifica o estímulo
canais endoteliais de potássio auxilia na pro- do coração pelos beta-receptores, a freqüên-
dução de NO; GMPc inibe agregação plaque- cia cardíaca e a força contrátil. Como conse-
tária; 3) o endotélio promove ou vasodilata- qüência, mais sangue é bombeado na unidade
ção via NO ou, quando lesionado, contração de tempo, enquanto simultaneamente o estí-

Agentes Receptores Mensageiros Efeitos

Acetilcolina Vagal NO GMPc


Ca++
Adr+Noradren Beta-2
(vasodilatação)
Adenosina A2 AMPc

Noradrenalina Alfa-1
Ca++
Angiotensina II A-II IP3 (vasoconstrição)

Endotelina ET

FIGURA VII-12. Sistemas sinalizadores na célula do músculo liso arterial. Diminuição dos níveis de Ca ++ intracelu-
lar causa vasodilatação, enquanto aumento causa vasoconstrição. Em resposta ao estímulo colinérgico que libera
acetilcolina o endotélio vascular produz o vasodilatador óxido nítrico (NO). O NO aumenta a GMPc na célula vas-
cular muscular lisa que, por sua vez, diminui os níveis de Ca ++. AMPc formada em resposta à estimulação do
receptor beta2-adrenérgico ou do receptor da adenosina (A2) é vasodilatador. A entrada do Ca ++ aumenta pela
atividade do receptor alfa1-adrenérgico, do receptor A-II da angiotensina, sob a influência da noradrenalina libera-
da localmente, e do receptor ET da endotelina. O sistema mensageiro para esses receptores inclui liberação de
inositoltrifosfato (IP3), que aumenta os níveis intracelulares do Ca++ e causa vasoconstrição (Gottschall 2005).
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mulo alfa-adrenérgico pela noradrenalina cau- los, outros órgãos não necessitam de mais san-
sa constrição nas arteríolas de resistência, o que gue durante exercício. No fígado, rins, estô-
deveria elevar a pressão arterial. Isso não ocorre mago, intestino e outros sítios o fluxo costu-
porque mensageiros vasodilatadores formados ma decrescer nessa situação (Vide Figura VI-
pelo incremento do metabolismo tecidual, 7). Essa redistribuição obedece a múltiplos
como NO e adenosina, causam dilatação ar- mecanismos, como ausência de produção de
teriolar e atuam em conjunto com o estímulo metabolitos vasodilatadores em órgãos não
adrenalínico, também vasodilatador arterio- musculares, efeitos vasoconstritores continu-
lar, via receptores beta2. Tais mensageiros tam- ados da noradrenalina nos órgãos não exerci-
bém fazem aumentar o fluxo coronariano du- tados, e capacidade de a adrenalina estimular
rante exercício, principalmente a formação receptores alfa-adrenérgicos em vez de recep-
endotelial de óxido nítrico – o que é estimu- tores beta nas arteríolas desses órgãos (Capí-
lado pela baixa pressão tecidual de O2 (PtO2) tulo VI).
ou pelo efeito mecânico do fluxo sanguíneo A magnitude da resposta hemodinâmica
sobre o endotélio –, e a adenosina, formada durante exercício depende da intensidade e
como resultado de uma anaerobiose relativa quantidade da massa muscular envolvida. Nas
sempre que a degradação de ATP excede sua fases iniciais do exercício na posição ortostáti-
reposição durante exercício ou isquemia. Isto ca, o débito cardíaco (DC) se eleva por au-
é,logo em seguida ao início do exercício há que- mento do volume sistólico, mediado pelo
da da resistência vascular periférica, auxiliada mecanismo de Frank-Starling, e aumento da
por reflexos e pela maior temperatura corporal, freqüência cardíaca (FC). O aumento do DC
além dos fatores metabólicos. A resistência vas- nas últimas fases do exercício deve-se prima-
cular periférica é influenciada pelo sistema ner- riamente ao aumento da FC por estimulação
voso autônomo e por mensageiros locais . Forma- simpática. Em cargas submáximas fixas de tra-
ção desses mensageiros locais explica a vaso- balho abaixo do limiar anaeróbico, a estabili-
dilatação arteriolar do exercício, o que permi- dade é usualmente alcançada após o segundo
te a chegada de mais sangue para o músculo minuto de exercício, mantendo-se relativa-
esquelético funcionante e também ajuda a re- mente constantes FC, DC, pressão arterial
duzir a pressão sanguínea, evitando excessiva (PA) e volume minuto respiratório. Durante
resposta hipertensiva. A resistência vascular exercício extenuante, a descarga simpática tor-
periférica aumenta com o frio e com desidra- na-se máxima e a estimulação parassimpática
tação, o que estimula o sistema que forma se anula, resultando em vasoconstrição dos sis-
angiotensina II. temas viscerais, exceto aquela para os múscu-
O sangue redistribui-se nos tecidos de acor- los em atividade (maior parte), circulações
do com os metabolismos locais. Requerem coronariana e cerebral. Aumentam a noradre-
mais sangue pulmão, miocárdio e músculo nalina venosa e arterial, por liberação pelas
esquelético, e, como resposta, as arteríolas des- terminais nervosas simpáticas pós-gangliona-
ses tecidos vasodilatam. A explicação para o res, bem como os níveis plasmáticos de reni-
aumento de fluxo sanguíneo durante o exer- na. A liberação catecolamínica estimula a con-
cício apenas nos músculos que estão sendo tratilidade ventricular, o fluxo sanguíneo para
usados, enquanto diminui nos outros, é a pro- os músculos esqueléticos se intensifica, a ex-
dução de vasodilatadores locais estimulados tração de oxigênio aumenta mais de três ve-
pelo aumento do metabolismo nesses múscu- zes, a resistência periférica total diminui, e PA
los. Tão marcado é esse efeito que se produz sistólica, PA média e pressão de pulso aumen-
experimentalmente mesmo após bloqueio dos tam, sem mudança significativa na PA diastó-
receptores beta2 (vasodilatadores) desses sítios. lica. O leito vascular pulmonar pode acomo-
Ao contrário de pulmões, coração e múscu- dar um aumento de seis vezes no DC com
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pequeno aumento na PA pulmonar, pressão


capilar pulmonar e pressão atrial direita, o que
em indivíduos normais não são fatores limitan-
tes do exercício (Capítulo III e Figura III-25). FC ­
Intenso trabalho físico ou significante com- VS ­
PS ­
prometimento cardiorrespiratório interfere PD ®¯
com o estabelecimento de um estado estável,
acabando por ocorrer um déficit de oxigênio
durante o exercício. Na fase pós-exercício, os b1
parâmetros hemodinâmicos voltam à base
minutos após o término, sendo que reativa-
ção vagal é um importante mecanismo de de- RVS ¯
saceleração cardíaca, a qual é intensificada em
atletas mas obscurecida em pacientes com insu-
ficiência cardíaca (Capítulo III e Figura III-5).
É importante distinguir os efeitos benéfi-
cos da descarga catecolamínica no exercício
físico fisiológico daqueles maléficos do estres- Vasodilatação
se emocional. No exercício fisiológico há pro- NO, adenosina
dução de metabolitos vasodilatadores beta- b2
adrenérgicos, óxido nítrico e adenosina, vaso-
dilatação coronariana e a pressão arterial dias-
tólica não aumenta, apesar do aumento do
débito cardíaco (Figura VII-13). No estresse FIGURA VII-13. Exercício fisiológico aumenta a freqüên-
emocional predomina o estímulo pelos alfa- cia cardíaca (FC), o volume sistólico (VS) e, portanto, o
adrenérgicos, o débito cardíaco aumenta mas débito cardíaco, a pressão arterial sistólica (PS) e man-
tém ou diminui a pressão arterial diastólica (PD), por
não se formam vasodilatadores, há vasocons- efeitos combinados da estimulação cardíaca pelos
trição coronariana e esplâncnica. Nos reato- beta1-receptores e da diminuição da resistência vascular
res ou geneticamente suscetíveis, esses meca- sistêmica (RVS) e coronariana pelo estímulo dos beta2-
receptores, produção de óxido nítrico e adicionalmente
nismos levam a aumento da pressão arterial de adenosina (modificado de Opie 2004).
que, repetindo-se sustentadamente, pode evo-
luir para doença hipertensiva

cular e do coração que auxiliam na regulação


OUTRAS REGULAÇÕES circulatória. São elas, principalmente: lei de
Frank-Starling, baixo débito cardíaco, circu-
Sendo a circulação um processo extremamente lação coronariana e características anatômicas
versátil, capaz de atender a inúmeras e variadas e histológicas da microcirculação que ajudam
solicitações de fluxo, pressão e resistência em lo- a regular o fluxo sanguíneo independentemen-
cais diferentes, é natural que em cada lugar do te de fatores humorais ou nervosos.
sistema cardiovascular existam mecanismos de A lei de Frank-Starling do coração (Capí-
controle com autonomia regional . Assim, desde tulo VI) ajuda a regular o débito cardíaco de
as influências controladoras e integrativas do acordo com o retorno venoso sem necessida-
sistema nervoso central, do sistema nervoso de de alterar-se a contratilidade miocárdica, o
autônomo, dos reflexos e do controle humo- que demandaria descarga adrenérgica. Isto é,
ral local, ainda existem peculiaridades anatô- esta lei estabelece que o aumento do volume car-
micas, histológicas e funcionais do leito vas- díaco por maior pré-carga distende a fibra mio-
192 ARLOS
C NTONIO
A M ASCIA GOTTSCHALL © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

cárdica numa faixa capaz de reequilibrar retor- mas criando mais tensão parietal. Diminuin-

no venoso e débito cardíaco . Starling ressaltou do o fluxo por menores demanda ou obstru-

que as necessidades circulatórias podem con- ção, reverte-se o efeito, os segmentos menos

trolar o coração por variações nas cargas. O metabolizados ou isquêmicos geram menos

coração por sua vez envia sinais bioquímicos tensão e trabalho e, conseqüentemente, me-

para a circulação por meio de barorreflexos, nor consumo de oxigênio.

hormônios adrenérgicos e sistema renina-an-

giotensina quando perde capacidade contrátil

ou de responder à distensão. A incapacidade BIBLIOGRAFIA SELECIONADA


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VIII
CAPÍTULO
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Circulação Coronariana

O termo coronária provém do latim coro-


na, coroa na nossa língua. Foi por simi-
litude a essa figura que assim se denomina-
lação coronariana e da função ventricular es-
querda, na doença isquêmica do coração, visa
a obter as mais importantes informações na
ram as artérias que nutrem o miocárdio, fun- avalição hemodinâmica e angiocardiográfica
cionando como um anel protetor do coração. do paciente.
Como um ornamento indispensável à majes-
tade desse órgão inigualável, a circulação co-
ronariana garante o seu funcionamento. MACROANATOMIA DA
É necessária ampla variação de oferta de CIRCULAÇÃO CORONARIANA
sangue para liberação de O2 ao miocárdio a
fim de satisfazer suas necessidades de energia Originam-se as coronárias de óstios que estão si-
e de produção de trabalho cardíaco, desde o tuados 0,7 a 1,0 cm acima da implantação das
mais completo repouso ao mais intenso exer- cúspides semilunares que, devido a essa alta lo-
cício. Esta é a função específica da circulação calização e à presença do seio de Valsalva, nunca
coronariana. Chegando o sangue ao miocár- são ocluídas pelas válvulas semilunares quando
dio por essa circulação, é através da regulação estas se abrem. Durante a diástole cardíaca, o
de seu fluxo que mais ou menos O 2 é ofertado arco aórtico atua como um pequeno reserva-
ao miócitos. Assim, a funcionalidade do mais tório e transmite a pressão sanguínea pratica-
nobre elemento do sistema circulatório, o mente sem resistência para as artérias coroná-
músculo cardíaco, depende diretamente da rias maiores, através dos seios de Valsalva. Os
eficácia da circulação coronariana. É natural, troncos principais esquerdo e direito são su-
portanto, que alterações anatômicas ou fun- bepicárdicos, passam através dos seus respec-
cionais dessa circulação acarretem as maiores tivos sulcos atrioventriculares e então distri-
modificações da função cardíaca, notadamente buem-se circunferencialmente pela base do
do ventrículo esquerdo, a parte do coração que coração (Figura VIII-1).
normalmente enfrenta a maior carga de tra- A artéria coronária esquerda origina-se do
balho. seio aórtico esquerdo e se divide em seguida
Fluxo coronariano e função cardíaca são nos ramos descendente anterior e circunflexo.
tão interdependentes e diretamente relaciona- A artéria descendente anterior, no seu trajeto
dos que não há função cardíaca normal sem pelo sulco interventricular anterior, origina
fluxo coronariano normal. Tudo o que preju- vários ramos septais para o septo anterior e
dica as coronárias prejudica o coração, porém outros diagonais para a parede lateral até o ápex
inversa e recíproca não são necessariamente do coração. A artéria circunflexa trajeta ao re-
verdadeiras. Diante disso, o estudo da circu- dor da base do ventrículo esquerdo ao longo
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 195

A. coronaria sinistra

Arteria coronaria dextra R. interventricularis


anterior
R. coni arteriosi
R. coni arteriosi

R. nodi sinuatrialis R. diagonalis

Rs. septales anterioris


R. ventricularis dexter
R. circumflexus
R. atrialis dexter
Rs. atrialis sinistri
R. marginalis sinister
R. marginalis dexter
Rs. posterolateralis
sinistri
R. atrioventricularis
R. nodi atrioventricularis

R. interventricularis
posterior
Rs. septales posterioris

R. posterolateralis dexter

FIGURA VIII-1. Circulação arterial coronariana e sua nomenclatura (Gottschall 1995).

do sulco coronariano, emite ramos marginais do septo interventricular, o nó atrioventricu-


e distais e termina no ramo descendente pos- lar (AV), a metade superior do septo intera-
terior. Geralmente, os ramos da artéria coro- trial e a base posterior do ventrículo esquer-
nária esquerda suprem o ventrículo esquerdo do. Freqüentemente, existe um óstio corona-
na sua quase totalidade – exceto na sua base riano acessório para a artéria do cone, que ir-
posterior –, os dois terços anteriores do septo riga a parte anterior esquerda da via de saída
interventricular, a margem anterior esquerda do ventrículo direito, no nível da origem da
da parede do ventrículo direito, o ápex e a válvula pulmonar. Esta artéria se anastomosa
metade inferior do septo interatrial e o átrio com ramos da coronária esquerda e forma o
esquerdo. chamado anel de Vieussens, anatomista do
A artéria coronária direita origina-se no seio século XVII que o descreveu. Em menos de
aórtico direito, alcança o sulco interventricular um terço dos casos a artéria do nó sinusal ori-
posterior através do sulco coronariano, na base gina-se da artéria circunflexa. O nó AV costu-
do ventrículo direito, emitindo no seu trajeto ma ser nutrido por um ramo da coronária di-
ramos marginais agudos e ramo descendente reita originado na crux cordis. Os ramos do
posterior. Supre as paredes anteriores e poste- cone e septais podem ter grande importância
riores do ventrículo direito (exceto o ápex), o em suprir circulação colateral para leitos vas-
átrio direito e o nó sinusal, o terço posterior culares maiores.
196 ARLOS
C NTONIO
A MASCIA OTTSCHALL
G
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Aplica-se o termo dominância coronaria- troncos principais, esquerdo e direito, e suas


na esquerda quando a artéria coronária esquer- ramificações maiores que emergem em ângu-
da irriga partes do ventrículo direito, e a coro- lo agudo, relativamente calibrosos, servem
nária direita não origina ramo descendente como vasos de condutância, e oferecem míni-
posterior. Dominância coronariana direita é ma resistência ao fluxo na diástole, transitan-
quando esta coronária irriga a face posterior e do através da superfície epicárdica e suprindo
toda a face inferior do ventrículo esquerdo, a metade externa da parede cardíaca (vasos
tendo a circunflexa menos da metade da ex- superficiais, tipo A); b) os profundos (tipo B),
tensão da coronária direita. Em raros casos, a perfurantes, que se originam em ângulo reto
rede esquerda ou a direita é absolutamente das artérias epicárdicas, penetram profunda-
dominante sobre a outra rede, que pode ser mente nas paredes miocárdicas e nutrem as
curta e fina, com mínima expressão fisiológi- camadas subendocárdicas, oferecendo grande
ca. Em mais ou menos 80% dos casos a circu- resistência ao fluxo, principalmente na sístole
lação é balanceada, mantendo padrões anatô- ventricular. As artérias epicárdicas de condu-
micos com mínimas diferenças. A importân- tância são vasos de 1,5 a 4 mm. Aumento de
cia da dominância decorre de que, quando resistência nesses vasos só ocorre por interpo-
uma circulação dominante é atingida por is- sição de uma barreira não fisiológica, como
quemia ou infarto, as conseqüências são mais uma placa aterosclerótica ou um espasmo.
extensas e mais graves. Normalmente o volu- Vasos de resistência são aqueles com menos
me de fluxo pela coronária esquerda é maior de 350m, nos quais há acentuada queda da
que pela coronária direita, fato relacionado pressão intracoronariana, porém a maior re-
com a predominante massa miocárdica a ser sistência e maior queda pressórica situa-se nas
nutrida. O sistema venoso que drena a artéria arteríolas com menos de 100m, que são cha-
coronária esquerda se reúne num local único madas de vasos auto-reguladores do fluxo. Isto
representado pelo seio coronariano, drenan- é, a fisiologia dos vasos coronarianos de resistên-
do na parede posterior do átrio direito. A dre- cia é responsável por dois importantes fenôme-
nagem da artéria coronária direita se faz pela nos: a) auto-regulação do fluxo coronariano,
veia cardíaca anterior cujos ramos desembo- mantendo-o adequado num amplo espectro pres-
cam no átrio direito. Camadas musculares sórico; b) aumento no fluxo coronariano com o
profundas drenam no átrio direito e cavida- exercício, principalmente pela regulação meta-
des ventriculares pelas veias de Tebésio. Essas bólica local.
veias passam de capilares venosos ou de veias Embora possam dilatar-se mais na diástole
coronárias profundas para as superfícies en- que os epicárdicos, do tipo A, os vasos tipo B
docárdicas. Alguns pequenos ramos de arté- sofrem muito maior efeito compressivo da sís-
rias terminais penetram diretamente através tole ventricular. Medidas mostram que o flu-
do endotélio (vasos arterioluminais) ou jun- xo vem num declínio do epicárdio para o en-
tam-se a canais maiores (vasos arteriosinusoi- docárdio e praticamente cessa nas camadas
dais) que drenam nas cavidades ventriculares. mais profundas do coração, o que causa gra-
A drenagem venosa principal tende a seguir o dientes transmurais na pressão tecidual de
curso das artérias, como em outros órgãos. oxigênio (PtO2) e no metabolismo do mio-
cárdio, com valores mais altos epicárdicos e
mais baixos endocárdicos (Figura VIII-2).
DISTRIBUIÇÃO TRANSMIOCÁRDICA A microcirculação é a parte da circulação
DA CIRCULAÇÃO CORONARIANA coronariana constituída por arteríolas e capi-
lares encarregados de regular o suprimento de
Reconhecem-se dois tipos de vasos coronarianos, O para o miocárdio. No recém-nascido, a
os vasos de condutância e os de resistência : a) os relação capilar/fibra miocárdica é de cerca de 1:4,
2
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Artéria epicárdica

Subepicárdio

Artéria
intramural

Arteríola Subendocárdio

Plexo
subendocárdico
Diástole

Músculo espiral
superficial externo
Subepicárdio

Músculo constritor
profundo

Subendocárdio
Músculo espiral
superficial interno

Sístole

FIGURA VIII-2. A maior parte do fluxo coronariano se faz na diástole, tanto pelos vasos superficiais (epicárdicos)
quanto profundos. Na sístole, há compressão dos vasos intramiocárdicos (de resistência) e espessamento da
parede cardíaca, diminuindo substancialmente a chegada de sangue ao subendocárdio (redesenhado de Bell e
Fox 1974).

e no adulto aproximadamente de 1:1. Nos ven- tos. A grande concentração de mitocôndrias


trículos há uma distribuição uniforme de ca- próximas aos capilares e a pequena distância
pilares, menos no septo interventricular e ain- destes às células dá idéia da intensidade do
da menos no nó atrioventricular, o que torna metabolismo miocárdico. Como regra, existe
essas estruturas mais vulneráveis à isquemia. cerca de um capilar por fibra miocárdica, mais
Capilares intramiocárdicos verdadeiros (pare- ou menos 2500 capilares/mm 3 de tecido (no
des formadas só por células endoteliais em se- músculo esquelético são cerca de 400 capila-
qüência, sem músculos ou nervos), emergem res/mm3), dos quais de três a quatro quintos
a intervalos de metarteríolas (vasos pré-capi- estão abertos, o restante funcionando como
lares que apresentam células musculares lisas reserva de fluxo para quando diminui a PtO 2.
nas paredes), cuja contração ou relaxamento Como nos outros capilares, o fluxo corona-
dos esfíncteres pré-capilares regula o suprimen- riano é governado pelas arteríolas que o con-
to de O2 para o miocárdio pelos capilares. trolam. Os capilares, devido ao pequeno diâ-
Os capilares miocárdicos distribuem-se metro (3-4m), ocupam menos que 5% do vo-
densamente entre as fibras miocárdicas e rela- lume do coração. Estando afastado em média
cionam-se intimamante com os miofilamen- 17m um do outro, a distância máxima para a
198 CARLOS NTONIO
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difusão do O2 em repouso é de cerca de 8,5m, do miocárdio em O 2 aumenta durante exercício


distância que cai para 7m durante hipóxia – ou isquemia, de modo que o O 2 utilizável per-
devido ao recrutamento de novos capilares –, corra uma distância menor de difusão até a mi-
podendo chegar a 5,5m nos casos extremos tocôndria.
(Figura VIII-3). Mais do que o aumento do
fluxo, é a diminuição da distância para a difu-
são que a intensifica (Capítulo II). Depois de PECULIARIDADES METABÓLICAS
exaurida a oferta de O2 pela microcirculação DO MIOCÁRDIO
é utilizado o oxigênio dissolvido nos tecidos e
aquele ligado à mioglobina. Isto é, o miocár- Alguns aspectos peculiares do metabolismo miocár-
dio tem um rico suprimento de capilares com dico merecem destaque, principalmente aqueles
cerca de um capilar por fibra. Normalmente nem envolvendo as porções mais internas do miocárdio .
todos os capilares estão abertos. Recrutamento ou Pressão tecidual de oxigênio (PtO2): Como
abertura de capilares ocorre quando a demanda as porções superficiais do miocárdio recebem
proporcionalmente mais sangue que as pro-
fundas, há um gradiente transmural na pres-
Músculo esquelético são tecidual de oxigênio (PtO2) e no metabo-
lismo do miocárdio, e também um gradiente
transmural de glicogênio e fosforilase, o que
sugere ser o metabolismo anaeróbico de valia
para o funcionamento celular nas camadas
mais profundas, principalmente em situações
de maior exigência do oxigênio. Medidas da
PtO intramiocárdica revelam valores variá-
2

veis, atingindo níveis menores que 5 mmHg


50m em muitas regiões. Porém, a tensão requerida
de O para a fosforilação oxidativa dentro da
2

mitocôndria é ainda menor, cerca de 2000


vezes menos que a PaO (esta em torno de
2

400 capilares/mm2 100 mmHg), existindo um provável gradien-


te intracelular de pressão do citosol para a
mitocôndria, que consegue funcionar com
Miocárdio
uma PO de 0,05 mmHg (10 mol/L).
2
-7

Assim, as células das camadas mais profun-


das funcionam com um potencial de oxida-
ção-redução menor do que as das camadas su-
perficiais. Para fazer frente a esse gradiente
transmural de oxigênio e nutrientes, o orga-
nismo conta também com um gradiente trans-
20m mural de densidade capilar, ou seja, o terço de
camadas mais profundas (subendocárdio) con-
2500 capilares/mm2
têm cerca de 30% mais capilares que as mais
FIGURA VIII-3. A concentração de capilares no miocár-
dio é cerca de seis a sete vezes aquela do músculo es-
superficiais (subepicárdio), existe uma capa-
quelético, além de as fibras miocárdicas terem um diâ- cidade ativa de redistribuição de fluxo coro-
metro menor que a metade do diâmetro das esqueléti- nariano e possibilidade de transporte do oxi-
cas. Estes fatos reunidos reduzem grandemente a dis-
tância para a difusão do oxigênio até o cardiomiócito gênio diretamente da cavidade ventricular para
(modificado de Rushmer 1976). o subendocárdio, por difusão e/ou por redes
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capilares anastomóticas. Não obstante essas nas duas extremidades. Em situações de obs-
compensações, as camadas subendocárdicas trução ou de menor perfusão de um ramo co-
continuam sendo subperfundidas, com PtO 2 ronariano, o desbalanço pressórico dirige o flu-
não mais que 10-20 mmHg, quando a média xo em direção ao local de menor pressão. São
miocárdica é de 30. Por isso, as manifestações importantes, assim, na redistribuição do flu-
isquêmicas costumam ser mais intensas e pre- xo em situações normais ou patológicas (Fi-
coces nas camadas internas do ventrículo es- gura VIII-4). Podem tornar-se pérvios em
querdo e explicam a maior extensão da área minutos e desenvolver-se muito em semanas,
de necrose subendocárdica nos infartos trans- facilitando o aumento de fluxo por eles. Exer-
murais. Isquemia pode surgir por aumento da cício, hipóxia, anemia severa, e oclusão coro-
demanda de oxigênio, também por hipóxia, nariana gradual, mais que abrupta, estimulam
hipotensão, anemia, hipermetabolismo, sobre- o desenvolvimento de circulação colateral. Em
cargas, na ausência de alterações anatômicas presença de oclusão coronariana total, a per-
das coronárias, e, sem afetar as camadas mais fusão por colaterais costuma corresponder
superficiais, pode levar a uma desproporção mais ou menos à perfusão de vaso com cerca
entre utilização e conservação de energia, pro- de 90% de obstrução do diâmetro luminal.
duzindo injúria e necrose celulares.
Mioglobina: A mioglobina é um compos-
to assemelhado à hemoglobina, distribuído nos
músculos e no miocárdio mas capaz de ligar-
se ao O2 em pressões teciduais muito baixas.
Apenas 2,4 mm Hg são necessários para satu-
rar metade da mioglobina e, mesmo na au-
sência de qualquer fluxo coronariano, o O 2
dissolvido nos tecidos ou ligado à mioglobina
pode garantir oito sístoles efetivas. Ainda não
está claro se a mioglobina é apenas um reser-
vatório para o O2 ou se facilita seu transporte.
Sabe-se que o conteúdo de mioglobina – em
conseqüência da necessidade de armazenar
oxigênio –, é maior nas camadas profundas
que nas camadas superficiais do miocárdio, o
que permite ao oxigênio fornecido pela mio-
globina sustentar o metabolismo aeróbico
durante a sístole.
Anastomoses: Canais arteriais, geralmente
com menos de 40m de diâmetro, conectam
diferentes ramos, geralmente menores que 0,5
a 1 mm de diâmetro, da mesma artéria coro-
nária (anastomoses homocoronarianas) ou de
duas artérias diferentes (anastomoses interco-
ronarianas). Esses dois tipos distribuem-se com FIGURA VIII-4. Anastomoses coronarianas (assinaladas
variações individuais em todas as regiões do pelas setas) ligam extremidades de pequenas artérias
intramiocárdicas. Normalmente, o balanço pressórico
miocárdio, exceto logo abaixo do epicárdio. nas duas pontas as torna inativas. Havendo obstrução
No coração normal, o fluxo por esses canais num ramo maior, o sangue é dirigido para o lado isquê-
mico, entre outros fatores, por gradiente de pressão do
colaterais parece não ter maior significação, já lado irrigado para o lado pouco ou não irrigado (repro-
que a pressão de perfusão costuma ser igual duzido parcialmente de Baroldi, Rushmer 1976).
200 ARLOS
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CARACTERÍSTICAS DO FLUXO do-se em conta que a extração de oxigênio pelo


CORONARIANO miocárdio é praticamente máxima (grande
diferença A-V de O ), conclui-se que a oferta
O coração é um órgão altamente aeróbico mas de oxigênio só pode aumentar significante-
2

depende quase exclusivamente da oxidação de mente através do aumento do fluxo corona-


substratos para a geração da energia que vai mo- riano, situando-se aí a grande reserva corona-
vimentá-lo, e praticamente não tem reservas de riana. Isto é, quase toda a oferta de oxigênio às
oxigênio. Como vimos, o débito cardíaco nor- células miocárdicas deve provir do aumento do
mal em repouso é de cerca de 5,0 l/min. O fluxo coronariano e não de maior extração san-
coração normal de um adulto, que pesa em guínea.
torno de 300 g, tem um fluxo coronariano de
250 a 300 ml/ min, ou seja, cerca de 5% do
débito cardíaco. Em termos de peso, cada 100 FATORES DETERMINANTES DO
g de miocárdio ventricular esquerdo recebem FLUXO CORONARIANO
de 75 a 90 ml de sangue (menos que 1 ml/g),
sendo que o ventrículo direito, cuja massa é Os determinantes fisiológicos que comandam o
menor, recebe proporcionalmente menos. fluxo coronariano são os mesmos que aumentam
Enquanto que o coração utiliza em repouso o requerimento e o consumo de oxigênio pelo
cerca de 12% do consumo total de O 2 do or- miocárdio, ou seja, maiores: pressão arterial,
ganismo, os rins, que têm peso aproximado, freqüência cardíaca, tensão da parede ventri-
recebem mais de 20% do débito cardíaco em cular, dP/dt máxima, e vice-versa na diminui-
fluxo e consomem somente 7% do O total ção. Na hipertrofia, o fluxo total pode aumen-
do organismo. Em função de suas caracterís- tar, embora permaneça de 80 a 100ml/100g.
2

ticas metabólicas, o consumo de O pelo mio- Como já foi visto pela fórmula de Poiseui-
cárdio é maior que o de qualquer outro órgão. lle (Capítulo II), o fluxo em qualquer sistema
2

Dessa forma, comparado com outros, o cora- de vasos é diretamente proporcional à dife-
ção é o órgão relativamente menos perfundi- rença de pressões nas suas extremidades e in-
do e com mais alta extração de oxigênio do versamente proporcional à resistência do sis-
organismo, como pode ser verificado pela aná- tema, esta proporcional ao comprimento do
lise gasométrica de seu sangue venoso, cuja tubo (aproximadamente igual nos adultos),
hemoglobina apresenta saturação extrema- viscosidade do líquido (pequena na anemia,
mente baixa, de 25 a 35%, enquanto que o grande na poliglobulia) e inversamente pro-
sangue venoso misto na artéria pulmonar (mis- porcional à quarta potência do raio (o fator
tura do sangue venoso retornado de todos os mais importante). No sistema coronariano, a
locais do organismo) apresenta saturação de diferença de pressão é dada pela pressão mé-
75%; conseqüentemente, a tensão de oxigê- dia na raiz da aorta menos a pressão média no
nio nas miofibrilas é muito baixa, diminuin- seio coronariano, no átrio direito, e a resistên-
do ainda mais no exercício. Mesmo em repou- cia é a média de todas as resistências no sistema,
so, a extração de oxigênio pelo miocárdio é sejam vasos epicárdicos ou intramurais. Assim:
praticamente máxima, aumentando muito 30$R  30$'
pouco com o exercício intenso. Aplicando-se )FRU
5FRU
a equação de Fick (Capítulo VI): em que Fcor = fluxo coronariano, PMAo =
922 0,2 )FRU u ( $  9 )22 pressão média aórtica, PMAD = pressão mé-
em que VO = consumo de oxigênio pelo dia atrial direita, Rcor = resistência da rede
miocárdio, Fcor = fluxo sanguíneo coronaria- vascular coronariana.
2MIO

no, (A-V)O = diferença artério-venosa de oxi- Influências da vasomotilidade, do sistema


gênio entre artéria e veia coronariana, e ten- nervoso autônomo, de fármacos, e principal-
2
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 201

mente da auto-regulação intrínseca ou local coronárias, podendo atingir no fim desse pe-
determinam as variações do fluxo. A diferen- ríodo valores tão altos como 180 ou 200 ml/
ça entre a PMAo e a PMAD chama-se pressão min, para diminuir progressivamente até cer-
de perfusão coronariana. Todos os órgãos do ca de 140 ml/min na fase de enchimento dias-
corpo estão expostos a uma pressão de perfu- tólico, paralelizando a queda da pressão aórti-
são sanguínea que é máxima na sístole e que ca e caindo novamente até valores mínimos
decresce na diástole sem deixar de ser efetiva na próxima fase de contração isométrica (Fi-
durante todo o ciclo cardíaco. Apesar de a pres- gura VIII-5). Embora com muito menor in-
são aórtica ser um determinante fundamental tensidade, mantém-se a oscilação fásica das
do fluxo coronariano, o coração tem a maior pressões intracoronarianas nos vasos menores,
parte de sua nutrição na diástole, ao contrário que variam seus calibres cerca de 10% entre
dos outros órgãos, devido às suas peculiarida- sístole e diástole (entre 130 e 150m, respecti-
des funcionais. Assim como o fluxo sanguí- vamente). Porém, o fechamento incompleto
neo nos músculos esqueléticos pode ser limi- da microcirculação na sístole assegura fluxo
tado pela contração muscular ao comprimir sanguíneo também nesse intervalo. Lembre-
os vasos, o fluxo coronariano diminui acentu- se que o ventrículo direito e os átrios, por tra-
adamente na sístole, pelo aumento da tensão balharem com baixas pressões e terem pare-
intramiocárdica nessa fase. Isto é, quanto mais des finas, desenvolvem mínima tensão intra-
potente a contração e quanto maior o desenvol- miocárdica. A subida de pressão durante a sís-
vimento de tensão intramiocárdica, maior limi- tole pode compensar o efeito negativo, sobre
tação ao fluxo, principalmente por aumento da

resistência na microcirculação.Os vasos profun-


dos, embora possam dilatar-se proporcional-
mente mais na diástole que os epicárdicos, 1 2 3 4 1 2

sofrem muito maior compressão na sístole. 100


A diástole não só tem maior duração que a
Pressão (mmHg)

sístole como também oferece muito menor 80


Aort
a

resistência à progressão do sangue. À medida


que a pressão intraventricular aumenta na fase
isovolumétrica sistólica – e com ela a tensão 40
intramiocárdica –, o fluxo coronariano decres-
ce acentuadamente do subepicárdio para o
Fluxo coronário esquerdo (ml/mm)

subendocárdio porque os vasos intramiocár- Ven .


t.
q
dios são comprimidos pelas fibras em contra- 0 e s

ção, chegando quase a zero imediatamente


antes da abertura da válvula aórtica, pratica- 100
mente cessando nas camadas mais profundas
do ventrículo esquerdo no fim dessa fase. No 50

início da fase sistólica de expulsão máxima –


quando aumentam a pressão e a velocidade 0

da coluna sanguínea na raiz da aorta –, eleva-


se o fluxo coronariano, atingindo cerca de 40 1 2 3 4 1 2
ml/min, para cair progressivamente até a me- FIGURA VIII-5. Variações de fluxos e pressões na cir-

tade desse valor no fim da fase de expulsão culação coronariana durante o ciclo cardíaco. Embora
com muito menor intensidade, a microcirculação man-
ventricular, devido à queda da pressão de per- tém alguma oscilação pressórica, sem fechar na sísto-
fusão. É na fase diástólica de relaxamento iso- le, favorecendo ainda algum fluxo sanguíneo ao mio-

volumétrico que ocorre o maior fluxo pelas cárdio (reproduzido sob permissão de Souza e Batlouni
1979, Gottschall 1995).
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o fluxo, da pequena tensão parietal desenvol- freqüência cardíaca nessas condições, enquan-
vida pelo ventrículo direito nessa fase. to que coronariopatas apresentam diminuição
Devido a essas variações cíclicas de pressão da saturação de oxigênio venoso e aumento
e tensão intramiocárdicas, o fluxo coronaria- da concentração de lactato, maior no sangue
no na sístole representa 25 a 30% do total e venoso coronariano que no arterial, o que in-
na diástole, 70 a 75%. Algumas condições di- dica anaerobiose por hipóxia severa.
astólicas, como volume ventricular, pressão
diastólica final intracavitária (Pd2) e compla-
·
cência ventricular
· podem elevar a tensão
· mio- FATORES QUE AFETAM O VO2
cárdica e o VO2 miocárdico (MVO2), com- MIOCÁRDICO E O FLUXO
primir os vasos subendocárdicos, aumentar a CORONARIANO
resistência ao fluxo e diminuir a pressão de
perfusão. Quando o relaxamento diastólico di- Há uma relação praticamente linear entre con-
minui na disfunção diastólica, também dimi- sumo de oxigênio pelo miocárdio e fluxo corona-
nui o fluxo coronariano, e quando a pressão riano, fato que é usado como a base da utili-
de perfusão coronariana aumenta, aumentam dade prática do teste de esforço (Figura VIII-
os fluxos sistólico e diastólico, porém sempre 6). São múltiplos e interdependentes os fato-
predominando este último. Como é o ventrí- res que influenciam o consumo de oxigênio
culo esquerdo que gera a pressão de perfusão pelo miocárdio (Capítulo IV). Genericamen-
coronariana, segue-se que em algum ponto da te podem ser classificados como: 1) Fatores
sístole essa pressão é menor que a pressão in- que afetam o consumo de oxigênio pelo mio-
tracavitária. Isso ocorre mais acentuadamente cárdio; 2) Fatores que afetam a oferta de oxi-
nas camadas subendocárdicas profundas do gênio para o miocárdio; 3) Fatores que atuam
miocárdio ventricular esquerdo. diretamente nas arteríolas, modificando o
Por muito tempo acreditou-se que o fluxo aporte de oxigênio para o miocárdio (Quadro
coronariano cessava completamente durante VIII-1 e Figura VIII-7).
a fase sistólica inicial, como resultado de com- 1) Fatores que afetam o consumo de oxi-
pressão extravascular. Administração de sim- gênio
· pelo miocárdio: Cerca de 80% do
paticomiméticos desloca do epicárdio para o MVO2 é determinado pelo índice de tensão-
endocárdio o nível no qual a pressão intra- tempo (ITT), ou seja, pelo produto da tensão
miocárdica iguala a pressão da cavidade ven- média parietal ventricular pela freqüência car-
tricular. Estudos com isótopos radioativos díaca, bem como pelo estado funcional repre-
mostram que o fluxo no quarto externo da sentado pela contratilidade miocárdica. Para
parede do ventrículo esquerdo é duas vezes fins práticos, mede-se o ITT como o produto
maior que aquele das camadas internas (gra- da freqüência cardíaca (FC) pela pressão sis-
diente transmural de fluxo sistólico). Medi- tólica (PS) – duplo produto – ou o produto
das experimentais indicam que o fluxo coro- da FC x PS x período de ejeção (triplo produ-
nariano continua durante a sístole e pode con- to). Estudos posteriores mostraram uma cor-
tribuir com 7 a 45% do total. Esta larga varia- relação ainda maior entre
· o consumo miocár-
ção reflete as modificações que ocorrem na dico de oxigênio (MV O2) e a soma da área
potência contrátil do miocárdio no mesmo dentro da curva pressão-volume sistólico mais
indivíduo. Mesmo em taquicardia intensa o a energia elástica potencial sistólica final na
coração normal não sofre isquemia: indivíduos parede ventricular. Na prática, em exercício
normais que desenvolvem freqüências até 120 leve ou moderado,
· com fluxo estável por bati-
cpm não modificam nem a saturação nem o mento, o MVO aumenta com o produto FC
2

fluxo do sangue venoso no seio coronariano, x PS. Em exercício


· máximo, o fluxo por bati-
estando a circulação coronariana limitada pela mento e o MVO aumentam mais ainda, in-
2
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100
Fluxo coronariano (ml/min/100 g)

80
FIGURA VIII-6. A rela-
ção entre consumo mio-
cárdico de oxigênio e
60 fluxo coronariano é li-
near e estreita entre me-
didas de controle e seis
estados experimentais,
40 conforme símbolos na
figura, nesta ordem de
cima para baixo: contro-
le, estímulo vagal, mar-
20 capasso atrial, constri-
ção aórtica, infusão de
noradrenalina, infusão
de isoproterenol, infu-
são de cálcio (modifica-
2 4 6 8 10 12 14 do de Knabb, Ely, Bac-
Consumo miocárdico de oxigênio (ml/min/100 g) chus, e cols. 1983).

QUADRO VIII-1. Fluxo coronariano adequado tensificando-se a diferença artério-venosa de


(consumo de O2 = ou < oferta e aporte)
O2, por ainda maior extração. Como mais ta-
I. CONSUMO DE O2 MIOCÁRDICO (Demanda) quicardia encurta a diástole, diminui o volu-
1. Tensão intraventricular (pressão, volume, massa) me de fluxo, e a relação tempo-tensão aumen-
·
2. Freqüência cardíaca (ação neurovegetativa) ta, o maior MVO2 só pode ser satisfeito por
3. Estado contrátil do miocárdio (ação neurovege-
maior fluxo sistólico. Isto é, em situações má-
tativa, exercício)
4. Ativação elétrica e metabolismo cardíaco (ação ximas, a circulação coronariana ainda consegue
metabólica) aumentar o fluxo sistólico, possivelmente auxili-
II. OFERTA DE O2 AO MIOCÁRDIO (Circulação) ada por fatores reflexos . Por isso, indivíduos
normais que desenvolvem taquicardia não so-
1. Pressão de perfusão (pressão aórtica – pres-
são atrial direita) frem isquemia nem modificam a saturação ou
2. Condição anatômica do leito arterial (resistên- o fluxo do sangue venoso no seio coronaria-
cia ao fluxo) no, enquanto que coronariopatas apresentam
3. PaO2 e %HbO2 arterial (oxigenação sanguínea
diminuição da saturação de oxigênio venoso e
pulmonar)
4. Dissociação de O2 da hemoglobina (pH, tempe- aumento da concentração de lactato.
ratura, 2-3 DPG) Em termos práticos, a tensão que se desen-
5. Distribuição transmiocárdica do fluxo (abertura volve na parede miocárdica durante a sístole é
de capilares)
o maior determinante do consumo miocárdi-
6. Alterações da microcirculação (distribuição, re- ·
sistência) co de oxigênio (MVO2). Assim, tudo o que
produz aumento de tensão ventricular aumen-
III. APORTE DE O2 AO MIOCÁRDIO ·
(Calibre arterial) ta o MVO2, muito mais do que as variações
apenas de volume ventricular. De acordo com
1. Ação neurovegetativa e humoral (adrenalina, no-
radrenalina) a lei de Laplace, a tensão na parede ventri-
2. NO, adenosina , pH, PCO2 (regulação local) cular é proporcional ao raio e à pressão inter-
3. Reserva coronariana (reserva de fluxo) na da cavidade e inversamente proporcional à
4. Drogas (fluxo inadequado)
espessura da parede. Logo, tanto mais espes-
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Oferta Aporte Demanda Controle


Pulmão Ação N-V e humoral: Carga: Ação N-V
Sangue (A + NA) PS x VS Barorreflexo
Coração Regulação local:
(PtO2, NO, Ade, pH,
PtCO2, metabolitos)
Drogas

%HbO2
Calibre das Pressão
Dissociação
coronárias TIV Volume
da Hb
Anatomia dos Massa
PaO2
vasos maiores e V· O2 Trabalho
FC
Pressão de MIO cardíaco
microcirculação
perfusão
Distribuição Contratilidade
coronariana:
transmiocárdica
(PMAo-PMAD)

FIGURA VIII-7. Normalmente, a circulação coronariana tem que manter o consumo de oxigênio miocárdico (V· O2
mio) equilibrado entre a chegada e a utilização do oxigênio, tanto em repouso como em exercício. Utilização (au-
mento do V· O2 mio) não reposta (aumento insuficiente do fluxo coronariano) desencadeia isquemia. %HbO 2 =
saturação da hemoglobina em O2; PaO2 = tensão arterial de O2; PMAo = pressão média aórtica; PMAD = pressão
média atrial direita; N-V = neuro-vegetativa; A = adrenalina; NA = noradrenalina; PtO2 = pressão tecidual de O 2; NO
= óxido nítrico; Ade = adenosina; pH = logaritmo negativo da concentração tecidual de H +; PtCO2 = pressão tecidual
de CO2; PS = pressão sistólica; VS = volume sistólico; TIV = tensão intraventricular; FC = freqüência cardíaca
(Gottschall 2005).

·
sura, menor tensão parietal desenvolvida. No cional requer MVO2 acima e além. Outros de-
·
fim da sístole do ventrículo esquerdo (VE) terminantes do MVO2, como metabolismo em
normal, o aumento da espessura parietal em estado basal, despolarização, ativação, manu-
30-40% e a diminuição do volume, mesmo tenção da atividade, efeito metabólico das ca-
com aumento da pressão interna, diminuem tecolaminas e metabolismo dos ácidos gra-
·
a tensão parietal e o MVO2. O aumento da xos, respondem por apenas cerca de 20% do
·
contratilidade (aumento da dP/dt) produz MVO2 (Capítulo IV e Quadro IV-2).
·
efeito inverso. O resultado final dessas tendên- É desejável diminuir o MV O2 miocárdi-
cias opostas é não modificar, aumentar pouco co, particularmente na doença coronariana
·
ou diminuir pouco o MVO2, dependendo do mas é necessário ter cautela. Caindo o traba-
fator que predominar. No caso de ventrículo lho cardíaco (baixando a freqüência e a pres-
dilatado é diferente. Aumento volumétrico são arterial) diminui a tensão pré-contrátil e a
(maior raio) e hiperpressão endocavitária au- longo prazo a massa miocárdica, porém o es-
mentam a tensão parietal, sendo, portanto, tado inotrópico não pode ser muito atenuado
·
grandes responsáveis pelo maior MVO2, ain- porque sua remoção aumenta o estresse parie-
da mais quando ocorrem juntos (Vide Figu- tal (maior distensão da fibra, pela lei de Frank-
ras IV-19 e IV-20). O estímulo simpático, com Starling).
aumento da freqüência cardíaca, eleva o 2) Fatores que afetam a oferta de oxigênio
·
MVO2 devido ao maior desenvolvimento de para o miocárdio: Diminuição da pressão de
tensão parietal na unidade de tempo, bem perfusão ocorre em situações de estenose ou
como o aumento intrínseco que produz na insuficiência aórticas importantes, hipotensão
contratilidade. O parassimpático tem exatos ou choque. A estenose aórtica, entre as valvu-
efeitos inversos. Também o prolongamento da lopatias, é a que mais apresenta manifestações
sístole, como ocorre na estenose aórtica: en- clínicas e eletrocardiográficas de isquemia em
curtamento miocárdico contra uma carga adi- presença de coronárias normais. O aumento
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da pressão no átrio direito em situações de tos dessas substâncias, elevando o trabalho


descompensação cardíaca direita ou doença cardíaco e o consumo de oxigênio miocárdi-
mitral importante abrevia o gradiente de per- co, as tornam desaconselháveis para corona-
fusão transcoronariano e pode causar dimi- riopatas. Influências anatômicas, neurovege-
nuição do fluxo, originando sintomas de is- tativas, humorais, metabólicas e drogas podem
quemia miocárdica. Aumento da resistên- modificar o fluxo e o aporte de oxigênio ao
cia coronariana ocorre principalmente por miocárdio, mesmo que a oferta esteja normal.
obstrução ateromatosa da rede arterial co-
ronariana mas pode surgir também por es-
pasmo ou constrição da microcirculação. No REGULAÇÃO DO FLUXO
caso de obstrução mecânica, o fluxo só se CORONARIANO
reduz significativamente em repouso se a
mesma for superior a setenta por cento da Independentemente dos fatores extracoronaria-
luz do vaso. nos, a contração ou relaxamento das artérias e
Redução da pressão parcial de oxigênio no arteríolas é influenciada por fatores musculares
sangue arterial (PaO2) – acompanhando hi- próprios, mecânicos, metabólicos, neurovegeta-
poxigenação ambiental, hipoventilação alveo- tivos e humorais agindo sobre a parede dos vasos
lar, desuniformidade da distribuição da venti- e sobre o endotélio .
Há pelo menos quatro sis-
lação intrapulmonar, perturbação da difusão temas principais: 1) tono vascular coronaria-
pulmonar ou curto-circuito veno-arterial ana- no de repouso; 2) estimulação neural regulan-
tômico – diminui a oferta de oxigênio por do a extensão da vasodilatação; 3) endotélio
unidade de fluxo. Situações que baixam o con- normal respondendo a forças de atrito; 4)
teúdo de O2 do sangue, como anemia, espe- mecanismos metabólicos que aumentam o flu-
cialmente com hemoglobina abaixo de 9 g%, xo coronariano em resposta ao exercício ou
ou envenenamento por monóxido de carbo- isquemia (Figura VIII-8).
no, diminuem a oferta de oxigênio às células 1) Controle miogênico: Controle miogê-
miocárdicas. Têm sido responsabilizadas por nico em nível muscular arteriolar é ainda pou-
manifestações isquêmicas do miocárdio: difi- co entendido mas importante. Reflete proprie-
culdade de liberação de O por parte da he-
2
dade intrínseca do músculo vascular de reagir
moglobina, devido a alterações dos níveis he- à distensão pressórica sobre a parede do vaso
máticos de 2,3 difosfoglicerato (2,3-DPG), de – possivelmente através de canais ativados pela
ATP, e situações de alcalose, todas alterando a distensão –, contraindo-se quando distendi-
cinética de liberação do oxigênio aos tecidos. do, de modo que um aumento de pressão in-
Distúrbios na microcirculação coronariana, travascular seja oposta por um controle au-
alterando a distribuição regional de fluxo, tam- tóctone vascular. Quando a arteríola se esva-
bém podem causar isquemia. zia, sua musculatura relaxa e a parede fica flá-
3) Fatores que afetam o aporte de O para
2
cida. Esse mecanismo, mediado por substân-
o miocárdio: As catecolaminas, adrenalina e cias próprias das paredes vasculares, contribui
noradrenalina, independentemente de seus para a auto-regulação coronariana, particular-
efeitos diretos sobre as coronárias, exercem mente nas arteríolas menores que 100 m de
ação vasodilatadora coronariana, enquanto diâmetro.
que o efeito direto da noradrenalina é aumen- 2) Controle autonômico (sistema nervoso
tar a resistência coronariana proporcionalmen- autônomo): As catecolaminas, adrenalina e
te à dose. Contudo, a ação final dessas subs- noradrenalina, exercem ação vasodilatadora
tâncias sobre as coronárias é uma vasodilata- coronariana global, embora o efeito direto da
ção mediada por fatores locais, decorrentes do noradrenalina seja aumentar a resistência co-
aumento do metabolismo miocárdico. Os efei- ronariana proporcionalmente à dose. A vaso-
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Vasodilatação Vasoconstrição
Exercício A.–Colina Plaquetas A.–Colina Exercício
Serotonina
TXA2
Fluxo Serotonina
+ Endotelina
Nicotina
Endotélio Endotélio
normal lesado

–NO
NO

Adenosina
b-Adrenérgico A-Adrenérgico
NPY
Canais de K+

FIGURA VIII-8. 1) Em presença de endotélio intacto: Exercício, acetilcolina (A.-colina) e serotonina são todos
vasodilatadores, atuando pela liberação de óxido nítrico (NO). O exercício vasodilata também por liberação de
adenosina, estímulo beta-adrenérgico, abertura dos canais de K+ e por aumento de NO fluxo-dependente. 2) O
dano endotelial favorece a vasoconstrição: Os fatores citados causam vasoconstrição através da liberação de
endotelina e diminuição da produção de NO. Plaquetas liberam serotonina e tromboxane (TXA 2) que aumentam a
produção de endotelina. Independentemente do controle endotelial, estímulo alfa-adrenérgico e o neuropeptídeo Y
(NPY) são vasoconstritores (modificado de Opie 2004).

dilatação é mediada provavelmente por fato- influências vasodilatadoras dos receptores beta-
res químicos locais, decorrentes do aumento adrenérgicos vasculares e mecanismos meta-
da atividade metabólica do miocárdio. bólicos, como os do NO, adenosina e canais
Estímulo simpático ativa os receptores alfa- de potássio. Receptores noradrenalínicos di-
adrenérgicos vasoconstritores das coronárias, latam artérias coronárias normais, indepen-
cuja ação fisiológica é controversa. É suposto dentemente dos efeitos inotrópicos, porém na
que a vasoconstrição assim induzida em arte- presença de anormalidade endotelial a nora-
ríolas > 100m durante exercício produza uma drenalina acaba tendo efeitos vasoconstrito-
isquemia que causa vasodilatação miogênica e res. Isto é, em presença de doença coronariana,
metabólica. Os receptores adrenérgicos alfa1 emoções, frio ou fumo o estímulo alfa-adrenérgi-
e alfa2 promovem vasoconstrição atuando pelo co acompanhante não é seguido por vasodilata-
sistema mensageiro 1,4,5trifosfato de inositol ção, e aumenta a isquemia.
(IP3), o qual estimula o aumento do cálcio ci- Os receptores coronarianos vasodilatado-
tosólico na musculatura lisa das artérias, a ati- res beta2-adrenérgicos regulam a resistência
vação da quinase da miosina de cadeia leve e a coronariana nos pequenos vasos e os beta1-
interação actina-miosina. Os receptores alfa1 adrenérgicos nos grandes vasos, onde predo-
vasoconstritores atuam principalmente nas minam e se distribuem na camada muscular
coronárias de maior calibre, enquanto alfa1 e média. Recordando, a noradrenalina constrin-
alfa2 regulam a vasoconstrição dos menores ge as coronárias atuando pelos receptores alfa1
vasos de resistência. O neuropeptídeo Y, con- nos vasos de condutância e alfa2 nos vasos de
centrado ao redor das artérias coronárias, é resistência. Noradrenalina e adrenalina dila-
armazenado e liberado junto com a noradre- tam as coronárias atuando pelos receptores
nalina dos neurônios terminais. Pode contri- beta1 nos vasos maiores e beta2 nos vasos de
buir para vasoconstrição adicional em presen- resistência. A acetilcolina dilata as coronárias
ça de intensa estimulação simpática. Essas in- atuando pelos receptores muscarínicos via
fluências vasoconstritoras são opostas pelas NO, enquanto causa vasoconstrição agindo
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sobre endotélio lesado. Nervos não adrenérgi- cardíaca for mantida fixa, o estímulo das ter-
cos e não colinérgicos causam vasodilatação minais parassimpáticas não modifica o fluxo
modesta atuando pela abertura dos canais de coronariano. Se for deixada livre, esse estímu-
potássio e provocando hiperpolarização. A lo determina variações na resistência e no flu-
agregação plaquetária produzida pela estimu- xo, bem como no consumo de oxigênio pelo
lação catecolamínica do estresse acaba livran- miocárdio, provavelmente relacionados a mo-
do serotonina e ADP, as quais estimulam a li- dificações da atividade mecânica do coração.
beração de óxido nítrico pelo endotélio nor- Através de estímulo vagal, porém, o efeito va-
mal. Porém, a serotonina só é vasodilatadora sodilatador é fraco e fugaz. Em situação expe-
em presença de endotélio íntegro, tornando- rimental, o mensageiro colinérgico acetilcoli-
se vasoconstritora quando o endotélio está le- na tem intenso efeito vasodilatador, quando
sado, porque este não responde ao estímulo administrado em altas doses por via intraco-
para produzir NO. Isto é, o maior efeito do ronariana. A estimulação colinérgica normal-
estímulo simpático alfa-adrenérgico é vasocons- mente é vasodilatadora porque provoca libe-
trição de grandes e pequenas artérias coronárias ração de óxido nítrico do endotélio vascular
mas isso é sobrepassado pela vasodilatação meta- mas quando o endotélio está lesado provoca
bólica durante exercício quando as coronárias são vasoconstrição pela liberação de endotelina.
normais mas não quando o endotélio não pro- Outro vasoconstritor é a angiotensina II, pro-
duz NO, e a vasoconstrição vence. vavelmente com mais significação em presen-
É difícil o estudo da atuação direta do sis- ça de doença.
tema simpático sobre as coronárias porque esse 3) Controle endotelial: Como já visto (Ca-
sistema produz também importantes altera- pítulo VII), fluxo sobre endotélio normal pro-
ções na função cardíaca como um todo, au- duz forças mecânicas de fricção e faz liberar
mentando a freqüência cardíaca, a contratili- NO. O NO é um potente vasodilatador por
dade (dP/dt) e a pressão arterial e diminuin- agir sobre o músculo liso arterial, diminuindo
do a duração da ejeção cardíaca em relação à seu cálcio citosólico e produzindo vasorrela-
freqüência e, por isso, elevando acentuada- xação; além disso, aumenta o nível de um ini-
mente o consumo de oxigênio pelo miocár- bidor da agregação plaquetária.
dio. Em animais de experência, o estímulo sim- Durante o exercício, o aumento do fluxo
pático produz uma diminuição inicial do flu- coronariano pode chegar a três vezes ou mais –
xo coronariano por aumento da resistência, pelo aumento médio da pressão de perfusão –,
seguida de queda da resistência, com aumen- decorrente do aumento da pressão arterial, va-
to acentuado do fluxo, persistente mesmo de- sodilatação beta-adrenérgica induzida e forma-
pois do retorno da freqüência cardíaca e da ção fluxo-induzida de óxido nítrico pelo en-
pressão arterial a valores normais. Procuran- dotélio. Essa vasodilatação fluxo-induzida tem
do-se eliminar os efeitos adrenérgicos diretos como fatores principais o NO e a ativação dos
no miocárdio – pelo uso de beta-bloquadores canais de potássio sensitivos à ATP, muito mais
–, verifica-se, no cão, que a estimulação sim- que a adenosina, o que pode contribuir para a
pática direta das coronárias produz vasocons- perda de potássio pós-isquemia e as modifica-
trição fugaz máxima de 30%, sendo largamen- ções eletrocardiográficas. Quando os canais
te superada pela vasodilatação que se segue ao vasculares de potássio abrem, os músculos li-
acúmulo de metabolitos vasodilatadores nas sos das células vasculares hiperpolarizam-se,
células miocárdicas, devido à atividade meta- causando coronariodilatação. Esses canais são
bólica. normalmente inibidos pela ATP mesmo em
Em situação normal, o sistema parassim- baixas concentrações, o que explica a contri-
pático parece ter pequena influência sobre o buição desta para o tono basal. É provável que
fluxo vascular coronariano. Se a freqüência tal mecanismo seja ativado quando aumenta
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a produção de adenosina. O NO tem um pa- cício seja a vasodilatação, na doença corona-


pel metabólico adicional diminuindo o con- riana ocorre vasoconstrição. Nos hiperten-
sumo de oxigênio para um dado nível de tra- sos a vasodilatação fica comprometida no
balho cardíaco, o que aumenta a eficiência do exercício, mesmo sem evidência angiográfi-
coração. Quando a síntese de NO é inibida, a ca de coronariopatia, provavelmente porque
vasodilatação do exercício diminui muito. coronariopatia e hipertensão causam disfun-
Mesmo durante exercício, esta vasodilatação ção endotelial. Isto é, na doença arterial co-
não é máxima, possivelmente devido à influên- ronariana e lesão endotelial ocorre agregação
cia de vasoconstrição neurogênica por estímulo plaquetária que estimula a liberação de sus-
alfa-adrenérgico ou por uma disfunção endo- bstâncias vasoconstritoras pelo endotélio, pre-
telial associada. Drogas fechando este canal, cipitando isquemia miocárdica, porque o es-
como a glibenclamida, podem anular a vaso- tímulo vasoconstritor sobrepassa a vasodilata-
dilatação da isquemia. Na estenose coronaria- ção metabólica normal .
na severa diminui a dilatação coronariana flu- 4) Controle metabólico: É a queda local
xo-dependente, podendo melhorar após an- da pressão tecidual do oxigênio (PtO 2) o mais
gioplastia, por liberação de NO a partir da imediato e o mais eficiente fator a regular o
parte normal do vaso, mesmo que a parte com fluxo coronariano para determinada região do
endotélio lesado pelo balão ou stent não res- miocárdio. Pequena variação da PtO 2 para
ponda mais ao aumento do fluxo. menos pode ser suficiente – baseada na neces-
No dano endotelial da coronariopatia em sidade de O2 do músculo – para provocar va-
vez de óxido nítrico há liberação de fatores sodilatação coronariana e aumento do fluxo,
constritores do endotélio, principalmente de equilibrando demanda e oferta até novo des-
endotelina, favorecendo a agregação plaque- balanço. O mecanismo dessa dilatação ativa
tária e provocando isquemia miocárdica quan- resulta de um efeito direto da hipóxia sobre a
do esses mecanismos sobrepassam a vasodila- musculatura lisa arterial coronariana e/ou,
tação metabólica. Endotelina é um peptídeo mais provavelmente, de aumento de metabo-
de 21 aminoácidos, cuja produção pelo endo- litos vasodilatadores coronarianos, por efeito
télio é estimulada por múltiplas moléculas si- da hipóxia nas células. O primeiro entendi-
nalizadoras, como angiotensina-II, noradrena- mento desta auto-regulação intrínseca ou con-
lina, vasopressina, interleucina-1. A endoteli- trole local do fluxo coronariano foi visto como
na causa constrição na musculatura lisa, con- residindo apenas na liberação de adenosina.
tribuindo para o tono coronariano normal, A adenosina forma-se dentro dos miócitos
tem potencial mitogênico e estimula os fibro- como resultado de hipóxia, isquemia ou gran-
blastos cardíacos e o crescimento cardíaco e de trabalho miocárdico, quando é necessário
vascular. É um dos mais poderosos vasocons- mais oxigênio, havendo nesse caso a degrada-
tritores das coronárias, especialmente em ar- ção da ATP em ADP, AMP e adenosina. Como
térias extensamente comprometidas por ate- a relação ATP / adenosina é de cerca de
rosclerose. Há cada vez mais evidências da ação 1.000:1, uma pequena diminuição de ATP
da endotelina nos mecanismos de adaptação pode estimular a produção de adenosina,
à insuficiência cardíaca. Outro potencial va- atuando através da enzima 5´-nucleotidase,
soconstritor é a angiotensina II, que se acopla que converte a AMP em adenosina no inte-
com o mesmo sistema sinalizador vasocons- rior do sarcolema (Capítulo VII).
tritor pelo IP3, como faz a endotelina e a ati- A maior parte da adenosina atinge o espa-
vação alfa-adrenérgica (Vide Figura VII-12). ço extracelular, onde atua como vasodilatador
A vasoconstrição mediada pela angiotensina provavelmente penetrando nas células mus-
tem maior significância nos estados mórbidos. culares dos vasos. Sua enzima de degradação,
Embora a resposta coronariana normal ao exer- abrigada nos glóbulos vermelhos e na parede
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vascular, é a adenosina deaminase, que é ini- e acompanha a hipóxia miocárdica e a ativi-


bida pelo dipiridamol. Nesse caso, a vasodila- dade metabólica do coração; b) a queda da
tação produzida principalmente nas arterío- resistência vascular coronariana associa-se à
las de resistência pode roubar sangue de áreas diminuição da concentração de ATP e AMP
isquêmicas. As metilxantinas (teofilina, ami- no tecido miocárdico; c) a adenosina e seus
nofilina) competem com a adenosina pelo produtos de degradação (inosina e hipoxanti-
controle de sítios vasculares, inibindo a vaso- na) aparecem no sangue do seio coronariano
dilatação causada por ela porque, quando seus em situações de hipóxia; d) esse sangue pro-
receptores são bloqueados por teofilina, a hi- voca vasodilatação em experiências cruzadas.
peremia reativa diminui de 40 a 100%. O Isto é, a hiperemia reativa que se segue à oclusão
mecanismo da adenosina como vasodilatador coronariana temporária é melhor explicada pe-
coronariano parece ter uma importância me- los mecanismos metabólicos do que pelos neuro-
nor do que antes reconhecida, e no exercício gênicos de controle do fluxo coronariano.
fisiológico esse mecanismo não parece ser o 5) Outros reguladores: Além da formação
mais importante no controle do fluxo, deixan- de adenosina, a hipóxia pode atuar como va-
do tal papel para fatores dependentes do en- sodilatador coronariano ao abrir os canais de
dotélio, como óxido nítrico ou outros meta- potássio sensíveis à ATP, enquanto que um
bolitos. aumento de CO2 atua pela acidose intracelu-
Sendo um composto purínico, a adenosi- lar que produz. Respectivamente, diminuição
na atua sobre receptores purinérgicos. Estes e aumento da PtO2 e da PtCO2 respondem
receptores dividem-se em P1, sensíveis à ade- por até 40% das modificações no fluxo coro-
nosina, e P2, sensíveis à ATP, sendo que os P 1 nariano. Embora a maior parte da ATP não
ainda se dividem em receptores miocárdicos e saia pelo sarcolema, há sugestões de que pe-
vasculares. Os miocárdicos, como vimos, ini- quenas porções liberadas por hipóxia ou tra-
bem a formação da AMPc, atuando na pro- balho muscular excessivo têm efeito vasodila-
teína inibitória Gi, a qual por sua vez diminui tador. Hiperpotassemia moderada é vasodila-
a atividade da adenilciclase e aumenta a pro- tadora, atuando por mecanismos sobre neu-
babilidade de abertura de dois tipos de canais rotransmissores, receptores adrenérgicos e li-
de potássio, hiperpolarizando as células no- beração de óxido nítrico. Quando mais intensa
dais, o que diminui a freqüência cardíaca e é vasoconstritora, por despolarizar a membra-
causa vasodilatação. Paradoxalmente, os recep- na celular e abrir os canais de cálcio. O peptí-
tores das células musculares lisas vasculares deo natriurético atrial, que é liberado pela dis-
provocam vasodilatação por estimularem a tensão das paredes atriais, atua sobre a guani-
formação da AMPc. A dilatação arteriolar traz latociclase, provocando vasodilatação. A pros-
consigo mais fluxo e oxigênio, restabelecendo taglandina PGI2 produzida pelo endotélio já
os níveis de metabolismo aeróbico e diminuin- foi identificada como vasodilatadora corona-
do a produção final de adenosina, refazendo- riana e antiagregante plaquetária mas seu pa-
se o equilíbrio necessário. Isto é, trata-se de um pel fisiológico na variação do tono coronaria-
mecanismo de auto-regulação retrógrada, baseado no não está bem esclarecido. Finalmente, pró-
na disponibilidade de oxigênio intracelular, har- tons produzidos pelo metabolismo anaeróbi-
monizando o fluxo coronariano em relação às co têm efeito vasodilatador direto e sensibili-
necessidades tanto regionais como gerais do mio- zam as artérias para a ação da adenosina.
cárdio. Essa ação compensatória limita-se pela Todos esses mecanismos reguladores têm
capacidade de dilatação da rede arterial coro- por finalidade a manutenção de uma estabili-
·
nariana. São evidências do funcionamento dade do fluxo coronariano em relação ao VO2
desse mecanismo no coração humano intac- miocárdico do momento, independentemen-
to: a) a adenosina é um potente vasodilatador te das variações da pressão de perfusão. Au-
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mentando ou diminuindo a pressão de perfu- co; b) vasodilatação induzida beta-adrenérgica;


são, o fluxo pode elevar-se ou cair discreta- c) formação de óxido nítrico fluxo-induzida; d)
mente mas retorna em seguida ao seu valor abertura dos canais de potássio sensíveis à ATP
controle. O processo pelo qual é regulada a vascular; e) efeito erétil coronariano (Capítulo
oferta de O2 ao miocárdio pela demanda, in- IX). O mais provável é que entre 350 e 100m os
dependentemente da pressão de perfusão, cha- vasos apresentem responsividade miogênica e
ma-se auto-regulação intrínseca ou local do neurogênica e que o NO provoque dilatação
fluxo coronariano, que permite uma constân- principalmente nesse compartimento. A disfun-
cia desse fluxo em amplos limites de pressão ção endotelial não responsiva ao NO ocorreria
perfusional, abolindo-se a auto-regulação ao aí, podendo ser também a sede da síndrome X.
cair a pressão de perfusão a menos de 50 O compartimento de vasos com menos de 100m
mmHg ou passar de 180 mmHg, presumivel- responderia à pressão provinda do compartimen-
mente porque a vasculatura coronariana atin- to anterior e à regulação metabólica, envolven-
ge máximos de vasodilatação ou vasoconstri- do sensores de oxigênio e resposta à adenosina
ção, comportando-se como um tubo rígido, o liberada pelos miócitos necessitados de mais oxi-
fluxo adquirindo relação linear com a pressão gênio (Figura VIII-10).
(Figura VIII-9). Isto é, a auto-regulação do flu-
xo ajuda a proteger o miocárdio de súbitas mo-
dificações da pressão arterial . Note-se que essa RESERVA CORONARIANA E MEDIDA
faixa de auto-regulação coincide folgadamen- DO FLUXO CORONARIANO
te com o espectro de variação pressórica pela
atividade de um indivíduo normal. Parcela pequena porém muito importante
Resumindo, o principal sítio de auto-regu- do débito cardíaco é o fluxo coronariano. O
lação ocorre nas arteríolas com diâmetro maior conceito de reserva coronariana relaciona-se
que 150m mas as arteríolas menores são recruta- com a máxima habilidade de os vasos corona-
das ao diminuir significantemente a pressão de rianos aumentarem o fluxo em resposta à de-
perfusão. Contribuem, então, para a estabiliza- manda miocárdica, sendo essa capacidade cer-
ção do fluxo coronariano: a) controle miogêni- ca de cinco vezes em relação ao fluxo de re-

200
Fluxo coronariano (ml/100 g/min)

160

Corrida
120 FIGURA VIII-9. Devido à auto-
regulação, num limite de 50 a
180 mmHg – faixa da maior par-
te das atividades em repouso ou
80 exercício –, o fluxo coronariano
se torna praticamente indepen-
dente da pressão de perfusão
coronariana. Abaixo ou acima
40 Esforço desses extremos, o fluxo adqui-
diminuído re relação direta com a pressão.
A linha reta ascendente à es-
querda indica a variação linear
0 fluxo-pressão num tubo rígido (re-
0 40 80 120 160 desenhado de Mosher, Ross,
Pressão de perfusão coronariana (mmHg) McFate, e cols. 1964).
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Vaso de Pré-arteriolar Arteriolar


condutância (300-100 m) (<100 m)

FIGURA VIII-10. Coroná-


rias epicárdicas são vasos
de condutância, pratica-
mente sem resistência,
onde a pressão de perfu-
Regulação são se mantém inalterada.
Óxido nítrico metabólica (adenosina) O segmento pré-arteriolar
oferece resistência variável
ao fluxo, sendo regulado
principalmente pelo óxido
nítrico, enquanto o seg-
mento arteriolar demonstra
a maior resistência e é re-
gulado primariamente por
fatores metabólicos (ade-
nosina). Sendo este o sítio
de maior resistência, sua
Pressão dilatação aumenta muito o
fluxo, como acontece no
exercício (modificado de
Crossman 2004).

pouso (Figura VIII-11). Verifica-se que a re- ção salina ou dextrose a temperatura ambien-
sistência coronariana cai progressivamente te (ml/min); Tc = Temperatura corporal ( 0C);
com o aumento do fluxo, mas permanece es- Tss = Temperatura da solução salina injetada;
tável ao iniciar-se a isquemia, sugerindo inca- Tm = Temperatura da mistura sangue-solução
pacidade de dilatação adicional na árvore co- injetada, recolhida no seio coronariano. Mes-
ronariana. Isto é, a variabilidade dos sintomas mo sem precisão matemática, alguns indicati-
isquêmicos está mais na dependência da varia- vos são úteis para estimar a adequação do flu-
bilidade da reserva coronariana que
· na do con- xo coronariano.
sumo miocárdico de oxigênio (MV O2).As alte- 1) Extração de lactato: O lactato miocár-
rações eletrocardiográficas ou a medida de lac- dico produzido pode ser utilizado no meta-
tato elevada indicam apenas o ponto em que bolismo cardíaco mas quando aumenta anor-
a circulação coronariana se mostra exaurida. malmente significa presença de anaerobiose
Considera-se resposta farmacológica normal miocárdica. Nessas situações sua concentração
aumento do fluxo maior que 3,5 vezes após no sangue venoso coronariano costuma ser
infusão de 0,5 mg/kg de dipiridamol I.V. maior que no sangue arterial, indicando hi-
O fluxo do sangue no seio coronariano póxia severa. De especial interesse é a relação
pode ser medido pela técnica de termodilui- entre a produção de lactato pelo miocárdio e
ção durante cateterismo cardíaco, monitori- a queda do potássio, dizendo isso que a quan-
zando-se fluxo injetado a diversas temperatu- tidade de perda de potássio relaciona-se dire-
ras, através de analisadores específicos, de acor- tamente com o grau de isquemia, o que é cor-
do com a seguinte fórmula: roborado por disfunção diastólica e sistólica,
aumento na pressão diastólica final do ventrí-
7F  7VV
)FRU )VV u 1,19 u (  1) culo esquerdo e atrial esquerda e depressão do
7F  7P
segmento ST no ECG. Assim, a extração re-
em que Fcor = Fluxo no seio coronariano (ml/ duzida de lactato caracteriza a isquemia mio-
min); Fss = Fluxo contínuo injetado de solu- cárdica. O resultado final pode ser uma redu-
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FLUXO CORONARIANO
20
19

R
e
Vol % Reserva
Dif. A-V de O2

p
o coronariana
u FIGURA VIII-11. Desde que a extra-
s ção de O2 pelo miocárdio é pratica-
o mente total mesmo em repouso (dif.
A-V de O2 de 14 vol%) – aumentan-
do apenas 1 vol% com o exercício –
5 , a reserva coronariana é fundamen-
talmente uma reserva de fluxo, que
pode aumentar cerca de cinco ve-
zes em relação ao repouso (Gotts-
0 chall 1995).
0 1 2 3 4 5

ção ou na extração ou na produção, isto é, a (irregularidade de calibre), 1,0 (lesão isolada


relação do lactato produzido para o metaboliza- em torno de 50%-70% da luz do vaso), 2,0
do representa a relação do miocárdio isquêmico (lesão isolada entre 70 e 90%), 3,0 (duas ou
para o não-isquêmico. mais lesões entre 70 e 90%), 4,0 (uma ou mais
2) Contagem coronariana: A cinecorona- lesões maiores que 90%), 5,0 (oclusão total
riografia basicamente traz dados sobre altera- do vaso). Esta contagem reflete de maneira
ções localizadas ou difusas de origem, distri- mais adequada o potencial isquêmico da co-
buição, trajeto, fluxo e calibre coronariano, ronariopatia que a representação antiga que
segundo a experiência do hemodinamicista. considera apenas um, dois ou três vasos lesa-
A presença e a gravidade de lesões obstrutivas dos. Assim, tem sido útil para expressar a gra-
nas coronárias podem ser quantificadas atra- vidade da coronariopatia obstrutiva através da
vés de um sistema de contagem que combina coronariografia e em separar comportamen-
intensidade com localização de lesões. Segun- tos de grupos de pacientes na sua resposta ao
do Humphries e cols., a contagem coronaria- teste ergométrico e quanto a alterações da fun-
na total (CCT) é dada pela soma da conta- ção ventricular esquerda (Figuras VIII-12 e
gem para as coronárias direita (DI), circunfle- VIII-13). Posteriormente, foi proposto por
xa (CX) e descendente anterior (DA). Como Califf e cols. outro escore, que considera pe-
pode estender-se de zero (artéria sem lesão sos maiores para as regiões irrigadas pela co-
obstrutiva) até um valor de cinco (obstrução ronária descendente anterior, o qual tem-se
total), para cada uma das três coronárias prin- mostrado também bastante útil como índice
cipais, o máximo valor teórico poderia ser até prognóstico.
quinze, no caso imaginário de oclusão com- 3) TIMI e blush ou densidade intramio-
pleta das três. Exemplificando: cárdica de contraste: Análise visual da perfu-
são coronariana pode ser feita através de crité-
&&7 intensidade u localização rios propostos em estudo multicêntrico de
das lesões ( ', + &; + '$)
avaliação da trombólise pós-infarto agudo do
Quanto ao valor pela localização pode ser miocárdio (TIMI), ou seja, Grau 0: ausência
1,0 (um), se antes da primeira divisão princi- de perfusão anterógrada além do ponto de
pal, ou meio (0,5), se depois, ou nessa mesma oclusão; Grau 1: penetração do contraste além
divisão. Quanto à intensidade, pode ser 0,5 da área obstruída, mas incapaz de opacificar
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8 fluxo à montante da lesão perceptivelmente


F = 7,8
p < 0,001 igual ao fluxo à jusante ou em áreas perfundi-
das por vasos sem alterações significativas. Tra-
balhos são unânimes em apontar a importân-
CCT cia prognóstica de manter um fluxo corona-
4 riano TIMI 3 após reperfusão.
Ultimamente tem sido descrita a impor-
tância do blush ou aparecimento e dissipação
de densidade por contraste intramiocárdico,
o que indica, independentemente do TIMI,
0
n=21 n=20 n=37 n=27 n=15 bom fluxo na microcirculação coronariana,

FN I II III IV servindo os graus 2 e 3 como prognóstico de


bom resultado pós angioplastia coronariana.
VP Grau 0: ausência de blush ou densidade intra-
FIGURA VIII-12. Os valores da contagem coronariana miocárdica de contraste; Grau 1: mínima pre-
total (CCT – média +/– erro padrão) mostram diferen- sença de blush ou densidade intramiocárdica
ças altamente significantes (p<0,001) entre testes er-
gométricos falso-negativos (FN) e verdadeiro-positivos de contraste; Grau 2: aparecimento de algum
(VP) com crescentes graus de severidade isquêmica blush ou moderada densidade intramiocárdi-
(I,II,III,IV). Fica evidente a correlação entre resposta is-
ca de contraste mas menos que a obtida du-
quêmica no teste ergométrico e cinecoronariografia,
dando poder quantitativo a ambos (Gottschall e Castro rante angiografia de vaso contra ou ipsolate-
1980, Gottschall 1995). ral sem estenose ou obstrução; Grau 3: blush
ou densidade intramiocárdica de contraste nor-
mal, comparável com a obtida durante angio-
inteiramente o leito distal durante a filmagem; grafia de vaso contra ou ipsolateral sem estenose
Grau 2: perfusão de todo o vaso além da obs- ou obstrução. Persistência de blush ou densida-
trução, mas com fluxo visivelmente diminuí- de intramiocárdica de contraste sem remoção
do em relação ao fluxo à montante ou em áreas sugere distúrbio na passagem, recebendo grau 0.
perfundidas por vasos sem alterações signifi- 4) Estimativa do fluxo coronariano: Além
cativas; Grau 3: perfusão completa, sendo o da medida matemática direta do fluxo coro-

80

F = 52,1
p<0,001

FEVE
FIGURA VIII-13. Crescentes
(%)
valores de contagem corona-
riana total (CI) em grupos de
40
coronariopatas se associam e
correlacionam negativamente,
de maneira estatisticamente
significante (p<0,001), com a
função ventricular esquerda,
vista pela fração de ejeção do
VE (FEVE). As duas primeiras
colunas representam indiví-
= –6% –19% –15% –41% duos normais (NL) e com hi-
pertrofia do VE (THFL), sem
0 coronariopatia (Gottschall
NL T+H+FL CI 1–3 CI 4–6 CI 7–9 CI > 10 1977, 1995).
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nariano, este pode ser estimado indiretamen- VIII-14). O pressure wire é mais reprodutível
te. É possível medir o fluxo coronariano de e mais fácil de usar que o doppler wire.
reserva por cintilografia com Xe radioativo. Além das causas mais óbvias, ligadas à obs-
As causas de erro devem-se à recirculação do trução ateromatosa das coronárias, a reserva
isótopo, deposição de Xe na adiposidade mio- coronariana reduz-se na chamada coronario-
cárdica e in-homogeneidade local do fluxo. patia não-obstrutiva, geralmente em presença
Sendo análogo do potássio, o tálio 201 (201TI) de tabagismo, hipertrofia miocárdica da hi-
tem sua captação pelas células miocárdicas pertensão ou da estenose aórtica, sendo que a
prejudicada pela isquemia. A captação do tá- diminuição da reserva na hipertrofia miocár-
lio pelo miocárdio depende da mesma bomba dica pode relacionar-se à doença microvascu-
de sódio-potássio que transporta potássio mas lar não visível pela coronariografia mas detec-
o tálio une-se muito mais rapidamente com o tável pela cintilografia, ou a dano endotelial
miocárdio normal que o potássio. Entretan- por forças de impacto causadas pela hiperten-
to, no miocárdio subperfundido mas poten- são arterial sistêmica, comprometendo a libe-
cialmente viável, a captação e a lavagem do ração de óxido nítrico pelo endotélio, ou ain-
201TI são mais lentos que no miocárdio nor- da cinecoronariografia mal feita ou mal inter-
mal. No miocárdio infartado, fibrosado, o te- pretada não indicando uma lesão severa. As
cido não capta o 201TI e não ocorre equaliza- causas mais comuns de cardiopatia isquêmica
ção. Estudos com tálio não fornecem medi- não-obstrutiva ou não aterosclerótica, mas ca-
das absolutas do fluxo mas as diferenças são pazes de diminuir a reserva coronariana, são:
úteis para indicar a viabilidade dos segmentos a) tortuosidade das coronárias, em que pode
hipocontráteis. Tomografia com emissão de haver grande perda de energia cinética do flu-
posítron (PET) mede o fluxo coronariano em xo nas curvas e conseqüente diminuição do
humanos pelo estudo de captação de 13N- fluxo coronariano quanto mais distal, quase
NH3. Esta técnica permite monitoramento sempre acompanhando a hipertrofia miocár-
não invasivo das rotas metabólicas miocárdi- dica; b) ponte coronariana intramiocárdica,
cas e é uma útil ferramenta, combinada com a quando uma artéria epicárdica, geralmente a
captação de glicose, para estimar a viabilidade descendente anterior, mergulha dentro do
miocárdica na doença arterial coronariana. miocárdio e é comprimida permanentemente
Recentemente vêm sendo desenvolvidos na sístole; c) fluxo coronariano lento, cuja di-
métodos que usam ultra-som intravascular minuição pode ser muito marcada, atribuído
para medir o fluxo coronariano (doppler wire). a aumento de resistência pela microcirculação,
Variações por efeito do repouso e do exercí- causada por aumento da rigidez miocárdica;
cio, bem como por efeito de fármacos, infor- d) espasmo coronariano, provocado por fato-
mam sobre a reserva de fluxo nas coronárias. res emocionais ou metabólicos sobre coroná-
O fluxo máximo pode ser obtido com admi- ria morfologicamente normal; e) fístula coro-
nistração intracoronariana de dipiridamol – nariana, em que se faz drenagem arterial co-
que inibe a degradação da adenosina –, e o ronariana diretamente numa cavidade ou num
fluxo coronariano de reserva pode ser medido grande vaso da base do coração, mais freqüen-
pela razão fluxo produzido em máxima hipe- temente no átrio direito, grandes fístulas po-
remia / fluxo basal. O clássico trabalho de Pi- dendo provocar significativo roubo de fluxo
jls, usando pressure wire, sugere que se a rela- de uma zona específica do coração; f ) anoma-
ção da pressão coronariana média distal a um lias congênitas de origem, distribuição e tra-
eventual obstáculo / pressão proximal for < jeto das coronárias.
0,75-0,80, após hiperemia máxima, indica Durante o crescimento do indivíduo, o ta-
estenose de significância funcional (Figura manho das artérias e a extensão da rede arte-
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150

100

50

150

100

50

FIGURA VIII-14. Em cima, antes da seta: Curvas pressóricas captadas pelos sensores da ponta (distal) e proximal
do pressure wire, antes de uma estenose coronariana. Depois da seta, presença de gradiente pressórico (distal) de
60 mmHg entre a curva superior, captada pelo sensor proximal, antes da estenose, e a curva inferior (passando a
estenose), captada pelo sensor distal. Embaixo, repete-se o mesmo cenário de captação das pressões: Depois de
desfeita a obstrução intracoronariana, por angioplastia coronariana, igualam-se as pressões proximal e distal à zona
anteriormente estenótica. A linha contínua sobre as curvas é a pressão média (Gottschall 2005).

rial coronariana aumentam linearmente em FLUXO CORONARIANO NA


relação à massa do ventrículo esquerdo. Nos ISQUEMIA MIOCÁRDICA
corações hipertrofiados, a rede coronariana
diminui relativamente ao miocárdio porque, Ao contrário da hipóxia, que apenas reduz a ofer-
em primeiro lugar, rompe-se a proporção nor- ta de O2, a isquemia miocárdica resulta de um
mal, ficando a área de secção transversal dessa desbalanço entre consumo e oferta ou aporte de
rede menor que o esperado, quando compa- oxigênio e outros nutrientes para o miocárdio .
rada com a massa ventricular a ser suprida. Esse desbalanço pode dever-se a causas não-
Segundo, surge discrepância entre o diâme- obstrutivas, como já visto, ou à obstrução ate-
tro do óstio coronariano e a massa ventri- rosclerótica de uma ou mais coronárias, oca-
cular que cresceu. Terceiro, o fluxo prova- sionando repercussões funcionais num cres-
velmente se torna inadequado em relação à cendo desde isquemia assintomática, angina
larga distância de difusão para o oxigênio. de esforço estável, angina instável, insuficiên-
Por fim, a insuficiência coronariana não- cia coronariana aguda e infarto do miocárdio.
obstrutiva pode acabar devendo-se à inca- Isto é,o ajuste entre o consumo de oxigênio pelo
pacidade de as arteríolas dilatarem-se além miocárdio e sua liberação pela rede coronariana
do limite, já atingido em repouso, para o é o ponto central do entendimento do que é is-
exagero da massa miocárdica. quemia miocárdica. Considerando-se as arté-
216 CARLOS NTONIO
A M ASCIA OTTSCHALL
G
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rias do organismo humano, é o inverso da mitando-se essa compensação pela capacida-


quarta potência do raio – de todos os termos de de dilatação da rede arterial coronariana.
que compõem a fórmula de Poiseuille (Capí- O fluxo máximo proveniente da vasodila-
tulo II) – o que mais aumenta a resistência tação começa a cair quando o diâmetro inter-
arterial. Similarmente à resistência vascular no do vaso diminui 30% do normal. Porém,
sistêmica, a resistência vascular coronariana estudos clássicos de Gould e Lipscomb, em
(RVC) é calculada pela fórmula: RVC = Pres- animais, sugerem que estenose menor que
são média aórtica / Fluxo coronariano, cha- 50% não tem significância hemodinâmica. Em
mando-se resistência estenótica a RVC de uma estenoses com estreitamento luminal maior
coronária cuja estenose não é necessariamen- que 50% a queda do fluxo é curvilínea e ex-
te fixa, podendo ser dinâmica. Em casos de ponencial, afetando crescentemente a reserva
obstrução, o gradiente de fluxo no trajeto cai coronariana de fluxo (Figura VIII-16). É re-
proporcionalmente ao número e intensidade querido 70% de redução do diâmetro interno
dos obstáculos, e a pressão média de perfusão com 90-95% de redução da área luminal para
pode diminuir em 70 mmHg ou mais, bai- haver decréscimo do fluxo coronariano basal.
xando muito o fluxo distal à obstrução (Figu- De uma maneira geral, redução de 30-40%
ra VIII-15). A demanda também declina de- do calibre coronariano não produz isquemia
vido à diminuição da contratilidade miocár- nem em exercício, redução de 50% pode pro-
dica, mas não em proporção à queda da ofer- duzir alguma isquemia em exercício, redução
ta, o que faz a PtO2 diminuir mais. Nesse caso, de 70-80% ainda permite manter fluxo sufi-
as regiões subendocárdicas de baixo fluxo são ciente em repouso, com o paciente livre de
as que mais sofrem. Desencadeia-se assim o angina, mas não em exercício, e redução de
mecanismo de regulação local do fluxo, ten- 90% ou mais provoca isquemia e angina em
dendo a refazê-lo até que, se possível, seja atin- repouso. Devido ao comportamento exponen-
gido o equilíbrio entre demanda e oferta, li- cial do fenômeno, redução de 80% para 90%

A. Normal
Gradiente pressórico

Reserva
FIGURA VIII-15. Em cima: Nor-
de fluxo
malmente, a reserva represen-
tada pela capacidade de dilata-
ção dos vasos de resistência e
microcirculação coronariana
permite aumentar cerca de cin-
B. Obstruções localizadas Pressão de co vezes o fluxo coronariano.
perfusão capilar Embaixo: Havendo estenose (s)
no sistema, caem o (s) gradien-
te (s) pressórico (s) e o fluxo.
Existindo capacidade de dilata-
ção vascular compensatória de-
Constrição pois da(s) estenose (s) – possi-
liberada bilitando manter um fluxo distal
normal para as necessidades do
(Reserva utilizada) momento – não se produz is-
quemia (redesenhado de Rush-
Aterosclerose mer 1976).
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Exercício intenso 0

10
Fluxo coronariano

Exercício moderado 20

30

Repouso 40

% ¯ fluxo
50

60

0 40 20
60 80 100 70
% estenose
80
FIGURA VIII-16. O fluxo coronariano aumenta com o Zona
exercício. Mesmo em exercício intenso, uma obstrução 90 crítica
< 50% da luz do vaso não afeta significativamente o flu-
xo. Em exercício moderado e em repouso, os limiares 100
para a queda do fluxo coronariano são, respectivamen- 10 30 50 70 90
te, de cerca de 70% e de 80% (Gottschall 2005). % ¯ diâmetro
FIGURA VIII-17. Estenose coronariana de 50% reduz o
fluxo em cerca de 10%, enquanto numa estenose de
70% a redução do fluxo é mais de 50%. A resistência ao
do diâmetro interno eleva agudamente a re- fluxo aumenta extraordinariamente de uma estenose de
70% para 90% da luz do vaso (Gottschall 1995).
sistência estenótica (Quadro VIII-2 e Figura
VIII-17). A maioria das lesões na angina está-
vel são fixas. Entretanto, placas ateroscleróti-
cas têm uma relação complexa com a resistên- A heterogeneidade regional do fluxo e os
cia ao fluxo. Algumas mais intensas ou discre- efeitos da doença coronariana sobre o mio-
tas (20 a 30%) são dinâmicas, extremamente cárdio variam amplamente conforme a distri-
reativas, em que exercício ou agentes cons- buição arterial coronariana, grau de obstru-
tritores podem diminuir muito o diâmetro. ção arterial, capacidade de redistribuição do
Quanto mais longa a lesão mais resistência fluxo, suplência de circulação colateral para a
e, claro, lesões em seqüência diminuem adi- zona comprometida e fatores associados. Para
cionalmente o fluxo. Isto é, os mecanismos o mesmo grau de obstrução, a oclusão de uma
que levam à isquemia miocárdica são extre- coronária dominante causa muito mais estra-
mamente complexos e a mutabilidade ocasio- go que a de um ramo menor; uma lesão mais
nal de um componente pode ser responsável por longa aumenta mais a resistência estenótica;
variações nas manifestações fisiológicas ou clí- uma microcirculação ágil, capaz de redistri-
nicas dessa isquemia . buir adequadamente o fluxo, protege melhor;
circulação colateral ampla, formada antes da
oclusão permite perfusão próxima do adequa-
do, mais do que uma circulação colateral in-
QUADRO VIII-2. Grau de estenose, extensão da lesão
e resistência ao fluxo (Segundo a Lei de Poiseuille) suficiente e tardia. Fatores dinâmicos, como
Estenose Comprimento Resistência
espasmos intervenientes, turbulência do flu-
(%) (mm) (70% = 1) xo dependente da lesão, poliglobulia a aumen-
50 6,25 x0,13 tar a resistência ao fluxo, ou anemia a piorar a
60 2,56 x0,32 isquemia, são agravantes. A isquemia resultan-
70 0,81 x1,00 te da diminuição da pressão de perfusão coro-
75 0,39 x2,00
80 0,16 x5,00 nariana é pouco compensada por maior ex-
85 0,05 x16,00 tração de oxigênio pelo miocárdio porque esta
90 0,01 x81,00
já é quase máxima em condições normais.
218 ARLOS
C NTONIO
A ASCIA
M OTTSCHALL
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Quando o fluxo miocárdio cai a menos que vasoconstritoras em presença de doença en-
50% do normal, as reservas de O2 tecidual dotelial; b) liberação de leucotrienos de leu-
chegam ao mínimo. São requisitados os de- cócitos, também vasoconstritores; c) danifica-
pósitos de O2 ligados à hemoglobina e à mio- ção do endotélio pelo ateroma, levando à pro-
globina, diminuindo a oxidação da cadeia res- dução diminuída de óxido nítrico e de pros-
piratória dos citocromos. Qualquer exigência taglandina PGI2 e maior formação de vaso-
adicional de fluxo agrava o quadro, desenvol- constritores, como endotelina produzida por
vendo-se metabolismo anaeróbico. Como a macrófagos, e angiotensina II; d) remoção, pela
zona subendocárdica tem menor tensão de O2 agressão endotelial, de influências fisiológicas
e um metabolismo mais anaeróbico, ao redu- vasodilatadoras, permitindo as artérias torna-
zir-se o fluxo coronariano no subendocárdio rem-se sensitivas ao estímulo vasoconstritor,
cai mais ainda a PtO , havendo maiores de- como é o caso no tabagismo. Entretanto, o
pleção de fosfocreatina2 e acúmulo de lactato, mecanismo do espasmo ainda não está escla-
o que reduz adicionalmente a PtO2, devido recido de todo.
ao aumento do metabolismo oxidativo, que A hipóxia que se segue à diminuição da
fica sendo sustentado pela densa malha capi- produção de óxido nítrico depois da estenose
lar nessa zona. Fatores metabólicos somados à – por queda das forças de cisalhamento ativa-
queda do fluxo sanguíneo explicam a maior doras do fluxo – é compensada por vasodila-
vulnerabilidade desta zona ao sofrimento is- tação devido a dois mecanismos: primeiro, por
quêmico e à necrose. fatores metabólicos, como produção de ade-
Chama-se espasmo coronariano a vaso- nosina conseqüente ao desdobramento da
constrição aguda das artérias subepicárdicas. ATP; segundo, a queda da ATP ativa os ca-
Diferentemente da estenose da coronariopa- nais de potássio sensíveis a ela, cuja abertura
tia crônica, que costuma ser fixa ou estática, o pode contribuir para a perda de potássio pelo
espasmo sem ou com ateroma costuma deter- miocárdio isquêmico, causando hiperpolari-
minar uma estenose dinâmica, acompanhan- zação intracelular e as modificações eletrocar-
do-se de grande instabilidade do calibre arte- diográficas correspondentes. Grande intensi-
rial, podendo provocar vasoconstrição variá- dade da isquemia ou esgotamento da compen-
vel, desde angina em repouso a modificações sação causa diminuição adicional do fluxo. Isto
assintomáticas do segmento ST por perda de é, especialmente em presença de dano endotelial,
potássio, até isquemia transmural com angina a diminuição do fluxo provoca risco de agrega-
intensa e elevação do segmento ST. Espasmo ção plaquetária e, assim, mais vasoconstrição .
severo pode chegar a ocluir uma coronária Se a isquemia não for corrigida, ou seja, se
epicárdica e elevar o ST, o que configura a não houver reperfusão ou circulação colateral
angina de Prinzmetal, cujo diagnóstico ocor- adequada, dependendo de sua duração e in-
re pela completa e espontânea resolução do tensidade, surgirá dano reversível, agudo ou
ST com medicação, e coronárias normais à crônico, ou dano irreversível. A isquemia pode
cinecoronariografia. Vasoconstrição comple- ser de suplência ou de demanda. Isquemia de
ta ou quase com isquemia miocárdica é a res- suplência é causada pela cessação súbita do flu-
posta usual dessa variante anginosa à ergono- xo coronariano, produz uma perda da função
vina, sendo que a não-variante produz só 15- contrátil, originando severa disfunção sistóli-
20% de constrição epicárdica, sem isquemia. ca: perda de turgor coronariano, distensão da
Explica-se a freqüente associação de espasmo fibra, adelgaçamento da parede miocárdica e
coronariano com estenose orgânica por uma cessação da contração. Na isquemia de deman-
combinação de fatores: a) liberação de seroto- da, tal como a resultante de taquicardia ou
nina e tromboxane A2 de trombos plaquetá- exercício, em presença de fluxo coronariano
rios retidos pela estenose, substâncias que são limitado, a função contrátil preserva-se relati-
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vamente bem, enquanto se compromete o re- Quando de origem epicárdica, oferecem mais
laxamento diastólico (Capítulo IX). sangue do que quando distais e/ou com curso
Após cinco a dez minutos de isquemia com- intramiocárdico. Não são raros os casos em
pleta mas dependendo de circunstâncias me- que a circulação colateral chega tarde, ou seja,
tabólicas variadas, incluindo a reserva cardía- desenvolve-se integralmente, mas após ter se
ca de glicogênio, ocorre um aumento gradual constituído um infarto com fibrose e acinesia
da rigidez isquêmica com uma elevação na numa grande região do miocárdio. Dessa for-
pressão diastólica, virtualmente sem ativida- ma não se recupera músculo. Em outros casos
de sistólica. Geralmente mesmo reperfusão mais felizes, uma coronária oclui totalmente
completa não alivia a contratura isquêmica. sem provocar infarto porque a circulação co-
Os mecanismos para a contratura (“coração lateral foi precoce, ou seja, desenvolveu-se
de pedra”) incluem a depleção de ATP e au- completamente antes de a coronária ocluir.
mento do cálcio citosólico. A glicólise conti- Dependendo do tipo e grau de comprometi-
nuada e a produção de ATP glicolítico têm mento isquêmico, as regiões atingidas desen-
um papel na manutenção da homeostase do volvem diversos tipos de assinergia (hipocine-
cálcio, provavelmente atuando indiretamente sia, discinesia, acinesia) (Capítulos V e X e
por manter a atividade da bomba de sódio. Figura X-12).
Sendo inibida a glicólise, a distensão diastóli-
ca aumenta.
Mesmo antes de cessarem os mecanismos EFEITOS DA ISQUEMIA
de compensação, o melhor remédio é o de- SOBRE O MIOCÁRDIO
senvolvimento de circulação colateral para a
zona comprometida. O fluxo colateral coro- O efeito hemodinâmico imediato da estenose co-
nariano supre a zona de isquemia por meio de ronariana é diminuir a pressão de perfusão à
artérias alternativas e/ou neoformação vascular jusante ou seja no segmento distal à obstrução; a
desenvolvidas para suprir a zona atingida pela seguir, o miocárdio isquêmico torna-se hipo-
artéria ocluída. Oclusão coronariana gradual contrátil, aumentando sua rigidez e diminuin-
provoca um desenvolvimento neo-arterial len- do seu relaxamento, o que dificulta a expan-
to, sendo que o resultado de oclusão comple- são diastólica das coronárias, agravando a is-
ta varia de paciente para paciente. Em alguns, quemia. Orias, em 1932, foi o primeiro a de-
um desenvolvimento precoce e completo pre- monstrar o efeito negativo da isquemia sobre
vine o infarto e até a angina. Em outros, cerca a contração do ventrículo esquerdo, ao ligar a
de 20%, não se desenvolve circulação colate- artéria coronária descendente anterior em cão.
ral, e o resultado de uma oclusão é desastroso, Quando a estenose atinge respectivamente
com perda variável de miocárdio. Ocorrendo 60% e 75% e o fluxo subendocárdico dimi-
a isquemia subendocárdica por oclusão de uma nui, ocorrem alterações metabólicas e modifi-
grande coronária, uma frente de onda necró- cações da contratilidade e do ECG, geralmente
tica avança em direção ao epicárdio, a rigidez no momento em que o fluxo coronariano di-
miocárdica comprime mais as artérias coro- minui de 40 ml/min (Figura VIII-18). Reco-
nárias e o efeito erétil coronariano fica preju- nhece-se a reduzida extração de lactato como
dicado, diminuindo o fluxo diastólico, e ins- o distúrbio inicial da isquemia miocárdica,
talando-se depois a insuficiência contrátil por havendo um gradiente de concentração de lac-
isquemia de suplência. tato do subendocárdio para o subepicárdio.
A magnitude e efetividade da circulação Este distúrbio representa uma mistura de con-
colateral depende do tempo de formação, tipo, tribuições da porção isquêmica do miocárdio,
extensão, tamanho, trajeto e origem desses que produz lactato, e da porção oxigenada, que
vasos, mas a precocidade é fundamental. extrai lactato, havendo uma relação da lacta-
220 C ARLOS ANTONIO M ASCIA OTTSCHALL
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cidemia com a hiperpotassemia decorrente da querdo, dependentes da queda do fluxo coro-


acidose. nariano.
Em pacientes estáveis, ao progredir a este- Quando a pressão de perfusão pós-esteno-
nose coronariana, a função ventricular em re- se diminui de 50 mmHg, que é o limite para
pouso permanece normal até que a área de a vasodilatação auto-reguladora, hipofluxo
secção transversal do vaso diminua de um li- adicional agrava um miocárdio já isquêmico.
mite mínimo (± 0,08 mm2), os mecanismos Vasodilatação com diminuição da pressão de
compensatórios mantenedores do fluxo san- perfusão e agregação plaquetária pioram o flu-
guíneo coronariano falhem e este caia abaixo xo. A resistência estenótica variável pode de-
de um limiar crítico, quando a função contrá- terminar também variável oferta de O 2, atin-
til ventricular na zona mal irrigada começa a gindo o limiar de surgimento da angina. Cain-
declinar exponencialmente (Figura VIII-19). do a pressão de perfusão coronariana a 20-40
Como conseqüência da isquemia aguda suben- mm Hg os capilares podem colapsar (pressão
docárdica ou transmural surgem hipocinesia crítica de fechamento). Determinada pressão
e discinesia segmentares, rigidez miocárdica crítica de fechamento, associando-se a dano
que piora a perfusão, aumento do volume dias- endotelial e liberação de endotelina, impede
tólico final (VDF) e da Pd 2 do ventrículo es- ou retarda a restauração do fluxo. Havendo

Fluxo coronariano (ml/min) Fluxo coronariano (ml/min)


66 60 56 50 45 42 39 36 33 30 26 66 60 56 50 45 42 39 36 33 30 26

150 45 Arterial
Fluxo coronariano
100 40 Potássio (mEq/l)
Pressão artéria
50 coronária 35
(mmHg)
0 30
25 (dim·seg·cm-5)

20 1
Resistência 0
15 vascular –1 S-T mm Der II
coronariana –2
10 –3

50 Lactato (mg/100ml)
Arterial
Pressão átrio esquerdo
40 20

Fluxo coronariano (mmHg)


30 10

20 0

0 5 10 15 20 25 30 35 40 0 5 10 15 20 25 30 35 40
Tempo (minutos) Tempo (minutos)
FIGURA VIII-18. Efeitos da isquemia sobre o miocárdio. Á esquerda: Queda na pressão arterial coronariana (pós
obstrução), com fluxo coronariano arterial sustentado < 40 ml / min (isquemia miocárdica) produz queda na resis-
tência coronariana (vasodilatação por auto-regulação), elevação do lactato (aumento da produção por anaerobio-
se) colhido no sangue do seio venoso coronariano; continuando, à direita: elevação do potássio (perda celular),
também no sangue venoso do seio coronariano, infradesnível do segmento ST do ECG (sofrimento subendocárdi-
co) e aumento da pressão no átrio esquerdo, conseqüente a aumento na Pd 2 do ventrículo esquerdo por diminuição
da complacência (efeito isquêmico) (modificado de Case, Roselle, Crampton 1966 e de Duarte 1978).
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50 e a velocidade de contração, a isquemia preju-


Movimento parietal ventricular (%)

dica também o relaxamento diastólico do co-

40 ração, o que é evidenciado por diminuição da

dP/dt negativa e aumento do período de rela-

30 xamento isovolumétrico. Isto é, a diástole fica


mais lenta e o ventrículo esquerdo mais rígido,
20
ou seja, diminui a complacência ventricular .
Esses efeitos diastólicos se iniciam pela dimi-

nuição da ATP intracelular, com diminuição


10 ++
da liberação do Ca a partir do retículo sar-

coplasmático. A hipocomplacência aumenta


0 a resistência ao enchimento ventricular e ele-

va a Pd do VE. A combinação de disfunção


2
160 sistólica e diastólica acaba causando sintomas
Fluxo reativo (%)

de congestão pulmonar. O metabolismo anae-

140 róbico propicia formação de mais ácido láti-

co, em vez de ATP, aumenta a acidose teci-

dual e a excreção de lactato, o qual se eleva no


120
sangue venoso acima do seu valor no sangue

arterial.
100
0 20 40 60 80 100 Como reação à isquemia, entra em ação

uma resposta vasodilatadora através do meca-


Estenose coronariana (%)
nismo da adenosina e dos canais vasculares de
FIGURA VIII-19. Em cima: A fração de ejeção do ventrí-
potássio sensíveis à ATP; porém, devido à le-
culo esquerdo em repouso começa a cair quando a es-
tenose coronariana chega a 80% da luz do vaso. Em- são endotelial geralmente presente na corona-
baixo: Nessa ocasião surge hiperemia reativa colateral riopatia, esse esforço compensatório acaba sen-
inversamente relacionada com a intensidade da este-
nose (modificado de Schwarz, Flameng, Thiedemann, do vencido pela vasoconstrição mediada pelo
e cols. 1978). endotélio. A hipóxia miocárdica aguda é ca-

paz de determinar imediatas alterações fun-

cionais na zona atingida, que vão num cres-


interrupção total da circulação coronariana, cendo até a necrose cardíaca. Isto é, o primeiro
desenvolve-se agudamente discinesia, poden- efeito da estenose coronariana é uma queda da
do chegar a aneurisma, maior aumento do pressão de perfusão distal à obstrução, o segun-
VDF e da Pd
2 e taquicardia, cujas intenções do, insuficiência contrátil do miocárdio, aumento
compensatórias deixam de ser suficientes para da pressão diastólica final, compressão subendo-
manter um débito cardíaco adequado, levan- cárdica e redução adicional da perfusão corona-
do o indivíduo à insuficiência ventricular es- riana, o terceiro, vasodilatação pela formação de
querda ou choque cardiogênico, dependendo adenosina, NO e abertura dos canais de potás-
da extensão da área atingida. sio, o quarto – devido à lesão endotelial –, tais
O efeito da isquemia no miocárdio ocorre estímulos vasodilatadores são sobrepassados por
em segundos, o qual perde a capacidade de forças vasoconstritoras, ou mesmo espasmo, media-
produzir tensão muscular. Assim, se for com- dos pelo endotélio, incluindo mecanismos neuro-
prometida quantidade suficiente de miocár- humorais e endotelina .
dio, haverá redução da função contrátil (di- Completa aerobiose mitocondrial propicia
minuição da dP/dt e da Vmax, do encurta- a formação de 32 ATP por ciclo de Krebs,
mento sistólico, do trabalho cardíaco e da fra- enquanto que o ciclo anaeróbico (ciclo do áci-
ção de ejeção). Além de comprometer a força do lático) sintetiza apenas dois ATP (Capítu-
222 C ARLOS NTONIO
A ASCIA
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lo III). Estando elevados os ácidos graxos, a são) a ATP pode ser restaurada ou por rotas

oxidação deles pelo miocárdio isquêmico so- de salvamento ou por síntese de novo. Con-

brepõe-se à da glicose. Este processo ocorre teúdo de ATP mas não de CP correlaciona

como resultado da estimulação, pela isquemia, com o retorno da função contrátil após reper-

da proteinoquinase AMP-ativada, a qual in- fusão. Na injúria celular reversível por isque-

diretamente aumenta a velocidade de entrada mia, as reservas de ATP geralmente são supe-

de ácidos graxos ativados na mitocôndria, onde riores a 60% do valor controle normal, e a

inibem a oxidação da glicose. O resultado é a microscopia eletrônica pode revelar só dimi-

aceleração da glicólise mas, como o piruvato nuição de glicogênio, condensação da croma-

não pode entrar no ciclo dos citratos, a glicó- tina nuclear, edema intermiofibrilar, intumes-

lise é desacoplada da oxidação e forma mais cência mitocondrial mas não dano sarcolemal

prótons nocivos. Outro prejuízo vem da acu- ou acúmulo de corpos densos nas mitocôn-

mulação dos intermediários do metabolismo drias. Quando a ATP diminui de 30% perde-

lipídico ativados na membrana, como ácidos se a habilidade celular de regenerar fosfatos

graxos livres intracelulares, acetil-CoA e acil- de alta energia, preservar o volume celular e

carnitina. Resistência à insulina é uma condi- manter regulação iônica, havendo injúria ir-

ção clínica comum, ocorrendo em diversas si- reversível e morte celular, a despeito de reper-

tuações, como obesidade, hipertensão e recen- fusão.

temente encontrada na insuficiência cardíaca Mais de 90% dos casos de infarto agudo

severa, cujo mecanismo pode ser relacionado do miocárdio (IAM) estão relacionados à oclu-

a excesso de ácidos graxos circulantes. O com- são coronariana aguda com trombo. A lesão

prometimento do transporte da glicose para o coronariana responsável pelo IAM freqüente-

músculo pode precipitar ou exagerar o estado mente é um estreitamento vascular leve a

diabético. moderado, sendo a trombose acrescida à pla-

A isquemia reduz progressivamente a ati- ca rompida que ocasiona a oclusão aguda, ao

vidade aeróbica, podendo chegar ao limite invés da severidade do estreitamento da pla-

anaeróbico, formando-se excesso de íons


+
H . ca, como demonstrou de Wood. Em cerca de

A queda ou a diminuição extrema de fosfatos 90% dos pacientes, o período precoce (0-4

de alta energia – ATP e creatinafosfato (CP) –, horas) do IAM transmural é caracterizado por

interferindo com o mecanismo de bomba de uma completa ausência de fluxo sanguíneo na

Ca
++ do citosol, aliada ao menor pH tecidual artéria doente. Além disso, a ocorrência de

na isquemia, prejudica a liberação do Ca


++ do oclusão total é significativamente alta após 12

sarcolema, do retículo sarcoplasmático ou de a 24 horas do início da dor. Diminuição ab-

ambos, comprometendo a interação do Ca


++ soluta ou relativa de fluxo sanguíneo para de-

com os sítios receptores específicos da proteí- terminada área do miocárdio pode não causar

na reguladora troponina C, e permitindo que morte dos miócitos, se houver reperfusão em

a troponina I permaneça inibindo a interação tempo adequado. O tempo de transição de

actina-miosina. Durante a isquemia a CP cai dano reversível para morte celular não é o

mais rapidamente que a ATP, pois é usada para mesmo para todas as células. Primeiro, a ne-

unir-se à ADP e regenerar a ATP, auxiliada crose manifesta-se nas regiões subendocárdi-

pela enzima mioquinase. Se essa reação não se cas em aproximadamente vinte minutos após

efetiva, a ADP perde um fosfato, se transfor- a oclusão e progride como uma frente de onda

ma em AMP e esta se degrada progressivamen- de morte celular transmural em direção ao

te em adenosina, inosina, hipoxantina e xan- epicárdio, até que o IAM atinja seu tamanho

tina, cujos níveis aumentam e estimulam vá- final entre três e seis horas. A extensão do in-

rias rotas e processos restauradores. Na fase de farto depende da duração e intensidade da is-

recuperação de uma crise isquêmica (reperfu- quemia, da interação entre demanda e aporte
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de O2 para os tecidos isquêmicos e da quanti- angioplastia coronariana ou cirurgia de revas-


dade e precocidade da reperfusão ocorrida. cularização.
Como visto, na presença de fluxo colateral bem Durante o período pós-isquêmico, ao res-
desenvolvido a morte celular não ocorre. taurar-se o fluxo coronariano, o potássio mio-
cárdico eleva-se espontaneamente, sendo a
intensidade da recuperação fluxo-dependen-
REVERSIBILIDADE DA ISQUEMIA te. Na isquemia recente sem infarto, a reposi-
MIOCÁRDICA ção do fluxo coronariano reverte imediatamen-
te as alterações eletrocardiográficas, mecâni-
Como o miocárdio preserva-se dos efeitos isquê- cas e clínicas. Em presença de infarto agudo
micos antes de necrosar, a reversão da isquemia é do miocárdio, a desobstrução coronariana até
um alvo a ser buscado. Em 1935, Tennant e seis horas após, de preferência até três horas
Wiggers produziram em cães uma discinesia após, pode diminuir significativamente a área
distal à ligadura das coronárias e reconhece- de infarto e melhorar (em alguns casos nor-
ram que comprometimento regional da fun- malizar) a função ventricular esquerda a lon-
ção miocárdica relaciona-se a desordem da go prazo. Na isquemia crônica sem infarto, as
contração nessa zona, gastando-se à energia manifestações clínicas costumam ceder logo
do músculo normal para expandir a zona ina- que o fluxo se refaz, mas as mecânicas e ele-
tiva. Também reconheceram que reperfusão trocardiográficas desaparecem ou regridem
logo depois da oclusão temporária de uma acentuadamente ao longo de semanas ou me-
coronária epicárdica causa restabelecimento de ses, através da recuperação do miocárdio “hi-
função muscular. Estudos posteriores mostra- bernante” ou do miocárdio “nocauteado”. Na
ram que a correlação entre tempo de cessação isquemia crônica com infarto antigo, a desobs-
do fluxo e necrose miocárdica é exponencial: trução coronariana não costuma melhorar a
reperfusão em trinta minutos salva cerca de função do ventrículo esquerdo (Figura VIII-
80-90% de miocárdio, enquanto que reper- 20). Isto é, quanto mais cedo se der a reversibi-
fusão depois de quatro horas salva apenas 10- lidade da isquemia miocárdica, tanto mais rá-
20% de miocárdio. Havendo reperfusão, existe pido se dará a recuperação elétrica e funcional, e
um retardo ou plateau para recuperação a ní- vice-versa.
veis basais da contração: após cinco minutos A Figura VIII-21 mostra os dados hemo-
de oclusão este retardo é de quinze minutos dinâmicos e ventriculográficos de um pacien-
mas pode durar até quatro semanas se a oclu- te que, tendo sofrido um infarto agudo do
são for permanente. Magnitude e rapidez da miocárdio por oclusão proximal da artéria
recuperação dependem da gravidade da injú- descendente anterior, foi submetido a reper-
ria e são maiores na periferia que na região fusão por estreptoquinase e angioplastia coro-
central da área afetada. Precocemente, na zona nariana precoce, estudado logo após e subme-
indene periférica ao infarto, ocorre uma hi- tido a novo estudo hemodinâmico 36 horas
percontratilidade, atribuída ao mecanismo de depois. Nota-se nesse caso de boa evolução
Frank-Starling ou à liberação de catecolami- melhoria de todos os determinantes da fun-
nas, o que aumenta a fração de ejeção, poden- ção cardíaca. Na Figura VIII-22 estão expos-
do mantê-la estável. Isto é, o efeito da isque- tos dados de 64 pacientes que tiveram estuda-
mia aguda ou crônica sobre área miocárdica não da sua função ventricular seis meses após an-
necrótica é corrigível, ao refazer-se o fluxo coro- gioplastia coronariana, sendo que 46 manti-
nariano. Isto ocorre espontaneamente através veram a artéria pérvia e 18 tiveram reesteno-
da reversão de um espasmo ou do desenvolvi- se. Verificou-se diferença estatisticamente sig-
mento rápido ou lento de circulação colate- nificante na relação Pd2/PS e na fração de eje-
ral, ou terapeuticamente através de drogas, de ção do ventrículo esquerdo, para melhor, en-
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70 ACA fico da revascularização, e o ganho sustentado a


ICA longo prazo. Note-se que, imediatamente após
angioplastia, a melhoria das medidas ocorreu nos
ACF
dois grupos mas só a manteve o grupo que per-
50 ICF maneceu revascularizado. É considerado que boa
função ventricular esquerda e presença de arté-
ria relacionada ao infarto aberta são fatores in-
FE (%) dependentes de prognóstico no infarto agudo.
O miocárdio tem uma variada e flexível
resposta à isquemia, oscilando de hipocontra-
tilidade aguda à estimulação tardia de rotas
sintetizadoras potencialmente protetivas, en-
volvendo sinais semelhantes aos indutores de
crescimento. Ao lado da angina e do infarto,

0 quatro entidades específicas recentemente


C S identificadas constituem novas síndromes is-
FIGURA VIII-20. Houve aumento significante (p<0,05) quêmicas: pré-condicionamento, atordoamen-
na fração de ejeção do ventrículo esquerdo entre o con- to, hibernação e isquemia de reperfusão.
trole (C) e o seguimento (S), após três a seis meses, de
pacientes submetidos a angioplastia coronariana que ti- 1) Pré-condicionamento isquêmico: Quan-
nham angina (A) ou zona de infarto (I) e que permanece- do a isquemia se repete há proteção relativa.
ram com a coronária aberta (CA) na cinecoronariografia.
Pré-condicionamento isquêmico é uma expres-
Naqueles com A ou I que apresentavam a correspondente
coronária fechada (CF) não houve modificação estatisti- são nascida da constatação de que pacientes
camente significante (p>0,05) da fração de ejeção do ven- com sintomas ou manifestações isquêmicas
trículo esquerdo (Gottschall, Trindade e Miler 1997).
prévias costumam apresentar quadros menos
freqüentes e graves de infarto do miocárdio e
tre valores de antes e depois da angioplastia menor mortalidade que pacientes que o de-
nos que mantiveram o resultado, acontecen- senvolvem sem manifestações isquêmicas pré-
do o inverso nos que reestenosaram. Esse com- vias. Enquanto muitos episódios repetitivos de
portamento funcional comprova a reversibili- isquemia podem produzir dano cumulativo,
dade da situação isquêmica, pelo efeito bené- relativamente poucos episódios ou mesmo

FC = 100 cpm FE = 28% FC = 92 cpm FE = 39%


PS = 140 mmHg EAI = 12% PS = 140 mmHg EAI = 17%
Pd2 = 35 mmHg EAP = 7% Pd2 = 20 mmHg EAP = 12%
Pd2/PS = 25% Pd2/PS = 14%
VDF = 152 ml VDF = 125 ml
VS = 42 ml VS = 49 ml
dP/dt Pr = 1874 mmHg/seg. dP/dt Pr = 1762 mmHg/seg.
dP/dt Obs = 1120 mmHg/seg. dP/dt Obs = 1370 mmHg/seg.

A B

FIGURA VIII-21. Silhuetas em diástole e em sístole de ventriculografias e dados hemodinâmicos (Vide Capítulo X)
num paciente com infarto agudo do miocárdio por oclusão da artéria descendente anterior há quatro horas (A).
Melhora do ventriculograma e dos parâmetros hemodinâmicos (B) 36 horas após estreptoquinase e angioplastia
(Gottschall, 1988, 1995).
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100 ligados à Gi, como adenosina A1, muscaríni-


p < 0,05 p > 0,05 co M2 e receptores opióides aumenta a inibi-

ção da adenilciclase, produzindo um efeito


75
anti-adrenérgico indireto. Um terceiro possí-
FE
(%) vel mecanismo é a ativação do caminho beta-

50 adrenérgico, com dessensibilização do recep-

tor e acumulação de AMPc durante a repeti-

ção da isquemia. Estas propostas não são mu-


25 tuamente excludentes devido ao cruzamento

de sinais pós-receptor, e porque mais de uma

rota pode ser ativada simultaneamente.


0
ACTP – Mantida ACTP – Reestenose 2) Atordoamento miocárdico: “Miocárdio

atordoado” foi um termo sindrômico criado


Antes Após Tardio
por Braunwald e Kloner, para caracterizar pro-
FIGURA VIII-22. Fração de ejeção (FE) do ventrículo longada disfunção miocárdica pós-isquemia
esquerdo em 46 pacientes submetidos à angioplastia
coronariana que seis meses após estavam com a arté- (por semanas ou meses), com retorno even-
ria pérvia (ACTP mantida). Os valores de antes da ACTP tual a uma atividade contrátil normal. Ator-
são significativamente menores que os do controle tar-
doamento costuma ocorrer em várias situações
dio. Nos 18 pacientes que seis meses após tiveram re-
estenose (ACTP – reestenose) da artéria os valores não clínicas, como recuperação tardia da angina
mostraram diferença estatisticamente significante em de esforço, angina instável, reperfusão preco-
relação ao controle inicial (Gottschall, 1988, 1995).
ce pós-trombolítico, cardioplegia isquêmica,

transplante cardíaco, parada cardíaca, angio-

plastia coronariana primária no infarto agudo

uma breve isquemia severa seguida por reper- do miocárdio e no miocárdio atrial após ces-

fusão causam pré-condicionamento. Os cami- sar fibrilação crônica.

nhos envolvidos são complexos, com um ago- 3) Hibernação miocárdica: O termo “mio-

nista atuando num receptor heptahelicoidal e cárdio hibernante” surgiu por similitude com

conduzindo – por meio da ativação da protei- os animais que são capazes de acordar de um

noquinase C – à ativação do complexo MAP- longo inverno para uma vida normal. No caso

quinase (Capítulo VI). Isto pode levar a: a) do miocárdio, quando a função retorna com

abertura do canal de potássio ATP-sensitivo a restauração do fluxo sanguíneo, em minu-

talvez mediando pré-condicionamento de cur- tos ou horas depois de uma depressão funcio-

to prazo, ou b) síntese de novos fatores de cres- nal. Esta seqüência foi demonstrada na hiber-

cimento e outras proteínas protetivas, incluin- nação experimental aguda por algumas horas,

do síntese de óxido nítrico induzido, que pode na qual há subgradação da atividade contrátil

explicar condicionamento retardado. Embo- que acompanha a queda do fluxo coronaria-

ra o pré-condicionamento seja um fenômeno no. Há evidências de que a hibernação pode

multifatorial, adenosina é o seu principal ago- ocorrer mesmo em presença de fluxo corona-

nista isolado – através da ativação da protei- riano normal em repouso, porém com reserva

noquinase C –, a qual promove abertura dos diminuída, como surgimento de isquemia em

canais mitocondriais dependentes da ativação casos de taquicardia. Admite-se que o reduzi-

do K
ATP . A adenosina pode também mediar do fluxo sanguíneo nessas situações regula e

pré-condicionamento tardio. Pré-condiciona- adapta o miocárdio às condições prevalentes,

mento farmacológico por uma variedade de o que garante sua auto-preservação. Hiberna-

agentes atuaria na proteína Gi, sobrerregulan- ção crônica em humanos decorre geralmente

do-a, na Gq, ligada à fosfolipase e também na de coronariopatia severa, que causa reversível

Gs. Ativação dos receptores heptahelicoidais movimento parietal regional deprimido. O li-
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G
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mite do fluxo coronariano que conduz à hi- nadas a modificações de longo prazo nas cito-
bernação parece ser apenas 70 a 80% do nor- quinas e fatores de crescimento poderiam en-
mal. Constata-se que os segmentos hipocon- tão desencadear modificações complexas na
tráteis ainda mantendo extração de glicose à síntese proteica e degradação, às quais seriam
tomografia têm boa possibilidade de recupe- adicionadas forças físicas atuando no ventrí-
ração após reperfusão coronariana, o que ocor- culo, configurando o processo de remodela-
re em cerca de um quarto dos pacientes com mento. Excesso de cálcio citosólico surge pre-
miocardiopatia isquêmica. Em contraste, seg- cocemente na isquemia severa prolongada,
mentos com extração diminuída de glicose podendo ocorrer por abertura dos canais de
quase nunca se recuperam. Episódios recor- cálcio voltagem-sensitivos++no início da reper-
rentes de isquemia deixam atrás um miocár- fusão, ou liberação do Ca do retículo sarco-
dio repetidamente atordoado. Assim, de acor- plasmático, ou entrada nas células reperfun-
do com esta proposta, hibernação crônica não didas através do processo+ de+troca Na+/Ca++,
é mais que atordoamento cumulativo. conseqüente à troca Na /H , ativado por ra-
4) Isquemia da reperfusão: Isquemia de dicais livres ou por endotelina liberada durante
reperfusão começou como uma entidade ex- a reperfusão. Agentes estimulantes do ciclo do
perimental, variando de dano reversível com fosfatidilinositol (AII, endotelina e estimula-
pequena isquemia transitória à morte celular ção alfa1-adrenérgica) aumentando o IP3 du-
irreversível, com severa isquemia seguida por rante a reperfusão piorariam o atordoamento.
reperfusão. Efeitos adversos associados com Aumento transitório do cálcio pode também
reperfusão incluem arritmias, disfunção me- explicar arritmias de reperfusão. Geração di-
cânica, degradação de proteínas contráteis minuída de força sistólica ligar-se-ia à ativa-
como troponina I e apoptose. Admite-se que ção de proteases digestoras da troponina I e
estes efeitos adversos são de certa maneira auto-outras proteínas contráteis. Radicais livres do
limitados por um repertório de eventos mio- oxigênio deprimiriam diretamente +a contra-
cárdicos protetivos resultando da ativação de ção ou estimulariam o+transporte Na -H+ com
uma variedade de rotas de sinalização e meta- subseqüente troca Na -Ca , além de promo-
++
bólicas. Ao menos alguns desses eventos pare- verem apoptose. O fato de antioxidantes me-
cem ser desencadeados por reperfusão, en- lhorarem a função contrátil – por diminuí-
quanto outros resultam da fase isquêmica. Os rem os níveis citosólicos do cálcio e aumenta-
dois principais mecanismos causadores de rem a força de contração – suporta a idéia de
dano por reperfusão isquêmica são presença que radicais livres contribuem para a hiberna-
de radicais livres derivados do oxigênio e so- ção ou o atordoamento. Depois da isquemia,
brecarga de cálcio, provavelmente com efei- aumenta a produção de TNF-alfa por células
tos interativos. O resultado final é uma relati- intersticiais e por cardiomiócitos humanos, o
va insensibilidade da proteína troponina C que poderia promover atordoamento ou hi-
para o cálcio liberado do retículo sarcoplas- bernação por vários mecanismos: dessensibi-
mático. lização das proteínas contráteis ao cálcio, in-
Isto é, o espectro de síndromes isquêmicas, dução de outros agentes cardiodepressores,
incluindo dano isquêmico, atordoamento, hiber- como óxido nítrico ou interleucina-1, ou for-
nação e pré-condicionamento e suas conseqüên- mação de radicais livres.
cias podem ocorrer simultaneamente no mesmo A extensão da área infartada é o fator que
coração, e a disfunção pós-isquemia ser determi- melhor correlaciona, negativamente, com a
nada por uma combinação de doença isquêmica função contrátil ventricular, sabendo-se que
e síndrome de reperfusão. 40% de área de infarto agudo provoca cho-
Modificações de curto prazo no cálcio ci- que cardiogênico. Entretanto, alguns fatores
tosólico e na geração de radicais livres adicio- afetam essa correlação, cujos principais são:
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1) Duração da oclusão coronariana: É o essa circulação para a artéria do infarto influen-


fator mais importante, pois uma oclusão co- cia a recuperação funcional em paciente com
ronariana necrosa miocárdio numa curva ex- reperfusão tardia, através de vários mecanis-
ponencial em relação ao tempo. Se interrom- mos que melhoram a nutrição da área atingi-
pida após seis horas, permite recuperação de da ou da área periférica ao infarto, impedindo
menos de dez por cento do miocárdio com- sua continuidade. Isto é, tão importante é esse
prometido. A recuperação da área infartada mecanismo que se considera infarto tipo Q re-
mostra uma curva exponencial negativa tem- sultado da ausência de circulação colateral e/ou
po-dependente, em média > 80% quando a oclusão completa de um ramo maior. A clínica
reperfusão se faz em menos de meia hora a demonstra exemplos de pacientes com boa
partir da oclusão coronariana, > 50% antes preservação da função ventricular pós-oclusão
da primeira hora, ± 30% em duas horas, > coronariana, apenas porque possuíam circu-
10% na terceira hora e ± 5% na sexta hora. lação colateral bem desenvolvida. Muitos re-
Pacientes reperfundidos até a quarta hora, em sultados, inclusive nossa experiência, eviden-
média, mostram significantemente menores ciam que acinesia em repouso não é necessa-
volume diastólico final e volume sistólico fi- riamente causada por necrose permanente, e
nal e ganho de 6% ou mais na fração de eje- que, na presença de vasos colaterais visíveis,
ção no terceiro dia do infarto, ou de dois a há isquemia reversível na região irrigada por
quatro meses, quando comparados com pa- uma coronária ocluída.
cientes sem reperfusão em tempo equivalen- 3) Perviedade da artéria responsável pelo
te. A recuperação funcional global e regional infarto: Mesmo que se constitua necrose, a
tardia pode ser considerada como uma recu- posterior perviedade da artéria “culpada” in-
peração do miocárdio “hibernante” dos pri- fluencia positivamente a função ventricular,
meiros dias do infarto. por ação na musculatura periférica ao infarto.
2) Presença e efetividade de circulação co- A “teoria da artéria aberta” indica importante
lateral para a área atingida: Circulação colate- papel para a revascularização na fase crônica
ral efetiva para a zona atingida pode ser salva- da doença isquêmica, com ou sem infarto (Fi-
dora, diminuindo significativamente o desen- gura VIII-20). Uma das bases dessa afirmação
volvimento da necrose, e, em alguns casos que está na marcada heterogeneidade histológica
se faz completa, impedindo essa mesma ne- e atividade metabólica residual em grande
crose, principalmente quando a isquemia se número de infartos crônicos tipo Q. Isso im-
desenvolve de forma mais crônica. Aceita-se plica a presença de tecido viável e possibilita
que o fluxo colateral seja o determinante maior melhoria funcional após restauração do fluxo
no curso e no tamanho final do infarto agudo que se segue à recanalização coronariana, ain-
do miocárdio. Em animais de experimenta- da que tardia, por reparo nos processos meta-
ção, sem ou com pequeno fluxo colateral, a bólicos. Assim, mesmo se ocorrer horas ou dias
morte celular ocorre entre 20 e 180 minutos. após o evento agudo, a restauração espontâ-
Na presença de fluxo colateral bem desenvol- nea ou provocada do fluxo anterógrado na
vido, a morte celular não ocorre. Como visto, artéria do infarto pode melhorar a função car-
a efetividade da circulação colateral depende díaca um mês após, e diminuir a mortalidade
do tempo de formação, tipo, extensão, tama- a longo prazo. Em pacientes com fração de
nho, trajeto e origem desses vasos, mas a pre- ejeção < 50% a artéria fechada associou-se com
cocidade é fundamental. Quando de origem maior mortalidade, quando comparada com
epicárdica, oferecem mais sangue do que quan- o grupo com artéria aberta. O estado da arté-
do distais e/ou com curso intramiocárdico. ria não se associou com diferença de mortali-
Mesmo que seja insuficiente para impedir o dade nos pacientes com fração de ejeção >
desenvolvimento de algum grau de necrose, 50%. Em outro estudo, se a fração de ejeção
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pressórica, ou seja, um músculo bom pode fun-


cionar mal se a carga oferecida a ele for alta de-
fosse > 50% e a artéria responsável pelo infar-

mais
to suprisse < 25% da massa ventricular esquer-
da, o prognóstico não era afetado, caso a mes- . Isso se confirma em presença de regur-
ma permanecesse ocluída. Por outro lado, se a gitação valvular, curto-circuito, grande aumen-
fração de ejeção < 50%, uma artéria “culpada” to da pós-carga. Por outro lado, condução
ocluída era prognosticamente importante, fosse bioelétrica alterada, insuficiente retorno veno-
qual fosse a massa miocárdica suprida por ela. so, estímulo vagal podem reduzir marcada-
Sendo precoce a reperfusão, o maior bene- mente a função de um coração normal sob
fício pode ser a preservação da função ventri- outros aspectos, e ainda mais se for doente.
cular, enquanto que, se tardia, o efeito maior Pode haver débito cardíaco (DC) baixo, em
pode relacionar-se ao remodelamento e expan- termos de bomba, sem insuficiência miocár-
são do infarto. A dilatação ventricular pode dica (por exemplo, estenose mitral), como
ser evitada por uma cicatrização mais adequa- pode haver insuficiência contrátil do miocár-
da ou pelo escoramento propiciado pelo anel dio, sem insuficiência cardíaca (por exemplo,
pericárdico poupado, em conjunto com o san- cardiopatia isquêmica compensada), desde que

o coração doente pode


gue presente nas artérias e veias, ancorando a os mecanismos adaptativos se conjuguem para

manter um desempenho adequado durante anos


zona do infarto e prevenindo a expansão. A compensar o DC. Isto é,
permanência do fluxo também pode propi- .
ciar melhor recuperação do miocárdio “hiber- Diminuindo o estado contrátil, o débito ain-
nante”, além de reduzir arritmias emergentes da pode ser mantido em níveis adequados por:
de zonas com instabilidade elétrica, e aumen- a) aumento da freqüência cardíaca; b) aumento
tar colaterais para outros territórios isquêmi- do volume diastólico final e/ou da hipertrofia
cos. Todos esses efeitos contribuem para di- (aumento da pré-carga); c) diminuição da
minuir a mortalidade e a morbidade dos pacien- impedância aórtica (diminuição da pós-car-
tes que continuam com a coronária responsável ga); d) melhora da assinergia; e) combinação
aberta, ainda que se mantenha a escara. desses mecanismos. Dessa forma, é fácil ad-
4) Tempo em que a função é medida: Sen- mitir que DC normal em repouso já pode es-
do a função avaliada nas primeiras horas, cos- tar associado à avançada deterioração cardía-
tuma verificar-se hipercinesia compensadora ca. Sua queda indica grave falha individual ou,
nas zonas indenes, distorcendo a geometria mais freqüentemente, conjunta de todos os
ventricular, enquanto que, se avaliada após o mecanismos de reserva funcional cardíaca. Em
terceiro dia de recuperação do infarto, essa outros casos, com sinais clínicos de descom-
hipercinesia mostra-se sensivelmente diminuí- pensação, pode não haver insuficiência mio-
da, devido ao início da recuperação funcional cárdica para cargas normais mas apenas para
pela periferia da zona atingida. sobrecargas exaustivas, que, sendo removidas,
5) Drogas em uso: Finalmente, uso de cer- permitem o retorno da atividade cardíaca a

Insuficiência cardíaca pode ser definida como


tas drogas, como betabloqueadores, pode di- padrões normais de desempenho.

um estado em que o coração está inabilitado de


minuir a contratilidade miocárdica global e

manter circulação adequada às necessidades cor-


localizada, bem como agentes inotrópicos po-

porais, a despeito de adequado retorno venoso


dem aumentá-las.
.
Essa falência pode dever-se a sobrecarga au-
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA NA mentada, a assincronia contrátil ou a perda
CARDIOPATIA ISQUÊMICA primária e evolutiva de contratilidade por

Mesmo o miocárdio normal tem um limite de


comprometimento isquêmico localizado ou

resposta fisiológica à sobrecarga volumétrica ou


generalizado, o que se constitui, nesse último
caso, em insuficiência cardíaca por insuficiên-
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cia miocárdica. Isto é, toda insuficiência car- miofibrila); 2) hipertrofia e dilatação (aumento
díaca de origem isquêmica é uma insuficiência do número de sarcômeros); 3) hipersimpati-
miocárdica por perda primária e evolutiva de cotonia (intensificação da atividade beta-adre-
contratilidade .
O ciclo de eventos responsável nérgica).
pelas alterações fisiopatológicas e funcionais A diminuição da contratilidade é compen-
na cardiopatia isquêmica pode desenvolver-se sada por hipertrofia e, após, por dilatação ven-
num curto espaço de tempo ou em muitos tricular, elevação marcada da Pd 2, taquicar-
anos, não chegar a completar-se nos seus efei- dia, aumento da diferença artério-venosa de
tos mais graves, ou terminar nos desfechos O2 e, tardiamente, diminuição do volume sis-
mais temíveis, que são o infarto agudo do tólico e, finalmente, do débito cardíaco em
miocárdio, sem ou com morte súbita, ou a repouso. A insuficiência cardíaca congestiva
miocardiopatia isquêmica descompensada (Fi- grau IV ocorre quando o severo comprometi-
gura VIII-23). mento do estado contrátil mostra-se incapaz
Como as reservas cardiovascular e cardíaca de manter um débito cardíaco suficiente em
são muito grandes, o débito cardíaco pode estado basal, a despeito de marcado aumento
manter-se adequado por longo período em da Pd2 e da freqüência cardíaca. Insuficiência
repouso e em graus menores de exercício, por cardíaca compensada ocorre quando o estado
meio do desenvolvimento de mecanismos contrátil está deprimido, mas o débito é pre-
compensadores já vistos no capítulo VI: 1) servado com marcado (grau III) ou moderado
mecanismo de Frank-Starling (distensão da (grau II) aumento na pressão diastólica final

Assinergia e/ou
Assincronia

Morte Acinesia e/ou Sobrecarga


Subita Arritmia

Infarto Agudo Hipertrofia


do Miocárdio

Trombose Diminuição da
Contratilidade Dilatação
Coronariana

Isquemia Estimulo
Miocárdica b-adrenérgico

Aterosclerose Insuficiência
Coronariana Cardíaca Congestiva

Fatores de
Óbito
Risco Coronariano

FIGURA VIII-23. Seqüência de eventos possíveis na história natural da cardiopatia isquêmica, desde o surgimento
de fator(es) de risco coronariano até o óbito por insuficiência cardíaca congestiva (Gottschall 2003).
230 CARLOS ANTONIO M ASCIA G OTTSCHALL © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

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IX
CAPÍTULO
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Diástole Normal e Anormal

H á quase dois mil anos, Galeno falava da


dilatação ativa dos ventrículos como “de-
terminante na transferência do sangue das
mitral –, sobrevém outro período, da abertu-
ra até o fechamento da mitral, durante o qual
o volume ventricular aumenta com mudan-
veias cavas ao coração”. Diástole é uma pala- ças variáveis na pressão intraventricular, cha-
vra de origem grega que significa expansão e mado de relaxamento auxotônico. Cerca de
serve para designar em cardiologia o período sessenta e cinco por cento do enchimento ven-
de enchimento das cavidades atriais ou ven- tricular se faz no período de enchimento rápi-
triculares. De um fenômeno julgado no pas- do, dez por cento no período de enchimento
sado como passivo, a diástole ventricular ad- lento e vinte e cinco por cento decorre da sís-
quiriu, no determinismo da função cardíaca, tole atrial.
uma importância quase semelhante à da sís- Antigamente considerava-se a diástole um
tole, termo também de origem grega e que sig- fenômeno fundamentalmente passivo. Hoje
nifica contração. No desenvolvimento da dis- sabe-se que sua eficiência decorre de proprie-
função cardíaca, as alterações diastólicas, se não dades físicas, mecânicas, arquiteturais e meta-
precedem, pelo menos, são mais aparentes que bólicas do miocárdio, pois o desempenho do
as sistólicas numa fase inicial. Algumas con- coração como bomba sistólica depende não
dições fisiológicas (taquicardia, envelhecimen- só das propriedades contráteis mas também
to) e outras fisiopatológicas (isquemia, hiper- do momento de início, velocidade e extensão
trofia, infiltração) manifestam-se em sua evo- da fase de relaxamento. O relaxamento ven-
lução principalmente por disfunção diastólica. tricular engloba: a segunda parte da ejeção
(onde já começa), o relaxamento isovolumé-
trico e a fase de enchimento ventricular rápi-
PROPRIEDADES DIASTÓLICAS do, onde termina. É importante entender esse
DO CORAÇÃO conceito para compreender a disfunção dias-
tólica como algo essencialmente ligado às pri-
Se bem que pela auscultação a diástole come- meiras alterações da contração cardíaca. Ini-
ce com o segundo ruído, considerando-se o de- cialmente, o relaxamento é determinado pelo
sempenho do coração como bomba, o período de seqüestro do cálcio citosólico e a reversão que
relaxamento isovolumétrico dos ventrículos é visto causa na tensão interfascicular acumulada na
como o início da diástole, seguido do enchimen- musculatura miocárdica durante a sístole pre-
to ventricular rápido, enchimento ventricular cedente, podendo levar a pressão diastólica
lento ou diástase e contração atrial. Após o inicial (Pd1) a níveis menores que zero, tanto
período isovolumétrico – que vai do fechamen- mais negativos quanto mais intensa a contra-
to da válvula aórtica até a abertura da válvula tilidade. Em condições normais, na fase de
236 C
ARLOS A
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enchimento lento há uma acomodação entre são é curvilinear. No início, uma grande mu-
volume e pressão intracavitários, de modo que, dança de volume causa nulo ou pequeno au-
em função da complacência miocárdica, o mento de pressão, e, no fim, pequeno aumen-
volume continua aumentando, sem pratica- to de volume causa relativamente grande au-
mente variar a pressão. Esse fenômeno é fun- mento de pressão, o que significa que a rigi-
damentalmente passivo mas também ainda dez se modifica durante o enchimento (Figu-
dependente das propriedades viscoelásticas do ra IX-1). Isto é, de uma maneira geral, quanto
miocárdio, que decorrem de um metabolis- mais cheio o ventrículo, tanto mais rígido. A ri-
mo ativo. Isto é, o enchimento do ventrículo es- gidez de qualquer ponto ao longo da curva de
querdo reflete a interação entre sucção diastóli- volume/pressão se chama rigidez operativa.
ca, pressão média do átrio esquerdo e rigidez elás- Desse modo, a pressão diastólica final (Pd2)
tica passiva desse ventrículo. do VE pode aumentar por ação de um aumento
Definindo: Desativação é a perda da capa- agudo no volume diastólico final desse ventrícu-
cidade muscular de gerar força ativa. Relaxa- lo, ou seja, um aumento dependente da pré-
mento é o processo pelo qual o miocárdio re- carga na rigidez operativa, por sobrecarga vo-
gressa a suas condições iniciais de comprimen- lumétrica e/ou por sobrecarga pressórica, e
to e tensão em repouso. Estiramento é a mu- também por uma doença que diminua a com-
dança percentual de dimensão (deformidade) placência, como a hipertrofia (Figura IX-2).
entre a fibra em repouso e depois de aplicada Ventrículos são câmaras anatômica e fun-
uma força. Complacência ou distensibilidade é cionalmente separadas mas compartem em co-
a relação entre a mudança de estiramento em mum o septo interventricular e o pericárdio.
relação à mudança de tensão. Nos ventrículos, O pericárdio atua como uma barreira à dis-
se expressa como a relação entre a variação de tensão ventricular, nos casos de sobrecarga
volume pela variação de pressão ( DV/DP). aguda de líquidos e na insuficiência cardíaca,
Complacência específica é a complacência nor- alterando o enchimento ventricular, e influen-
malizada para a variação de volume. A otimi- cia a diástole por apresentar uma elasticidade
zação das propriedades viscoelásticas do mio- própria, limitando a distensibilidade das câ-
cárdio (treinamento físico, sobrecargas volu- maras cardíacas. Assim, a pressão intrapericár-
métricas moderadas, fluxo coronariano amplo) dica aumenta com o crescimento ventricular
aumenta a complacência. Diminuem a com- até o limite de distensibilidade do pericárdio,
placência e aumentam a rigidez: isquemia, que se torna restritivo. Essa pressão volta ao
infiltração intersticial, fibrose, pericardite, di- normal quando o coração retorna ao volume
latação miógena. Rigidez é o inverso da dis- anterior.
tensibilidade. A rigidez da câmara ( P/D DV) é
diretamente proporcional à “dureza” e à mas-
sa miocárdica e inversamente proporcional ao RELAXAMENTO DIASTÓLICO
volume ventricular. Portanto, maior rigidez NORMAL E ANORMAL
significa maior aumento de pressão para a ex-
pansão de um mesmo volume. Nos casos de Como visto no Capítulo IV, o cálcio se encar-
hipertrofia pode existir rigidez ventricular e rega do acoplamento e desacoplamento das
não miocárdica. Quanto mais cheio o ventrí- proteínas contráteis. O relaxamento isovolumé-
culo, menos distensível ou mais rígido, pois, à trico é um processo ativo energia-dependente,
medida que aumenta seu volume, há um li- requerendo ATP para a tomada dos íons cálcio
mite até o qual a pressão quase não aumenta, pelo retículo sarcoplasmático (RS). Porém, o
e depois passa a crescer exponencialmente. processo se completa muito antes de a tensão
Assim, durante o enchimento do ventrículo muscular atingir seu valor mínimo, uma vez
esquerdo (VE), a relação entre volume e pres- que a desativação miocárdica se inicia duran-
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Relaxamento
30
isométrico FIGURA IX-1. Em cima: Rela-
PVE ções entre pressões e volumes
diastólicos. A grande compla-
cência normal garante que du-
mmHg

Pd2 rante o enchimento a pressão


diastólica dos ventrículos pra-
ticamente não aumente. O
ventrículo esquerdo pode acei-
PAE tar um aumento de 70 ml de
volume e aumentar apenas 10
0 Pd1 mmHg sua pressão diastólica
final. Embaixo: Fluxos diastó-
licos. A onda E representa o
150 E A fluxo do enchimento ventri-
cular rápido, e a onda A repre-
senta o fluxo provocado pela
ml/seg

Diástase contração atrial. PAE = pres-


dV/dt
são atrial esquerda. PVE =
Enchimento Sístole pressão ventricular esquerda
rápido atrial (Gottschall 2005).
–100

te a sístole tardia e já está completa no come- mento; b) as propriedades viscoelásticas ine-


ço da fase auxotônica do relaxamento. Mes- rentes do miocárdio normal são importantes,
mo assim, a queda da pressão isovolumétrica pois, no coração hipertrofiado, o relaxamento
paraleliza proximamente a desativação mio- ocorre mais lentamente; c) a fosforilação au-
cárdica, refletindo a liberação do cálcio a par- mentada da troponina I intensifica a veloci-
tir da troponina C e o seqüestro do mesmo dade de relaxamento; d) a contração afeta as
pelo retículo sarcoplasmático. Isto é, o relaxa- relações das pontes cruzadas, sendo que a in-
mento é um processo ativo. Entre os muitos fa- tensidade do relaxamento varia diretamente
tores celulares complexos influenciando o re- com a carga sistólica.
laxamento, quatro são de interesse especial: a) Variação do volume ventricular esquerdo
a queda dos níveis de Ca++ citosólico requer (dV/dt) indica a velocidade do enchimento
ATP e fosforilação do fosfolamban para to- desse ventrículo, o que se faz cedo na diástole
mada do íon pelo RS e conseqüente relaxa- (onda E) e durante a sístole atrial (onda A)

SAV FIGURA IX-2. Relações pressão


diastólica final (PDF) – volume
diastólico final (VDF): 1) compla-
cência normal (NL); 2) compla-
RI SCV
NL cência aumentada (CA) na so-
brecarga crônica de volume
(SCV), como insuficiência mitral
e aórtica; 3) complacência NL na
redução aguda de volume
(RAV), como na hipovolemia; e
PDF CD
4) na sobrecarga aguda de vo-
lume (SAV), como na glomeru-
lonefrite aguda; 5) complacên-
cia diminuída (CD) na rigidez
RAV miocárdica (RI) por hipertrofia
CA miocárdica ou isquemia, como
na hipertensão arterial, esteno-
se aórtica ou isquemia miocár-
dica, e nas cardiopatias restriti-
VDF vas (Gottschall 2005).
238 C ARLOS A
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em resposta ao gradiente de pressão átrio es- pelo retículo sarcoplasmático e pelo sarcole-
querdo-ventrículo esquerdo (gradiente trans- ma, aumentam a afinidade da troponina C
mitral). O gradiente inicial na pressão diastó- pelo íon e diminuem a velocidade de inativa-
lica é gerado quando a pressão ventricular es- ção da ponte cruzada. Essas anormalidades
querda cai abaixo da pressão atrial esquerda, e aumentam a duração da ativação e retardam a
o gradiente diastólico tardio é formado quan- velocidade de relaxamento muscular. Desse
do a contração atrial aumenta a pressão atrial modo, diminui o declínio da velocidade da
acima da pressão ventricular esquerda (Figura pressão isovolumétrica, e o enchimento se tor-
IX-1). na mais lento.
Estas relações são complexas mas supõe-se Os fatores determinantes da função dias-
que quando a carga de trabalho é alta o pico tólica podem ser classificados em passivos ou
do cálcio citosólico também é, o que significa estáticos, relativamente imutáveis (hipertrofia,
que a intensidade da queda do cálcio deve ser fibrose e restrição pericárdica), e ativos ou di-
maior, considerando-se normais os mecanis- nâmicos, relativamente mutáveis, que são: 1)
mos de tomada do cálcio. Assim, a carga de velocidade de desativação do músculo (ho-
pressão sistólica e a intensidade do relaxamento meostase do cálcio, bomba do retículo sarco-
diastólico podem relacionar-se. Além disso, plasmático, proteínas contráteis); 2) hetero-
um grande comprimento muscular (quando geneidade funcional e temporal da contração-
a carga é grande) no fim da sístole pode pro- relaxamento; 3) modificações excessivas na
duzir mais rápida intensidade de relaxamento carga ventricular (Figura IX-3).
pelo oposto da sensibilização comprimento- 1) Velocidade de desativação do músculo:
dependente, havendo uma resposta mais mar- Desativação é o processo pelo qual a ativação
cada à taxa de declínio do cálcio no início da se desvanece, a intensidade do ciclo da ponte
diástole. Situações anormais, como hipertro- cruzada diminui e o músculo perde sua capa-
fia e isquemia, dificultam o transporte de Ca++ cidade de gerar força ativa, relaxando-se, ou

Isquemia
Hipertrofia Desativação ¯

Heterogeneidade ­ Relaxamento ¯

H.A.S.
Estenose Carga ­
aórtica Pressão diastólica ­

Hipertrofia
Alt. celular
Edema Rigidez ­
Fibrose

Derrame
Calcificação
Pericárdio
Dilatação
cardíaca

FIGURA IX-3. Triplo controle do relaxamento (desativação, heterogeneidade e carga) e interação entre fatores que
modificam as propriedades diastólicas do coração (Gottschall 1995).
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seja, revertendo ao estado de repouso. Qual- assincronia e/ou assinergia. Por exemplo, dis-
quer processo que diminua a desativação re- cinesia septal após um infarto agudo do mio-
tarda o início e a velocidade de relaxamento e cárdio leva este segmento a mover-se em dire-
causa uma disfunção diastólica. Como vimos ção oposta àquela em que se move a parede
(Capítulo IV), a velocidade de desativação do posterior, causando assincronia. A assinergia
músculo depende da remoção do cálcio do produz-se ao haver hipocinesia ou acinesia do
citosol pelo retículo sarcoplasmático e o sar- segmento infartado, com hipercinesia com-
colema, da afinidade da troponina C pelo cál- pensatória pelos segmentos normais. Isto é,
cio e da taxa de inativação das pontes cruza- estados de contração anormal prolongam a se-
das de actina-miosina. Durante isquemia mio- qüência de ativação e contração-relaxamento, au-
cárdica existe queda da ATP e diminuição da mentam o tempo de redução pressórica isovolumé-
energia disponível para retirada do cálcio ci- trica, retardam a abertura da válvula mitral e di-
toplasmático, o que leva a uma sobrecarga in- minuem a velocidade de enchimento rápido.
tracelular de cálcio, dificultando a inativação 3) Carga ventricular: As condições de car-
dos sítios ativos actina-miosina e retardando ga descrevem as forças que afetam o compri-
o processo de desativação. Isto é, ao prolon- mento (volume do ventrículo) e a tensão mio-
gar-se o processo de desativação, tanto o relaxa- cárdica (pressão do ventrículo). Podem ser
mento isovolumétrico como o relaxamento au- subdivididas em carga de alongamento (for-
xotônico tornam-se lentos, a rigidez da câmara ças aplicadas durante a fase inicial da diásto-
aumenta e as pressões diastólica do ventrículo le), pré-carga (força diastólica final) e pós-carga
esquerdo e venosa pulmonar elevam-se. (forças aplicadas durante a sístole).
2) Heterogeneidade da contração-relaxa- No caso do ventrículo esquerdo (VE), as
mento: Certo grau de heterogeneidade no fun- cargas de alongamento são as que se aplicam
cionamento dos sarcômeros (seqüência con- ao mesmo durante a diástole inicial. Incremen-
tração-relaxamento) é fisiológico mas desuni- to nessas cargas aumenta a velocidade e a mag-
formidade acentuada em condições patológi- nitude do enchimento inicial. São representa-
cas, como isquemia e fibrose, pode ser impor- das principalmente por: a) recuo elástico, pro-
tante moduladora do relaxamento diastólico. veniente de forças restauradoras ligadas ao cál-
Marcada heterogeneidade ventricular esquer- cio e armazenadas nos tecidos muscular e co-
da ocorre na presença de variações regionais netivo como energia potencial no fim da sís-
no início, velocidade e magnitude do encur- tole precedente (tensão interfascicular), res-
tamento e alongamento muscular segmentar, ponsáveis pela sucção do sangue do átrio es-
como é o caso da assincronia e assinergia em querdo, e que produzem a mínima pressão
geral. Assincronia reflete uma dispersão tem- diastólica ou mesmo pressão negativa (Pd1),
poral das seqüências de contração-relaxamen- pré-iniciando a fase de enchimento rápido dos
to, em que algumas fibras ou segmentos ati- ventrículos; b) gradiente de pressão transmi-
vam-se tardiamente no ciclo cardíaco, levan- tral, mais agudo no início, mas agindo duran-
do o encurtamento a continuar numa área, ao te todo o alongamento, que atua como uma
passo que o relaxamento e o alongamento se força impulsora do sangue para dentro do VE,
iniciam em uma outra área. Assinergia reflete e aumenta se a pressão atrial elevar-se ou se a
uma dispersão funcional das seqüências de pressão diastólica inicial do VE diminuir; c)
contração-relaxamento, causando diferenças velocidade e magnitude do enchimento ven-
acentuadas de encurtamento entre os segmen- tricular rápido, o que depende da sucção ven-
tos, com contração aumentada em uma área tricular e de uma abertura atrioventricular
(hipercinética) e diminuída em outra área (hi- normal; d) efeito “erétil” a partir do enchi-
pocinética ou acinética). Estados isquêmicos mento coronariano durante o relaxamento iso-
provocam relaxamento anormal, produzindo volumétrico (Figura IX-4).
240 CARLOS ANTONIO M ASCIA G
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PS (Pós-carga)
FIGURA IX-4. Influenciam as ca-
racterísticas da diástole: a) o re-
laxamento dos ventrículos, repre-
sentado principalmente pelo recuo
elástico na fase isométrica dias-
tólica, que resulta da reversão da
tensão interfascicular (TIF) forma-
da na sístole precedente; b) as
cargas de alongamento (a pressão
diastólica inicial ou Pd1, tanto mais
baixa quanto maior a TIF e melho-
res as propriedades viscoelásticas
Recuo Cargas de alongamento do miocárdio, o enchimento ven-
elástico tricular rápido – EVR –, quando se
(¯ TIF) completa 65% a 75% do enchi-
Pd1 EVR EEC EVL (G A-V) mento ventricular, o efeito erétil
coronário – EEC – e o enchimen-
to ventricular lento – EVL –, que
depende do gradiente atrioventri-
CA Pd (Pré-carga) cular – GA-V –, e quando se dá
2
10% do enchimento ventricular). A
contração atrial (CA) é responsável por 15 a 25% do enchimento ventricular. A pressão diastólica final ou Pd2 dos
ventrículos representa a pré-carga e a pressão sistólica (PS), a pós-carga (Gottschall 1995).

Durante estimulação catecolmínica a ve- rias por uma diástole eficiente. Inversamente,
locidade de relaxamento aumenta e intensifi- na oclusão coronariana há um efeito reverso,
ca o efeito succional, prolongando o período diminuindo a tensão, a pressão de perfusão, o
de enchimento, porque, quando o volume sis- trabalho cardíaco e o consumo de O2. Tanto a
tólico final fica menor que o volume de equi- cardiomiopatia hipertrófica como a estenose
líbrio, as fibras musculares encurtadas e a aórtica costumam apresentar velocidades de
matriz colágena podem atuar como uma mola enchimento muito lentas. Isto é, num estado
comprimida para gerar forças de recolhimen- patológico que torne o relaxamento mais lento, o
to elástico na diástole. Esse efeito elástico pode aumento da carga de alongamento pode norma-
ser de maior importância na estenose mitral lizar a velocidade de enchimento e mascarar as
porque, nesse caso, a válvula mitral não abre anormalidades de relaxamento causadas pela
adequadamente. Pela elevação do gradiente doença.
atrioventricular, a velocidade de enchimento A pré-carga representa a força aplicada ao
rápido e a velocidade de enchimento produ- miocárdio na fase final da diástole e a mudan-
zido pela contração atrial também aumentam. ça resultante no comprimento do sarcômero.
O desenvolvimento de regurgitação mitral em É estimada medindo-se o volume diastólico
pacientes com cardiomiopatia hipertrófica ou final do ventrículo esquerdo (VE), a pressão
de insuficiência do ventrículo esquerdo em diastólica final do VE e a tensão diastólica fi-
pacientes com estenose aórtica associa-se com nal do VE. Deve ser distinguida das cargas de
carga de alongamento aumentada – por ele- alongamento (recuo elástico, enchimento ven-
vação no gradiente transmitral e uma norma- tricular rápido, efeito erétil coronariano, gra-
lização subseqüente da velocidade de enchi- diente átrio esquerdo – VE) presentes duran-
mento máximo previamente reduzida –, au- te a diástole inicial, nas fases de redução pres-
xiliada por mais potente contração atrial. Efei- sórica isovolumétrica e enchimento rápido.
to erétil coronariano não é desprezível e con- Esta distinção tem importância crítica, pois
siste no alongamento e turgor miocárdico que estudos demonstram que aumento isolado na
se segue ao enchimento das artérias coroná- tensão diastólica final (pré-carga) não altera o
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relaxamento, ao passo que aumento no gra- excesso de carga sistólica o relaxamento ven-
diente de pressão entre o átrio esquerdo e o tricular torna-se crescentemente pós-carga-
VE (carga de alongamento) altera-o (Qua- dependente, de modo que redução terapêu-
dro IX-1). tica dessa carga poderia aumentá-lo. Entre-
Geralmente, os métodos usados para mo- tanto, carga aplicada na sístole tardia desli-
dificar a pré-carga também produzem mudan- ga as interações actina-miosina, com retor-
ças tanto na pós-carga como na carga de alon- no ao estado pré-contrátil, abrevia a contra-
gamento, sendo que cada uma delas tem efei- ção e acelera o relaxamento ventricular (carga
to independente na velocidade de relaxamen- de relaxamento).
to. Estudos mantendo constantes a pós-carga
e a carga de alongamento mostram serem o
relaxamento isovolumétrico e o auxotônico DISFUNÇÃO DIASTÓLICA
praticamente independentes da pré-carga.
Entretanto, a modificação da pós-carga com Embora a contratilidade diminuída seja a fei-
métodos farmacológicos ou mecânicos afeta a ção central da insuficiência miocárdica, mudan-
velocidade do relaxamento. Existe uma rela- ças no estado lusitrópico são igualmente impor-
ção inversa entre a pós-carga e o relaxamento, tantes no desenvolvimento da congestão pulmo-
de modo que, à medida que aquela aumenta, nar ou sistêmica, o que freqüentemente ocorre
o relaxamento isovolumétrico e o auxotônico na hipertrofia ventricular esquerda antes de os-
se tornam mais lentos, provavelmente devido tensivas anormalidades sistólicas.
a um maior estresse mecânico nas pontes cru- Se bem que a disfunção sistólica costuma
zadas. Isto é, carga precoce no período de con- alterar a função diastólica – o que é constante
tração acentua a interação actina-miosina, nos casos de insuficiência contrátil do mio-
prolonga a contração e atrasa o relaxamento. cárdio com dilatação miógena, alterações vis-
Desse modo, doenças como hipertensão arte- coelásticas, perda de complacência, aumento
rial sistêmica, estenose subaórtica hipertrófi- da pressão diastólica final e aumento de pres-
ca, estenose aórtica, pelo simples aumento na são nos átrios e nas veias aferentes –, em 1984,
pós-carga do ventrículo esquerdo, atrasam e foram descritas por Dougherty e cols. situa-
dificultam o relaxamento ventricular mesmo ções caracterizadas por sinais e sintomas de
antes de desenvolver-se hipertrofia significa- insuficiência cardíaca congestiva mas com fun-
tiva. Na insuficiência cardíaca causada por ção sistólica ventricular esquerda normal ou

QUADRO IX-1. Eventos diastólicos normais


Fases Mecanismo Carga Conseqüência
Isovolumétrica Desativação ventricular Ausência Diminuição da pressão
Diminuição da tensão intraventricular
intramiocárdica
Enchimento rápido Aspiração diastólica Inicial: Magnitude do Pd1
enchimento (EVR)
Auxotônica Gradiente AE-VE Alongamento final Variação V/P

Enchimento lento Distensibilidade Pré-carga Pd2


Contração atrial Encurtamento atrial Rigidez Onda “a”
AE – VE = átrio esquerdo – ventrículo esquerdo
EVR = enchimento ventricular rápido
Pd1 = pressão diastólica inicial
V / P = variação de volume / variação de pressão
Pd2 = pressão diastólica final
242 CARLOS A
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levemente reduzida e aumento das pressões mento, o que determina baixo volume sistóli-
diastólicas ventriculares (Pd 1 e Pd2). Estes co, piorado pelo concomitante comprometi-
achados justificaram o diagnóstico sindrômi- mento do ventrículo direito. Também o des-
co de disfunção diastólica primária, do ponto locamento do septo em casos de comprome-
de vista hemodinâmico, isto é, quando um ven- timento ventricular direito pode alterar a ge-
trículo, por rigidez aumentada, se enche inade- ometria do VE e provocar alterações diastóli-
quada, incompleta ou lentamente, resultando tais cas. A insuficiência cardíaca direita pode, por
alterações em pressões diastólicas anormais, e a si só, causar disfunção diastólica, pois a pres-
pressão venosa à montante do ventrículo con- são atrial direita elevada produz ingurgitamen-
siderado (no caso do ventrículo esquerdo, a to das veias coronárias, volume sanguíneo
pressão do átrio esquerdo ou pulmonar) pre- miocárdico aumentado e reduzida distensibi-
cisa elevar-se para propiciar um adequado en- lidade do VE durante a diástole.
chimento ventricular, assegurando ao mesmo No plano pressão-volume (P-V), a disten-
um desempenho eficiente (Figura IX-5). Es- sibilidade reduzida é representada por um des-
tenose mitral constitui quadro de disfunção dias- vio para a esquerda e para cima da relação P-
tólica em desacordo com a definição de altera- V diastólica. Quando isso ocorre, são necessá-
ção pressão/volume diastólico ventricular. rias pressões mais altas para distender os ven-
Os exemplos mais característicos de insu- trículos, em especial o esquerdo (VE) e alcan-
ficiência cardíaca diastólica são representados çar o mesmo volume diastólico final. Como a
pela cardiopatia restritiva, como pericardite relação tem forma exponencial, a inclinação
constritiva ou derrame pericárdico. Em casos aumenta conforme a pressão diastólica final
de anormalidades estruturais cardíacas, como aumenta. Se o desvio na curva for muito gran-
diabete, aumento de colágeno miocárdico por de, o enchimento do VE para produzir um
envelhecimento, fibrose, amiloidose, tampo- volume sistólico normal só será alcançado com
namento ou constrição pericárdica, produzem- elevada pressão veno-capilar e congestão pul-
se alterações de enchimento ventricular por monar. Assim, alteração na distensibilidade
restrição, que variam durante o ciclo respira- diastólica pode produzir congestão pulmonar
tório. A pressão pericárdica elevada se trans- e insuficiência cardíaca na ausência de disfun-
mite ao ventrículo esquerdo (VE), obrigan- ção sistólica (Figura IX-2).
do-o a aumentar suas pressões de enchimento Comprometimento do relaxamento ven-
para manter o débito sistólico. Havendo res- tricular é um evento precoce em presença de
trição importante, compromete-se o enchi- isquemia miocárdica. Por isso, a maioria dos

Restrição Rel. anl. Dim. compl. Dilatação


40

mmHg
20

0
Volume ventricular (Diástole)
FIGURA IX-5. Mecanismos capazes de causar disfunção diastólica: A linha cheia representa de maneira esquemá-
tica o contorno de uma curva de pressão diastólica ventricular esquerda, e as linhas pontilhadas as curvas dos
diversos mecanismos anormais que levam à disfunção diastólica (restrição ventricular, relaxamento ventricular
anormal, diminuição da complacência ventricular, dilatação ventricular) (Gottschall 1995).
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pacientes com coronariopatia têm enchimen- O primeiro padrão anormal de relaxamen-


to diastólico anormal. Explica-se esse efeito por to é chamado de relaxamento retardado. Neste
geração comprometida de energia, que dimi- padrão há uma reduzida velocidade de pico e
nui o suprimento de ATP requerido para a do enchimento diastólico inicial (onda E),
tomada de cálcio pelo retículo sarcoplasmáti- aumentando a relativa importância da sístole
co no início da diástole. Assim, o nível do cál- atrial (onda A), o que resulta na reversão da
cio citosólico, que atinge um pico na sístole, razão E/A para menos que 1, e o tempo de
retarda seu retorno para o nível normal na diás- desaceleração do ventrículo esquerdo prolon-
tole inicial. Também em outras condições há ga-se (> 240 ms), mas a pressão diastólica fi-
uma relação entre a velocidade de decaimen- nal ventricular (Pd2) ou pouco se eleva, numa
to do cálcio transiente e relaxamento diastóli- primeira fase, ou evidencia nítida diminuição
co. No hipotireoidismo diminui a velocidade da complacência elevando-se anormalmente.
de relaxamento por diminuição da velocidade A diminuição da velocidade do enchimento
de retorno do nível do cálcio sistólico, ocor- inicial deve-se a um menor gradiente atrio-
rendo o oposto no hipertireoidismo. Na insu- ventricular nessa fase, resultante de diminuí-
ficiência cardíaca, o relaxamento é retardado do relaxamento ventricular. Isto é, o tempo de
e irregular, como é a velocidade da queda do desaceleração da onda E prolonga-se devido ao
cálcio. Teoricamente, tais anormalidades de relativo subenchimento do ventrículo na fase
relaxamento são potencialmente reversíveis diastólica inicial. Um padrão de “relaxamento
porque dependem de mudanças nos padrões retardado” pode ser visto em pacientes com
de movimento do íon cálcio. hipertrofia ventricular esquerda, hipertensão
Atualmente, as medidas de funcionamen- arterial sistêmica, coronariopatia e em idosos.
to diastólico estão mais no domínio dos mé- Em muitos desses pacientes o processo é as-
todos não invasivos, principalmente ecocar- sintomático e a pressão média atrial esquerda
diografia. Normalmente, há uma grande onda fica dentro do normal em repouso. Nesta si-
E inicial e uma pequena onda A tardia. A con- tuação, a vigorosa contração atrial compensa
tribuição do enchimento inicial e tardio é co- o reduzido enchimento inicial devido ao rela-
mumente expresso como a razão E/A, que xamento comprometido, mantendo uma pres-
normalmente é maior que 1 (Figura IX-1). O são atrial média normal.
tempo requerido para a desaceleração do flu- Um segundo padrão de enchimento anor-
xo diastólico inicial e a velocidade dessa desa- mal tem sido chamado de pseudonormaliza-
celeração são dois outros importantes parâme- ção , quando existem alterações estruturais
tros do padrão de enchimento (Capítulo X). compensadas no miocárdio e não detectadas
Na ausência de estenose mitral, a desacelera- pelos métodos usuais de investigação. Este
ção do tempo E é determinada pela rigidez do padrão, no qual E/A é maior que 1, é visto em
ventrículo esquerdo (VE) e do átrio esquerdo. pacientes com maior comprometimento do
Durante esse tempo, a pressão atrial perma- desempenho diastólico que os com apenas re-
nece relativamente constante pela chegada laxamento retardado, e o tempo de desacele-
do fluxo venoso pulmonar. Assim, a desace- ração encurta-se. A pseudonormalidade deve-
leração do tempo E depende principalmen- se a uma restauração do gradiente diastólico
te da rigidez do VE. Isto é, a rigidez da câ- inicial ventricular esquerdo devido a um au-
mara pode ser estimada pela desaceleração da mento na pressão atrial que compensa a velo-
onda E. Três padrões anormais, em pacien- cidade diminuída do relaxamento ventricular.
tes com ritmo sinusal sem estenose mitral, A pseudonormalidade do enchimento distin-
têm sido identificados indicando compro- gue-se por um tempo mais rápido diastólico
metimento progressivamente maior da fun- inicial de desaceleração (<190 mseg) e altera-
ção diastólica. ções na velocidade do fluxo venoso pulmo-
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nar, velocidade anular mitral e propagação do pode ser medida por Doppler transtorácico na
fluxo. Como o tempo de desaceleração é pro- maioria dos pacientes, com ondas que corres-
porcional ao inverso da raiz quadrada da rigi- pondem àquelas “x”, “y” e “a” da curva de pres-
dez da câmara, o mais rápido tempo de desa- são atrial esquerda (Capítulo X). Quando au-
celeração indica uma elevada rigidez diastóli- menta a rigidez diastólica final do ventrículo
ca inicial do ventrículo esquerdo. eleva-se a pressão venosa pulmonar, com pa-
Por fim, o terceiro e mais grave padrão de drões de registro característicos de várias si-
anormalidade diastólica do enchimento ven- tuações que a determinam, surgindo anorma-
tricular esquerdo é o padrão restritivo. Neste lidades ecocardiográficas específicas.
padrão, o enchimento inicial aumenta acima Manifestações congestivas, como edema
do nível de controle e excede em muito o en- pulmonar ou periférico, distensão venosa,
chimento que ocorre durante a contração dispnéia e ortopnéia, quase invariavelmente
atrial. Assim E/A geralmente é maior que 2, indicam pressões diastólicas ventriculares ele-
ou seja, pode haver pouco ou nenhum enchi- vadas. Estas pressões aumentadas tanto podem
mento ventricular durante a contração atrial. resultar de disfunção diastólica, com resistên-
O tempo de desaceleração é menos que 150 cia aumentada ao enchimento ventricular es-
ms (usualmente < 140 ms) e a velocidade de querdo ou direito, como de insuficiência sis-
desaceleração do fluxo inicial é rápida, a Pd1 tólica, com represamento de sangue nos terri-
pode ser normal e a Pd2 eleva-se marcadamen- tórios venosos pulmonar ou sistêmico. Na
te. Na disfunção diastólica associada à dilata- maioria dos casos iniciais de hipertrofia ou is-
ção ventricular por insuficiência miocárdica a quemia, porém, a disfunção diastólica não é
Pd2 eleva-se (diminuição da complacência) em tão ostensiva. Entretanto, até mais de um ter-
presença de um ventrículo dilatado. Este pa- ço dos pacientes com insuficiência cardíaca
drão é visto em pacientes com severa disten- congestiva apresentam função sistólica normal,
são diastólica e congestão pulmonar. O en- sendo, geralmente, uma função diastólica
chimento inicial aumentado no padrão restri- anormal a causa da insuficiência nesses casos,
tivo resulta de uma marcada elevação da pres- podendo chegar a mais de 50% nos grupos
são atrial que mais que compensa a lentidão mais idosos.
do relaxamento ventricular. O padrão de en- Ressalte-se que na hipertrofia miocárdica
chimento restritivo é visto em pacientes com fisiológica do atleta não há queda da velocida-
congestão pulmonar severa, pericardite cons- de de relaxamento, mas, ao contrário, as no-
tritiva e miocardiopatias restritivas, como vas propriedades viscoelásticas do miocárdio
amiloidose e outras e está associado com pior tornam-na mais rápida (maior sucção diastó-
prognóstico (Figura IX-5). lica), bem como o músculo fica mais compla-
Os três padrões anormais de enchimento cente para o enchimento tardio (melhor rela-
ventricular representam um contínuo de cres- ção DV/DP). Entre outras modificações favo-
cente gravidade de anormalidades diastólicas. ráveis na adaptação fisiológica do miocárdio
O padrão de relaxamento retardado pode ser ao exercício está o aumento da reserva coro-
observado em pacientes assintomáticos só com nariana.
reserva diastólica comprometida, enquanto os
padrões pseudonormalizado e restritivo ocor-
rem em pacientes com disfunção diastólica CONSEQÜÊNCIAS DA DISFUNÇÃO
progressivamente mais severa e quase sempre DIASTÓLICA
congestão pulmonar. O padrão de fluxo san-
guíneo nas veias pulmonares fornece informa- Principalmente em pacientes com isquemia, hi-
ções adicionais sobre o enchimento diastóli- pertrofia avançada, idosos e diabéticos as conse-
co. A velocidade do fluxo venoso pulmonar qüências fisiológicas e clínicas resultam em parte
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do mais lento enchimento diastólico inicial dos cardia induzida. Estudos em corações isola-
ventrículos. Isso conduz à dependência aumen- dos de cães sem pericárdio mostram haver re-
tada do enchimento diastólico tardio e da con- laxamento lento e incompleto na isquemia
tração atrial para alcançar adequado estiramen- aguda de demanda.
to do sarcômero no fim da diástole. Assim, a As causas da disfunção diastólica são geral-
contração atrial torna-se particularmente im- mente multifatoriais. Adicionalmente a anor-
portante em pacientes com relaxamento mio- malidades estruturais ostensivas, a disfunção
cárdico comprometido – e rigidez ventricular diastólica nos casos de isquemia e hipertrofia
– nessas situações. Daí a presença de ondas resulta de distúrbios no chamado triplo con-
“a” gigantes (hipertrofia atrial esquerda) em trole do relaxamento miocárdico, representa-
exames que detectam a contração atrial em do pelos mecanismos de ativação-desativação,
hipertensos ou isquêmicos (Figura IX-6). Não flutuações na carga e distribuição temporal e
é surpreendente que perda da ação atrial em espacial dos dois mecanismos anteriores. Isto
presença de fibrilação seja tão pouco tolerada é, na maioria das situações, anormalidades da
nesses casos e represente a ruptura do equilí- contração e relaxamento são partes de um espec-
brio entre a compensação e a descompensa- tro contínuo de anormalidades sistólicas, devido
ção. O retardo do relaxamento também inter- a alterações no acoplamento-desacoplamento das
fere na perfusão coronariana, que, como vis- proteínas contráteis, anormalidades no mecanis-
to, ocorre majoritariamente durante a diásto- mo do cálcio ou ambas. Como visto, numa pri-
le no coração normal, perfusão essa que se re- meira fase, há apenas relaxamento sistólico re-
duz ainda mais com taquicardia. Na taquicar- tardado, prolongando-se um pouco a contração,
dia, o tempo para o enchimento coronariano sendo a sístole totalmente eficiente. Contração
diastólico torna-se ainda mais reduzido pelo sistólica prolongada só compromente a diástole
lento relaxamento, desde que o retardo do fim se houver taquicardia. Numa segunda fase,
da contração até a diástole inicial – ao elevar- além do relaxamento comprometido e da con-
se a pressão diastólica ventricular – comprime tração prolongada, surge diminuição da com-
as coronárias intramiocárdicas, reduzindo o placência, que, especialmente em presença de
gradiente de pressão para a perfusão suben- taquicardia, eleva as pressões finais do ventrí-
docárdica. A relação entre a pressão diastó- culo esquerdo, de átrio esquerdo e capilar pul-
lica e o volume diastólico ventricular deslo- monar, mas a sístole ainda se mantém eficien-
ca-se para cima em toda a diástole de pa- te, garantindo volume sistólico de expulsão
cientes com angina de exercício ou taqui- normal. Finalmente, numa terceira fase, se

Normal Restrição Relaxamento ¯ Complacência ¯

100
VE mmHg

“a”
“a”
20

0
0 1 0 1 0 1 0 1
Tempo (seg) Tempo (seg) Tempo (seg) Tempo (seg)

FIGURA IX-6. Os padrões anormais de relaxamento do ventrículo esquerdo (VE) sobrecarregam progressivamente
o átrio esquerdo, hipertrofiando-o e tornando sua contração mais potente para vencer a rigidez miocárdica, o que
causa ondas “a” gigantes. O aumento da pressão atrial esquerda eleva a pressão capilar pulmonar, que pode chegar a
níveis de edema pulmonar com função sistólica ainda satisfatória (modificado de Lenihan, Gerson, Hoit e Walsh 1995).
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agravam as anormalidades já descritas, aparecen- combinação na disfunção diastólica. Por exem-


do descompensação sistólica ao lado de maior plo, a hipertensão arterial sistêmica pode pro-
insuficiência diastólica (Quadros IX-2 e IX-3). longar o relaxamento, prejudicando o seqües-
tro de cálcio pelo retículo sarcoplasmático, e
reduzir a velocidade de desativação. Ainda
DISFUNÇÃO DIASTÓLICA, antes do desenvolvimento de uma hipertrofia
HIPERTROFIA E ISQUEMIA substancial, a pós-carga pode aumentar por
aumento na tensão sistólica do ventrículo es-
Alterações na desativação, heterogeneidade ou querdo (VE) e tornar o relaxamento mais len-
carga ventricular ocorrem isoladamente ou em to. Depois de ter-se desenvolvido hipertrofia,

QUADRO IX-2. Fases da disfunção diastólica (isquemia / hipertrofia)


Disfunção Fase I Fase II Fase III
Mecanismo Relaxamento sistólico Igual fase I + Igual fase II + taquicardia
retardado complacência diminuída
(+taquicardia?)
Conseqüência Contração prolongada Contração prolongada Perda da compensação
(Compensação sistólica) (Compensação sistólica) sistólica
Efeito Sístole normal Sístole normal com Insuficiência sistólica e
insuficiência diastólica diastólica (Pd2­; dP/dt¯)
(Pd2­; dP/dt =)

QUADRO IX-3. Condições envolvendo disfunção diastólica


Condição Mecanismo da disfunção
Estenose mitral ou tricúspide Resistência aumentada ao esvaziamento atrial
Cardiomiopatia restritiva (amiloidose, Resistência aumentada ao enchimento ventricular
hemocromatose, fibrose difusa, edema,
hemossiderose, colagenose)
Cardiomiopatia obliterativa (fibroelastose Resistência aumentada ao enchimento ventricular
endocárdica, síndrome de Loeffler)
Constrição pericárdica (pericardite, derrame, Resistência aumentada ao enchimento ventricular com
alargamento ventricular) volume diastólico diminuído
Sobrecarga volumétrica (regurgitação aórtica ou Volume diastólico aumentado relativo à capacidade
mitral, fístula artério-venosa) ventricular
Hipertrofia miocárdica, fibrose
Cardiopatia hipertrófica (cardiomiopatia Relaxamento miocárdico prejudicado
hipertrófica 1a ou 2a, hipertrofia septal assi- Sobrecarga de cálcio diastólico
métrica, hipertensão crônica, Resistência aumentada ao enchimento ventricular
estenose aórtica) devido à rigidez parietal da câmara, matriz colágena
alterada
Ativação do sistema renina-angiotensina
Cardiopatia isquêmica com edema pulmonar ou Relaxamento miocárdico prejudicado
dispnéia durante angina ou fibrose pós infarto Sobrecarga de cálcio diastólico
e hipertrofia (remodelação) e/ou aneurisma Resistência aumentada ao enchimento ventricular
Cardiomiopatia dilatada Relaxamento miocárdico prejudicado
Sobrecarga de cálcio diastólico
Fibrose miocárdica ou escara
Doenças pulmonares Resistência vascular pulmonar aumentada
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 247

a hipertensão pode associar-se com isquemia No segmento infartado existe, no início,


subendocárdica, a princípio só durante exer- edema, infiltração celular, e, posteriormente,
cício, e depois em repouso, produzindo hete- fibrose. Segmentos não infartados submetidos
rogeneidade e diminuição da velocidade do a distensão diastólica desenvolvem hipertro-
relaxamento. Avançando a hipertrofia, costu- fia regional e assumem a função do segmento
ma surgir evidência clínica de insuficiência cicatricial, gerando força sistólica adicional
cardíaca em associação com progressiva lenti- compensadora (Vide Figuras X-12 e X-15).
dão do relaxamento miocárdico, redução da Sobrecargas diastólica e sistólica combinadas
distensibilidade diastólica e queda do desem- causam transição da hipertrofia para a insufi-
penho sistólico. No VE hipertrofiado, a rigi- ciência em sobreviventes a grandes infartos,
dez diastólica passiva aumenta, refletindo mesmo na ausência de necrose miocárdica
mudanças qualitativas e quantitativas no co- adicional. A fibrose residual é também im-
lágeno miocárdico e, em casos de pacientes portante para diminuir a distensibilidade dias-
com hipertrofia por sobrecarga pressórica, tólica do ventrículo esquerdo. Embora remo-
maior espessura parietal geralmente seguida de delamento com hipertrofia regional possa ser
isquemia. Hipertrofia por sobrecarga de volu- suficiente para causar insuficiência cardíaca em
me, como na insuficiência mitral crônica, tam- alguns pacientes depois do infarto, surgimen-
bém evolui para disfunção diastólica. Taqui- to ou piora de isquemia miocárdica no seg-
cardia ou exercício podem produzir angina e mento hipertrofiado contribui para o adven-
elevar mais o cociente pressão/volume do VE, to de insuficiência cardíaca (Vide Figura X-
mesmo na ausência de lesão coronariana (Fi- 15). O controle do remodelamento é comple-
gura IX-7). xo, envolvendo distensão, fatores de cresci-

250

300

200 250

(%)
(%)
200

150
DPd2/PS DPd2/PS
DVDF/m2 150

DVDF/m2

100 100
VE NL VE REG 1 VE REG 2 VE NL VE CI 1-3 VE CI 4-6 VE CI 7-9 VE CI 10-14

FIGURA IX-7. À esquerda, relações entre aumento percentual do volume diastólico final (VDF)/m2 e da relação
Pd2/PS em 10 pacientes com discreta sobrecarga diastólica do VE (VE REG 1, VDF < 100 ml / m2) e em 15
pacientes com severa sobrecarga diastólica do VE por regurgitação mitral ou aórtica (VE REG 2, VDF > 100 ml / m2),
e coronárias normais. À direita, mesmas relações em 85 cardiopatas isquêmicos, divididos em grupos com cres-
cente aumento da contagem coronariana total (VE CI de 1 a 14). Em ambos os gráficos, o 100% corresponde à
média de 30 indivíduos normais (VE NL). Note-se que na sobrecarga diastólica discreta a complacência ventricular
está aumentada (a VDF/m2 sobe mais que a Pd2/PS) e que, mesmo na sobrecarga severa, a complacência está
normal (os pontos se juntam). Na isquemia, entretanto, a perda da complacência miocárdicca é crescente (a Pd 2/
PS é cada vez maior que a VDF/m2) (Gottschall 1977, 1995).
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mento, proteínas de estresse e pró-oncogenes, causada pela cessação súbita do fluxo corona-
bem como influências hormonais. Há evidên- riano, conduz a uma perda da função contrá-
cias de que o sistema renina-angiotensina pode til por demais rápida para ser atribuída à di-
produzir disfunção diastólica no coração hi- minuição na síntese de fosfato de alta energia,
pertrofiado e, juntamente com o simpático, causando disfunção diastólica discreta, gran-
mediar a hipertrofia da célula miocárdica. demente obscurecida pela disfunção sistólica.
Miocárdio ventricular esquerdo de ratos su- Perda de turgor coronariano, distensão da fi-
jeitos à estenose aórtica experimental exibe bra junto com a depressão da ação do cálcio
quatro vezes maior concentração de mensa- ativado – pelo acúmulo de fosfato inorgânico
geiro RNA para enzima conversora de angio- e íons hidrogênio – parecem contribuir para a
tensina e aumento correspondente na conver- disfunção contrátil da isquemia de suplência.
são fracional de angiotensina I circulante para Na isquemia de demanda, tal como a resul-
angiotensina II. tante de taquicardia ou exercício, em presen-
As anormalidades na ciclagem diastólica do ça de fluxo coronariano limitado, a função
cálcio no miocárdio insuficiente constituem contrátil preserva-se relativamente bem, en-
característica geral da hipertrofia avançada do quanto o relaxamento diastólico se compro-
miócito e têm sido observadas em pacientes mete. No curso da hipóxia miocárdica experi-
com cardiomiopatia hipertrófica, alguns dos mental – com perfusão coronariana continua-
quais com função sistólica normal ou hiper- da para prevenir acúmulo de metabolitos –,
dinâmica. Concentrações intracelulares de há uma resposta funcional precoce semelhan-
cálcio ionizado encontram-se freqüentemen- te. Neste cenário, concentrações intracelula-
te elevadas durante a diástole nas preparações res de cálcio diastólico e pressão diastólica ven-
miocárdicas de pacientes em estágio final de tricular sobem logo e em paralelo, havendo
insuficiência cardíaca, particularmente quan- depressão de fosfatos de alta energia. Evidên-
do a freqüência cardíaca é elevada. Deficiente cias a partir de estudos com ouabaína e iso-
produção de AMPc (que, como visto, regula proterenol, ou inibição metabólica parcial
uma variedade de funções intracelulares) pela durante isquemia experimental, confirmam a
adenilciclase pode ter um papel na desorgani- presença de cálcio intracelular alterado na is-
zação miocárdica de pacientes em insuficiên- quemia de demanda. Isto é, a interrupção da
cia terminal. Em particular, este segundo men- suplência de fluxo coronariano, dependendo da
sageiro estimula o relaxamento diastólico, cau- área miocárdica atingida, causa ostensiva dis-
sando a fosforilação do fosfalamban, a proteí- função sistólica, enquanto a demanda continua-
na reguladora da bomba de cálcio do retículo da por mais fluxo causa primariamente disfun-
sarcoplasmático, que acelera a tomada do cál- ção diastólica.
cio durante a diástole. Diminuição na produ-
ção de AMPc pode resultar de menor estimu-
lação beta-adrenérgica devido a deficiente re- BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
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X
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Avaliação Hemodinâmica da
Função Cardíaca

M esmo que a função cardíaca seja avalia-


da cada vez mais por outros métodos,
foi o exame hemodinâmico que permitiu des-
nantes primários do desempenho cardíaco. Na
Figura X-2, vê-se um exemplo de ventrículo
esquerdo normal, depois de contornado em
vendá-la em profundidade. O estudo hemo- diástole e em sístole, e valores de medidas nor-
dinâmico da função cardíaca ratificou as ba- mais.
ses do seu entendimento e originou os con- Muito do que for dito deve ser entendido
ceitos e as formulações matemáticas que a de- não somente como recurso diagnóstico mas
finem. Isto é, o estudo hemodinâmico é e conti- principalmente como caminho para a com-
nuará sendo o parâmetro de ouro da avaliação preensão da função cardíaca. Nem todas as
funcional cardíaca. complexas medidas a serem discutidas serão
Como é possível depreender-se do que foi sempre necessárias para uma avaliação funcio-
visto nos capítulos anteriores, a excelência da nal cardíaca completa, reservando-se as mais
função cardíaca dependerá da resposta que o específicas para evidenciarem uma situação
miocárdio oferecer: a) às modificações no com- particular ou para estudos de pesquisa. Na
primento da fibra; b) às solicitações de maior maioria das situações, medidas mais simples
contratilidade. O efeito final do comporta- são capazes de indicar com sobra desvios que
mento do coração como bomba é a geração ainda não se expressaram clinicamente, per-
de um débito cardíaco, que pode variar am- mitindo traçar prognósticos, terapêutica pre-
plamente pelo ajuste da freqüência cardíaca, coce e planos de seguimento.
da pré-carga, da pós-carga e da sinergia, sem
grandes variações da contratilidade. Entretan-
to, para atingir valores máximos de débito to- EJEÇÃO CARDÍACA
dos os determinantes do desempenho cardía-
co (Capítulo V) precisam ser mobilizados em A ejeção cardíaca é o efeito final e a razão de ser
intensidade total. Isto é, avaliação da função da contração cardíaca. A ejeção de um volume
cardíaca e miocárdica baseia-se antes de tudo na anterógrado é medida pelo débito cardíaco e
investigação das condições de funcionamento dos índice cardíaco, pela freqüência cardíaca nor-
determinantes da função cardíaca . mal e máxima e pelo volume sistólico e índice
A Figura X-1 expõe as diversas medidas que sistólico. Esses parâmetros funcionais, técni-
podem ser usadas na avaliação hemodinâmica cas de medida e sua valorização já foram dis-
da função cardíaca, o tipo de evento que me- cutidos nos capítulos V e VI. Cabe aqui con-
dem e a extensão da etapa que avaliam no lon- siderar as limitações do débito cardíaco, ou
go processo de geração do débito cardíaco, seja, a função de bomba anterógrada, como
bem como suas interrelações com os determi- medida de capacidade funcional miocárdica.
252 CARLOS NTONIO
A MASCIA GOTTSCHALL © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO CARDÍACA


Determinação do desempenho Geração do débito cardíaco Medidas de função

Ejeção:
DC Débito e Índice Cardíacos
Freq. Cardíaca Normal e Máxima
Volume e Índice Sistólico

Freq. Cardíaca FC Força:


Pressões
Resistências
X Tensão, Estresse e Potência

Trabalho:
Pós-carga VS X PS Curva Pressão-Volume
Índice de Trabalho Sistólico

Volume e Massa:
Volume Diastólico Final
Massa Ventricular
Pré-carga Relaxamento:
Pd1, dP/dt (–)
Distensibilidade:
Pd2, Pd2/PS, Complacência e Compl.
Específica

VDF Encurtamento:
Sinergia, Fração de Ejeção
Sinergia – Encurtamento Regional e Contínuo
Volume Sistólico Final
VSF Veloc. de Encurtamento Circunferencial

Contratilidade:
dP/dt, dP/dt corrigida (C), Vmáx, VPm
dP/dt(50)/VDF/m2
Contratilidade dP/dtC/Pd2N

FIGURA X-1. Os determinantes do desempenho cardíaco geram o débito cardíaco (DC), que é o produto da fre-
qüência cardíaca (FC) pelo volume sistólico (VS). O produto do VS pela pressão sistólica (PS) desdobra-se em
força e trabalho cardíaco. As variações do volume diastólico final (VDF) e do volume sistólico final (VSF) fornecem
medidas de volume e massa cardíacos, relaxamento e distensibilidade, encurtamento e velocidade e de contratili-
dade (Gottschall 1995).

Além da freqüência cardíaca, o débito car- chegando a contração a ser isométrica (volu-
díaco (DC) depende em grande parte da pré- me de ejeção zero) contra impedância acima
carga, da pós-carga e da contratilidade. Isto é, de certo valor crítico. Ao contrário, caindo a
em qualquer nível de contratilidade, o volume impedância, o volume sistólico aumenta, por
sistólico de ejeção varia na razão direta da pré- maiores encurtamento e velocidade, como res-
carga e da contratilidade e na razão inversa da posta a menor carga. O mesmo ocorre com a
pós-carga. No organismo intacto, a pós-carga melhoria de uma insuficiência cardíaca, após
relaciona-se com a impedância aórtica. Sendo alívio de uma estenose aórtica ou de uma hi-
constante a pré-carga, ao elevar-se progressi- pertensão arterial, ou em presença de anemia
vamente a impedância aórtica, crescente pro- severa (baixa viscosidade sanguínea), febre (di-
porção da contratilidade muscular transforma- latação arteriolar) ou ainda persistência do
se em tensão e decrescente em encurtamento, canal arterial (fístula artério-venosa). Inversa-
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AVALIAÇÃO HEMODINÂMICA FUNCIONAL DO VENTRÍCULO ESQUERDO


Variação dos valores para um adulto médio normal
(Estado Basal)
PS: 90-140 mmHg
PD: 60-90 mmHg dP/dt: 0,1 × FC × PS + 474 mmHg/seg ± 10%
PM: 70-110 mmHg V· max: 1,2-1,6 UC
VDF: 90-130 ml
PP/PS: 35-45 % VDF/m2: 50-70 ml/m2
FC: 60-100 cpm
DC: 4,0-7,0 l/min

IC: 2,4-4,0 l/min/m 2 VS: 60-120 ml


FE: 60-80%
VS/m2: 35-55 ml/m2
1 cm

ITS: 35-65 g-m/m2

VSF: 20-40 ml
PS: 90-140 mmHg VSF/m2: 15-35 ml/m2
Pd1: 0-5 mmHg
Pd2: 6-12 mmHg
Pd2/PS: 6-10%

V·O2: 110-150 ml/min/m2 EAP>14%


EAI > 24%

FIGURA X-2. Contornos em diástole (linha cheia) e em sístole (linha tracejada) de um cineventriculograma esquer-
do em oblíqua anterior direita 35o, e valores hemodinâmicos normais para um adulto médio. Os volumes diastólico
final (VDF) e sistólico final (VSF) e dados deles obtidos podem ser calculados pela fórmula de Dodge. Tanto em
diástole como em sístole, o maior diâmetro (L) é o póstero-apical e o menor (M) é o ântero-inferior ou transversal
(Gottschall, 1982, 1994, 1995).

mente, a queda do DC que ocorre na hipovo- tal não aumenta o DC em indivíduo com con-
lemia (choque hemorrágico), no menor retor- tratilidade normal, só em paciente com hipo-
no venoso ao coração (ventilação com pressão contratilidade. Quando pré-carga diminuída
positiva), na compressão cardíaca (derrame pe- é o fator limitante do DC, como na hipovole-
ricárdico), pode ser explicada só na base de mia, a correção virá do aumento do volume e
uma menor pré-carga, sem alteração da con- não da variação de outro determinante. Quan-
tratilidade. A elevação do DC nos pacientes do o fator limitante é uma alta pós-carga, o
com hipervolemia – caso dos portadores de DC será corrigido fundamentalmente pela di-
glomerulonefrite aguda ou policitemia – de- minuição da mesma.
pende tão somente de uma maior pré-carga, e Torna-se claro pelos exemplos anteriores
não de aumento de contratilidade. que o débito cardíaco (DC) pode reduzir-se
Cada um dos determinantes do desempe- por perda de contratilidade e de pré-carga e
nho cardíaco (Capítulo V) joga um papel cer- por aumento de pós-carga, isoladamente ou
to na manutenção desse desempenho, dentro em combinação. Assim, não é possível diag-
de uma ampla faixa de reserva cardíaca e car- nosticar-se hipocontratilidade apenas porque
diovascular (Capítulo VI). Sua alteração só se o DC diminuiu. Isto é, mesmo sendo diminuí-
tornará aparente depois de atingir um desvio da a contratilidade, o DC pode manter-se den-
importante. É nessa fase que a correção da al- tro de limites normais, se isso for acompanhado
teração melhorará ostensivamente o débito de adequada elevação da pré-carga e/ou dimi-
cardíaco (DC) diminuído. Por exemplo, digi- nuição da pós-carga (Figura X-3). Por isso, DC
254 CARLOS ANTONIO M ASCIA OTTSCHALL
G
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Pré-carga Pós-carga A

NL

Desempenho do VE
FC
× DI
VS
EP

(+) Contratilidade (–)


(e Sinergia)
VDF – PDF
FIGURA X-3. O débito cardíaco (DC) é o produto da
freqüência cardíaca (FC) pelo volume sistólico de ex-
pulsão ventricular (VS), o qual resulta de um balanço FIGURA X-4. As curvas de função ventricular relacio-
de influências entre pré-carga, sinergia, contratilida- nam o desempenho cardíaco (volume sistólico, débito
de (os três o aumentam) e pós-carga, que o diminui. cardíaco, trabalho sistólico) com a distensão do mio-
Aumento de pré-carga, correção de assinergia, dimi- cárdio (volume diastólico final – VDF, pressão diastólica
nuição de pós-carga e aumento da freqüência cardía- final – PDF ou Pd2). Aumento da contratilidade (A) sig-
ca podem manter VS e DC normais mesmo em pre- nifica desvio da curva para a esquerda da curva normal
sença de queda da contratilidade miocárdica (Gotts- (NL), enquanto que diminuição da contratilidade (DI) é
chall 2005). desvio para a direita. Função ventricular esquerda ex-
tremamente deprimida significa muito pobre desempe-
nho com muito grande distensão (dilatação), produzin-
do edema pulmonar (EP). As linhas tracejadas repre-
sentam a possível fase descendente da curva de Star-
normal em repouso não exclui cardiopatia gra- ling (Gottschall 1995).
ve, só DC máximo em exercício. É claro que a
determinação do DC é essencial para saber-se
se o coração está bombeando bem, e até quan- débito cardíaco e como a mesma sobe linear-
to (DC em exercício), mas só a medida dos mente até o indivíduo atingir o consumo má-
determinantes indicará a anormalidade primá- ximo de oxigênio, enquanto a pressão sistóli-
ria. Como já visto no capítulo VI, os estudos ca (PS) se eleva e se estabiliza antes, segue-se
de Frank-Starling e cols. e depois de Sarnoff e que uma maneira de avaliar a adequação da
cols. demonstraram que o volume sistólico de ejeção cardíaca é pelo duplo produto (FC x
ejeção (VS) é uma função do comprimento PS) atingido para determinada carga. Proto-
da fibra miocárdica (volume diastólico final – colos de testes ergométricos permitem moni-
VDF, pré-carga) e da contratilidade, já que o torar cargas crescentes e respostas submáximas
coração insuficiente produz menor VS (me- e máximas, indicando que um duplo produto
nor encurtamento) a partir de um VDF nor- de 25.000 por tempo suficiente costuma coin-
mal ou até aumentado. Assim, as “curvas de cidir com boa capacidade cardiovascular e que
função ventricular” refletem um espectro de resposta acima de 35.000 só se encontra entre
estados contráteis. Subida da curva para a es- indivíduos com excepcional aptidão física e
querda ou descida para a direita representam, cardíaca.
respectivamente, aumento ou diminuição de O débito cardíaco (DC) pode diminuir
contratilidade, repercutindo na geração do DC 40% por insuficiência cardíaca, e o índice car-
(Figura X-4). díaco (IC) ainda permanecer dentro dos limi-
Como, em condições normais, a freqüên- tes normais. Quando cai abaixo do normal, as
cia cardíaca (FC) é o maior determinante do repercussões são tão grandes que representam
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diminuição do desempenho circulatório glo- sões intraventriculares e intra-arteriais. Essa for-


bal e não apenas cardíaco. Hipovolemia por ça contrátil deve vencer a resistência do siste-
hemorragia ou desidratação é a mais freqüen- ma circulatório e é transmitida através do meio
te causa não cardíaca de insuficiência circula- sanguíneo como uma onda de pressão. O com-
tória. A combinação de variação do índice car- portamento das pressões cardiovasculares tem
díaco (IC – desempenho) com Pd 2 (disten- se mostrado, ao longo do tempo, elemento
são) é uma representação simplificada da cur- simples e útil na avaliação da função cardíaca.
va de Frank-Starling e muito útil para distin-
guir DC diminuído por insuficiência cardía-
ca ou por hipovolemia. Se o IC < 2,5 l/min/m2 PRESSÕES DE VENTRÍCULO
e a Pd2 entre 6 e 12 mmHg, para saber se é DIREITO E ARTÉRIA PULMONAR
hipocontratilidade ou hipovolemia, basta ex-
pandir o volume extracelular. Sendo bom o Na Figura X-5 podem ser vistos vários exem-
ventrículo esquerdo (VE), aumentam a Pd 2, plos de situações que serão tratadas a seguir. A
o volume sistólico, o DC e o trabalho cardía- curva pressórica do ventrículo direito (VD)
co (aumento da diferença entre pressão arte- apresenta uma fase ascendente rápida, que
rial e atrial). No caso de mau VE, a expansão corresponde à contração isométrica, até a al-
de volume plasmático aumenta a Pd 2 mas não tura da pressão diastólica da artéria pulmo-
aumenta, ou diminui, o índice cardíaco (IC). nar, seguida pela fase de ejeção máxima, onde
A curva de função ventricular à beira do leito se dá o pico pressórico, e da fase de ejeção re-
(obtendo-se pressão capilar pulmonar com um duzida, até o fechamento da válvula pulmo-
cateter de Swam-Ganz em artéria pulmonar e nar. A seguir, vêm as fases de relaxamento iso-
medindo-se débito cardíaco por termodilui- métrico, em que a pressão ventricular diastó-
ção) é muito útil tanto no seguimento como lica atinge seu menor valor – pressão diastóli-
no prognóstico de pacientes. A mortalidade ca inicial ou Pd1 –, chegando a 0 ou menos.
cai progressivamente de I para IV: I) em pa- Com a abertura da tricúspide, vem a fase de
cientes com Pd2 maior que 29 mmHg e IC enchimento ventricular rápido, onde ocorre
inferior a 2,0 l/min/m2; II) em pacientes com cerca de 65% do enchimento ventricular, com
Pd2 entre 15 e 29 mmHg e IC inferior a 2,0 l/ súbita ascensão da pressão diastólica ventri-
min/m2; III) em pacientes com Pd2 menor que cular, e, logo após, a fase de enchimento ven-
15 mmHg e IC inferior a 2,0 l/min/m 2; IV) tricular lento, respondendo por aproximada-
em pacientes com Pd2 menor que 29 mmHg mente 10 a 15% do enchimento, ao fim da
e IC maior que 2,0 l/min/m2. Isto é, DC e IC qual se estabelece a pressão diastólica final ou
são incapazes de detectar pequenos ou modera- Pd2 do VD, que pode chegar a 5 ou eventual-
dos ou mesmo avançados comprometimentos fun- mente 7 mmHg. A sístole atrial em repouso é
cionais em repouso mas muito bons para acom- responsável por aproximadamente 15 a 25%
panhar o paciente com importante disfunção do enchimento ventricular. Durante a diásto-
cardíaca. le, as pressões atrial e ventricular direita são
praticamente iguais, devido à baixa resistên-
cia ao fluxo através da válvula tricúspide. Con-
FORÇA CONTRÁTIL sidera-se até 30 mmHg como pressão sistólica
(CARGA VENTRICULAR) normal para o VD. A pressão sistólica do VD
eleva-se, proporcionalmente com a magnitu-
A geração de força contrátil pelo miocárdio, ou de do fenômeno, na hipertensão arterial pul-
seja, a tensão ou estresse parietal (pós-carga) que monar e na estenose pulmonar, valvular ou
se desenvolve na parede ventricular durante a infundibular. Em casos de estenose pulmonar
sístole, expressa-se no desenvolvimento de pres- importante, pode atingir valores sistêmicos.
256 C ARLOS NTONIO
A ASCIA
M G OTTSCHALL © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

mmHg mmHg
A B
10 30 ac
ac
v
v

20 x y x
y

5 a
v
x
c 10
x y

0 0

30
30

mmHg
mmHg

0 0

160
D

E
mmHg

0
FIGURA X-5. Curvas de pressões atrial e ventricular direitas: A) Ondas e pressões normais em átrio direito; B)
Curva em M ou W de hipertensão atrial direita por descompensação cardíaca; C) Ondas e pressões normais em
ventrículo direito (VD) e artéria pulmonar (AP); D) Curva de retirada do VD para a AP mostrando o gradiente
pressórico que faz o diagnóstico de estenose valvular pulmonar severa; E) Traçado de hipertensão arterial pulmo-
nar primária mostrando pressão capilar pulmonar normal e hipertensão arterial pulmonar (Vide texto para detalhes)
(Gottschall 2005).

A curva pressórica de artéria pulmonar xo. No fim da fase de ejeção lenta existe a in-
(AP) segue exatamente o contorno da pressão cisura dícrota, que corresponde ao fechamen-
ventricular direita na fase de ejeção, inexistin- to da válvula pulmonar, quando a pressão ven-
do gradiente entre ambas as curvas, em situa- tricular direita cai abaixo da pressão arterial
ção normal. Entretanto, não é inusual peque- pulmonar, após a qual a pressão desce até o
no gradiente (± 5 mmHg) sistólico entre ven- nível diastólico arterial mínimo. Em condi-
trículo direito e artéria pulmonar, devido a flu- ções normais, a pressão sistólica da AP não
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deve ultrapassar 30 mmHg, a diastólica não PRESSÕES DE VENTRÍCULO


deve superar 12 mmHg e a média não deve ESQUERDO E AORTA
ser maior que 20 mmHg. Hipertensão arte-
rial pulmonar pode variar de discreta até va- Na Figura X-6 podem ser vistos vários exem-
lores iguais ou superiores aos sistêmicos e pode plos de situações que serão tratadas a seguir.
dever-se a três situações básicas: a) aumento Tal como já referido para o ventrículo direito,
do fluxo sanguíneo pulmonar (quadros hiper- as fases da curva de pressão do ventrículo es-
cinéticos) e/ou aumento da viscosidade san- querdo (VE) ocorrem na mesma seqüência,
guínea (poliglobulia), ocasiões em que rara- ou seja, contração isométrica, ejeção máxima,
mente, só por esses motivos, ultrapassa 40 ejeção reduzida, relaxamento isométrico, en-
mmHg; b) aumento da pressão veno-capilar chimento rápido e enchimento lento (Capí-
pulmonar (hipertensão atrial esquerda); c) tulo IV). Consideram-se como limites normais
aumento da resistência vascular pulmonar da pressão sistólica (PS) do VE extremos de
(diminuição da secção transversal da vascu- 90 a 140 mmHg, da Pd1 de 0 a 5 e da Pd2 de
latura pulmonar: constrição, compressão, 6 a 12 mmHg. Elevação da PS do VE ocorre
obliteração, destruição, ressecção, displasia). em: a) estenose aórtica valvular ou subvalvu-
Nas situações configuradas em b) e c) o au- lar; b) coartação da aorta; c) hipertensão arte-
mento pode ser variável, de discreto a mui- rial sistêmica; d) hipervolemia e estados hi-
to elevado. percinéticos; e) aumento do volume de ejeção
Pressões muito baixas em artéria pulmo- ou sistólico; f ) aumento da contratilidade mio-
nar (AP) só são encontradas na hipovolemia cárdica.
ou no choque. Mesmo nas estenoses pulmo- O contorno da curva de pressão aórtica
nares mais severas, os valores pressóricos em superpõe-se normalmente ao da fase ejetiva do
AP não costumam diminuir aquém dos limi- ventrículo esquerdo, inexistindo gradiente sis-
tes considerados normais, que são mantidos tólico entre ambos. Na fase descendente da
por regulação neuro-reflexa. É característico curva observa-se uma incisura dícrota que
nessas situações um gradiente sistólico entre o marca o fechamento valvular aórtico, e o iní-
ventrículo direito (VD) e a AP, que pode atin- cio da diástole clínica ou cardiológica. Nor-
gir 100 mmHg ou mais, nos casos de estenose malmente, no adulto, a pressão sistólica aórti-
valvular severa, ou um gradiente entre VD e ca varia entre 90 e 140 mmHg, a diastólica
uma terceira câmara com contorno pressóri- entre 60 e 90 e a média entre 70 e 110 mmHg.
co semelhante a ventrículo, com mesmas pres- A diferença entre a sistólica e a diastólica, ou
sões diastólicas, mas que não mostra gradien- pressão de pulso, deve ficar entre 35 e 45%
te em relação à curva arterial, no caso de este- do valor da sistólica, acima de 45% sugerindo
nose infundibular pulmonar. Em alguns pa- um volume sistólico relativamente aumenta-
cientes com hiperfluxo pulmonar, um gradien- do (bradicardia, insuficiência aórtica, febre,
te não maior que 20 mmHg pode ser obser- anemia), abaixo de 35% sugerindo um volu-
vado entre VD e AP, mesmo na ausência de me sistólico relativamente diminuído (taqui-
estenose. Detecção de estenose e regurgita- cardia, estenose aórtica, hipovolemia, insufi-
ção pulmonar ou tricúspide é feita recuan- ciência cardíaca). Elevação das pressões sistó-
do o cateter da AP para o VD e para o átrio lica e média aórticas deve-se a: a) aumento do
direito. Entretanto, medida simultânea pode volume sistólico ventricular (insuficiência aór-
ser obtida usando-se um cateter com orifí- tica, hipervolemia, bradicardia); b) aumento
cios separados por distância suficiente para da velocidade de ejeção ventricular (hipercon-
permitir registrar pressões de diferentes lo- tratilidade miocárdica); c) diminuição da dis-
cais, num mesmo tempo, por meio de dois tensibilidade aórtica (envelhecimento). Eleva-
manômetros. ção da pressão diastólica aórtica ocorre por: a)
258 C ARLOS A NTONIO M ASCIA OTTSCHALL
G © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

150
B
mmHg
A mmHg
15 a
v
10 a v 75
xc
x1
x y
c y
5 x1

0
0

150
C D
160

mmHg
mmHg 75
80

0 0

180
E

mmHg 90

0
mmHg
180 G
mmHg 160
120 140
100 F 120
100
80
80
60 a a 60
40 40
20 20
0 0

FIGURA X-6. Curvas de pressão atrial e ventricular esquerdas: A) Ondas e pressões normais em átrio esquerdo; B)
Curva de retirada normal de ventrículo esquerdo (VE) para aorta (Ao); C) Curva de retirada mostrando gradiente
pressórico entre o corpo e a via de saída do VE numa estenose subaórtica; D) Curva de retirada mostrando gra-
diente sistólico entre VE e Ao numa estenose valvular aórtica; E) Curva de retirada VE-Ao numa insuficiência
valvular aórtica; F) Curva característica de estenose valvular aórtica mostrando onda anacrótica precoce (a); G)
Curva sugestiva de dupla lesão aórtica, mostrando características de estenose e de insuficiência (Vide texto para
detalhes) (Gottschall 2005).
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aumento da resistência arterial periférica (hi- dade miocárdica, exercício ou repouso, infu-
pertensão arterial sistêmica, policitemia); b) são de isoproterenol ou uso de nitratos ou beta-
taquicardia. Diminuições das pressões aórti- bloqueadores. Isso explica por que, às vezes,
cas resultam de fatores opostos aos citados. um gradiente trans-aórtico só se mostra após
Não só as pressões mas também a forma infusão de isoproterenol.
do traçado e o estudo dos gradientes entre ven-
trículo esquerdo (VE) e aorta têm importân-
cia diagnóstica. Na insuficiência aórtica, a as- RESISTÊNCIAS VASCULARES
censão da curva é rápida, não há gradiente com
o VE, e a incisura dícrota se atenua ou desa- O aumento da resistência vascular, em última
parece, sendo a pressão de pulso aumentada: análise, é aumento da pós-carga e se associa a
entre 50 e 70% da pressão sistólica na insufi- trabalho cardíaco elevado, sendo uma das prin-
ciência moderada, e mais que 70% na severa. cipais causas de sobrecarga dos ventrículos. Re-
Na estenose aórtica valvular moderada (não sistência (R) arterial pulmonar, também cha-
na severa, com válvula imóvel), há uma onda mada resistência vascular pulmonar (RVP), é
anacrótica precoce, devido ao impacto sanguí- uma estimativa da R entre a artéria pulmonar
neo na válvula rígida, a ascensão da curva é e o setor veno-capilar:
mais lenta que a correspondente do VE e existe 30$3  30&3
gradiente variável com este: a) até 20 mmHg, 593
'&
não significativo; b) entre 20 e 50 mmHg,
discreto ou moderado; c) mais que 50 mmHg, em que PMAP é pressão média na artéria pul-
severo. O gradiente sistólico medido entre o monar, PMCP é pressão média em “capilar”
VE e o sistema arterial sistêmico pode variar pulmonar, ambas em mmHg, e DC é débi-
discretamente, não mais que 10 mmHg, de- to cardíaco em l/min. Na prática, a R é ex-
pendendo se for medida a pressão aórtica cen- pressada em unidades arbitrárias de resistên-
tral ou periférica. Na dupla lesão aórtica, as cia (UR), ou unidades Wood, isto é, mmHg/
características pressóricas e morfológicas são l/min, ou mmHg.min.l -1, o que equivale a
mistas. Na estenose subvalvular aórtica, a curva 80 din.seg.cm -5 (Capítulo II). A RVP nor-
de retirada do cateter desde a ponta do VE até mal oscila entre uma e duas UR. Elevação
a aorta mostra duas curvas com forma ventri- da RVP ocorre nos aumentos de pressão do
cular, mesmas pressões diastólicas e diferentes átrio esquerdo, na hipertenão pulmonar pri-
sistólicas, não mostrando a segunda câmara mária ou secundária e em alguns casos de
gradiente de pressão em relação à aorta. Na curto-circuito. Chama-se resistência pulmo-
cardiopatia hipertrófica obstrutiva pode ha- nar total (RPT) aquela entre a AP e o ven-
ver marcado gradiente sistólico entre VE e trículo esquerdo:
aorta mas paralelismo entre velocidade e tem-
30$3  3G29(
po de ascensão nas curvas aórtica e ventricular 537
'&
esquerda. Tal como a estenose valvular, costu-
ma ser associada com rigidez da parede ven- Os valores normais situam-se abaixo de 3,5
tricular E e mostrar ondas atriais “a” amplas UR. A medida da RPT inclui resistência arte-
no traçado ventricular esquerdo de fim de diás- rial ou vascular pulmonar (RVP), resistência
tole. Na coartação aórtica, o gradiente é in- venosa pulmonar e resistência através da vál-
travascular. Os gradientes nessas situações não vula mitral.
dependem unicamente da área estenótica. Resistência sistêmica total (RST) é uma
Podem aumentar ou diminuir no mesmo pa- estimativa da resistência entre as artérias sistê-
ciente, devido, respectivamente, a: taquicar- micas e o leito capilar, este suposto como ten-
dia ou bradicardia, melhor ou pior contratili- do pressão zero:
260 ARLOS
C NTONIO
A ASCIA
M OTTSCHALL
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30$R pendendo do diâmetro do tubo e da viscosi-


567 dade do fluido. Assim, o número de Reynolds
'&
em que PMAo é a pressão média aórtica (Re) é:
(mmHg) e DC é débito cardíaco sistêmico (l/ 9 u 'uG
min). Valores normais da RST variam de 15 a Re
Q
20 UR. Aumento da RST ocorre na hiperten-
em que V = velocidade média do fluxo, D =
são arterial sistêmica e na poliglobulia, e di-
diâmetro do tubo, d = densidade do fluido e
minui nos estados de vasodilatação periférica,
n = viscosidade. Além de um número crítico,
como exercício, hipotensão ou choque ou ain-
o fluxo torna-se turbulento e a queda de pres-
da na anemia intensa. A RVP é cerca de dez
são excede o previsto pela equação de Poi-
vezes menor que a RST, o que permite que o
seuille, que trata de fluxos laminares. Para
ventrículo direito (VD) impulsione sangue
o sangue, Re = 2000, limiar que não é exce-
através dos pulmões com trabalho seis vezes
dido durante a circulação normal nas arté-
menor que o do ventrículo esquerdo (VE), já
rias. Entretanto, em válvulas muito estenó-
que trabalho ventricular (TV) é igual a volu-
ticas ou em áreas de marcado estreitamento
me sistólico multiplicado pela pressão média
arterial, o limiar crítico é excedido e o fluxo
do vaso emergente: No VE = 70 ml x 100
torna-se turbulento, sendo o sopro sua ex-
mmHg e no VD = 70 ml x 18 mmHg.
pressão clínica.
Os valores de resistência podem ser corri-
gidos para o tamanho do indivíduo multi-
plicando-os (não dividindo-os) pela superfí-
cie corporal, correção importante para crian- TENSÃO E ESTRESSE PARIETAL
ças e adolescentes. Deve ser lembrado que em
presença de um curto-circuito, quando fluxos A pós-carga é o estresse parietal durante a ejeção,
pulmonar e sistêmico são diferentes, os res- e o seu principal determinante é a pressão desen-
pectivos fluxos em cada circuito devem ser volvida pelo ventrículo, que se gera antes da
medidos e usados no cálculo da resistência. É abertura da válvula aórtica e durante a fase de
importante determinar durante o cateterismo ejeção. O aumento da pressão traduz-se num
se a resistência vascular sistêmica ou pulmo- aumento de tensão parietal que pode ser me-
nar é fixa (causas anatômicas e patológicas) dido como um valor médio ou durante ou no
ou variável (causas funcionais), o que tem fim da sístole. Assim, as forças de distensão
importantes implicações prognósticas, clíni- que atuam na parede ventricular, opondo-se
cas e terapêuticas. Grande elevação da resis- ao esvaziamento durante a contração, consti-
tência sistêmica total pode ocasionar insufi- tuem a pós-carga e podem ser medidas como
ciência ventricular esquerda, particularmente tensão parietal (dinas/cm) de acordo com a
em presença de insuficiência mitral. Marcado lei de Laplace – cuja maneira de calcular já foi
aumento fixo da resistência vascular pulmo- exposta no capítulo IV –, ou estresse parietal.
nar em paciente com curto-circuito pode con- A relação entre estresse e tensão é:
tra-indicar correção cirúrgica. Para estabele- 7HQVmR
cer diferença entre fixa e variável, usam-se vá- (VWUHVVH
(VSHVVXUD
rios agentes (nitroprussiato, hidralazina, pra-
zosin, nitratos, acetilcolina, tolazolina, oxigê- O estresse parietal (EP) é a força ou tensão
nio e exercício). em dinas / área de seção transversal da parede
Reynolds, em 1883, observou que a queda ventricular em cm2 em três direções: circun-
de pressão através do comprimento de um ferencial (C), meridional (M) e radial (R). O
tubo excedia o predito pela equação de Poi- EPC é a maior força intraparietal gerada, e
seuille numa velocidade crítica de fluxo, de- suportada no equador da cavidade:
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( 3  E) câmara. Dodge estimou que a espessura sistó-


(3& (1  E2 / 2D 2  K / 2E  K2 / 8D 2 ) lica do VE abranda 50% do efeito do volume
K
sistólico na tensão parietal, no homem nor-
em que P é a pressão ventricular em din/cm 2, mal, e cerca de 60% no com hipertrofia se-
a e b semieixos maior e menor (longitudinal e cundária à estenose aórtica.
transversal), em cm, e h espessura da parede Medida do estresse parietal in vivo é difícil
do ventrículo esquerdo (VE) em cm 2. O EPC porque o raio do ventrículo esquerdo (VE)
é medido em din/cm2 x 103. O EPM é o mais negligencia a influência de uma anatomia
usado e de cálculo mais simples: complexa. Entretanto, o conceito abrangido
Pr pelo termo estresse parietal sistólico final é
(30
2 K(1  K / 2 U ) importante porque reflete os três maiores com-
ponentes da pós-carga, isto é, resistência peri-
em que r é o raio interno do VE em cm. férica, complacência arterial diminuída e pico
Tensão parietal e estresse parietal são me- da pressão interventricular . Complacência ar-
didos registrando simultaneamente variações terial diminuída e pós-carga aumentada po-
das dimensões ventriculares e de pressões do dem ser previstas na hipertensão sistêmica e
ventrículo esquerdo (VE). Na disfunção re- na rigidez aórtica do idoso. Clinicamente, a
gional os valores costumam variar localmente pós-carga pode ser aproximada pela medida
e as medidas podem ser imprecisas. Medidas da pressão arterial, estimando-se que os ou-
precisas exigem exame invasivo e são de ob- tros elementos não variem muito. A não ser
tenção complexa. O registro simultâneo da em paciente com obstrução da via de saída do
ventriculografia e da pressão intraventricular, VE, o estresse da parede pode ser inferido por
de preferência com micromanômetro de alta combinação de pressão arterial sistêmica (es-
fidelidade, permite calcular a tensão e o es- figmomanômetro), raio ventricular (RX de
tresse parietal ventricular durante o ciclo car- tórax) e espessura parietal (estimativa da mas-
díaco, bem como a impedância aórtica, todos sa ventricular). No que tange à diástole, à gui-
expressão da pós-carga. A pré-carga pode ser sa de simplificação, usam-se como índices de
expressa como estresse parietal diastólico fi- pré-carga a Pd2 ou volume diastólico final.
nal (EPDF) e a pós-carga como estresse parie- Impedância aórtica dá outra medida da
tal médio ou pico sistólico (EPPS). Como o pós-carga. Como a impedância aórtica é a pres-
estresse parietal ventricular esquerdo é calcu- são aórtica dividida pelo fluxo aórtico em cada
lado a partir das dimensões da câmara, pres- instante, segue-se que este índice de pós-carga
são e espessura parietal, aumenta mais cedo varia continuamente no ciclo cardíaco. Fato-
que a pressão. O aumento da espessura parie- res que reduzem o fluxo aórtico – pressão ar-
tal na sístole (Capítulo IV) proporciona uma terial elevada, estenose aórtica ou perda de
grande área de secção transversal para a distri- complacência arterial – aumentam a impedân-
buição do estresse parietal, o que coincide com cia e por isso a pós-carga. Na insuficiência ven-
a diminuição das dimensões ventriculares, ate- tricular esquerda a impedância aórtica costu-
nuando mais ainda a tensão parietal (Vide Fi- ma aumentar não só por vasoconstrição peri-
guras IV-19 a IV-21). Estas modificações di- férica mas também por rigidez aórtica. Em-
nâmicas produzem EPPS logo após a abertu- bora o espectro de impedância contenha to-
ra da válvula aórtica, mas que declina rapida- das as informações concernentes à relação li-
mente enquanto a pressão ainda se mantém. near entre fluxo pulsátil e pressão na circula-
Isto é, a despeito da pressão sistólica elevada do ção arterial, sua utilidade clínica fica limitada
VE, num paciente hipertenso com hipertrofia, o pela dificuldade de obter medidas e cálculos
EPPS é relativamente normal devido à espessa apropriados. Uma aproximação pode ser feita
parede ventricular e às dimensões normais da pela ecocardiografia transesofágica para deter-
262 ARLOS
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minar o fluxo aórtico no tempo de máximo au- distender o ventrículo durante a diástole. A
mento do fluxo, logo antes da abertura aórtica. diferença entre os dois representa o trabalho
efetivo ou útil. Na ausência de regurgitação
valvular, o trabalho diastólico do ventrículo
TRABALHO CARDÍACO esquerdo (VE) gera-se pela atividade do átrio
esquerdo e do ventrículo direito. Elevando-
O aumento crônico do trabalho cardíaco é o ele- se, fornece a base fisiológica para a hipertrofia
mento mais diretamente relacionado com a gê- e/ou insuficiência ventricular direita. Em pre-
nese da hipertrofia cardíaca. Trabalho cardíaco sença de insuficiência ventricular esquerda ou
(TC) é o produto da pressão pelo volume mais de pressão diastólica esquerda aumentada, o
a velocidade do sangue em cada instante. trabalho diastólico aumenta em relação ao sis-
Como a velocidade pesa muito pouco na pro- tólico, diminuindo o trabalho útil, criando-se
dução do trabalho, este pode ser expressado uma série de curvas características conforme a
pelo produto da pressão pelo volume (Capí- anormalidade específica (Figura X-7). Para
tulos IV e VI). Uma maneira de representar o medidas de pressões, volumes e cálculos deri-
TC é pela curva pressão-volume, onde se in- vados, a pressão do VE pode ser registrada no
dica o tempo de abertura e fechamento valvu- momento do cateterismo e armazenada para
lar, sendo que a altura e a largura da curva entrada posterior das dimensões. Embora os
representam pressão sistólica e volume sistóli- traçados das margens opacificadas e espessura
co, respectivamente (Vide Figura IV-14). A parietal possam ser feitos à mão, os avanços
curva pressão-volume pode ser construída a técnicos do equipamento computadorizado e
partir das correspondentes medidas de volu- os programas calculam mais facilmente (não
me e pressão ou ser desenhada instantanea- mais corretamente).
mente através de aparelhagem especialmente O trabalho cardíaco (TC) integra os dois de-
desenvolvida para isso. A área englobada pela terminantes da perfusão tecidual, fluxo e pres-
porção sistólica da curva mede o trabalho sis- são. Volume diastólico final (VDF) e trabalho
tólico realizado pelo ventrículo, e a área cor- sistólico (TS) relacionam-se linearmente,
respondente à porção diastólica mede o tra- como pode ser visto durante variação de cali-
balho diastólico, ou seja, aquele utilizado para bre da cava inferior, quando aumenta ou di-

E.Ao
200
FIGURA X-7. Curvas
I.Ao pressão-volume normal
(NL), na estenose mitral
VE (EM), na estenose aórti-
(mmHg) NL M.D. ca (EAo), na insuficiência
aórtica (IAo), na insufi-
100 ciência mitral (IM) e na
E.M. miocardiopatia dilatada
(MD). O trabalho sistólico
I.M. é dado pela área que fica
acima de uma diagonal
entre os vértices superior
esquerdo e inferior direi-
to das curvas, e o traba-
0 lho diastólico pela área
que fica abaixo dessa dia-
0 100 200 300
gonal (Gottschall 1995).
(ml)
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minui o retorno venoso para o coração. As- a torna independente do tamanho da cavida-
sim, podem ser construídas várias curvas pres- de ventricular, e indica a sensibilidade da eje-
são-volume (P-V) em diversas situações de ção a aumentos da pós-carga, o que se chama
enchimento diastólico do coração. Aumentan- de elastância sistólica do ventrículo esquerdo
do o estado contrátil, a inclinação da relação (Figura X-8).
TS pré-carga-dependente (TSPCD) aumen- Define-se potência ventricular como o pro-
ta, o que tem sido proposto como uma medi- duto da pressão intracavitária pela modifica-
da de contratilidade miocárdica. Entretanto, ção do volume ventricular sistólico em cada
tal relação não é só determinada pelo estado instante, ou seja, trabalho na unidade de tem-
contrátil mas também pode ser alterada por po. O chamado poder do ventrículo esquerdo
mudanças na relação diastólica P-V ventri- (VE) pode ser calculado como o produto do
cular. Isto é, embora importantemente influen- fluxo aórtico pela pressão. Em situações má-
ciada pela contratilidade, a relação TS-VDF é ximas, chama-se poder máximo. Responde a
mais uma medida integrada de função da bom- mudanças no estado contrátil, é insensível a
ba cardíaca . Porém, a relação TS-VDF tem mudanças na circulação arterial e se relaciona2
várias vantagens importantes. Primeiro, des- linearmente com o quadrado do VDF (VDF )
de que TS integra pressão e volume através do na faixa fisiológica. Assim, poder máximo /
ciclo cardíaco, é representativa de desempe- VDF2 provê uma medida de contratilidade
nho. Segundo, durante redução da pré-carga independente da pré-carga. Pode ser determi-
pela oclusão da cava, ambos os determinantes nado por cintilografia, ecocardiografia e me-
do TS (volume sistólio e pressão sistólica) de- dindo a pressão arterial indiretamente.
clinam produzindo um amplo espectro de va- Essas variáveis podem ser fornecidas auto-
lores de TS, o que aumenta a precisão estatís- maticamente através de métodos como análi-
tica das medidas com as quais a relação TS- se videodensitométrica de angiografia por sub-
VDF pode ser definida. Finalmente, a incli- tração digital após injeção intravenosa. Reali-
nação TSPCD tem dimensões de pressão, que zados manualmente tais cálculos podem ser
180
Pressão (mmHg)

VSF

90 FIGURA X-8. O registro simul-


tâneo de pressões e volumes
SF-

durante a atividade cardíaca


oP

constitui a curva pressão-volu-


me (P-V). Fazendo variar a pré-
açã

carga por diminuição ou aumen-


Rel

to mecânico ou medicamentoso
do retorno venoso podem ser
registradas várias curvas P-V. A
linha unindo os ângulos P sistó-
lica final –V sistólico final dá uma
medida da inclinação dessa re-
0 lação, ou elastância do ventrí-
0 50 100 150 culo esquerdo (redesenhado de
Volume (ml) Little 2001).
264 C ARLOS NTONIO
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tediosos. Na prática, pouco informam além ponto de vista da dinâmica circulatória, que
de outros de mais fácil obtenção, como índice um documento estático, isolado (angiocardio-
de trabalho sistólico. Servem para avaliar car- grafia).
gas e são úteis em experimentos específicos e
estudos comparativos.
O índice de trabalho sistólico (g-m/m 2) é VOLUMES CARDÍACOS
uma maneira simples de expressar trabalho
cardíaco relacionado à pós-carga, corrigido Além da visualização qualitativa e comparati-
para a superfície corporal, sendo representa- va, baseada na experiência do examinador, a ci-
do pela fórmula: neangiocardiografia possibilita, através da apli-
cação de certas fórmulas, a mensuração objeti-
,76 ( 30$R  3G2 ) u 96 / P2 u 0, 0136
va, numérica, de valores que podem ser registra-
em que PMAo = pressão média aórtica dos e usados para futuras comparações . Deter-
(mmHg), Pd2 = pressão diastólica final do VE mina-se o volume ventricular esquerdo inje-
(mmHg), VS/m 2 = índice sistólico (ml/m 2), e tando-se contraste dentro dessa cavidade, com
0,0136 fator de conversão de mmHg x ml/m 2 o paciente posicionado sucessivamente em dois
em g-m/m2. No ventrículo esquerdo (VE) planos oblíquos (oblíquo anterior direito –
normal, o volume sistólico relaciona-se com a OAD – e oblíquo anterior esquerdo – OAE),
pressão sistólica (PS) e esta com a PMAo, sen- mais comumente só em OAD a 30 o.– 35o., o
do a Pd2 muito pequena relativamente à PS. que é bastante fidedigno, numa seqüência fil-
Isto é,a PS é a principal determinante numéri- mada de sístoles e diástoles. Além do ventrí-
ca do ITS nas sobrecargas pressóricas (Capítulo culo pode injetar-se contraste em grandes ar-
V e Figura V-7). Nas sobrecargas volumétri- térias, como aorta, pulmonar e ramos. A me-
cas é o VS. Esta medida pode ser útil para ava- nos que se queira estudar batimentos extra-
liar as condições de trabalho do ventrículo es- sistólicos, procurar evitar arritmias, impedin-
querdo ou do direito. O ITS do VE em adul- do o contato da ponta do cateter com o ven-
tos normais, em repouso, varia entre 35 e 65 trículo. Extra-sístoles produzem regurgitação
g-m/m2. Aumenta nas sobrecargas volumétri- mitral ou tricúspide e dificultam a medida
cas e pressóricas, diminuindo com o decrésci- correta dos volumes cardíacos, especialmente
mo da função cardíaca. com filmes a velocidades de 4-12/seg. Injeção
de contraste não produz alteração hemodinâ-
mica marcada (a não ser por extra-sístole) até
VOLUME E MASSA VENTRICULAR o 6o. batimento após a injeção. A hiperosmo-
laridade aumenta o volume sanguíneo em cer-
Como resultado de uma sobrecarga continuada, ca de 30 seg, aumento que persiste por duas
primeiro o coração se hipertrofia aumentando horas. Por isso, deve ser mantido período su-
sua massa (quantidade de miocárdio) para en- ficiente entre as injeções para que os efeitos
frentar a nova carga e, depois de um tempo va- destas sejam distinguidos dos efeitos do ven-
riável, pode também dilatar-se, rumando no triculograma precedente. Para estudar corre-
caminho da insuficiência cardíaca . A injeção de tamente a função ventricular é imperioso que
material contrastado no interior de vasos ou a injeção de contraste seja feita primeiro no
de cavidades cardíacas permite estudar a ana- ventrículo e depois nas coronárias, para não
tomia e função dos mesmos, com detalhes ex- distorcer valores funcionais. Contrastes não
tremamente fidedignos. Visualização de lesões iônicos minimizam esses efeitos, devendo ser
através de filmagem de quadros em rápida usados em casos de insuficiência renal e de
sucessão (de 15 a 60 por segundo – cinean- função cardíaca muito deprimida. Utilizando-
giocardiografia) é geralmente mais útil, do se técnicas de registro lento ou rápido para a
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construção da curva de volume ventricular é para determinar volumes. Entretanto, em pa-


necessário tempo mínimo de exposição da ciente com discinesia acentuada, aneurisma ou
imagem junto com os eventos elétricos e me- distorsão, deve corrigir-se o contorno ou usar
cânicos do ciclo cardíaco. cine biplana em ântero-posterior e em OAD.
Após captada a imagem, a silhueta do ven- O contorno é corrigido compensando-se áreas
trículo esquerdo (VE) em volume diastólico para mais ou para menos, anulando-as, num
final (VDF) e a seguir em volume sistólico fi- perímetro elipsóide imaginário mais próximo
nal (VSF) pode ser projetada sobre uma folha possível daquele original do ventrículo. Em-
que permita o desenho dos respectivos con- bora o contorno do ventrículo possa ser dese-
tornos da cavidade (Figura X-2). A maioria nhado manualmente, pode também ser obti-
dos aparelhos modernos dispensa o desenho, do com um planímetro ou integrador eletrô-
reconhecendo esses contornos, ou já informan- nico. As estimativas subjetivas do volume ven-
do diretamente o valor numérico. Entretan- tricular, da fração de ejeção e do movimento
to, o exercício de determinação ajuda a com- parietal às vezes induzem a erro significante,
preender de onde saem os valores. O VDF e o requerendo-se análise objetiva.
VSF do VE são calculados em ml pela fórmu- Por não sofrer influência da complacência,
la de Dodge, a partir da fórmula do volume a medida do volume diastólico final (VDF) é
da elipse (forma elipsóide do VE): V = 4/3 p superior a da Pd2 para indicar pré-carga. En-
r3. Aplicando ao VE fica: tretanto, a Pd2 é mais simples de ser medida e
por isso mais usada. O VDF varia no adulto
4 / 0 0
9 Su u u 1 normal entre 90 e 130 ml, não devendo ultra-
3 2 2 2 passar 70 ± 20 ml/m2 (índice diastólico). A
em que L é o diâmetro longitudinal, em cm, diferença entre o VDF e o VSF é o volume
do plano mitral até o ápice, M o diâmetro sistólico (VS) ou volume de ejeção, que vale
transversal ântero-inferior e M 1 o diâmetro normalmente entre 35 e 55 ml/m 2 (índice sis-
transversal lateral, ambos também em cm. tólico). Multiplicando-se o VS e o índice sis-
Considerando-se iguais M e M 1, e simplifi- tólico pela freqüência cardíaca pode-se calcu-
cando, fica: V = p/6 x L x M2. Dividindo-se p lar, respectivamente, o débito cardíaco e o ín-
(que vale 3,14) por seis fica: V = 0,52 x L x dice cardíaco. À medida que avança o com-
M2. O resultado final deve ser dividido pelo prometimento funcional cardíaco, a cavidade
fator de correção (fc) ao cubo, porque é volu- ventricular vai retendo maior resíduo sistóli-
me. Assim, a fórmula do volume calculado fica: co (maior VSF) por insuficiente esvaziamen-
to, ocorrendo concomitantemente aumento
0, 52 / u 0 2 do VDF a fim de, utilizando o maior estira-
9')RX96) ( FDOFXODGR)
IF 3 mento das fibras miocárdicas, aumentar a po-
O fc é obtido filmando uma placa centi- tência contrátil. Isto é, o VS é preservado até
metrada ou uma esfera na altura em que esta- um estágio relativamente avançado da disfun-
va o plano médio do VE (± 10 cm da base da ção cardíaca, e o débito cardíaco mais ainda,
mesa), para informar a proporção do aumen- pois, mesmo quando o VS começa a cair, a fre-
to. Comparando-se o volume calculado com qüência aumenta para preservar o débito, que só
o obtido diretamente em corações autopsia- cai quando os mecanismos de compensação se
dos, foi proposta a seguinte equação, que cor- esgotam. Considera-se a função ventricular es-
rige o volume calculado para o real: querda inequivocamente reduzida quando o
VDF > 110 ml/m2 e o VS ou o trabalho car-
9ROXPHUHDO 0, 928 u 9FDOFXODGR  3, 8PO
díaco estão reduzidos ou normais, mesmo sen-
Usualmente, cineangiocardiografia em do normais a freqüência cardíaca e a pressão
oblíqua anterior direita (OAD) é suficiente arterial.
266 ARLOS
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O ventrículo muito dilatado assume for- nar: grau I (FR < 21%), quando o volume do
ma mais esférica na diástole e na sístole para sangue contrastado que regurgita é mínimo e
distribuir melhor as forças parietais alteradas, não ocorre no primeiro ciclo; grau II (FR: 21
e, quando isso ocorre, a melhor fórmula para a 40%), quando o volume regurgitado é um
calcular volume não é a da elipse mas a da pouco maior, já ocorre no primeiro ciclo mas
esfera (pr3). Geralmente associa-se com insu- não chega a contrastar de forma completa a
ficiência mitral por dilatação. Como a confi- cavidade precedente; grau III (FR: 41 a 60%),
guração do ventrículo direito se assemelha a quando o volume regurgitado é grande, con-
uma pirâmide, é a fórmula do volume dessa trastando totalmente a cavidade já a partir do
figura que deve ser empregada para estimar segundo ou terceiro ciclo; grau IV (> 60%),
seu volume. Os átrios são elipsóides e seus quando a cavidade precedente à regurgitação
volumes podem ser obtidos por planimetria. se contrasta de forma total já no primeiro ci-
Situações de regurgitação ou de estenose clo após a injeção de contraste no vaso ou ca-
valvular e de curto-circuito produzem sobre- vidade estudada. Como há erros na medida
carga nas cavidades, sendo importante quan- do VS, eles se somam ao cálculo do volume e
tificá-los. da fração de regurgitação. Quando coexiste
Regurgitação valvular: Em alguns casos de insuficiência aórtica e mitral, o volume de re-
insuficiência valvular pode ser de interesse gurgitação reflete ambos os defeitos, não dis-
quantificar o grau de regurgitação, a fim de tinguindo a parcela de cada um.
ter-se uma idéia numérica da magnitude do Estenose valvular: Lesões valvulares este-
fenômeno. Habitualmente, o impacto funcio- nóticas determinam sobrecarga de cavidades,
nal da lesão sobre curvas pressóricas, volume com aumento de volume e massa. O cálculo
e débito cardíacos, desempenho funcional e das áreas valvulares auxilia na avaliação da fun-
estado contrátil dos ventrículos é suficiente ção cardíaca e na explicação da fisiopatogenia
para indicar sua severidade. No caso de dese- de muitos processos. Por intermédio de algu-
jar-se uma expressão numérica da regurgita- mas fórmulas matemáticas, que levam em con-
ção, a diferença entre o volume sistólico (VS) ta débito cardíaco, gradientes pressóricos, pe-
anterógrado, medido pelo método de Fick, e ríodo diastólico e freqüência cardíaca, ou de
o VS global, medido pela ventriculografia, dará medidas angiocardiográficas de domínio do
o volume regurgitado e a fração de regurgita- hemodinamicista, é possível calcular áreas val-
ção (FR). A FR é dada pela fórmula: vulares ou tamanho de uma comunicação in-
teratrial, comunicação interventricular ou per-
)5
(96 DQJLRJUDILD)  (96 )LFN )
u 100 sistência do canal arterial, cujas medidas de
96 DQJLRJUDILD maior utilidade prática são as da área valvular
Por exemplo, no caso de uma insuficiência (AV) mitral (Mi) e da AV aórtica (Ao).
mitral ou aórtica: VS (ventriculografia) = 130
ml; VS (Fick) = 65 ml. Volume de regurgita- $90L
)

ção = 65 ml e fração de regurgitação (FR) = 37 , 7 '3


50%. Considera-se significativa FR acima de )
30% e severa acima de 50%. A FR também é $9$R
útil para avaliarem-se resultados de correções 44 , 3 '3

cirúrgicas parciais, ou deterioração inicial da em que F = fluxo através do orifício em ml/


função, antes de alterarem-se outras medidas seg e P = gradiente pressórico médio em
hemodinâmicas. Uma maneira mais simples mmHg através do orifício. Devido à resistên-
de julgar-se o grau de regurgitação valvular é cia ao fluxo (Poiseuille) e à turbulência (Rey-
por apreciação visual da cineangiocardiogra- nolds), ocorre queda de pressão através da vál-
fia, mitral ou aórtica, tricúspide ou pulmo- vula estenótica. As constantes 37,7 e 44,3 re-
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lacionam esses fatores à área valvular e dife- tras de sangue de diferentes níveis do coração

rem entre aorta (Ao) e mitral (Mi) devido a va- e grandes vasos ajuda a detectar presença, di-

riações no fluxo. F (ml/seg) é calculado assim: reção e volume do curto-circuito.

Considera-se vol% o volume de O


'& ( PO / PLQ ) 2 em 100
) ( PO / VHJ ) ml de sangue, o qual está na dependência da
3('0L( VHJ / PLQ ) RX3(6$R ( VHJ / PLQ )
quantidade de hemoglobina (Hb) e da capa-

O PED (período de enchimento diastóli- cidade da Hb de reter O . Assim, se em 100


2
co) e o PES (período de esvaziamento sistóli- ml de sangue arterial houver 15 g de Hb, e

co) são medidos, respectivamente, multipli- cada g de Hb retiver 1,39 ml de O (saturar-


2
cando pela freqüência cardíaca o tempo em se totalmente ou 100%) ter-se-á aproximada-

mente 20 ml de O
que as válvulas mitral e aórtica permanecem 2 em 100 ml de sangue (20
abertas num ciclo, o que pode ser constatado vol%). Entretanto, se o sangue estiver satura-

do com O
nas curvas de registro. 2 a 95%, ou 80%, ou 60%, haverá,
É importante lembrar que a abertura das respectivamente, 19 vol%, 16 vol%, 12 vol%

válvulas é diretamente proporcional à veloci- de O . Os conteúdos de O e respectivas sa-


2 2
dade do fluxo sanguíneo. Fluxo baixo e regur- turações da hemoglobina (%HbO ) nos dife-
2
gitação isolada ou associada diminuem o va- rentes vasos e cavidades, de interesse para o

lor obtido. Dessa forma, a área encontrada é hemodinamicista, são:

uma área funcional, não necessariamente ana-

tômica. Outras causas de erro no cálculo da Sítio Vol% O2 %HbO2


área valvular são: medida incorreta do gradien-
Veia cava superior (VCS) 14 +/– 1 70
te, pressão capilar pulmonar mal avaliada, ina- Veia cava inferior (VCI) 16 +/– 1 80
dequada calibração dos transdutores, erro na
Átrio direito (AD) 15 +/– 1 75
Ventrículo direito (VD) 15 +/– 1 75
determinação do débito cardíaco, doença Artéria pulmonar (AP) 15 +/– 1 75
veno-oclusiva pulmonar, cor triatriatum. Dé- Capilar pulmonar (CP) 19 +/– 1 95
Veias pulmonares (VP) 19 +/– 1 95 ou +
bito cardíaco e gradiente devem ser determi-
Átrio esquerdo (AE) 19 +/– 1 95 ou +
nados simultaneamente e usar-se a pressão Ventrículo esquerdo (VE) 19 +/– 1 95 ou +
central em vez da periférica. Apesar de todas
Aorta (Ao) 19 +/– 1 95 ou +
Artéria braquial (Ab) 19 +/– 1 95 ou +
essas restrições, a área valvular, quando apro-

priadamente medida através do exame hemo-

dinâmico, oferece vários caminhos para cor- Os limites de variação no conteúdo médio

de duas amostras de O
relação com achados clínicos e indicação ci- 2 foram estabelecidos a
rúrgica. A área mitral normal mede em torno partir de Dexter e cols. em 1947. São aceitos

de 4,5 cm
2 e a aórtica entre 3,0 e 4,0 cm .
2 como não significantes quando de até 0,5 vol%

Manifestações clínicas de estenose nessas vál- entre AD e VD, até 1,0 vol% entre VD e AP

vulas se tornam acentuadas com áreas, respec- e de até 2,0 vol% entre AD e VCS. Além des-

tivamente, de 1 cm
2 ou menos e de 0,75 cm
2 ses valores, considera-se presença de contami-

ou menos. Atualmente, a medida de áreas val- nação por curto-circuito no respectivo nível,

vulares vem sendo feita preferentemente pela por exemplo, comunicação interatrial, comu-

ecocardiografia. nicação interventricular e persistência do ca-

Curto-circuito: A passagem de sangue do nal arterial.

lado esquerdo da circulação para o lado direi- Para calcular-se a magnitude do curto-cir-

to, ou vice-versa, através de comunicações cuito (CC) esquerda-direita (E-D) é necessá-


·
anormais, é chamada de curto-circuito, e é um rio conhecer-se o consumo de O (VO ) e o
2 2
mecanismo fisiopatológico comum de sobre- conteúdo em O do sangue de sítios proximais e
2
carga volumétrica em cardiopatias congênitas. distais ao CC e de uma artéria sistêmica. A dife-

A determinação do conteúdo de O em amos- rença entre o fluxo sanguíneo sistêmico (débito


2
268 CARLOS ANTONIO M ASCIA GOTTSCHALL © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

sistêmico – Qs) e o fluxo sanguíneo pulmonar vo. A sensibilidade da oximetria para detectar
(débito pulmonar – Qp) é o volume do CC. CC intracardíaco é relativamente baixa. CC
·
Não sendo medido o VO2, só é possível esti- pequenos (Qp/Qs < 1,3) em nível de artéria
mar a relação fluxo pulmonar / fluxo sistêmico, pulmonar ou ventrículo direito e em nível
sem determinar valores absolutos. Assim, para atrial (Qp/Qs < 1,5) não são detectados cor-
uma comunicação interatrial, uma comunica- rentemente, devido à variação normal na sa-
ção interventricular ou uma persistência do ca- turação de O2 descrita acima. Métodos mais
nal arterial, a fórmula a ser usada será: sensíveis, mas menos usados para evidenciar
pequenos CC, são baseados na detecção de mo-
4S &D22  &Y22 léculas de H2 no átrio direito, por eletrodo de
4V &D22  &FV22 , &DG22RX&YG22 platina, após inalação desse gás, e na detecção de
corante injetado em artéria pulmonar e recolhi-
em que Qp é fluxo sanguíneo pulmonar, Qs é
do na artéria femoral. Relação Qp/Qs acima de
fluxo sanguíneo sistêmico, CaO2 é conteúdo
1,5 é significativa, acima de 2,0 é importante, e
arterial de O2, CvO2 é conteúdo venoso mis-
acima de 2,5 é muito importante.
to de O2 (de artéria pulmonar), CcsO 2 é con-
Em presença de curto-circuito (CC) direi-
teúdo de O2 em cava superior, CadO 2 é con-
ta-esquerda (D-E), o conteúdo de O 2 das di-
teúdo de O2 em átrio direito, CvdO 2 é con-
versas câmaras cardíacas é o mesmo, e o con-
teúdo de O2 em ventrículo direito.
teúdo de O2 arterial é reduzido. CCs D-E são
Como vimos, nos curto-circuitos esquer-
indicados por uma %HbO 2 inferior a 94%,
da-direita (CC E-D) sua magnitude é calcula-
na ausência de hipóxia ambiental, hipoventi-
da como a diferença entre o fluxo pulmonar
lação alveolar, desuniformidade da distribui-
(Qp) e o sistêmico (Qs):
ção da ventilação ou perturbação da difusão
92 2 ( PO / PLQ ) pulmonar, sendo que abaixo de 70-75% sur-
4S
&YS22 ( PO / O )  &DS22 ( PO / O ) ge cianose. No caso de CC veno-arterial ana-
tômico, administração de O 2 puro durante
onde CvpO2 e CapO2 referem-se a conteúdo cinco minutos não consegue elevar a PaO 2 a
em O2 em sangue de veia (na prática, sangue 450 mmHg, o que costuma ocorrer nas ou-
de “capilar”) pulmonar e de artéria pulmonar tras situações. Localiza-se o sítio do CC veri-
respectivamente. O fluxo sanguíneo sistêmi- ficando em qual câmara esquerda o sangue
co (Qs) é calculado como: aparece dessaturado. Existindo esse CC, o va-
lor da PvpO 2 é admitido como 98% da satu-
92 2 (PO / PLQ )
4V ração de Hb para calcular Qp. Se houver des-
&VLVWrPLFR22 (PO / O )  &YHQRVRPLVWR22 ( PO / O )
saturação arterial apenas por causa pulmonar
O conteúdo venoso misto de O 2 é tido ou ambiental, sem CC D-E, usa-se o conteú-
como a média do conteúdo de O2 do sangue do arterial sistêmico observado para calcular
na câmara imediatamente antes do CC. No o Qp. Dessa maneira, não é possível localizar
caso específico de uma comunicação intera- o defeito mas apenas estimar a magnitude do
trial, comparações com fluxos obtidos a partir CC D-E. Para isso, torna-se necessário conhe-
·
de curvas de corantes mostram que, para cal- cer o VO2 e o conteúdo de O 2 do sangue ve-
cular o conteúdo venoso misto de O 2 nessa noso misto, de uma artéria sistêmica e do lei-
situação, uma melhor aproximação é: to vascular pulmonar. Não estando disponí-
·
vel o valor do VO2, pode-se apenas estabele-
3&229&6  1&229&, cer uma outra relação:
4
A magnitude do CC é então Qp-Qs. Se 4S &YS22  &YP22
for E-D o valor será positivo, se D-E, negati- 4V &D22  &YP22
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em que CvpO2 é o conteúdo de O2 em veias da parede. O produto do volume da parede


pulmonares, CvmO 2 é o conteúdo venoso pela densidade específica do músculo cardía-
misto de O2 (de artéria pulmonar), CaO 2 é o co é igual à massa ventricular (MV), que pode
conteúdo sistêmico de O 2. Normalmente é ser calculada:
difícil entrar em veia pulmonar e átrio esquer-
09 ([ 4 / 3 u S
/ K
( 2 ) (
u
'$3  2K) u ( '$,  2K) ]  9 u (1050)
do no adulto. Pequeno CC pode ser detecta- 2 2 2
do injetando corante em veia cava e o reco-
lhendo no sangue arterial antes do pico pri- onde MV = peso do VE em g; L = maior com-
mário de recirculação. O sítio de origem en- primento medido em AP ou OAD em cm;
tão pode ser encontrado injetando-se o corante Dap = menor eixo calculado na projeção ân-
num local mais distal do lado direito até que tero-posterior em cm; Dai = menor eixo cal-
sua recirculação precoce desapareça. Entretan- culado na projeção lateral em cm; h= espessu-
to, métodos angiográficos, quando bem explo- ra da parede do VE em cm; V= volume da
rados, não deixam de detectar mínimos CC. câmara ventricular esquerda em ml; 1050=
Dessaturação arterial associada com au- densidade específica do músculo cardíaco.
mento do conteúdo de O 2 além do local do Usando-se apenas a projeção OAD 30-40 o.,
CC sugere que este seja bidirecional. Em Dap e Dai podem ser considerados iguais (Fi-
caso de bidirecional, deve usar-se as seguin- gura X-9). Para maior precisão, o volume ven-
tes fórmulas: tricular pode ainda ser corrigido para o volu-
me dos músculos papilares e trabéculas car-
4S( &DS22  &YP2 2 ) nosas. Uma causa de erro deste método é as-
('
( &YS22  &YP2 2 ) sumir que a parede ventricular tem espessura
uniforme em toda sua extensão. Entretanto, o
4S( &YS22  &VLVW22 )( &YS22  &DS22 )
'( mesmo tem sido validado por estudos pós-
( &VLVW22  &YP2 2 )  ( &YS22  &YP2 2 )
morte.
Se não for possível medir a saturação em A espessura da parede do ventrículo esquer-
O2 nas veias pulmonares, assumi-la como 98% do (VE) é 10,9 +/– 2,2 mm e a MV 92 +/– 16
em paciente com função pulmonar normal e g/m2. Sobrecargas crônicas de volume e pres-
sem hipóxia ambiental. são e miocardiopatias aumentam a massa ven-
Além do método oximétrico e do angio- tricular (MV). A hipertrofia concêntrica por
gráfico, os CC podem ser detectados por ou- sobrecarga de pressão se caracteriza, a princí-
tros métodos, cujos mais usados são por dilui- pio, por aumento da espessura parietal, com
ção de corantes ou respiratórios. volume da cavidade normal ou diminuído, e
aumento da relação massa/volume. Hipertro-
fia por sobrecarga de volume ou miocardio-
MASSA VENTRICULAR patia se caracteriza por aumento da MV e au-
mento do volume com pequeno aumento da
A variação da massa ventricular é a expressão espessura (hipertrofia excêntrica). Nas valvu-
direta de uma hipertrofia ou hipotrofia cardía- lopatias crônicas enquanto compensadas cos-
ca. Mede-se a massa ventricular assinalando tuma haver correlação entre MV e índice de
sobre o contorno interno da cavidade ventri- trabalho sistólico ventricular mas não nas mio-
cular, no fim da diástole, a espessura h da pa- cardiopatias primárias. A massa do VE é im-
rede, em oblíqua anterior direita (OAD), adi- portante fator prognóstico em pacientes com
cionando-a sobre os eixos longitudinal e late- hipertrofia ventricular. Hipertrofia e dilatação
ral. O volume assim medido pela fórmula de aumentam a massa mas a hipertrofia o faz
Dodge menos o volume da câmara (VDF), mantendo a cavidade pequena, e dilatação
com as devidas correções, é igual ao volume aumenta a cavidade e a massa ventricular.
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FIGURA X-9. A diferença de


espessura (h) entre o contor-
no diastólico externo do VE e
o contorno diastólico interno,
obtidos por ventriculografia so-
mente em projeção OAD 30-
EM 40o, ou também AP, bem como
os respectivos eixos maior
(EM) e menor (em), permitem
em
calcular volumes e massa ven-
tricular, conforme fórmula de-
senvolvida no texto (Gottschall
1995).

Também podem ser calculados espessura pensação para a disfunção sistólica. Se o maior
parietal diastólica, aumento fracional na es- VDF provoca elevação da PVCP, a disfunção
pessura parietal e valores médios e de pico da sistólica está resultando em disfunção diastó-
espessura. Assim, se desejável, é possível com- lica. Por isso, em pacientes sintomáticos a dis-
parar determinações múltiplas, em várias re- função sistólica costuma associar-se com dis-
giões do ventrículo, com espessamentos cícli- função diastólica. Os eventos diastólicos inte-
cos durante o mesmo batimento, avaliando- ragem com o relaxamento isovolumétrico, o
se a simetria parietal. enchimento rápido e o relaxamento auxotô-
nico (distensibilidade ou complacência) ven-
tricular. A função diastólica deve ser quantifi-
RELAXAMENTO E DISTENSIBILIDADE cada de uma maneira global, medindo-se o
(COMPLACÊNCIA) relaxamento isovolumétrico (velocidade do re-
laxamento, pela dP/dt negativa), a diástole
Para os ventrículos funcionarem bem como uma inicial (velocidade de enchimento e pressão
bomba, têm que encher adequadamente. Fun- aspirativa, pela Pd1) e o relaxamento auxotô-
ção diastólica normal pode ser definida como o nico e a rigidez da câmara (índices de caracte-
enchimento ventricular suficiente para produzir rísticas diastólicas passivas ventriculares deri-
um débito cardíaco (DC) adequado às necessi- vados da curva pressão-volume e medidas do
dades corporais, com uma pressão veno-capilar padrão de enchimento diastólico). Como os
pulmonar (PVCP) normal (menos que 12 átrios são câmaras diretamente relacionadas
mmHg) (Capítulo IX). Por vezes, desempenho com a diástole, seus eventos pressóricos tam-
diastólico normal ocorre em paciente com car- bém serão considerados aqui.
diopatia compensada e anormalidades diastó-
licas sem elevação da pressão capilar pulmo-
nar Um paciente com disfunção sistólica re- PRESSÕES ATRIAIS E
quer um maior volume diastólico final (VDF) DIASTÓLICAS VENTRICULARES
para produzir volume sistólico e débito car-
díaco normais. Se esse maior VDF é alcança- Nas Figuras X-5, X-6 e X-10 podem ser vistos
do sem aumentar a PVCP isto significa com- vários exemplos de situações que serão trata-
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das a seguir. Uma curva pressórica normal de rápido. Na insuficiência tricúspide (explica-
átrio direito (AD) consiste de três ondas posi- ção similar vale para a mitral) a amplitude da
tivas, “a”, “c”, e “v”, cada uma seguida por onda “v” aumenta porque o átrio direito é
outras negativas, “x”, “x’” e “y”. A onda “a” enchido na sístole não só com sangue vindo
costuma ser o acidente mais marcado, não deve das veias cavas como com sangue regurgitado
exceder 8 mmHg, corresponde à sístole atrial pela válvula tricúspide.
e coincide com o intervalo PR do ECG. É se- Aumento da pressão diastólica final do ven-
guida pela onda “x”, que resulta do relaxamen- trículo direito (VD) ocorre por: a) diminui-
to atrial, podendo atingir valor negativo. A ção da complacência do VD (hipertrofia, en-
onda “c” é causada pela distensão da válvula domiocardiopatia, pericardiopatia); b) sobre-
tricúspide contra o átrio direito durante a fase carga pressórica; c) sobrecarga volumétrica; d)
isométrica da contração ventricular e segue dilatação ventricular (insuficiência contrátil).
imediatamente a onda R do ECG. Freqüen- Em presença de cardiopatias restritivas, e al-
temente, as ondas “a” e “c” se mostram fundi- gumas vezes de insuficiência cardíaca direita,
das ou a onda “c” aparece como um abaula- a Pd1 encontra-se bem acima de zero e é se-
mento na “a”. Nesses casos, a fase descenden- guida por uma ascensão rápida que atinge um
te que se segue chama-se descenso “x”. O des- plateau maior que um terço da pressão sistóli-
cenço “x” que se segue à onda “c” bem desen- ca (Vide Figuras IX-5 e IX-6).
volvida resulta do abaixamento do septo atrio- Um valor de grande utilidade diagnóstica,
ventricular durante a ejeção ventricular. A representado pela medida da pressão “capilar”
onda “v” se deve ao enchimento atrial direito, pulmonar (PCP), é obtido encravando-se um
estando fechada a tricúspide, e o descenso “y” cateter com diâmetro de cerca de dois milí-
resulta do esvaziamento atrial que sucede a metros e furo terminal numa ramificação me-
abertura da tricúspide, ocorrendo durante o nor da artéria pulmonar. A menos que se rea-
intervalo TP do ECG. A pressão média do lize punção transeptal, a PCP é aceita como
átrio direito varia de 2 a 5 mmHg, não deven- substituta fidedigna da pressão atrial esquer-
do exceder 7 mmHg. Aumentos da onda “a” e da. A pressão assim registrada reflete retrogra-
da pressão média atrial direita ocorrem por: damente a pressão venosa pulmonar ou pres-
a) aumento do volume circulante; b) estenose são “capilar”, que varia normalmente entre 8
ou insuficiência tricúspide; c) diminuição da e 14 mmHg. Para determinar fielmente a PCP
complacência ventricular direita (hipertrofia, é necessário que o cateter com furo na ponta
endomiocardiopatia, pericardiopatia); d) di- esteja apropriadamente (bem) encravado no
latação ventricular direita (insuficiência con- “capilar” pulmonar. Confirma-se isso verifi-
trátil); e) fusão de ondas em ritmos cardíacos cando que a pressão média de capilar pulmo-
anormais, quando pode atingir valores de vinte nar esteja no nível da pressão diastólica de ar-
ou mais mmHg. Nas grandes diminuições da téria pulmonar e que o sangue aspirado do
complacência ventricular direita, como cos- cateter encravado ou não reflua ou esteja sa-
tuma ocorrer na pericardite constritiva ou in- turado acima de 95% em O2. Geralmente,
suficiência ventricular direita avançada, o tra- ondas “c” não são aparentes no traçado de PCP,
çado atrial direito apresenta-se em “M” ou os demais acidentes são todos visíveis. Na cir-
“W”, elevando-se a pressão média a cerca de culação pulmonar normal, com baixa resistên-
quinze ou vinte mmHg, fundindo-se as on- cia, o fluxo arterial pulmonar está diminuído
das “a” e “c”, com um exagerado descenso “x”, no fim da diástole, de modo que a pressão ar-
que é atribuído ao brusco repuxamento do terial pulmonar diastólica e PCP são aproxi-
septo atrioventricular na sístole. Um descen- madamente iguais. Modificações na PCP cos-
so “y” agudo resulta do súbito relaxamento da tumam paralelizar estreitamente, apenas com
pressão durante a fase diastólica de enchimento pequeno retardo temporal, variações pressó-
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ricas no átrio esquerdo, a não ser nas raras pulmonar podem exceder a pressão diastólica
ocasiões em que ocorre obstrução ou espasmo final do VE.
das veias pulmonares. Na hipertensão veno- A pré-carga de um ventrículo depende do
capilar importante é comum registrar-se PCP volume diastólico final (VDF) produzido pela
média de 40 mmHg, valor superior ao consi- pressão que distende esse ventrículo (Pd 2). No
derado de transudação pulmonar, que é de 25 caso do ventrículo esquerdo (VE), não haven-
mmHg. Nesses casos, existe um processo adap- do doença mitral, a Pd 2 é igual à pressão atrial
tativo através de uma mais eficiente drenagem esquerda nesse momento. Havendo uma con-
linfática a partir do espaço instersticial pul- tração atrial vigorosa, a Pd 2 fica maior que a
monar, que impede edema alveolar em pre- pressão média atrial. Mudanças na Pd 2 e no
sença de tão alta pressão. VDF não são lineares, a complacência está
A cavidade atrial esquerda (AE), na ausên- entre eles. As pressões diastólicas do VE são
cia de comunicação interatrial ou forâmen oval normalmente mais altas que aquelas do ven-
patente, é a mais difícil de ser atingida por trículo direito, devido em parte à maior es-
cateter mas suas variações de pressão, como pessura do VE, o que resulta em maior rigidez
foi visto, refletem-se na pressão capilar pul- (menor complacência) dessa câmara. Elevação
monar. Tal como para o átrio direito, a forma da pressão diastólica final do VE, não consi-
do traçado da AE obedece à mesma seqüência derando as causas extracardíacas – como va-
e à mesma nomenclatura de ondas, que refle- riações da posição do manômetro, pressão in-
tem eventos fisiológicos similares. Sua pres- tratorácica e variações da volemia –, ocorre
são média normal varia entre 8 e 12 mmHg. por: a) bradicardia; b) sobrecarga diastólica
Aumento da pressão AE ocorre por: a) aumen- (volumétrica: insuficiência aórtica e/ou mitral,
to do volume circulante ou hiperfluxo direi- persistência do canal arterial); c) sobrecarga
to-esquerdo; b) estenose ou insuficiência mi- sistólica (pressórica: estenose aórtica, hiperten-
tral; c) aumento da pressão diastólica final do são arterial); d) complacência ventricular di-
ventrículo esquerdo (VE). Como resposta à minuída (maior rigidez ventricular: hipertro-
elevação pressórica diastólica final do VE, o fia, endomiocardiopatia, isquemia, pericardi-
contorno do traçado pode ser inteiramente opatia); e) insuficiência miocárdica (volume
normal, a despeito da maior pressão. Em con- diastólico e resíduo sistólico aumentados: hi-
seqüência de estenose mitral, maior pressão pocontratilidade). A Pd 2 do VE diminui na
resulta da obstrução ao fluxo pelo orifício es- hipovolemia, na taquicardia e na estenose mi-
treitado, e a onda “a” se torna muito proemi- tral. Normalmente, não deve haver gradiente
nente. Não havendo regurgitação mitral sig- transmitral entre Pd 2 do VE e pressão média
nificativa, o descenso “y” torna-se prolonga- do átrio esquerdo ou de pressão capilar pul-
do. Na fibrilação atrial desaparece a onda “a”. monar, cuja presença entre 5 e 10 mmHg su-
Em presença de insuficiência mitral, a pressão gere estenose mitral discreta, entre 10 e 15
AE caracteriza-se por uma grande onda “v” e mmHg, moderada e mais que 15 mmHg, im-
um descenso “y” marcado. Na insuficiência portante. O gradiente transmitral se eleva com
mitral (explicação similar serve para a tricús- o exercício, tanto mais quanto mais intensa
pide) a amplitude da onda “v” aumenta por- for a estenose mitral. No paciente em ritmo
que o AE é enchido na sístole não só com san- sinusal, há nítida discrepância entre a gran-
gue vindo das veias pulmonares como com de onda “a” da sístole atrial e a pequena ou
sangue regurgitado pela válvula mitral. Entre- ausente onda “a” do traçado ventricular es-
tanto, todas essas modificações podem ser querdo.
apreciadas através de uma boa curva de pres- Variações das pressões ventriculares em
são capilar pulmonar. Em presença de grande exercício podem complementar avaliação fun-
onda “v” a pressão atrial e a pressão capilar cional e já foram descritas (Capítulo VI) .
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mmHg A B
AE
30
A a mmHg
25 PCP
20 Vv 80
c
15 C
10 40
5
0

C D

80
30

mmHg 40 mmHg

0 0

F
100
E

mmHg

FIGURA X-10. Curvas pressóricas de “desencravamento” de capilar pulmonar (CAP): A) A curva CAP reproduz as
mesmas ondas e as mesmas pressões do átrio esquerdo, só que com um pequeno retardo temporal (Segundo
Kory); B) Ondas “a” grandes em CAP em hipertensão veno-capilar pulmonar secundária a estenose mitral; C)
Ondas “a” e “v” grandes em caso de dupla lesão mitral; D) e E) casos de insuficiência mitral, respectivamente, com
ondas “v” grandes e gigantes; F) Registro simultâneo de pressões do ventrículo esquerdo e de CAP mostrando o
gradiente transmitral num caso de estenose mitral (Vide texto para detalhes) (Gottschall 2005).

RELAXAMENTO ISOVOLUMÉTRICO de do sistema contrátil pelo cálcio ou quando


E DIASTÓLICO INICIAL a velocidade de tomada do cálcio pelo retícu-
lo sarcoplasmático aumenta, durante a esti-
Como, em vários tipos de cardiopatia, as altera- mulação beta-adrenérgica. A duração do rela-
ções miocárdicas começam a manifestar-se pelo xamento isovolumétrico depende não só de
relaxamento miocárdico, o estudo dessa proprie- sua intensidade mas também da diferença de
dade do coração é exremamente informativo sobre pressão entre o fechamento da aorta e a aber-
manifestações precoces de anormalidade cardía- tura da mitral.
ca. No capítulo IX, são discutidos a disfunção Depois do fechamento da válvula aórtica,
diastólica e os padrões anormais de relaxamen- a pressão ventricular esquerda (VE) diminui
to. Qualquer medida ou índice de relaxamen- exponencialmente durante o relaxamento iso-
to pode ser alterado por modificações nas con- volumétrico. Mede-se a velocidade do relaxa-
dições de carga ou na velocidade do seqüestro mento isovolumétrico pelo valor do pico da
do cálcio. O relaxamento aumenta quando a dP/dt negativa – dP/dt(-) – em mmHg/seg e
fosforilação da troponina I diminui a afinida- pela constante de tempo de redução pressóri-
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ca isovolumétrica, t. Normalmente, o pico da bém da diferença na pressão entre o fechamen-


dP/dt(-) é numericamente maior que o pico to da aorta e a abertura da mitral. Isto é, a
da dP/dt(+) e se reduz quando diminui a ve- duração do relaxamento isovolumétrico pode ser
locidade inicial do relaxamento isovolumétri- aumentada por uma elevação na pressão atrial
co. A constante de tempo t reflete o que acon- esquerda.
tece mais tardiamente, do pico dP/dt(-) até a O relaxamento diastólico isovolumétrico
abertura da mitral. É aproximadamente igual normal produz rápida queda da pressão ven-
ao tempo para a pressão do ventrículo esquer- tricular a níveis próximos de zero, sendo a Pd 1
do (VE) diminuir mais de um terço do que o menor valor de pressão nos ventrículos, a
valia no pico dP/dt(-) (Vide Figura X-17). qual depende do recuo elástico diastólico (Ca-
Cálculo mais exato pode ser feito colocando- pítulo IX e Figura IX-4). O valor normal da
se num gráfico o logaritmo natural da pressão Pd1 é até 2 mmHg no ventrículo direito e até
do VE em função do tempo, o que dá uma 5 mmHg no ventrículo esquerdo, podendo em
relação aproximadamente linear, cuja maior ambos os casos ser menor que zero numa diás-
inclinação representa mais velocidade e vice- tole muito eficiente, como no exercício. Ele-
versa. Esta relação pode ser expressa matema- vação da Pd1 significa relaxamento diastólico
ticamente por uma equação exponencial des- prejudicado: nas situações de restrição diastóli-
crita por Weiss e cols. e revista por Mirsky. O ca ou de insuficiência cardíaca pode aumentar
cálculo da constante de tempo do declínio da três a quatro vezes (Vide Figuras IX-5 e IX-6).
pressão isovolumétrica do VE tem várias li- O enchimento rápido, lento e contração
mitações técnicas. Os dados são analisados de atrial podem ser estudados através do catete-
um tempo de dP/dt mínimo até uma pressão rismo, ecocardiografia, ventriculografia radioi-
de 5 a 10 mmHg acima da pressão diastólica sotópica e ecoDoppler. Na ausência de anor-
final. Mesmo que a pressão seja medida cada malidade segmentar, os métodos ecocardiográ-
2 milisegundos, os números de pontos são li- ficos correlacionam muito bem com as medi-
mitados, o que contribui para uma grande va- das do relaxamento auxotônico no cateteris-
riabilidade das medidas. A variação normal do t mo. Quantifica-se o enchimento rápido me-
tem sido calculada de 37 a 67 milisegundos mas, dindo-se a velocidade máxima do enchimen-
corrigido por transformação logarítmica, seu to pelo pico dV/dt, o tempo até a velocidade
valor fica entre 28 a 45 milisegundos. máxima de enchimento – que é o tempo en-
Sendo o relaxamento prolongado, a queda tre o fim da sístole e o pico dV/dt – e a mag-
pressórica é lenta e a constante de tempo ( t) nitude do enchimento – que é a fração de en-
aumenta, como ocorre na isquemia e em ou- chimento que ocorre durante o enchimento
tras causas de depressão miocárdica que tor- rápido. A ecoDoppler estima a velocidade do
nam o relaxamento mais lento. A constante fluxo na entrada da válvula mitral, sendo a
de tempo diminui por uma aceleração do re- velocidade do fluxo transmitral chamada ve-
laxamento, como a causada por um aumento locidade da onda E, e o fluxo durante a con-
na freqüência cardíaca ou estimulação simpá- tração atrial chamado velocidade da onda A.
tica. Pode também ser alterada por mudanças Evidencia-se disfunção diastólica por altera-
nas condições de carga. Um aumento na pres- ção da velocidade da onda E ou da onda A ou
são arterial (PA) ou no volume diastólico fi- por alteração na relação E/A (Vide Figura IX-
nal aumenta a constante de tempo, embora 1). A velocidade do sangue associa-se intima-
mudanças na pré-carga com PA estável cau- mente com o fluxo se o tamanho do anel mi-
sem efeito menor. A duração do relaxamento tral permanecer constante. Como isso não
pode ser medida também por fono e ecocar- acontece, a ecoDoppler fornece uma medida
diografia. Esta duração depende não só da in- da velocidade (m/seg) mas não do fluxo (ml/
tensidade do relaxamento ventricular mas tam- seg). Uma desvantagem da ecocardiografia é
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que as pressões não são medidas, logo a carga variação de pressão intracavitária é a diferen-
não fica conhecida, o que limita o seguimen- ça entre pressão diastólica final (Pd2) e pres-
to da história natural da doença ou da tera- são diastólica inicial (Pd1). A C é expressada
pêutica. em ml/mmHg e a CE é em ml/m 2/mmHg x
ml/m2, para ser normalizada em relação à su-
perfície corporal e poder ser comparada entre
COMPLACÊNCIA (RELAXAMENTO indivíduos diferentes. Valores abaixo de 0,2
AUXOTÔNICO E RIGIDEZ) ml/m2/mmHg x ml/m 2 indicam perda de
complacência (Figura X-11).
A capacidade miocárdica de aceitar volume va- A relação diastólica pressão-volume (P-V)
riando muito pouco a pressão intraventricular é representa as características passivas da cavi-
um paradigma de eficiência diastólica e um pré- dade ventricular esquerda, e espelha a rigidez
requisito para a eficiência da próxima sístole . da câmara. Porque a relação P-V não é linear,
Medidas de complacência ventricular e com- a rigidez da curva varia conforme o ponto de
placência específica informam sobre a disten- medida: assim, a rigidez aumenta com o au-
sibilidade e a rigidez da câmara. A compla- mento de volume (Vide Figura IX-2). Várias
cência (C) e a complacência específica (CE) – técnicas têm sido propostas para corrigir este
esta corrigida para o volume sistólico final (Ca- efeito, normalizando a rigidez da câmara. Uma
pítulo IX) – são calculadas pelas seguintes fór- maneira é aproximar a relação P-V por uma
mulas: função exponencial. Outra é comparar a rigi-
'9 dez em pressão ou volume comuns. Entretan-
& to, a análise da rigidez da câmara não consi-
'3
(9') / P2 )  (96) / P2 )
dera alterações na relação P-V que decorram
&( de alterações por carga, doença ou drogas. Um
( 3G2  3G1 ) u (96) / P2 )
desvio para cima da relação P (ordenada) / V
Variação de volume é a diferença entre vo- (abcissa) indica um ventrículo menos disten-
lume diastólico final (VDF) e volume sistóli- sível. Para tirar informações só sobre o mús-
co final (VSF), portanto volume sistólico, e culo, deve eliminar-se os efeitos da espessura

100

87% 86%

ml/m2
CE>0,2
mmHg × ml/m2 FIGURA X-11. Complacên-
cia específica (CE) do ven-
(% dos casos) trículo esquerdo (VE) em 88
26 12
pacientes. Se a relação Pd2/
30 14
PS (Pd2N) é igual ou menor
20% que 10%, mesmo que a Pd2
seja acima de 12 mmHg, ge-
ralmente se associa com CE
9 do VE maior que 0,2 ml/m2/
44 mmHg x ml/m2. Pd2N maior
que 10% quase sempre se
0 associa com CE menor que
Pd2<12mmHg Pd2>12mmHg Pd2>12mmHg 0,2 ml/m 2 / mmHg x ml/m 2
Pd2N<10 Pd2N<10 Pd2N>10 (Gottschall 1988).
276 CARLOS NTONIO
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parietal, configuração ventricular, tamanho e medida. Entretanto, quanto mais alta a Pd 2,


pressão externa. Em contraste com a inclinação tanto menor a proporção do erro determina-
da relação pressão-volume, a qual informa sobre do por essas causas. A dependência do volu-
a distensão da câmara sob pressão, é possível cal- me de enchimento ventricular da freqüência
cular a resistência do miocárdio ao estiramento, cardíaca, e alterações importantes da compla-
quando submetido a estresse (relação stress-strain). cência ventricular explicam por que nem sem-
Os problemas teóricos e as dificuldades técnicas pre correlaciona com o volume diastólico fi-
têm limitado a aplicação clínica dessa relação. nal. Pd2 normal na presença de sobrecarga crô-
A um dado volume durante o enchimen- nica de pressão e dilatação moderada sugere
to, a rigidez operativa da câmara é igual à in- ser a complacência normal. Na hipertrofia ou
clinação dP/dV (variação de pressão / varia- isquemia, elevação da Pd2 indica redução da
ção de volume) de uma tangente traçada na complacência do VE (disfunção diastólica),
curva de pressão-volume. Calcula-se a rigidez enquanto fração de ejeção normal sugere pre-
total da câmara para a relação entre P (orde- servação da função sistólica (Vide Figura IX-7).
nada) e V (abcissa) como a inclinação da rela- Variações da Pd2 como desvios da complacên-
ção de dP/dV versus P. Esta inclinação, cha- cia são mais fidedignas quando vistas em rela-
mada de medida da rigidez da câmara (Kc), ção à pressão sistólica (PS). Isto é, a relação
pode ser obtida a partir de equação exponen- Pd /PS expressa muito melhor funcionalidade
2
cial descrita por Mirsky. Quando a rigidez da que Pd
2 tomada isoladamente. Como já vimos
câmara aumenta, a curva P-V se desvia para a no capítulo V, a relação Pd2/PS no VE é nor-
esquerda, a inclinação da relação dP/dV ver- malmente em torno de 10%. Aumento desse
sus P se torna mais aguda e o Kc aumenta valor acima de 13% reflete diminuição da
(Vide Figuras IX-2, IX-5 e IX-6). Por serem complacência (Vide Figuras IV-3 a IV-6). Rela-
pequenas as pressões diastólicas, são desejáveis ção Pd2/PS até 10% geralmente significa CE >
registros de pressão de alta fidelidade para cal- 0,2 ml/m2 / mmHg x ml/ m2 (Figura X-11).
cular a complacência. A vantagem da medida
hemodinâmica é que também se mede a carga
pressórica, e a desvantagem é que não pode ENCURTAMENTO MIOCÁRDICO
ser tão repetida como usando-se métodos não
invasivos. O enchimento produzido pela con- O desempenho sistólico do ventrículo esquerdo

tração atrial pode ser quantificado examinan- . De-


reflete-se na sua habilidade de esvaziar-se

do-se a velocidade máxima de enchimento sempenho sistólico e contratilidade não são


atrial, a magnitude do enchimento durante a sinônimos. Sem ser uma avaliação real de con-
contração atrial e a relação entre a velocidade tratilidade, já que as cargas estão em contínua
de enchimento rápido e a velocidade de enchi- modificação, o encurtamento miocárdico que
mento atrial, geralmente pela ecocardiografia. ocorre na sístole serve como importante me-
A Pd2, além de simples, é um útil parâme- dida funcional. Sua visualização e sua mensu-
tro funcional do ventrículo esquerdo (VE). ração fornecem dados sobre sinergia ou assi-
Entretanto, mostra limitações, pois se altera nergia contrátil, velocidade e intensidade da
não só influenciada pela complacência mio- contração global e localizada, espessura das
cárdica e pelas cargas, pré e pós, mas também paredes e músculos papilares.
por dilatação devido a comprometimento con-
trátil. A incerteza quanto ao posicionamento
externo do transdutor em relação ao plano SINERGIA E FRAÇÃO DE EJEÇÃO
ventricular e o relacionamento de seus valores
à pressão atmosférica, em vez de à intraperi- , ou seja,
A contração normal deve ser sinérgica

cárdica, pode causar erro significativo na sua todos os planos da parede ventricular devem
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dirigir-se com aproximadamente a mesma in- significa movimento desordenado, não harmô-
tensidade e velocidade em direção ao centro nico na sístole, geralmente por extra-sístole ou
da cavidade, deixando pequeno resíduo sistó- bloqueio de ramo (Figura X-12). Aneurisma
lico e não mostrando relaxamento diastólico ventricular é uma dilatação geralmente sacu-
precoce. Além da avaliação visual, os segmen- lar, localizada, que pouco se altera em sístole e
tos em contração podem ser apreciados super- diástole, por vezes ocupando mais da metade
pondo os contornos da cavidade ventricular do volume cavitário. Em pacientes com isque-
em diástole final e em sístole final numa folha mia regional do miocárdio ou com infarto
de papel ou usando um computador. Assiner- prévio, costuma haver correlação entre acha-
gia é representada por qualquer uma destas dos eletrocardiográficos, coronariográficos e
situações: a) hipocinesia localizada, ou assiné- ventriculográficos. As anormalidades regionais
rese, que significa encurtamento diminuído da contração podem ser evitadas na cardiopa-
em uma região da parede ventricular; b) dis- tia isquêmica crônica sem necrose quando o
cinesia, ou seja, movimento sistólico parado- fluxo é restaurado ou quando se desenvolve
xal, expansivo, na zona comprometida, quan- gradualmente adequada circulação colateral
do o contorno sistólico final estender-se para para a área irrigada pelo vaso a ser ocluído. As
fora do contorno diastólico final; c) acinesia, áreas dissinérgicas freqüentemente podem ser
isto é, ausência de movimento em determina- estimadas a partir do ECG: a) “isquemia” ®
da zona durante a contração, quando a por- hipocinesia; b) “lesão” ® discinesia; c) “ne-
ção de cada um dos dois contornos sobrepu- crose” ® acinesia.
ser-se a uma linha comum; d) hipocinesia di- Parâmetro de extrema valia na apreciação
fusa, que mostra um deficiente encurtamento objetiva da função ventricular é a fração de
sistólico generalizado, usualmente com cora- ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), repre-
ção bem aumentado de volume. Assincronia sentada por:

Normal Hipocinesia Assinérese


difusa

Acinesia Discinesia Assincronia

FIGURA X-12. Ventriculograma normal em oblíqua anterior direita de 35 o e diversos tipos de assinergia e assincro-
nia. A extensão do contorno diastólico interrompido pelo contorno sistólico (acinesia e discinesia) dividido pelo
perímetro diastólico total dá a medida do segmento contrátil anormal (Gottschall 1995).
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9')  96) vular ou coronariana, FEVE abaixo de 30%


)(9( u100 resulta com freqüência em insucesso pós-ope-
9')
ratório em curto ou médio prazo, tanto mais
em que VDF = volume diastólico final, VSF quanto mais baixa for.
= volume sistólico final. A diferença entre No caso de segmentos assinérgicos, deve
ambos é o volume sistólico ou de expulsão empregar-se uma correção para compensar os
(Figura X-2). Todas as medidas da fase de eje- contornos que se desviam da forma elipsóide
ção são influenciadas diretamente pela con- do ventrículo esquerdo (VE). Assim se obtém
tratilidade e inversamente pela carga. Isto é, a uma fração de ejeção do VE (FEVE) mais re-
FEVE é uma medida do desempenho sistólico e presentativa do valor global. Isto é, como é um
dependente da pós-carga e não uma medida de índice global, a FEVE pode estar normal em
contratilidade. A marcada dependência do vo- presença de anormalidade regional da contra-
lume sistólico da pré-carga é minimizada di- ção. Entretanto, para estudos de encurtamen-
vidindo-o pelo VDF para obter a FEVE, que to regional ou mínimo, quando se deseja ex-
se comporta como um indicador global da pressar o encurtamento naquele local, os con-
função ventricular esquerda. Normalmente tornos não podem ser corrigidos. Medindo-se
vale de 60 a 80 %. Varia inversamente com a a FEVE após potenciação pós extra-sistólica
freqüência cardíaca, e, em sujeitos normais, é ou infusão de noradrenalina, pacientes que
aproximadamente igual para os dois ventrí- respondem com aumento de 0,10 ou mais
culos. Acima de 80% ocorre nas hipertrofias costumam demonstrar melhor evolução pós
miocárdicas, em que a cavidade se esvazia qua- cirurgia ou tratamento clínico que aqueles
se completamente, após extra-sístole ou na que não mostram resposta. No que concer-
hipercontratilidade por efeito simpático. En- ne à indicação cirúrgica do aneurisma ven-
tretanto, pacientes com angina estável podem tricular, em pacientes com FEVE menor que
ter fração de ejeção e encurtamentos regionais 0,45 no segmento contrátil a mortalidade é
normais. Hipocinesia de repouso na região is- muito maior após a cirurgia que naqueles
quêmica ocorre quando a estenose coronaria- com FE >44%.
na excede um limiar crítico e os mecanismos Como comportamento médio populacio-
compensatórios mantenedores do fluxo coro- nal, o volume diastólico final (VDF) e a Pd 2
nariano falham. Abaixo de 60%, diminui pro- costumam variar inversamente com a fração
gressivamente com a deterioração funcional de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE),
cardíaca. Considera-se um VE com função quando esta for menor que 50%. É em torno
normal aquele que mostra contração sinérgi- de 40% da FEVE que se situa o joelho da cur-
ca e FEVE entre 60 e 80%. VE com contra- va, ou seja, daí para baixo os valores de Pd 2
ção satisfatória é aquele com pequena zona de começam a subir acentuadamente. Isto é, esse
assinergia mas FEVE ainda acima de 59%. VE valor de 40% da FEVE parece ser crítico, não só
apenas regular mostra FEVE entre 59 e 40%, para a Pd2, como também para outros parâme-
e VE mau tem FEVE abaixo de 40%. Neste tros que avaliam o desempenho e a contratilida-
último caso, já costuma haver elevação das de do VE: assim é que valores de dP/dt corrigida
pressões diastólicas do VE mesmo em repou- e índices de contratilidade tornam-se definitiva-
so, com repercussões sobre a circulação pul- mente anormais com FEVE abaixo de 40%
monar, e diminuição manifesta das medidas (Vide Figuras X-25 e X-27). Naqueles pacien-
de contratilidade. FEVE de 20% ou menos tes com FEVE < 30% há maior dilatação e
corresponde a VE muito mau, usualmente evi- hipertrofia do VE e maior piora dos parâme-
denciando sinais clínicos de descompensação tros funcionais e clínicos. FEVE menor que
cardíaca grau IV (Figuras X-25 e X-27). Usa- 20% pode determinar funcionamento do VE
da como guia para indicação de cirurgia val- na parte descendente da curva de Frank-Star-
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ling, ou seja, infusão de volume associa-se com ENCURTAMENTO REGIONAL


maior aumento da Pd e mínima ou negati-
2
va alteração do índice cardíaco. Neste caso, Na cardiopatia isquêmica é freqüente alterações
a FEVE cai, o que indica dilatação excessi- regionais da contração serem compensadas por
va em relação ao volume sistólico gerado. maior encurtamento de outras regiões, manten-
Isto é, na insuficiência cardíaca, encontram- do a fração de ejeção normal ou pouco diminuí-
se grandes volumes ventriculares, elevação da da. Por isso, a necessidade de medir a função
pressão diastólica final, diminuição da con- regional, seja por análise visual do ventriculo-

tratilidade e do débito cardíaco e aumento da grama, superposição gráfica dos contornos

dif. A-V de O 2 (Vide Figuras VI-4, X-7, X- diastólico e sistólico máximos ou medidas

28 e X-29). computadorizadas. Os encurtamentos seg-

A reprodutibilidade da fração de ejeção do mentares (ES) mais freqüentemente analisa-

ventrículo esquerdo (FEVE) tem sido demons- dos em oblíqua anterior direita (OAD) são o

trada universalmente, sendo a medida prefe- encurtamento apical (EAP) e o ântero-infe-

rida para expressar a integralidade da contra- rior (EAI) ou transversal. Calcula-se o EAP

ção cardíaca. Estas observações suportam o uso como a diferença de comprimento, expresso

da FEVE como uma expressão do desempe- percentualmente, entre uma corda diastólica

nho mecânico do VE. Diminuições iniciais na e uma corda sistólica, traçadas ambas do pon-

FEVE e aumentos no volume diastólico final to de junção inferior da válvula aórtica com o

(VDF) e na Pd /PS não costumam resultar corpo do ventrículo esquerdo (VE), até a pon-
2
em sintomas, sinais ou aumento cardíaco ao ta, respectivamente em diástole e em sístole,

RX, até que alterações mais severas ocorram. limitadas pelo contorno endocárdico do co-

Diminuição significativa da FEVE costuma ração. Calcula-se o EAI como uma diferença

ocorrer antes que o índice cardiotorácico ao de comprimento, expresso percentualmente,

RX fique maior que 0,5, limite da normalida- entre uma corda diastólica e uma sistólica, per-

de. Entretanto, como cardiomegalia não cos- pendiculares ao centro das cordas apical dias-

tuma manifestar-se até que o VDF > 150 ml/ tólica e sistólica, respectivamente, e limitadas
2
m , muitas vezes, volume cardíaco normal na pelo contorno interno do VE. O valor nor-

radiografia convencional pode estar associado mal para o EAP é > 17% e para o EAI > 27%,

com insuficiência ventricular esquerda ou in- aceitando-se, respectivamente, valores > 14%

suficiência cardíaca congestiva. e 24% (Figura X-2). Suas diminuições expres-

Relacionando-se a FEVE com a grandeza sam, respectivamente, dissinergia apical ou de

tempo, podem ser determinados outros índi- parede anterior ou inferior (Figura X-12).

ces de função, como a velocidade de encurta- Desejando-se restringir a medida do encur-

mento circunferencial, mas o primeiro, ape- tamento regional ao ponto de menor movi-

sar de menos sofisticado, é mais usado, de mais mentação da parede, propusemos a medida da

fácil mensuração e de grande utilidade. Isto é, fração de encurtamento mínimo (FEM), como

como a FEVE informa a relação que a bomba diferença entre diástole e sístole entre os res-

cardíaca mantém entre desempenho (volume sis- pectivos pontos do perímeto ventricular, co-

tólico) e estiramento do músculo (volume diastó- locados sobre uma corda que passe pelo cen-

lico final), pode estar normal mesmo com con- tro da cavidade ventricular. Como se refere a

tração hipocinética, discinética ou acinética em um ponto, no caso o ponto de menor encur-

algum segmento ou mais segmentos, desde que tamento, ou até de encurtamento negativo

outro(s) mantenha(m) um encurtamento com- (havendo discinesia), passa a representar a ex-

pensador. Por isso, torna-se útil verificar se os pressão máxima do comprometimento seg-

encurtamentos nas diversas regiões da parede mentar, podendo tornar-se a medida preferen-

cardíaca estão normais. cial para avaliar diferenças de comportamen-


280 CARLOS NTONIO
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to contrátil num mesmo paciente, ao longo informa a extensão percentual do segmento


do tempo (Figura X-13). Na nossa experiên- contrátil anormal (SCA). O SCA após infarto
cia, é a medida mais sensível para evidenciar do miocárdio relaciona-se com anormalidades
modificação localizada no sentido da melho- progressivas na função ventricular esquerda,
ra, ao ocorrer recuperação funcional da região geralmente representando o segmento aciné-
muscular atingida. Isto é, costuma haver “hie- tico uma escara transmural, enquanto a fibro-
rarquização” de respostas nas medidas efetuadas: se não-transmural pode resultar apenas em
primeiro a fração de encurtamento mínimo, de- hipocinesia. Hipocinesia e assincronia consti-
pois o encurtamento segmentar, apical ou ânte- tuem distúrbios menos severos da contração
ro-inferior, conforme o caso, e, por fim, a fração (Figura X-12). A área do SCA relaciona-se
de ejeção. negativamente com a fração de ejeção do ven-
Em vez de dois eixos, pode traçar-se quan- trículo esquerdo (FEVE) em cardiopatas is-
tos se desejar, quatro, oito ou mais, até o infi- quêmicos, com ou sem infarto prévio, e seu
nito, o que só o computador pode fazer, ob- tamanho relaciona-se com a complacência es-
tendo-se uma curva contínua ao redor de uma pecífica do VE (Figura X-15). Segundo Rack-
linha média. O registro do movimento contí- ley e cols., valores normais de complacência
nuo da parede é integrado por traçado com- só se encontram em pacientes cuja extensão
putadorizado levando em conta o movimen- do SCA é menor que 8% do perímetro ven-
to seqüencial de centenas de pontos no con- tricular. Quando o SCA é maior que 8%, há
torno cardíaco, unidos por cordas a um pon- diminuição da complacência. SCA maior que
to central. O comprimento de cada corda, após 15% do perímetro da cavidade determina au-
correções apropriadas para o tamanho ventri- mento da Pd2; maior que 17%, aumento do
cular, é comparado com um grupo de normais VDF; maior que 25%, dispnéia, ortopnéia e
e expressado em unidades de desvio padrão galope, coincidindo com FEVE menor do que
do normal. Pode revelar pequenas hipocinesi- 30%. SCA maior que 40% invariavelmente
as não detectadas visualmente ou quando se se associa com diminuição extrema da FEVE
consideram menos eixos (Figura X-14). e choque cardiogênico. A influência do mús-
Segmento acinético ou discinético ao lon- culo não isquêmico é fundamental. Por exem-
go da circunferência diastólica dividido pelo plo, dois pacientes com SCA de apenas 2%
perímetro da circunferência diastólica total do perímetro do VE: um pode ter FEVE me-

A B

e e
f
f

FIGURA X-13. Exemplo de contornos do ventrículo esquerdo em diástole (linha cheia) e em sístole (linha traceja-
da), e cordas traçadas (ef) para cálculo da fração de encurtamento mínimo (FEM), antes (A) e depois (B) da
normalização (Gottschall 1995).
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1 4
2
5

3
10
EM
8
9
7
6
em

FIGURA X-14. À esquerda: Representação esquemática de dez hemieixos utilizados para cálculo da contração
regional. Eixo maior é EM e eixo menor é em. A variação percentual entre diástole e sístole de qualquer hemieixo
que passe pelo centro da cavidade é uma medida de encurtamento. À direita: Método de análise contínua do
movimento parietal. O contorno diastólico total é dividido por computador em centenas de pontos cujo movimento
em torno de um centro pode ser comparado com padrão retirado de indivíduos com contração normal. O desvio
observado em relação ao normal dá a medida da anormalidade regional e serve para futuras comparações (Gotts-
chall 1995).

nor que 20% e outro maior que 50%, sendo sonância magnética. A associação de mapeamen-
óbvio que a hipocinesia do músculo não dis- to miocárdico elétrico e mecânico simultanea-
cinético e não acinético do primeiro estará con- mente por meio de cateterismo (NOGA) per-
tribuindo para a diminuição da FEVE, influ- mite delimitar zonas viáveis e inviáveis para re-
enciando no desempenho total (Figura X-15). vascularização e/ou implante de células-tronco.
Novos infartos aumentam a área do SCA e
seu maior tamanho contribui para subseqüen-
tes e mais graves anormalidades da função ven- VOLUME SISTÓLICO FINAL
tricular esquerda. Embora o SCA relacione-se
usualmente com a área irrigada pela artéria Como já visto, comparando-se dois pacien-
ocluída, algumas escaras têm sido observadas tes, ambos podem ter o mesmo volume dias-
em pacientes sem infarto previamente docu- tólico final (VDF), mas a fração de ejeção de
mentado. Movimentos parietais regionais tam- um será menor que a do outro, se o primeiro
bém podem ser avaliados e valorizados após tiver volume sistólico final (VSF) maior, ou
uso de nitroglicerina ou outros fármacos. seja, esvaziar-se menos. Isto significa perda de
A possibilidade crescente de revasculariza- contratilidade. Daí o valor da medida do VSF.
ções seletivas de zonas miocárdicas isquêmi- Isto é, a extensão do encurtamento miocárdico
cas por angioplastia ou cirurgia ou perfura- (VSF) reflete a interação entre pré-carga, pós-
ções endocárdicas com LASER ou tratamen- carga e contratilidade. Quando a pós-carga au-
to com células-tronco exige cada vez mais di- menta, ou a contratilidade cai, o encurtamento
ferenciações precisas entre tecido viável e teci- diminui, resultando em progressivamente maior
do fibrótico, o que nem sempre os métodos comprimento sistólico final da fibra. Assim, em
hemodinâmicos clássicos são capazes de fazer, qualquer nível de contratilidade, o compri-
sendo necessário valer-se de cintilografia e res- mento sistólico final da fibra é uma função
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Projeções

Lateral Ântero-
posterior

FIGURA X-15. O seg-


mento contrátil anormal
(SCA) é representado
SCA = 20% pela porcentagem do
FE = 15% perímetro ventricular
ocupada por uma zona
de discinesia ou acine-
sia. Embora ambos os
casos tenham pratica-
mente a mesma exten-
são de SCA, o de cima
tem fração de ejeção
Lateral (FE) de 15% e o de bai-
Ântero- xo tem FE de 54%. Essa
posterior diferença informa sobre
a qualidade do miocár-
dio viável para compen-
sar a zona inativa (rede-
SCA = 22% senhado de Feild,
FE = 54% Russell, Dowling e Ra-
ckley 1972).

direta desta e inversa da pós-carga. Esta pro- ção da linha de relação P-VSF reflete maior
priedade fundamental do miocárdio serve de contratilidade, enquanto desvio para a direita
base para, no coração intacto, estabelecer-se a reflete o oposto, mas medidas e cálculo são
relação entre o VSF e a pressão naquele ins- complicados, sendo úteis em situações expe-
tante. As relações pressão sistólica final-volu- rimentais específicas (Figuras X-8 e X-16).
me sistólico final (PSF-VSF) podem ser obti- No espectro fisiológico, a linha unindo os
das da curva pressão-volume (P-V), e a rela- vértices pressão (P) sistólica final-volume (V)
ção entre estas duas variáveis, em diferentes sistólico final de curvas P-V expressando vá-
níveis de pressão aórtica, é determinada mu- rias cargas pode ser considerada reta e mostra
dando-se as condições de carga. Em corações uma inclinação que intercepta o eixo de volu-
intactos, a carga pode ser alterada pela infu- me (V0), sendo chamada de elastância sistóli-
são de vasoconstritor não inotrópico, como ca final (ESF). Isto representa a “dureza” sis-
fenilefrina e/ou vasodilatador como nitrogli- tólica final do ventrículo esquerdo (VE) e in-
cerina, ou por oclusão transitória da veia cava dica quão sensitiva é a ejeção a aumentos na
com um balão, construindo-se assim diversas pós-carga (Figura X-8). A ESF aumenta quan-
curvas. Dessa forma, o vértice superior esquer- to maior for a contratilidade, e a intercepta-
do da curva P-V representa o ponto de união ção dessa reta no eixo de volume (V0) tem
da PSF com o VSF. Unindo-se por uma linha sido chamada de “volume morto” do VE, que
os vértices dos ângulos superiores esquerdos é o volume em que o VE não geraria pressão.
das curvas P-V do ventrículo esquerdo (VE), Esta interceptação não pode ser medida clini-
representativas de diversas cargas, a inclina- camente, deve ser medida por extrapolação e
ção assim traçada definirá a contratilidade ven- está sujeita a muitos erros. Às vezes o V0 é
tricular. O desvio para a esquerda da inclina- negativo, o que é um absurdo. A posição da
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 283

140 A B

120

100

Pressão 80
(mmHg)
60

40

20

0
0 20 40 60 80 100 100 120 140 160 180
Volume (ml)
FIGURA X-16. Inclinação da linha (tracejada) passando pelo vértice superior esquerdo (que representa união do
volume sistólico final com pressão sistólica final) de curvas pressão-volume representativas de diferentes trabalhos
cardíacos, é uma medida de contratilidade. A inclinação dessa linha para a esquerda (A) representa aumento de
contratilidade, enquanto que inclinação para a direita (B) expressa queda da contratilidade. Note-se que é caracte-
rístico deste último tipo de resposta desenvolvimento de menor pressão mesmo com aumento do volume diastólico
(Gottschall 1995).

ESF no eixo de volume na pressão operativa RPSF/VSF deve ser obtida uma miríade de
indica a extensão da ejeção. Aumento na con- condições de carga. Tais alterações na carga
tratilidade desvia a relação P-V para a esquer- podem determinar modificações reflexo-de-
da. Assim, numa pós-carga constante (PSFVE pendentes na freqüência cardíaca e na contra-
constante) o VE com contratilidade aumen- tilidade. Adicionalmente, vasoconstrição e
tada ejeta com menor volume e é menos sen- vasodilatação arteriais produzem desvios pa-
sitivo a mudanças na pressão sistólica. Dimi- ralelos da RPSF/VSF, confundindo a defini-
nuição da contratilidade produz efeito opos- ção precisa desta medida na prática clínica.
to. Isto é, ESF e a posição da relação pressão Uma segunda dificuldade é a determinação do
sistólica final / volume sistólico final (RPSF/VSF) tempo da sístole final, pois o canto superior
no espectro fisiológico provêm uma medida do esquerdo da curva P-V pode não correspon-
estado contrátil independente da carga . Disfun- der exatamente ao fechamento da válvula aór-
ção regional do VE devido à coronariopatia tica ou ao tempo de elastância ventricular
produz desvio paralelo da RPSF/VSF para a máximo. Esta diferença acentua-se quando
direita com pequena mudança na ESF, o mes- diminui a impedância à ejeção VE, como na
mo ocorrendo durante ativação dissincrônica insuficiência mitral. Uma terceira dificuldade
do VE (Figura X-16). é que a inclinação da RPSF/VSF depende do
Há dificuldades práticas e teóricas em usar tamanho do ventrículo, de modo que não é
a relação pressão sistólica final/volume sistóli- possível definir uma faixa normal para a ESF.
co final (RPSF/VSF) como uma medida clí- Embora medidas da pressão sistólica final
nica da contratilidade do ventrículo esquerdo possam ter valor clínico, a pressão não é a
(VE). Primeiro, para definir corretamente a melhor indicação de pós-carga, sendo mais
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representativo, para fins experimentais, usar pacientes com insuficiência mitral, o que é
o estresse parietal sistólico final, calculado a impreciso com métodos isométricos.
partir da pressão intraventricular, do diâme-
tro da cavidade e da espessura da parede. En-
tretanto, pode obter-se informação útil e sim- VELOCIDADE DE ENCURTAMENTO
plificada da relação pressão sistólica final– CIRCUNFERENCIAL
volume sistólico final (RPSF/VSF), determi-
nando-se o numerador por esfigmomanome- Obtendo-se volumes e tempo de contração tor-
tria e o denominador por ventriculografia ra- na-se possível calcular a velocidade de encurta-
dioisotópica ou ecocardiografia. Em normais, mento ventricular circunferencial (VeC) endo-
esta relação sobe durante exercício mas cai em cárdico ou da parede média. Medidas ecocardi-
pacientes com disfunção do ventrículo esquer- ográficas auxiliam muito nesse sentido. Lem-
do (VE). Para fins práticos, queda do valor bre-se que o movimento parietal pode ser uni-
relativo entre pressão sistólica final e volume forme na maioria das cardiopatias, mas geral-
do VE, em presença de fração de ejeção (FE) mente não na cardiopatia isquêmica.
normal, indica depressão da função ventricular Calcula-se a circunferência da câmara como
(Note-se que o sentido dessa variação é o mes- p x diâmetro. Tendo-se as frações de tempo
mo daquela da relação Pd 2/PS). Para fins prá- de ejeção, o valor da VeC fica determinado
ticos, na nossa experiência, queda do valor pela inclinação dos pontos unindo valores de
relativo entre pressão sistólica final e VSF do circunferência com valores de tempo. Desde
VE indica maior depressão da função ventri- que a velocidade das séries elásticas é igual a
cular quando declina progressivamente a par- zero no instante do pico do estresse sistólico,
tir de 5,0 mmHg/ml/m2. White e cols. con- a VeC nesse instante torna-se igual à velocida-
firmaram o valor do VSF como indicativo da de de encurtamento do elemento contrátil.
capacidade funcional miocárdica ao mostra- Gault e cols. examinaram as dimensões do VE
rem que a correlação entre fração de ejeção e e calcularam o curso do encurtamento circun-
VSF é alta mas, quando tomadas como predi- ferencial da fibra e o estresse parietal durante
tores de sobrevida no pós-infarto, as inclina- o ciclo cardíaco. Demonstraram relação entre
ções das linhas de regressão são diferentes, ou estresse parietal instantâneo e velocidade de
seja, maior mortalidade por paciente-mês de encurtamento. Karliner e cols. concluíram que
seguimento pós-infarto é encontrada naque- o encurtamento médio circunferencial da fi-
les com maior VSF para dada fração de ejeção. bra provê uma medida simples da contratili-
Essa tendência torna-se aparente com fração de dade que: a) requer análise de somente dois
ejeção do VE<50% ou com VSF>100 ml. quadros do cineangiograma; b) permite com-
Maneira simples de estimar (não expres- paração quantitativa da contratilidade entre
sar) a contratilidade é fornecida pelo volume pacientes; c) detecta adequadamente desem-
sistólico final – VSF (ou dimensão SF) – na penho cardíaco alterado, mesmo em presença
pressão sistólica final operativa, sendo esta úl- de valvulopatia e disfunção miocárdica. Valo-
tima normal. Nestas circunstâncias, o VSF/ res normais da VeC devem estar acima de 1,3
m2 (índice sistólico) correlaciona inversamente circunferências por segundo.
com a contratilidade, ficando seu valor nor- Contratilidade, pré e principalmente pós-
mal entre 35 e 55 ml/m 2. Valores progressiva- carga afetam a fração de ejeção do ventrículo
mente menores que 35 ml/m 2 indicam cada esquerdo (FEVE), o encurtamento fracional
vez maior contratilidade. O oposto ocorre com e a VeC. Por isso nenhum índice ejetivo é uma
valores crescentemente maiores que 55 ml/m 2. medida direta da contratilidade, apenas a re-
A relação pressão sistólica final-VSF ventri- flete, porque na fase de ejeção a carga está cons-
cular é valiosa para estimar contratilidade em tantemente variando, e a definição de contra-
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 285

tilidade exige que a carga seja fixa. Mesmo sem dância, ou pela ação de outros fatores que com-
ser um índice isométrico, a VeC relaciona o prometam o esforço contrátil combinado,
encurtamento da fibra miocárdica com o ele- como alterações nas séries elásticas em tecidos
mento tempo, sendo mais sensível para acu- necrosados, ou condução bioelétrica alterada.
sar mudanças no estado contrátil que a sim- Mesmo que o músculo e a bomba estejam em
ples medida da FEVE e do encurtamento re- perfeitas condições, o desempenho ainda po-
gional, as quais informam antes de tudo sobre derá ser seriamente comprometido por regu-
a função de bomba do VE. Apesar de tais li- lação periférica inadequada. Insuficiente re-
mitações, são indicadores do nível contrátil do torno venoso, depressão vagal da freqüência e
miocárdio em presença de cardiopatia crôni- da contração podem reduzir marcadamente a
ca, já que as influências da pré e da pós-carga função de um coração normal sob outros as-
tendem a ser corrigidas por hipertrofia e dila- pectos. Em contrapartida, o coração doente
tação compensadoras. As relações entre FE, poderá manter um desempenho adequado
estresse sistólico final e ação de drogas forne- durante anos, sob determinadas condições,
cem informações úteis. Aumento da Vec com usando as reservas dos mecanismos de con-
estresse parietal constante significa uma melho- trole. Isto é,diminuindo o estado contrátil, o
ra da contratilidade. Essas relações são úteis em débito cardíaco ainda poderá ser mantido por:
pacientes com baixa FE porque distinguem en- a) aumento da freqüência cardíaca; b) aumento
curtamento diminuído por excessiva pós-carga do volume diastólico final e/ou da Pd2; c) dimi-
de contratilidade diminuída intrinsecamente. nuição da impedância ; d) melhoria da sinergia
e/ou da sincronia; e) combinação desses meca-
Û nismos. Transferindo esses conceitos para a vida
prática, o contato diário com cardiopatas evi-
Desde que medidas angiográficas de volu- dencia ao médico a realidade de que pode ha-
me, espessura parietal e massa têm sido corri- ver insuficiência miocárdica por comprome-
gidas com base em estudos necroscópicos, a timento coronariano ou por outra causa sem
angiografia quantitativa continuará a servir insuficiência cardíaca clinicamente manifesta,
como padrão para calibrar métodos não inva- enquanto que, em outros casos com sinais de
sivos. Medidas de pressão obtidas durante ca- descompensação clínica, pode não haver in-
teterismo pelo cateter de Swan-Ganz e pres- suficiência miocárdica mas tão só manifesta-
são arterial não invasiva podem ser combina- ções de um músculo cardíaco submetido a
das para prover os cálculos possíveis. Méto- condições exaustivas de carga, que, sendo re-
dos não invasivos, como ecocardiograma bi- movidas, permitem o retorno da atividade car-
dimensional, angiografia radioisotópica, to- díaca a padrões normais ou aceitáveis de desem-
mografia computadorizada, imagem por res- penho. A percepção desses fatos e a necessidade
sonância magnética, são alternativas à cinean- de quantificar a função muscular, e não só a fun-
giocardiografia para medidas de volumes e es- ção bombeadora do coração, em inúmeras si-
timativas de índices da fase ejetiva. tuações clínicas, pré-cirúrgicas e experimentais,
justifica a intensa pesquisa referente à aplicação
dos índices que medem inotropismo cardíaco.
CONTRATILIDADE MIOCÁRDICA

Torna-se implícito, em decorrência das conside- VALOR DAS MEDIDAS DE


rações anteriores, que um músculo bom pode fun- CONTRATILIDADE
cionar mal se a carga for alta. Essa verdade se
confirma em presença de regurgitação valvu- Como vimos (Capítulo V), contratilidade mio-
lar, curto-circuito, grande aumento da impe- cárdica significa velocidade de encurtamento da
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fibra para uma dada carga . Sua velocidade é disso, na fase ejetiva as relações entre força e

inversamente proporcional à carga (força) apli- velocidade são mutáveis. Em músculo isolado

cada ao músculo. A partir dos clássicos traba- as situações podem ser controladas mas no

lhos de Frank-Starling e cols., até cerca de coração intacto a carga e a freqüência são

1950, criou-se a idéia quase generalizada de muito inconstantes. Por isso, e devido a uma

que o coração variava o débito através de mo- série de razões ligadas a maior facilidade de

dificações da freqüência cardíaca e do volume execução, simplicidade técnica, acessibilidade

diastólico final. Wiggers, em 1927, repetindo metodológica, previsibilidade teórica das re-

experiências de Starling, demonstrou que ele- lações entre força e velocidade musculares

vação da pressão diastólica final do ventrículo durante o estado contrátil, os índices isovolu-

esquerdo aumentava conseqüentemente a dP/ métricos têm sido os eleitos para avaliar labo-

dt. Também, aumento da contratilidade pela ratorialmente a contratilidade miocárdica.

adrenalina ou digital se evidenciava por eleva- Baseiam-se todos na sensibilidade da veloci-

ção da dP/dt, apesar de diminuir a Pd . In- dade de variação da pressão isovolumétrica


2
versamente, isquemia miocárdica provocava intravascular (dP/dt) em refletir o estado ino-

diminuição da dP/dt, apesar da elevação da trópico do ventrículo esquerdo. Vários traba-

Pd , que presumivelmente refletia maior esti- lhos demonstram que a medida de índices iso-
2
ramento ou tensão da fibra miocárdica. Sar- volumétricos com sistema hidráulico é satis-

noff e cols., em 1955, demonstraram, em ani- fatória para registrar dP/dt dentro da faixa fi-

mais e no homem, alterações do estado fun- siológica de 40 a 80 Hz, tornando exeqüível a

cional miocárdico não relacionadas a modifi- comparação dos mesmos intra e entre pacien-

cações no volume diastólico. Em 1959, Ab- tes. Na ausência de sistema diferenciador ele-

bott e Mommaerts, aplicaram ao músculo car- trônico, a medida da dP/dt diretamente da

díaco os conceitos desenvolvidos por Hill, e curva de pressão intraventricular registrada em

Sonnenblick, em 1962, relacionou força e ve- alta velocidade (250 mm/seg), também é con-

locidade de contração miocárdica, determi- fiável e tem boa reprodutibilidade. Isto é, tra-

nando a máxima velocidade de encurtamento çando-se uma tangente à porção mais ascenden-

à carga zero (Vmax), no miocárdio isolado. te da curva, é possível medir o valor da ascensão

Presentemente, a avaliação direta da fun- de determinada pressão ( DP) em determinado


ção ventricular esquerda pelo cateterismo, no tempo ( Dt), em mmHg/seg (Vide Figura V-12).
homem, costuma ser feita por meio de dois A indicação das medidas de contratilidade
o
métodos principais: 1 ) pelo estudo da curva é válida para verificar até que ponto o múscu-

de pressão intraventricular e de sua primeira lo cardíaco, e não apenas o desempenho da


o
derivada; 2 ) pela cineangiocardiografia. En- bomba cardíaca, responde a medidas indivi-

quanto que algumas variáveis provenientes duais, a comparações entre indivíduos ou a

dessas técnicas caracterizam o funcionamento medidas terapêuticas medicamentosas, cirúr-

do coração como bomba, outras o caracteri- gicas ou de intervenção por cateter. Algumas

zam como músculo. Todas, entretanto, têm drogas que afetam a contratilidade miocárdi-

limitações teóricas e práticas quanto à aplica- ca também têm ações nos leitos arterial e ve-

bilidade e quanto aos resultados que forne- noso, modificando a carga cardíaca. Pode ser

cem. No coração intacto, a medida da contra- desejável saber se num paciente com valvulo-

tilidade pode ser feita na fase isovolumétrica, patia, hipertrofia ventricular, coronariopatia

através de índices isovolumétricos, ou na fase e/ou insuficiência cardíaca a anormalidade

de ejeção. Contudo, os índices derivados da provém de mau funcionamento valvular, de

fase de ejeção sofrem influência não só do es- depressão contrátil, de isquemia ou de fatores

tado contrátil, mas também da freqüência, do combinados. Além disso, pode ser necessário

volume diastólico final e da impedância. Além quantificar a anormalidade. Infelizmente, não


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foi encontrada até hoje uma única medida que, mento, em que a variação da pressão intra-
isoladamente, espelhasse como um todo a si- ventricular é desprezível, a dP/dt é zero (seg-
tuação cardíaca. Vários estudos têm aponta- mento 1). Após a sístole atrial, que ocorre com
do a relativa insensibilidade das variáveis iso- pequena deflexão positiva (SA), a dP/dt volta
volumétricas para detectar anormalidades na ao nível zero, imediatamente antes da fase de
contratilidade ventricular esquerda, quando contração isovolumétrica, quando sobe nova-
comparadas com outras variáveis hemodinâ- mente até seu pico máximo (max dP/dt), que
micas e cineangiocardiográficas e com índices representa a máxima velocidade de aumento
derivados da fase de ejeção ventricular. Em- da pressão intraventricular, no instante ou
bora algumas pareçam mais sensíveis para pouco antes da abertura das válvulas semilu-
apontar anormalidades durante o estado ba- nares. Durante a ejeção ventricular, a dP/dt
sal, as isovolumétricas são mais úteis para ava- retorna à linha de base (segmento 3), voltan-
liar súbitas modificações do inotropismo, já do a ser zero no exato momento em que a cur-
que se tornam menos sensitivas a alterações va de pressão ventricular atinge seu maior va-
na pré e na pós-carga e na freqüência cardía- lor, pois nesse momento a aceleração do san-
ca, quando devidamente depuradas dessas in- gue propelido pelo ventrículo é zero, e torna-
fluências, e não requerem injeção de contras- se negativa durante a fase final da ejeção, por
te para serem medidas. desaceleração do sangue (segmento 4), quan-
do atinge o mínimo valor, ou maior valor ne-
gativo, por ocasião do fechamento das válvu-
CURVA DE PRESSÃO las semilunares, voltando a ser zero na fase de
VENTRICULAR E DP/DT enchimento lento (segmento 5). A forma da
curva da dP/dt é similar nos dois ventrículos mas
A curva de pressão intraventricular, obtida por o valor normal é em torno de 250 mmHg/seg
cateterismo cardíaco, pode ser registrada direta- no ventrículo direito e de 1200 mmHg/seg
mente em altas velocidades e continuamente de- no esquerdo, dependendo de uma série de in-
rivada através de circuito diferenciador. Catete- fluências que alteram sua magnitude e que
res de alta sensibilidade com micromanôme- precisam ser normalizadas para uma melhor
tro na ponta medem com mais precisão as valorização dos resultados obtidos.
pressões mas são muito mais caros e compli- O máximo valor de ascensão da pressão
cados de calibrar, sem mostrarem substanciais ventricular (dP/dt
max) é altamente sensível a
diferenças de informação para fins clínicos, em mudanças agudas na contratilidade. Porém, a
relação aos cateteres que transmitem as pres- dP/dt é uma função complexa e dependente
sões por uma coluna de água, o mesmo ocor- de influências alheias ao estado funcional do
rendo com medidas de dP/dt. Durante as fa- músculo: para um mesmo estado inotrópico,
ses do ciclo cardíaco em que a pressão varia aumenta com a freqüência cardíaca, a pré e a
lentamente (diástase, diástole final, sístole fi- pós-carga. Elevações do volume diastólico fi-
nal) as curvas registradas pelos dois são idên-
2
nal e/ou da Pd aumentam a dP/dt através de
ticas. Quando a pressão varia muito rapida- maior distensão das fibras miocárdicas. Como
mente, a pressão do cateter hidráulico se atra- a dP/dt aumenta continuamente até a abertu-
sa no início e faz overshoot depois mas isso não ra das válvulas semilunares, qualquer retardo
altera substancialmente a informação. na ejeção ventricular por elevação da pressão
A Figura X-17 representa uma curva de aórtica eleva seu valor máximo. Além disso,
pressão intraventricular esquerda e sua primei- elevações sustentadas da pós-carga aumentam
ra derivada. Nela se podem apreciar as diver- a contratilidade devido à auto-regulação ho-
sas fases de ambas as curvas no decorrer de meométrica. O aumento que acompanha a ta-
um ciclo cardíaco. Durante a fase de enchi- quicardia reflete inerente intensificação con-
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trátil devido ao fenômeno de Bowditch e esti- cado pelo fato de sofrer tantas influências.
mulação simpática. A seqüência da ativação Normalizando-se essas influências, expressará
ventricular também influencia seu valor, pois diretamente o comportamento contrátil do
no bloqueio de ramo esquerdo a dP/dt dimi- ventrículo esquerdo em situações diferentes.
nui. Em função do exposto, o aumento da dP/
dt muitas vezes observado na hipertrofia mio-
cárdica decorre geralmente da maior massa Vmax NO CORAÇÃO INTACTO
miocárdica e hipertensão, embora as proprie-
dades inotrópicas de cada unidade contrátil A determinação da Vmax no coração intacto ten-
possam estar diminuídas. Ainda assim, a dP/ tou expressar a contratilidade miocárdica por um
dt é uma sensível e representativa medida do único número. No homem, Glick, Sonnenbli-
inotropismo cardíaco, mesmo que seu valor ck e Braunwald avaliaram pela primeira vez as
como elemento comparativo entre diferentes relações entre força e velocidade contrátil do
situações cardiovasculares possa ficar prejudi- coração suturando marcas radiopacas nos ven-

FC = 65 cpm max dP/dt


dP/dt = 1586 mmHg/s
PS
PS = mmHg
2000
mmHg SA
2 3
s
100 0
4 5
MS
mmHg Pd2 = 8 mmHg 46 anos
Pd2 %
Normal
0
A

Vmax = 1,64 UC/s


dP/dt 1,5
VEC =
PI × 32

1,0

MS Vec
46 anos UC/s
%
Normal
0,5

B 0
50
PI (mmHg)
FIGURA X-17. A) Curva de pressão intraventricular esquerda e sua primeira derivada (dP/dt), registradas a veloci-
dades de 100 e de 250 mm / seg. B) Relações instantâneas entre carga – pressão isométrica (PI) – e dP/dt, para
calcular a velocidade do elemento contrátil (VEC). A extrapolação das relações entre PI e VEC até a carga zero dá
a medida da Vmax. Para maiores detalhes, vide texto (Gottschall 1977, 1983, 1988, 1994, 1995, 1999, 2003).
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trículos durante cirurgia corretiva. Semanas força (F0). Isto é um exemplo de encurtamen-
depois, registraram cinefluorograficamente o to isométrico. Ao contrário, o pico da veloci-
movimento dessas marcas, enquanto mediam dade é obtido em carga 0, quando não há de-
simultaneamente as pressões intracavitárias. Fi- senvolvimento de força externa, mas ainda
cou evidente uma relação constante entre ve- assim a relação é chamada de relação força-
locidade do elemento contrátil (VEC) e pres- velocidade.
são correspondente a um determinado com- Dados de músculos papilares e de sarcô-
primento muscular em cada contração. Dessa meros isolados sugerem que em condições sem
forma, a elevação da VEC em pontos inter- carga a contratilidade intrínseca medida pela
mediários da curva força-velocidade pode de- Vmax não se modifica com o comprimento
ver-se à intensificação do estado contrátil e/ inicial da fibra ou do sarcômero. Entretanto,
ou ao estiramento da fibra. Mason, em 1968, o conceito de Vmax tem sido objeto de mui-
demonstrou ser possível determinar a Vmax tos debates durante anos, principalmente pela
no coração intacto funcionante, relacionan- dificuldade de obtê-la em condições verdadei-
do-se pontos da curva de pressão isométrica ramente sem carga. Braunwald e cols. usaram
ventricular (força) com pontos corresponden- músculo papilar de gato para definir uma curva
tes da curva da dP/dt (velocidade) através de força-velocidade hiperbólica, com Vmax rela-
equações elaboradas teórica e experimental- tivamente independente do comprimento
mente. Esse método, que tem se mostrado muscular inicial mas capaz de responder à no-
válido e aplicável na prática, mas não isento radrenalina. Outra preparação usada para exa-
de críticas, tem a vantagem de requerer, para minar relações força-velocidade utilizou mió-
determinação de seus valores, somente dados citos cardíacos isolados por digestão enzimá-
provenientes da curva de pressão intraventri- tica de miocárdio de rato e permeabilizados
cular e de sua correspondente dP/dt, elimi- com toxina estafilocócica. Neste caso a rela-
nando as dificuldades e maiores complicações ção força-velocidade foi mais hiperbólica, su-
das técnicas angiográficas para determinar as gerindo a existência de elementos elásticos
relações força-velocidade, pois, com o méto- passivos intracelulares que contribuem para a
do angiográfico, o número de pontos para carga do miócito. De fato, a mais curvilínea
construir a curva força-velocidade limita-se natureza da relação força-velocidade de mió-
pela seqüência de imagens, e o estado inotró- citos isolados que no músculo papilar sugere
pico se reduz quando o contraste atinge os que as forças passivas internas, como as gera-
capilares miocárdicos. Por isso, só alguns ci- das pela titina, são maiores que as esperadas
clos podem ser usados para a determinação da para miócitos isolados. No coração funcionan-
curva tensão-velocidade. O método de Ma- te os componentes não contráteis contribuem
son tem o mérito adicional de ter fornecido relativamente menos para o comportamento
uma nova abordagem prática para a quantifi- integral do mecanismo.
cação do estado contrátil do ventrículo esquer-
do, relativamente livre de variações de cargas. (Considera-se que no coração, durante a contra-
Estimulação beta-adrenérgica aumenta a ção isovolumétrica, a velocidade do elemento
Vmax, que é baixa no coração insuficiente. O contrátil (VEC) é igual à velocidade do elemen-
problema é que a Vmax não pode ser medida to elástico em série (VEES). A VEES pode ser
diretamente mas é extrapolada do pico de de- obtida dividindo a variação de tensão no tempo
senvolvimento de força em músculo sem car- (dT/dt) pelo fator de rigidez do EES (dT/dl).
ga até interceptar o eixo de velocidade. Em Esse fator foi definido a partir do músculo papi-
outra condição extrema previne-se o encurta- lar do gato e do ventrículo esquerdo (VE) intac-
mento (encurtamento 0) e toda a energia vai to do cão como uma constante (K) multiplicada
para o desenvolvimento de pressão (P0) ou pela carga muscular (ou tensão parietal do VE)
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mais uma constante C. Assim, durante a contra- timar a velocidade máxima do EC, ou seja, a

ção isovolumétrica, VEC = VEES = (dT/dt) Vmax).

(KT+C). O valor de K à temperatura corporal é

de 32 unidades de comprimento muscular (UC). Relacionam-se pontos da curva de pressão


O valor de C, por ser mínimo, pode ser despre- isométrica ventricular (força) com pontos cor-
zado. Num VE esférico de parede uniforme, com respondentes da curva da dP/dt (velocidade)
rario r e espessura parietal h, a tensão miocárdi- por intermédio da seguinte fórmula:
ca perpendicular a uma secção transversal do VE

pr2. G3 / GW
(F) é igual a P A tensão (T) é igual à força 9(&
(F) por unidade de circunferência: T = (P r )/ p2 3, u 32
(2 pr) ou, simplificando, (Pr)/2. Estiramento (E) em que dP/dt é a dP/dt (mmHg/seg) em cada
é F por unidade de secção transversal e, assim, ponto considerado (pelo menos quatro), PI
igual a T/h ou (Pr)/(2h). Considerando-se h e r (mmHg) é a pressão isovolumétrica correspon-
constantes durante a sístole isovolumétrica, e dente, e 32 a constante que leva em conta as
diferenciando a equação com respeito ao tempo: propriedades viscoelásticas do coração. A VEC
dE/dt = (r/2h) x dP/dt. Dividindo por (Pr)/(2h): (velocidade do elemento contrátil em cada
(dE/dt)/E = [(r/2h) x dP/dt]/(Pr/2h), ou (dP/ ponto de pressão isovolumétrica) é colocada
dt)/P. Assim, a VEC pode ser calculada a partir contra as correspondentes pressões isovolumé-
da dP/dt e da sua correspondente pressão isovo- tricas representadas na abcissa, extrapolando-
lumétrica (PI) pela equação: dP/dt/32xPI, em se o segmento retilíneo até a ordenada, ponto
UC/seg. Como a PI relaciona-se por uma cons- que representa velocidade máxima em pres-
tante múltipla à TI e dP/dt à dT/dt, a curva pres- são (força) zero, obtendo-se assim a Vmax no
são-velocidade, para efeitos práticos, é análoga à coração intacto. Valores normais situam-se
curva força-velocidade, e a VEC à carga zero é entre 1,2 e 1,6 UC (unidades de contração,
igual à Vmax, se extrapolada de uma ou de ou- arbitrárias – Figura X-17).
tra. Estudos em sístoles totalmente isovolumé- O valor da Vmax pretendeu ser uma me-
tricas em animais com aorta clampeada con- dida independente da contratilidade mas hoje
firmam experimentalmente que a Vmax obti- se sabe que varia também com a freqüência
da a partir da TI correlaciona estreitamente cardíaca e com a pré-carga. Mesmo assim, re-
com a obtida a partir da PI. Como esse méto- presenta um grande avanço em relação à
do de cálculo baseia-se nos dois componentes medida da dP/dt isolada. Este método, basea-
em série do modelo de Hill (Capítulo V, Figu- do nas relações entre pressão e velocidade para
ra V-8), foi sugerido que o componente EEP estimar o estado contrátil do miocárdio, tem
poderia ser considerado durante a contração se mostrado útil, também em suas variantes,
isovolumétrica, subtraindo-se a Pd
2 da PI to- entre diferentes indivíduos, bem como em es-
tal, obtendo-se dessa forma a PI desenvolvida. tudos comparativos no mesmo indivíduo.
Geralmente, o primeiro ponto é tomado arbi- Mostra-se sensível para evidenciar variações
trariamente em 10 mmHg, podendo-se assim fisiológicas, farmacológicas e patológicas da
calcular a VEC10, VEC20, VEC40. Utiliza- contratilidade miocárdica. Embora modifica-
da, dessa maneira, a VEC torna-se infinitamen- ções fisiológicas na pré-carga, variações da
te alta para muito pequenas pressões isovolu- complacência, assinergia, assincronia, sístole
métricas, e mais difícil de ser extrapolada. não-isovolumétrica e principalmente zonas de
Dessa forma, é possível construir uma curva necrose possam afetar a Vmax antes da aber-
relacionando VEC instantânea com PI instan- tura da válvula aórtica, as alterações acompa-
tânea, durante a contração isovolumétrica do nhantes pouco a influenciam, além do real es-
coração intacto. A extrapolação do segmento tado contrátil. Porém, o coração em seu con-
pressão-velocidade até a carga zero permite es- junto difere de segmentos musculares isola-
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dos, por conter fibras com diversas orienta- situação diferente); d) grande independência
ções e curvaturas e diferentes estados funcio- da freqüência cardíaca, da pré e da pós-carga
nais. O valor da tensão parietal miocárdica (ter representatividade isolada); e) pequena va-
pode variar muito conforme o caso, já que sua riabilidade (capacidade de reproduzir resulta-
verdadeira distribuição decorre das peculiari- dos), de separar normais e doentes (gradação
dades mutantes do modelo geométrico do funcional e espectro fisiopatológico, com ine-
coração, de acordo com a patologia que o atin- rente poder prognóstico); f) demonstrar alte-
ge. Medidas demonstradas como válidas, para rações regionais da função miocárdica. Além
o músculo isolado, só são representativas para disso, deveria ser simples de obter e calcular.
o conjunto muscular funcionante na medida É certo que se alguma variável até hoje pro-
em que expressam a média do funcionamen- posta tivesse essas características grande parte
to das fibras, podendo deixar de refletir a ati- das dificuldades diagnósticas em cardiologia
vidade de elementos individuais dentro do estariam resolvidas. A maioria dos trabalhos
conjunto miocárdico. Além disso, o conceito que propõem ou comparam índices de con-
da Vmax para o músculo isolado não se aplica tratilidade miocárdica se refere a poucas va-
integralmente ao miocárdio, no qual a máxi- riáveis, estuda um número pequeno de casos,
ma velocidade de encurtamento nunca é atin- compara-os com séries analisadas em condi-
gida, e uma contração sem carga jamais ocor- ções diferentes, ou aplica-se a situações muito
re, podendo a extrapolação até Fo ser impre- específicas, não raro refletindo antecipadamen-
cisa. Por isso, Mirsky e cols. propuseram a te a maior ou menor simpatia de seus autores
medida do Vpm, que é o mais alto valor da por determinados procedimentos, exaltando-
VEC durante a sístole isovolumétrica. Essa os ou impugnando-os com exemplos indivi-
medida é mais simples de se obter que a Vmax, duais. Pela importância do assunto, pela va-
correlacionando linear e estreitamente com riedade de conclusões que existem e pelo in-
esta. Isto é, mesmo com essas restrições, o em- teresse que desperta, pensamos que um modo
prego das curvas de pressão-velocidade refor- de responder ao problema de qual (is) a(s)
çou o conceito de que a alteração principal na medida(s) que reúne(m) maiores condições de
insuficiência miocárdica é a depressão da con- aplicabilidade e utilidade, seria através do com-
tratilidade. portamento que cada variável demonstrasse
frente a um espectro de variados tipos de car-
diopatias, com diversos graus de comprome-
BUSCA DO ÍNDICE IDEAL timento funcional, e numa série estatística
suficientemente grande e abrangente para as-
A revisão de ampla parcela da extensa literatura segurar generalidade quanto às conclusões
sobre o problema da quantificação funcional do obtidas.
miocárdio mostra que ainda não foi encontra-
da, se é que será, uma medida isolada, numéri-
ca, representativa por si só da contratilidade. Não CORREÇÕES PARA A DP/DT
obstante, a utilidade de uma variável com tal
pretensão só poderá ser demonstrada pela Tal como as precauções que devem ser adota-
aproximação de suas características com aque- das para medir a contratilidade verdadeira em
las da variável ideal teoricamente concebida, preparações isoladas, a aplicação prática ne-
que deveria possuir: a) alta sensibilidade diag- cessita cuidado quanto a freqüência cardíaca
nóstica (excluir resultado falso-positivo); b) (FC) e condições de carga, que não devem se
alta especificidade para normais (excluir re- modificar, pois podem alterar o cálcio citosó-
sultado falso-negativo); c) poder de previsão lico e provocar mudança no estado contrátil
(ser estimável aprioristicamente para cada nova do músculo. Uma FC aumentada, atuando
292 ARLOS
C NTONIO
A ASCIA
M OTTSCHALL
G
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através da bomba de sódio intensificada, pro- lidade e carga são interrelacionados e não va-
duz um aumento do sódio citosólico que riáveis independentes.
pode explicar o fenômeno Bowditch. Uma Embora a dP/dt seja uma sensível e repre-
pré-carga aumentada envolve estiramento da sentativa medida do inotropismo cardíaco, seu
fibra que causa ativação comprimento-de- valor como elemento comparativo entre dife-
pendente, explicável pela sensibilização das rentes situações cardiovasculares, ainda que no
proteínas contráteis à concentração preva- mesmo indivíduo, fica prejudicado pelo fato
lente de cálcio citosólico. Pós-carga aumen- de ser influenciada pelas cargas, pré e pós, e
tada pode elevar o cálcio citosólico através pela freqüência cardíaca. Estabilizando-se es-
de canais sensíveis ao estiramento. Isto é, ses fatores, expressará diretamente o compor-
em nível celular há uma clara superposição en- tamento contrátil do ventrículo esquerdo em
tre contratilidade, que deveria ser independen- situações diferentes. Como as modificações nos
te da carga ou da FC, e os efeitos de ambas . elementos que a influenciam se manifestam
Por isso, modificações no estado inotrópico em resposta a muitas solicitações, é preciso cor-
bem como na carga e/ou FC, todos podem rigi-la em relação aos mesmos, para torná-la
convergir para a ação do cálcio citosólico mais específica. No passado foram tentadas
como mensageiro final para as proteínas correções para a pré-carga e outras para a pós-
contráteis. Um exemplo clínico deste dile- carga. Como a dP/dt sofre influências de am-
ma é a fibrilação atrial com sua constante bas, o mais lógico é tentar corrigi-la para pré e
variação das relações força-freqüência. Con- pós-carga.
tratilidade, como medida in situ pela curva Gleason e Braunwald, em 1962, mostra-
pressão-volume, varia constantemente de ram que o produto da freqüência cardíaca (FC)
batimento para batimento, e a explicação pela pressão sistólica (PS) do ventrículo esquer-
pode ser uma “verdadeira” mudança na con- do (VE), tomada esta última como expressão
tratilidade ou a efetivação do mecanismo de da pós-carga, apresentava boa correlação linear
Frank-Starling devido a variados tempos de com o valor obtido da dP/dt, o que permitiu
enchimento diastólico. Em termos clínicos depurar o valor da dP/dt das influências dos
não é tão necessário separar completamen- outros dois elementos, corrigindo-a, portan-
te os efeitos de um aumento primário na to, em relação a eles. Demonstraram também
carga ou na FC de um aumento primário que, em pacientes com insuficiência cardíaca,
na contratilidade. o pico da dP/dt diminui em relação aos valo-
Muitas drogas que afetam a contratilidade res previstos, sendo isso evidência de menor
miocárdica também atuam sobre os territó- contratilidade miocárdica na insuficiência car-
rios venoso e arterial alterando as condições díaca. Nesse trabalho pioneiro nada falavam
de carga. Avaliação de ventrículos de valvulo- quanto à possibilidade de corrigi-la para a pré-
patas não se dissocia da influência de grandes carga. Num outro trabalho, Reeves e cols. pro-
variações de carga sobre as medidas obtidas. puseram tornar independentes os valores da
Essas considerações levaram à procura de me- dP/dt das influências da pré-carga, dividindo-
didas capazes de expressar o real estado do a pela pressão diastólica do VE, mas não alvi-
miocárdio além da função de bomba e das traram a possibilidade de corrigi-la para a pós-
condições de carga. Um número de índices de carga. Porém, ainda assim, foi possível aumen-
contratilidade tem sido proposto e investiga- tar o grau discriminatório da dP/dt em rela-
do empiricamente. Parece não haver medida ção ao seu valor isolado. As implicações po-
absoluta da contratilidade miocárdica, isto é, tenciais contidas nessas investigações sugeriam
não há parâmetro de ouro com que esses índices que, se fossem combinadas correções para as
possam ser comparados sem restrições . Além dis- influências da FC, pré e pós-carga, poderia
so, como visto, em nível sarcomeral, contrati- surgir um índice útil e facilmente aplicável.
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Objetivando uma idéia muito próxima, ÍNDICE DE CONTRATILIDADE


Mason e cols. propuseram uma relação dada
como bastante válida, em que a pós-carga A contratilidade miocárdica continua sendo me-
era fixada como elemento “isopressórico” co- lhor expressada por meio de uma interação de
mum em 50 mmHg, e a pré-carga era re- fatores do que por um número isolado. Demons-
presentada pelo volume diastólico final tramos que a expressão da dP/dt de um dado
(VDF) corrigido para a superfície corporal paciente, considerada em relação a valores nor-
(índice diastólico ou VDF/m2). O2índice de mais previstos para a FC e a PS, com uma
Mason (dP/dt50mmHg/VDF/m ) tem se correção adicional para a pré-carga, baseada
mostrado sensível e com bom poder discri- em valores de pressão também medidos na
minatório entre grupos de cardiopatas. En- mesma curva, pode representar uma medida
tretanto, não leva em conta a freqüência car- válida de contratilidade, já que depura sua
díaca (FC) no momento considerado, e a expressão final da influência desses elemen-
pré-carga, representada pelo VDF, só se tos. Além disso, é fácil de calcular, retirando
obtém pela ventriculografia, ou por téc- todos os dados necessários diretamente da curva
nicas mais complexas. Seus valores nor- de pressão intraventricular e de sua primeira de-
mais de repouso vão de 14,0 a 34,0 mmHg/ rivada, dispensando métodos mais demorados.
seg/ml/m 2. Essa fórmula aumenta a sensi- Obtivemos o valor previsto como normal
bilidade diagnóstica da dP/dt para compa- para a dP/dt do ventrículo esquerdo (VE), em
ração entre ventrículos diferentes e no mes- função da freqüência cardíaca (FC) e da pres-
mo indivíduo em condições diversas, mas são sistólica (PS), através de equações de re-
não corrige para influências da FC, e a nor- gressão correlacionando os valores de dP/dt
malização para a pré-carga depende da de- de 72 indivíduos com contração ventricular
terminação do VDF. Outras relações com a esquerda considerada normal pela ventriculo-
mesma intenção foram formuladas, sempre grafia e por medidas de encurtamento, inde-
procurando depurar a dP/dt da influência pendentemente da carga a que estivessem sub-
das cargas. metidos (Figura X-18). O coeficiente de cor-

dP/dt = 0,10 x FC x PS + 474 ± 229


3000

2700 r = 0,83
n = 72
2400 p < 0,001

2100
dP/dt (mmHg/seg)

FIGURA X-18. Correlação linear (r) en-


1800 tre dP/dt e produto da freqüência car-
díaca (FC) pela pressão sistólica (PS)
1500 em 72 indivíduos sem ou com sobrecar-
ga do ventrículo esquerdo (VE) e coro-
1200 nárias normais mas com contração con-
siderada normal pela análise do ventri-
900 culograma. Note-se a significante linea-
ridade da dP/dt em relação ao produto
600 FC x PS, independentemente da pré-
carga do VE. Cada faixa contínua repre-
300 senta o afastamento de dois desvios-
padrão dos valores da dP/dt a partir da
0 linha média, tracejada. A relação Pd2/PS
0 5000 10000 15000 20000 25000 desses indivíduos é mostrada na Figu-
FC (cpm) X PS (mmHg) ra V-3 (Gottschall 1977, 1995).
294 C ARLOS ANTONIO ASCIA
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relação entre dP/dt e FC x PS foi de 0,83 previsto. O resultado assim obtido chamou-
(p<0,001). Consideramos, portanto, que, em se de % dP/dt ou dP/dt corrigida (dP/dtC).
indivíduos com contração normal, a dP/dt Quanto ao comportamento da pré-carga
pode ser previsível para dado produto da FC baseada em valores de pressão, também foi
pela PS. Foi a seguinte a equação de regressão verificado por nós (Vide Figuras V-3 a V-6 e
obtida para o grupo de 72 indivíduos com Figuras X-11 e X-25) que a Pd 2, expressa em
contração do VE considerada normal: porcentagem em relação à pressão sistólica (PS),
tem menor variabilidade no ventrículo esquer-
G3 / GW SUHYLVWD 0,1 u )& u 36  474
do (VE) normal que o valor isolado da Pd 2,
em que FC é freqüência cardíaca/min e PS é ou seja, que pré e pós-carga, em termos de
pressão sistólica ventricular, em mmHg, no pressão, são dependentes, como já foi demons-
momento considerado. Mesmo em grupos de trado também experimentalmente. Portanto,
indivíduos com contração do VE crescente- conclui-se que existe uma significante corre-
mente comprometida, a correlação entre dP/ lação entre Pd2 e PS nos indivíduos com con-
dt e o produto FC x PS mantém-se expressi- tração normal, independentemente da carga
va, porém cada vez mais abaixo da média nor- a que estejam submetidos ou de alterações
mal (Figuras X-19 a X-21). A equação de re- anátomo-funcionais existentes. Isto é, o valor
gressão obtida, ao representar valores de indi- da PS pode ser tomado como pós-carga, e um
víduos treinados e não treinados, em ampla valor normal ou elevado de Pd2, se relacionado
faixa etária, mas todos com contração normal à PS (Pd2/PS), representa melhor o estado fun-
pelo ventriculograma esquerdo (VEGE), pode cional cardíaco que um valor normal ou elevado
ser considerada bem representativa do espec- em termos absolutos, podendo haver imprecisão
tro de normalidade quanto à função contrátil de julgamento quanto à normalidade se a pres-
do miocárdio. Tendo por base a equação de são diastólica final ventricular for considerada
regressão para os valores previstos, os valores isoladamente. A relação Pd2/PS em percentual
individuais obtidos de dP/dt foram a seguir foi chamada de Pd2 normalizada (Pd2N). Com
expressados em porcentagem em relação ao base nessas premissas, julgamos que um índi-

r = 0,82
n = 23
p < 0,001
2400

FIGURA X-19. Correlação linear (r) en-


dP/dt (mmHg/seg)

tre dP/dt e produto da FC pela PS em


23 indivíduos com áreas de assinergia
1800
no VEGE e FEVE de 60% ou mais. Nes-
ses pacientes, com VE considerado sa-
tisfatório (VES), os valores individuais de
dP/dt se situam dentro da faixa de dois
1200 desvios-padrão (linhas contínuas) a par-
tir da média (linha tracejada), estabele-
cida como faixa de correlação normal,
conforme é mostrado na Figura X-18. A
600 correlação entre dP/dt e FC x PS é pra-
ticamente a mesma encontrada para os
72 indivíduos com VEGE normal, mos-
trando que a dP/dt neste grupo se man-
0 tém normal em relação aos valores pre-
vistos. A relação Pd2/PS desses indiví-
0 5000 10000 15000 20000 25000
duos é mostrada na Figura V-4 (Gotts-
FC (cpm) X PS (mmHg) chall 1977, 1995).
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D INÂMICA C ARDIOVASCULAR 295

r = 0,71
n = 44
p < 0,001
2400
FIGURA X-20. Correlação linear (r) en-
tre dP/dt e produto da FC pela PS em
44 indivíduos com áreas de assinergia
dP/dt (mmHg/seg)

no VEGE e FEVE de 40 a 59%. Nesses


1800 pacientes, com VE considerado regular
(VER), a maioria dos valores individuais
de dP/dt, ainda que inferiores à média,
se situam dentro da faixa de dois des-
1200 vios-padrão (linhas contínuas) a partir da
média (linha tracejada), estabelecida
como faixa de correlação normal, con-
forme é mostrado na Figura X-18. Note-
600 se que a linearidade entre dP/dt e FC x
PS se mantém altamente significante,
mostrando que a dP/dt continua depen-
dente do produto FC x PS, mas começa
a diminuir em relação aos valores pre-
0 vistos como normais. A relação Pd2/PS
0 5000 10000 15000 20000 25000 desses indivíduos é mostrada na Figu-
FC (cpm) X PS (mmHg) ra V-5 (Gottschall 1977, 1995).

r = 0,73
n = 23
p < 0,001
2400

FIGURA X-21. Correlação linear (r) en-


dP/dt (mmHg/seg)

tre dP/dt e produto da FC pela PS em


27 indivíduos com FEVE inferior a 40%.
1800
Nesses pacientes, com VE considera-
do mau (VEM), a maioria dos valores in-
dividuais de dP/dt se situam abaixo da
faixa de dois desvios-padrão (linhas con-
1200 tínuas) a partir da média (linha traceja-
da), estabelecida como faixa de corre-
lação normal, conforme é mostrado na
Figura X-18. Note-se que a linearidade
600 entre dP/dt e FC x PS se mantém alta-
mente significante, mostrando que a dP/
dt continua dependente do produto FC
x PS, mas se mostra bastante diminuí-
0 da em relação aos valores previstos
como normais. A relação Pd2/PS desses
0 5000 10000 15000 20000 25000
indivíduos é mostrada na Figura V-6
FC (cpm) X PS (mmHg) (Gottschall 1977, 1995).

ce levando em conta a dP/dt corrigida para a valor da dP/dt observada, em relação ao valor
FC e a PS (dP/dtC) e dividida pela Pd 2 corri- previsto, e se atenuando a correlação entre Pd 2
gida para PS (dP/dtC/Pd 2N) pode mostrar-se e PS, a ponto de desaparecer no grupo com
tão ou mais útil que outros índices isovolu- maior comprometimento. Isto é, verifica-se que,
métricos usados para avaliar a contratilidade. com a deterioração funcional do VE, a Pd 2 torna-
À medida que ocorre progressiva deterioração se desproporcionalmente mais alta em relação à PS
do estado contrátil do VE, vai diminuindo o e a dP/dt vai caindo em relação ao previsto.
296 ARLOS
C NTONIO
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A idéia básica contida no índice proposto 80% do previsto; se tiver efetivamente 1577
por nós, sugerindo que o estado contrátil do mmHg/seg de dP/dt, terá 110% do previsto,
miocárdio pode ser bem representado pela re- e assim por diante. Feitas as medidas, se um
lação dP/dtC/Pd2N originou-se da meditação paciente tiver dP/dt em 100% do previsto e
sobre as seguintes dúvidas: a) se a dP/dt sofre relação Pd2/PS em 10%, seu índice de con-
múltiplas influências, por que não expressá-la tratilidade (ICo) será de 10. Se outro tiver dP/
em relação a valores previstos, como é feito, dt em 120% do previsto e relação Pd2/PS de
por exemplo, com muitas variáveis orgânicas, 6%, seu ICo será de 20. Se ainda outro tiver
tornando-os melhor comparáveis entre dife- dP/dt em relação ao previsto de 60% e rela-
rentes indivíduos?; b) se tantos autores pro- ção Pd2/PS de 20%, seu ICo será de 3. Os
puseram correções da dP/dt, ora para a pré- valores normais desse índice oscilam entre 8 e
carga, ora para a pós-carga, por que não reu- 14, indicando hipercontratilidade valores
nir numa mesma fórmula correções para am- maiores que quatorze e hipocontratilidade
bas?; c) se a relação dP/dt(50)/VDF/m2 tem valores menores que sete, sendo sugestivos de
se mostrado útil como expressão da contrati- função miocárdica muito deteriorada valores
lidade miocárdica, corrigida para a pré e para inferiores a 4, usualmente em paciente já com
a pós-carga, por que não sugerir uma relação manifestações clínicas de insuficiência ventri-
com idêntico propósito, cujos elementos in- cular esquerda. Ressalte-se que este índice de
tegrantes fossem todos recolhidos dos traça- contratilidade por nós proposto se mostrou e
dos de pressão ventricular e de sua primeira se mostra mais sensível que qualquer outra me-
derivada, dispensando determinações de vo- dida de contratilidade com que foi compara-
lumes ventriculares?; d) se a constatação de do (dP/dt, % dP/dt Pr, dP/dt(50 mmHg)/
que, em indivíduos com contração boa ou sa- VDF/m2, Vmax) em apontar pacientes com
tisfatória pela ventriculografia, com ou sem graus progressivos de deterioração miocárdica
sobrecarga de ventrículo esquerdo, a relação (Tabela X-1). Além disso, tem a vantagem de
Pd2/PS x 100 (Pd2N) tem muito menor va- poder ser determinado inteiramente a partir
riabilidade que a Pd2 medida em termos ab- de dados da curva de pressão intraventricular
solutos, por que não aplicar essa relação como e de sua primeira derivada, não necessitando
correção para a pré-carga? da determinação do VDF, e ser de determina-
Assim: ção manual mais simples que a da Vmax.
% G3 / GW Pr
,&R
3G 2 / 36 u100
SENSIBILIDADE DAS MEDIDAS DE
em que ICo é índice de contratilidade, %dP/ CONTRATILIDADE
dt Pr (dP/dtC) representa o valor percentual
da dP/dt obtida em relação ao valor previsto Com a intenção de testar a possibilidade de as
(já corrigido para a freqüência e para a pós- variáveis isovolumétricas separarem normais e
carga, conforme mostra a equação de regres- doentes, estudamos estatisticamente seu compor-
são 0,1xFCxPS+474), e Pd2/PS x 100 é a cor- tamento em normais e em dois grupos de cardio-
reção para a pré-carga, normalizando-a em re- patas. O primeiro grupo era constituído por
lação à pós-carga. 25 indivíduos com regurgitação valvular aór-
Dessa maneira, se um indivíduo tiver 80 tica e/ou mitral, sem coronariopatia, e o se-
de FC e 120 de PS sua dP/dt prevista será de gundo foi composto por 110 indivíduos com
1434 mmHg/seg. Se esse indivíduo tiver efe- alterações anátomo-funcionais das coronárias
tivamente 1434 mmHg/seg de dP/dt medida (contagem coronariana de 1 a 14, Capítulo
no aparelho, terá 100% do previsto; se tiver VIII e Figuras VIII-12 e VIII-13). Trinta in-
efetivamente 1147 mmHg/seg de dP/dt terá divíduos sem cardiopatia demonstrada foram
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tomados como controles. O ventriculograma coronariopatia, e, na parte inferior, também o


esquerdo (VEGE) foi considerado bom (VEB: comportamento das diversas variáveis estuda-
FEVE>59%, contração sinérgica, sem coro- das nos grupos de normais e de indivíduos com
nariopatia, independente da carga), satisfató- anormalidades anátomo-funcionais do VE ou
rio (VES: FEVE>59%, discreta assinergia, in- com cardiopatia isquêmica inequívoca.
dependente da carga ou de coronariopatia), Embora ainda tenha havido considerável
regular (VER: FEVE entre 60 e 40%, inde- superposição dos valores entre os ventrículos
pendente da carga ou de coronariopatia) e mau com contração normal e anormal nos diver-
(VEM: FEVE<40%, independente da carga sos grupos estudados, os resultados obtidos
ou de coronariopatia). As Figuras X-22, X-23 mostram que, a partir das nossas propostas
e X-24 mostram, na parte superior, o com- para avaliar o estado contrátil do miocárdio,
portamento das diversas variáveis estudadas considerando-se um amplo espectro de nor-
nos grupos de normais e de valvulopatas sem malidade e de cardiopatias progressivamente

30 30
F = 20,3 F = 23,2
p < 0,001 p < 0,001
n = 55 n = 55
Pd2 Pd2/PS
(mmHg) (%)

15 15

+96% +33% +14% +26% +35% +67%


0 0
NL VEB VER VEM NL VEB VER VEM
(30) (10) (5) (10) (30) (10) (5) (10)

30 30
F = 19,9 F = 26,3
p < 0,001 p < 0,001
Pd2 n = 140 Pd2/PS n = 140
(mmHg) (%)

15 15

+57% +2% +16% +9% +72% +13% +16% +12% +19% +80%
0 0
NL T+H+FL CII-3 CI4-6 CI7-9 CI>10 NL T+H+FL CII-3 CI4-6 CI7-9 CI>10
(30) (25) (25) (25) (25) (10) (30) (25) (25) (25) (25) (10)

FIGURA X-22. Em cima, espectro da distribuição e da variação proporcional da Pd2 e da Pd2/PS (Pd2N) entre 30
normais e entre grupos de valvulopatas (25 com regurgitação valvular), com ventriculograma E (VEGE) bom (VEB),
regular (VER) e mau (VEM), e, embaixo, entre 110 pacientes com alterações do VE ou coronarianas, com graus
crescentes de cardiopatia isquêmica, segundo contagem coronariana. O teste F de Fisher mostrou alto nível de
significância estatística das diferenças entre os valores grupais, principalmente quando julgados pela Pd 2N. Note-
se que a aplicação da Pd2N, além de fornecer um mais alto F, ainda proporcionou distribuição parabólica mais
harmônica dos valores nos respectivos grupos de comprometimento crescente (Gottschall 1977, 1983, 1995).
298 CARLOS NTONIO
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1800
F = 9,5 100
p < 0,001 F = 17,6
n = 55 p < 0,001
n = 55
dP/dt dP/dtC (%)
(mmHg/seg)

900 50

+17% -28% -28% +2% -28% -15%


0 0
NL VEB VER VEM NL VEB VER VEM
(30) (10) (5) (10) (30) (10) (5) (10)

F = 5,2 F = 10,9
1700 p < 0,001 100 p < 0,001
n = 140 n = 140

dP/dt dP/dtC (%)


(mmHg/seg)

850 50

+10% -17% -1% -6% -21% -4% -2% -6% -5% -23%
0 0
NL T+H+FL CII-3 CI4-6 CI7-9 CI>10 NL T+H+FL CII-3 CI4-6 CI7-9 CI>10
(30) (25) (25) (25) (25) (10) (30) (25) (25) (25) (25) (10)

FIGURA X-23. Em cima, espectro da distribuição e da variação proporcional da dP/dt e da dP/dtC entre 30 normais
e entre grupos de valvulopatas (25 com regurgitação valvular) com VEGE bom (VEB), regular (VER) e mau (VEM),
e, embaixo, entre 110 pacientes com alterações do VE ou coronarianas, com graus crescentes de cardiopatia
isquêmica, segundo contagem coronariana. O teste F de Fisher mostrou alto nível de significância estatística das
diferenças entre os valores grupais, principalmente quando julgados pela dP/dtC. Note-se que a aplicação da dP/
dtC, além de fornecer um mais alto F, ainda proporcionou distribuição mais harmônica dos valores nos respectivos
grupos de comprometimento crescente (Gottschall 1977, 1983, 1995).

mais graves: a) a Pd2N correlaciona melhor isovolumétrica, sendo ou não consideradas li-
com a função contrátil e tem menor variabili- vres de influências 2de carga (dP/dtC, Vmax e
dade nos normais que a Pd2 medida isolada- dP/dt(50)/VDF/m ), com que foi comparada.
mente; b) a dP/dtC correlaciona melhor com As medidas estudadas que, ao se desviarem
a função contrátil e mostra maior poder dis- do limite de confiança, conseguiram acusar o
criminatório entre grupos funcionais que a dP/ maior número de casos com anormalidade
dt não corrigida. É também maior (porém não contrátil entre os grupos de pacientes (94 con-
significante) que a da Vmax sua sensibilidade siderados anormais) com ventrículo esquerdo
em detectar anormalidades contráteis; c) a re- (VE) satisfatório (VES), com VE regular
lação dP/dtC/Pd N mostra maior sensibilida- (VER) e com VE mau (VEM), foram, respec-
de discriminatória2 entre grupos com crescen- tivamente, em ordem decrescente: 1) Pd e
tes anormalidades anátomo-funcionais que Pd2N: 62 casos (66%); 2) dP/dtC/Pd2 2N: 259
qualquer uma das variáveis derivadas da fase casos (63%); 3) dP/dt (50)/VDF/m : 47 ca-
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1,50 16
F = 12,6 F = 11,3
p < 0,001 p < 0,001
n = 55 dP/dtC(%) n = 55
VMAX
(UC/seg) Pd2/PS(%)

0,75 8

+2% -31% -10% -19% -43% -47%


0 0
NL VEB VER VEM NL VEB VER VEM
(30) (10) (5) (10) (30) (10) (5) (10)

1,50 F = 12,4 16 F = 14,6


p < 0,001 p < 0,001
VMAX n = 140 dP/dtC(%) n = 140
(UC/seg) Pd2/PS(%)

0,75 8

= -13% -6% -9% -16% -15% -20% -14% -20% -55%


0 0
NL T+H+FL CII-3 CI4-6 CI7-9 CI>10 NL T+H+FL CII-3 CI4-6 CI7-9 CI>10
(30) (25) (25) (25) (25) (10) (30) (25) (25) (25) (25) (10)
FIGURA X-24. Em cima, espectro da distribuição e da variação proporcional da Vmax e da dP/dtC/Pd2N entre 30
normais e entre grupos de valvulopatas (25 com regurgitação valvular) com VEGE bom (VEB), regular (VER) e mau
(VEM), e, embaixo, entre 110 pacientes com alterações do VE ou coronarianas, com graus crescentes de cardiopa-
tia isquêmica, segundo contagem coronariana. O teste F de Fisher mostrou alto nível de significância estatística
das diferenças entre os valores grupais, principalmente quando julgados pela dP/dtC/Pd 2N. Note-se que a aplica-
ção da dP/dtC/Pd2N, além de fornecer um mais alto F (embaixo), ainda proporcionou distribuição mais harmônica
dos valores nos respectivos grupos de comprometimento crescente (Gottschall 1977, 1983, 1995).

sos (50%); 4) dP/dtC: 40 casos (43%); 5) 16 casos (59%). É interessante notar que os
Vmax: 35 casos (37%); 6) dP/dt não corrigi- dois índices mais sensíveis são os que trazem
da: 26 casos (28%). Entretanto, consideran- na fórmula também correção para a pré-car-
do-se apenas os 27 pacientes com VE consi- ga. Essa ordem de achados no grupo com
derado mau (VEM), abaixo do valor crítico menor capacidade funcional (VEM) sugere
de 40% de FEVE (já que casos com valores que a manutenção do inotropismo em níveis
inferiores a esse evidenciam grande compro- normais ou pouco diminuídos nos VES e nos
metimento clínico e funcional), dP/dtC/Pd 2N VER depende de incipiente e progressiva ele-
foi a única das medidas estudadas que se mos- vação da Pd2 que ocorre nesses grupos (Vide
trou 100% sensível para detectá-los. Seguiram Figuras V-3 a V-6 e X-18 a X-21), represen-
esse índice, em sensibilidade decrescente, para tando tal mecanismo elemento compensató-
identificar os VEM: 2) dP/dt(50)/VDF/m 2: rio, baseado na lei de Frank-Starling, com a
26 casos (96%); 3) Pd2N: 25 casos (93%); 4) finalidade de manter o inotropismo tão pró-
Pd2: 23 casos (85%); 5) dP/dtC: 21 casos ximo dos níveis normais quanto possível. Isto
(78%); 6) Vmax: 19 casos (70%); 7) dP/dt: é, hipocontratilidade, que antes de tudo repre-
300 C ARLOS NTONIO
A ASCIA
M OTTSCHALL
G
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senta menor resposta inotrópica para dada car- proposto aqui, relacionam-se freqüentemente
ga, tem sua detecção facilitada pela combinação com desempenho ventricular comprometido.
de duas medidas: dP/dtC (refletindo inotropis- Assim, apesar das limitações, elevação da Pd 2
mo) e Pd N (refletindo carga relativa).
2 e da Pd2N (mais específica para normais), ser-
Selecionando-se as quatro medidas – reti- ve como medida confiável para identificar os
radas unicamente do traçado de pressão in- ventrículos esquerdos com contração anormal.
traventricular e de sua primeira derivada – que A Pd2N, ao tornar-se mais específica para os
se mostraram mais eficientes para identificar normais, mostra conseqüentemente maior sen-
e discriminar o estado contrátil entre os di- sibilidade relativa que a Pd2 isolada para dis-
versos grupos funcionais (Pd 2N, dP/dtC, criminar pacientes sem e com cardiopatia es-
Vmax e dP/dtC/Pd2N), as mesmas tiveram, querda. Em séries pequenas ou que não abran-
isoladas ou combinadas, até 75% de sensibili- jam todo o espectro da função cardíaca, desde
dade em detectar os com fração de ejeção anor- o normal até o muito comprometido, pode não
mal. Pode-se ainda constatar que todos os se encontrar correlação entre Pd2 e fração de eje-
VEM foram passíveis de identificação por es- ção do ventrículo esquerdo (FEVE) ou outras
sas medidas (a maioria dos casos tendo-as to- medidas derivadas da fase sistólica ventricular.
das anormais) ou só pelo índice dP/dt/Pd2N Entre os indivíduos com contração considerada
e que nenhum VES as teve todas anormais. normal também não há essa relação mas, ao
Como seria de esperar, para os VER, as medi- considerar-se o espectro total da função cardía-
das consideradas situaram-se em posições de ca, normal e anormal, a mesma torna-se eviden-
comportamento intermediário. te, principalmente entre Pd2N e FEVE (Figura
As elevações da Pd2, principalmente quan- X-25). Aumento da Pd 2 do VE em termos
do normalizada em relação à pós-carga, como absolutos é um sinal de hipocomplacência (dis-

40
rl = 0,61
rp = 0,69
n = 165
p < 0,001
30
Pd2/PS (%)

20 2
2

2 2
10 2
2 3
2
2

0
0 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
FEVE (%)
FIGURA X-25. Correlação linear (rl) e parabólica (rp) entre Pd 2/PS (%) e fração de ejeção do VE – FEVE (%) – em
165 pacientes. Os círculos pretos representam os 72 com ventriculograma normal, e os círculos brancos os 93 com
ventriculograma assinérgico. A linha contínua representa valor de 13% da relação Pd 2/PS, e a linha tracejada valor
de 10% dessa relação. A correlação da Pd 2 não normalizada (não mostrada na figura) com a FEVE foi bem menor:
rl de 0,50 e rp de 0,54, ainda assim significante (Gottschall 1977, 1988, 1995).
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função diastólica) ou de pré-carga elevada, e não Pd /PS está em 15%, evidenciando um já


2
necessariamente de déficit funcional. marcado comprometimento funcional. Obser-
Como vimos, em termos funcionais, im- vamos que as variações da Pd são mais inten-
2
porta mais a relação Pd /PS x 100. Assim é sas que as do VDF dentro do espectro total de
2
que no ventrículo esquerdo (VE) sobrecarre- função (ou disfunção) cardíaca. Talvez por isso
gado por volume e/ou pressão, mas com boa a correção da pré-carga pela Pd seja mais “ágil”
2
resposta contrátil, a distensão de suas fibras que pelo VDF. Ainda, a Pd modifica-se mais
2
por aumento da pré-carga permite a ejeção de por efeito da freqüência cardíaca que o VDF.
maior volume sistólico, aumentando também Na nossa experiência essa influência se mani-
a pressão sistólica (PS) e mantendo a relação festa, como regra, só acima dos 90 cpm (Figu-
Pd2/PS em torno de 10%. No VE com fun- ra X-26).
ção ainda satisfatória, essa relação costuma A dP/dt não corrigida mostra o menor po-
manter-se entre 10 e 13%. Relações Pd /PS
2 der discriminatório entre as medidas isovolu-
entre 14-15%, 16-20% e mais de 20% indi- métricas para separar o estado contrátil entre
cam progressiva deterioração funcional do VE, grupos de cardiopatas. Isso concorda com ob-
estes últimos valores ocorrendo já em muitos servações de que é muito sensível ao inotro-
pacientes com insuficiência ventricular esquer- pismo mas extremamente responsiva à car-
da. Por exemplo, dois pacientes, um com in- ga: como a manutenção da dP/dt em níveis
suficiência aórtica, PS de 200 mmHg e Pd normais ou próximos é um requerimento fi-
2
de 20 mmHg, e outro com cardiopatia isquê- siológico fundamental, que deve ser preserva-
mica, PS de 100 mmHg e Pd de 15 mmHg: do, o coração doente tenta manter tal habili-
2
no primeiro, a Pd VE está mais elevada, mos- dade pela variação das cargas, aumentando a
2
trando maior carga, mas a relação Pd 2/PS fica pré e diminuindo a pós-carga. Conseqüente-
em 10%, normal. No segundo, a Pd2 VE in- mente, os grupos com maior comprometimen-
dica menor pré-carga absoluta mas a relação to funcional evidenciam os mais altos valores

p<0,02

PS<120 mmHg PS<150 mmHg 30


N FC<80 cpm
PS>120<150 mmHg No de casos
p<0,001 FC>80<90 cpm p>0,05
20 20 FC>90 cpm

20 N No de casos

p<0,001 Pd2 Pd2 p>0,05 p<0,01


pd2 % %
PS p>0,05 p>0,05 PS
(mmHg)
p>0,05 p<0,001
10 10
10

20 18 16 20 18 16 35 17 19 39 15 13 14 7 6
0 0 0
VEB VEB VEB VE S-R VEM
FIGURA X-26. À esquerda, em ventrículo esquerdo com contração normal (VEB), a Pd2, embora possa aumentar
em valores absolutos, mantém-se em torno de 10% da pressão sistólica (PS). À direita, em VE com contração
normal (VEB), e satisfatória (VES-R), a Pd2 cai significativamente quando a freqüência cardíaca ultrapassa 90 cpm.
No VE com má contração (VEM: FE < 40%), a Pd2 não diminui ao aumentar a freqüência (Gottschall 1977, 1995).
302 C ARLOS ANTONIO M ASCIA G OTTSCHALL © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA

de Pd2 e os mais baixos de pressão sistólica. metida, e 100% dos casos com contração do
Isto é, a expressão da dP/dt em relação a valores VE considerada má, ou seja, com fração de
previstos para as respectivas FC e PS de uma ejeção < 40%. Esta maneira de medir o esta-
população com contração considerada normal do contrátil do miocárdio, por sua simplici-
(%dP/dtC) aumenta muito a sensibildade dessa dade e facilidade de cálculo, num momento
medida em detectar anormalidades contráteis. em que a sofisticação de métodos está atin-
Interessante notar que as mais altas corre- gindo aspectos quase inimagináveis, em troca
lações entre os parâmetros estudados, tanto nos de pouca ou nenhuma vantagem sobre técni-
normais como nos anormais, ocorreram entre cas mais simples, não substitui completamen-
a dP/dtC e a fração de ejeção do ventrículo te outros procedimentos mas pode ser enten-
esquerdo (FEVE) e não entre esta e a Vmax dida como uma confiável opção para estudar
(Figura X-27), o que reforça o valor da pri- a contratilidade miocárdica, conforme pode
meira como elemento representativo do espec- ser visto na Tabela X-1.
tro funcional miocárdico. Aumento adicional O mesmo fenômeno, ou seja, a deteriora-
de sensibilidade ocorre quando a dP/dtC é ção funcional miocárdica, pode ser apreciado
dividida pela Pd2N (relação Pd2/PS). O índi- por visões diferentes. A Figura X-28 mostra
ce dP/dtC/Pd2N (dP/dt expressa % em rela- curvas pressão-volume (P-V) de um caso de
ção ao previsto sobre Pd 2 expressa % em rela- insuficiência cardíaca cujos aumentos de pré-
ção à pressão sistólica), ao reunir numa mes- carga fazem elevar-se a pressão diastólica final
ma fórmula elementos para avaliação de ino- do ventrículo esquerdo (VE) e, apesar disso,
tropismo e carga relativa, foi o único que con- cair a pressão sistólica, diminuindo cada vez
seguiu separar o grupo dos ventrículos esquer- mais a área da curva P-V (disfunção diastólica
dos bons (VEB) e dos satisfatórios (VES), o e sistólica). A Figura X-29 mostra traçados de
que nenhuma outra medida conseguiu fazer, curvas pressóricas do VE e sua primeira deri-
nem mesmo a FEVE. Também foi a única vada (dP/dt) de um indivíduo normal e de três
medida que acusou todos os ventrículos maus pacientes com crescente gravidade da cardio-
(VEM). Assim, combinando-se criteriosamen- patia. Ao avançar a doença miocárdica, a que-
te medidas retiradas unicamente da curva de da progressiva da contratilidade se evidencia
pressão intraventricular e de sua primeira de- pela cada vez maior diminuição da dP/dt em
rivada, é possível acusar como anormais – in- relação ao valor previsto (disfunção sistólica),
dependentemente da cineangiocardiografia – apesar do crescente aumento da relação Pd 2/
mais de 2/3 dos casos com contração ventri- PS (disfunção diastólica).
cular esquerda (VE) considerada levemente Como toda perda regional ou global de
comprometida, quase 80% dos casos com con- contratilidade pode decorrer de comprometi-
tração considerada moderadamente compro- mento coronariano, principalmente em pre-

TABELA X-1. Sensibilidade da Vmax e do ICO (índice de contratilidade proposto) em detectarem isolada e
conjuntamente graus crescentes de anormalidade contrátil de acordo com a ventriculografia
Ventrículo Só Vmax < 1,0 Só ICO < 9,0 Ambos Total
VES (23) 1 8 2 11 (48%)
VER (44) 5 14 8 27 (61%)
VEM (27) 0 8 19 27 (100%)
TOTAL (94) 6 (6%) 30 (32%) 29 (31%) 65 (69%)
VES = Ventrículo esquerdo (VE) com fração de ejeção (FE) ³ 60% e discreta assinergia;
VER = VE com FE entre 40% e 59%; VEM = VE com FE < 40%;
Especificidade da Vmax para 95% dos normais > 0,99 UC;
Especificidade do ICO para 95% dos normais > 8.
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2,5
rl = 0,61
rp = 0,61
n = 165
2,0 p < 0,001

1,5

Vmax
(UC/seg)

1,0

0,5

0
0 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
FEVE (%)
152
140 rl = 0,69
rp = 0,72
n = 165
p < 0,001
120

100

dP/dtC (%)

80

60

40

20

0
0 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
FEVE (%)
FIGURA X-27. Corelações lineares (rl) e parabólicas (rp) entre Vmax e fração de ejeção do VE (FEVE), e entre dP/
dtC e FEVE em 165 pacientes. Os círculos pretos representam os 72 com ventriculograma esquerdo (VEGE)
normal, e os círculos brancos os 93 com VEGE anormal. As linhas contínuas representam os respectivos limites
inferiores da Vmax (1,0 UC / seg) e da dP/dtC (81% do previsto) para 95% dos VEGE normais. A correlação da
FEVE com a dP/dtC é maior que com a Vmax. A correlação da dP/dt não corrigida (não mostrada na figura) com a
FEVE foi a menor: rl de 0,53 e rp de 0,59, ainda assim significante (Gottschall 1977, 1988,1995).
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304 CARLOS NTONIO
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G

160
FIGURA X-28. Resposta ca-
racterística de curvas pres-
são-volume na insuficiência
cardíaca progressiva, desde
o controle (primeira curva)
120 até um mês (última curva). À
VE medida que a insuficiência
(mmHg) miocárdica evolui, o coração
funciona em volumes cada vez
maiores – abcissa (ml) –, au-
80
menta a pressão diastólica e,
apesar disso, diminui a gera-
ção de força sistólica – orde-
nada (mmHg). A linha que une
os ângulos pressão-volume
40 sistólicos finais é descenden-
te em vez de ascendente
(como seria num caso normal),
conforme mostrado nas figu-
ras X-8 e X-15 A (redesenha-
0 do e modificado de Ohno,
20 30 40 50 60
Cheng e Little 1994).
(ml)

dp/dt 1940 (113% do Pr) dp/dt 1380 (79% do Pr)


2000 1400 180
140 FC 73
mmHg/s mmHg/s
PS 174
FC 93
PS 133 0
0
mmHg
mmHg

Pd2 8 Pd2 18
A 0 B 0

dp/dt 814 (62% do Pr)


800 FC 75
dp/dt 1000 (71% do Pr) mmHg/s PS 110
1000 0 110
120
mmHg/s FC 77
PS 122
0

mmHg mmHg
Pd2 36
Pd2 21
C 0 D 0
FIGURA X-29. Curvas de pressão intraventricular com respectivas dP/dt. Observem-se as relações Pd 2/PS e os
valores da dP/dt em relação ao previsto (%doPr). A) Valores normais em indivíduo não cardiopata. B) Valores nos
limites da normalidade em paciente hipertenso. C) Valores anormais em paciente sintomático com insuficiência
aórtica. D) Valores muito anormais em paciente com cardiopatia isquêmica e insuficiência cardíaca. Note-se a
progressiva diminuição das dP/dt, tanto em valores absolutos quanto em relação ao previsto (disfunção sistólica),
e o progressivo aumento da relação Pd2/PS (difunção diastólica), eventos que se conjugam para indicar crescente
comprometimento funcional miocárdico (Gottschall 1982, 1988, 1994, 1995, 1999, 2003).
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sença de manifestações isquêmicas, além da cionais, sempre tomando em conta o grupo


cinecoronariografia, pode ser desejável medir imediatamente anterior.
direta ou indiretamente o valor do fluxo co- A análise desse comportamento grupal su-
ronariano regional ou total. Métodos para es- gere que, em direção à descompensação car-
sas medidas, seus valores e limitações estão díaca, o ajuste das variáveis funcionais que
expostos no Capítulo VIII. mantêm o débito cardíaco se faz de maneira
fina, progressiva e imperceptível para varia-
Û ções individuais, quando comparadas com li-
mites grupais. Como fica evidente pelas va-
riações cumulativas de um grupo para outro
SEQÜÊNCIA FUNCIONAL DA na tabela acima e na figura X-30, a tendência
DESCOMPENSAÇÃO CARDÍACA é preservar o volume sistólico e o débito car-
díaco, à medida que piora a função ventricular.
O exame hemodinâmico e angiocardiográfico, ao Isto é, modificações progressivamente menores
estudar pacientes cardiopatas, na grande maio- vão ocorrendo da pressão diastólica final, para
ria das vezes revela alterações pré-clínicas da fun- fração de ejeção, volume diastólico final, contra-
ção ventricular esquerda. Levando em conta tilidade, pressão sistólica, freqüência cardíaca e
nosso estudo referido acima, a avaliação se- volume sistólico de expulsão ventricular (Qua-
qüencial de 30 controles (Grupo 0) e de 110 dro X-1 e Figura X-30).
pacientes isquêmicos, divididos em grupos I, Em direção ao seu ocaso funcional, o ven-
II, III e IV, agrupados pelos respectivos esco- trículo esquerdo preserva o volume sistólico
res coronarianos, de zero a quatorze (Capítu- de expulsão até um estágio avançado de dis-
lo VIII, Figura VIII-13), e análise estatística função cardíaca, e, ainda mais, o débito car-
dos resultados por análise de variância, suge- díaco, para manter uma adequada função de
rem que, antes de haver queda do débito car- bomba. Assim, quando o volume sistólico co-
díaco, o ajuste das variáveis hemodinâmicas, meça a cair, sobrevém estímulo simpático adi-
no sentido da compensação ventricular esquer- cional (elevação das catecolaminas circulan-
da, se dá, primeiro, pela alteração da relação tes) para aumentar a freqüência de contrações
Pd2/PS e fração de ejeção (FEVE), logo a se- e o que resta do poder contrátil miocárdico, a
guir por discretas modificações no volume fim de preservar o débito, que só cai quando
diastólico final (VDF) e contratilidade mio- este último mecanismo de compensação se
cárdica e, após, por pequena redução da pres- esgota. Nesta fase há uma atenuação do co-
são sistólica (PS), volume sistólico (VS) e au- mando adrenérgico por desregulação dos re-
mento da freqüência cardíaca (FC). Categori- ceptores beta-adrenérgicos em resposta à pro-
zando essas modificações em quatro grupos, o longada elevação dos níveis de catecolaminas
Quadro X-1 e a Figura X-30 mostram a se- circulantes e depleção dessas substâncias no
qüência hemodinâmica das variações propor- miocárdio, ou ao acoplamento alterado des-

QUADRO X-1. Variações cumulativas de dados funcionais para manter a compensação cardíaca
0 I II III IV =
Pd2/PS 1,00 x1,16 x1,12 x1,19 x1,80 2,78
FE do VE 1,00 x0,94 x0,81 x0,85 x0,59 1/2,63
VDF/m2 1,00 x1,03 x1,10 x1,14 x1,54 1,98
dP/dt C 1,00 x0,98 x0,94 x0,94 x0,77 1/1,51
PS 1,00 x1,00 x1,00 x0,92 x0,95 1/1,15
FC 1,00 x1,00 x1,04 x1,04 x1,05 1,13
VS/m2 1,00 x1,00 x1,00 x0,98 x0,92 1/1,11
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2,5
Pd2/PS
Produto cumulativo

2 FEVE
VDF/m2

1,5 dP/dtC
PS
1 FC
VS/m2
0,5

0
0 I II III IV
Contagem coronariana
FIGURA X-30. Os produtos cumulativos das médias das variações relativas dos parâmetros funcionais de 140
pacientes representados em cada valor de contagem coronariana (0; I (de 1 a 3); II (de 4 a 6); III (de 7 a 10); IV (de
10 a 14) mostram a intensidade das modificações para manter a compensação cardíaca. As médias da contagem
coronariana 0 (30 pacientes normais) são tomadas sempre como unidade. As medidas funcionais do VE que me-
nos variam, do normal para os grupos mais comprometidos, são: índice sistólico, freqüência cardíaca e pressão
sistólica; justamente os parâmetros que mais devem ser preservados para manter a compensação cardíaca (Got-
tschall 2005).

ses receptores, quando ativados à geração da nosa em O2 até que os resquícios de contrati-
AMP cíclica. lidade e principalmente a distensão miocárdi-
Mesmo com o estímulo adrenérgico em ca não mais sejam capazes de evitar o edema
grau máximo, o miocárdio deteriorado, dila- pulmonar fatal. (Vide Figura VIII-23).
tado patologicamente, histologicamente desor-
ganizado, com excesso de colágeno, pobreza
de miócitos normais e propriedades viscoelás- AVALIAÇÃO SUSCINTA DO
ticas alteradas, perde a capacidade de resposta DESEMPENHO CARDIOVASCULAR
contrátil adicional. A progressiva dilatação
passa a ser o último recurso para aproveitar o Muitas das medidas discutidas são complexas
mecanismo de Frank-Starling e tentar manter demais para aplicação clínica rotineira, sendo
um volume de expulsão com o mínimo de mais apropriadas para melhor compreender a
contratilidade que resta, mas o maior enchi- função cardíaca ou para sofisticados estudos de
mento só faz desviar a curva de função mais pesquisa Entretanto, para fins práticos, algumas
.
para a direita e para baixo (Figura X-4). O mensurações mais simples são suficientes para indi-
aumento do volume diastólico ventricular e car normalidade ou desvios da função cardíaca.
da pressão diastólica final daí decorrentes ele-
vam a pressão capilar pulmonar causando tran-
sudação alveolar, piora da dispnéia e anulan- AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO
do a capacidade de exercício além da respira- SISTÓLICO VENTRICULAR
ção em estado basal. Lutando contra o baixo
débito, os tecidos periféricos retiram do san- O desempenho sistólico do ventrículo esquer-
gue arterial todo o oxigênio que podem, au- do (VE) é eficientemente avaliado pela fração
mentando ao máximo a diferença artério-ve- de ejeção (FE) do VE. A menos que a pós-
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carga esteja muito reduzida ou haja regurgita- prática costuma ser vista como pressão dias-
ção valvular ou um curto-circuito esquerda- tólica final (Pd2) ou pressão capilar pulmo-
direita, uma FE normal (60-80%) indica de- nar, que acima de um valor médio de 20
sempenho sistólico adequado do VE. Como mmHg pode indicar congestão pulmonar. A
pode haver pequena anormalidade localizada disfunção diastólica poderá ser diagnosticada
não redutora da FE, é importante medir os num paciente com aumento da Pd 2 do ven-
encurtamentos apical e ântero-inferior ou sim- trículo esquerdo (VE), principalmente da re-
plesmente a visualização da sinergia contrátil lação Pd2/PS > 13%, o que costuma indicar
na ventriculogafia para confirmar a normali- complacência específica do VE < 0,2 ml/m 2/
dade da contração. A FE não é muito influen- mmHg x ml/m2. Disfunção diastólica do VE
ciada pela pré-carga, porém uma FE reduzida pode ser uma entidade isolada, aparecer antes
pode dever-se a contratilidade miocárdica de- ou associar-se com posterior disfunção sistóli-
primida ou pós-carga elevada. O nível da pós- ca do VE. Na presença de ritmo sinusal, in-
carga pode ser estimado pela pressão arterial vestigação adicional da função diastólica
sistólica (na ausência de estenose aórtica). pode ser feita por medida ecocardiográfica
Havendo hipotensão sistólica, cálculo da re- da velocidade do fluxo mitral. Na ausência
sistência vascular pode determinar se é devida de estenose mitral, se a relação onda E/onda
a baixo tono arterial ou inadequado débito A > 1 com tempo de desaceleração de E <
cardíaco. Embora a FE do VE seja uma medi- 190 mseg, a função diastólica pode ser con-
da do desempenho sistólico na ausência de siderada normal. Uma relação E/A < 1 pode
pós-carga anormal ou doença valvular, reflete gradar a disfunção em leve, moderada e se-
indiretamente contratilidade miocárdica. Mais vera e traçar prognóstico.
ainda, um índice de volume sistólico final
(IVSF) < 35 ml/m2 ou a relação da pressão
sistólica final (PSF) dividida pelo IVSF = ou AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO
> 5 mmHg/ml/m2, quando a pressão arterial VENTRICULAR DIREITO
sistólica for normal (100-140 mmHg), o que
indica a posição operacional da relação PSF/ Embora muitas vezes esquecido, o ventrículo
IVSF, refletindo o desempenho sistólico (e direito (VD) é capaz de contribuir muito para
contrátil). Adicionalmente, medida ecocardio- a disfunção cardíaca. Os determinantes e mé-
gráfica da dimensão sistólica final do VE pode todos avaliadores da função ventricular esquer-
ser usada para seguir o desmpenho contrátil da podem ser aplicados também para o VD.
de pacientes com regurgitação mitral ou aór- Insuficiência aguda do VD geralmente deve-
tica. A contratilidade miocárdica pode ser ava- se a sobrecarga pressórica aguda ou crônica mal
liada pelo índice de contratilidade proposto compensada, que pode levar à insuficiência
por nós, que consiste em dividir o percentual cardíaca por insuficiência tricúspide funcio-
da dP/dt em relação ao previsto (0,1 x FC x nal. O desempenho do VD pode ser muito
PS + 474) pela também percentual relação Pd 2 influenciado pela presença e severidade dessa
sobre PS (pressão sistólica) do VE: valores aci- regurgitação. Volumes e fração de ejeção po-
ma de 8,0 são normais. dem ser medidos por técnicas invasivas e não
invasivas. De maneira similar ao ventrículo
esquerdo, a relação pressão sistólica final / vo-
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO lume sistólico final do VD pode ser determi-
DIASTÓLICO VENTRICULAR nada por cateterismo com cintilografia para
fornecer medidas simultâneas do volume en-
A pré-carga é medida pelo índice de volume quanto varia a carga. No VD essa relação é
diastólico final, normalmente < 70 ml/m 2. Na linear na faixa fisiológica e desvia-se para cima
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ou para baixo respondendo a agentes exter- coronariano. Quando se exaure a habilidade


nos e farmacológicos. de extrair oxigênio, o metabolismo aneróbico
produz lactato, e o nível venoso de lactato sobe
agudamente, isto é, na insuficiência coronaria-
AVALIAÇÃO GLOBAL DO na, o miocárdio não consegue extrair quase nada
DESEMPENHO CARDÍACO mais de oxigênio como compensação para o flu-
xo coronariano inadequado.
A função bombeadora integrada do sistema Exercício quanto mais intenso requer au-
cardiovascular resulta num débito cardíaco mento linear do consumo de oxigênio. Essa
(DC) adequado para as necessidades do mo- maior necessidade em O 2 é suprida por uma
mento, mas a determinação da capacidade combinação de aumento máximo do débito
máxima só será dada pelo maior exercício pos- cardíaco (DC) de até seis vezes e de aumento
sível. O DC pode ser medido pelo método de da diferença A-V de O2 de até três vezes, o
Fick ou menos precisamente por outras técni- que faz o consumo máximo de oxigênio au-
cas. Como definido pelo princípio de Fick, o mentar quase vinte vezes em indivíduos su-
oxigênio ofertado ao corpo é o produto do DC pertreinados, com a saturação do sangue ve-
x diferença artério-venosa (A-V) de O 2. Nor- noso misto em O2 caindo de 75% para 25%.
malmente, em repouso, suprimento adequa- Isto é, normalmente, o aumento do DC em ml
do de oxigênio para os tecidos é feito com uma deve ser > seis vezes o correspondente aumento do
diferença A-V de O2 de 40 ± 10 ml O2/litro consumo de O2, também em ml. O desempenho
de sangue. Estando o sangue arterial quase integrado dos sistemas cardiovascular e pulmo-
completamente oxigenado (> 98% de satura- nar pode ser avaliado por testes de exercício.
ção), com normais concentração de hemoglo-
bina e capacidade de transporte de oxigênio,
a diferença A-V normal de O2 permite que o BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
sangue venoso misto (retirado de artéria pul-
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Índice Remissivo

A área de secção transversal do 28, 34, 48


Acetilcolina (Ver parassimpático) arquitetura do 27
ação sobre as coronárias 206, 207 controle do 177, 191
metabolismo e ação da 101, 177, 178, 187 desenho do 27, 120
Ácidos tricarboxílicos (Ver Krebs, ciclo de) 75 desenvolvimento do 27
Actina 87 dificuldades do 28
Adenilciclase 90, 170 finalidade do 33
Adenosina, metabolismo e ação da 170, 188, 208, organização do 28
209, 222, 225 propriedades do 28
Adenosinadifosfato (ADP) 75 requerimentos do 28, 34
Adenosinamonofosfato cíclica (AMPc) 90, 170, resistência periférica no 28
248 soluções do 28
Adenosinaquinase 188 Aparelho cardiovascular, arquitetura do 34
Adenosinatrifosfato (ATP) 32, 73, 74, 75, 76, APARELHO CARDIOVASCULAR, DESENHO
92, 170, 222 DO 27
Adrenalina (Ver simpático), metabolismo e ação da Aparelho cardiovascular, finalidade do 32
134, 173, 176, 177, 190 APARELHO CARDIOVASCULAR, PROPRIE-
Aeróbico, ciclo (Ver Krebs, ciclo de) 74, 75 DADES GERAIS DO 30
comprometimento do 78 Aparelho circulatório (Ver aparelho cardiovascular)
Agonista 90, 100, 169, 170, 172, 175, 189, Apoptose 162, 163, 164, 179, 187, 226
225 Ar atmosférico e alveolar, composição dos 70, 71, 77
Aldosterona 184 Arrestinas 175, 176
Anaeróbico, ciclo (Ver Krebs, ciclo de) 74 Artéria pulmonar (Ver artérias e circulação pulmo-
limiar 59, 190 nar) 31, 34, 58, 72
no miocárdio 198, 211 Artérias sistêmicas (Ver pressão arterial) 37
Angiotensina 174, 182, 184, 185, 208, 248 Arteríolas (Ver resistência vascular) 28, 35, 37,
enzima de coversão da 184 40, 48, 51, 127, 164, 177, 184, 185,
Angiotensinogênio 182 190, 192, 196, 197, 205, 206, 209,
Anrep, efeito 97 215
Antagonista 101, 170 Assincronia 129, 239
Aorta (Ver artérias e circulação sistêmica) 34 Assinergia 130, 239
Aparelho cardiovascular Átrio-ventricular
ação barorreceptora do 181 feixe 101
ação quimiorreceptora do 181 nó 100, 102
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Átrios expulsão máxima 104


contração dos 96, 103, 105 isovolumétrica diastólica 105
despolarização dos 100, 102 isovolumétrica sistólica 103, 104
efeito da distensão parietal dos 154 sístole cardiológica 106
função dos 123 sístole fisiológica 106
interrelações volume, pressão, tensão 112
B objetivo da 110
BARK 175 sistema excito-condutor 99, 100, 101, 102
Barorreceptores e quimiorreceptores 179 tensão parietal 111
Barorreceptores, mecanismo e ação dos 40, 179, trabalho cardíaco 115, 128
180, 181 volume de ejeção 108, 110
Bióxido de carbono Cardíaca, contração, coordenação da 99
difusão do 31, 32 Cardíaca, freqüência 121
pressão parcial no sangue do 77 Cardíaca, reserva e consumo de oxigênio 142
transporte pelo sangue do 77 Cardíaco, ciclo 102
Bloqueio alvéolo-capilar 62 CARDÍACO, DESEMPENHO, DETERMINAN-
Bowditch, efeito 97 TES DO 120
Cardiomiócito, contração do 88
C Cardiomiócito, relaxamento do 94
Cardiovascular (Ver aparelho)
Cálcio, movimentos do (Ver miocárdio, ver múscu- Catecolaminas (Ver simpático)
lo) 90, 91, 92, 93, 94, 99, 100, 133, adrenalina e noradrenalina 173
186, 188, 236 efeitos sobre as coronárias 206, 207
Cálcioqüestrina 91 efeitos sobre o miocárdio 205, 206
Capilar, filtração 44 Celular, membrana 31
Capilares 40 especificidade 32
características dos 34, 40 estrutura 32
difusão pelos 42 propriedades 31
estrutura e função dos 41, 43 Centros respiratórios 57
forças (pressões) filtrantes pelos 44, 45, 46 Circulação brônquica 52
permeabilidade dos 43, 46, 47 Circulação pulmonar
poros 41, 42, 43 diferenças com a sistêmica 50
CARDÍACA, CONTRAÇÃO, ARQUITETURA funções não respiratórias da 52
DA 85 Circulação sistêmica (Ver pressão arterial)
Cardíaca, contração diferenças com a pulmonar 50
ciclo cardíaco 103 Circulação sistêmica e circulação pulmonar 50
consumo de oxigênio pela 114, 115 Citocinas 164
descarga sinusal 99 Citocromos 75
desempenho cardíaco 120, 140 Citratos, ciclo dos (Ver Krebs, ciclo de) 76
despolarização ventricular 102 Complacência (Ver ventricular, complacência) 47
fases da Compostos de alta energia 73, 75
diástase 103, 105 Contratilidade 130
diástole cardiológica 106 Contratilidade miocárdica
diástole fisiológica 106 alterações da 134
enchimento lento 103 base bioquímica da 133
enchimento rápido 103, 105 conceito de 130, 133, 285
expulsão lenta 104 controle da 136, 160
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efeito das catecolaminas na 134 importância da 194


efeitos da 133 influências vasodilatadoras sobre a 206
receptores adrenérgicos 135 microcirculação 196
relações entre força e velocidade 130, 131, 136 mioglobina 199
Coração (Ver miocárdio) origem das coronárias 194
Débito cardíaco pressão de perfusão 201
adaptação do 120, 151 reserva, conceito de 210
conceito de 140 resposta ao exercício 208
determinantes do 147 resposta ao lactato e ao dipiridamol 211
diferença artério-venosa 144 variações fásicas do fluxo 201, 202, 203
fatores de aumento do 150 vasos auto-reguladores do fluxo 196
geração do 168 vasos de condutância 196
índice cardíaco 140 vasos de resistência 196
limitação do 147 Coronariana, circulação, distribuição transmiocár-
medida do 63, 140, 142 dica da 196
preservação do 305 Coronariana, circulação, macroanatomia da 194
variação no exercício 190 Coronariano, fluxo
variações do 148 autorregulação do 205, 209, 210
volume sistólico 140 autorregulação local do 208, 209
eficiência do 146, 147 contagem coronariana 212
estrutura do 85 controle autonômico do 205
miogênese 155 controle endotelial do 207
produção de energia pelo 74, 75, 76, 146 controle metabólico do 208
trabalho útil do 146, 147 controle miogênico do 205
transferidor de energia 76 efeito adrenérgico sobre o 206
Coração como bomba, eficiência do 146 efeito vagal sobre o 206
CORAÇÃO COMO BOMBA, O 140 efeitos vasodilatadores sobre o 207
Coração de pedra 95, 126, 219 estimativa do pelo ultra-som 214
CORAÇÃO E CIRCULAÇÃO, CONTROLE estimativa pelo pressure wire 214
NEURAL 168 extração de lactato 211
CORONARIANA, CIRCULAÇÃO 194 fatores de modificação do 217
Coronariana, circulação fatores que o regulam 205
anastomoses 199 influência da lesão endotelial 207
cálculo do fluxo 200 outros reguladores 209
capilares miocárdicos 197 TIMI e blush miocárdico 212, 213
causas não-obstrutivas de queda da 214 Coronariano, fluxo, caraterísticas do 200
controle regional 192 Coronariano, fluxo, estimativa do 213
coronária direita e ramos 195 Coronariano, fluxo, fatores determinantes do
coronária esquerda e ramos 194 200
distribuição transmiocárdica do fluxo 196 Coronariano,
· fluxo, fatores que o afetam e
dominância coronariana 196 ao VO2 202
drenagem venosa da 196 Coronariano, fluxo, na isquemia miocárdica 215
efeito erétil da 240 Coronariano, fluxo, regulação do 205
fluxo normal da 200 Coronariano, fluxo, reserva de e medida do 210
função da 194 Coronariopatia não-obstrutiva 214
gradiente capilar na 198 Creatinafosfato 73, 75
gradiente metabólico na 198 Crescimento celular (Ver hipertrofia) 162
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rota MAP 162 forças de recolhimento elástico 240


Curva de dissociação da hemoglobina (Ver hemo- gradiente átrio-ventricular 237
globina) influência da pós-carga no relaxamento 241
Curva de função ventricular (Ver função ventricular) papel do cálcio no relaxamento 236, 238
construção da 154 pré-carga 240
desvios da 154 relações entre carga e relaxamento 238
interação pré-pós-carga 128 relaxamento ventricular 235, 236, 243
na insuficiência cardíaca 165 triplo controle do relaxamento 245
significado da 154 velocidade de enchimento 237
Curva força-velocidade 131, 135 velocidade de relaxamento 241
Curva pressão-volume 105, 106, 202, 242, 311 DIÁSTOLE NORMAL E ANORMAL 235
Diástole, carga ventricular na 239
D Diástole, contração-relaxamento, heterogeneidade da
Débito cardíaco (Ver Coração) 140 239
Débito cardíaco (Ver Coração), adaptações a curto Diástole, velocidade de desativação 238
e longo prazo 151 Diastólica, disfunção 241
Débito cardíaco (Ver coração), variações do 147 Diastólica, disfunção, conseqüências da 244
Diástole Diastólica, disfunção, hipertrofia e isquemia 246
ação catecolamínica na 240 Diastólicas, propriedades, do coração 235
alterações da contrção-relaxamento 239 Diastólico, relaxamento normal e anormal 236
cargas de alongamento 239, 240 Difusão
definição de termos 236 capilar 42, 44
disfunção gradiente de 31
características 242 miocárdica de oxigênio 198
causas de 245 velocidade da 30
conceito 242 Difusão, natureza da 30
conseqüências da 245 Difusão pulmonar 59
curva pressão-volume na 242 alterações da 62
detecção da 244 capacidade de 61, 62
efeito do cálcio 242 conceito de 59
fases da 245 consumo máximo de oxigênio pela 80
isquemia de demanda 248 fase gasosa da 60
isquemia de suplência 248 fase líquida da 60, 61
manifestações de 244 fatores que influenciam a 61
na cardiopatia isquêmica 247 Disfunção endotelial, conceito 187
na hipertrofia 247 dP/dt 104, 133, 287
padrão restritivo da 244 Duplo produto 148, 149, 202
padrões anormais de relaxamento 244
pseudonormalização 243 E
relaxamento retardado 243 ECG, gênese do 102
transição para a insuficiência cardíaca 247 Edema pulmonar, estágios do 47
efeito da isquemia sobre a 239 Endorfinas 179
efeito succional da 240 Endotelina, metabolismo e ação da 164, 207, 208
fases da 235 Endotélio
fatores de desativação 239 ação do óxido nítrico 186, 187
fatores determinantes da 238 atividade do 186
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disfunção do 187 Fluxo sanguíneo, regulação do 185


estresse oxidativo do 187 Forscolina 170
produção de óxido nítrico pelo 186 Fosfagênios 73
substâncias vasoativas do 186 Fosfatidilinositol 91, 96, 186, 188, 226
Equivalente metabólico 83 Fosfodiesterase 170, 187
Espaço intersticial alveolar 47 Fosfolamban 94, 95, 172, 248
Estenose mitral 272 Fosforilação 92, 170
Estresse parietal e consumo de oxigênio 116 Fosforilação oxidativa 73, 75, 76, 198
Exercício Fosforilase 170, 198
aplicações diagnósticas do 82, 83, 123 Frank-Starling, lei de 105, 123, 124, 125, 128,
capacidade máxima de 82 145, 151, 152, 154, 155, 223, 254
concentração plasmática de noradrenalina 160 base ultra-estrutural da 98
consumo máximo de oxigênio 79, 80 Freqüência cardíaca 121
consumo miocárdico de oxigênio no 202 alterações da 123
débito cardíaco no 63, 148, 149, 150, 168 controle da 122
diferença com estresse emocional 176, 191 efeito contrátil da 97, 98
difusão pulmonar no 61, 62 estimativa da 122
e renina-angiotensina 182 influência sobre a diástole da 109
efeitos do 77, 78, 191 influência sobre o débito cardíaco da 122, 135,
efeitos simpáticos do 176, 177 168
efeitos sobre a dástole 244 mecanismo de aumento da 101
efeitos sobre as coronárias 206 reserva de 144
“fator de” 149 resposta à hipóxia da 58, 59
fator limitante do 81 FUNÇÃO CARDÍACA, AVALIAÇÃO HEMO-
fluxo coronariano no 207, 208 DINÂMICA DA 251
freqüência cardíaca no 123 Avaliação suscinta do desempenho cardiovascu-
limiar anaeróbico do 59 lar 306
oferta de oxigênio às células 143 Consumo máximo de oxigênio 308
perfusão pulmonar (débito cardíaco) no 63 Desempenho cardíaco integrado 308
pressão arterial no 149 Desempenho diastólico ventricular 307
pressões cardíacas no 150 Desempenho sistólico ventricular 306
redistribuição do sangue no 49, 190 Desempenho ventricular direito 307
regulação precoce do 189 Contratilidade miocárdica 285
reserva de débito cardíaco no 144 Busca do índice ideal 291
resposta hemodinâmica ao 190, 191 Correção para a pré-carga 294
ventilação pulmonar no 57, 58 Correções para a dP/dt 291, 292, 293
Exercício, regulação circulatória do 189 Curva de pressão ventricular e dP/dt 287
Gradação da insuficiência cardíaca 306
F Indicação da medida 286
Índice de contratilidade 293
Fagocitose 43 Insuficiência miocárdica 285, 291
Fick, equação de 140, 141, 142, 168, 200, 308 Limitações da avaliação da contratilidade 286,
Fluxo, outras regulações 191 291
Fluxo, pressão e resistência, relações 36, 37 Limitações da dP/dt não corrigida 301
Fluxo sanguíneo Medida da dP/dt 287
geração do 36 Medida da Vmax 289
regulação do 185, 186 Medida pela dP/dt 292
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Relação Pd2/Pressão sistólica 300, 301 Resistência sistêmica total 259


Sensibilidade das medidas de contratilidade 296 Resistência vascular, cálculo da 259
Seqüência funcional da descompensação car- Resistência vascular, características da 260
díaca 305 Resistência vascular, correção da 260
Valor da Vmax 290 Resistências vasculares 259
Valor das medidas de contratilidade 285, Reynolds, número de 260
286, 302 Tensão e estresse parietal 260
Valor do índice de contratilidade 296, 302 Ventrículo direito e artéria pulmonar, pressões
Valor previsto para a dP/dt 293 nos 255
Velocidade do elemento contrátil 289, 290 Ventrículo esquerdo e aorta, pressões nos 257
Vmax no coração intacto 288 Ventrículo esquerdo, pressões no 259
Ejeção cardíaca 251 Pressões cardíacas em exercício 272 (Ver capítulo
Curva de função ventricular, utilização da 255 VI, variações do débito cardíaco)
Débito cardíaco (Ver coração) 252, 253, 254 Relaxamento e distensibilidade 270
Débito cardíaco (Ver coração), geração do 251 Complacência (relaxamento auxotônico e ri-
Função cardíaca, valorização das medidas 251 gidez) 275
Índice cardíaco (Ver coração 254 Detecção da disfunção diastólica 274
Encurtamento miocárdico 276 Disfunção diastólica e padrões anormais de re-
Complacência ventricular e função 280 laxamento (Ver capítulo IX) 245, 246
Curva pressão-volume ventricular 282 Função diastólica normal 270
Elastância miocárdica 282, 283 Função diastólica, quantificação 270
Encurtamento parietal 280 Medida da complacência ventricular 275, 276
Encurtamento regional 279 Medida da contração atrial 276
Fração de ejeção 277, 278, 279 Medida do enchimento rápido 274
Fração de encurtamento mínimo 279 Medida do relaxamento isovolumétrico 273,
Influência do exercício na curva pressão-volu- 274
me 284 Pd2 do ventrículo esquerdo 272, 276
Mapeamento miocárdico 281 Pressão capilar pulmonar 271
Relação pressão-volume sistólico final 282, Pressões atriais e diastólicas ventriculares 270
283, 284 Relação Pd2/Pressão sistólica 276
Segmento contrátil anormal 280 Relaxamento isovolumétrico e diastólico ini-
Sinergia e fração de ejeção 276 cial 273
Tipos de assinergia 277 Reserva e fluxo coronariano 305 (Ver capítulo
Velocidade de encurtamento circunferencial VIII, reserva coronariana e medida do fluxo co-
284 ronariano)
Volume sistólico final 281, 284 Trabalho cardíaco 262
Força contrátil (carga ventricular) 255 Curva pressão-volume 262
Aorta, pressões na 257 Índice de trabalho sistólico 264
Circulação pulmonar, pressões e resistências na Potência ventricular 263
256, 257 Valor das medidas de volume e massa 285
Estenose aórtica 259 Volume e massa ventricular 264
Estresse parietal 260, 261 Características da hipertrofia 269
Impedância aórtica, valorização da 261 Curto-circuito 267
Insuficiência aórtica 259 Curto-circuito bidirecional 269
Miocardiopatia hipertrófica 259 Curto-circuito direita-esquerda 268
Resistência pulmonar total 259 Curto-circuito esquerda-direita 267, 268
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Curto-circuito, saturação da hemoglobina 267 Hipertrofia cardíaca


Determinação dos volumes cardíacos 265 diferenças entre doença e normalidade 115
Dilatação ventricular 266 ventrículo direito 108
Estenose valvular, cálculo de área 266, 267 ventrículo esquerdo 108
Fórmula de Dodge 265 Hipertrofia e remodelamento 155
Fração de regurgitação 266 Hipertrofia miocárdica
Insuficiência valvular 266 anormalidades bioquímicas na 248
Massa ventricular 269 ativação adrenérgica na 159
Medida da massa ventricular 269, 270 benefícios e malefícios 157
Valor da medida do volume 265 características da 155, 156
Valores normais dos volumes cardíacos 265 descompensação na 163
Volumes cardíacos 264 e fluxo coronariano 158
Função ventricular e insuficiência cardíaca 161
características da 131 e proteínas G 185
curva de (ver curva) 128 efeito da carga cardíaca na 159, 160
explicação da isquemia na 215
G fisiológica 244
Glicogênio 74, 146, 198, 219 gênese da 155
Glicólise 74, 76, 222 hipóxia na 158
Glicose 74, 75, 146 modulação hormonal na 158
Glóbulos vermelhos (Ver hemácias) 69 regressão da 159
Graham, lei de 60 regulação da 158
Guanilatociclase 179, 186, 189 transição para a insuficiência 163
Guanosinamonofosfato cíclica (GMPc) 169, 171, Hiperventilação 59
178, 179, 186, 187, 189 Hipoventilação 67, 205
Guanosinatrifosfato 170, 172 Hipoxemia 67
Hipóxia 67
H diferença com isquemia 215
His, feixe de 102
Hemácias 69
Hematose 55 I
Hemoglobina 69
características da 69 Impedância, conceito de 36, 120, 127
conteúdo de 140 Índice cardíaco 140, 149
curva de dissociação da 72 Índice de trabalho sistólico 128
inativação da 77 Índice sistólico 140, 149
instabilidade da 69 Índice tempo-tensão 115, 202
liberação do oxigênio pela 73 Infarto do miocárdio
saturação em oxigênio da 71, 141 área de infarto e função ventricular 226
saturação normal de oxigênio da 72 circulação colateral e área de infarto 227
surgimento da 28 duração da oclusão e área de infarto 227
Hemoglobina e hemácias 69 efeito da reperfusão no 228
Henry, lei de 61 função ventricular no 228
Hill, modelo de 88, 130, 131, 290 perviedade da artéria e área de infarto 227
Hiperpolarização 90, 100, 101, 102, 172, 179, teoria da artéria aberta 227
218 Inotropismo (Ver Contratilidade) 130
Hipersimpaticotonia (Ver simpático) 160 Insuficiência aórtica 108, 157
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Insuficiência cardíaca 172, 185, 241 metabolismo nas síndromes isquêmicas 226, 230
alterações neuro-endócrinas na 164 morte celular 222
atenuação do comando adrenérgico na 160, 179 não-obstrutiva 215
conceito de 161, 228 pré-condicionamento isquêmico 224
concentração miocárdica de noradrenalina na 160 resposta miocárdica à 224
curva de função ventricular na 154 reversibilidade da 223
descompensada 69
diastólica 241, 242, 244, 247, 248 K
diferença com insuficiência miocárdica 228 Krebs, ciclo de 74, 75, 170, 221
e endotelina 208
e tono simpático 160, 161, 165, 179 L
estímulo compensatório na 192
expressão genica na 165 Laplace, lei de 41, 110, 111, 112, 115, 127,
fisiopatologia da 165 145, 157, 203, 260
graus de 229 limitações 114
mecanismos compensatórios na 228, 229 Laplace, lei de, e o coração 110
metabolismo miocárdico na 230 Linfáticos 46
Insuficiência cardíaca, bases ultra-estruturais da 161 características dos vasos 46
Insuficiência cardíaca na cardiopatia isquêmica 228 distribuição dos 46
Insuficiência miocárdica 124, 148, 161, 228, drenagem pelos 46, 47, 151
229, 241 fluxo pelos 46
Insuficiência mitral 157, 284 função dos 46
Insulina 222 Lusitrópico, efeito 95, 105, 130, 152
IP3 91, 172, 188, 206, 208, 226
Isoproterenol 172 M
Isquemia miocárdica Mecanorreceptores 183
atordoamento miocárdico 225 Meio intersticial 44, 47
causas de 199, 202, 203, 215 Membrana alvéolo-capilar 47, 48, 60, 62, 71,
compensação da 221 73
compensação da hipóxia miocárdica 218 Mensageiros celulares 169
contratura isquêmica 219 MET (Ver equivalente metabólico) 83, 150
de demanda 218 Metabolismo
de reperfusão 226 função do 75
de suplência 218 trocas pelo 27, 30, 34, 42, 44
desenvolvimento de circulação colateral na 219 Metaloproteinases 165
efeito da obstrução coronariana na 216 Miocárdica, isquemia, reversibilidade da 223
efeito sobre a diástole 239 Miocárdio (Ver coração)
efeitos da 219, 220, 221 ciclo contrátil do 92, 93
espasmo coronariano 218 consumo de oxigênio 200
extração de lactato na 211 cálculo do 200
heterogeneidade do fluxo na 217 determinantes do 202, 203
hibernação miocárdica 225 fatores que afetam a oferta 204, 205
infarto agudo do miocárdio 222 fatores que afetam o aporte 205
influência na diástole (relaxamento) 239 despolarização do 94, 96
insuficiência cardíaca na 228 diferenças com outros músculos 96, 132
metabolismo anaeróbico na 217, 222 efeito Anrep 97
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efeito Bowditch 97 efeito da distensão 185


hipertrofia do (Ver hipertofia miocárdica) 155 efeitos das catecolaminas 177
movimentos do cálcio 95 hiperpolarização 207
relaxamento do miócito 94, 95 mecanismos reativos 188
respostas características 97 vasoatividade 186
tipos de células 96
ultra-estrutura do N
actina 87, 88 Neuromodulação 174, 189
bomba de Na+ 89, 90 Neuropeptídeo Y 206
canais sarcolemais 88, 89, 90, 207 Neurotransmissores 169
cardiomiócito 85, 88, 100, 176, 177 Noradrenalina (Ver simpático)
citosol 87 ação da 135, 173, 190
conectina 88 metabolismo da 174
contração do cardiomiócito 88 neuromodulação da 174
despolarização do 89, 90, 99, 101 síntese e ação da 134, 173
efeito do comprimento do sarcômero 98, 154
matriz extracelular 86 O
miofibra 86
miosina 87, 88, 96 Opióides, efeitos no coração 179
mitocôndrias 86 Oxidação dos alimentos 73, 75
movimentos do cálcio 91 Óxido nítrico (Ver endotélio), ações do 186, 187,
receptor rianodina 87, 91 208
receptores sarcolemais 91 OXIGÊNIO, TRANSPORTE PARA AS CÉLULAS
retículo sarcoplasmático 87 DO 54
sarcolema 86 Oxigênio
sarcômero 86, 87, 88 consumo corporal de 54, 77, 142
tríade da contração-relaxamento 91 consumo de e trabalho cardíaco 146
tropomiosina 88, 92 consumo máximo de 78, 79, 80, 149
troponinas 88, 92 consumo miocárdico de 114, 115
Miocárdio, determinantes do consumo de oxigê- duplo produto 116
nio pelo 115 estresse parietal 116
Miocárdio, efeitos da isquemia sobre o 219 índice tempo-tensão 115
Miocárdio, peculiaridades contráteis do 96, 132 triplo produto 116
Miocárdio, peculiaridades metabólicas do 198 conteúdo e pressão de 76
Miocárdio, ultra-estrutura do 85 conteúdo sanguíneo do 71
Mioglobina 199 diferença artério-venosa coronariana de 200
Mioquinase 222 diferença artério-venosa de 73, 80, 140, 141,
Miosina 92 142, 144, 151, 168, 203
Miosina de cadeia leve 93, 172, 186 difusão do 31, 34, 76
Mitocôndrias 73, 77 difusão miocárdica do 198
Movimento browniano 30 difusão pulmonar do 60
Músculo liso vascular gradiente miocárdico de 198
ação do óxido nítrico sobre o 187 liberação da hemoglobina 73
ação vagal sobre o 179 oferta às células 142, 143
controle da vasomotilidade do 91, 172, 179, pressão parcial de 71
189 pressão tecidual de 73
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reserva cardiovascular de 143, 144 fatores que influenciam a 127


reserva miocárdica de 147 relação com a pré-carga 128
saturação da hemoglobina, fatores 71 variações da 127
transporte pelo sangue 69, 71, 79 Potássio, movimentos do 99, 101
utilização do 73 Pré-carga 123, 240
Oxigênio (Ver consumo pelo miocárdio) 115 conceito 123
Oxigênio, cascata de 70 gênese da pressão diastólica final 124
Oxigênio, consumo máximo de 78 gênese da pressão diastólica inicial 124
Oxigênio, fatores que afetam seu aporte para o mio- influência da complacência sobre a 125
cárdio 205 relação com a pós-carga 124, 126
Oxigênio, fatores que afetam seu consumo pelo mio- variações da 123
cárdio 202, 203 Pressão arterial
Oxigênio, fatores que afetam sua oferta para o mio- arteriolar 40
cárdio 204 controle da 182, 186
ações das angiotensinas 184
P agentes humorais 183
mecano e quimiorreceptores 183
Parassimpático, sistema 177 renina 183
Parassimpático, sistema (Ver acetilcolina) elasticidade arterial e 37
ação do 178 geração da 182
ação durante exercício 190 pressão de pulso 39
efeitos do 179 pressão diastólica 39
função do 177 pressão média 40
interação com o simpático 178 pressão sistólica 38
nervos 122 pressões na circulação pulmonar 51
receptores muscarínicos 178 pressões na circulação sistêmica 40
sinais inibidores do simpático 178 regulação da 40
tono vagal 179 Pressão parcial de gases 56
Peptídeo natriurético 124, 165, 209 Prinzmetal, angina de 218
Perfusão pulmonar 62 Proteínas G 170, 185, 209
artérias e arteríolas pulmonares 63 mecanismos de atuação 225
conceito de 62 Proteinoquinases 90, 169, 170
consumo máximo de oxigênio pela 80 Purkinje, fibras de 90, 100, 102
controle da vasculatura pulmonar 63, 64
fatores de aumento 63 Q
influência dos volumes pulmonares na 64
pressão vascular transmural 65 Quimiorreceptores, ação dos 57, 58, 181
pressões na artéria pulmonar 64 Quinase miosínica 172
vasos supranumerários 64 Quociente respiratório 82
Pericárdio, função do 236
Pinocitose 43 R
Piruvato 222 Radicais livres 73, 187, 226
Poiseuille, fórmula de 36, 185, 200, 216, 260 Receptor celular, conceito de 170
Pós-carga 127 Receptores e sinalizadores 168, 169, 170
cálculo da 128 Reflexos
conceito de 127 autóctonos 191
controle da 127 autonômicos 168, 171, 182
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barorreceptores 40, 163, 168, 176, 180 volume e distribuição 35


cardiopulmonares 182 Sanguíneo, volume e pressão arterial,
coronariano 203 controle dos 182
de Bainbridge 124 Sedentarismo 77, 78, 80, 151
hipóxico alveolar (Euler e Liljestrand) 67 SERCA 94, 96
mecanorreceptores 122, 124, 180, 183 Simpático, sistema (Ver adrenalina e noradrenali-
no exercício 63, 149, 189, 190 na) 171, 175
pulmonares 52, 57 ação dos receptores beta-adrenérgicos 170, 172
quimiorreceptores 55, 58, 168, 181, 183 ação durante exercício 176, 190
reguladores da freqüência cardíaca 122, 124 atenuação beta-adrenérgica 175
renina-angiotensina-aldosterona 182 biossíntese da noradrenalina 160
renorrenal 183 efeito alfa-adrenérgico 177
vasculares 40, 49 efeito beta-adrenérgico 177
Remodelamento (Ver hipertrofia e insuficiência) 157, efeito das catecolaminas 160
162, 164, 247 efeitos do estímulo prolongado 176
Renina-angiotensina-aldosterona, sistema 162, 163, função do 171
164, 182, 183, 184, 185, 192, 248 hiperatividade do 185
Reserva 142 nervos do 122
cardíaca, conceito 143 neurotransmissores 169
cardiovascular, conceito 143 papel na insuficiência cardíaca 160, 161, 165
de volume diastólico 145 receptor alfa-adrenérgico 172
de volume sistólico 145 receptores adrenérgicos 171, 172
Resistência vascular seqüência sinalizadora 172
cálculo da 36 tono aumentado 160
controle da 122, 185 Sinais transcricionais 151
coronariana 200, 201, 202, 205, 216 Sinergia 128
determinantes da 36 anormalidades da 129
nas veias 48 conceito de 128
nos pequenos vasos 37 Sinusal, nó 99, 102, 122
papel das arteríolas na 40, 41 Sistema nervoso autônomo 169
periférica, cálculo da 36 Sódio, movimentos do 99, 100
pulmonar 51, 63, 64
regulação da 182 T
Respiração, ciclos da 54 Tono vascular, regulação do 179, 185
Respiração, conceito 54 Treinamento físico (Ver exercício)
Respiração tecidual ou celular 73 Tronco cerebral 168
S V
Sangue Válvulas cardíacas 85
controle do volume de 182, 183 funcionamento das 110
distribuição do 48, 49, 190 Vasoconstrição, agentes de 40
fluxo laminar do 69 Vasodilatação, agentes de 40
fluxo sanguíneo 35 Vasopressina 40, 164, 182, 183, 184
redistribuição do 49 Veias 48
surgimento do 27 ação filtrante das 48
venoso misto 73, 141, 200 características das 48
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distribuição do sangue nas 49 influência da isquemia sobre a 125


pressões nas 48 relação com cardiopatia 126
resistência nas 48 Ventricular, volume e massa 264
retorno sanguíneo pelas 48, 49, 123, 124, Ventrículo direito
128, 145, 148, 150, 228 características do 106
volume sanguíneo nas 48 contração do 106
Ventilação pulmonar 54 hipertrofia do 156
aparelho ventilatório 55 importância funcional 107
árvore tráqueo-brônquica 54 Ventrículo esquerdo
conceito de 54 características do 108
consumo máximo de oxigênio pela 79 contração do 108, 109
controle da 57, 58 disposição muscular no 108, 109
desvios da 55 hipertrofia do 156
gases alveolares e sanguíneos 56 tensão interfascicular 109
resposta à hipóxia 58 Ventrículos, geometria funcional dos 106
ventilação alveolar 55, 70, 77 Vida, características da 27
volume minuto respiratório 55, 57 Vmax 131, 132, 133, 135, 290
Ventilação/perfusão, cociente 66 Volume sistólico
acoplamento 66 influência no débito cardíaco 168
alterações do 67 reserva de 144
reflexo hipóxico alveolar 67
zonas de West 66 W
Ventricular, complacência 124, 125, 145, 236 Wood, unidade 259
cálculo da 126

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