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01/01/24, 13:55 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 442-G/1999.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO INDIVISÍVEL
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 14-07-2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
- Tendo a prestação natureza fungível, a mera impossibilidade
subjectiva não constitui causa de extinção da obrigação.
- Consistindo a prestação devida na produção de um certo resultado –
no caso a edificação de um muro - pela conjugação de meios dos vários
obrigados, por isso vinculados aos inerentes deveres de colaboração e
cooperação que a boa fé no cumprimento da obrigação postula, só a
impossibilidade objectiva poderia extinguir o vínculo jurídico
estabelecido.
- O vínculo plural assim constituído pelo lado passivo configura uma
obrigação conjunta de objecto (prestação de facto positivo) indivisível
por natureza, dada a impossibilidade de repartição da prestação
debitória em fracções qualitativamente proporcionais entre si em
relação ao todo ou ao seu valor.
- Nessas obrigações, só de todos os devedores pode o credor exigir o
cumprimento da obrigação, independentemente das condições de que
cada um disponha para a realização da prestação devida.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA intentou acção executiva para prestação de facto, servindo de


título executivo sentença homologatória de transacção celebrada entre
as Partes, contra BB, CC, DD e Câmara Municipal de .../Município de
..., optando pela indemnização pelo prejuízo resultante da falta de
cumprimento, que liquidou em 15.353,00€.

O Executado DD deduziu oposição à execução, alegando que, como


acordado na transacção, incumbia à Câmara Municipal fornecer
atempadamente e no local, todos os materiais necessários e
imprescindíveis para a construção do muro, incumbindo-lhe também
facultar os serviços de máquinas e outros que se revelassem necessários
para tal construção, o que não sucedeu, apesar das insistências feitas
junto da Câmara. Porque só depois de o material se encontrar no local e
de serem abertas as fundações com o equipamento da mesma Câmara
poderia ter início a construção do muro, o que não foi disponibilizado
nem efectuado, tornou-se impossível ao Oponente-executado cumprir a
sua prestação.

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A Exequente contestou impugnando a invocada impossibilidade de


cumprimento.

A final a oposição improcedeu na totalidade, decisão que a Relação


revogou, absolvendo o Oponente do pedido formulado na acção
executiva.

A Exequente pede agora revista, visando a revogação do acórdão e o


prosseguimento da execução, ao abrigo da seguinte síntese conclusiva:
a. - O Recorrido – e os demais obrigados – nada edificaram em
cumprimento do clausulado na transacção homologada por sentença;
b. - Nenhuma diligência ou solicitação demonstraram ter efectuado
junto da CMP no sentido de esta fornecer ou disponibilizar os materiais
necessários à sua construção ou os serviços de máquinas ou mesmo de a
substituírem nessa posição;
c. - A obrigação exequenda não ficou dependente ou condicionada à
prestação de terceiros,
d. - O Recorrido podia e devia, querendo, fazer executar, no tempo
fixado, o muro, através da exigência da colocação dos materiais e meios
da CMP, a que também estava adstrita, ou em sua substituição, não
sendo ónus da Recorrente;
- Foram violados os arts. 397º, 398º, 405º-1, 562º, 601º e 807º C. Civil
e os arts. 802º e 933º CPC.

O Recorrido não ofereceu resposta.

2. - Vem definitivamente fixada a factualidade seguinte:

1. Por transacção judicial formalizada no âmbito da Acção Ordinária nº


442/99 - 3.° Juízo, homologada por sentença já transitada em julgado,
BB, CC e DD, obrigaram-se “solidariamente, a edificar um muro de
sustentação e apoio a terras do prédio da Autora”, ora Exequente,
respeitando a linha divisória dos prédios determinada e assinalada por
uma linha vermelha tirada dos pontos indicados sob os nºs 1, 2, 3 e 4,
representados no levantamento topográfico elaborado pelos Serviços
Técnicos da Câmara Municipal de ..., a fls. 70 dos autos de Acção
Ordinária nº 442/99;
2. Na referida transacção, a Câmara Municipal de ... obrigou-se “a
fornecer atempadamente e no local todos os materiais necessários e
imprescindíveis para a construção do muro em causa, e bem assim dos
serviços de máquina e dos meios necessários para aquele efeito”;
3. Na aludida transacção, o muro então a edificar teria “a sua conclusão
até ao dia 30.09.2003”;
4. O executado DD não procedeu à construção do muro de sustentação
e apoio de terras;
5. Só depois da Câmara Municipal disponibilizar o equipamento e o
material e este se encontrar no local da obra seria possível ao oponente
iniciar a construção da obra;

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6. Também só depois das fundações estarem abertas é que a construção


do muro poderia ter o seu início;
7. A Câmara Municipal de ... nunca disponibilizou qualquer máquina ou
equipamento para que se procedesse à abertura de fundações e ao
transporte de terras;
8. Para se averiguar das quantidades, materiais e equipamentos
necessários para a construção do muro bastariam os elementos e os
dados recolhidos nos autos e no terreno por técnicos de todos os
executados.

3. - Mérito do recurso.

3. 1. - A questão que se coloca é a de saber se o não cumprimento da


prestação a que o Oponente-executado se vinculou no contrato de
transacção não lhe é imputável, sendo-o, antes, à Câmara Municipal
que, por não fornecer os materiais e serviço de máquinas tornou
impossível o cumprimento da prestação pelo Oponente.

No acórdão impugnado considerou-se que se constituíram duas relações


jurídicas distintas perante a Exequente, sendo que a prestação do
Oponente não pode ser ainda exigida enquanto não tiver lugar a
disponibilização daquilo a que se obrigou a Câmara, por si ou pela
Exequente em sua substituição.

Diferentemente, na sentença da 1ª Instância, julgou-se que o facto de o


Executado não ter procedido à construção do muro só não lhe seria
imputável se tal omissão se tivesse ficado a dever à falta de
cumprimento da obrigação que incumbia à Câmara, o que não logrou
provar.

3. 2. - O fundamento invocado na oposição foi, como referido, a


impossibilidade da prestação do Oponente devida ao incumprimento
prévio do também Executado Município, que, por sua vez, não satisfez
a sua prestação de fornecimento dos materiais e dos serviços de
máquina.
Verificar-se-ia, assim, a extinção da obrigação do aqui Executado, que
se teria tornado impossível por causa imputável à omissão do Co-
Executado Município.
Impossibilidade superveniente, pois, por causa não imputável ao
devedor – art. 790º-1 C. Civil

Como resulta do pactuado entre as Partes, o Oponente e o Executado


BB obrigaram-se a edificar o muro para cuja construção a também
Executada Câmara Municipal se obrigou a fornecer os materiais
necessários e os serviços de máquina, fixando-se para a conclusão da
obra a data de 30 de Setembro de 2003.

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Declara-se no art. 762º C. Civil que “o devedor cumpre a obrigação


quando realiza a prestação a que está vinculado”.
Corresponde à actuação do devedor, no exercício do dever de prestar,
de satisfação do interesse do credor.
O cumprimento, enquanto realização pontual da prestação pelo devedor,
constitui o modo natural de extinção das obrigações.

No caso, não pode questionar-se o incumprimento da prestação, pois


que nenhuma obra foi feita em execução da edificação do muro que a
prestação dos Executados e a satisfação do interesse da Exequente
impunham.

A obrigação tinha prazo certo, conforme clausulado, prazo esse há


muito vencido.
A prestação não ficou subordinada à verificação de qualquer condição
cuja prova de verificação impendesse sobre o Exequente-credor, para
que a execução se tornasse possível – arts. 804º-1 C. P. C. e 270º C.
Civil.
A obrigação exequenda é, pois, face ao disposto nos art. 805º.2-a) e
817º C. Civil, exigível.

3. 3. - Como é entendimento generalizado, prestação torna-se


impossível quando, “por qualquer circunstância (legal, natural ou
humana), o comportamento exigível do devedor, segundo o conteúdo da
obrigação, se torna inviável, sendo a impossibilidade objectiva quando
a realização da prestação não possa ser efectuada por ninguém e
meramente subjectiva quando apenas o devedor a não pode executar
(A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, II, 6ª ed., 67).
Pacificamente aceite, também, face à norma do art. 791º C. Civil [a
impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igualmente a
extinção da obrigação, se o devedor, no cumprimento desta, não puder
fazer-se substituir por terceiro], que, tendo a prestação natureza
fungível, ou seja, podendo o devedor ser substituído por terceiro, só a
impossibilidade objectiva constitui causa de extinção da obrigação.

Convocando a concreta situação ajuizada, cremos ninguém pôr em


dúvida a fungibilidade da prestação a que se vinculou o Oponente, bem
como os demais Executados.
O que está em causa é, seguramente, a edificação do muro com as
características fixadas; - Consistindo a prestação na produção desse
específico resultado pela conjugação de meios dos vários obrigados, por
isso vinculados aos inerentes deveres de colaboração e cooperação que
a boa fé no cumprimento da obrigação postula, só a impossibilidade
objectiva poderia extinguir o vínculo jurídico estabelecido.

Ora, a matéria de facto provada não só não dá conta de impossibilidade


objectiva de realização da prestação como nem sequer reflecte a
realização de qualquer diligência do Oponente no sentido do
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suprimento ou de superação da alegada inércia dos demais Co-


obrigados, nomeadamente da Câmara Municipal.

3. 4. - De notar, ainda, com relevo para a solução da questão, que


aquele vínculo plural configura, a nosso ver, do lado passivo uma
obrigação conjunta e indivisível.

Com efeito, apesar de competir a diferentes devedores a realização de


parte da prestação comum, consistindo esta, como consiste, na
edificação do muro, não se vê como pudesse ou devesse a Exequente-
credora exigir a cada um dos Executados-devedores uma fracção dessa
prestação, satisfazendo desse modo, ainda que parcialmente, o seu
interesse. Parece, pois, que de nada valeria àquela obter da Câmara a
colocação dos materiais e das máquinas no local se simultânea e
subsequentemente o Oponente não executasse as tarefas que lhe
incumbiam no prosseguimento do objectivo comum.

O facto positivo objecto da prestação devida à Exequente não se


apresenta, pela sua própria natureza, como divisível, apesar das
distintas prestações dos devedores no concurso para a produção do
resultado a prestar.

Não concorrem, efectivamente, os requisitos de divisibilidade exigidos


pelo art. 534º C. Civil – possibilidade de repartição da prestação
debitória em fracções qualitativamente iguais ou proporcionais entre si
em relação ao todo ou ao seu valor – sem os quais a obrigação é
indivisível.

Por isso se entende que, conforme expressamente se estabelece no art.


535º-1 do citado diploma, só de todos os devedores poderia a ora
Exequente exigir o cumprimento da obrigação, independentemente das
condições de que cada um disponha para a realização da prestação
devida (cfr. A. VARELA, Ob. cit., I, 9ª ed., 838).

Restará acrescentar que, no caso, a indivisibilidade da prestação exibe


uma imagem com particular nitidez.

Referimo-nos à circunstância de a prestação de facto a que o(s)


Executado(s) se obrigara(m) ter sido, perante a situação de
incumprimento, logo convertida em prestação pecuniária
indemnizatória do dano sofrido com a não realização da obra - como,
em alternativa à execução específica, embora por outrem, como permite
o art. 933º-1 CPC -, sendo certo que o Executado-recorrido, na
oposição que deduziu, não só não impugnou o montante unitário da
indemnização, como não suscitou qualquer problema relativamente à
divisibilidade e/ou a valores das partes da prestação que poderiam caber
a cada um dos devedores, nomeadamente ao próprio Oponente.

Ora, não se vê como pudesse agora o Tribunal determinar a parte ou


quota do valor da prestação peticionada correspondente à
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responsabilidade indemnizatória/compensatória do Oponente, já que do


todo, como se viu, não pode ele liberar-se.

Também por esta via emerge afastada a pretendida exoneração do


Executado-oponente.

3. 5. - Conclui-se, como corolário do que se deixou expendido, que a


obrigação exequenda não só, por vencida, é exigível, como, pela sua
natureza de obrigação indivisível e fungível, se mantém em termos de
poder ser imposto ao Oponente o respectivo cumprimento,
designadamente por não ocorrer, como causa de extinção, a invocada
impossibilidade de cumprimento.

4. - Decisão.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em:


- Conceder a revista;
- Revogar o acórdão impugnado;
- Repor o sentenciado na 1ª Instância que, julgando improcedente a
oposição à execução, ordenou o prosseguimento da acção executiva
contra o Oponente, e,
- Condenar o Recorrido nas custas.

Lisboa, 14 Julho 2009

Alves Velho (relator)


Moreira Camilo
Urbano Dias

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