SEGURANÇA proposta em desfavor do SUPERINTENDENTE DE RECEITA ESTADUAL, todos devidamente qualificados nos autos. O impetrante sustenta suas argumentações dizendo que é sociedade empresários do comércio varejista de artigos de vestuário, acessórios e outros produtos próprios. Salienta que em razão de serem consumidoras finais de energia elétrica e de serviços de comunicação, arcam integralmente com o ônus do ICMS, em que pese tratarem-se de serviços essenciais. Afirma que motivado por interesses meramente arrecadatórios, o Estado de Goiás aplica alíquotas majoradas de 27% para a prestação do serviço de telecomunicações e operações de energia elétrica, o que viola frontalmente o princípio da seletividade (art. 155, §2º, III da CF/88). Após discorrer sobre o direito que entende lhe assistir, pediu a concessão da ordem “pagar ICMS incidente sobre a energia elétrica pela alíquota reduzida de 12% ou, subsidiariamente, não sendo esse o Vosso entendimento, pela alíquota geral de 17%, determinando à autoridade coatora que informe e autorize às empresas de fornecimento de energia elétrica que se submetam à sujeição passiva do imposto, a observar a alíquota de 12% ou 17% a título de ICMS na formação do preço final de seu produto à impetrante.” Requereu ainda a declaração do direito no tocante a restituição dos últimos 05 (cinco) anos, contados da propositura da demanda, a ser aproveitado do valor pago a maior ou compensado. Fez os demais pedidos de estilo e anexou documentos. Liminar indeferida. O Estado de Goiás apresentou sua “Contestação”, narrando os fatos e defendendo a insubsistência das argumentações iniciais, pugnando pela denegação da segurança. Os demais requeridos ratificaram expressamente a manifestação estatal. Com vistas para parecer final, a representante do Ministério Público entendeu pela não intervenção. Após, vieram-me os autos conclusos para prolação de sentença. É O RELATÓRIO. D E C I D O.
Compulsando os autos, vejo que a
presente demanda já encontra-se devidamente fundamentada, pronta para seu deslinde.
Ante a ausência de preliminares, passo a
análise meritória. Acerca do Mandado de Segurança, dispõe o artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal:
"Conceder-se-á mandado de segurança para
proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público". No mesmo norte, o artigo 1º, da Lei Federal nº 12.016/2009, apenas com algumas alterações redacionais. Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“O mandado de segurança, previsto no mesmo
art. 5º, LXIX e LXX, da Constituição, respectivamente consagradores das modalidades individual e coletivo, e regulado pela Lei 12.016, de 7.8.2009, é a providência sumamente expedita adequada para proteger direito líquido e certo não amparável por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder seja autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas.(Curso de Direito Administrativo, 27ª Edição, Editora Malheiros, p. 954).
Cinge-se a controvérsia posta a julgamento acerca da
possibilidade de redução da alíquota de ICMS incidente sobre energia elétrica e telecomunicações de 27% para 17%, sob a justificativa de observância do princípio da seletividade.
Cumpre esclarecer, inicialmente, que o Tribunais de
Justiça Goiano, seguindo os demais Tribunais Pátrios, ao deliberar sobre a matéria atinente à alíquota de ICMS incidente sobre serviços de energia elétrica e de comunicação, vinham aplicando, até então, o entendimento de que não cabia ao Poder Judiciário redefinir/equiparar alíquotas de tributos, atuando como legislador positivo em manifesto descompasso com a distribuição de competência definida na CF/1988: (TJGO, Apelação (CPC) 5043590-64.2017.8.09.0051, Rel. JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 22/02/2018, DJe de 22/02/2018); (TJGO, Apelação (CPC) 5043590-64.2017.8.09.0051, Rel. JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 22/02/2018, DJe de 22/02/2018); (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5522320-53.2019.8.09.0051, Rel. Des(a). BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO, 4ª Câmara Cível, julgado em 10/05/2021, DJe de 10/05/2021).
Não obstante, registro que, na data de 23/11/2021, o Supremo Tribunal
Federal concluiu o julgamento do mérito da repercussão geral reconhecida no Recurso Extraordinário nº 714.139/SC (Tema 745), ocasião em que, por maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso, para reconhecer o direito da impetrante ao recolhimento do ICMS incidente sobre a energia elétrica e serviços de telecomunicação, considerada a alíquota geral de 17%, conforme previsto na Lei estadual n.10.297/1996 de Santa Catarina. Vejamos:
"O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 745 da
repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário para, reformando o acórdão recorrido, deferir a ordem e reconhecer o direito da impetrante ao recolhimento do ICMS incidente sobre a energia elétrica e serviços de telecomunicação, considerada a alíquota geral de 17%, conforme previsto na Lei estadual nº 10.297/1996, salientando que os requisitos concernentes à restituição e compensação tributária situam-se no âmbito infraconstitucional, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Roberto Barroso.
E, em razão disto, foi fixada a seguinte tese:
Tema nº 745: Adotada pelo legislador estadual a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços. 6. Recurso extraordinário parcialmente provido. 7. Modulação dos efeitos da decisão, estipulando-se que ela produza efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvando-se as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (5/2/21)” Posteriormente, no julgamento do dia 18/12/2021, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da decisão do Recurso Extraordinário nº 714.139/SC, determinando o seguinte: “Em continuidade de julgamento, o Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão, estipulando que ela produza efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvando as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito (5/2/21), nos termos do voto ora reajustado do Ministro Dias Toffoli, redator para o acórdão, vencido o ministro Edson Fachin. plenário, sessão virtual de 10.12.2021 a 17.12.2021. Com efeito, tendo em vista que a presente demanda foi ajuizada em 15/07/2016, anterior ao início do julgamento do RE nº 714.139/SC (05/02/2021), há que se aplicar ao caso em comento a tese fixada sob o Tema 745. Cediço que a tributação por ICMS das operações envolvendo energia elétrica e serviços de telecomunicações, está regularmente prevista no art. 155, inciso II, e §3º da CF. Transcrevo in verbis: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (…) X – não incidirá (…) b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; (…) § 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País”. Pois bem. A Constituição Federal, ao disciplinar o Sistema Tributário Nacional estabelece uma série de princípios a serem observados pelo legislador, dentre eles o da essencialidade, devendo este ser observados no tocante ao ICMS e IPI. Transcrevo: Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (…) §2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…) III – Poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. Em razão, portanto, os Estados devem levar em conta a essencialidade do produto e/ou serviço, de forma que a alíquota poderá ser mais elevada para produtos e/ou serviços supérfluos, para desestimular o consumo, noutro lado, aqueles considerados essenciais poderão ter alíquotas mais baixas. Dessa forma, deve prevalecer a tese de que discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos serviços e bens. Demais disso, o direito à compensação de tributos pagos indevidamente nos 05 anos que antecederam a propositura da ação, não implica ofensa à Súmula 271 do STF. Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE
SEGURANÇA. DIREITO À COMPENSAÇÃO. DECLARAÇÃO. SÚMULA 213 DO STJ. VALORES RECOLHIDOS ANTERIORMENTE À IMPETRAÇÃO NÃO ATINGIDOS PELA PRESCRIÇÃO. APROVEITAMENTO. POSSIBILIDADE. 1. O provimento alcançado em mandado de segurança que visa exclusivamente a declaração do direito à compensação tributária, nos termos da Súmula 213 do STJ, tem efeitos exclusivamente prospectivos, os quais somente serão sentidos posteriormente ao trânsito em julgado, quando da realização do efetivo encontro de contas, o qual está sujeito à fiscalização pela Administração Tributária. 2. O reconhecimento do direito à compensação de eventuais indébitos recolhidos anteriormente à impetração ainda não atingidos pela prescrição não importa em produção de efeito patrimonial pretérito, vedado pela Súmula 271 do STF, visto que não há quantificação dos créditos a compensar e, por conseguinte, provimento condenatório em desfavor da Fazenda Pública à devolução de determinado valor, o qual deverá ser calculado posteriormente pelo contribuinte e pelo fisco no âmbito administrativo segundo o direito declarado judicialmente ao impetrante. 3. Esta Corte Superior orienta que a impetração de mandado de segurança interrompe o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de repetição de indébito, entendimento esse que, pela mesma ratio decidendi, permite concluir que tal interrupção também se opera para fins do exercício do direito à compensação declarado a ser exercido na esfera administrativa, de sorte que, quando do encontro de contas, o contribuinte poderá aproveitar o valor referente a indébitos recolhidos nos cinco anos anteriores à data da impetração. 4. Embargos de divergência providos. (EREsp 1770495/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/11/2021, DJe 17/12/2021) Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA declarar o direito do requerente no sentido de impor a incidência da alíquota geral de 17% sobre as operações envolvendo energia elétrica , bem como creditar os valores indevidamente recolhidos, nos 05 (cinco) anos anteriores a propositura desta demanda.
Transcorrido o prazo para a interposição
do recurso voluntário, arquivem-se os autos com as devidas cautelas. Custas na forma da lei. Deixo de fazer incidir verba honorária em razão da disposição do artigo 25 da Lei nº 12.016/2009. P.R.I.