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PROCESSO Nº 0249175.

09
SENTENÇA

Trata-se, na hipótese, de MANDADO DE


SEGURANÇA proposta em desfavor do SUPERINTENDENTE
DE RECEITA ESTADUAL, todos devidamente qualificados
nos autos.
O impetrante sustenta suas argumentações
dizendo que é sociedade empresários do comércio varejista de
artigos de vestuário, acessórios e outros produtos próprios.
Salienta que em razão de serem consumidoras
finais de energia elétrica e de serviços de comunicação, arcam
integralmente com o ônus do ICMS, em que pese tratarem-se de
serviços essenciais.
Afirma que motivado por interesses meramente
arrecadatórios, o Estado de Goiás aplica alíquotas majoradas de 27%
para a prestação do serviço de telecomunicações e operações de
energia elétrica, o que viola frontalmente o princípio da seletividade
(art. 155, §2º, III da CF/88).
Após discorrer sobre o direito que entende lhe
assistir, pediu a concessão da ordem “pagar ICMS incidente sobre a
energia elétrica pela alíquota reduzida de 12% ou, subsidiariamente,
não sendo esse o Vosso entendimento, pela alíquota geral de 17%,
determinando à autoridade coatora que informe e autorize às
empresas de fornecimento de energia elétrica que se submetam à
sujeição passiva do imposto, a observar a alíquota de 12% ou 17% a
título de ICMS na formação do preço final de seu produto à
impetrante.”
Requereu ainda a declaração do direito no
tocante a restituição dos últimos 05 (cinco) anos, contados da
propositura da demanda, a ser aproveitado do valor pago a maior ou
compensado.
Fez os demais pedidos de estilo e anexou
documentos.
Liminar indeferida.
O Estado de Goiás apresentou sua
“Contestação”, narrando os fatos e defendendo a insubsistência das
argumentações iniciais, pugnando pela denegação da segurança.
Os demais requeridos ratificaram
expressamente a manifestação estatal.
Com vistas para parecer final, a representante
do Ministério Público entendeu pela não intervenção.
Após, vieram-me os autos conclusos para
prolação de sentença.
É O RELATÓRIO.
D E C I D O.

Compulsando os autos, vejo que a


presente demanda já encontra-se devidamente
fundamentada, pronta para seu deslinde.

Ante a ausência de preliminares, passo a


análise meritória.
Acerca do Mandado de Segurança,
dispõe o artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal:

"Conceder-se-á mandado de segurança para


proteger direito líquido e certo, não amparado
por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando
o responsável pela ilegalidade ou abuso de
poder for autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de atribuições do
Poder Público".
No mesmo norte, o artigo 1º, da Lei Federal nº 12.016/2009,
apenas com algumas alterações redacionais.
Na lição de Celso Antônio Bandeira de
Mello:

“O mandado de segurança, previsto no mesmo


art. 5º, LXIX e LXX, da Constituição,
respectivamente consagradores das
modalidades individual e coletivo, e regulado
pela Lei 12.016, de 7.8.2009, é a providência
sumamente expedita adequada para proteger
direito líquido e certo não amparável por
habeas corpus ou habeas data, quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de
poder seja autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de atribuições
públicas.(Curso de Direito Administrativo, 27ª
Edição, Editora Malheiros, p. 954).

Cinge-se a controvérsia posta a julgamento acerca da


possibilidade de redução da alíquota de ICMS incidente sobre energia elétrica e
telecomunicações de 27% para 17%, sob a justificativa de observância do
princípio da seletividade.

Cumpre esclarecer, inicialmente, que o Tribunais de


Justiça Goiano, seguindo os demais Tribunais Pátrios, ao deliberar sobre a
matéria atinente à alíquota de ICMS incidente sobre serviços de energia elétrica e
de comunicação, vinham aplicando, até então, o entendimento de que não cabia
ao Poder Judiciário redefinir/equiparar alíquotas de tributos, atuando como
legislador positivo em manifesto descompasso com a distribuição de competência
definida na CF/1988: (TJGO, Apelação (CPC) 5043590-64.2017.8.09.0051, Rel.
JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 22/02/2018, DJe de
22/02/2018); (TJGO, Apelação (CPC) 5043590-64.2017.8.09.0051, Rel. JOSÉ
CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 22/02/2018, DJe de
22/02/2018); (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos ->
Apelação Cível 5522320-53.2019.8.09.0051, Rel. Des(a). BEATRIZ FIGUEIREDO
FRANCO, 4ª Câmara Cível, julgado em 10/05/2021, DJe de 10/05/2021).

Não obstante, registro que, na data de 23/11/2021, o Supremo Tribunal


Federal concluiu o julgamento do mérito da repercussão geral reconhecida
no Recurso Extraordinário nº 714.139/SC (Tema 745), ocasião em que, por
maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso, para reconhecer o direito da
impetrante ao recolhimento do ICMS incidente sobre a energia elétrica e serviços
de telecomunicação, considerada a alíquota geral de 17%, conforme previsto na
Lei estadual n.10.297/1996 de Santa Catarina. Vejamos:

"O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 745 da


repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário para,
reformando o acórdão recorrido, deferir a ordem e reconhecer o direito da
impetrante ao recolhimento do ICMS incidente sobre a energia elétrica e serviços
de telecomunicação, considerada a alíquota geral de 17%, conforme previsto na
Lei estadual nº 10.297/1996, salientando que os requisitos concernentes à
restituição e compensação tributária situam-se no âmbito infraconstitucional, nos
termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Gilmar
Mendes e Roberto Barroso.

E, em razão disto, foi fixada a seguinte tese:


Tema nº 745: Adotada pelo legislador estadual a técnica da seletividade em
relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),
discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia
elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em
geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços. 6. Recurso
extraordinário parcialmente provido. 7. Modulação dos efeitos da decisão,
estipulando-se que ela produza efeitos a partir do exercício financeiro de 2024,
ressalvando-se as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito
(5/2/21)”
Posteriormente, no julgamento do dia 18/12/2021, o Supremo Tribunal
Federal modulou os efeitos da decisão do Recurso Extraordinário nº
714.139/SC, determinando o seguinte:
“Em continuidade de julgamento, o Tribunal, por maioria,
modulou os efeitos da decisão, estipulando que ela
produza efeitos a partir do exercício financeiro de 2024,
ressalvando as ações ajuizadas até a data do início do
julgamento do mérito (5/2/21), nos termos do voto ora
reajustado do Ministro Dias Toffoli, redator para o acórdão,
vencido o ministro Edson Fachin. plenário, sessão virtual
de 10.12.2021 a 17.12.2021.
Com efeito, tendo em vista que a presente demanda foi ajuizada em
15/07/2016, anterior ao início do julgamento do RE nº 714.139/SC (05/02/2021),
há que se aplicar ao caso em comento a tese fixada sob o Tema 745.
Cediço que a tributação por ICMS das operações envolvendo energia
elétrica e serviços de telecomunicações, está regularmente prevista no art. 155,
inciso II, e §3º da CF. Transcrevo in verbis:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos
sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda
que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(…)
X – não incidirá
(…)
b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive
lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica;
(…)
§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste
artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações
relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo,
combustíveis e minerais do País”.
Pois bem. A Constituição Federal, ao disciplinar o Sistema Tributário
Nacional estabelece uma série de princípios a serem observados pelo legislador,
dentre eles o da essencialidade, devendo este ser observados no tocante ao
ICMS e IPI. Transcrevo:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos
sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações
de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda
que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(…)
§2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
III – Poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias
e dos serviços.
Em razão, portanto, os Estados devem levar em conta a essencialidade
do produto e/ou serviço, de forma que a alíquota poderá ser mais elevada para
produtos e/ou serviços supérfluos, para desestimular o consumo, noutro lado,
aqueles considerados essenciais poderão ter alíquotas mais baixas.
Dessa forma, deve prevalecer a tese de que discrepam do figurino
constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de
telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a
essencialidade dos serviços e bens.
Demais disso, o direito à compensação de tributos pagos
indevidamente nos 05 anos que antecederam a propositura da ação,
não implica ofensa à Súmula 271 do STF. Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE


SEGURANÇA. DIREITO À COMPENSAÇÃO. DECLARAÇÃO. SÚMULA
213 DO STJ. VALORES RECOLHIDOS ANTERIORMENTE À
IMPETRAÇÃO NÃO ATINGIDOS PELA PRESCRIÇÃO.
APROVEITAMENTO. POSSIBILIDADE. 1. O provimento alcançado em
mandado de segurança que visa exclusivamente a declaração do
direito à compensação tributária, nos termos da Súmula 213 do STJ,
tem efeitos exclusivamente prospectivos, os quais somente serão
sentidos posteriormente ao trânsito em julgado, quando da realização
do efetivo encontro de contas, o qual está sujeito à fiscalização pela
Administração Tributária. 2. O reconhecimento do direito à
compensação de eventuais indébitos recolhidos anteriormente à
impetração ainda não atingidos pela prescrição não importa em
produção de efeito patrimonial pretérito, vedado pela Súmula 271 do
STF, visto que não há quantificação dos créditos a compensar e, por
conseguinte, provimento condenatório em desfavor da Fazenda
Pública à devolução de determinado valor, o qual deverá ser
calculado posteriormente pelo contribuinte e pelo fisco no âmbito
administrativo segundo o direito declarado judicialmente ao
impetrante. 3. Esta Corte Superior orienta que a impetração de
mandado de segurança interrompe o prazo prescricional para o
ajuizamento da ação de repetição de indébito, entendimento esse
que, pela mesma ratio decidendi, permite concluir que tal interrupção
também se opera para fins do exercício do direito à compensação
declarado a ser exercido na esfera administrativa, de sorte que,
quando do encontro de contas, o contribuinte poderá aproveitar o
valor referente a indébitos recolhidos nos cinco anos anteriores à
data da impetração. 4. Embargos de divergência providos. (EREsp
1770495/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO,
julgado em 10/11/2021, DJe 17/12/2021)
Ante o exposto, CONCEDO A
SEGURANÇA declarar o direito do requerente no sentido de
impor a incidência da alíquota geral de 17% sobre as operações
envolvendo energia elétrica , bem como creditar os valores
indevidamente recolhidos, nos 05 (cinco) anos anteriores a
propositura desta demanda.

Transcorrido o prazo para a interposição


do recurso voluntário, arquivem-se os autos com as devidas
cautelas.
Custas na forma da lei. Deixo de fazer
incidir verba honorária em razão da disposição do artigo 25
da Lei nº 12.016/2009.
P.R.I.

Goiânia,

Zilmene Gomide da Silva Manzolli

Juíza de Direito

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