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25/01/23, 16:19 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra


Processo: 992/20.3T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROVA PERICIAL
SEU OBJETO
APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL
Data do Acordão: 11-05-2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JC CÍVEL DE
CASTELO BRANCO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 388º C. CIVIL.
Sumário: 1. - Interposta apelação quanto a diversos segmentos decisórios
(despacho saneador e, por outro lado, decisão de rejeição de meios
probatórios), em caso de não admissão do recurso quanto a um
desses segmentos e admissão quanto ao mais, deve o recorrente, se
discordar da não admissão recursiva, reclamar tempestivamente
para o tribunal competente, nos termos do art.º 643.º do NCPCiv.,
sob pena de consolidação daquela não admissão, obstando ao
conhecimento dessa parte da apelação.
2. - Embora a instrução tenha por objeto os temas da prova,
necessitados de prova são os factos controvertidos, pelo que é sobre
estes que os elementos de prova têm que incidir, com vista ao
apuramento da verdade, o que afasta a realização de prova quanto
a conteúdos meramente vagos ou a juízos conclusivos ou
valorativos.
3. - Por exigência legal imperativa, a prova pericial deve ter objeto
determinado, indicado pela parte requerente, com enunciação das
questões de facto a serem esclarecidas pelos peritos, sob pena de
rejeição, tendo em conta a finalidade de perceção ou apreciação de
factos que exijam conhecimentos especiais que o julgador não
possui.
4. - Sendo a força probatória das respostas dos peritos fixada
livremente pelo tribunal, não pode olvidar-se que se trata de prova
qualificada, de cariz técnico, científico ou artístico, devendo o
tribunal, em caso de divergência relativamente ao relatório
pericial, fundamentar a sua posição, enunciando as razões da sua
divergência, assim satisfazendo exigências de transparência, para
boa compreensão da decisão pelas partes e adequado controlo em
caso de recurso.
5. - O juiz deve indeferir o requerimento de prova pericial em caso
de impertinência – se a perícia não é reportada aos factos da causa
– ou caráter dilatório – se, embora com reporte a tais factos, o
respetivo apuramento não demanda os especiais conhecimentos
técnicos, científicos ou artísticos subjacentes àquela prova
específica, tornando-a desnecessária.

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6. - Fora desse horizonte não deve ser impedido o direito das partes
à prova lícita, ainda que de obtenção difícil, morosa ou dispendiosa,
por estar em causa o direito, constitucionalmente garantido, de
acesso ao direito e aos tribunais, com tutela jurisdicional efetiva,
designadamente na vertente da proibição da indefesa, e como
manifestação da exigência de um processo justo e equitativo, como
consagrado no art.º 20.º da CRPort..
7. - A necessidade da perícia, com adequadas razões de suporte,
deve ser evidenciada, ex ante, perante a 1.ª instância, e não, ex post
facto, no recurso da decisão desfavorável, por ser perante os dados
apresentados naquela instância que tem de decidir-se da
admissibilidade dos meios de prova.
8. - Pretendendo a parte o apuramento da quilometragem atual de
um veículo automóvel, a qual é, comummente, evidenciada pelo
conta-quilómetros da viatura, bastando a mera observação do
mesmo, deve concluir-se que não se mostra necessária a realização
de uma perícia para o efeito, por a averiguação respetiva não
demandar especiais conhecimentos técnicos, mormente se não
havia de averiguar-se quanto a viciação/falsificação do conta-
quilómetros, por não invocada no momento próprio, sendo tardia a
invocação apenas no recurso.

9. - Sendo requerida perícia contabilística, no intuito de apurar


quanto a decréscimo de faturação de uma sociedade, sem alegação
(no articulado correspondente) dos concretos factos a submeter à
prova técnica e sem enunciação (no requerimento de prova) das
questões de facto a esclarecer através das respostas dos peritos, tem
essa pretensão probatória de improceder, por indefinição do objeto
da perícia.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


I – Relatório
“W..., LDA.”, com os sinais dos autos,
intentou a presente ação declarativa comum contra
1.ª - “C..., LDA.” e
2.ª - “U..., LDA.”, ambas também com os sinais dos autos,
pedindo a condenação das RR. a:

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«a) Substituir o bem vendido por outro de iguais características e isento de


defeitos, nos termos do disposto nos art.ºs 914.º e ss. do CC;
Caso assim não se entenda,
b) A declarar a anulabilidade do negócio, por erro sobre os seus elementos
determinantes do seu objecto, repondo, a título de indemnização, os
valores que foram despendidos pela A., no valor total de €163.177,00
(cento e sessenta e três mil e cento e setenta e sete euros).;
Caso assim não se entenda,
c) A indemnizar a A. pelos danos emergentes do contrato, no valor de
€41.038,00 (quarenta e um mil e trinta e oito euros), acrescido dos danos
não patrimoniais a fixar em valor não inferior a €7.500,00 (sete mil e
quinhentos euros).
Valores sempre acrescidos de juros de mora, desde a data da citação até
efetivo e integral pagamento.».
Apresentando requerimento probatório – quanto a prova documental,
testemunhal e por declarações de parte –, alegou, em síntese:
- a existência entre as partes de um contrato de compra e venda, pelo qual
as RR. venderam à A., pelo preço acordado de € 99.300,00, integralmente
pago, um veículo automóvel pesado de passageiros, com garantia prestada
de bom funcionamento por um período de vinte e quatro meses, ou
150.000 kms., sendo, porém, que, desde a data de aquisição, a A. se tem
deparado com diversos vícios (de assistência durante a garantia, mecânicos
e elétricos) relativamente ao bem vendido, dos quais sempre reclamou;
- todavia, se alguns defeitos foram reparados, outros persistem ainda,
mesmo depois de várias reparações, tratando-se de vícios de
origem/fabrico, que desvalorizam a viatura vendida e, em alguns casos,
impossibilitam a sua utilização, com os inerentes prejuízos para a A.
(tempo de paralisação, contratação de terceiros para prestar os inerentes
serviços, perda de clientes);
- está esgotada a possibilidade de recurso a mais reparações, restando à A.
esta via judicial.
Contestaram conjuntamente as RR.:
- invocando a ineptidão da petição inicial;
- excecionando, no plano adjetivo, a ilegitimidade da R. “C...” e, no plano
substantivo, a “prescrição” e “caducidade” do direito de ação, bem como
a perda da garantia, por recusa da A. a realizar a manutenção/revisão dos
60.000 kms. na “C..., Lda.”, para além do abuso do direito e do
enriquecimento sem causa;
- impugnando diversa factualidade alegada pela A., designadamente
quanto ao tempo de imobilização da viatura e aos prejuízos reclamados

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por paralisação da mesma, e invocando que aquela litiga com manifesta


má-fé processual;
- tudo para concluir pela absolvição da instância da R. “C...” e, em
qualquer caso, pela improcedência da ação, com condenação da A., como
litigante de má-fé, em multa e em indemnização a favor das RR., esta
última não inferior a 20 UCs..
Apresentaram, então, requerimento probatório, quanto a prova por
depoimento e declarações de parte(s), documental, testemunhal e, ainda,
pericial, âmbito este em que impetraram assim:
«I- Requer-se a realização de prova pericial ao veículo da A. para se apurar
os quilómetros atuais da mesma. Para prova do art. 186º da Contestação.
Peritagem, essa, a realizar por perito único a nomear pelo Tribunal.
II- Requer-se a realização de prova pericial à escrita da A., para apurar o
decréscimo da sua facturação desde Março de 2020 até à presente data,
em relação aos períodos de Março de 2018 e Fevereiro de 2019, e de
Março de 2019 a Fevereiro de 2020. Destinando a peritagem requerida,
provar os factos vertidos no art. 179º a 184º da Contestação.
Indicando-se como seu perito: (…).».
Atuado o princípio do contraditório quanto ao aduzido na contestação e
dispensada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, julgando
improcedente a invocada ineptidão, tal como a exceção de ilegitimidade
processual passiva, e relegando o mais para conhecimento a final – uma
vez entendido que “Não existem quaisquer outras nulidades, excepções ou
questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do
mérito da causa” –, termos em que logo se fixou também o objeto do
litígio, enunciando-se os temas de prova, após o que se decidiu quanto à
admissibilidade das provas requeridas.
E, relativamente à prova pericial, foi proferida a seguinte decisão (datada
de 08/02/2021):
«No seu articulado de contestação as Rés solicitaram a realização de uma
perícia ao veículo adquirido pela Autora, a fim de se apurar a
quilometragem que o mesmo apresenta actualmente, tendo em vista a
demonstração da matéria alegada no artigo 186º da contestação.
Por outro lado, as Rés solicitaram ainda “a realização de prova pericial à
escrita da A., para apurar o decréscimo da sua facturação desde Março de
2020 até à presente data, em relação aos períodos de Março de 2018 e
Fevereiro de 2019, e de Março de 2019 a Fevereiro de 2020. Destinando a
peritagem requerida a provar os factos vertidos no art. 179º a 184º da
Contestação”.
Antes de mais, é relevante atender ao disposto no artigo 388º do Código
Civil, nos termos do qual “a prova pericial tem por fim a percepção ou
apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários

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conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os


factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Deste modo, não poderá deixar de se referir, em primeiro lugar, que a
actual quilometragem do veículo de matrícula ... consubstancia um facto
que pode ser apreendido através da mera observação do conta-
quilómetros do veículo em causa, o que não exige os especiais
conhecimentos técnicos susceptíveis de fundamentar a realização de um
exame pericial.
O mesmo sucede no que respeita ao invocado “decréscimo de
facturação”, já que o mesmo pode ser imediatamente detectado através do
simples confronto entre os elementos contabilísticos da sociedade Autora
referentes aos períodos indicados pelas Rés.
Em conformidade com o disposto no artigo 476º, n.º 1, do CPC, “se
entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a
parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou
propor a sua ampliação ou restrição”.
Como salientam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “requerida a perícia
– (…) –, o juiz verificará se ela é impertinente, por não respeitar aos factos
da causa, ou dilatória, por, respeitando embora aos factos da causa, o seu
apuramento não requerer o meio da prova pericial, por não exigir os
conhecimentos especiais que esta pressupõe (art. 388º CC). Sendo a
diligência impertinente ou dilatória, o juiz indefere-a e o despacho de
indeferimento é recorrível nos termos gerais.”.
Deste modo, por não se mostrarem necessárias para a demonstração dos
factos indicados pelas Rés, não poderá ser determinada a realização de
nenhuma das perícias requeridas.
Em face do exposto, nos termos e com os fundamentos indicados, decido
indeferir a realização das perícias requeridas pelas Rés em sede de
contestação.» (cfr. o certificado nos autos).
Inconformadas com o decidido, vieram as RR. interpor recurso,
apresentando alegação, onde formulam as seguintes
Conclusões:
...
Foi junta contra-alegação recursiva, concluindo a A. pelo não provimento
do recurso, de molde a manter-se a decisão recorrida.
O recurso foi admitido, “na parte que diz respeito ao despacho de
indeferimento das perícias requeridas”, como de apelação, com efeito
meramente devolutivo e subida imediata e em separado, tendo sido
ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foi mantido
tal regime recursório.
Porém, foi proferido despacho de não admissão quanto ao mais, assim se
decidindo “não admitir o recurso interposto pelas Rés relativamente ao
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despacho saneador proferido no âmbito dos presentes autos”, perante o


que não foi deduzida reclamação contra o indeferimento a que alude o art.º 643.º
do NCPCiv..
Foi ainda tomada posição pela 1.ª instância, no sentido do indeferimento,
relativamente à “arguição de nulidade efectuada pelas Rés nas suas
alegações de recurso” (cfr. decisão datada de 07/04/2021).
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do subsistente
mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
II – Âmbito do Recurso
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões,
pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados –
como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o
objeto e delimitam o âmbito do recurso ([1]), nos termos do disposto nos art.ºs
608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –,
está em causa saber, somente:
a) Se a não admissão do recurso quanto a um dos segmentos decisórios
recorridos (primeira parcela recursiva, como enunciado nas conclusões 1.ª
a 17.ª das Recorrentes) se tornou definitiva por falta de reclamação para a
Relação (a que alude o art.º 643.º do NCPCiv.), impedindo, por isso, o
conhecimento dessa vertente da apelação;
b) Se há, ou não, fundamento válido para a decretada não admissão da
prova pericial (segunda parcela recursiva, constante das conclusões 18.ª e
segs. das Recorrentes).
III – Fundamentação
A) Da factualidade apurada
O factualismo a considerar para decisão do recurso é o supra
aludido, em sede de relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que
se acrescenta apenas o seguinte (de acordo com a tramitação operada em
1.ª instância):
1. - Quanto ao objeto do litígio, consignou-se o seguinte:
«a. O direito da Autora à substituição do veículo de matrícula ... por outro
de idênticas características;
b. Subsidiariamente, a anulabilidade do contrato de compra e venda
referente ao veículo de matrícula ... e o direito da Autora ao recebimento
da quantia de €163.177,00;
c. Subsidiariamente, o direito da Autora ao recebimento das quantias de
€41.038,00 e €7.500,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais
e não patrimoniais por si sofridos;
d. A prescrição e a caducidade dos direitos invocados pela Autora;
e. O abuso do direito da Autora.»;
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2. - Já quanto aos temas da prova foi enunciado assim:


«a. A intervenção de cada uma das Rés ao nível da celebração do contrato
de compra e venda referente ao veículo de matrícula ... e da reparação do
mesmo;
b. A que título teve lugar a intervenção de cada uma das Rés nesse âmbito;
c. Os defeitos apresentados pelo veículo de matrícula ... e as circunstâncias
em que os mesmos foram detectados e denunciados pela Autora;
d. As reparações efectuadas e os atrasos verificados ao nível da
manutenção do veículo;
e. A imobilização do veículo de matrícula ... em consequência dos defeitos
e atrasos invocados pela Autora;
f. Os danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos pela
Autora;
g. O acordo firmado pelas partes a propósito das reparações e das
revisões obrigatórias do veículo e as circunstâncias em que estas foram
realizadas;
h. O exercício abusivo do direito invocado pela Autora;
i. A litigância de má fé da Autora.»;
3. - Não foi deduzida reclamação contra o indeferimento a que alude o
art.º 643.º do NCPCiv.;
4. - À causa foi fixado o valor de €122.139,00 (cfr. certidão judicial datada
de 08/04/2021, que instrui o recurso).
B) Do caráter definitivo do despacho de não admissão de
parcela recursória
Como visto, foi proferido despacho de não admissão do recurso interposto
relativamente ao despacho saneador, na parte em que neste se decidiu não
haver “quaisquer outras nulidades, excepções ou questões prévias que
cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa”.
Por isso, perante uma tal dimensão decisória de não admissão do recurso,
podiam as Recorrentes reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer
no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão, isto é, para este Tribunal
da Relação, nos moldes previstos no art.º 643.º do NCPCiv..
Porém, constata-se que não foi deduzida a reclamação contra o indeferimento a
que alude o art.º 643.º do NCPCiv. (cfr., designadamente, a aludida
certidão judicial datada de 08/04/2021).
Não admitido o recurso, nesta parte, e não se mostrando que tenha havido
reclamação para a Relação da decisão de não admissão, consolidada ficou,
por isso, a decisão de rejeição da respetiva parcela recursiva, não cabendo
conhecer dessa parte da impugnação/apelação.

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Donde que só possa entender-se – como assim se entende, salvo sempre o


devido respeito – que está arrumada, definitivamente, esta parcela
recursiva, prejudicadas ficando as questões neste âmbito enunciadas ([2]).
C) Da errada decisão de rejeição de meio(s) de prova
Como já visto, foi proferida decisão de não admissão de duas perícias
requeridas pelas RR., tratando-se, como dito na decisão recorrida, de «uma
perícia ao veículo adquirido pela Autora, a fim de se apurar a
quilometragem que o mesmo apresenta actualmente, tendo em vista a
demonstração da matéria alegada no artigo 186º da contestação» e de
«prova pericial à escrita da A., para apurar o decréscimo da sua facturação
(…). Destinando a peritagem requerida, provar os factos vertidos no art.
179º a 184º da Contestação».
Na fundamentação da decisão recorrida, foi eleita – relembra-se ainda – a
seguinte argumentação decisiva, a apontar para a “desnecessidade” destas
provas ([3]):
«(…) a actual quilometragem do veículo (…) consubstancia um facto que
pode ser apreendido através da mera observação do conta-quilómetros do
veículo em causa, o que não exige os especiais conhecimentos técnicos
susceptíveis de fundamentar a realização de um exame pericial.
O mesmo sucede no que respeita ao invocado “decréscimo de
facturação”, já que o mesmo pode ser imediatamente detectado através do
simples confronto entre os elementos contabilísticos da sociedade Autora
referentes aos períodos indicados pelas Rés.».
Para aferir da apontada desnecessidade probatória, deve começar por atentar-se
na factualidade concreta a provar.
Ora, sob os artigos em discussão da contestação (186.º e, por outro lado,
179.º a 184.º), as RR. alegaram o seguinte lastro fáctico:
«179º Os reais motivos que movem a A. na presente acção são bem
diferentes.
180º Assim, a A. após ter utilizado intensamente tal viatura quase 2 anos e
meio, e após ter terminado a garantia, e atendendo à grave crise
económica que o sector dos transportes turísticos atravessa desde Março
de 2020, fruto da pandemia do Covid- 19, e como tal a sua empresa.
181º Com a consequente quebra de rendimentos daí resultantes.
182º Pretende, agora, a A. abusivamente resolver o contrato que outorgou
com a R. U..., Lda., tendo por objecto o veículo automóvel com a
matrícula ...
183º Sendo que, o que antes serviu, agora passa a não servir, após uma
utilização intensa durante quase dois anos e meio.
184º Pois, a actividade da A., deixou de ser tão lucrativa como o era até
Março de 2020.
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185º Pretendendo a A., a restituição do preço pago acrescido de Iva e


ainda os juros suportados pelo empréstimo contraído para tal aquisição.
186º Ou um veículo novo, após utilizar intensamente o veículo que
comprou à R. U..., Lda., desde 01/03/2018 até à presente data.».
É bem sabido que a (parte fáctica da) sentença deve versar sobre
(concretos) factos, como logo decorre do disposto no art.º 607.º, n.ºs 3 a 5,
do NCPCiv., devendo o juiz “discriminar os factos que considera
provados”, declarando “quais os factos que julga provados e quais os que
julga não provados” e apreciando “livremente as provas segundo a sua
prudente convicção acerca de cada facto”, pelo que as conclusões e
valorações jurídicas ficam reservadas para a fundamentação de direito, não
havendo de sobre elas se produzir prova, por destituídas de concreta
dimensão fáctica.
Assim, embora a instrução tenha por objeto os temas da prova (art.º 410.º
do NCPCiv.), certo é que necessitados de prova são os factos
controvertidos, pelo que é sobre estes que os elementos de prova têm que
incidir, com vista “ao apuramento da verdade”, sempre, pois, “quanto aos
factos” alegados (cfr. art.ºs 411.º e segs. do mesmo Cód.).
Aliás, se dúvidas houvesse, elas sempre seriam dissipadas pelo disposto na
norma clara do art.º 341.º do CCiv., estabelecendo que as provas – todas
elas – “têm por função a demonstração da realidade dos factos”.
E é conhecido o âmbito admissível e a finalidade da prova pericial.
Esta tem sempre um determinado objeto, indicado pela parte requerente –
podendo a contraparte contribuir para a sua definição –, sujeito à
determinação do juiz, com enunciação das “questões de facto” a deverem
ser esclarecidas pelos peritos, isto é, com reporte sempre a factos,
independentemente de terem sido alegados pelo requerente ou pela parte
contrária (cfr. art.ºs 475.º e seg. do NCPCiv.).
Quanto à finalidade, dispõe o art.º 388.º do CCiv. que a prova pericial tem por
fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários
conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a
pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial ([4]).
Já quanto à força probatória, estabelece o art.º 389.º do CCiv. que a “força
probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”,
sem esquecer, obviamente, que se trata de prova de cariz técnico,
científico ou artístico, logo, prova qualificada, devendo o Tribunal, em caso
de divergência face às respostas dos peritos, fundamentar a sua posição,
enunciando as razões da sua divergência, assim satisfazendo
exigências/razões de indispensável transparência, para boa compreensão
pelas partes e adequado controlo em caso de recurso ([5]).
Por outro lado, retira-se, por argumento a contrario, do preceito do art.º
476.º, n.º 1, do NCPCiv., que o juiz deve indeferir a diligência probatória,

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rejeitando o meio de prova (perícia), se entender que tal diligência é


“impertinente” ou “dilatória”.
E, como vem sendo entendido, a prova pericial «é impertinente» se «não
respeitar aos factos da causa», sendo, por outro lado, «dilatória» se, «não
obstante respeitar aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o
meio de prova pericial, por não estarem em causa conhecimentos especiais
que a mesma pressupõe» ([6]), tornando tal prova desnecessária, sabido até
que é proibida no processo, à luz do princípio da limitação dos atos, a
prática de atos inúteis (art.º 130.º do NCPCiv.).
Fora desse horizonte, não deve ser impedido o direito das partes à prova
lícita ([7]), ainda que de obtenção difícil, morosa ou dispendiosa, por estar
em causa o direito, constitucionalmente garantido, de acesso ao direito e
aos tribunais, com tutela judicial efetiva, designadamente na vertente da
proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de um processo
justo e equitativo, tudo como consagrado no art.º 20.º da CRPort. ([8]).
A esta luz, vejamos então as duas perícias requeridas, na perspetiva da sua
necessidade ou, ao invés, do seu caráter dilatório, por o apuramento
pretendido não requerer o meio de prova pericial, não estando em causa
conhecimentos especiais que o julgador não possua.
A primeira daquelas perícias reporta-se, como dito, ao veículo automóvel
(pesado de passageiros) adquirido pela A., com a finalidade de se apurar a
respetiva quilometragem atual, para demonstração da matéria alegada no
art.º 186.º da contestação, onde as RR., sob invocação de pretensão
abusiva da A., alegaram que esta pretende, afinal (oportunisticamente), um
veículo novo, após ter utilizado intensamente o veículo em causa, desde 01/03/2018 e
até ao presente.
Ora, perante esta conformação jurídico-factual, o que importa saber, no
plano fáctico – aquele a que respeita a prova –, é apenas a dita
“quilometragem atual” da referida viatura automóvel, em face do que, já
no plano valorativo/conclusivo, se poderá, depois, aferir se houve, ou não,
a imputada “utilização intensiva” (por comparação com a quilometragem
ao tempo da venda/entrega).
Tal quilometragem é, comummente, evidenciada pelo conta-quilómetros
da viatura, bastando que se olhe para ele (com o olhar de um
qualquer/normal observador), seja, pois, através do olhar das
testemunhas, seja mesmo, se necessário, mediante inspeção judicial.
Por isso, concorda-se que não se mostra necessária a realização de uma
perícia para o efeito, por a averiguação respetiva não demandar especiais
conhecimentos técnicos, antes bastando (saber) ler algarismos/números
(os disponibilizados pelo próprio veículo, no seu dito conta-quilómetros).
Já assim não seria se houvesse de averiguar-se quanto a alguma eventual
viciação/falsificação do conta-quilómetros da viatura, caso em que só um
técnico/perito na matéria poderia apurar dessa viciação/falsificação (e da
quilometragem real, por detrás da manipulada/alterada).
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Porém, nem na factualidade assim alegada (aquela que se pretende provar)


nem no correspondente requerimento probatório, a parte (RR.) veio
invocar tal viciação/falsificação, ou sequer a possibilidade da sua
existência, só o fazendo, a posteriori, agora nas razões do seu interposto
recurso, em derradeiro esforço perante o não acolhimento da sua
pretensão de ordem probatória.
Todavia, a necessidade da perícia, com adequadas razões de suporte,
haveria de ter sido evidenciada, ex ante, perante a 1.ª instância, e não, ex
post facto, no recurso da decisão desfavorável, posto ser, como é consabido,
perante os dados apresentados ao Tribunal a quo que, obviamente, teria de
decidir-se (no âmbito normativo do aludido art.º 476.º, n.º 1, do
NCPCiv.).
Assim sendo, ficou por demonstrar, salvo o devido respeito, a necessidade
da requerida prova pericial, com a consequência de haver de ter-se por
correto o juízo de desnecessidade formulado na decisão recorrida, a não
dever, então, ser alterado.
Por sua vez, a segunda perícia requerida reporta-se, como visto, à análise
da escrita/contabilidade da sociedade A., no intuito de apurar quanto ao
decréscimo da sua faturação, em períodos temporais determinados, para
prova quanto aos factos alegados sob os art.ºs 179.º a 184.º da
Contestação, pelo que é quanto a estes que cabe ponderar.
Tratar-se-ia, então, de saber, no plano fáctico, se ocorreu, e em que
medida, um tal «decréscimo de faturação», sendo certo que cabia à parte
requerente (as RR.), logo ao requerer a perícia, indicar concretamente, «sob
pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que
pretende ver esclarecidas através da diligência» (cfr. art.º 475.º, n.º 1, do
NCPCiv.).
Porém, naqueles art.ºs 179.º e segs. da contestação não se alude a qualquer
caraterizado «decréscimo de faturação», mas apenas a «motivos que
movem a A.», a “utilização intensa da viatura”, à “grave crise económica,
fruto da pandemia” e «consequente quebra de rendimentos» (da A.), pelo
que «a actividade da A., deixou de ser tão lucrativa como o era até Março
de 2020».
Perante isto, cabe perguntar: onde estão os concretos factos alegados e
carecidos de prova técnica (em sede de articulado de contestação) e as
questões de facto que se pretende ver esclarecidas através da perícia
contabilística (em sede de requerimento de prova)?
Ora, como mencionado, falta a descrição desses concretos factos nos
invocados artigos da contestação, tal como falta, do mesmo modo, no
requerimento probatório, a clarificação das questões de facto a esclarecer
pelos peritos ([9]).
Donde que sempre houvesse esta pretensão de aquisição probatória de
naufragar, sem prejuízo da diagnosticada “desnecessidade” à luz de tão

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genérica definição quanto à materialidade fáctica probanda e inerentes


questões de facto.
Por fim, cabe dizer que, como salientado pela contraparte (na resposta ao
recurso), as RR. vieram depois formular aditamento ao seu requerimento
probatório, onde esclareceram o seguinte:
«1º As RR. mantêm integralmente, o teor do seu requerimento probatório
junto à Contestação, que dão como reproduzido.
2º Sem prejuízo de ser interposto recurso do douto despacho que
indeferiu a realização das provas periciais, desde já, por mera cautela, nos
termos do art. 598.º nº 1 e 593º nº 3 ambos do Cód. Proc. Civil, requer-se
a produção da seguinte prova documental, para prova do alegado nos arts.
179º a 184º da Contestação:
a) A notificação da A. a fim de juntar aos autos os seguintes documentos:
i. As facturas que emitiu desde Março de 2020 até à presente data;
ii. As facturas que emitiu de Março de 2018 e Fevereiro de 2019, e de
Março de 2019 a Fevereiro de 2020.
iii. Os Balancetes analíticos (em que conste as contas 21 e 22 detalhadas),
dos anos de 2018, 2019, 2020, 2021.
iv. Os IES dos anos de 2018, 2019, 2020, 2021.
v. As Declarações de IVA dos anos de 2018, 2019, 2020, 2021.».
Ora, se deste aditamento ao requerimento probatório, em adequada
leitura, não pode retirar-se, por infundada e desproporcional, uma “tácita
conformação das RR. com a decisão de indeferimento das diligências
probatórias”, em termos de perda do direito ao recurso, à luz do
normativo convocado pela A./Recorrida (art.º 632.º, n.º 2 e 3, do
NCPCiv., por via de invocada aceitação da decisão depois de proferida), já
que, como referido pelo Tribunal a quo (no despacho de admissão do
recurso), «o requerimento de prova entretanto apresentado (cfr. referência
n.º ...) não consubstancia qualquer aceitação da decisão proferida quanto
ao indeferimento das perícias requeridas», posto as Apelantes terem
deixado bem expresso que mantinham integralmente o teor do seu requerimento
probatório junto à Contestação, dando-o como reproduzido, e que agiam sem prejuízo
da interposição de recurso do despacho de indeferimento da realização das provas
periciais, já pode concluir-se, por outro lado, que a aquisição de tal
diversificada prova documental permitirá, no plano contabilístico (apenas
de faturação), satisfazer a pretensão probatória em questão, de molde a
reforçar a desnecessidade da requerida perícia contabilística, podendo o
Julgador, por si mesmo, analisar/apreciar essa prova documental ([10]),
para o que, sem necessidade de entrar na apreciação de questões técnicas
só ao alcance dos peritos em contabilidade, dispõe de um nível de
conhecimento bastante, sem prejuízo, se necessário (à luz do escopo da
descoberta da verdade e boa decisão da causa ou, por outras palavras, da
“justa composição do litígio”, fim último do processo, de harmonia com o
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disposto no art.º 411.º do NCPCiv.), de poder vir a socorrer-se, em


audiência final, de ajuda técnica (no quadro do art.º 601.º do mesmo
Cód.).
Em suma, o admitido recurso deve improceder, com manutenção da
decisão recorrida (de rejeição de requerimentos de prova pericial).
IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
1. - Interposta apelação quanto a diversos segmentos decisórios (despacho
saneador e, por outro lado, decisão de rejeição de meios probatórios), em
caso de não admissão do recurso quanto a um desses segmentos e
admissão quanto ao mais, deve o recorrente, se discordar da não admissão
recursiva, reclamar tempestivamente para o tribunal competente, nos
termos do art.º 643.º do NCPCiv., sob pena de consolidação daquela não
admissão, obstando ao conhecimento dessa parte da apelação.
2. - Embora a instrução tenha por objeto os temas da prova, necessitados
de prova são os factos controvertidos, pelo que é sobre estes que os
elementos de prova têm que incidir, com vista ao apuramento da verdade,
o que afasta a realização de prova quanto a conteúdos meramente vagos
ou a juízos conclusivos ou valorativos.
3. - Por exigência legal imperativa, a prova pericial deve ter objeto
determinado, indicado pela parte requerente, com enunciação das
questões de facto a serem esclarecidas pelos peritos, sob pena de rejeição,
tendo em conta a finalidade de perceção ou apreciação de factos que
exijam conhecimentos especiais que o julgador não possui.
4. - Sendo a força probatória das respostas dos peritos fixada livremente
pelo tribunal, não pode olvidar-se que se trata de prova qualificada, de
cariz técnico, científico ou artístico, devendo o tribunal, em caso de
divergência relativamente ao relatório pericial, fundamentar a sua posição,
enunciando as razões da sua divergência, assim satisfazendo exigências de
transparência, para boa compreensão da decisão pelas partes e adequado
controlo em caso de recurso.
5. - O juiz deve indeferir o requerimento de prova pericial em caso de
impertinência – se a perícia não é reportada aos factos da causa – ou
caráter dilatório – se, embora com reporte a tais factos, o respetivo
apuramento não demanda os especiais conhecimentos técnicos, científicos
ou artísticos subjacentes àquela prova específica, tornando-a
desnecessária.
6. - Fora desse horizonte, não deve ser impedido o direito das partes à
prova lícita, ainda que de obtenção difícil, morosa ou dispendiosa, por
estar em causa o direito, constitucionalmente garantido, de acesso ao
direito e aos tribunais, com tutela jurisdicional efetiva, designadamente na
vertente da proibição da indefesa, e como manifestação da exigência de
um processo justo e equitativo, como consagrado no art.º 20.º da CRPort..
7. - A necessidade da perícia, com adequadas razões de suporte, deve ser
evidenciada, ex ante, perante a 1.ª instância, e não, ex post facto, no recurso
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da decisão desfavorável, por ser perante os dados apresentados naquela


instância que tem de decidir-se da admissibilidade dos meios de prova.
8. - Pretendendo a parte o apuramento da quilometragem atual de um
veículo automóvel, a qual é, comummente, evidenciada pelo conta-
quilómetros da viatura, bastando a mera observação do mesmo, deve
concluir-se que não se mostra necessária a realização de uma perícia para
o efeito, por a averiguação respetiva não demandar especiais
conhecimentos técnicos, mormente se não havia de averiguar-se quanto a
viciação/falsificação do conta-quilómetros, por não invocada no
momento próprio, sendo tardia a invocação apenas no recurso.
9. - Sendo requerida perícia contabilística, no intuito de apurar quanto a
decréscimo de faturação de uma sociedade, sem alegação (no articulado
correspondente) dos concretos factos a submeter à prova técnica e sem
enunciação (no requerimento de prova) das questões de facto a esclarecer
através das respostas dos peritos, tem essa pretensão probatória de
improceder, por indefinição do objeto da perícia.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, julgando
improcedente, no âmbito admitido, a apelação, em confirmar a decisão
recorrida de rejeição de prova pericial.
Custas da apelação pelas RR./Apelantes.
Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do
(novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de
textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.
Coimbra, 11/05/2021
Vítor Amaral (Relator)
Luís Cravo
Fernando Monteiro

([1]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não


obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([2]) E mesmo que assim não fosse entendido, nem por isso o recurso
poderia ser admitido. É que não se trata, nesta parte, de decisão a que
aludem os n.ºs 1 e 2 do art.º 644.º do NCPCiv.. Efetivamente, para além
de não ter sido posto termo à causa [al.ª a) do n.º 1], a situação não se
enquadra na al.ª b) do n.º 1, pois nem há decisão quanto ao mérito da
causa – as questões de mérito foram deixadas para final, apenas se
decidindo não haver outras nulidades, exceções ou questões prévias de
que cumprisse desde logo conhecer e que obstassem à apreciação do
mérito da causa –, nem absolvição alguma (da instância ou de pedido, e
se a houvesse, seria, obviamente, favorável às RR./Recorrentes, pelo
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que dessa matéria não recorreriam). E também não se enquadra,


manifestamente, em qualquer das al.ªs do n.º 2 do mesmo art.º 644.º.
Por isso, não seria admissível como apelação autónoma. Logo, não se
tratando de apelação autónoma, o recurso só poderia subir
ulteriormente, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do mesmo art.º do NCPCiv.,
com a consequência da sua extemporaneidade manifesta nesta
altura/fase do processo, desencadeando o efeito preventivo sediado nas
normas dos art.ºs 652.º, n.º 1, al.ªs b) e h), e 655.º, n.º 1, ambos daquele
Cód..
([3]) Considerando-se expressamente “não se mostrarem necessárias
para a demonstração dos factos indicados pelas Rés”.
([4]) Cfr., inter alia, o Ac. STJ de 25/11/2004, Proc. 04B3648 (Cons.
Ferreira de Almeida), em www.dgsi.pt..
([5]) É que, como dito no Ac. TRC de 24/04/2012, Proc.
4857/07.6TBVIS.C1 (Rel. Henrique Antunes), também em
www.dgsi.pt.: «A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova,
a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas
partes (artº 341º do Código Civil). Aquilo que a singulariza é o seu
peculiar objecto: a percepção ou averiguação de factos que reclamem
conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina
(artº 388º do Código Civil)».
([6]) Assim, por todos, o Ac. TRL de 24/09/2019, Proc.
2009/17.6T8OER-C.L1-7 (Rel. José Capacete), em www.dgsi.pt, em
cujo sumário pode ler-se ainda:
«3.- A prova pericial pode destinar-se:
- à perceção indiciária de factos por inspeção de pessoas (ex.: exame
médico-legal) ou de coisas, móveis ou imóveis, (ex.: exame de uma
máquina ou vistoria de um prédio);
- à avaliação de coisas ou direitos (determinação do valor de um prédio
ou de um quadro, duma quota social);
- à verificação da origem dum documento (assinatura, letra, data,
genuinidade, alteração), à revelação do seu conteúdo (máxime os livros
e documentos de escrita comercial e os documentos eletrónicos);
- à a apreciação, de acordo com regras de especialidade, dos indícios a
extrair de fontes de prova (para, nomeadamente, estabelecer um nexo
de causalidade).
4.- A necessidade de prova pericial afere-se, naturalmente, em função
dos factos articulados pelas partes em cada concreto processo, sempre
que à percepção ou apreciação desses factos sejam necessários
conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, isto é,
conhecimentos para além da ciência jurídica, sendo, por isso,
necessária a cultura especial e a experiência qualificada do perito na
matéria em causa.».
([7]) Através de quaisquer meios de prova admissíveis em direito.
([8]) Dispõe, no aqui relevante, este normativo constitucional:
«1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa
dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a
justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
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(…)
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto
de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei
assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela
celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil
contra ameaças ou violações desses direitos.».
([9]) Não basta, se bem se vê, para que se considerem enunciadas
questões de facto (que têm de ser precisas/concretas), a esclarecer pelos
peritos, a genérica alusão a «apurar o decréscimo da sua facturação
desde Março de 2020 até à presente data, em relação aos períodos de
Março de 2018 e Fevereiro de 2019, e de Março de 2019 a Fevereiro de
2020».
([10]) Como claramente assumido por aquele Tribunal – que não
deixará de assim proceder, não obstaculizando ao direito à prova das
partes –, o invocado “decréscimo de facturação” pode ser
imediatamente detectado através do simples confronto entre os
elementos contabilísticos da sociedade Autora referentes aos períodos
indicados pelas Rés.

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