Você está na página 1de 50

Miopatias inflamatórias

Prof. Leonardo Sampaio


UNICHRISTUS
caso clínico

• Mulher de 50 anos relata dificuldade progressiva, há 5 meses, para levantar


de uma cadeira ou vaso sanitário, subir escadas e levantar os braços acima
da cabeça, prejudicando o ato de pentear o cabelo. Há 3 meses, percebeu
dificuldade para levantar a cabeça do travesseiro, além de disfagia no início
da deglutição associada a regurgitação nasal e disfonia. Nega dor muscular.

• Ao exame físico, nota-se fraqueza muscular proximal e simétrica, pápulas


eritematosas descamativas em superfícies extensoras das articulações
interfalangeanas e metacarpofalangeanas e manchas eritematosas
peripalpebrais. Musculatura distal dos membros apresenta força normal.
Miopatias inflamatórias
• Grupo de doenças autoimunes sistêmicas que acometem
preferencialmente a musculatura esquelética

• Incluem:
• Polimiosite
• Dermatomiosite
• Miosite por corpos de inclusão
• Miopatia necrosante imunomediada
Polimiosite
• Epidemiologia
• prevalência de 8,5/100.000 habitantes (possivelmente
superestimada pois muitos pacientes são
diagnosticados erroneamente)

• faixa etária principal: entre 45 e 55 anos

• distribuição de duas mulheres para um homem


Polimiosite - Quadro Clínico
• Fraqueza muscular proximal e simétrica dos membros

• Disfagia alta

• Dificuldade para manter a cabeça ereta ou levantá-la


do travesseiro

• musculatura distal dos membros não acometida, ou acometida só


em fase tardia de forma branda

• músculos da face e oculomotores não são acometidos


Polimiosite -
Manifestações extramusculares

SINDROME ANTISSINTETASE
• Articular: em geral poliartrite
quando associado com anticorpos anti-
• Pneumopatia intersticial sintetase ( anti -jo-1 é o mais comum)
• Mãos de mecânico
• Fenômeno de raynaud

• Miocardite sintomática é rara

• Envolvimento renal extremamente in-


comum

Hochberg et al. Rheumatology. 6a ed


Polimiosite - Exames complementares
• Enzimas musculares:
• Creatinofosfoquinase (CPK) sérica é a mais sensível e específica

• Aumento precede a fraqueza muscular

• Aumento, em geral, até 50 vezes o limite superior da normalidade

• Útil para diagnóstico e monitoração do tratamento

• Aldolase: menos útil

• TGO, TGP e desidrogenase láctica são inespecificas

• FAN e algum anticorpo miosite específico como anti-jo-1 (ou associados como o anti-
PM/Scl) presentes na maioria dos pacientes
Polimiosite -
Exames complementares

• Eletroneuromiografia útil para


confirmar a presença de uma
miopatia e afastar uma
neuropatia

• Ressonância magnética da
musculatura proximal
dos braços e coxas

Edema muscular
Avaliação
histopatológica

Hochberg et al. Rheumatology. 6a ed


Polimiosite - Avaliação histopatológica
• Biópsia muscular está indicada na maioria dos casos (ex
ceto na presença de anticorpos miosite específicos e
manifestações extramusculares)

• Diagnóstico histopatológico requer:


• expressão aumentada de moléculas de MHC classe
I nas fibras musculares
• infiltrado mononuclear (Linfócitos T
CD8+) no endomisio
• ausência de deficiência de proteínas associadas as
distrofias musculares na imunohistoquímica

Hochberg et al. Rheumatology. 6a ed


Polimiosite Diagnóstico de exclusão!

• diagnóstico diferencial:
• outras miopatias inflamatórias (especialmente MCI e MNIM)

• endocrinopatias: hipotiroidismo, sindrome de cushing

• doenças neurológicas: miastenia gravis, esclerose lateral amiotrófica

• drogas: estatina, D-penicilamina, AZT

• Distrofias musculares (atentar para histórico familiar)

• miopatias metabólicas (como a Doença de Pompe)


Tratamento
• Corticoesteroíde

• prednisona 1 mg/kg/dia

• metilprednisolona 500 mg, EV, 1 vez ao dia, por 3 dias, em casos graves, seguido de
prednisona 1 mg/kg/dia (disfagia, insuficiência respiratória)

• Imunossupressores (metotrexate, azatioprina, micofenolato) ou imunoglobulina


humana como terapia associada inicial ou em casos refratários

• Fisioterapia com exercícios para reabilitação muscular

• Acompanhamento da fonoaudiologia (nos casos com disfagia)


Dermatomiosite

• Epidemiologia

§ Prevalência de 9/100.000 habitantes

§ Distribuição bimodal, com pico observado dos 10 a 15 anos (DM juvenil)


e outro de 45 a 55 anos de idade

§ Distribuição de duas mulheres para um homem


Dermatomiosite
• Acometimento muscular (quadro clinico, enzimas musculares, ENMG e
RM) similar ao da polimiosite

• Manifestações extramusculares também podem ocorrer

• Também há presença de anticorpos miosite específicos (ex: anti-Mi-2, Anti-


TIF1-γ, Anti-MDA-5, Acs. antissintetase)

• Quadro cutâneo é característico , sendo o heliótropo e as pápulas de


Gottron, as lesões mais específicas
• Alguns pacientes não desenvolvem quadro muscular (DM amiopática)
Heliótropo
Pápulas de Gottron
Rash facial Sinal em V do decote
Sinal do xale Eritema periungueal
Dermatomiosite -
Avaliação histopatológica

• Biopsia muscular não necessária na presença


de lesões cutâneas típicas associadas a
fraqueza muscular proximal dos membros,
aumento de CPK, e ENMG ou RM compatíveis

• Deposição perivascular do CAM (C5b-9)


• Infiltrado mononuclear (linfócitos T CD4+ e
linfócitos B) perivascular
• Atrofia perifascicular

Hochberg et al. Rheumatology. 6a ed


Associação com neoplasias
• Incidencia de câncer aumentada entre 3 e 12,6 vezes (frequencia 9-32%)
• Maior associação principalmente com câncer de ovário, pulmão,
mama, estômago, colorretal, melanoma, pâncreas e linfoma não-hodgkin
• Fatores de risco: idade avançada, presença de Anti-TIF1-γ e Anti-NXP-2,
VHS elevado
• Screening recomendado em todos os pacientes
• no diagnóstico e repetido anualmente por 5 anos
• sua intensidade depende dos fatores de risco, anamnese e exame fisico
• mamografia, tomografia computadorizada de tórax, abdome e pelve, avaliação
prostática, endoscopia digestiva e colonoscopia
Tratamento
• Corticoesteroíde

• prednisona 1 mg/kg/dia

• metilprednisolona 500 mg, EV, 1 vez ao dia, por 3 dias em casos graves, seguido de prednisona 1
mg/kg/dia (disfagia, insuficiência respiratória)

• Imunossupressores ou imunoglobulina humana como terapia associada inicial ou em casos refr


atários

• Fisioterapia com exercícios para reabilitação muscular

• Acompanhamento da fonoaudiologia (nos casos com disfagia)

• Fotoproteção
Miosite por corpos de inclusão (MCI)

• Epidemiologia:

§ prevalência entre 5 a 7/100.000 habitantes

• miopatia inflamatória mais comum acima dos 50 anos

§ acometimento de 2 homens para 1 mulher


Quadro clínico
• Fraqueza muscular tanto
proximal como distal dos membros

• Mais insidiosa

• Fraqueza e atrofia dos flexores dos dedos e


quadríceps é característica

• Fraqueza dos extensores dos pés pode levar


ao “pé caído"

• Disfagia alta na maioria dos pacientes

Reproduzido de Needham et
Mastaglia, 2007
Exames complementares

• Elevação de CPK é discreta (menos de 10 x)

• ENMG e RM muscular também são úteis


MCI - Avaliação histopatológica

• Biopsia muscular indicada em TODOS os pacientes

• infiltrado mononuclear (Linfócitos T


CD8+) no endomisio

• Expressão aumentada de moléculas de MHC classe I


nas fibras musculares

• vácuolos com inclusões marginadas

• Depósitos de amiloide intracelular

• Tubulofilamentos de 15 a 18
nm visualizados por microscopia eletrônica
Hochberg et al. Rheumatology. 6a ed
Tratamento
• Refratária ao tratamento com glicocorticoides e/ou imunossupressores

• Imunoglobulina humana pode ter um efeito transitório na disfagia

• Fisioterapia com exercícios para reabilitação muscular

• Acompanhamento da fonoaudiologia

• Terapia ocupacional

• Dilatação cricofaríngea ou miotomia na disfagia grave


Miopatia necrosante imunomediada (MNIM)
• Epidemiologia:

§ Representa até 19% das miopatias inflamatórias

§ Pico entre 40 e 50 anos

§ Ligeiramente mais comum em mulheres


Quadro clínico
• Evolução aguda ou subaguda
• Fraqueza proximal severa
• Disfagia alta
• Fraqueza dos músculos cervicais
• Geralmente as manifestações extramusculares estão ausentes
• Exposição prévia a estatinas em 14 a 89% dos casos
§ sem melhora com a suspensão da estatina
Exames complementares
• CPK > 50 vezes o valor da normalidade

• Presença na maioria de autoanticorpos anti-SRP ou anti-HMGCR (3-hidroxi-3-


metil-glutaril-coenzima A reductase)

• MNIM soronegativa (25-40%) associação com neoplasia

• ENMG e RM muscular também são úteis


MNIM - Avaliação
histopatológica
• Biópsia muscular necessária, exceto
com quadro clínico típico + anti-SRP
ou anti-HMGCR positivos

• Deposição do CAM (C5b-9)


no sarcolema de fibras não necróticas

• Infiltrado linfocitário é ausente ou


discreto. Macrófagos invadindo as
fibras necróticas
Reproduzido de Dalakas, 2015
Tratamento
• prednisona 1 mg/kg/d ou metilprednisolona 500 mg, EV, dia, por 3 dias, seguido
por prednisona 1mg/kg/d + imunossupressor ou imunoglobulina humana

• Resposta é mais demorada. Refratariedade e reicidivas são mais frequentes

• Fisioterapia com exercícios para reabilitação muscular

• Acompanhamento da fonoaudiologia (nos casos com disfagia)


Esclerose Sistêmica
Caso clínico

• Mulher de 46 anos relata que seus dedos das mãos e pés passaram a ficar
pálidos ou cianóticos quando expostos ao frio há 1 ano. Há 10 meses,
notou espessamento progressivo da sua pele, acometendo dedos das
mãos, antebraços, braços, face, tórax, abdome e pernas. Há 6 meses,
passou a apresentar pirose, seguida por disfagia baixa para alimentos
sólidos
• Ao exame fisico, confirma-se o espessamento da pele, causando, na face,
diminuição da abertura da boca e retração dos lábios, além de afilamento
do nariz. Há presença de telangiectasias na face e mãos, e cicatrizes
de úlceras digitais nas extremidades de alguns dedos das mãos
Epidemiologia
• Prevalencia de 276 a 443 casos/milhão de habitantes

• Pico da doença na faixa etária de 45 a 64 anos (rara antes dos


15 anos)

• Razão mulher-homem variando de 4:1 a 6:1


Patogênese

FIBROSE TECIDUAL
INJÚRIA VASCULAR
Proliferação de fibroblastos, síntese
excessiva de matriz extracelular e
deposição de colágeno
Dano endotelial, proliferação da
intima e obliteração vascular

AUTOIMUNIDADE
Produção de autoanticorpos e
disregulação da imunidade celular inata e
adaptativa
Quadro clínico
Ø Fenômeno de Raynaud

• vasoconstrição dos dedos em resposta ao frio

• Palidez e/ou cianose.

• Eritema reacional pode ocorrer na resolução (não obrigatório)

• presente em mais de 95% dos pacientes

• geralmente o sintoma inicial na ES


Raynaud - complicações

Gangrena
cicatrizes de úlceras ("pitting scars")
Manifestações
cutâneas
• Espessamento da pele é característico

• Dedos quase sempre envolvidos

• Espessamento cutâneo de dedos + outra região do corpo

Diagnóstico de ES muito sugestivo

• Pode ocorrer uma fase inicial inflamatória

Edema de mãos (“puffy hands”)


Manifestações cutâneas

microstomia
fáscies esclerodérmica
Hochberg et al. Rheumatology. 6a ed
Calcinose (calcificação do tecido
subcutâneo)
Manifestações gastrointestinais
• Todo TGI pode ser acometido
• Dismotilidade esofágica está presente em >90% dos casos
• peristalse anormal e hipotonia do esfíncter esofágico inferior
• esofagite por refluxo e disfagia baixa
• diagnosticada por manometria esofágica ou esofagograma
• EDA documenta a esofagite de refluxo e suas complicações (metaplasia de
barret)

• Envolvimento intestinal (menos frequente) pode levar a


supercrescimento bacteriano e sindrome disabsortiva
Manifestações pulmonares

Pneumopatia intersticial
fibrosante
Crise renal esclerodérmica
• Hipertensão arterial sistêmica de início súbito associada a perda de função
renal
• Pode cursar com lesões de orgãos-alvo (ex: encefalopatia,
edema pulmonar)
• Alterações vasculares histológicas idênticas às da Hipertensão maligna
• Fatores de risco:
• Anti-RNA polimerase III

• Envolvimento cutâneo mais extenso

• Prednisona > 15 mg/d


Autoanticorpos

• FAN positivo em > 90% dos pacientes. Padrão nucleolar é o mais comum

• Anticorpos específicos mas pouco sensíveis


Ø Anti-Scl70
Ø Anti-centrômero
Ø Anti-RNA polimerase III
Capilaroscopia periungueal
• Avaliação da morfologia dos capilares periungueais por
microscopia

• Diferenciação do FRy primário e secundário

• Padrão SD (scleroderma pattern)


§ Presença de capilares gigantes e/ou desvascularização
§ Presente em > 90% dos pacientes
Capilaroscopia periungueal • Capilares normais
Capilar gigante Desvascularização
Critérios de classificação para ES do ACR
e EULAR, 2013

• Elaborados para selecionar pacientes para


estudos

• Não tem propósito de diagnosticar pacientes


na prática clínica, embora úteis pois
espelham manifestações importantes para o
diagnóstico

Reproduzido do livro da SBR, 2a ed


Tratamento
• Determinado pela extensão e gravidade das manifestações clínicas

• Fenômeno de Raynaud
• Evitar exposição ao frio
• Bloqueadores do canal de cálcio (nifedipina, anlodipina)
• Inibidores da 5-PDE (sildenafila, tadalafila)

• Fibrose cutânea
• Imunossupressores (metotrexate, micofenolato mofetil, ciclofosfamida)
• Eficácia apenas nos primeiros 3 anos da doença
Tratamento
• Doença esofágica
• Inibidores de bomba de prótons
• Procinéticos

• Doença pulmonar intersticial


• Imunossupressores (micofenolato, ciclofosfamida)
• anti-fibrótico (nintedanibe)

• Hipertensão arterial pulmonar


• Inibidores da 5-PDE (sildenafila, tadalafila)
• Antagonistas do receptor da endotelina (Bosentana, ambrisentana)

• Crise renal esclerodérmica


• Inibidores da enzima conversora da angiotensina
• Reduziram drasticamente a mortalidade
Obrigado!

Você também pode gostar