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APÊNDICE I

TREINAMENTO VISUAL

Observe a seguir o desenho esquemático de uma árvore biliar em um portador de


colelitíase, no seu caminho do fígado até o duodeno.

Colelitíase Crônica

Muito bem: agora reproduza mentalmente o mesmo desenho para cada uma das
situações listadas. O objetivo é utilizar a memória visual, o mais detalhadamente
possível, para fixar as condições apresentadas. Não esqueça as alterações no tamanho
da vesícula (incluindo sua parede) e do calibre dos ductos biliares... Ao final, utilize o
recurso para mostrar a resposta.

Colecistite

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Para memorizar...
Resumo do quadro clínico:

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Há icterícia?

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A vesícula é palpável?

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Há dilatação da árvore biliar?

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Coledocolitíase

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Para memorizar...

Resumo do quadro clínico:

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A vesícula é palpável?

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Há dilatação da árvore biliar?

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Síndrome de Mirizzi

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Para memorizar...

Resumo do quadro clínico:

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A vesícula é palpável?

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Há dilatação da árvore biliar?

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Tumor de Klatskin

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Para memorizar...

Resumo do quadro clínico:

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A vesícula é palpável?

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Há dilatação da árvore biliar?

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Tumor de Cabeça de Pâncreas

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Resumo do quadro clínico:

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A vesícula é palpável?

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Há dilatação da árvore biliar?

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APÊNDICE II
LESÃO HEPÁTICA E OUTRAS CAUSAS DE HEPATITE

CONCEITOS IMPORTANTES DA LESÃO HEPÁTICA


Diversas condições podem determinar a destruição deste tecido "mágico" que é o fígado e você já
viu, ao longo do material, vários aspectos clínicos de cada uma delas. É o caso das hepatites virais,
da hepatite tóxica e medicamentosa, da hepatite alcoólica, das hepatites isquêmica e congestiva e
da hepatite autoimune.

Nesse momento, gostaríamos que você ampliasse sua visão, de modo panorâmico, com as formas
preferenciais de agressão, ou seja, dos padrões histopatológicos que elas "adotam" para lesar o
fígado. Como você já deve ter percebido com o Medgrupo, subestimar a importância do real
entendimento dos eventos microscópicos, em se tratando de rim e fígado, não é uma boa ideia.
Hepatites Virais

A agressão viral ao tecido hepático (ativa ou passiva) determina hepatite, ou seja, "inflamação"
do fígado. Mas o que significa, histologicamente, o termo "inflamação"? Invasão por leucócitos!
Nas hepatites virais, qualquer que seja o vírus em questão, temos uma verdadeira infiltração do
parênquima hepático por células inflamatórias (leucócitos) mononucleares (linfócitos e
monócitos). O padrão que se estabelece é panlobular, ou seja, todas as partes de cada um dos
lóbulos hepáticos estão envolvidas. Com a evolução do processo ocorre sofrimento dos
hepatócitos, o que leva, muitas vezes, à sua destruição. Nas hepatites virais, em geral, esta
destruição tem início nos hepatócitos próximos aos espaços-porta: é o padrão periportal (
FIGURA 1A). Em quadros graves, a destruição dos hepatócitos pode seguir um padrão que
chamamos "em ponte" ou "necrose subaguda", estendendo-se do espaço-porta para a veia
central (FIGURA 1B), ou mesmo de uma veia central para outra. Outro aspecto comum de lesão é
a hepatite de interface (piecemeal necrosis ou necrose em saca-bocado), quando há agressão e
disrupção sobre a placa limitante (camada de hepatócitos periféricos que circunda o espaço
portal, limitando-o do tecido fibroso circunjacente). Também pode acontecer nas formas
autoimunes e na esteato-hepatite.

Fig. 1
A. Necrose periportal.
B. Necrose em "ponte".
C. Hepatite de interface.

Hepatite Alcoólica

Sabe como os hepatócitos reagem aos estímulos tóxicos (incluindo o álcool)? Abarrotando-se de
gordura! Infiltração gordurosa centrolobular é observada em quase todos aqueles que bebem
mais de 60 g de etanol/dia. Entretanto, o grande marco da hepatite alcoólica, que a diferencia da
simples esteatose, é, certamente, a lesão real e concreta do tecido hepático. Na hepatite
alcoólica – revisaremos bem este conceito adiante – o tecido hepático "inflama", ou seja, sofre uma
"invasão", uma infiltração de leucócitos, exatamente como nas hepatites virais. E existem duas
características marcantes que diferenciam a lesão hepática causada por vírus da alcoólica, e
gostaríamos que você as memorizassem desde já:

1. Na alcoólica, a inflamação (infiltração) acontece nas regiões centrolobulares (FIGURA 2). Isso
ocorre porque o álcool desidrogenase e a CYP2E1, moléculas importantes para o metabolismo
do álcool e de localização predominantemente centrolobular, têm suas atividades
aumentadas com o etilismo;

2. Na alcoólica, a inflamação acontece por leucócitos polimorfonucleares (infiltração


neutrofílica), e não por mononucleares (linfócitos/monócitos), como na viral. E isto está de
acordo com outro achado pitoresco no hemograma desta entidade: a reação leucemoide
(leucocitose)!

Fig. 2
Padrão de lesão centrolobular: hepatites alcoólica e isquêmica.

Hepatite Isquêmica

A isquemia do tecido hepático determina classicamente um padrão de lesão centrolobular, e a


razão para tal achado é de fácil entendimento. Basta nos lembrarmos de como acontece a
circulação dentro dos lóbulos hepáticos... Não é da periferia para o centro? Nas situações de
pouco aporte sanguíneo, os hepatócitos que mais sofrerão serão os últimos da "linha", próximos
às veias centrolobulares (FIGURA 2). Neste aspecto, o padrão é o mesmo da hepatite alcoólica.

Lesão Hepatocelular por Colestase (FIGURA 3)

Você já se perguntou o porquê da elevação das transaminases, mesmo que discreta (cerca de
duas a três vezes os valores de referência), nas condições que originam apenas colestase? Uma
coledocolitíase, por exemplo. Por que aparecem no sangue enzimas que são encontradas
apenas dentro dos hepatócitos, se estes não estão sendo lesados pelo processo básico? A
resposta é simples e interessante. Veja, partindo do princípio de que a produção da bile pelos
hepatócitos não para nunca; a interrupção do fluxo biliar culmina num represamento
retrógrado de bile a partir do ponto de obstrução. Este represamento é sentido em todo o
sistema biliar, incluindo o intra-hepático. E qual é o ducto biliar mais distal de todos? O menor de
todos? É o dúctulo biliar dos espaços-porta — lembra? Cada espaço-porta contém um ramo
terminal da veia porta, um ramo terminal da artéria hepática e um dúctulo biliar (dúctulo de
Hering). Este dúctulo está em contato íntimo com os hepatócitos dos espaços-porta. Se a
obstrução biliar for severa, eles acabam ingurgitando e espremendo os hepatócitos ao seu
redor. Além disso, costuma haver transbordamento de bile para os espaços-porta... Conclusão?
Sofrimento e lesão dos hepatócitos periportais. Como este processo em geral é leve, a elevação
das transaminases também é. Mas não se engane, este é o mesmo mecanismo responsável pelo
desenvolvimento de cirrose (!) nas situações de obstrução biliar crônica.

Fig. 3
Lesão por colestase: destruição dos hepatócitos periportais pelo ingurgitamento dos ductos de Hering e
extravasamento de bile.

Fig. 4
Representação esquemática: lesão hepática periportal x centrolobular. Eventualmente, você pode encontrar uma
referência numérica a determinadas "regiões hepáticas" – região 1 = periportal; região 3 = centrolobular; região 2 =
intermediária, "no meio" do lóbulo.

HEPATITE MEDICAMENTOSA
PRINCIPAIS TIPOS DE LESÃO

■ Hepatocelular (acetaminofeno, halotano, isoniazida, fenitoína...).

■ Colestática (eritromicina, amoxicilina + clavulanato, anticoncepcionais orais...).

■ Indutora de esteatose.

DIAGNÓSTICO: exposição (qqq ou ocupacional) + aumento de aminotransferases/FA/GGT +


icterícia (nem sempre).

TRATAMENTO: sintomático.

CASOS ESPECIAIS

PARACETAMOL: lesão dose-dependente (10–15 g); tipo hepatocelular — aumento de


aminotransferases.

■ Tratamento: N-ACETILCISTEÍNA nas primeiras 10–24h para casos graves.

ESQUEMA RIP: todas as drogas podem causar hepatotoxicidade. A isoniazida é a mais estudada
de todas e tem efeito sinérgico com a rifampicina, pirazinamida e álcool. Aminotransferases até
250 UI/ml são toleradas quando estáveis ou em queda.

■ Tratamento: suspender as três drogas e introduzir uma a uma para descobrir a causadora.

AMIODARONA: lesão tipo esteatose macrovesicular; pode causar lesão sem aumento de
aminotransferases.

■ Tratamento: um aumento de aminotransferases é tolerável. Lesões mais graves necessitam


de suspensão da droga, embora a lesão possa permanecer por alguns meses após suspensão.

ANTICONCEPCIONAIS ORAIS: padrão colestático; principal causador — estrogênio.

■ Tratamento: evolução benigna após a suspensão.

CONCEITOS GERAIS

Você começa a olhar este capítulo e pensa espontaneamente: ah, é mesmo... Tem droga que pode
fazer mal ao fígado, mas muitas vezes olha de forma despretensiosa para o assunto. Apenas
alguns dados para chamar sua atenção:

■ Este é o principal motivo para a retirada de uma droga do mercado! Foi assim para alguns
anticoagulantes, antidiabéticos orais, anticolinesterásicos para doença de Alzheimer etc;

■ É hoje a principal causa de insuficiência hepática aguda nos EUA;

■ Responde por até 30% dos quadros de hepatite e 10% das consultas com hepatologistas.

Resumindo...

Trata-se de um tema fundamental em sua vida médica! Toda vez que encontrar um paciente
ictérico ou com elevação de transaminases ou marcadores de colestase, você deve encaixar
entre as suas perguntas: o(a) senhor(a) faz uso de alguma medicação?

Mas, para buscarmos o fio da meada, vamos recordar onde tudo começa... Aprendemos na
farmacologia que diversas substâncias, geralmente insolúveis, precisam passar pelo fígado para
serem metabolizadas em substâncias solúveis a serem excretadas na bile ou na urina. Algo muito
semelhante ao que acabamos de ver com a bilirrubina. Isso ocorre em duas fases:

1. Fase I: reações de oxidação pelas enzimas do complexo microssomal citocromo P450;

2. Fase II: reações de conjugação, principalmente com ácido glicurônico.

Graças a essa passagem, o fígado passa a se tornar um órgão sensível aos efeitos tóxicos de
diversas drogas e seus metabólitos, sendo que uma infinidade de medicações, toxinas, ervas e
produtos químicos pode causar hepatite medicamentosa. Apenas para citar alguns dos mais
importantes, nesta lista incluem-se:

■ Analgésicos/anestésicos: paracetamol, AAS, AINE, halotano;

■ Antiarrítmicos/anti-hipertensivos: amiodarona, alfametildopa, IECA, AAII;

■ Anticoagulantes;

■ Antibióticos e antirretrovirais: amoxicilina + clavulanato, eritromicina, tetraciclina, oxacilina,


sulfametoxazol + trimetoprima, esquema RIP, zidovudina;

■ Anticonvulsivantes e antipsicóticos: fenitoína, ácido valproico, haloperidol;

■ Hormônios: anticoncepcionais orais, corticoides e esteroides anabolizantes;

■ Estatinas;

■ Outros: metotrexato, azatioprina, tamoxifeno, tiabendazol, alopurinol, NPT, antineoplásicos,


ervas medicinais e cogumelos (Amanita e Galerina) etc.

Ou seja, a grande pergunta não é quais drogas causam hepatotoxicidade, mas sim, quais as que
não causam! Diante disso, para não nos perdermos no assunto, teremos que selecionar as mais
comuns e o principal padrão de acometimento delas. De uma forma didática, podemos dizer que
são três tipos básicos de lesões:

1. Hepatocelular: paracetamol, halotano, isoniazida, fenitoína, AINE;

2. Colestática: anticoncepcionais orais, eritromicina, amoxicilina + clavulanato, rifampicina,


sulfametoxazol + trimetoprima;

3. Indução de esteatose: amiodarona, tetraciclina, zidovudina.

É claro que o espectro de lesões não se esgota apenas nesses três tipos. Eles são apenas os mais
clássicos. Há tanto drogas que levam a alterações subclínicas apenas (ex.: sulfonamidas), como
aquelas que fazem alterações predominantemente vasculares (trombose de veia hepática, peliose
hepática), granulomatosas ou neoplásicas.

Uma vez conhecidos os mecanismos pelos quais os fármacos produzem hepatite, você precisa
saber também que algumas drogas, como o paracetamol, causam lesão dose-dependente,
geralmente mediadas por toxicidade direta aos hepatócitos e com aparecimento rápido dos
sintomas. Outras, como o halotano e a isoniazida, têm toxicidade idiossincrásica. Nestas, a reação
é imprevisível e o tempo entre a exposição à droga e os sintomas da hepatite pode variar de horas
a muitos dias. Podem ainda aparecer reações extra-hepáticas (rash, artralgia etc.) sugerindo um
mecanismo imunológico ou metabólico.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

O diagnóstico de hepatite medicamentosa é feito numa pessoa com exposição (ocupacional,


hospitalar ou doméstica) prévia a uma droga capaz de promover aumento de aminotransferases,
FA e GGT. Há diversos fatores que influenciam na probabilidade do desenvolvimento de hepatite
medicamentosa. A melhora após a suspensão da droga é um dado essencial ao diagnóstico.

O tratamento é baseado na suspensão do medicamento e no uso de sintomáticos. Algumas drogas


apresentam tratamento individualizado:

Paracetamol __________________ N-acetilcisteína

Amanita (cogumelo) ___________ Penicilina + Ácido tióctico*

*Obs.: aos que tiveram alguma curiosidade sobre este antídoto, saibam que a ingestão de cogumelos deste gênero tem sua toxicidade
mediada pela amatoxina, especialmente do subtipo alfa-amanita. A penicilina e o ácido tióctico atuam inibindo a captação desta toxina nos
hepatócitos.

Vejamos agora alguns detalhes importantes sobre drogas específicas rotineiramente exigidas
em provas.

PARACETAMOL (ACETAMINOFENO)

Com certeza, é o mais cobrado em provas de residência. Falaremos nele também dentro do
módulo de Intoxicações e Acidentes por Animais Peçonhentos. Embora não seja um problema tão
frequente em nossas emergências, a intoxicação pelo paracetamol é responsável pela maior parte
dos casos de insuficiência hepática aguda com encefalopatia nos EUA e na Inglaterra. A
intoxicação, em geral, é intencional e com caráter suicida. Sua relação com hepatite é dose-
dependente e são necessários mais de 10–15 g para gerar sintomas em adultos. Cabe lembrar que
a dose máxima recomendada é de 4 g/dia. Etilistas podem se intoxicar com doses tão baixas
quanto 2 g, mas pacientes com doença hepática não alcoólica podem utilizar a droga com
segurança.

Clinicamente, observamos uma evolução em duas fases. Há uma fase inicial e fugaz, caracterizada
por náusea, vômitos e diarreia, dor abdominal e choque. Após 24–48h há aumento de
aminotransferases, que, como regra, é proeminente e maior do que nas hepatites virais, podendo
alcançar níveis séricos de até 30.000 UI/ml. Os níveis séricos de paracetamol se correlacionam bem
com a gravidade da lesão e podem predizer desenvolvimento de lesões graves (> 300 μg/ml após
4h da ingestão). Na histologia hepática, encontramos lesão hepatocelular com necrose
centrolobular. Os rins e o miocárdio podem também ser lesados.

O tratamento é feito com lavagem gástrica (primeiros 30min), suporte e N-acetilcisteína. O nível
plasmático de paracetamol também pode guiar a terapêutica. O tratamento deve ser iniciado nas
primeiras 8h, sendo efetivo até 24–36h. Em geral a evolução é boa, entretanto, quando não tratado,
pode ser fatal e o transplante, a única opção. Um dado sugestivo da necessidade de transplante
são níveis de lactato > 3,5 mmol/L.

Vamos reforçar o conceito com uma questão do HSJ — SC?

Paciente do sexo feminino, 46 anos, é internada com história de ingestão de 20 comprimidos de


paracetamol 750 mg, por tentativa de suicídio há 4 horas. A conduta mais adequada seria:

a) Hemodiálise precoce, pois a toxicidade do acetaminofen está relacionada à quantidade de


droga que se deposita no fígado.

b) Hemoperfusão com carvão ativado, por ser mais eficaz que a hemodiálise.

c) Iniciar N-acetilcisteína por via oral ou endovenosa, aguardando o resultado do nível sérico de
paracetamol.

d) Iniciar naloxone endovenosa para combater os efeitos do metabólito ativo do acetaminofen.

» A conduta indicada em pacientes com ingestão de altas doses de paracetamol envolve o


uso de carvão ativado através de sonda nasogástrica, e não de diálise. Além disso, o
antídoto consiste de N-acetilcisteína, na dose de 140 mg/kg em bolus, seguida de
manutenção com 70 mg/kg de quatro em quatro horas, num total de cerca de 17 doses.
Nas primeiras 24h, é imperativo obter a concentração sérica da droga, checando-a e
decidindo: caso seja não tóxica, suspendemos o antídoto. Resposta: letra C.

HALOTANO

Antes muito estudado e considerado o grande exemplo das reações idiossincrásicas, o halotano
perdeu muito de sua importância pelo desuso nos procedimentos anestésicos. Tratava-se de um
evento raro, mais comum em adultos, obesos, mulheres com exposição prévia ao halogenado e de
grande relação com a predisposição genética. Sinais proeminentes, como a icterícia, demoravam
em torno de sete a dez dias para ocorrer. Os novos compostos halogenados apresentam risco
muito menor de hepatotoxicidade.

ESQUEMA RIP

O esquema RIP é também questão frequente nas provas. As três drogas podem gerar toxicidade
hepática. A isoniazida é a mais estudada de todas e sua toxicidade depende de um metabólito
(acetil-hidrazina). A lesão pode ser por hepatotoxicidade direta ou idiossincrásica, mas também
pode caminhar para cronicidade. De cada 100 pessoas expostas à isoniazida, 10 a 20 apresentarão
aumento de aminotransferases. Entretanto, só 1% apresentará hepatite aguda, geralmente nos
primeiros dois meses, com necessidade de suspensão do medicamento. A rifampicina pode, além
da hepatotoxicidade, levar a uma redução na captação da bilirrubina. Cabe lembrar que o
etambutol, atualmente compondo o esquema de tratamento da tuberculose pelo Ministério da
Saúde, não é uma droga relacionada classicamente à hepatopatia.

AMIODARONA

É uma droga conhecida pelos seus potenciais tóxicos: fibrose pulmonar, disfunção tireoidiana,
hepatite, lesão oftalmológica, fotossensibilidade, sintomas neuromusculares etc. O aumento de
aminotransferases é comum com o uso crônico (50%) e 1–3% dos usuários podem cursar com mau
prognóstico, evoluindo inclusive para cirrose. É só lembrar que, como a droga tem meia-vida
elevada, a duração da lesão pode durar meses, mesmo após suspensão da droga. É interessante
notar que muitos pacientes com evolução ruim não apresentam aumento de aminotransferases.
Por isso, a presença de hepatomegalia e/ou desconforto em hipocôndrio direito em uso de
amiodarona indica a investigação com biópsia. O padrão de lesão hepática é de esteatose
macrovesicular. Corpúsculos lisossomais contendo fosfolipídios podem diferenciá-la da lesão pelo
álcool. Granulomas também podem ser encontrados.

ANTICONCEPCIONAIS ORAIS E ESTEROIDES ANABOLIZANTES

Os Anticoncepcionais Orais (ACO) causam lesão hepática com padrão colestático,


caracteristicamente sem inflamação portal. O principal efeito é atribuído ao estrogênio, mas a
progesterona também participa, levando ao aparecimento de prurido e icterícia após semanas a
meses da utilização. Os ACO podem ainda induzir neoplasia de hepatócitos, formação de cálculo de
colesterol e síndrome de Budd-Chiari. Estão contraindicados em mulheres com história de icterícia
recorrente da gravidez. Em geral, há resolução após dois a três meses da suspensão. Os esteroides
anabolizantes causam menos icterícia, mas podem levar tanto a neoplasias hepáticas como a
peliose hepática (cistos sanguíneos hepáticos).

ANTI-HIPERTENSIVOS

A metildopa, apesar de não ser uma droga de primeira linha, é a mais clássica, associada à lesão
hepatocelular, que simula perfeitamente uma hepatite viral aguda ou crônica, geralmente nas
primeiras quatro semanas. Outros anti-hipertensivos, como IECA e antagonistas da angiotensina,
também podem levar à hepatotoxicidade.
Atenção!

Apesar de tratadas dentro das hepatites agudas, algumas drogas, como a isoniazida,
metildopa, halotano e metotrexato, podem levar à hepatite crônica e à cirrose.

Vamos finalizar com mais esta questão da UCPEL — RS:

Assinale a alternativa INCORRETA, em relação à hepatotoxicidade por fármacos.

a) As estatinas podem causar alterações discretas nas aminotransferases, porém seu uso não é
contraindicado na doença hepática crônica.

b) A hepatotoxicidade do acetaminofem tem caráter idiossincrásico.

c) A amiodarona está associada ao desenvolvimento de esteatose macrovesicular.

d) A hepatotoxicidade de padrão colestático apresenta maior risco para desenvolvimento de


doença hepática crônica do que a de padrão hepatocelular.

e) O uso de anticoncepcionais orais está associado ao desenvolvimento de neoplasias hepáticas


benignas.

» O termo "idiossincrasia" se refere a reações adversas INESPERADAS e IMPREVISÍVEIS após


exposição a determinado fármaco ou substância. Sabemos que a hepatotoxicidade do
acetaminofeno é absolutamente previsível e esperada em função da dose ministrada.
Logo, não há idiossincrasia nenhuma nesta que é justamente uma das principais formas
de hepatotoxicidade encontradas na prática. As demais estão corretas: 1. um dos
principais paraefeitos das estatinas é um discreto aumento das aminotransferases, que,
em geral, não contraindica seu uso; 2. a amiodarona pode afetar o fígado, causando
esteatose macrovesicular; 3. as colestases intra-hepáticas costumam ter maior risco de
hepatopatia crônica do que as lesões necroinflamatórias de padrão "hepatocelular"; e 4.
os ACO se associam fortemente ao adenoma hepatocelular, uma neoplasia benigna
primária do fígado que tem risco de crescer e romper com a exposição continuada ao
hormônio. Resposta: letra B.

HEPATITES ISQUÊMICA E CONGESTIVA

HEPATITE ISQUÊMICA

Qual é a origem? Necrose tecidual hepática por redução do aporte sanguíneo ao órgão.

Quando ocorre? Em casos de instabilidade hemodinâmica, principalmente em pacientes


"chocados".

Como fazer o diagnóstico? Paciente grave + aumento transitório de aminotransferases/LDH.

Alguma característica histopatológica? Sim: necrose centrolobular.

Como tratar? Recuperar o mais rápido possível os parâmetros hemodinâmicos.

É seu primeiro plantão como médico de uma UTI. Você vai examinar um paciente grave em
ventilação mecânica, com uso de aminas, que apresentou importante instabilidade hemodinâmica
durante a noite anterior. Os exames colhidos pela manhã apresentam aumento importante de
aminotransferases. O que aconteceu com o paciente? Com certeza, durante o episódio de
instabilidade hemodinâmica, houve isquemia hepática com consequente necrose hepatocitária.
Observe ainda que, provavelmente, este paciente grave apresenta aumento de LDH e sinais de
isquemia em outros órgãos também, como aumento de escórias nitrogenadas. E o que você irá
fazer? Tente corrigir o distúrbio hemodinâmico. Caso seu tratamento seja efetivo, você logo verá
uma rápida normalização das aminotransferases.

A Hepatite Isquêmica (HI) é definida pela lesão hepática aguda causada por hipoperfusão tecidual.
Ocorre em pacientes que passaram por instabilidade hemodinâmica com queda do débito
cardíaco. Em geral, o paciente apresenta choque circulatório, porém também pode ocorrer em
pacientes com apenas discreta queda do débito cardíaco que possuam doença hepática vascular
associada, como trombose de veia porta ou hepatopatia congestiva. A HI também pode ser
associada à falência respiratória, crise falcêmica hepática, apneia obstrutiva do sono, hipóxia
sistêmica e trombose de artéria hepática.

Mas não perca este conceito de vista: na HI temos uma sequência temporal que indica o
diagnóstico — insulto hemodinâmico seguido de aumento de aminotransferases. O pico de
aminotransferases pode corresponder de 25 a 250 vezes o limite superior da normalidade, e é
acompanhado de um aumento de LDH.

Quais são os principais diagnósticos diferenciais?

Hepatite viral ou medicamentosa.

Como diferenciar?

Na hepatite viral não é comum o rápido aumento de LDH. A relação ALT/LDH na hepatite isquêmica
é < 1,5. Há normalização de aminotransferases em sete a dez dias caso a instabilidade
hemodinâmica seja revertida.

Veja como já apareceu em uma questão da UFES:

Paciente com infarto agudo do miocárdio e hipotensão importante e prolongada. É portador do


vírus B e usou paracetamol 2 gramas, nos últimos dias. Enzimas: TGP de 2.000 U/L e LDH de
6.000. A causa provável de elevação enzimática é:

a) Reativação do vírus B.

b) Hepatite isquêmica.

c) Hepatite tóxica por paracetamol.

d) Insuficiência cardíaca esquerda.

e) Trombose portal.

» Pensamos imediatamente em três tipos de lesão: medicamentosa, viral e isquêmica. 2 g


de paracetamol??? Muito pouco para a lesão. Acabamos de ver que, para intoxicação, em
média, a ingestão deve ser acima de 10–15 g. Hepatite viral??? A elevação proeminente do
LDH não é muito sugestiva... Além disso, é um paciente com infarto agudo do miocárdio,
ou seja, um fator de risco para instabilidade hemodinâmica. Resposta: letra B. É claro que
muitos podem se perguntar: ah, mas faltaram dados para afirmar isso? É verdade, dá para
jurar que não é hepatite B? Claro que não! Pode ser que ele seja etilista e tenha se
intoxicado com baixas doses? Claro que sim! Pois se acostumem, sempre faltarão dados, o
que você precisa é "captar" o que o examinador quis cobrar.

E como é o restante do laboratório?

As bilirrubinas aumentam após o pico de aminotransferases, mas raramente ultrapassam quatro


vezes o limite superior da normalidade. Em contrapartida, sua normalização é posterior a das
aminotransferases. A FA e GGT não ultrapassam o dobro do limite superior da normalidade.
Albumina e INR não se alteram.

A histologia hepática apresenta necrose de hepatócitos na zona centrolobular associada ao grau


variável de colapso arquitetural em volta da veia central, que varia com o tempo de isquemia. É
reversível caso a isquemia hepática seja breve.

O tratamento se baseia na correção da instabilidade hemodinâmica. Cuidado com o uso de


diuréticos, pois podem se associar à piora do débito cardíaco. O prognóstico depende da duração e
gravidade da patologia de base. Com a melhora da mesma, a lesão hepática é benigna e reversível.

Detalhe do detalhe: a síndrome hepatopulmonar ocorre em metade dos pacientes, porém é


reversível com a normalização da lesão hepática. Sua patogênese parece se associar à
vasodilatação intrapulmonar.

Qual é a diferença de isquemia e infarto hepáticos?

Na hepatite isquêmica temos uma lesão hepática difusa, enquanto no infarto há uma necrose
isquêmica de hepatócitos, apenas focal. Isto é, só aquele segmento irrigado pela artéria hepática
ocluída sofrerá isquemia e necrose. MAS ATENÇÃO: como o fígado possui vascularização hepática
dupla (veia porta e artéria hepática), este tipo de lesão é bastante incomum. Dentre as artérias
hepáticas, são mais acometidas aquelas que irrigam o lobo direito.

Quando iremos encontrar infarto hepático?

■ Ligadura iatrogênica de artéria hepática associada à colecistectomia laparoscópica.

■ Trombose associada a aterosclerose, hipercoagulabilidade ou transplante.

■ Embolização por endocardite infecciosa, tumoral ou terapêutica (quimioembolização).

■ Após ablação por radiofrequência de um carcinoma hepatocelular.

■ Causas incomuns: gravidez/toxemia; anemia falciforme; poliarterite nodosa; aneurisma de


artéria hepática; abuso de cocaína; e dissecção aórtica.

Qual é a clínica do infarto hepático?

Varia desde a ausência de sintomas até o desenvolvimento de síndrome ictérica associada a febre,
dor no hipocôndrio direito e leucocitose... O aumento de aminotransferases pode variar desde
discreto até valores altos. O diagnóstico é feito por TC (FIGURA 5). O diagnóstico diferencial deve
ser com abscesso piogênico e tumor. A RM pode ajudar. O Doppler de artéria hepática, a
angiorressonância e a arteriografia também podem ser úteis. A biópsia permite o diagnóstico
preciso, porém nem sempre é necessária. A histologia apresenta necrose coagulativa de
hepatócitos, espaço-porta e veias centrais. O tratamento em geral é de suporte, com abordagem
da doença associada. Em alguns pacientes pode ser necessária a anticoagulação.

Fig. 5
Área hipodensa no lobo direito relacionada ao infarto hepático e lâmina de ascite envolvendo o fígado.

HEPATITE CONGESTIVA

FISIOPATOLOGIA: congestão venosa sistêmica, principalmente de origem cardíaca,


determinando aumento de pressão venosa hepática e dano estrutural ao órgão.

DOENÇAS ASSOCIADAS

■ Estenose mitral.

■ Pericardite constritiva.

■ Cardiomiopatias.

■ Insuficiência tricúspide.

■ ICC grave.

■ Cor pulmonale.

CLÍNICA

■ Turgência jugular/edema de MMII.

■ Hepatomegalia/pulso hepático/refluxo hepatojugular.

■ Ascite/icterícia.

LABORATÓRIO

■ Aumento de bilirrubinas.

■ Aminotransferases discretamente aumentadas em 30% dos pacientes.

■ FA normal ou pouco aumentada.

PATOLOGIA: fígado em "noz-moscada" e necrose hemorrágica em zona 3 (centrolobular).

TRATAMENTO: tratar a doença de base.

Você com certeza já ouviu falar em "cirrose cardíaca", mas talvez, na prática, nunca tenha visto um
paciente com tal complicação. Realmente, a cirrose como desfecho de uma hepatopatia congestiva
é incomum nos dias atuais. Antigamente, doenças que cursavam com insuficiência ventricular
direita (como a insuficiência tricúspide, estenose mitral, ICC grave, pericardite constritiva, cor
pulmonale e cardiomiopatias) eram responsáveis pelo desenvolvimento de hepatopatia congestiva.
Esta patologia evoluía sem tratamento e acabava por gerar cirrose. Porém, o tratamento precoce
destas condições diminuiu muito a prevalência de hepatopatia congestiva grave.

A gênese da doença está na transmissão de um aumento de pressão no território venoso para o


fígado. Este órgão possui uma vasculatura peculiar e, por isso, está exposto a diversos insultos
vasculares. Quais seriam eles? Síndrome de Budd-Chiari (trombose de veias supra-hepáticas),
congestão passiva, infarto hepático, hepatite isquêmica e doença hepática veno-oclusiva. Neste
momento abordaremos a hepatopatia congestiva, também conhecida como congestão passiva.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Um paciente com aumento de pressão no território venoso apresentará sinais sistêmicos como
turgência jugular patológica e anasarca. A hepatomegalia é um achado comum e se associa com
desconforto abdominal direito. Em muitos pacientes, a icterícia é o único sinal. A ascite faz parte de
um quadro de anasarca. Ela se forma por aumento de pressão venosa intra-hepática e o achado
clássico é de um transudato com gradiente de albumina soro-ascite > 1,1.

Saiba Mais!

Semiologia da Congestão Hepática...

O refluxo hepatojugular é um sinal semiológico que auxilia no diagnóstico. Mas como é mesmo
esse sinal? Com a cabeça do paciente virada para a esquerda e a mão espalmada sobre a
superfície hepática, faz-se uma compressão firme e contínua por, pelo menos, dez segundos.
Observa-se, então, a turgência da veia jugular externa direita.

Outro sinal semiológico possível, porém incomum, é o chamado pulso hepático. Pode ser
encontrado principalmente na regurgitação tricúspide, quando a insuficiência valvar permite a
transmissão da pressão sistólica de VD para o sistema venoso. Ao mesmo tempo, o fígado
recebe o sangue arterial vindo da artéria hepática. O encontro dos dois pulsos causa o "pulso
hepático". Na verdade, trata-se de uma expansão do volume do órgão durante a sístole.

Pericardite constritiva, um caso à parte: nesta situação, a pressão venosa é, em geral, maior do
que na insuficiência cardíaca sistólica direita, tornando mais comum o desenvolvimento de
hepatopatia. Hepatomegalia, pulso hepático, ascite de grande monta, edema de MMII, atrito
pericárdico, turgência jugular e sinal de Kusmaul são achados comuns. Curiosamente, a icterícia
está ausente.

Desafio: qual seria a doença que causa hepatopatia congestiva sem, entretanto, apresentar TJP e
refluxo-hepatojugular? Síndrome de Budd-Chiari. Nesta doença há trombose de veias supra-
hepáticas (aquelas que fazem a drenagem venosa do fígado) e por isso a pressão venosa central é
normal. Será abordada em outro volume, junto com as causas de hipertensão porta.

MANIFESTAÇÕES LABORATORIAIS

Cerca de 70% dos pacientes desenvolvem um aumento de bilirrubinas discreto (em geral menor
que 3 mg/dl) com predomínio de BI, cuja etiologia ainda é incerta. Embora as aminotransferases
estejam normais na maioria dos pacientes, cerca de 30% experimenta um aumento discreto, que
não ultrapassa três vezes o limite superior da normalidade. A mesma lógica ocorre com a FA e GGT,
embora possa haver um pequeno aumento. A albumina está baixa em 30 a 50% dos pacientes,
porém não menor que 2,5 g/dl. Esta hipoalbuminemia não se relaciona à doença hepática e parece
ocorrer por má-nutrição e perdas gastrointestinais. O TAP apresenta-se discretamente alargado em
alguns pacientes, porém a causa é desconhecida. A dosagem de amônia também está elevada,
mesmo sem disfunção hepática importante. A causa deste fenômeno ainda é uma incógnita.

Cuidado: casos de hepatopatia congestiva aguda geralmente se associam a choque circulatório e


hepatite isquêmica. Nestas situações, podemos encontrar apresentações atípicas como aumento
agudo de aminotransferases > 1.000 U/L que farão diagnóstico diferencial com hepatites virais.

DIAGNÓSTICO

Devemos suspeitar desta condição em toda hepatopatia que ocorra num paciente cardiopata, sem
evidência de outra causa que não a própria doença cardíaca. A biópsia, nesse caso, pode ajudar no
diagnóstico diferencial. Mas cuidado, devemos sempre avaliar a presença de coagulopatia antes de
realizá-la e pacientes com ascite não devem fazer o procedimento por via percutânea. O fígado em
noz-moscada (FIGURA 6) é a descrição grosseira de um fígado com hepatopatia congestiva. Ele
representa áreas avermelhadas entremeadas por parênquima normal. À microscopia temos:
ingurgitamento sinusoidal, necrose hemorrágica na zona 3 (centrolobular), transformação
gordurosa e variados graus de colestase. O acúmulo de colágeno na zona 3 forma uma lesão
chamada esclerose cardíaca e reflete congestão hepática crônica.

Fig. 6
Congestão hepática: lesão centrolobular e aspecto em noz-moscada (nutmeg liver).

Também já apareceu uma questão com o tema na prova da UFF:

Descompensação cardíaca direita, com combinação de hipoperfusão e hipóxia hepáticas,


seguida de necrose hemorrágica centrolobular, dando ao fígado uma aparência mosqueada
conhecida como fígado em noz-moscada, é observada em caso de:

a) Adenoma hepático.

b) Infarto hepático.

c) Congestão passiva crônica hepática.

d) Peliose hepática.

e) Síndrome de Budd-Chiari.

» Resposta: letra C.

TRATAMENTO

Deve ser focado na doença cardíaca de base. Os diuréticos são a base do sucesso terapêutico, mas
devem ser administrados com cuidado, pois podem causar diminuição do débito cardíaco e
precipitar hepatite isquêmica. Nos casos em que o tratamento da doença cardíaca envolver o uso
de anticoagulação, é necessário estar atento, pois estes pacientes apresentam maior sensibilidade
ao warfarin.

PROGNÓSTICO

É dado principalmente pela doença cardíaca de base. Quando tratada precocemente, podemos ter
reversão completa da lesão hepática. Porém, em casos crônicos, a evolução para cirrose pode
ocorrer. Mesmo nestes casos, a principal causa de mortalidade é a lesão cardíaca, e não a lesão
hepática.

APÊNDICE III
VIAS BILIARES E OUTRAS CAUSAS DE COLESTASE

ANATOMIA E FISIOLOGIA DAS VIAS BILIARES


Antes de começarmos a descrição das doenças propriamente ditas, observe atentamente a
FIGURA 1, que ilustra a anatomia do sistema biliar. Perceba que a árvore biliar é formada pela
vesícula, ducto cístico, ducto hepático comum (resultante da confluência dos ductos hepáticos
direito e esquerdo) e ducto colédoco ou ducto biliar comum (união do ducto hepático com o
cístico). A origem embriológica de todos eles vem de uma estrutura conhecida como divertículo
hepático, brotamento ventral do intestino anterior que surge em torno da 4ª semana.
Fig. 1

A vesícula biliar é ainda dividida anatomicamente em: fundo, corpo, infundíbulo e colo (FIGURA 2).
No colo, identificamos uma estrutura sacular que costuma ocultar sua junção com o ducto cístico
denominada bolsa de Hartmann.

Fig. 2

Quanto aos ductos hepáticos, cada um se responsabilizará pela drenagem de determinados


segmentos do fígado. O ducto esquerdo, encarregado da drenagem dos segmentos hepáticos II, III
e IV. O direito, dos segmentos V, VI, VII e VIII. O segmento I corresponde ao lobo caudado, cuja
drenagem é variável. Um detalhe cirúrgico importante: o ducto direito é mais curto que o esquerdo
e isso tem algumas implicações cirúrgicas, quando se quer fazer uma anastomose bileodigestiva.
Por ser mais curto, é mais difícil de manusear e conduzi-lo até a alça intestinal.

O ducto colédoco, por sua vez, segue seu trajeto passando por quatro segmentos (supraduodenal,
retroduodenal, pancreático e intraduodenal) até penetrar no duodeno em junção com o ducto
pancreático principal (Wirsung), formando a ampola de Vater. Essa estrutura desemboca na papila
maior do duodeno.

Aqui, cabe ressaltar algumas formações anatômicas importantes:

■ Ligamento hepatoduodenal: contém o ducto hepático comum (anteriormente), a artéria


hepática e a veia porta (posterior);

■ Triângulo de Calot (hepatocístico): composto pelo ducto hepático comum, a borda inferior do
fígado e o ducto cístico. A artéria cística passa no interior deste triângulo e tem importância
para as cirurgias de colecistectomia.

Quanto à fisiologia, sabemos que o fígado produz 500–1.000 ml de bile por dia, cuja secreção é
estimulada via nervo vago e os hormônios secretina, Colecistocinina (CCK), gastrina. A bile é
composta por água, eletrólitos (sódio, potássio, cálcio, cloreto), sais biliares (ex.: colato), proteínas,
lipídios (colesterol e fosfolipídios) e pigmentos biliares (bilirrubina). Após percorrer o trajeto dos
ductos hepáticos direito e esquerdo, ducto hepático comum, ducto biliar comum (colédoco), a bile
encontra o esfíncter de Oddi fechado. Com isso, ela começa a retornar, na "contramão", até o ducto
cístico e preencher a vesícula. Nesta, ela é armazenada e concentrada durante o jejum até que o
indivíduo faça uma nova refeição (a CCK também estimula a contração da vesícula e o relaxamento
do esfíncter de Oddi). Agora observe: a vesícula tem uma capacidade de armazenar apenas 50 ml
de bile e são produzidos 500 ml!!! Daí podemos concluir que, para "dar conta de tudo isso", a
mucosa da vesícula biliar contém maior capacidade absortiva por área do que qualquer outra
estrutura do organismo. A bile será lançada no intestino, como componente importante para
emulsificação de gorduras, facilitando a ação das lipases. Por último, 95% dos sais biliares que
chegam ao intestino serão reabsorvidos no íleo terminal e retornarão ao fígado pela veia porta
(recirculação entero-hepática). Apenas 5% são definitivamente excretados nas fezes.

FÍGADO E COLESTASE (CIRROSE BILIAR SECUNDÁRIA)

Como veremos neste módulo, a estase resultante dos quadros obstrutivos nas vias biliares pode
levar à formação de cálculos e infecções secundárias, o que, por si só, já seria motivo de
preocupação. Mas, em longo prazo, lesões hepáticas também são possíveis, chegando em casos
extremos a uma complicação conhecida como cirrose biliar secundária.

Saiba que o aumento da pressão nos ductos e dúctulos biliares dos espaços-porta leva ao
extravasamento de sais biliares, que possuem efeito tóxico sobre os hepatócitos. Os sais biliares
são detergentes!! Os hepatócitos adjacentes ao espaço-porta (periferia do lóbulo) acumulam
pigmento biliar, tornando-se edemaciados e sofrendo em seguida morte por apoptose (FIGURA 3).
Verdadeiros "lagos biliares" preenchem os locais em que ocorreu degeneração e destruição
hepatocitária. Episódios recorrentes de colangite bacteriana aguda ascendente contribuem para
acelerar o processo, ao provocar inflamação neutrofílica periductal.

Fig. 3

E o interessante é perceber que qualquer doença que provoque obstrução crônica das vias
biliares, cursando com a síndrome colestática clássica (icterícia obstrutiva), pode causar a cirrose
biliar secundária. As causas variam com a faixa etária:

■ Adultos: coledocolitíase, estenose cicatricial iatrogênica, colangite esclerosante, tumores (em


geral, o paciente morre antes de ter a cirrose);

■ Crianças: cistos de colédoco, atresia biliar.

Se a cirrose não for muito avançada, a desobstrução da via biliar impede a sua progressão e pode
até melhorar a função hepática. O ideal, obviamente, é prevenir a cirrose biliar secundária,
identificando precocemente a sua doença causal e corrigindo-a, se possível. As endopróteses
(stents) biliares e as derivações biliodigestivas são importantes armas contra esta temida
complicação.

Conceito: cirrose biliar secundária não é uma doença, mas, sim, uma possível complicação de
qualquer desordem colestática crônica que veremos neste módulo!!!

Cabe marcar que, além da relação entre colestase e doença hepática, podemos ter também entre
colestase e lesão renal. Isto se deve a impregnação e toxicidade tubular por cilindros biliares e
deve ser levado no diagnóstico diferencial de pacientes da síndrome hepatorrenal.

OUTRAS CAUSAS DE COLESTASE

COLANGIOPATIA ISQUÊMICA

Esta rara entidade ocorre principalmente após transplantes hepáticos. Outras situações associadas
são: pós-cirurgias das vias biliares, uso de quimioembolização, estados de hipercoagulabilidade,
uso de fluoxuridina (quimioterápico) e pacientes críticos com falência respiratória. É simples de
entender... Dentro do capítulo de Lesão Hepatocelular, quando falávamos de hepatite isquêmica,
nós vimos o que acontecia quando o fluxo sanguíneo era interrompido em um ramo da artéria
hepática que nutria o fígado. Entretanto, se o ramo da artéria hepática obstruído for o plexo
peribiliar, quem sofrerá isquemia serão as vias biliares!!! O tratamento se faz com dilatação ou
colocação de stents nos ductos biliares. Em casos de colangiopatia isquêmica pós-transplante é
essencial o retransplante.

SÍNDROME DO DESAPARECIMENTO DE DUCTOS BILIARES (VANISHING BILE DUCT SYNDROME)

Quadro decorrente da destruição progressiva e desaparecimento de ductos biliares intra-hepáticos,


levando à ductopenia e à colestase. Está relacionada a doenças imunes, genéticas, infecções,
linfomas ou à forma idiopática, e o diagnóstico é confirmado pela biópsia hepática. Não há como
prever a evolução do quadro, que pode ser benigna, com regeneração biliar seguida de
recuperação em meses a anos ou cursar com lesão irreversível e cirrose biliar, necessitando de
transplante hepático.

PARASITAS DAS VIAS BILIARES

Além da ascaridíase, algumas parasitoses pouco usuais podem ser encontradas aqui. Uma delas é
a clonorquíase, verminose hepática causada pelo Clonorchis sinensis, que junto com espécies do
gênero Opisthorchis (opistorquíase) e a Fascíola hepática (fasciolíase) constitui o grupo de
trematodos ("vermes achatados") que mais infecta o fígado humano!!! O clonorquis é
acidentalmente ingerido pelo homem após o consumo de peixe e molusco malcozidos. É muito
mais frequente nos países do extremo Oriente (ex.: China, Coreia) devido aos hábitos alimentares
tradicionais naquelas localidades. Na fasciolíase, o verme atinge o fígado pela via transperitoneal:
após ingestão de cercárias há formação de metacercárias no duodeno, que atravessam a parede
duodenal, caem na cavidade peritoneal e migram até o fígado, invadindo-o após perfurarem a
cápsula de Glisson. Elas fazem caminho em meio ao parênquima hepático induzindo diretamente
necrose hepatocelular, até chegarem aos canais biliares. O Ascaris lumbricoides — dispensa
apresentação — é o helminto intestinal mais comum do mundo, podendo atingir as vias biliares
eventualmente, levando a quadros colestáticos. A equinococose hepática, causada pelo
Echinococcus granulosus, responsável pela formação de cistos hepáticos, é geralmente
assintomática. Contudo, um dos cistos pode se tornar muito grande (principalmente quando > 10
cm), levando ao surgimento de sintomas compressivos e colestase.

COLESTASE INTRA-HEPÁTICA DA GRAVIDEZ

Ocorre nos 2º e 3º trimestres, com incidência mais elevada em algumas regiões como Bolívia, Chile
e Escandinávia, especialmente em meses mais frios. A fisiopatologia não é conhecida exatamente,
embora tenha sido verificada a presença de fatores genéticos (mutação do gene ABCB4),
ambientais (sazonal) e hormonais (estrogênio e progesterona). A apresentação característica é a de
um prurido, por vezes bastante acentuado, que piora à noite e é mais comum na palma e planta
das mãos. Isso diferencia esta condição de outras causas de hiperbilirrubinemia, como a síndrome
HELLP e esteatose hepática aguda da gravidez. O tratamento é feito à base de sintomáticos e ácido
ursodesoxicólico. O prognóstico é bom para a mãe, mas pode ser extremamente deletério para o
feto.

APÊNDICE IV
LAPAROSCOPIA E LESÕES IATROGÊNICAS DAS VIAS
BILIARES

LAPAROSCOPIA E SUAS REPERCUSSÕES SISTÊMICAS – O QUE EU TENHO QUE


SABER?

Faremos agora uma revisão geral sobre laparoscopia e seus efeitos sistêmicos, um tema que vem
sendo frequentemente cobrado nas provas de residência médica. Apesar do cansaço que pode
reinar neste momento, não deixe de ler esse tópico!

A laparoscopia é uma técnica minimamente invasiva que vem sendo amplamente utilizada à
medida que cresce a experiência da comunidade médica com o procedimento. No entanto, apesar
de seus enormes benefícios, não se trata de um procedimento isento de riscos ou sem
repercussões orgânicas. Como esse é um tema que aparece nas provas, vale a pena lembrarmos
alguns aspectos mais importantes...

Quais seriam as principais repercussões orgânicas associadas à laparoscopia?

Em primeiro lugar, devemos reconhecer que os efeitos associados à laparoscopia são decorrentes
de três fatores principais:

1. Efeito dos anestésicos;

2. Efeitos mediados pela incisão;

3. Pneumoperitônio.

Os efeitos dos anestésicos são inerentes a cada classe de drogas e discutiremos em outro módulo
os principais agentes relacionados. O mesmo temos para a incisão cirúrgica, capaz de deflagrar
resposta endocrinoimunológica, porém, aqui, em proporções que tendem a ser menores do que na
cirurgia aberta. Assim, neste tópico, vamos nos preocupar mais com a grande particularidade do
procedimento laparoscópico que é a formação do pneumoperitônio. Essa etapa é fundamental
para afastar as vísceras da parede abdominal, permitindo uma melhor visualização dessas
estruturas.

E, para isso, vamos entender que os efeitos mediados pelo pneumoperitôneo se devem
basicamente a dois fatores: os mediados pelo CO2 (principal gás instilado) e pelo pneumoperitônio
(aumento da pressão intra-abdominal). Veja a seguir:

EFEITOS MEDIADOS PELO CO2

São efeitos complexos e pouco entendidos. De uma forma geral, quando falamos em
repercussão hemodinâmica da laparoscopia, estamos falando principalmente dos efeitos
relacionados ao pneumoperitônio. De qualquer forma, vamos conferir alguns detalhes...

ACIDOSE RESPIRATÓRIA

Devido à rápida absorção do gás, esta é a consequência imediata. No entanto, este quadro é
inicialmente muito bem contornado graças aos tampões fisiológicos e à hiperventilação
determinada pelo anestesiologista durante a ventilação mecânica.

EFEITOS CIRCULATÓRIOS

Com a absorção do CO2, podemos ter uma resposta pelo sistema nervoso autônomo simpático
capaz de gerar um aumento da frequência cardíaca e arritmias.

EFEITOS MEDIADOS PELO PNEUMOPERITÔNIO

São os mais importantes para a prova. O período mais crítico se dá nos cinco minutos iniciais da
insuflação (também conhecido como golden five minutes).

ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS

■ Diminuição do retorno venoso e do débito cardíaco/aumento da resistência vascular


periférica e da FC.

Pela compressão da veia cava inferior, temos inicialmente a redução do retorno venoso e do débito
cardíaco, seguidos de taquicardia compensatória. Percebam que, mesmo aumentando a
frequência, o débito continua baixo porque não tem volume!!! O coração é uma bomba e não pode
bater a seco... Este efeito, no entanto, ocorre principalmente em pacientes hipovolêmicos.
Pacientes hipervolêmicos, pelo contrário, poderiam ter até um aumento do débito.

A posição do paciente com elevação da cabeça e rebaixamento dos membros inferiores, utilizada
em algumas cirurgias, também contribui para a redução do retorno venoso (Trendelemburg
reverso). Por outro lado, devido à compressão da aorta e dos vasos viscerais, temos também o
aumento da resistência arterial periférica.

■ Aumento da pressão intratorácica/Pressão Venosa Central (PVC)/Pressão Intracraniana


(PIC)/pressões de enchimento do VD e do VE e da pressão capilar pulmonar.

Tudo se explica, também, pela elevação do diafragma. Como os vasos cranianos drenariam para as
jugulares, este é o motivo do aumento da PIC. Uma absorção elevada de CO2 seguida de
vasodilatação cerebral pode, ainda, contribuir para este efeito.

■ Arritmias cardíacas.

A distensão súbita da membrana peritoneal pode desencadear uma resposta vagal cursando com
bradicardia, sendo necessário, muitas vezes, realizar o esvaziamento do pneumoperitônio,
administrar atropina e iniciar reposição volêmica para controle da frequência. No entanto, esse
reflexo nem sempre está exacerbado e, como vimos anteriormente, pode prevalecer o efeito
taquicárdico.

ALTERAÇÕES TROMBÓTICAS

■ Maior risco de trombose venosa profunda.

Pelo ingurgitamento venoso resultante do menor retorno venoso dos membros inferiores. O risco
de TEP é questionado.

ALTERAÇÕES RESPIRATÓRIAS

■ Aumento da pressão de pico inspiratória e diminuição da complacência e dos volumes e


capacidades pulmonares, com maior risco de barotrauma.

Pela elevação do diafragma.

Obs.: o grande benefício da laparoscopia é sobre a função pulmonar no pós-operatório (mobilização precoce, menos dor,
menor lesão da musculatura abdominal etc.).

FUNÇÃO RENAL

■ Diminuição do fluxo sanguíneo renal, taxa de filtração glomerular e débito urinário.

Pela compressão tanto da veia renal como diretamente do parênquima.

■ Aumento da renina plasmática e do ADH.

Como consequência da diminuição do fluxo sanguíneo renal.

OUTROS

■ Embolia gasosa.

Pelo acesso do gás ao sistema venoso.

■ Hipotermia.
O CO2 pode resfriar demais no trajeto do tanque até o insuflador.

Esses e mais outros efeitos da laparoscopia podem ser observados na TABELA 1.

Tab. 1

Saiba Mais!

Ainda que a laparoscopia seja classicamente relacionada a uma resposta endócrina menos
intensa do que uma cirurgia aberta, isso nem sempre é verdade... Alguns trabalhos mostraram,
por exemplo, que os níveis de cortisol após uma cirurgia laparoscópica eram maiores do que os
níveis de uma cirurgia aberta. Na verdade, o que provavelmente estaria envolvido seria o
equilíbrio mais rápido dos hormônios de estresse após o procedimento e não exatamente a
quantidade de hormônios liberados. De qualquer forma, assume-se que a cirurgia laparoscópica
tem repercussões imunológicas e metabólicas menores que a cirurgia aberta.

RESIDÊNCIA MÉDICA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB

Alterações que ocorrem durante a execução do pneumoperitônio na colecistectomia


videolaparoscópica, EXCETO:

a) Arritmias transitórias.

b) Aumento da PVC.

c) Aumento da frequência cardíaca.

d) Aumento do pH.

e) Aumento da pCO2.

» Durante a confecção de pneumoperitônio com gás carbônico, parte dessa substância


ganha a corrente sanguínea — é “absorvida” — e determina aumento da pCO2 (E certa),
além de acidose (queda do pH; D errada). O aumento da pressão intra-abdominal se
reflete no tórax, assim, a pressão intratorácica excessiva impede a entrada de sangue
nesta cavidade, o que reduz o retorno venoso e “represa” o sangue na circulação venosa
central (B certa). Por conseguinte, há redução do débito cardíaco. A tentativa de
compensação é com o aumento da frequência cardíaca. Durante a cirurgia laparoscópica,
são comuns arritmias cardíacas transitórias (A certa). Resposta: letra D.

LESÃO IATROGÊNICA DAS VIAS BILIARES – O QUE EU TENHO QUE SABER?


É mais comum na colecistectomia laparoscópica do que na aberta, embora ainda seja rara (0,85%).

Principais fatores associados: inflamação aguda ou crônica (colecistite, colangite, pancreatite),


obesidade, variações anatômicas, sangramento e inexperiência do cirurgião.

A principal forma de prevenção é só proceder à cirurgia se a junção infundíbulo-cística for bem


visualizada após a dissecção. É controverso se a colangiografia transoperatória rotineira é capaz de
prevenir iatrogenia, embora possa impedir as lesões mais graves e facilitar o reconhecimento da
lesão no ato cirúrgico. Sempre que houver suspeita de lesão da via biliar, a colangiografia deve ser
realizada.

Conforme cresce a experiência do cirurgião (> 20 casos), a taxa de lesão diminui. Estudos recentes
mostram que a maior parte dos erros não ocorre exatamente por falha técnica, mas, sim, por uma
"ilusão" na percepção visual (achar que era uma estrutura e não era). A lesão mais clássica é
tomar o ducto colédoco como ducto cístico durante a tração da vesícula e clampeá-lo.

APRESENTAÇÃO

A lesão da via biliar pode ser reconhecida em três momentos: durante a cirurgia, no pós-operatório
imediato e tardiamente (de meses a anos). Apenas 25% das lesões são reconhecidas durante o
procedimento (geralmente lesões de ductos maiores), seja por um "vazamento" de bile, por uma
colangiografia alterada ou por um reconhecimento anatômico. O restante será reconhecido após a
cirurgia, sendo que mais de 50% das lesões são detectadas ainda no primeiro mês.

A lesão pode ser de dois tipos:

1. Tipo "vazamento" ou fístula (coto cístico, transecção de ducto hepático direito aberrante ou
lesão lateral do colédoco);

2. Tipo obstrução (ligadura) ou estenose cicatricial.

MANIFESTAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO

Depende do tipo (fístula x ligadura x estenose). A avaliação inicial se dá por exames de imagem
USG/TC à procura de uma fístula com formação de "biloma". Na ausência deste achado,
prosseguimos a investigação de ligaduras e estenose com a CTP ou a CPRE.

O vazamento (fístula) biliar se apresenta no pós-operatório imediato, com dor no QSD, febre,
distensão abdominal, elevação de enzimas hepáticas, geralmente sem icterícia. Uma pista
diagnóstica é o extravasamento de bile pelo dreno ou ferida operatória! A USG ou a TC mostram
coleção sub-hepática ("biloma") ou líquido livre na cavidade abdominal (ascite). A CPRE é o exame
mais utilizado para investigação pela sua possibilidade terapêutica (esfincterotomia).

A ligadura de um ducto principal (colédoco ou hepático comum) se apresenta no pós-operatório


imediato com icterícia importante, associada ou não a dor abdominal no QSD. USG e TC mostram
dilatação de vias biliares proximais à ligadura. Confirmação: CTP (colangiografia trans-hepática
percutânea), também com fins terapêuticos (cateter de drenagem). Pela frequente
indisponibilidade do método, se houver alguma perviedade da via biliar, a CPRE pode ser utilizada
para investigar a via biliar.

A estenose cicatricial do colédoco ou hepático comum costuma se manifestar tardiamente, com


icterícia progressiva, podendo levar à colangite e à cirrose biliar secundária.

Se houver suspeita de lesão durante o procedimento, o exame de investigação, como já vimos, é a


própria colangiografia intraoperatória.

CLASSIFICAÇÃO

A classificação mais empregada para a avaliação das lesões biliares é aquela proposta por
Strasberg (Bismuth modificada). Ela encerra um importante valor prognóstico. Quanto mais
proximal a lesão, pior seu prognóstico. Em termos práticos, você não precisa decorá-la para a
prova.

A. Vazamentos oriundos de pequenos ductos ligados à via biliar principal (cístico, leito vesicular etc.).

B. Ligadura de um ducto hepático direito aberrante.

C. Lesão de um ducto hepático direito aberrante sem ligadura.

D. Lesão lateral em via biliar principal.

E. Estenoses (antiga classificação de Bismuth): 1. estenose baixa do ducto hepático comum com coto > 2 cm; 2.
estenose baixa do ducto hepático comum com coto < 2 cm; 3. estenose proximal do ducto hepático comum
com confluência íntegra; 4. estenose proximal do ducto hepático comum com confluência estenosada; e 5.
estenose associada a lesão de um ducto hepático direito aberrante.

TRATAMENTO

LESÕES PERCEBIDAS NO PRÓPRIO ATO CIRÚRGICO

Devem ser reparadas na hora para evitar o desenvolvimento de estenoses cicatriciais. O reparo
primário pode ser feito, se possível, sem tensão (sutura com tensão = estenose cicatricial no
futuro). Se isto não for viável, fazer derivação bilioentérica!! Assim, teremos:

■ Lesão parcial (< 30% do ducto biliar) = reparo com dreno de Kher ("em T");

■ Lesão extensa (> 30% ou transecção) = coledocojejunostomia em Y de Roux;

■ Lesão isolada de ductos hepáticos: < 3 mm = ligadura; > 3 mm = hepaticojejunostomia em Y de


Roux.

LESÕES PERCEBIDAS APÓS A CIRURGIA

■ Vazamento (fístula) pelo coto cístico: drenagem percutânea do biloma + CPRE com
esfincterotomia e colocação de endoprótese (stent) no colédoco.

■ Lesões graves de colédoco ou hepático comum: cateter de drenagem transepática, seguida


de reparo ou derivação bilioentérica após 6–8 sem.

■ Estenose cicatricial (colédoco ou hepático comum): endoprótese (stent) na via biliar.

APÊNDICE V
SÍNDROME ICTÉRICA X PROVA DE PEDIATRIA

E ste é mais um diferencial no método didático do MED! Você que acabou de ver em aula o
raciocínio diagnóstico da síndrome ictérica no adulto, deve entender que algumas particularidades
devem ser levadas em conta na hora de abordar essa mesma síndrome na infância. As provas
cobrarão de você esta "visão pediátrica", que pode variar desde a lista de hipóteses aventadas até a
forma de tratá-las.

VISÃO DO PEDIATRA

CONCEITOS INICIAIS

Ao longo desta apostila, você foi apresentado a uma série de condições que devem ser incluídas no
diagnóstico diferencial da síndrome ictérica e percebeu o quão extenso é o tema. Ao se deparar
com este capítulo, você se assusta e pergunta: "se isso aparecer na prova de pediatria, todo o meu
raciocínio diagnóstico será diferente?". Calma, não é bem assim. Quando estivermos atendendo
crianças maiores e adolescentes, a abordagem diagnóstica será essencialmente a mesma que você
já aprendeu! A grande diferença na prática pediátrica está na abordagem da icterícia no período
neonatal e no lactente.

CONCEITO 1: a grande ideia que deve ficar deste capítulo é a de que as causas de icterícia no
período neonatal e no lactente são diferentes das encontradas nas crianças maiores e
adolescentes.

Diferentemente de tudo o que foi visto até o momento, a icterícia nos primeiros dias de vida não é
necessariamente marcador de um processo mórbido. Em cerca de 60% dos recém-nascidos a
termo e em 80% daqueles nascidos prematuros, é possível observarmos icterícia na primeira
semana de vida. Na maioria das vezes, essa alteração representa tão somente uma icterícia
fisiológica. Este evento é o somatório de alguns fatores, mas decorre, principalmente, da transição
do metabolismo da bilirrubina durante a vida fetal para o metabolismo da bilirrubina na vida
adulta, que você bem conhece. A icterícia fisiológica é um processo autolimitado e se dá
exclusivamente pelo aumento de bilirrubina indireta. Nos recém-nascidos a termo, essa icterícia
desaparece tipicamente ainda na primeira semana de vida.

CONCEITO 2: a icterícia fisiológica, que pode ocorrer nos primeiros dias de vida, é sempre pelo
aumento de bilirrubina INDIRETA.

Então, sempre que eu estiver diante de um recém-nascido com hiperbilirrubinemia indireta, eu estarei
diante de uma icterícia fisiológica? De forma alguma! Existem causas patológicas que cursam com o
aumento da bilirrubina não conjugada no período neonatal, como as anemias hemolíticas, mas
não falaremos sobre isso por enquanto. O diagnóstico diferencial da hiperbilirrubinemia não
conjugada nos recém-nascidos será extensamente revisto no módulo de neonatologia na pediatria.
Por ora, o que nos interessa mesmo é chamar sua atenção para a abordagem da
hiperbilirrubinemia DIRETA nesta faixa etária. Guarde o próximo conceito:

CONCEITO 3: icterícia neonatal pelo aumento de bilirrubina DIRETA é sempre patológica.

HIPERBILIRRUBINEMIA DIRETA NO PERÍODO NEONATAL (COLESTASE NEONATAL)

O termo colestase neonatal é utilizado para caracterizar uma situação em que há dificuldade no
fluxo biliar pelo fígado e vias biliares, levando à diminuição ou à ausência de bile no intestino.
Como consequência, ocorre o acúmulo sérico e hepático das substâncias habitualmente excretadas
na bile. Sob esse termo, podemos englobar tanto as condições que cursam com doença intra-
hepática quanto aquelas que têm predominantemente comprometimento extra-hepático. O
aumento da bilirrubina direta é o grande marcador utilizado para a definição do quadro de
colestase neonatal.

Ao contrário do aumento da bilirrubina indireta, que pode ser fisiológico nos primeiros dias de
vida, o aumento da bilirrubina DIRETA sempre irá sinalizar um processo patológico. Por esse
motivo, sempre que estivermos diante de um recém-nascido que apresente uma icterícia que se
prolongue por mais tempo do que aquele que seria esperado para uma icterícia fisiológica, é
fundamental que tenhamos certeza de que não está ocorrendo o aumento da bilirrubina direta. O
conceito clássico é de que quando a icterícia surge após duas semanas de vida, ou quando persiste
após esse período, é fundamental que os níveis de bilirrubina total e da fração conjugada sejam
determinados. É evidente que essa determinação também é mandatória na presença de outros
indícios de colestase (colúria ou acolia) que se apresentem antes dessa época. Em suas diretrizes
mais recentes, a Sociedade Norte-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediá‐
trica (NASPGHAN) orienta que qualquer valor acima de 1,0 mg/dl seja considerado alterado e
indique a necessidade de avaliação adicional independentemente do percentual da bilirrubina total
que isso represente.

DOENÇAS INTRA-HEPÁTICAS

Neste grupo, podemos encontrar doenças metabólicas, endócrinas ou infecciosas, desordens da


embriogênese, além de condições com mecanismos ainda mal definidos. Algumas delas devem ser
prontamente reconhecidas, pois dispõem de tratamento específico. É o caso, por exemplo, do
hipotireoidismo, que requer início imediato da reposição hormonal, e da galactosemia, que implica
na adoção de uma dieta específica, isenta em lactose. Diversos testes diagnósticos específicos e a
presença de outros sinais e sintomas nos auxiliam na identificação dessas condições. A hepatite
neonatal idiopática é uma das principais causas de doença intra-hepática e é mais comum em
nascidos prematuros ou pequenos para a idade gestacional. É uma doença de etiologia indefinida,
cuja incidência vem diminuindo, uma vez que condições outrora não especificadas acabavam
sendo incluídas nesta categoria. É um diagnóstico que só pode ser estabelecido quando outras
causas de colestase tenham sido excluídas.

DOENÇAS EXTRA-HEPÁTICAS

Embora o tema seja bastante extenso, o tópico mais abordado nos concursos de residência médica
é justamente um dos principais motivos para a urgência no diagnóstico diferencial da colestase
neonatal: a atresia de vias biliares. As crianças com esta condição devem ser rapidamente
submetidas a um procedimento cirúrgico, daí a urgência para o diagnóstico correto. O retardo no
diagnóstico e no procedimento irá inexoravelmente levar à progressão da lesão hepatocelular
secundária à obstrução do fluxo biliar, com subsequente cirrose e falência hepática terminal. Para
você dimensionar a importância dessa desordem, basta saber que ela é a principal causa de
transplante hepático na população pediátrica.

Em um significativo percentual de casos, a investigação da colestase neonatal terá como


diagnóstico final uma das seguintes condições: atresia de vias biliares ou hepatite neonatal.
Infelizmente, nenhum dado clínico ou de avaliação de imagens isoladamente é suficiente para a
distinção absoluta entre essas duas condições.

Atresia de Vias Biliares

A atresia de vias biliares resulta da obliteração dos ductos biliares extra-hepáticos, o que pode
ocorrer em qualquer ponto da árvore biliar. Os mecanismos patogenéticos que levam ao quadro
ainda não são completamente esclarecidos. Existem duas formas clínicas bem conhecidas desta
condição: a forma embrionária, ou de início fetal, e a forma perinatal, ou adquirida. A forma
embrionária é menos comum; a obliteração está presente desde o nascimento e associa-se com
outras anomalias congênitas. A forma perinatal é responsável por cerca de 85% dos casos e ocorre
na ausência de outras anomalias congênitas. Nesta forma, os ductos biliares estão pérvios ao
nascimento e a obliteração da árvore biliar ocorre progressivamente.

Na forma perinatal, a icterícia tem início tipicamente entre a segunda e a sexta semana de vida,
momento em que também irão surgir a colúria e a acolia. O recém-nascido encontra-se em bom
estado geral, o que muitas vezes leva ao atraso na busca pelo atendimento médico. O exame físico
pode revelar, além da icterícia, a presença de hepatomegalia e a alteração na consistência hepática
(isso é mais típico dos quadros de atresia do que dos quadros de hepatite idiopática).

Uma vez identificado que o recém-nascido ou lactente ictérico tem o aumento da bilirrubina direta,
inicia-se uma corrida contra o tempo. São realizados diversos exames complementares buscando-
se confirmar ou afastar o diagnóstico de atresia de vias biliares. A confirmação definitiva da atresia
só é obtida pela colangiografia, mas outras avaliações são realizadas previamente, numa tentativa
de se evitar a realização desnecessária de uma intervenção invasiva. Os protocolos de seguimento
desses casos podem ter algumas variações entre os serviços pediátricos, mas a tônica é sempre a
mesma: não há tempo a perder.

A USG é um exame realizado frequentemente na abordagem inicial da colestase neonatal. O exame


pode ser útil, principalmente, para a identificação de algumas causas de colestase extra-hepática,
como o cisto de colédoco. No caso da atresia de vias biliares, o diagnóstico pode ser sugerido pela
ausência da visualização da vesícula biliar ou pela identificação de uma vesícula pequena, embora
esses achados não sejam específicos desta condição. O dado ultrassonográfico mais importante
para o diagnóstico é a identificação do sinal do cordão triangular (FIGURA 1) correspondendo ao
cone fibroso no porta hepatis. A identificação desse sinal possui alto valor preditivo positivo para o
diagnóstico de atresia de vias biliares e alguns serviços consideram que esse achado seja suficiente
para indicar a laparotomia exploradora, sem a necessidade mesmo da biópsia hepática.
Fig. 1
USG evidenciando o sinal do cordão triangular em um paciente com atresia biliar.

Outro exame que pode ser realizado é a cintilografia hepatobiliar. O radiofármaco é administrado e
se espera a captação hepática e excreção intestinal do mesmo. Desta maneira, o exame é capaz de
identificar a patência ou a obstrução dos ductos biliares e a presença do marcador do intestino
afasta, a princípio, o diagnóstico de atresia. Porém a ausência de eliminação do isótopo para o
intestino é pouco específica para esta enfermidade. Este dado somado à necessidade da
administração de fenobarbital para aumento da excreção do isótopo por alguns dias antes do
procedimento (o que "atrasa" o diagnóstico) fazem com que este procedimento tenha valor
limitado na abordagem diagnóstica.

Preste atenção agora no conceito mais importante: a biópsia hepática percutânea é o


procedimento de escolha para a avaliação da doença hepatobiliar neonatal e diferenciação entre a
atresia e a hepatite neonatal. A proliferação dos ductos, a presença de plugs de bile e a fibrose
portal são os achados que indicam o diagnóstico da atresia de vias biliares. As biópsias realizadas
muito precocemente podem ter resultados falso-negativos, pois alguns achados característicos
podem demorar algumas semanas para se instalar.

Se todos os exames realizados anteriormente não forem categóricos no estabelecimento de algum


outro diagnóstico e houver a suspeita de atresia de vias biliares deve-se proceder à colangiografia
direta durante laparotomia, que irá fornecer o diagnóstico definitivo. Realiza-se a punção e a
injeção de contraste na vesícula biliar e assim a patência das vias biliares é, de fato, determinada.
Essa avaliação é capaz de identificar a presença e o local de obstrução. A colangiografia
endoscópica ou a colangiorressonância também podem ser realizadas, mas são executadas por
poucos serviços.

Em alguns casos, pode-se identificar uma obstrução que seja passível de correção. Quando isso
não é possível, o tratamento cirúrgico de escolha consiste na portoenterostomia de Kasai. A
técnica é uma tentativa de desobstrução da via biliar através da anastomose do intestino delgado
com ductos pérvios remanescentes que podem estar no tecido fibrosado no nível do porta hepatis.
Esta anastomose permite que os ductos remanescentes na porta hepatis drenem a bile diretamente
para o intestino, interrompendo a agressão hepática. O sucesso do procedimento está relacionado
ao momento em que é realizado: quanto mais precoce, mais bem-sucedida é a intervenção. O ideal
é que a intervenção ocorra nas primeiras oito semanas de vida. A realização do procedimento neste
período permite o restabelecimento do fluxo biliar em 70% dos casos; após esta idade, menos de
25% dos pacientes terão este fluxo restabelecido.

Para os pacientes com diagnóstico tardio ou com evolução insatisfatória após a cirurgia, a única
opção terapêutica restante é o transplante hepático.

Saiba Mais!

Diversos países já seguem políticas bem definidas para o diagnóstico precoce da atresia de vias
biliares. Essas campanhas são comumente chamadas de "Alerta amarelo" e buscam sensibilizar
tanto os pediatras quanto os leigos acerca da importância da detecção precoce da colestase,
valorizando a icterícia persistente e a alteração no aspecto das fezes.

A atual versão da Caderneta de Saúde da Criança, do Ministério da Saúde, traz impressa a escala
colorimétrica, que define as fezes normais e as fezes suspeitas por um sistema de gradação das
cores. Veja como isso está impresso para ser lido por todos.

COMO CAI NA PROVA


Então vamos ao que interessa! Vejamos como apareceram algumas questões sobre o tema na
prova de pediatria. O foco é exatamente saber se você é capaz de identificar o que é um quadro de
colestase neonatal e perceber a urgência que existe na abordagem desse quadro. Vale lembrar que
o tema icterícia neonatal ainda é bem mais extenso e falaremos muito sobre isso na pediatria.

Vamos começar com uma "polêmica"questão da USP-RP no concurso ocorrido em novembro


de 2022.

RESIDÊNCIA MÉDICA – 2023


HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RP DA USP – USP- RP

Paciente com 6 meses, apresenta história de icterícia, colúria e acolia desde um mês de idade.
Apresenta bom desenvolvimento ponderoestatural, sendo alimentada por aleitamento materno
e papas. Exame físico: ictérico ++/4, fígado a 3 cm do rebordo costal direito, firme; baço a 2 cm
do rebordo costal esquerdo. Exames laboratoriais: bilirrubinas totais = 7,3 mg/dl; bilirrubina
direta = 5,1 mg/dl; TGO = 245 U/L (Valor de Referência [VR] < 31); TGP = 295 U/L (VR < 31); Gama
GT = 400 U/L (VR < 50); INR = 1,5 (VR < 1,3); albumina = 3,0 g/dl (VR: 3,5 – 5). Ultrassom
abdominal: fígado com bordas rombas, contornos lobulados, aumento difuso da ecogenicidade;
presença de massa fibrosa de forma triangular situada na porção cranial da bifurcação da veia
porta; esplenomegalia. Biópsia hepática percutânea: fibrose moderada, com septos e nódulos;
proliferação de ductos biliares e frequentes lagos biliares. Com base no seu principal
diagnóstico etiológico, qual a melhor opção para esta criança?

a) Colangiografia intraoperatória.

b) Colangiografia endoscópica retrógrada.

c) Transplante hepático.

d) Cirurgia de Kasai.

» Os dados apresentados no enunciado apontam para o diagnóstico de atresia de vias


biliares: temos a descrição do sinal do cordão triangular, as alterações histopatológicas
típicas da condição... Todavia, note que esta criança já tem seis meses de idade. Neste
momento, a cirurgia de Kasai não trará mais benefício para esta criança, pois aceita-se que
a lesão hepática seja irreversível. A principal proposta terapêutica será, de fato, o
transplante hepático. O grande questionamento surgido na ocasião do concurso foi em
relação à necessidade da colangiografia intraoperatória, pois esta avaliação é o parão-
ouro para o diagnóstico. Apesar da formulação de recurso, a banca manteve seu gabarito.
Resposta: letra C.

RESIDÊNCIA MÉDICA
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNICAMP – UNICAMP

Menino, 35 dias, comparece para consulta de puericultura e mãe nega queixas. Refere
aleitamento materno exclusivo, diurese oito vezes ao dia e evacuações em dias alternados. AP:
RNT AIG, alta com 48 horas de vida. Situação vacinal atualizada e ganho ponderal diário de 35
gramas desde a última consulta. Exame físico: bom estado geral, corado, acianótico, ictérico
(zona 2 de Kramer), FR = 45 irpm. Abdome: fígado a 1 cm do rebordo costal direito com
consistência fibroelástica, borda lisa e superfície aguda, baço não palpável. A CONDUTA É:

a) Orientar banho de sol e tranquilizar a família.

b) Suspender leite materno por 48 horas.

c) Coleta de hemograma e reticulócitos.

d) Coleta de bilirrubina total e frações.

» Sempre que estivermos diante de um recém-nascido que permanece ictérico a partir da


segunda semana de vida é fundamental que seja feita a determinação dos valores de
bilirrubina total das frações. Ainda que as crianças possam apresentar quadros
autolimitados, como o quadro da icterícia do leite materno, algumas podem apresentar
quadros potencialmente graves, como o de atresia das vias biliares. Nesta condição, a
criança evolui com aplicação progressiva das vias biliares após o nascimento. A
manifestação inicial pode ser apenas a icterícia e outros sinais de coleção se, como
colúria e acolia, se desenvolvem apenas com o passar do tempo. A hepatomegalia
também se desenvolve progressivamente. Tal condição é uma verdadeira urgência, uma
vez que o tratamento cirúrgico deve ser estabelecido ainda nas primeiras oito semanas de
vida da criança (cirurgia de Kasai). Diante disso, a medida imediata é a dosagem de
bilirrubina total e frações; se for identificado o aumento da bilirrubina direta, devemos
prosseguir a investigação de um possível quadro de atresia. Resposta: letra D.

RESIDÊNCIA MÉDICA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ

Lactente com 1 mês e 20 dias, apresenta icterícia, acolia fecal e colúria. Seu estado geral é
excelente, tem ganho ponderal adequado e é alimentado exclusivamente por leite materno.
História gestacional, do parto e neonatal sem alterações. O exame de imagem mais adequado
para avaliação do diagnóstico diferencial é:

a) Ultrassonografia.

b) Ressonância nuclear.

c) Cintilografia.

d) Elastografia.

» A descrição de icterícia persistente por si só em um recém-nascido já é algo alarmante; a


associação desta manifestação com sinais de colestase (acolia e colúria) representa um
sinal da alarme para a possibilidade de uma condição potencialmente grave: a atresia de
vias biliares. O primeiro exame de imagem realizado nestes casos é a ultrassonografia
hepática e de vias biliares. Em um momento inicial, mesmo nos casos de atresia, o exame
pode ser normal. Eventualmente, pode ser visualizado o sinal do cordão triangular, um
cone de tecido fibroso que corresponde à região que está evoluindo com a obliteração.
Outros exames que podem ser feitos nestes casos incluem a cintilografia e a biópsia
hepática. A confirmação definitiva se dá pela colangiografia operatória. Resposta: letra A.

RESIDÊNCIA MÉDICA
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP

RN a termo, com 25 dias de vida, apresenta icterícia desde o início da segunda semana de vida,
com piora progressiva. Há 3 dias passou a apresentar urina de cor escura e fezes
esbranquiçadas. AP: pré-natal e parto sem intercorrências. Exame físico: peso e estatura
adequados para a idade, BEG, ictérico 4+/4, fígado palpável a 3 cm do RCD, com consistência
normal. A hipótese diagnóstica e o exame mais adequado para a definição da etiologia são,
respectivamente:

a) Icterícia colestática; biópsia hepática percutânea guiada por ultrassonografia.

b) Icterícia fisiológica do RN; dosagem de bilirrubinas séricas.

c) Colestase; dosagem de bilirrubinas séricas.

d) Colestase de causa intra-hepática; colangiorressonância magnética.

» Estamos diante de um recém-nascido que já apresenta 25 dias de vida e está ictérico há


cerca de três semanas. Uma icterícia persistente sempre é algo que nos preocupa, pois
não pode ser um quadro apenas fisiológico. Além disso, há duas informações bastante
preocupantes: a descrição de colúria e de acolia. Essas manifestações são compatíveis
com um quadro de colestase neonatal. Uma das principais causas de colestase neste
período é o quadro de atresia de vias biliares, que é classicamente considerada uma causa
de colestase extra-hepática. A primeira avaliação em um quadro como esse deve ser a
dosagem das bilirrubinas totais e frações. Todavia, a opção C não poderia ser a resposta...
Observe que a banca indagou qual seria o exame mais indicado para definição etiológica.
A dosagem das bilirrubinas vai confirmar tão somente que esta criança apresentou
aumento da bilirrubina direta. Para o diagnóstico da atresia das vias biliares, devemos
iniciar avaliação realizando uma ultrassonografia hepática e das vias biliares e costuma ser
necessária a realização da biópsia hepática. O padrão-ouro para confirmação diagnóstica é
a colangiografia perioperatória. Diante disso, a melhor resposta foi o gabarito da banca:
letra A.

RESIDÊNCIA MÉDICA
HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RP DA USP – USP-RP – SP

Lactente com dois meses de idade apresenta icterícia e colúria há um mês. Há 15 dias com
hipocolia fecal intermitente, que se tornou mantida há 10 dias. Mantendo bom estado geral,
apetite preservado, bom desenvolvimento ponderoestatural. Foi internado há uma semana para
investigação, sendo realizados os seguintes exames: bilirrubina total = 15 mg/dl; bilirrubina
direta = 10 mg/dl; TGP = 120 U/L; TGO = 150 U/L; gama GT = 500 U/L; fosfatase alcalina = 1000
U/L; hemograma sem alteração, urina rotina sem alteração. Sorologias negativas, pesquisa de
erros inatos do metabolismo na urina sem anormalidades. Ultrassom abdominal: fígado com
"cordão triangular" justa cranial à bifurcação da veia porta. Cintilografia biliar com Tc99m:
ausência do radioisótopo no intestino. Realizou biópsia hepática por agulha: presença de fibrose
periportal, colestase intra-hepatocitária, intensa proliferação de ductos biliares em espaço
portal. Baseado na principal hipótese diagnóstica, qual o próximo passo para comprovação
diagnóstica?

a) Tomografia de fígado e vias biliares.

b) Colangiorressonância magnética.

c) Colangiografia intraoperatória.

d) Tubagem duodenal.

» Um lactente de dois meses apresenta um quadro de icterícia no final do primeiro mês de


vida e isso é algo bastante preocupante. A descrição da hipocolia fecal indica um quadro
de colestase e a avaliação complementar corrobora esta impressão. Diversas condições
podem ser causa de colestase, incluindo condições clínicas ou cirúrgicas e a abordagem
inicial inclui a realização de exames de imagem, como a ultrassonografia. No relato deste
exame, temos a presença de uma alteração que sugere o diagnóstico de atresia de vias
biliares, que é o sinal do cordão triangular. O sinal do cordão triangular indica a presença
de uma massa fibrosa de forma triangular ou tubular situada na porção cranial da
bifurcação da veia porta e é a expressão ultrassonográfica do remanescente de tecido
fibroso na região do porta hepatis. A especificidade deste achado é elevada e muitos
indicam quando este sinal é identificado, não há indicação de outros exames, como a
cintilografia hepatobiliar, devendo ser indicada a confirmação. A confirmação é possível
pela colangiografia, que pode ser feita por vários métodos, sendo a intraoperatória o
padrão definitivo. Resposta: letra C.
RESIDÊNCIA MÉDICA
SELEÇÃO UNIFICADA PARA RESIDÊNCIA MÉDICA DO ESTADO DO CEARÁ – SURCE – CE

Lactente, com 28 dias de vida, é levado ao pediatra com história de icterícia desde o nascimento.
Pais informam que seu filho encontra-se em aleitamento materno exclusivo e em bom estado
geral. As fezes da criança podem ser vistas na foto. Avaliação laboratorial realizada há 3 dias
revelou bilirrubina total de 9 mg/dl, com indireta de 5,5 mg/dl. Nascera a termo e com peso
adequado para a idade gestacional. A melhor conduta para essa criança, no momento, é:

a) Referenciar com urgência a serviço terciário para investigação de colestase neonatal.

b) Encaminhar para intervenção cirúrgica em vias biliares sob risco de necessidade de


transplante hepático.

c) Colher exames de função hepática e sorologias para hepatites, com retorno para reavaliação
após 1 mês.

d) Suspender o leite materno, de acordo com as orientações do Ministério da Saúde constantes


na caderneta de saúde da criança.

» Mesmo sem ver a imagem apresentada, poderíamos saber qual a conduta diante deste
caso. Veja os resultados dos exames. Você percebe que a bilirrubina direta está
aumentada? Por mais que exista mais bilirrubina indireta do que direta, a bilirrubina direta
está aumentada. Sempre que a bilirrubina direta representar mais do que 20% da
bilirrubina total (quando esta for maior que 5 mg/dl), devemos considerar que há
aumento e iniciar o diagnóstico diferencial da colestase neonatal. Mesmo que não
tivéssemos essa informação laboratorial, deveríamos considerar essa possibilidade, pois a
imagem nos mostra fezes acólicas. Há uma enorme variedade de condições que podem
levar ao desenvolvimento desse quadro, mas podemos agrupá-las em dois grandes
grupos: as causas de colestase intra-hepática e as causas de colestase extra-hepática.
Dentre as causas de colestase extra-hepática, encontramos a atresia de vias biliares extra-
hepáticas, uma condição que deve ser prontamente reconhecida, pois o tratamento
rápido, ainda nas primeiras oito semanas de vida, é fundamental para o sucesso e bom
prognóstico. Vejamos cada uma das afirmativas. A afirmativa A pode ser considerada
correta. Ainda que não seja comum em uma prova que a conduta seja o
"encaminhamento" e não a condução do caso de forma apropriada, a investigação dos
casos de colestase neonatal costuma ser realizada em serviços especializados, com
disponibilidade para a realização dos diversos exames complementares que são
necessários. A afirmativa B, neste momento da história clínica apresentada, ainda está
errada. É possível que, em se tratando de atresia de vias biliares, a intervenção cirúrgica
seja realmente necessária (a cirurgia realizada nesses casos, como acabamos de ver, é a
cirurgia de Kasai). Porém são necessárias outras avaliações antes do encaminhamento
cirúrgico para estabelecimento do diagnóstico. A afirmativa C também está errada; ainda
que a realização de sorologias possa fazer parte da abordagem do caso, outras avaliações
também devem ser feitas e, de modo algum, a criança poderá ser revista em apenas um
mês! Como já dito, a intervenção cirúrgica nos casos de atresia de vias biliares deverá ser
feita nas primeiras oito semanas de vida. E, por fim, a afirmativa D está completamente
errada. Não há qualquer indicação para se suspender o aleitamento materno e esta
conduta não é encontrada na Caderneta de Saúde da Criança. A suspensão do aleitamento
materno poderia ser considerada em casos em que há icterícia do leite materno associada
com intensa elevação nos níveis de bilirrubina, o que deixaremos para estudar em outro
momento. Porém, nesta condição, há aumento de bilirrubina indireta, não de direta como
neste caso. Resposta: letra A.

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