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15.1 HEMORROIDAS
15.1.1 Epidemiologia e fisiopatologia
Hemorroidas são coxins vasculares presentes nas extremidades
interna e externa no canal anal, compostos por sinusoides,
vênulas e arteríolas, entremeados por tecido conectivo conjuntivo
e elástico. As principais são geralmente três, duas à direita e uma
à esquerda. Sempre que há sintomas decorrentes de alterações
nas hemorroidas, como sangramento, dilatação, prolapso e
trombose, tem-se a chamada doença hemorroidária.
As hemorroidas têm a função de proteger o canal anal no
momento da defecação e exercem papel importante na
continência fecal (15%). São ancoradas na musculatura retal por
um tecido de sustentação, denominado músculo de Treitz. O
sangue é arterial, proveniente de ramos distais da artéria retal
superior e drenam diretamente para a veia cava inferior, através
da veia pudenda.
A doença hemorroidária acomete até 50% dos indivíduos com
mais de 50 anos em algum momento da vida. Trata-se de uma das
afecções anorretais mais comuns, que acomete cerca de 15
milhões de pessoas por ano nos Estados Unidos, sendo
necessário o tratamento cirúrgico em aproximadamente 10 a
20% dos sintomáticos. Não existe diferença entre sexo,
excluindo-se as variáveis de gestação e parto.
Os principais fatores associados são aqueles que levam à
degeneração dos tecidos de sustentação dos coxins, como
predisposição hereditária, hábitos nutricionais e ocupacionais,
senilidade, gravidez e constipação. Outros fatores relacionados
são os associados ao hiperfluxo arterial, bem documentado nos
estudos com Doppler, e ao fluxo venoso retrógrado decorrente do
aumento da pressão intra-abdominal, como exercícios, tosse,
vômitos, uso de roupas constritivas e a própria posição ereta do
ser humano. Também pode haver ingurgitamento vascular
resultante das falhas de relaxamento do Esfíncter Interno do
Ânus (EIA) durante a defecação.
Convém lembrar que as hemorroidas são diferentes das varizes
retais, que ocorrem em pacientes com hipertensão portal,
notadamente cirróticos, com fisiopatologia e tratamento
totalmente diversos dos da doença hemorroidária.
15.1.2 Classificação
São classificadas, de acordo com a localização anatômica, em
internas, externas ou mistas (Figura 15.2). As hemorroidas
externas localizam-se distalmente à linha pectínea, em posição
subcutânea. Os vasos que as irrigam provêm das artérias
hemorroidárias inferiores. Como são recobertas por epitélio
estratificado originário do ectoderma, têm boa sensibilidade a dor.
As internas são aquelas localizadas acima da linha pectínea e
recebem ramos tributários dos vasos hemorroidários superiores,
médios e inferiores. Além disso, são recobertas por mucosa
derivada do tecido endodérmico e, por isso, não têm sensibilidade
à dor. Nesses casos, as hemorroidas se classificam, segundo
Goligher, em quatro grupos:
▶ Grau 1: sangramento anal sem prolapso;
▶ Grau 2: prolapso hemorroidário com retorno espontâneo;
▶ Grau 3: prolapso hemorroidário que requer redução manual;
▶ Grau 4: prolapso hemorroidário constante irredutível.
Figura 15.1 - Ânus normal e os quatro graus da classificação de Goligher da
doença hemorroidária
Fonte: logika600.
15.1.3 Diagnóstico
O diagnóstico é eminentemente clínico, com base na história
clínica e no exame proctológico.
O principal sintoma das hemorroidas internas é o sangramento,
geralmente indolor. Há hematoquezia terminal, com sangue vivo
rutilante, que se exterioriza logo após a evacuação e tinge de
vermelho o papel higiênico ou o vaso sanitário. Classicamente,
não causa anemia aguda, apesar de os pacientes relatarem
grandes volumes de hemorragia, o que na verdade é difícil de
quantificar, pela mistura do sangue com a água do vaso sanitário.
Outro sintoma comum é o prolapso, percebido como a saída de
parte da mucosa e dos coxins hemorroidários pelo ânus durante
as evacuações. Embora a trombose das hemorroidas internas
seja comum, o relato de dor é incomum, sendo o prolapso a
queixa mais frequente. Nos quadros de trombose, os pacientes
referem dor anal relacionada ou não a um evento precipitante,
acompanhada de abaulamento fixo no ânus (Figura 15.2 - B). Há
endurecimento local altamente doloroso, com melhora em dois a
quatro dias, desaparecimento da dor em torno de uma semana e
regressão total do quadro em cerca de um mês. Resolvido o
quadro agudo, pode permanecer uma prega de pele na borda anal,
no local da trombose prévia da hemorroida externa, denominada
plicoma anal.
Durante o exame, à inspeção, podem-se identificar hemorroidas
externas e internas prolapsadas. Para a identificação de
hemorroidas internas graus 2 e 3, deve-se fazer a inspeção
dinâmica. Complicações como as tromboses já podem ser
diagnosticadas nessa fase, assim como os plicomas anais.
#importante
O toque retal não se presta ao
diagnóstico de hemorroidas sem
complicações como a trombose, mas é
muito útil no diagnóstico diferencial de
outras afecções, como nos casos de
tumor e na avaliação do tônus anal.
#importante
Na fissura anal, a dor ao evacuar é o
principal sintoma, acompanhado de
sangramento vivo.
15.3.3 Tratamento
O tratamento depende do tipo da fissura. Nos casos agudos,
utilizam-se analgésicos, cuidados locais, banhos de assento e
dieta laxativa, com cicatrização em até 80% dos casos.
Nos casos de fissura crônica, o tratamento inicia-se com dieta
laxativa, banhos de assento com água morna — melhora o fluxo
sanguíneo local e relaxa o EIA — e uso de cremes miorrelaxantes,
como o diltiazem a 2%, que diminui o tônus muscular com menos
efeitos colaterais, ou o dinitrato de isossorbida a 0,2%, com a
mesma ação, mas que causa cefaleia e tem uso restrito entre
cardiopatas. A eficácia desse tratamento é de mais de 60%.
Antes do tratamento cirúrgico, pode-se tentar ainda a aplicação
de toxina botulínica, que inibe a liberação de acetilcolina e leva à
paresia da musculatura do EIA por vários meses, com cerca de 60
a 90% de cicatrização. Apesar de ter parecido promissor, o uso da
toxina tem perdido cada vez mais adeptos.
O tratamento cirúrgico é indicado para fissura anal crônica após
falha do tratamento clínico.
A cirurgia com melhores resultados é a esfincterotomia lateral
interna parcial, com sucesso em 90 a 95%; entretanto, causa
incontinência em até 10% e recidiva de 5 a 10%. A dilatação anal
leva a alto índice de incontinência e está proscrita nos dias de
hoje. A esfincterotomia posterior no leito da fissura pode levar a
deformidade anal “em buraco de fechadura” e não é mais
realizada. Uma opção, principalmente para pacientes sem
hipertonia, com incontinência anal ou fissuras recidivadas, é a
realização de retalhos mucosos ou cutâneos.
15.4 ABSCESSO ANORRETAL
15.4.1 Fisiopatologia e classificação
Os abscessos perianais são processos infecciosos geralmente
associados à doença das glândulas nas criptas de Morgagni, junto
à linha pectínea, representando a fase infecciosa aguda. Cerca de
70% dos casos cronificam e evoluem para as fístulas. Há várias
posições em que podem ocorrer, como perianal, isquiorretal,
interesfincteriana e supraelevadora (Figura 15.7).
Figura 15.7 - Regiões anatômicas dos abscessos anorretais
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.
15.4.2 Diagnóstico
Os abscessos apresentam-se, clinicamente, com dor local
contínua, eritema e tumoração dolorosa perianal ao exame
proctológico. Encontram-se os quatro sinais flogísticos clássicos:
dor, rubor, calor e tumor. Entretanto, alguns pacientes podem se
queixar apenas de dor anal de forte intensidade, e, caso o exame
físico não mostre outra causa, como trombose hemorroidária ou
fissura, devemos recorrer a exames de imagem seccional, como
ultrassonografia de partes moles de períneo por tomografia de
pelve, para excluir um abscesso profundo.
Figura 15.8 - Abscessos
15.4.3 Tratamento
Os abscessos anorretais devem ser drenados precocemente.
Antibióticos não são essenciais, mas recomendados
principalmente a diabéticos, valvulopatas e imunossuprimidos.
A drenagem deve ser a mais próxima possível da borda anal, pois,
em caso de evolução para fístula, o trajeto fistuloso será menor.
Quando se identifica orifício interno no canal anal durante a
drenagem do abscesso principal, pode-se optar por fistulotomia
concomitante ou drenagem para o tratamento da fístula em
segundo tempo (Figura 15.9).
Figura 15.9 - Abscesso perianal drenado à esquerda do paciente com
identificação do orifício interno da fístula
15.5.1 Diagnóstico
Nas fístulas, ocorre secreção intermitente, e é possível identificar
o orifício externo à borda anal, drenando material fecal ou pus.
Fístulas múltiplas e complexas devem alertar para doença
inflamatória intestinal.
Uma regra importante para prever o trajeto da fístula, é a de
Goodsall-Salmon (Figura 15.12): imaginando-se uma linha
atravessando o ânus transversalmente, todos os orifícios
externos na região posterior terminam na cripta mediana
posterior, tendo, em geral, trajeto curvo, enquanto os orifícios
externos localizados na região anterior à linha terminarão na
cripta correspondente, por meio de um trajeto retilíneo. Em certas
circunstâncias, como nas fístulas “em ferradura”, essa regra pode
estar alterada, principalmente quando o orifício externo está a
mais de 3 cm do orifício anal.
Figura 15.12 - Lei de Goodsall-Salmon para identificação de trajetos na fístula
perineal
Legenda: (A) orifício primário interno; (B) orifício externo.
Fonte: acervo Medcel.
Legenda: (A) fistulotomia após identificação de trajeto de fístula perianal; (B) e (C)
forma correta de colocação de seton; (D) forma incorreta — a pele deve ser
incisada.
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.