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Matheus Willian Krik – 19.

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SUMÁRIO

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL ........................................................................................ 3


HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA ............................................................................ 10
DOENÇA RENAL DO DIABETES ........................................................................................ 14
LESÃO RENAL AGUDA......................................................................................................... 18
SÍNDROMES GLOMERULARES.......................................................................................... 23
Síndrome nefrótica ............................................................................................................... 23
Síndrome nefrítica ................................................................................................................ 25
DOENÇA RENAL CRÔNICA ................................................................................................. 26
EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO .................................................................................. 32
Metabolismo da água........................................................................................................... 36
Hiponatremia ......................................................................................................................... 38
Hipernatremia ........................................................................................................................ 41
Hipercalemia ......................................................................................................................... 45
Hipocalemia ........................................................................................................................... 47
Depleção espaço extracelular ............................................................................................ 49
DISTÚRBIOS ÁCIDO-BÁSICOS ........................................................................................... 51
Alcalose respiratória............................................................................................................. 52
Acidose respiratória ............................................................................................................. 53
Acidose metabólica .............................................................................................................. 53
Alcalose metabólica ............................................................................................................. 54

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AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL
➢ Anatomia
O sangue é fornecido ao rim pela artéria renal e é drenado por meio da veia
renal. O exame macroscópico do rim revela uma porção externa, o córtex, que
contém os túbulos e as unidades filtradoras do néfron, os glomérulos; e uma
porção interna, a medula, constituída somente por túbulos e divide-se em uma
zona interna e uma zona externa. A urina é formada pela filtração glomerular e
alterada (reabsorvida, excretada e concentrada) pelos túbulos, deixa os ductos
coletores e escoa sequencialmente para os cálices, pelve renal, ureter e para a
bexiga. O ureter apresenta três segmentos nos quais a impactação de um cálculo
é mais frequente: na junção ureteropiélica; na porção ureteral anterior à
bifurcação das artérias ilíacas comuns; e na junção ureterovesical.

A unidade funcional do rim, o néfron é formado pelos seguintes elementos:


o corpúsculo renal, representado pelo glomérulo e pela cápsula de Bowman; o
túbulo proximal; a alça de Henle; o túbulo distal; e uma porção do ducto coletor.
O glomérulo é a porção do néfron responsável pela produção de um
ultrafiltrado a partir do plasma. Forma-se por uma rede de capilares
especializados nutridos pela arteríola aferente e drenados pela arteríola
eferente. Essa rede capilar projeta-se dentro de uma câmara que está delimitada
por uma cápsula (cápsula de Bowman), que, por sua vez, dispõe de uma
abertura comunicando a câmara diretamente com o túbulo contornado proximal.
A parede do capilar glomerular é formada por três camadas:
1. Células endoteliais: dão origem à porção mais interna (lâmina fenestrada).
2. Uma membrana basal contínua que constitui a camada média.
3. Uma camada mais externa, formada de células epiteliais (podócitos), que
constitui o folheto visceral da cápsula de Bowman.

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Situado no hilo do glomérulo, o aparelho justaglomerular é formado por:
• Mácula densa: são células em contato com as artérias glomerulares cuja
função é detectar a concentração de sódio no filtrado (equilíbrio iônico).
• Células mesangiais extraglomerulares: localizam-se entre as artérias na
região do glomérulo renal, onde fazem preenchimento do órgão. Assim,
fazem comunicação entre mácula densa e células justaglomerulares.
• Células justaglomerulares: são células musculares lisas modificadas,
localizadas na parede das artérias (aferente e eferente) e são responsáveis
pela produção de renina.

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➢ Função renal
Os rins são órgãos excretores e reguladores que eliminam o excesso de água
e metabólitos do organismo e controlam o volume de líquidos corporais,
contribuindo para a manutenção da homeostase. As principais funções são:
• Excreção de metabólitos e substâncias exógenas.
• Filtração e secreção de substâncias.
• Regulação do meio interno.
• Regulação do equilíbrio eletrolítico e ácido-base.
• Produção e secreção hormonal.
• Regulação da pressão arterial.

➢ Semiologia renal
O diagnóstico de uma enfermidade do aparelho urinário depende dos dados
subjetivos fornecidos pelo paciente, da história clínica e dos dados objetivos
obtidos por meio do exame físico e de testes laboratoriais.
Durante a anamnese, as queixas mais frequentes envolvem as alterações na
micção, no volume urinário e na cor da urina. Uma pessoa saudável urina a cada
4 a 6 h durante o dia e, normalmente, não o faz à noite, sendo que o volume
urinário diário varia entre 700 e 2.000 mℓ e a cor da urina pode variar desde o
amarelo-claro, quando diluída, até o amarelo-escuro, quando concentrada.
Dessa forma, as principais alterações são:
• Polaciúria: aumento da frequência miccional, com eliminação de pequenos
volumes de urina. Trata-se de um sintoma de irritação vesical.
• Urgência miccional: sensação de necessidade impreterível de urinar.
• Disúria: dor, ardência ou desconforto à micção.
• Nictúria: inversão do ritmo miccional, em que a diurese predomina no
período noturno. Normalmente, o indivíduo não acorda à noite para urinar,
em virtude de uma queda no ritmo de formação da urina.
• Incontinência urinária: perda involuntária de urina, que pode ocorrer após
esforços (evacuação, tosse, levantar peso).
• Retenção urinária: resulta da incapacidade de esvaziar a bexiga, mesmo
quando da produção de urina pelos rins normal.
• Oligúria: volume urinário igual ou inferior a 400 mℓ/dia.
• Poliúria: volume urinário igual ou superior a 2.500 mℓ/dia.
• Anúria: volume urinário igual ou inferior a 100 mℓ/dia.
Além disso, outras queixas frequentes são dor renal (situa-se no flanco ou na
região lombar com irradiação anterior), edema, febre e alterações na creatinina.
É importante reconhecer alguns fatores de risco cardiovascular e renal, como
doença cardiovascular familiar (homens < 55 anos e mulheres < 65 anos),
hipertensão, diabetes mellitus, resistência insulínica aumentada, obesidade,
apneia do sono e rins policísticos (doença autossômica dominante).
É válido questionar o uso de medicações, especialmente os anti-inflamatórios
não esteroides, inibidor de bomba de prótons, antibióticos, alopurinol, anti-
hipertensivos, antidiabéticos (metformina e iSGLT2), contraste iodado, derivados
do gadolínio, defensivos agrícolas e drogas recreativas.

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Durante o exame físico, é importante coletar o peso, estatura e cintura,
analisar a pressão arterial na forma correta, bem como a frequência cardíaca e
respiratória. No punho-percussão da loja renal o médico deve colocar a mão
espalmada sobre o ângulo costovertebral e aplicar um golpe com a superfície
ulnar de seu punho, usando uma força suficiente para produzir uma vibração
perceptível, porém, indolor. Em casos de desconforto doloroso, o sinal de
Giordano é positivo, sendo sugestivo de pielonefrite.

➢ Taxa de filtração glomerular (TFG)


Entre as funções mais significativas dos rins, encontra-se a de retirar do
sangue algumas substâncias, pela filtração glomerular. A taxa de filtração
glomerular (TFG) corresponde ao somatório das taxas de filtração de cada
néfron. Assim, a TFG fornece uma estimativa do número de néfrons
funcionantes, o que é de fundamental importância quando se avalia a
repercussão de uma doença sobre a função renal. Por exemplo, TFG reduzida
demonstra comprometimento da função renal, enquanto TFG aumentando
progressivamente demonstra melhora funcional.
Essa função renal de limpar, depurar, é conhecida como clearance.
Considere uma substância livremente filtrada pelos glomérulos, que não se ligue
às proteínas plasmáticas e que não seja secretada nem reabsorvida pelos
túbulos renais. O clearance dessa substância é igual à filtração glomerular, ou
seja, é a quantidade removida do plasma dividida pela concentração plasmática
média em determinado período. O clearance é interpretado como o volume de
plasma que pode ser depurado (limpo) de certa substância na unidade de tempo.
A ureia e a creatinina são substâncias basicamente excretadas pelo rim pela
filtração glomerular; desse modo, sua concentração plasmática depende da
filtração glomerular. Avalia-se a função de filtração glomerular pela concentração
plasmática e a capacidade de depuração renal (clearance) dessas substâncias.
A determinação da excreção de proteína na urina é também um importante
método de avaliação da função glomerular. Como uma das funções do glomérulo
é fornecer um ultrafiltrado do plasma praticamente sem proteína, um excesso de
proteína na urina significa uma disfunção glomerular.

➢ Creatinina
A creatinina é um produto residual da creatina. A transformação de creatina
em creatinina acontece no tecido muscular, no qual 1 a 2% da creatina livre se
converte espontânea e irreversivelmente em creatinina todos os dias. Logo, a
quantidade de creatinina produzida é dependente da massa muscular e não
apresenta grandes variações diárias.
A creatinina é filtrada livremente no glomérulo. Ao contrário da ureia, a
creatinina é ativamente secretada em uma pequena parcela, mas o suficiente
para superestimar a TFG. A quantidade secretada não é constante e depende
do indivíduo e da concentração plasmática desse analito, dificultando
sobremaneira a determinação de uma constante de secreção. Em termos gerais,
7 a 10% da creatinina presente na urina é secretada.

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Apesar de superestimar a TFG e depender da massa muscular, o clearance
de creatinina continua sendo um dos marcadores mais usados na avaliação da
função renal. Ele pode ser dosado diretamente com uma amostra de sangue e
outra de urina em 24 horas consecutivas ou por meio de fórmulas como:
• Cockcroft-Gault: estima o clearance de creatinina, mas atualmente é
obsoleta em razão de outras estimativas da TFG baseadas em radioisótopos.
• Modified diet in renal disease (MDRD): não é a melhor recomendação, pois
vários coeficientes foram incorporados na fórmula para compensar
diferenças de massa corporal e dieta em populações de diferentes etnias.
• CKD-EPI: considerada a menos tendenciosa e com maior precisão, pode-se
determinar a TFG por aplicativos de celular, basta fornecer dados como
creatinina sérica, idade, sexo e raça para obter a TFG.

➢ Ureia
A ureia é o produto final do metabolismo nitrogenado, cuja concentração
plasmática depende de muitos fatores que afetam o metabolismo do nitrogênio,
dependente principalmente da dieta (ingesta calórica e proteica). Desse
modo, ao contrário da creatinina, a concentração plasmática de ureia pode variar
muito, sem que haja alteração do clearance da ureia.
A principal utilidade clínica da ureia parece estar na determinação em
conjunto com a creatinina. A razão ureia sérica/creatinina sérica pode indicar
estados patológicos diferentes. Em valor abaixo do esperado ela pode ser
encontrada em patologias como a necrose tubular aguda, baixa ingestão de
proteínas, condições de privação alimentar ou redução da síntese de ureia por
insuficiência hepática. A análise dessa razão elevada pode indicar processos que
levam a diminuição do fluxo sanguíneo renal, aumento na ingestão proteica, ou
sangramento gastrintestinal. Outra utilidade da ureia está na sua dosagem
urinária, que pode fornecer informação crucial no campo da nutrição e tem sido
utilizada em pacientes internados para monitoramento de dietas especiais.

➢ Médias do clearance de creatinina e ureia


Como o clearance de creatinina superestima e o de ureia subestima a
filtração glomerular, a média dos dois clearance pode ser considerada uma
estimativa razoável da filtração glomerular, pelo menos em pacientes com
creatinina plasmática acima de 4 mg/100 mℓ.

𝐶𝑙𝐶𝑟𝑒𝑎𝑡𝑖𝑛𝑖𝑛𝑎 + 𝐶𝑙𝑈𝑟𝑒𝑖𝑎
𝑇𝐹𝐺 =
2

➢ Cistatina C
Como existem variações na produção e na secreção de creatinina, tem-se
estudado outras substâncias endógenas capazes de fornecer uma avaliação
mais precisa da TFG. Uma substância que apresenta esse potencial é a cistatina
C plasmática, uma proteína de baixo peso molecular, produzida em uma taxa
constante pelas células nucleadas.

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A cistatina C é livremente filtrada pelos rins e não secretada. Sendo assim,
esse marcador endógeno poderia estimar a TFG sem a necessidade de
dosagem urinária, dispensando a coleta minutada de urina e solucionando um
dos principais problemas dos outros marcadores endógenos da TFG. Outra
vantagem da cistatina C é que não há variação significativa de intervalos de
referência entre população masculina e feminina, em função de sua produção
ser constante em todos os tecidos do organismo, diferente da creatinina, que
depende da massa muscular. No entanto, devido ao seu alto custo, não é
utilizado rotineiramente, reservada apenas para situações em que a eTFG está
entre 45 – 59 mℓ/min/1,73m² (G3a) e albuminúria < 30 mg/g de creatinina (A1).

➢ Razão albumina/creatinina (RAC)


A razão albumina/creatinina (RAC) tem sido recomendada em vez da razão
proteína/creatinina (RPC) em decorrência de sua maior capacidade de
padronizar a determinação da albumina urinária versus proteinúria total e o fato
de que a albumina é a proteína predominantemente perdida na urina. Além disso,
a RPC apresenta algumas limitações, como o fato de subestimar a excreção de
proteínas em indivíduos musculosos, com maior excreção de creatinina, e
superestimá-la em indivíduos caquéticos, com menor excreção de creatinina.
Dessa forma, pode-se classificar a albuminúria em:
• Albuminúria normal: < 30 mg/g.
• Albuminúria moderada: valores entre 30 e 300 mg/g de creatinina.
• Albuminúria grave: valores > 300 mg/g de creatina.

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➢ Avaliação funcional renal
Conclui-se, portanto, que a avalição funcional renal (capacidade e qualidade
renal) pode ser realizada por duas principais formas:
• Sangue: por meio da dosagem da creatinina e seu cálculo de MDRD ou CKD-
EPI (ou também por meio da dosagem de cistatina C) é possível avaliar a
capacidade renal.
• Urina: a razão entre a dosagem de creatinina no sangue e de creatinina em
urina 24 horas permite também estimar a depuração da creatinina endógena
(capacidade renal), porém tem caído em desuso devido a dificuldade inerente
da coleta ao longo de 24 horas. Assim, por meio de uma amostra isolada de
urina é possível dosar a relação albumina/creatinina (chamada antigamente
de microalbuminúria) para avaliar a qualidade renal.

EXAME UNIDADES CONVENCIONAIS


Albumina 3,5 a 5,5 g/dL
Bicarbonato 22 a 26 mEq/L
Cálcio 8,5 a 10,5 mg/dL
Cloreto 98 a 106 mEq/L
Mulheres: > 50 mg/dL
Colesterol HDL
Homens: > 40 mg/dL
Colesterol LDL Ótimo: < 100 mg/dL
Creatinina 0,7 a 1,3 mg/dL
Ferro 50 a 150 µg/dL
Fosfatase alcalina 30 a 120 U/L
Fósforo 3 a 4,5 mg/dL
Mulheres: 12 a 16 g/dL
Hemoglobina
Homens: 14 a 18 g/dL
Hemoglobina A1C 4 a 5,6%
Lipoproteína < 30 mg/dL
Plaquetas 150.000 a 450.000/µL
Potássio 3,5 a 5,0 mEq/L
PTH 10 a 65 pg/mL
Saturação de transferrina 20 a 50%
Sódio 135 a 145 mEq/L
Transferrina 200 a 400 mg/dL
Ureia 20 a 40 mg/dL
1,25-dihidroxivitamina D: 15 a 60 pg/mL
Vitamina D
25-hidroxivitamina D: 30 a 60 ng/mL
Zinco 75 a 140 µg/dL

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HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA
➢ Definição
A hipertensão arterial (HA) é uma doença crônica não transmissível definida
por níveis pressóricos, em que os benefícios do tratamento (não medicamentoso
e/ou medicamentoso) superam os riscos. Trata-se de uma condição multifatorial,
que depende de fatores genéticos e/ou epigenéticos, ambientais e sociais,
caracterizada por elevação persistente da pressão arterial (PA).
Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (2020), a hipertensão arterial
sistêmica pode ser classificada em:

Porém, essas medidas são de consultório e, por isso, torna-se importante a


coleta dos dados em outros ambientes, como a monitorização ambulatorial da
pressão arterial (MAPA) e monitorização residencial da pressão arterial (MRPA).
Observa-se, então, que se o paciente apresentar valores ≥ 130 mmHg sistólicos
e/ou ≥ 80 mmHg diastólicos já é considerado hipertenso.

Assim, de maneira geral, a hipertensão arterial sistêmica é caracterizada pela


PA sistólica (PAS) ≥ 140 mmHg e/ou PA diastólica (PAD) ≥ 90 mmHg, medida
com a técnica correta, em pelo menos duas ocasiões diferentes, na ausência de
medicação anti-hipertensiva. De acordo com a técnica correta de aferição da PA
o paciente deve estar sentado em repouso por 5 minutos em um ambiente calmo,
confortável, com os pés no chão e sem conversar; não pode estar com a bexiga
cheia, pois o estímulo simpático da bexiga cheia leva a um aumento da pressão
arterial, bem como não pode ter praticado atividade física nos últimos 60 minutos
e não ter fumado, ingerido bebida alcoólica ou café 30 minutos antes da aferição.
Com o braço nu, na altura do coração e palma da mão virada para cima, o
manguito deve ser ajustado e o aparelho calibrado/validado. A braçadeira deve
estar 2 cm acima da prega do cotovelo (fossa cubital), sendo importante avaliar
a pressão arterial inicialmente pelo método palpatório e, em seguida, pelo
método auscultatório. Após ser realizado três vezes a aferição da PA com
intervalo de 1 minuto entre elas, descarta-se a maior diferença e registra-se a
média das outras duas pressões.

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➢ Epidemiologia
No Brasil, afeta 25,2% da população e 388 pessoas morrem por dia por
hipertensão, sendo que sua prevalência aumenta com a idade, etnia, sociais e
com outras comorbidades (obesidade, diabetes mellitus tipo 2 e doença renal
crônica). A hipertensão arterial pode ser classificada em essencial ou primária,
quando, mesmo após uma investigação clínica e laboratorial detalhada, não se
consegue encontrar nenhuma doença nem outra causa para explicar a elevação
dos níveis pressóricos; ou secundária, em que a elevação da PA representa
apenas um dos sinais de uma doença ou anormalidade subjacente.

➢ Fatores de risco
São considerados “fatores de risco” para desenvolver HA certos elementos
que tendem a aumentar a probabilidade individual ou populacional de elevar a
PA. Quando se fala em “fatores de risco”, está-se referindo especialmente à HA
primária, ou seja, aquela não relacionada com nenhuma doença renal nem de
outros sistemas capazes de elevar a pressão. Os principais fatores de risco para
o desenvolvimento de hipertensão arterial primária são:
• Idade: quanto mais elevada a idade, maior a pressão arterial.
• Gênero: mais frequente nos homens, mas se inverte após a menopausa.
• Raça/etnia: os pretos apresentam maiores níveis de pressão.
• Sal: o abuso de sal na dieta aumenta os níveis de pressão arterial.
• Hereditariedade: agregação familiar evidente (herança multigênica).
• Sedentarismo, obesidade, estresse, álcool e tabagismo.

➢ Fisiopatologia
Considerando que uma parcela dos pacientes com hipertensão essencial
pode desenvolver dano renal progressivo, propõem-se dois mecanismos
sinérgicos como causa da lesão renal:
1. Isquemia glomerular em decorrência do estreitamento progressivo da luz de
arteríolas pré-glomerulares secundário a arterioesclerose hialina e hipertrofia
da camada média desses vasos em virtude de lesão mecânica direta da
elevação sustentada da hipertensão arterial, levando à insuficiência renal por
isquemia renal.
2. Redução no número de néfrons decorrente de isquemia glomerular,
induzindo, assim, uma adaptação nos néfrons remanescentes com
vasodilatação da arteríola aferente e transmissão da hipertensão sistêmica
diretamente para os glomérulos ocasionando hipertensão intraglomerular,
hiperfiltração glomerular e esclerose glomerular.
Na hipertensão arterial secundária, o médico deve suspeitar principalmente
quando estiver diante de adultos jovens; não obesos; HAS resistente; aumento
da PA em pacientes que mantinham níveis pressóricos estáveis; HAS acelerada;
e HAS associada à hipocalemia. As causas mais comuns de HAS secundária
são: doença parenquimatosa renal, estenose de artéria renal, coarctação de
aorta, hiperaldosteronismo, feocromocitoma, síndrome de Cushing, apneia do
sono (SAHOS), hipotireoidismo e hipertireoidismo.

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A hipertensão arterial compromete principalmente as estruturas vasculares
renais (artérias, arteríolas e capilares glomerulares), sendo que a instalação de
placa aterosclerótica nas artérias renais pode ser complicação e também um
agravante da hipertensão que, às vezes, adquire caráter renovascular (desde
que a obstrução seja suficiente para causar isquemia renal).
Entretanto, é nas arteríolas e nos glomérulos que ocorrem as consequências
mais sérias e mais frequentes da hipertensão arterial sobre os rins. A parede das
arteríolas renais sofre espessamento das camadas muscular e elástica,
reduzindo o fluxo efetivo para as estruturas a jusante. Essa isquemia promove a
liberação de renina, agravando ainda mais a hipertensão e comprometendo a
filtração glomerular. Do ponto de vista estrutural glomerular, a esclerose
progressiva dos glomérulos representa um achado característico da hipertensão.
A consequência das lesões arteriolares e glomerulares é a queda lenta e
progressiva da filtração glomerular, além da correspondente perda da função
renal (DRC). A proliferação e a fibrose das células intersticiais próximas aos
túbulos (inflamação e fibrose tubulointersticial) contribuem para a progressão
das lesões glomerulares. Esse quadro é conhecido como nefroesclerose.

➢ Diagnóstico
Na avaliação do paciente com hipertensão arterial, três pontos principais
devem constituir o foco da atenção:
1. Determinar, por meio da história, exame clínico e exames complementares,
o grau de comprometimento sistêmico que a doença possa ter causado.
2. Identificar outras doenças e/ou fatores de risco para doenças
cardiovasculares que possam estar associados.
3. Identificar os elementos epidemiológicos e clínicos que caracterizam a
hipertensão como primária ou secundária, estabelecendo também os exames
necessários para afastar ou confirmar a hipótese eventual de hipertensão
secundária.
A aferição da pressão arterial pode ser feita com esfigmomanômetros,
monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) ou monitorização
residencial da pressão arterial (MRPA). A história clínica é caracterizada por
diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica de longa data, piora progressiva e
lenta da creatinina e ureia e com proteinúria leve (geralmente < 1 g).
Os exames complementares de rotina incluem: análise de urina, potássio
plasmático (não é necessário sódio), glicemia de jejum com hemoglobina
glicada, creatina (para calcular a taxa de filtração glomerular através da fórmula
CKD/EPI), perfil lipídio, ácido úrico plasmático (um grande marcador de
disfunção endotelial, pois quando elevado há menor produção de óxido nítrico e,
consequentemente, menor capacidade de vasodilatação) e eletrocardiograma
convencional. É importante solicitar os exames de creatina urinária e albumina
para avaliar os pacientes com alto risco cardiovascular e suspeita de lesão de
órgão-alvo. A taxa de filtração glomerular auxilia, portanto, na avaliação da
função renal e o risco de desenvolver doença renal crônica. No entanto, o
diagnóstico definitivo é realizado por biópsia renal.

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No exame físico, além dos dados antropométricos (peso, altura, IMC e
circunferência abdominal), a avaliação de lesão de órgão-alvo pode ser realizada
a partir do exame de fundo de olho, pois os cruzamentos arteríolo-venular
patológicos, aumento do reflexo dorsal e presença de exsudatos indicam
retinopatia hipertensiva. Existem quadro categorias de risco cardiovascular:

Observação: os pacientes que compõe o grupo de risco alto certamente


obedecem a regra dos 3-3-3:
✓ 3 D’s: diabetes, doença cardiovascular estabelecida ou doença renal com
proteinúria. Basta um dos três D’s para classificá-lo em alto risco.
✓ 3 fatores de risco além de HAS: paciente pertence ao grupo de alto risco.
✓ Hipertensão arterial estágio III: paciente pertence ao grupo de alto risco.

➢ Tratamento
As mudanças de estilo de vida incluem: redução do peso corporal, dieta
saudável, abandono no uso de tabaco, redução do uso de bebidas alcoólicas e
estimulantes, exercícios físicos regulares, controle do estresse e evitar poluição
(pois a poluição aumenta o processo inflamatório) e locais com temperatura fria
(pois o frio provoca vasoconstrição). O tratamento medicamento baseia-se em:
• Diuréticos tiazídicos (DTZ): está relacionado com a diminuição do volume
extracelular (Hidroclorotiazida, Clortalidona e Indapamida).
• Inibidor do sistema renina-angiotensina (iSRA): existem duas classes de
medicamentos: bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA),
bloqueiam os receptores específicos da angiotensina II (receptores AT1),
impedindo que as arteríolas se contraiam (Losartana) ; e inibidores de enzima
conversora de angiotensina (iECA), que reduzem a pressão arterial em parte
através da dilatação das arteríolas impedindo a formação de angiotensina II,
uma substância química produzida no corpo que faz com que as arteríolas
se contraiam. Os principais medicamentos são: Captopril e Enalapril.
• Bloqueador do canal de Ca2+ (BCC): age reduzindo a resistência vascular
periférica decorrente do bloqueio dos canais de Ca2+ na membrana das
arteríolas. O medicamento utilizado é a Anlodipino e Felodipino.

Observação: todos os medicamentos são de primeira linha, porém, caso o


paciente apresente proteinúria é preferível utilizar iECA ou BRA. Lembrando
que nunca deve ser realizado uma associação entre eles.

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DOENÇA RENAL DO DIABETES
➢ Introdução
A doença renal do diabetes (DRD), tradicionalmente denominada nefropatia
diabética (ND), corresponde a uma complicação crônica do diabetes mellitus
(DM) que acomete em torno de 35% dos indivíduos portadores da doença. Em
25% dos casos, a anormalidade observada é o aumento da excreção urinária de
albumina e, em aproximadamente 20%, verifica-se redução isolada da taxa de
filtração glomerular (TFG).
A doença renal crônica (DRC) é definida pela presença de anormalidades
renais estruturais ou funcionais, presentes por mais de três meses, com
implicações na saúde. Os parâmetros que identificam e definem a ocorrência de
DRC são a TFG estimada (TFGe) < 60 mℓ/min/1,73 m2 (estágio G3), a excreção
urinária de albumina aumentada persistente traduzida pela relação albumina:
creatinina (RAC) ≥ 30 mg/g creatinina (estágio A2), além de exames de imagem
anormais, desde que esses eventos durem por período superior a 90 dias. O
cálculo da TFGe e a amostragem da RAC facilitam o reconhecimento precoce e
possibilitam o estadiamento da classificação da DRC, visando a estabelecer o
prognóstico e as medidas terapêuticas adequadas a cada fase nesses pacientes.

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➢ Fatores de risco
Uma vez que nem todos os pacientes com diabetes apresentam algum
acometimento renal, é importante identificar os fatores de risco:
• Idade avançada.
• Gênero masculino.
• Raça/etnia.
• História familiar.
• Hiperglicemia.
• Obesidade e fatores dietéticos.
• Hipertensão.
• Lesão de órgão-alvo.
É importante ressaltar que a evolução progressiva da DRD em pacientes com
DM2 não corresponde a uma constante obrigatória para aqueles diagnosticados
inicialmente em faixa de microalbuminúria e que os fatores tradicionalmente e
mais frequentemente envolvidos na progressão são a duração da doença e o
seu controle inadequado. Contudo, RAC ≥ 300 mg/g persistente está mais
frequentemente associada a evolução para DRC terminal. A elevação mantida
de RAC entre 30 e 299 mg/g creatinina representa um marcador precoce de risco
para DRD avançada no DM2, enquanto, no DM2, sua presença se associa
fortemente a risco aumentado de doença cardiovascular aterosclerótica.

➢ Diagnóstico
A DRD deve ser rastreada anualmente em todos os indivíduos com DM,
começando após 5 anos do início do DM nos indivíduos com DM1 ou, mais cedo,
se o indivíduo apresentar descompensação da glicemia cronicamente ou estiver
na puberdade. Para todos os pacientes portadores de DM2, a DRD deve ser
pesquisada anualmente desde o reconhecimento do diagnóstico do DM, pois
pode haver um período prévio silencioso e desconhecido da doença.
A presença de retinopatia diabética através da fundoscopia também deve
ser investigada, uma vez que há relação entre lesão retiniana e lesão renal
(microangiopatia diabética). Além disso, os exames laboratoriais essenciais são:
• Dosagem de creatinina sérica para estimar a TFG (fórmula CKD-EPI).
• Parcial de urina.
• Relação albumina/creatinina em amostra isolada de urina.
Nos casos de dúvida diagnóstica, principalmente com outras glomerulopatias
e doenças tubulointersticiais, deve-se realizar a biópsia renal, indicada quando:
(1) ocorre início súbito de perda de função renal; (2) declínio rápido da perda de
função renal; (3) sinas e sintomas sugestivos de outra doença sistêmica; e (4)
desenvolvimento súbito de síndrome nefrótica ou nefrítica.
A hiperglicemia determina hipertrofia celular por meio de mediadores de
crescimento no tecido renal. Assim, os achados histológicos característicos da
doença renal do diabetes incluem: hipertrofia renal, proliferação mesangial
(imagem B), formação de nódulos de Kimmelstiel-Wilson (em D) e glomérulos
esclerosados (em F). Além do acometimento glomerular pode ocorrer alterações
tubulointersticiais (espessamento da membrana basal tubular) e vasculares
(espessamento da camada íntima da arteríola renal).

Matheus Willian Krik – 19.2 15


➢ Tratamento
Modificações no estilo de vida, como estímulo a atividades físicas, perda de
peso e cessação do tabagismo, certamente conferem benefícios renais e
cardiovasculares aos pacientes portadores de nefropatia diabética estabelecida.
Além disso, o controle glicêmico também diminui o risco de microalbuminúria e
macroalbuminúria e, consequentemente, menor perda da função renal, sendo
que a hemoglobina glicada (HbA1C) deve estar em torno de 7%. Da mesma
forma como ocorre em outras nefropatias, o controle adequado da pressão
arterial é fundamental, sendo o alvo terapêutico valores de pressão arterial ≤ 130
x 80 mmHg nos pacientes diabéticos e proteinúricos.
O efeito antiproteinúrico e nefroprotetor dos inibidores da ECA e dos BRA
é potencializado pela restrição de sal na dieta e pelo uso de diuréticos (por
exemplo, tiazídicos ou diuréticos de alça). Lembrando ser recomendado o uso
dessas classes de drogas para o controle da proteinúria ou do retardo da
progressão do diabetes, porém a associação entre elas deve ser evitada.
Com relação ao uso de bloqueadores de canais de cálcio, a preferência deve
ser pelos não di-hidropiridínicos (diltiazem, verapamil), que podem apresentar
efeito antiproteinúrico. Embora não exista evidência suficiente para apoiar o uso
de betabloqueadores na ND, seu uso pode ser útil em virtude do elevado risco
cardiovascular que os pacientes diabéticos renais crônicos apresentam.
Entre as novas terapias do DM2, está a utilização de fármacos iSGLT2
(inibidores do cotransportador 2 de sódio e glicose). Nos pacientes diabéticos,
ocorre um aumento da expressão de SGLT2 no túbulo proximal, o que facilita a
reabsorção do filtrado da glicose e sódio na taxa de 1:1. Como resultado, a
hiperglicemia reduz a concentração do sódio junto à mácula densa e, assim,
inibe o feedback tubuloglomerular, dilatando a arteríola aferente, aumentando a
pressão intraglomerular e induzindo hiperfiltração glomerular. Contudo, os
iSGLT2 são capazes de determinar a reabsorção maciça de glicose e sódio
conduzida por SGLT2 no túbulo proximal e, consequentemente, aumentar a
concentração de cloreto de sódio na mácula densa. Essa mudança estimula o
feedback tubuloglomerular, o qual normaliza a pressão de filtração e,
potencialmente, atenua a progressiva perda de função renal.

Matheus Willian Krik – 19.2 16


A cirurgia bariátrica parece possuir algum efeito benéfico na proteção da
função renal. A escolha inicial do agente farmacológico dependerá da meta de
glicemia, do risco de eventos adversos (hipoglicemia ou acidose láctica) e da
preferência e/ou conveniência para o paciente.
Por fim, a metformina visa diminuir a produção hepática de glicose por inibir
a gliconeogênese hepática e aumento da utilização da glicose mediada por
insulina nos tecidos periféricos e efeito antilipolítico (diminuição dos ácidos
graxos livres). São absorvidas rapidamente no intestino delgado, com pico de
ação em 2 horas, não se ligam a proteínas plasmáticas, não são metabolizadas
e, rapidamente, se excretam na urina. É recomendado manter o uso de
metformina, com base na TFGe, até uma TFGe > 30 mℓ/min, sendo que se a
TFGe estiver entre 30 – 45 mℓ/min (G3b) a posologia da metformina diminui 50%.

Matheus Willian Krik – 19.2 17


LESÃO RENAL AGUDA
➢ Definição
Anteriormente denominada insuficiência renal aguda, a lesão ou injúria renal
aguda (LRA) é caracterizada por uma redução abrupta (em horas a dias) do
ritmo de filtração glomerular, sendo geralmente reversível e podendo se manter
por tempo variável. Isto resulta em elevação sérica dos produtos nitrogenados
(ureia), creatinina e outros derivados metabólicos que são normalmente
excretados pelos rins.

➢ Epidemiologia
A lesão renal aguda representa um problema de saúde pública mundial com
altas taxas de morbimortalidade, além de apresentar altos custos para a saúde,
com maior tempo de internação e possibilidade de evolução para doença renal
crônica em longo prazo.
A incidência da LRA em pacientes hospitalizados é cerca de 5 a 7%, sendo
mais alta entre os pacientes críticos na UTI (1 a 25%). A despeito do avanço no
conhecimento do mecanismo fisiopatológico da LRA e de seu tratamento, a
mortalidade associada à doença ainda permanece elevada (entre 30 e 50%).

➢ Biomarcador sérico
Cerca de 98% do pool de creatinina está na forma de creatina nos músculos
esquelético, sendo metabolizada no fígado pela desidratação não enzimática e
se transformando em creatinina, a qual é liberada na circulação sanguínea e
eliminada pelos rins.
Dessa forma, devido ao fato de que alguns fatores podem impactar na
concentração sérica da creatinina, como a massa muscular, sexo e idade, a
dosagem dessa substância não é um bom marcador de função renal, mas é o
biomarcador mais disponível para avaliar a filtração glomerular. Além disso, a
elevação da creatinina é um marcador tardio para a lesão renal aguda, pois,
ainda que muita específica, é pouco sensível.
Para o estadiamento de lesão renal aguda, segundo os critérios KDIGO,
utilizam-se somente alterações da creatinina sérica e a diurese, mas não
mudanças na taxa de filtração glomerular. A LRA pode ser classificada em:

Matheus Willian Krik – 19.2 18


➢ Etiologia
A lesão renal aguda pode ser de origem pré-renal, renal (ou intrínseca) ou
pós-renal, a depender do nível de acometimento.
A LRA pré-renal resulta da redução da perfusão renal, isto é, de eventos que
culminam em diminuição do volume circulante (isquemia), como no caso de
desidratação (diarreia, vômitos e febre), sangramentos, uso de diuréticos, cirrose
hepática, insuficiência cardíaca e sepse. A LRA pré-renal é facilmente reversível,
desde que os fatores precipitantes sejam rapidamente corrigidos.
A LRA renal é causada por fatores intrínsecos ao rim, sendo classificada de
acordo com o principal local afetado: glomérulo; túbulos; interstício; e vasos. Sua
etiologia mais comum é a lesão tubular, principalmente de origem isquêmica ou
tóxica. No entanto, a principal e mais frequente causa de necrose tubular aguda
(NTA) é isquêmica e o seu principal fator causal tem origem pré-renal, como
consequência da redução do fluxo sanguíneo não revertida, especialmente se
houver comprometimento suficiente para provocar a morte das células tubulares.
Eventos isquêmicos mais graves (como nas complicações obstétricas e
síndrome hemolítico-urêmica), sobretudo se ocorrer coagulação microvascular,
podem resultar em necrose cortical irreversível. Depois das isquêmicas, as
causas nefrotóxicas (antibióticos aminoglicosídeos, contrastes radiológicos,
quimioterápicos, mioglobina e venenos) são as mais frequentes na LRA renal.
Por fim, a LRA pós-renal ocorre na vigência de obstrução das vias urinárias,
que pode ser observada em qualquer nível do trato urinário, porém, no
acometimento de ureteres, depende da presença de obstrução bilateral. A
obstrução pode ser causada por hiperplasia prostática benigna, neoplasia de
próstata ou bexiga, distúrbios retroperitoneais, bexiga neurogênica, cálculos
renais bilaterais, fibrose retroperitoneal, entre outros. A elevação da pressão
hidráulica da via urinária, de maneira ascendente, resulta na ação de
vasoconstritores locais, de modo que a obstrução prolongada tem como
consequência a lesão parenquimatosa. Dessa forma, a reversibilidade da LRA
pós-renal depende do tempo de duração da obstrução.

➢ Fisiopatologia
A fisiopatologia das lesões renais isquêmica e tóxica, origens mais comuns
de LRA intrínseca (renal), envolve alterações estruturais e bioquímicas que
resultam no comprometimento vascular e/ou celular. A partir dessas alterações,
ocorrem vasoconstrição, alteração da função e morte celular, descamação do
epitélio tubular e obstrução intraluminal, vazamento transtubular do filtrado
glomerular e inflamação. As principais alterações fisiopatológicas na LRA são:
• Vasoconstrição intrarrenal: causada pelo desequilíbrio entre os fatores
vasoconstritores e vasodilatadores, tanto de ação sistêmica quanto local.
Mecanismo particularmente importante na LRA por nefrotóxicos, com
ativação de hormônios vasoconstritores (angiotensina II e endotelina) e/ou
inibição de vasodilatadores (prostaglandinas e óxido nítrico).
• Lesão tubular: associada principalmente a uma redução dos níveis
intracelulares de ATP e a lesões de reperfusão.

Matheus Willian Krik – 19.2 19


A possibilidade de reversão da LRA decorre da capacidade de regeneração
e diferenciação das células tubulares renais, restabelecendo um epitélio íntegro
e funcionante. Mesmo em situações mais graves com destruição de 90% das
células epiteliais do túbulo proximal, os 10% de células remanescentes podem
entrar em processo de proliferação, estimulados por hormônios e fatores de
crescimento, recompondo a epitélio tubular.

➢ Quadro clínico
Tradicionalmente, o curso clínico da LRA subdivide-se em quatro fases:
1. Fase inicial: começa a partir do momento de exposição ao insulto, isquêmico
ou tóxico. Tem duração variável e depende do tempo de exposição ao agente
agressor. Nessa fase, o volume urinário pode estar normal ou diminuído,
porém o rim começa a perder a capacidade de excretar adequadamente os
compostos nitrogenados.
2. Fase oligúrica: quando o volume urinário é inferior a 400 mℓ/dia, podendo
durar entre 10 e 14 dias.
3. Fase poliúrica ou diurética: marcada por rápida elevação do volume
urinário, pois representa a incapacidade dos túbulos regenerados em
reabsorver sal e água (diurese > 2.500 mℓ/dia). No entanto, a excreção
urinária dos compostos nitrogenados não acompanha o aumento da
excreção de sal e água, de modo que a concentração plasmática de
creatinina e ureia continua a aumentar e os sintomas e a necessidade de
terapia renal de substituição podem persistir.
4. Fase de recuperação funcional: ocorre após vários dias de diurese normal,
com redução gradativa da ureia e creatinina.
Os sinais e sintomas dependem do grau de extensão da lesão renal aguda.
A alteração de potássio, chamada de hiperpotassemia (ou hipercalemia), é a
principal causa metabólica que leva o paciente com LRA ao óbito, devido a
toxicidade cardíaca, manifestando-se com arritmias. Além disso, podem ocorrer
alterações do balanço de cálcio (hipocalcemia), do balanço de fósforo
(hiperfosfatemia), do balanço de água e do balanço de sódio, os quais provocam
acidose metabólica, hipertensão arterial sistêmica, náusea e vômito, edema
pulmonar, ascites, asterixis (ou flapping) e encefalopatias.

➢ Diagnóstico
Para o diagnóstico de lesão renal aguda é fundamental a história e início da
insuficiência renal, com revisão de medicamentos utilizados previamente e a
identificação de presença de malignidades e outras doenças, como neoplasias,
insuficiência cardíaca ou cirrose hepática.
No exame físico é importante avaliar se o paciente apresenta:
• Contração de volume: indicando etiologia pré-renal.
• Presença de “drug rash”: a qual sugere nefrite intersticial aguda.
• Dedo azul: indicando êmbolo de colesterol.
• Sinais de sobrecarga volêmica: indicando síndrome cardiorrenal.
• Ascite e icterícia: doença hepática (pré-renal ou síndrome hepatorrenal).

Matheus Willian Krik – 19.2 20


A ultrassonografia de rins e vias urinárias é um procedimento simples e de
grande importância na avaliação das alterações da função renal. O tamanho
renal reduzido e a ecogenicidade aumentada com perda da diferenciação
corticomedular podem indicar doença renal preexistente, tornando possível
diferenciar entre a doença renal crônica e a LRA, sendo que também é capaz de
fornecer informação sobre a existência de obstrução das vias urinárias e de
cálculos (se visíveis). No caso de evidência de obstrução sem fator causador
visível, a tomografia computadorizada pode fornecer mais informações.
A dosagem de sódio, ureia e osmolaridade, coletados simultaneamente na
urina e no sangue, pode ser útil na distinção etiológica da LRA. Na LRA pré-
renal, observam-se retenção de água e sódio (Na+ urinário < 20 mEq/ℓ) e
osmolaridade urinária elevada (> 500 mOsm), enquanto, na LRA renal, o sódio
urinário apresenta-se elevado (> 40 mEq/ℓ) pela lesão tubular e a osmolaridade
urinária tende a ser isosmótica ao plasma (< 350 mOsm).
A fração de excreção de ureia (FeU) calculada pela relação [(ureia
urinária/ureia plasmática) / (creatinina urinária/creatinina plasmática)] x 100 (%)
também pode ser utilizada para auxiliar na diferenciação entre LRA pré-renal e
renal. Na LRA pré-renal, pela maior reabsorção tubular de sódio e água, com
consequente aumento da concentração urinária de ureia e creatinina, é
observada excreção de ureia aumentada (FeU ≤ 35%). De modo inverso, na LRA
renal, a excreção está diminuída (FeU > 55%) pelo dano tubular. Lembrando que
o uso de diuréticos pode invalidar a utilidade desses índices por até 24 horas.
A análise do sedimento urinário também pode ser útil na avaliação da LRA.
Cilindros hialinos aparecem com mais frequência na LRA pré-renal, enquanto
cilindros granulosos, discreta leucocitúria e grande quantidade de células
tubulares podem ser observados na LRA renal. A presença de hemácias
dismórficas e de cilindros hemáticos sugere a existência de glomerulonefrite
aguda, podendo ser acompanhada de proteinúria moderada a acentuada. A
positividade para hemoglobina nas fitas reagentes urinárias, na ausência de
hemácias, é capaz de indicar a presença de mioglobina, podendo sugerir
presença de rabdomiólise, diagnóstico este fortalecido quando de CPK e
aldolase elevadas no sangue. Além disso, leucocitúria com intenso predomínio
de eosinófilos (eosinofilúria) associada a eosinofilia no sangue periférico
sugerem o diagnóstico de nefrite intersticial.
Pré-renal Renal Pós-renal
Osmolaridade > 500 < 350 < 350
Na+urinário (mEq/ℓ) < 20 > 40 > 40
Crurinária/Crplasmática > 40/1 < 20/1 < 20/1
FeU ≤ 35% > 55% > 55%
Cilindros Cilindros
Sedimento Variável
hialinos granulosos
Indica-se a biopsia renal precoce (nos primeiros 5 dias) quando há suspeita
de glomerulonefrite rapidamente progressiva, de nefrite intersticial aguda, de
necrose cortical bilateral ou na ausência de diagnóstico clínico provável.

Matheus Willian Krik – 19.2 21


➢ Tratamento
O reconhecimento dos pacientes em risco de desenvolvimento de lesão renal
aguda ou com possível LRA antes da manifestação clínica apresenta melhores
desfechos do que tratar a LRA estabelecida. Uma vez instalada a LRA, o objetivo
do seu tratamento inclui tanto a redução da lesão quanto das complicações
relacionadas com a redução da função renal.
Na LRA pré-renal, deve-se realizar a reposição volêmica de modo a
restabelecer a quantidade de líquido perdido, associando-se a adequada
correção eletrolítica e monitoramento do fluxo urinário com sonda vesical. Nas
situações em que é decorrente da diminuição do volume sanguíneo efetivo (por
exemplo, na insuficiência cardíaca, na cirrose hepática e na síndrome nefrótica),
orienta-se a terapêutica pela fisiopatologia da doença desencadeante.
Não há benefícios na utilização de diuréticos na LRA, exceto no manejo da
hipervolemia (ICC). Uma vez caracterizada, controle hidreletrolítico rigoroso
deve ser mantido, principalmente o balanço de sódio por meio de dieta
hipossódica (1 g/dia de NaCl) nos pacientes que não estão sendo submetidos
à terapia renal de substituição (TRS). A manutenção dos níveis plasmáticos de
potássio em valores normais é essencial pelo risco de óbito na hiperpotassemia.
Medidas clínicas podem ser adotadas na vigência de hiperpotassemia, como uso
de bicarbonato (na presença de acidose associada e ausência de sinais de
congestão), uso de resinas trocadores de potássio, de solução polarizante
(solução de insulina e glicose) e, na presença de alterações eletrocardiográficas
pode infusão intravenosa de gluconato de cálcio (que exerce efeito temporário).
Na falência das medidas clínicas, a TRS frequentemente é necessária, reduzindo
o conteúdo corporal do eletrólito. As indicações para a diálise são:
• Hipervolemia.
• Hipercalemia (> 6,5 mEq/ℓ).
• Acidose metabólica com anúria (pH < 7,1).
• Uremia (pericardite, encefalopatia e sangramento).
• Disnatremia severa (Na < 115 mEq/ℓ ou > 165 mEq/ℓ).
• Intoxicação medicamentosa (metanol, etileno glicol, lítio, aspirina e teofilina).
Com relação à modalidade dialítica, a escolha deve se adequar a cada
situação e disponibilidade nos serviços de saúde, podendo ser: convencional,
estendida, lenta (contínua) e peritoneal. No entanto, os procedimentos de
hemofiltração e hemodiafiltração, nos quais se utiliza o clearance convectivo, são
frequentemente empregados para a reposição da função renal e o clareamento
de substâncias tóxicas em pacientes graves.
Deve-se realizar o tratamento dialítico precoce e frequentemente para manter
a ureia plasmática abaixo de 180 mg/dℓ e a creatinina inferior a 8 mg/dℓ, níveis
estes que previnem os sintomas clínicos da uremia, melhoram o estado
nutricional do paciente e que podem diminuir o risco de sangramento e infecções.
Pacientes com significativa destruição tecidual (rabdomiólise, trauma,
queimadura, septicemia, pós-operatório de cirurgias extensas) geralmente
apresentam elevada produção de ureia e, com frequência, necessitam de TRS
quando apresentam LRA. Nesses casos, a terapia é habitualmente realizada
com frequência diária.

Matheus Willian Krik – 19.2 22


SÍNDROMES GLOMERULARES
➢ Definição
Os glomérulos desempenham uma função essencial ao organismo: gerar um
ultrafiltrado de plasma, etapa inicial e indispensável do processo de formação de
urina, sendo essencial para que o fluido que passa ao espaço de Bowman seja
quase inteiramente desprovido de proteínas. Essa barreira é composta por três
camadas: uma célula endotelial, a própria membrana basal e uma célula epitelial.
Há uma barreira de tamanho (pequenas proteínas são livremente filtradas e as
grandes são restritas), assim como uma barreira de carga (a membrana capilar
é carregada negativamente e repele proteínas com cargas negativas).
Dessa forma, graças às propriedades físicas da barreira glomerular e à
reabsorção tubular, a quantidade de proteínas que chega à urina final em
condições normais é extremamente baixa, de ordem de poucas dezenas de
miligramas por dia. Por essa razão, é necessário medir a taxa de excreção
urinária de albumina (microalbuminúria) naqueles pacientes em risco de
desenvolver glomerulopatias progressivas.
As doenças que afetam negativamente a estrutura e a função do glomérulo
se apresentam ao clínico sob um número limitado de formas, sendo que as
possíveis causas de proteinúria glomerular envolvem: (1) diminuição das cargas
negativas do capilar glomerular; (2) alterações estruturais da membrana basal
glomerular (aumento do tamanho dos poros); ou (3) aumento da pressão capilar
glomerular. As doenças glomerulares podem ser agrupadas em:
• Síndrome nefrótica: manifesta-se por proteinúria grave (> 3,0 a 3,5 g/1,73
m2/dia) e hipoalbuminemia. As características associadas incluem, em grau
variável, edema, hiperlipidemia e lipidúria. A síndrome nefrótica resulta de um
aumento na permeabilidade glomerular a macromoléculas.
• Síndrome nefrítica: caracterizada pela presença de hematúria com cilindros
hemáticos, aumento da concentração sérica de ureia e de creatinina, e
diferentes graus de hipertensão e proteinúria.
• Glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP): é uma variante da
síndrome nefrítica. A concentração sérica de ureia e de creatinina sobe
rapidamente ao longo de dias ou semanas.
• Anormalidades assintomáticas urinárias: incluem hematúria ou proteinúria
em teste urinário de rotina com a fita reagente. A microscopia urinária com
frequência revela hemácias dimórficas e cilindros celulares.

➢ Síndrome nefrótica
A síndrome nefrótica é definida por:
1. Proteinúria (> 3,5 g/1,73m²/dia).
2. Hipoalbunemia.
3. Edema.
4. Hiperlipidemia e/ou lipidúria.
5. Hipercoagulabilidade.

Matheus Willian Krik – 19.2 23


Sob circunstâncias normais, apenas 30 a 45 mg de proteína é excretada na
urina; cerca de um terço desse total é albumina. O limite superior do normal para
a excreção urinária de proteína é de 150 mg/dia, e isso pode aumentar para 300
mg/dia com exercício. Os distúrbios da barreira de filtração resultam em
proteinúria, e, se for grave o suficiente, em síndrome nefrótica.
Quando a taxa de excreção urinária de proteínas excede 3.500 mg/dia tem-
se por definição o que se denomina proteinúria maciça. Quando isso ocorre, a
capacidade hepática de repor essas proteínas é superada e como resultado,
desenvolve-se hipoalbuminemia, ou seja, queda da concentração plasmática
de albumina, o que provoca também a queda da pressão oncótica sistêmica. Em
consequência, ocorre um desequilíbrio das forças de Starling nos capilares
sistêmicas, fazendo com que haja extravasamento de fluido para o interstício.
Com a tendência à retenção renal, esse extravasamento se torna contínuo,
originando a formação de edema generalizado.
De outro lado, o excesso de atividade imposto ao fígado pela necessidade de
repor as proteínas absorvidas (e degradadas) pelos túbulos proximais e,
principalmente, as que se perdem com a urina, termina por aumentar a taxa de
síntese de lipoproteínas, elevando sua concentração plasmática e levando a
uma hipercolesterolemia.
Em virtude das perdas renais, há um aumento da agregabilidade plaquetária,
hiperfibrinogenemia, aumento da transição fibrinogênio-fibrina, diminuição dos
níveis de antitrombina III e diminuição da fibrinólise (hipercoagulabilidade).
Consequentemente, os pacientes podem desenvolver trombose venosa
profunda, embolia pulmonar, trombose arterial e trombose da veia renal (TVR).
A associação dessas cinco anomalias: proteinúria maciça, hipoalbuminemia,
edema generalizado, hipercolesterolemia e hipercoagulabilidade, é denominada
síndrome nefrótica. Na verdade, o elemento básico da síndrome nefrótica é a
proteinúria maciça, uma vez que a partir desta é possível explicar todos os
demais componentes do quadro.
Dessa forma, para o diagnóstico de síndrome nefrótica é importante a clínica
com proteinúria > 3,5g/1,73m²/dia, o qual pode ser coletada pela urina de 24
horas ou por meio da relação proteína/creatinina (em amostra isolada). Além
disso, as etiologias, na maioria das vezes, só podem ser identificadas pela
biópsia renal, as quais podem ser de causas primárias (genéticas, drogas,
alérgicas, autoimunes ou idiopáticas) ou secundárias (diabetes mellitus,
amiloidose, lúpus eritematoso sistêmico, entre outras).
Com relação ao tratamento do paciente sintomático é importante a profilaxia
para eventos tromboembólicos, uso de anticoagulantes (heparina intravenosa ou
anticoagulação oral) e correção específica da proteinúria. A proteinúria também
precisa ser tratada de forma não específica (iECA, AINES e imunossupressores)
para evitar toxicidade mesangial direta, sobrecarga tubular e indução de
inflamação local. Por fim, o tratamento do edema consiste em restrição de sal (2
gramas ao dia) e uso de diuréticos (40 a 80 mg de furosemida adicionada a 6,25
a 12,5 g de albumina e dieta pobre em sal, para manter a furosemida dentro do
espaço vascular e aumentar, assim, a excreção de sódio). Nas causas primárias
de origem autoimune pode-se utilizar corticoides.

Matheus Willian Krik – 19.2 24


➢ Síndrome nefrítica
A síndrome nefrítica é definida por:
1. Hematúria.
2. Oligúria.
3. Edema súbito.
4. Hipertensão arterial.
As glomerulonefrites, como o nome indica, são processos inflamatórios com
início abrupto que acometem os glomérulos por um mecanismo quase sempre
imunológico. Essa inflamação que ocorre nos glomérulos diminui a filtração
glomerular e, consequentemente, há retenção de água e sal, acarretando
hipervolemia com edema súbito e hipertensão arterial.
Por outro lado, o processo inflamatório provoca alteração da permeabilidade
glomerular a macromoléculas, o que leva ao aparecimento de proteinúria, em
geral moderada, dificilmente superior a 2 g/dia. As glomerulonefrites causam
ainda pequenas rupturas de alças glomerulares, as quais podem passar
hemácias ou leucócitos (leucocitúria). As hemácias ganham o espaço urinário e
são eliminadas com a urina, conferindo a esta a cor avermelhada característica
das hematúrias. É interessante observar que, na passagem pelas estreitas
aberturas surgidas nas paredes glomerulares, as hemácias podem sofrer uma
deformação, detectável ao exame microscópico: é o chamado dismorfismo
eritrocitário que quando identificado, permite determinar se a hematúria provém
dos glomérulos ou tem outras origens (como uma lesão nas vias urinárias).
Dessa forma, a associação de hematúria, oligúria, edema súbito e hipertensão é
denominada síndrome nefrítica.
A principal causa de síndrome nefrítica envolve a deposição de antígenos e
anticorpos e/ou imunocomplexos (como glomerulonefrite pós-infecciosa e
nefropatia por IgA), os quais provocam lesão inflamatória aguda e ativação do
sistema complemento. Consequentemente, as células epiteliais, endoteliais e
mesangiais liberam citocinas oxidantes que atraem células inflamatórias,
principalmente os macrófagos, e provocam a ruptura endotelial, ocorrendo,
assim, hematúria. Além disso, devido à queda da taxa de filtração glomerular e
incapacidade de reabsorção tubular de água e solutos ocorre oligúria.
O diagnóstico é realizado pela análise da urina, a qual evidencia a presença
de hemácias, frequentemente associadas a cilindros hemáticos, proteinúria
e leucócitos polimorfonucleares. Também pode estar presente anemia
normocrômica moderada em consequência da hemodiluição e da discreta
hemólise. Os níveis séricos de C3 geralmente estão reduzidos durante a fase
aguda e retornam aos níveis normais após 6 a 8 semanas.

✓ Síndrome nefrótica: a permeabilidade glomerular aumenta fortemente,


levando ao estabelecimento de uma proteinúria maciça com início
insidioso. Ocorre em consequência hipoalbuminemia, hipercolesterolemia
e a formação de edema intenso e generalizado.
✓ Síndrome nefrítica: a permeabilidade glomerular é moderada, levando a
uma proteinúria de média intensidade com início abrupto. A ruptura de
alças leva à hematúria e a retenção de sódio causa hipertensão e
formação de edema moderado.

Matheus Willian Krik – 19.2 25


DOENÇA RENAL CRÔNICA
➢ Definição
A doença renal crônica (DRC) é definida como a redução na taxa de filtração
glomerular (TFG) abaixo de 60 mℓ/min/1,73m2 e/ou a presença de anormalidades
na estrutura renal observados nos exames de imagem (doença renal policística)
e/ou em exames de urina (albuminúria > 30 mg/g e/ou micro-hematúria), com
duração acima de 3 meses. Ao contrário do que se observa na maioria dos casos
de lesão renal aguda (LRA), na DRC não ocorre regeneração do parênquima
renal, e por isso a perda de néfrons, por definição, é irreversível.

➢ Classificação
Segundo a Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO), a DRC
pode ser classificada de acordo com a taxa de filtração glomerular estimada
(eTFG), albuminúria ou pela doença de base. Com base na taxa de filtração
glomerular e na proteinúria a DRC é subdividida em estágios. Conforme mostra
a tabela abaixo, pacientes na faixa verde dificilmente tem complicações graves
e pacientes na faixa vermelha geralmente estão em diálise, para evitar outras
complicações, como eventos cardiovasculares, uma vez que são as principais
causas de mortalidade dentre os pacientes com DRC.

Matheus Willian Krik – 19.2 26


A estimativa da taxa de filtração glomerular (eTFG) é o resultado de um
cálculo obtido a partir da dosagem da creatinina sérica, da idade do paciente,
de seu gênero (sexo) e da sua etnia (raça). Embora a eTFG seja apenas uma
estimativa da TFG, ela fornece ao clínico uma avaliação melhor da função renal
que a creatinina sérica, isoladamente. A medida formal/real da TFG (usando
marcadores radioativo, contrastes radiológicos ou inulina) é um teste caro,
demorado e restrito a poucos centros hospitalares.
Dessa forma, para realizar a eTFG pode-se utilizar duas principais fórmulas:
• Modified diet in renal disease (MDRD): não é a melhor recomendação, pois
vários coeficientes foram incorporados na fórmula para compensar
diferenças de massa corporal e dieta em populações de diferentes etnias.
• CKD-EPI: considerada a menos tendenciosa e com maior precisão, pode-se
determinar a TFG por aplicativos de celular, basta fornecer dados como
creatinina sérica, idade, sexo e raça para obter a TFG.

➢ Epidemiologia
Em países desenvolvidos, o rastreamento estima prevalência de doença
renal crônica entre 8 e 12% na população adulta, com mais de 4,5 milhões de
adultos com a doença no mundo.
No Brasil, a prevalência de DRC é em torno de 10%, sendo que a primeira
causa é a hipertensão arterial sistêmica, a segunda é o diabetes (DM2), seguido
pela glomerulonefrite crônica. Além disso, baixo nível socioeducacional e etnia
negra, pardos e indígenas são fatores de risco para desenvolvimento de DRC.

➢ Etiologia
As principais causas de doença renal crônica são:
• Diabetes mellitus (em particular, a diabetes mellitus tipo 2).
• Hipertensão arterial.
• Glomerulonefrites crônicas.
• Pielonefrite crônica/litíase renal.
• Doenças imunológicas e vasculites (como lúpus eritematoso sistêmico).
• Rins policísticos e síndrome de Alport.
• Malformações congênitas.
• Necrose cortical bilateral.
• Lesão renal aguda prolongada.
• Medicamentos (antibióticos nefrotóxicos e AINEs).

➢ Fatores de risco
Dentre os fatores de risco para o desenvolvimento da DRC, destacam-se:
• Idade: ≥ 65 anos.
• Gênero: apesar de a doença se manifestar comumente no sexo feminino, os
homens cursam mais frequentemente para estados mais avançados da DRC.
• Fatores raciais: afrodescendentes apresentam um risco maior de DRC.
• Determinantes sociais: como nível socioeconômico.
• Comorbidades: diabetes mellitus, hipertensão arterial e obesidade.

Matheus Willian Krik – 19.2 27


➢ Mecanismos de progressão da doença renal crônica
Um dos mecanismos iniciais para o desenvolvimento da DRC é o estresse
mecânico determinado sobre a membrana basal glomerular. Esse estresse
mecânico tem como causa a perda de néfrons que ocasiona o aumento da
pressão capilar glomerular das unidades remanescentes. Consequentemente,
há tanto um aumento da expressão de angiotensina II quanto do receptor de
angiotensina. Uma vez que ocorre aumento desses elementos, associado a
alterações estruturais mecânicas com aumento da dimensão dos poros da
membrana basal tem-se o desenvolvimento de proteinúria. Dessa forma, o
compartimento glomerular sofre um processo de esclerose segmentar e
hialinização, enquanto o compartimento tubular é atrofiado, devido a fibrose
intersticial, e há infiltrado linfocitário.

Aspecto normal Hipercelularidade mesangial

Glomeruloesclerose em progressão Glomeruloesclerose acentuada

Os principais fatores de risco para a progressiva perda de função renal são:


• Raça negra.
• Redução de massa renal funcionante no início do acompanhamento.
• Presença de proteinúria.
• Hipertensão arterial (PAS > 130 mmHg).
• Hiperglicemia.
• Ingesta proteica elevada.
• Obesidade.
• Anemia.
• Dislipidemia.
• Tabagismo ativo.
• Exposição a agente nefrotóxicos e instabilidade hemodinâmica.
• Doença aterosclerótica.

Matheus Willian Krik – 19.2 28


➢ Complicações da doença renal crônica
As principais complicações da DRC iniciam-se quando o paciente está
presente nos estágios 3, 4 e 5, segundo a classificação de KDIGO. Dentre as
várias complicações, as mais comuns são: distúrbios do metabolismo ósseo,
acidose metabólica, hipercalemia, anemia, desnutrição, risco aumentado de
injúria renal aguda, progressão da DRC, doença cardiovascular, disfunção
imunológica, disfunções neurológicas e dermatológicas, sepses e neoplasias.
A mortalidade por causas cardiovasculares é a principal causa de óbito em
doentes renais crônicos. Esse risco cardiovascular aumenta proporcionalmente
à medida que a taxa de filtração glomerular diminui, sendo que a DRC aumenta
o risco de calcificações das coronárias; desenvolvimento de hipertrofia
ventricular esquerda (HVE), devido a uma resposta adaptativa que se segue ao
aumento do trabalho cardíaco, decorrente de uma sobrecarga de volume ou de
pressão; e morte cardiovascular.
A anemia (Hb < 13 g/dℓ para os homens e Hb < 12 g/dℓ para mulheres) surge
precocemente no curso da DRC, e sua prevalência aumenta à medida que a
função renal diminui. A anemia está diretamente relacionada com a redução da
capacidade física e cognitiva, fadiga, disfunção sexual, alterações na imunidade,
no sono, aumento do risco cardiovascular e redução da qualidade de vida de
pacientes com DRC. Dessa forma, em pacientes estágio 3 – 5 da DRC devem
ser avaliados com hemograma completo, reticulócitos, ferritina, saturação da
transferrina, vitamina B12 e ácido fólico com periodicidade trimestral na
tentativa de se identificar causas secundárias de anemia. Por outro lado, em
pacientes em diálise os exames são realizados mensalmente para ajustes de
fármacos. As outras séries sanguíneas (leucócitos e plaquetas) normalmente
não são afetadas na DRC.
Por fim, o distúrbio do metabolismo ósseo (DMO-DRC) é uma síndrome
clínica que engloba três principais situações:
1. Alterações laboratoriais: elevação do paratormônio (PTH), hipocalcemia
(Ca), hiperfosfatemia (P), hipovitaminose D, aumento do fator 23 de
crescimento de fibroblasto (FGF-23), entre outros.
2. Alterações no tecido ósseo: remodelação, mineralização e volume ósseo.
3. Calcificações extraósseas: principalmente vascular.

Matheus Willian Krik – 19.2 29


O distúrbio ósseo e mineral decorrente da DRC inicia-se com a redução na
produção de 1,25 dihidroxi-calciferol. O declínio progressivo do nível sérico de
vitamina D é acompanhado por elevação de paratormônio à medida que declina
a filtração glomerular. Assim, nos estágios 3 e 4 da DRC, a maioria dos pacientes
já apresenta hiperparatireoidismo secundário.

➢ Manifestações clínicas
O declínio gradual da função em pacientes com DRC é inicialmente
assintomático. No entanto, diferentes sinais e sintomas podem ser observados
com insuficiência renal avançada, incluindo sobrecarga de volume, hipercalemia,
acidose metabólica, hipertensão, anemia e distúrbios minerais e ósseos. Assim,
os principais sinais e sintomas são:
• Dificuldade para dormir.
• Cefaleia.
• Síndrome das pernas irrequietas.
• Gosto metálico da boca e lesões orais (sangramento e xerostomia).
• Dispneia (em repouso e/ou aos esforços).
• Fadiga (profunda).
• Câimbras, fraqueza muscular e convulsões.
• Desnutrição (perda de apetite, náuseas, vômitos e emagrecimento).
• Pele seca, pele cor amarelo-palha, lesões de pele e prurido.
• Noctúria e urina espumosa.
• Alterações no padrão respiratório e atrito pleural e/ou pericárdico.
• Edema pulmonar e/ou periférico.
• Olhos hiperemiados.
• “Flap” urêmico (asterixis).
• Hálito urêmico.
• “Neve urêmica” (cristalização da ureia na pele após evaporação do suor).

➢ Tratamento
Em geral, a ocasião ideal para iniciar o tratamento, específico e não
específico, é muito antes que haja declínio detectável da TFG e certamente antes
que a DRC esteja bem estabelecida. As intervenções não farmacológicas e
farmacológicas para atenuar a progressão da doença renal crônica envolvem:
• Aconselhamento nutricional: restrição de proteínas (0,6 – 0,8 g/Kg de
proteína/dia), fósforo, potássio e sódio (< 2 - 3 g/dia).
• Tratamento adequado da hipertensão arterial: para retardar a progressão
da DRC e não agravar a proteinúria. As diretrizes terapêuticas estabelecem
o nível de 130/80 mmHg como meta de pressão arterial para pacientes com
DRC e proteinúria. Os inibidores da ECA e os bloqueadores de receptores da
angiotensina II (BRAs) inibem a vasoconstrição das arteríolas eferentes da
microcirculação glomerular, que é induzida pela angiotensina, por isso são
drogas de escolha para controle da PA. Além disso, os bloqueadores dos
canais de cálcio (BCC) e os diuréticos tiazídicos também são indicados.
• Monitoramento da proteinúria: com restrição de proteínas na dieta e drogas
que interfiram na regulação do eixo renina-angiotensina-aldosterona.

Matheus Willian Krik – 19.2 30


• Correção da acidose metabólica: para não ocorrer retardo do padrão de
crescimento, prejuízo do metabolismo de açúcares, desgaste da musculatura
esquelética, redução da síntese de albumina e osteodistrofia renal. Assim, o
tratamento é realizado por meio de sais de bicarbonato de sódio ou citrato de
potássio com o objetivo de manter o bicarbonato sérico ≥ 22 mEq/ℓ.
• Investigação e tratamento da anemia: pacientes com hemoglobina abaixo
de 10 g/dℓ são candidatos a utilizar drogas estimuladoras da eritropoiese,
sendo importante afastar outras causas de anemia, como deficiência de ferro,
infecções, inflamação sistêmica e diálise inadequada. Dessa forma, se a
ferritina for < 100 μg/ℓ o paciente é tratado com ferro, porém, se a ferritina for
> 100 μg/ℓ o paciente recebe ferro e eritropoietina, com o objetivo de manter
a ferritina entre 100 – 500 μg/ℓ e saturação de transferrina entre 20 – 50%.
• Tratamento da dislipidemia: a queda progressiva da filtração glomerular é
acompanhada por uma grande alteração em enzimas e em receptores
envolvidos no metabolismo das lipoproteínas. O resultado é a elevação dos
triglicerídios e do LDL, assim como diminuição do HDL. A dislipidemia
resultante é um dos possíveis fatores relacionados com a aterogênese
acentuada associada à DRC, bem como ao importante aumento de risco
cardiovascular. Para isso, recomenda-se o uso de atorvastatina (20 mg/dia).
• Tratamento da hiperuricemia: o acúmulo de ácido úrico é tóxico, sendo
recomendado manter os valores de ácido úrico sério ≤ 7 mg/dℓ por meio do
uso de alopurinol.
• Avaliação das alterações do metabolismo mineral ósseo: deve-se realizar
a monitorização dos níveis séricos de cálcio, fósforo, paratormônio, vitamina
D e fosfatase alcalina, bem como a correção de hipovitaminose D e do
hiperparatireoidismo secundário com uso de calcitriol.

➢ Terapia renal substitutiva


Os pacientes com DRC devem ser encaminhados a um nefrologista quando
a eTFG for < 30 mℓ/min/1,73m2 para discutir e, potencialmente, planejar uma
terapia de substituição renal.
As indicações clínicas para iniciar a diálise em pacientes com DRC incluem
pericardite ou pleurite (indicação urgente); encefalopatia urêmica progressiva ou
neuropatia, com sinais como confusão, asterixia, mioclonia, punho ou pé caído
ou, em casos graves, convulsões; diátese hemorrágica clinicamente significativa
atribuível à uremia; sobrecarga de fluidos refratários a diuréticos; hipertensão
pouco responsiva a medicamentos anti-hipertensivos; e distúrbios metabólicos
persistentes que são refratários à terapia medicamentosa.

Matheus Willian Krik – 19.2 31


EQUILÍBRIO HIDROELETROLÍTICO
➢ Compartimentos corporais
A água representa o principal constituinte do corpo humano e de todos os
organismos vivos e constitui cerca de 60% do peso corporal, os outros 40%
são constituídos de sólidos, tais como proteínas, gorduras e minerais. Dessa
forma, os líquidos do corpo humano podem ser conceitualmente divididos em
compartimentos que, embora não se constituam, literalmente, compartimentos
anatômicos, representam uma divisão de como água, solutos e outros elementos
em solução se segregam.
Basicamente, identificam-se dois grandes compartimentos:
• Espaço intracelular: é composto pela água existente no citoplasma de todas
as células e representa cerca de 40%.
• Espaço extracelular: refere-se a toda a água externa às células e representa
cerca de 20%, sendo que pode ser subdividido em: líquido intersticial e linfa
(12%), plasma (4,5%), água dos ossos (4,5%) e tecido conjuntivo (1,5%).

Os líquidos transcelulares (1,5%) representam coleções de líquidos que não


são simples transudatos, mas sim líquidos secretados, incluindo secreções das
glândulas salivares, pâncreas, fígado e árvore biliar, além dos líquidos nas
cavidades pleurais, oculares, peritoneal, no lúmen do trato gastrintestinal e no
líquido cefalorraquidiano.
No corpo humano, as soluções são compostas pelo solvente universal que é
a água e por solutos, representados pelo sódio, potássio, cálcio, magnésio,
bicarbonato, proteínas e outros. O volume em cada compartimento é mantido
devido ao equilíbrio osmótico a partir do sódio no espaço extracelular e potássio
no espaço intracelular. Esse equilíbrio osmótico ocorre por meio da difusão
(simples e facilitada dos solutos) e pela osmose (movimento de água da solução
menos concentrada para a mais concentrada até que as duas soluções atinjam
um equilíbrio). Dessa forma, a concentração de sódio no líquido extracelular é
alta e no interior das células é baixa, porque o sódio é ativamente eliminado das
células por meio de bombas Na+/K+ – ATPase.

Matheus Willian Krik – 19.2 32


Espaço intracelular Espaço extracelular

➢ Volume circulante efetivo


O sódio é o íon mais abundante do compartimento extracelular, no qual
é o principal íon responsável pela osmolalidade do líquido extracelular, ou seja,
a quantidade de Na+ determina o volume desse espaço. O sódio e seus dois
principais ânions, o cloro e o bicarbonato, constituem 90% ou mais da quantidade
de soluto no líquido extracelular. Contudo, a quantidade de sódio no líquido
intracelular é pequena, em virtude de mecanismos que ativamente eliminam o
sódio das células (bombas Na+/K+ – ATPase).
A concentração plasmática de sódio está entre 135 e 145 mEq/ℓ, sendo
que o sódio plasmático é um medidor de osmolalidade. Por outro lado, há uma
quantidade de sódio no organismo em torno de 55 mEq/Kg em adultos, o qual
reflete o volume do espaço extracelular, ou seja, um aumento do sódio corporal
total provoca edema (como observado na insuficiência cardíaca congestiva,
cirrose hepática, síndrome nefrótica e glomerulonefrite aguda), enquanto uma
diminuição do sódio corporal total provoca depleção do espaço extracelular.
A ingestão média de cloreto de sódio em um adulto normal é de 7 gramas ou
150 mEq por dia. Para manter o equilíbrio, a mesma quantidade deve ser
excretada. Ao contrário da água, cuja ingestão é controlada pela sede, não existe
no ser humano um apetite específico para sódio. A absorção do sódio ocorre no
intestino delgado (íleo) e é eliminado do organismo na urina, nas fezes e no suor.
Para efeito de balanço, o que importa é a excreção renal de sódio.
Considerando uma filtração glomerular de 125 mℓ/min (ou 180 ℓ/dia), cerca
de 60% do sódio filtrado é reabsorvido no túbulo contorcido proximal, devido
a presença das células com bordos em escova, sendo que o fluido tubular ainda
é isotônico em relação ao plasma. Na sequência, o segmento ascendente
espesso da alça de Henle é impermeável à água, porém, devido a presença do
cotransportador de sódio, potássio e cloro é gerado um gradiente osmótico
entre o líquido tubular e o plasma com absorção de 25% de sódio e, assim, o
líquido tubular torna-se hipotônico em relação ao plasma. Esse cotransportador
é alvo de diuréticos Furosemida que impedem a reabsorção de sódio. No túbulo
contorcido distal, ainda não permeável à água, existe o cotransportador de
NaCl, sensível aos diuréticos tiazídicos, que gera um gradiente osmótico ainda
mais forte e o fluído tubular é ainda mais hipotônico em relação ao plasma.

Matheus Willian Krik – 19.2 33


Por fim, no ducto coletor existe a ação do hormônio aldosterona que realiza
o equilíbrio fino da reabsorção de sódio e excreção de potássio, isto é, quanto
maior a produção de aldosterona maior será a absorção de sódio e maior será a
secreção de potássio.

Nota-se, portanto, que o sódio é responsável por regular o volume do espaço


extracelular. Pequenas modificações no volume extracelular devem ser
prontamente identificadas e corrigidas, para a manutenção do equilíbrio. Dessa
forma, existem estruturas no organismo que agem como receptores de volume
(sensores ou aferentes) e, por meio de mecanismos nervosos, humorais e
hormonais, provocam adaptações funcionais em vários órgãos (eferentes) e
fornecem aos rins os elementos para corrigir os desvios no volume extracelular.
As alterações no volume sanguíneo são percebidas por:
1. Receptores de volume arteriais: chamados de barorreceptores (de alta
pressão), estão localizados em grandes vasos sanguíneos arteriais, como o
seio carotídeo e o arco aórtico.
2. Receptores de volume venoso: denominados volurreceptores (de baixa
pressão), estão localizados nos átrios e capilares pulmonares.
3. Receptores renais: como as células justaglomerulares e a mácula densa.
Esses receptores aferentes enviam mensagens ao sistema nervoso central
para que o sistema nervoso autônomo inicie uma descarga adrenérgica e
provoque alteração do débito cardíaco, modificação da resistência vascular
periférica e modulação da secreção de renina e hormônio antidiurético (ADH).
Além do sistema nervoso autônomo, alguns hormônios são estimulados, como
o sistema renina-angiotensina-aldosterona, fator atrial natriurético e ADH.
O sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) regula pressão arterial
em resposta à diminuição da pressão arterial e, por ser hormonalmente mediado,
é um reflexo mais lento que o barorreceptor.

Matheus Willian Krik – 19.2 34


A diminuição da pressão arterial causa diminuição da perfusão renal. Assim,
a baixa concentração de sódio no filtrado é sentida pela mácula densa, que
através das células mesangiais passa a informação para as justaglomerulares,
que secretam renina. A renina é uma enzima que ao cair na circulação
sanguínea catalisa a conversão de angiotensinogênio (uma proteína plasmática
produzida pelo fígado) em angiotensina I (com pouca atividade biológica). Nos
pulmões e rins, a angiotensina I é convertida em angiotensina II pela enzima
ECA (enzima conversora de angiotensina). A angiotensina II tem ação direta
sobre o rim, estimulando a troca de Na+/H+ no túbulo contorcido proximal e
aumentando a reabsorção de Na+ e de bicarbonato.
Em síntese, a angiotensina II faz vasoconstrição (aumenta a pressão do
sangue sobre a parede), estimula adrenais a secretarem aldosterona (aumenta
absorção de sódio e excreção de potássio no túbulo contorcido distal), atua no
nível do hipotálamo, estimulando produção do hormônio antidiurético (ADH) ou
vasopressina secretado pela neuro-hipófise. A aldosterona faz com que o ducto
coletor e túbulo coletor distal aumentem a absorção de água. Isso faz com que
aumente a quantidade de água na circulação e, portanto, aumenta a volemia, a
taxa de filtração e a concentração de sódio no sangue.

A depleção do espaço extracelular (DEEC) não é avaliada pelo Na+


plasmático, na realidade é avaliada pelo exame clínico do espaço extracelular,
através das veias jugulares, turgor de pele, pressão arterial sentado e deitado e
edemas periféricos. Sendo assim, quando o grau de DEEC estimado for:
• 10%: há apenas história de perda de fluidos (diarreia ou vômitos).
• 20%: há hipotensão e taquicardia posturais, jugulares e vasos sublinguais
baixos, mucosas secas e redução do turgor ocular e de pele.
• 30 – 50%: há hipotensão e taquicardia supinas, diminuição da perfusão
periférica, renal (oligúria) e sistema nervoso central (confusão mental).

Matheus Willian Krik – 19.2 35


➢ Metabolismo da água
A osmolalidade é a concentração de partículas osmoticamente ativas por Kg
de um determinado líquido. Assim, as principais substâncias que compõem o
compartimento extracelular e que são importantes para a osmolaridade do
plasma são sódio, ureia e glicose, os quais formam a seguinte fórmula:

𝑼𝒓𝒆𝒊𝒂 𝑮𝒍𝒊𝒄𝒐𝒔𝒆
𝑶𝒔𝒎𝒐𝒍𝒂𝒓𝒊𝒅𝒂𝒅𝒆 = (𝟐 𝒙 𝑵𝒂+ ) + ( )+( )
𝟔 𝟏𝟖

No entanto, como habitualmente a ureia e a glicose são contantes, o Na+ é o


principal determinante da osmolaridade do compartimento extracelular, pois esse
íon está diluído na água plasmática formando uma solução “isotônica”. Se a água
plasmática está aumentada, o sódio se encontrará diluído (< 135 mEq/ℓ), o que
caracteriza um quadro de hiponatremia. Por outro lado, se a água do plasma
estiver reduzida, o sódio se encontrará concentrado (> 145 mEq/ℓ), o que
caracteriza um quadro de hipernatremia.
Dessa forma, o metabolismo da água é regulado pelo mecanismo da sede,
hormônio antidiurético (ADH) e outros hormônios (como catecolaminas, sistema
renina-angiotensina e hormônio tireoidiano). Em relação ao mecanismo da sede,
quando o volume extracelular está diminuído e a osmolaridade plasmática está
aumentada há um estímulo de osmorreceptores no centro hipotalâmico da sede
que provoca essa sensação. Com a absorção de água, existe a redução da
osmolaridade do fluido extracelular e aumento de volume do espaço extracelular,
provocando inibição dos osmorreceptores e inibindo a sensação de sede.

Além disso, o hormônio antidiurético (ADH), também chamado vasopressina,


sintetizado no hipotálamo e secretado pela neuro-hipófise, interage com porções
terminais do néfron, aumentando a permeabilidade desses segmentos à água e,
desse modo, a conservação da água e a concentração urinária. A liberação de
ADH está condicionada a estímulos osmóticos ou não osmóticos.

Matheus Willian Krik – 19.2 36


O estímulo osmótico refere-se a uma alteração da osmolalidade. Quando há
déficit de água no organismo, existe um aumento na osmolalidade, o que reduz
o volume das células por desidratação celular (inclusive das células dos núcleos
supraóptico e paraventricular), estimulando, assim, a liberação do ADH. A
liberação de ADH pode ser desencadeada ainda por estímulos não osmóticos,
entre os quais: diminuição da pressão arterial, diminuição da tensão da parede
do átrio esquerdo e das veias pulmonares, dor, náuseas, hipoxia, hipercapnia,
hipoglicemia, ação da angiotensina, estresse emocional, aumento da
temperatura do sangue que perfunde o hipotálamo e medicações colinérgicas e
β-adrenérgicas, morfina, nicotina, ciclofosfamida, barbitúricos, entre outros.
Entre os estímulos não osmóticos para a liberação de ADH, estão os
provenientes de áreas em que se encontram receptores de pressão
(barorreceptores): seio carotídeo; átrio esquerdo; e veias pulmonares. Eles
respondem a variações da pressão sobre a parede do órgão receptor, emitindo
impulsos nervosos que modulam a liberação hipotalâmica de ADH. Quando há
uma menor tensão na parede do órgão, estímulos são transmitidos para a
liberação central de ADH. Isso pode ocorrer, por exemplo, na contração do
volume extracelular ou do volume circulante efetivo e na hipotensão arterial.
O ADH modifica a membrana luminal das células principais dos túbulos distal
final e coletor, causando aumento da permeabilidade à água, e interage com
receptores específicos da superfície (receptores V1 e V2), localizados na
membrana basolateral. Na presença de ADH, o receptor V2 é estimulado e ativa
a adenilciclase e o cAMP. Desse modo, vesículas específicas no citoplasma se
movem e se fundem com a membrana apical (luminal). Essas vesículas contêm
a aquaporina, que, uma vez inserida na membrana luminal das células
principais dos túbulos distais e coletores, torna possível a passagem de água
para dentro da célula. O receptor V1 existe também no músculo liso vascular,
sendo responsável pelo efeito vasoconstritor do ADH, que, por isso, também
recebe o nome de vasopressina.
Nota-se, portanto, que a regulação do volume do líquido extracelular é
diferente e independente da regulação da concentração de sódio, ou seja:
• Excesso de sódio: provoca aumento de líquido extracelular.
• Depleção de sódio: provoca diminuição de líquido extracelular.
• Excesso de água: causa hiponatremia.
• Depleção de água: causa hipernatremia.

✓ Déficit de H2O: ocorre aumento da concentração de sódio plasmático,


provocando um aumento da osmolaridade e aumento da secreção de ADH
com o objetivo de diminuir a excreção de água livre pelos rins, bem como
deflagrar o mecanismo de sede, sendo essas, portanto, defesas contra
hipernatremia ou hipertonicidade.
✓ Excesso de H2O: ocorre diminuição da concentração de sódio plasmático,
provocando uma diminuição da osmolaridade e diminuição da secreção de
ADH, com o objetivo de aumentar a excreção de água livre pelos rins,
sendo, portanto, defesas contra hiponatremia ou hipotonicidade.

Matheus Willian Krik – 19.2 37


➢ Hiponatremia
Como visto anteriormente, a osmolaridade é determinada pelo número de
partículas de solutos em uma solução. Uma mudança de osmolalidade em um
compartimento desencadeará o movimento de água através da membrana
celular reestabelecendo o equilíbrio osmótico. Dessa forma, os distúrbios da
osmolaridade podem ser:
• Hipernatremia: quando há perda de água.
• Hiponatremia: quando há excesso de água.
A hiponatremia representa o distúrbio eletrolítico mais comum na prática
clínica, ocorrendo em 15 a 30% dos pacientes hospitalizados e representa um
excesso relativo de água em relação ao sódio corporal, em geral, devido ao
estímulo do hormônio antidiurético (ADH), que leva à reabsorção de água livre
nos túbulos coletores do néfron.
A hiponatremia resulta, quase invariavelmente, em hipotonicidade do líquido
extracelular, com consequente fluxo de água em direção ao líquido intracelular.
Com isso, pode ocorrer edema intracelular, com prejuízo do funcionamento de
algumas células, principalmente as do sistema nervoso central, onde a
restrição volumétrica exercida pelos ossos do crânio limita a expansão do
parênquima cerebral ocasionada pelo edema.
Os sintomas neurológicos da hiponatremia são inespecíficos, semelhantes a
outras encefalopatias metabólicas. Nas formas leves de hiponatremia (Na > 125
mEq/ℓ), ocorrem sintomas gerais, como mal-estar e náuseas. Valores de sódio
plasmático < 120 mEq/ℓ cursam com cefaleia, obnubilação, cãibras, letargia e
hipotermia. As formas graves de hiponatremia (Na < 115 mEq/ℓ) costumam
induzir coma e convulsões. Mais raramente, manifestações clínicas envolvendo
outros sistemas podem ocorrer em função do influxo rápido de água para o
líquido intracelular, como hemólise intravascular e microangiopatia.
Os distúrbios hiponatrêmicos são classificados em:
• Hipertônicas.
• Isotônicas.
• Hipotônicas.
A hiponatremia hipertônica ocorre quando a ação osmótica de outros
agentes induz um fluxo de água em direção ao líquido extracelular, gerando
hiponatremia dilucional, sem a existência de hiposmolalidade. São exemplos
dessas circunstâncias os estados hiperglicêmicos, a administração de soluções
hipertônicas de manitol, sorbitol ou contrastes radiológicos iônicos.
Já na hiponatremia isotônica (ou pseudo-hiponatremia), a dosagem de
sódio mostra-se diminuída em função da super-representação da fração não
aquosa do plasma em relação ao volume plasmático total. Assim, apesar de a
natremia encontrar-se em valores normais, as amostras têm um volume efetivo
de plasma inferior ao habitual, e a extrapolação do valor obtido para o total da
amostra leva a uma concentração falsamente baixa. Dessa forma, condições
que elevem patologicamente os níveis de proteínas séricas, como o mieloma
múltiplo, ou de lipídeos podem produzir estados de pseudo-hiponatremia.
Por fim, existe a hiponatremia hipotônica, qual se encontram as causas mais
comuns de hiponatremia. Didaticamente, podem ser subdivididas em:

Matheus Willian Krik – 19.2 38


• Hiponatremia hipotônica hipovolêmica: ocorre quando há perda de sódio,
como nos casos de diarreia, vômitos, queimaduras e sangramentos.
• Hiponatremia hipotônica hipervolêmica: ocorre quando há excesso de
sódio e um acúmulo maior ainda de água, como visto nos estados
edematosos (insuficiência cardíaca, hepática e renal e síndrome nefrótica).
• Hiponatremia hipotônica normovolêmica: ocorre quando não há perda
nem ganho de sódio, como observado na síndrome inapropriada de hormônio
antidiurético, que provoca maior absorção de água pelos rins, com diluição
do sódio plasmático sem expansão do espaço extracelular, bem como visto
devido ao uso de drogas (Clorpropamida, Carbamazepina, antidepressivos,
Ciclofosfamida etc.) ou hipotireoidismo.
Hipovolêmico Hipervolêmico Normovolêmico

H2O
Na + H2O
+
Na
H2O

Na+

A hiponatremia pode ser classificada ainda em:


• Leve: Na+ entre 130 e 135 mEq/ℓ.
• Moderada: Na+ entre 120 e 129 mEq/ℓ.
• Grave: Na+ < 120 mEq/ℓ.
Além disso, se o estado de instalação de hiponatremia for menor que 48
horas é denominado hiponatremia aguda, enquanto um período maior que 48
horas é denominado crônica. Observa-se, portanto, que a hiponatremia não é
uma doença, mas um processo patofisiológico indicativo de um distúrbio da
homeostasia da água. Duas situações clínicas endócrinas que podem cursar
com hiponatremia são os casos graves de hipotireoidismo, que ocorre no
estado mixedematoso, quando há́ baixo débito cardíaco e diminuição da filtração
glomerular; e insuficiência adrenal, tanto em função da hipovolemia que se
instala (decorrente de vômitos, diarreia, choque) como pela perda do feedback
negativo exercido pelo cortisol sobre o ADH, no qual há secreção continuada do
ADH e instalação de hiponatremia hipotônica. Além de hiponatremia, na
insuficiência adrenal pode ocorrer acidose metabólica hiperclorêmica,
hipercalemia, tendência a hipoglicemia e hipotensão e eosinofilia.

Matheus Willian Krik – 19.2 39


Outra situação comum é a síndrome de secreção inapropriada de
hormônio antidiurético (SSIHAD), no qual há um defeito na excreção de água
com excreção normal de sal, causando uma hiponatremia hiposmolar. Diversas
patologias levam ao aumento inapropriado na concentração de ADH como:
tumores, tuberculose, pneumonia, encefalite, acidente vascular cerebral, trauma
e AIDS. Para o diagnóstico de SSIHAD, devem estar presentes:
• Ausência de hiperosmolaridade (ou seja, presença de hiposmolaridade).
• Ausência de hipovolemia e hipervolemia (isto é, presença de normovolemia).
• Ausência de edema, função cardíaca, hepática e renal normais.
• Função adrenal e tireoidiana normais.
• Osmolaridade urinária elevada (> 100, geralmente acima de 300).
• Concentração urinária de sódio > 40 mEq/ℓ (logo, urina concentrada).
HIPOVOLÊMICA HIPERVOLÊMICA NORMOVOLÊMICA
Diuréticos ICC SSIHAD
Nefropatia perdedora renal Insuficiência hepática Hipotireoidismo
Insuficiência adrenal Síndrome nefrótica Polidipsia psicogênica
Síndrome perdedora de sal Doença renal crônica Potomania (cerveja)
Hiponatremia Insuficiência
Drogas
do maratonista renal aguda
O diagnóstico de hiponatremia é feito quando se dosa um sódio plasmático
menor que 135. Primeiramente, deve-se avaliar a possibilidade de hiponatremia
hipertônica (estados hiperglicêmicos) ou de uma pseudo-hiponatremia (presença
de paraproteínas no soro ou excesso de lipídeos). O diagnóstico ocorre, então,
pelo quadro clínico e histórico prévio do paciente, podendo ser dosados glicemia,
perfil lipídico e eletroforese de proteínas para confirmação.
O tratamento de hiponatremia visa não apenas a normalizar a concentração
do sódio plasmático, mas também a estabilizar o doente clinicamente e corrigir
ou melhorar a causa de base. Assim, é importante interromper as drogas que
afetam o manejo renal de água, restringir o consumo de água e avaliar o risco
de mielinólise pontina (desmielinização osmótica do sistema nervoso central,
que ocorre, sobretudo, nos neurônios da ponte localizados no tronco cerebral,
devido a uma correção inapropriada da concentração plasmática de sódio).
Em virtude disso, o tratamento é baseado na duração e na intensidade da
hiponatremia, pois nos casos agudos (6 a 48 horas) e/ou concentração de Na+
menor que 120 mEq/ℓ com manifestações mais graves, devido ao maior risco de
morte, o tratamento é intensivo com aumento rápido de Na+ sérico e depois
elevação gradual até normalização. Já nas situações crônicas (> 48 horas) e/ou
concentração de Na+ maior que 120 mEq/ℓ, com poucas manifestações e menor
gravidade, o tratamento é conservador, com restrição hídrica e elevação de Na+
sérico gradual. Em pacientes assintomáticos, mesmo que intensas, a
concentração de sódio não deve ser corrigida rapidamente, já́ que o paciente se
encontra em estado de adaptação osmótica e o risco de desmielinização pontina
supera em muito os benefícios do tratamento. Assim, os casos assintomáticos
são tratados como uma hiponatremia crônica.

Matheus Willian Krik – 19.2 40


O tratamento dos pacientes assintomáticos é realizado com restrição hídrica
(< 1.000 mℓ ao dia) e correção de Na+ lenta (não maior que 8 mEq/ℓ em 24 horas
e/ou 16 mEq/ℓ em 48 horas). Pode-se utilizar, ainda, soluções para aumentar a
osmolaridade sérica como a campanha de Bruxelas: ureia 10 g + sacarose 200
mg + bicarbonato de sódio 2 g + ácido cítrico 1,5 mg em 100 a 150 mℓ de água
(1 a 2 vezes ao dia).
No entanto, para o tratamento de SSIHAD a osmolaridade da solução
administrada tem que ser maior que a osmolaridade da urina, pois o uso de
soluções isotônicas ou levemente hipertônicas causa retenção da água da
diluição empregada e perda do excesso de Na+, produzindo pouca ou nenhuma
elevação do Na+. Dessa forma, utiliza-se soluções hipertônicas a 3%, em bolus
ou infusão de bomba, como soro fisiológico 0,9% 890 mℓ + NaCl 20% 110 mℓ (ou
água destilada 850 mℓ + NaCl 20% 150 mℓ). Através da fórmula de Adrogué-
Madias é possível calcular a mudança de Na+ a cada litro de solução infundido.

𝑵𝒂+ 𝒊𝒏𝒇𝒖𝒔ã𝒐 − 𝑵𝒂+ 𝒔é𝒓𝒊𝒄𝒐


∆𝑵𝒂+ =
Á𝒈𝒖𝒂 𝒄𝒐𝒓𝒑𝒐𝒓𝒂𝒍 𝒕𝒐𝒕𝒂𝒍 + 𝟏

O uso dessa fórmula deve ser feito com cautela, pois a variação da natremia
pode ser diferente da prevista, sendo necessária a monitoração frequente do
sódio plasmático durante o tratamento. Em seguida, medidas de reversão da
etiologia da hiponatremia devem ser instituídas. Tais medidas incluem a
suspensão de substâncias medicamentosas associadas à SSIHAD, restrição à
ingestão de líquidos para 800 a 1.000 mℓ/dia, interrupção da administração de
soluções hipotônicas e da reposição hidroeletrolítica e de hormônios adrenais ou
tireoidianos, quando pertinente.

➢ Hipernatremia
A hipernatremia é definida como uma medida de sódio sérico maior do que
145 mEq/ℓ causada por um estado de deficiência de água livre em relação ao
sódio. A hipernatremia é menos frequente do que a hiponatremia porque sempre
leva a um estado hiperosmolar (falta de água no organismo com desidratação
da célula). É clinicamente mais bem tolerada do que a hiponatremia, uma vez
que os sintomas mais severos surgem quando o sódio plasmático está acima de
150 mEq/ℓ e as condutas terapêuticas são mais simples e bastante eficazes.
A hipernatremia é um achado clínico comum, com prevalência de 0,5 a 2%
em pacientes hospitalizados, principalmente decorrentes de situações
iatrogênicas, como administração de soluções hipertônicas de bicarbonato de
sódio, emprego de dietas enterais ricas em sódio ou uso de soluções de
manutenção com excesso de Na+, sendo que crianças e idosos (com restrição
de acesso à água apresentam maior susceptibilidade).
Em termos fisiológicos, a elevação da natremia e a hipertonicidade por ela
gerada desencadeiam respostas homeostáticas que produzem a ativação da
sede e a secreção de hormônio antidiurético (ADH), de forma a aumentar a água
livre corpórea. O ADH atua sobre a permeabilidade dos ductos coletores à água,
causando o aumento na absorção de água (mecanismos da sede) e a eliminação
de uma urina concentrada.

Matheus Willian Krik – 19.2 41


Uma série de condições interfere nos mecanismos da sede, como lesões
hipotalâmicas (hipodipsia primária), seja por trauma, tumor, craniofaringeoma ou
doença granulomatosa; ou outras causas de hipodipsia secundária (demência,
delirium, alterações do estado mental e doença cerebrovascular).
A partir do comportamento fisiopatológico, a hipernatremia pode ser
classificada em dois grandes grupos: aquela que ocorre por perda de água livre
e aquela decorrente de excesso de sódio.
CAUSAS DE HIPERNATREMIA
Suor, febre, exercícios físicos, altas
Perdas insensíveis
temperaturas e queimaduras
Perdas renais Diabetes e diurese osmótica
Perda de
Perdas gastrointestinais Diarreia osmótica
água
Distúrbios hipotalâmicos Hipodipsia primária
Convulsões, exercícios intensos e
Shift intracelular de água
rabdomiólise
Retenção Administração de NaCl ou NaHCO3 hipertônicos
de sódio ou excesso de ingestão de sódio

Os sintomas da hipernatremia decorrem das alterações do volume celular em


resposta às variações da natremia e, portanto, da osmolaridade. Assim, da
mesma forma que na hiponatremia, na hipernatremia o sistema nervoso central
é o principal órgão atingido. Os sintomas neurológicos são inespecíficos e podem
variar desde sede, cefaleia, vômitos e fraqueza muscular, até́ letargia, coma,
convulsões e sangramentos de localizações diversas. Os demais achados
clínicos decorrem das condições de base do paciente.
O cérebro adapta-se à hipertonicidade por meio de desidratação do interstício
e influxo de água a partir do líquido cefalorraquidiano. A seguir, os neurônios
iniciam a retenção intracelular de Na+ e K+ e, no intervalo de horas, iniciam a
síntese e o acúmulo de osmolitos (glutamina, glutamato e inositol), o que evita
desidratação severa do neurônio, pois os íons e osmolitos causam retenção de
água no espaço intracelular. Quando se iniciam as medidas terapêuticas e a
tonicidade do líquido extracelular (LEC) é restaurada, tem início o influxo de água
para o líquido intracelular (LIC) hipertônico. Como a reversão desse processo e
a destruição dos osmolitos levam horas a dias, o cérebro torna-se muito sensível
às quedas bruscas da tonicidade plasmática precipitadas pela rápida correção
do sódio, que pode levar ao edema cerebral.
A abordagem específica da hipernatremia requer a interpretação correta da
fisiopatologia do distúrbio em cada caso. O simples reconhecimento da
hipernatremia já́ designa a presença de hipertonicidade dos fluidos corpóreos e
autoriza o clínico a adotar medidas gerais de controle.
O primeiro passo no tratamento da hipernatremia consiste na estimativa do
déficit de água livre, que pode ser calculado pela fórmula abaixo:
𝑵𝒂+ 𝒑𝒍𝒂𝒔𝒎á𝒕𝒊𝒄𝒐
𝑫é𝒇𝒊𝒄𝒊𝒕 𝒅𝒆 á𝒈𝒖𝒂 = Á𝒈𝒖𝒂 𝒄𝒐𝒓𝒑𝒐𝒓𝒂𝒍 𝒕𝒐𝒕𝒂𝒍 𝒙 [ ( ) − 𝟏]
𝟏𝟒𝟎

Matheus Willian Krik – 19.2 42


Dessa forma, no indivíduo com hipernatremia aguda (< 48 horas), é utilizado
soro glicosado a 5% (diabéticos uso de NaCl a 0,45%) com volume integral, pois
a glicose se difunde rapidamente do espaço intracelular para o espaço
extracelular. É importante administrar o soro glicosado em uma velocidade de 5
mℓ/Kg/h com o objetivo de trazer para a normalidade de Na + plasmático dentro
de 24 horas. Nos pacientes com hipernatremia crônica (> 48 horas) a velocidade
de correção deve ser menor, em torno de 1,35 mℓ/Kg/hora e não se deve
ultrapassar 10 mEq/ℓ nas 24 horas, para que não ocorra edema cerebral.

➢ Fisiologia do potássio
O potássio (K+) é o principal cátion do meio intracelular do organismo com
concentração de aproximadamente 140 mEq/ℓ e está presente em muitos
alimentos. No plasma, a concentração deste íon geralmente varia entre 3,5 e 5
mEq/ℓ, sendo que grandes desvios fora dessa faixa são incompatíveis com a
vida. Assim, a regulação da sua distribuição interna deve ser extremamente
eficiente, uma vez que pequenas mudanças no equilíbrio entre o potássio intra
e extracelular podem resultar desde quadros assintomáticos até morte súbita.
O principal regulador do potássio na célula é a bomba de Na+/K+– ATPase,
localizada na membrana celular que, às custas da energia obtida pela hidrólise
do ATP, libera 3 íons Na+ para o meio extracelular e captura 2 íons K+ para o
meio intracelular. Esta enzima é modulada por diferentes fatores, incluindo
hormônio tireoidiano, catecolaminas, insulina e drogas como os digitálicos.
A excreção do potássio ocorre basicamente pelo rim (90%), sendo pequena
a quantidade eliminada pelas fezes (5 a 10 mEq/dia) e pelo suor (até́ 10
mEq/dia). Apenas nos casos em que a taxa de filtração glomerular (TFG) está
substancialmente comprometida (menor que 30%), a eliminação fecal ganha
maior importância. Algumas funções do potássio no organismo são:
• Potencial de membrana celular em repouso.
• Propagação potencial de ação neuronal, muscular e cardíaco.
• Secreção e ação hormonal (mineralocorticoide).
• Tônus vascular e controle de pressão arterial.
• Motilidade digestiva.
• Homeostase ácido-básico, concentração urinária e balanço de fluidos.
No rim, o potássio é filtrado livremente pelo glomérulo e reabsorvido ao longo
do túbulo contorcido proximal (65 – 70%) e da alça ascendente espessa de Henle
(25%), pelos cotransportadores de Na+/K+/Cl-. Já na alça descendente da alça
de Henle ocorre secreção de K+ por transporte passivo como resposta a
adaptações na ingesta de potássio. Deste modo, menos de 10% da carga filtrada
chega ao início do túbulo distal, principal local no ajuste fino da homeostase do
potássio, pois nos segmentos mais distais ocorre a reabsorção e secreção de
potássio. A aldosterona e o potássio plasmático são os principais determinantes
da secreção deste íon nesta região do néfron, por meio da bomba de Na+/K+–
ATPase. Os fatores que influenciam a distribuição interna do K+ são:
• Estimulam a bomba de Na+/K+–ATPase diminuindo o K+ sérico: insulina,
catecolaminas (estímulo β-adrenérgico), aldosterona, alcalose e anabolismo.

Matheus Willian Krik – 19.2 43


• Inibem a bomba de Na+/K+– ATPase aumentando o K+ sérico: acidose
metabólica (ácidos inorgânicos), hiperglicemia, aumento da osmolaridade, β-
bloqueadores, estímulo α-adrenérgico e início dos exercícios físicos.
Como regra geral, uma diminuição no pH em 0,1 (acidose) determina
aumento de K+ em 0,6 mEq/ℓ, enquanto um aumento no pH de 0,1 (alcalose)
determina queda no K+ em 0,4 mEq/ℓ.
Existem dois tipos de células nos ductos coletores responsáveis pela
regulação significativa de K+: as células principais, com finalidade de secreção
de K+, e as células α-intercaladas, com função de reabsorção de K+. Nas células
principais, estimuladas pela aldosterona, existem bombas Na+/K+–ATPase, o
canal epitelial de sódio (ENaC) e o canal de K+ que promove a secreção ativa de
K+. Já nas células α-intercaladas existem bombas H+/K+–ATPase que permitem
a reabsorção de K+ e secreção de H+.
Lúmen Sangue Lúmen Sangue

Células principais Células α-intercaladas

Os fatores que influenciam na secreção de K+ das células principais são: fluxo


luminal tubular, entrega distal de Na+, aldosterona, K+ extracelular e pH
extracelular. Assim, com uma diminuição do fluxo luminal tubular, observado
na insuficiência renal aguda pré-renal, ocorre diminuição da entrega distal de
Na+, consequentemente há diminuição da secreção de K +. Por outro, com um
aumento do fluxo luminal tubular, devido a uma dieta rica de Na +, ou quando há
aumento da entrega distal de Na+ por meio de diuréticos tiazídicos, ocorre
aumento da secreção de K+. Além disso, a aldosterona estimula o ENaC e a
bomba Na+/K+–ATPase favorecendo a secreção de K+, bem como a acidose
metabólica diminui a atividade desses canais e diminui a secreção de K +.
Já os fatores que influenciam na reabsorção de K+ das células α-intercaladas
são: balanço de K+, aldosterona e estado ácido-básico. Dessa forma, a depleção
de K+ provoca aumento da expressão de H+/K+–ATPase, a qual aumenta a
reabsorção ativa de K+. Por outro lado, um excesso de aldosterona, aumenta a
atividade da H+/K+–ATPase e, consequentemente, há diminuição da excreção
local de K+. Por fim, a acidose metabólica aumenta a atividade da bomba
H+/K+–ATPase, provocando uma maior reabsorção de K+.

Matheus Willian Krik – 19.2 44


➢ Hipercalemia
A hipercalemia é a elevação do K+ sérico > 5,0 mEq/ℓ, sendo um problema
comum na prática médica, potencialmente letal. Em pessoas saudáveis, é uma
ocorrência rara diante da grande efetividade do organismo em manter o balanço
de potássio. Portanto, normalmente ocorre em pacientes com insuficiência renal
crônica (TFG < 30 mℓ/min/1,73m2) e diabéticos, ou em outras situações que
reduzam a excreção renal de potássio: (1) uso de medicamentos; (2) lesões
crônicas que afetam a dinâmica tubular dos ductos coletores (região responsável
pela secreção e reabsorção de K+); e (3) insuficiência renal ou adrenal. Além
disso, a ingesta excessiva de potássio pode provocar hipercalemia apenas em
pacientes que já apresentem alterações de função renal.
Dessa forma, a hipercalemia pode ter quatro origens:
• Pseudo-hipercalemia: saída de K+ das células durante ou após a coleta da
amostra sanguínea (flebotomia ou hemólise), bem como em pacientes com
trombocitose (> 500.000/mm³) ou leucocitose (> 70.000/mm³) importantes.
• Redistribuição de potássio para o meio extracelular: em casos de acidose
ocorre saída de K+ das células de forma a manter a eletroneutralidade diante
da entrada do excesso de íons H+ nas células. É válido lembrar que a redução
do pH em 0,1 determina o aumento de K+ em 0,6 mEq/ℓ. A redistribuição do
potássio pode ser decorrente ainda da deficiência de insulina e hiperglicemia,
pois a elevação da osmolalidade plasmática promove a saída de água e
potássio das células, bem como o uso de bloqueadores β2-adrenérgicos,
inibidores de calcineurina e dose excessiva de digitálicos.
• Carga excessiva de potássio: em geral, há outros fatores associados, como
doença renal crônica, insuficiência renal aguda e medicamentos (inibidores
de ECA, BRA e antagonistas da aldosterona). A ingestão de alimentos ricos
em K+, dieta enteral, suplementos ou substitutos de Na+ também podem ser
fontes adicionais de potássio. A infusão intravenosa ou liberação endógena
de K+ por meio de lesão tecidual (rabdomiólise, síndrome de lise tumoral e
injúrias teciduais) promovem liberação de grandes quantidades de K+.
• Excreção urinária diminuída: quando há declínio da função renal seja por
injúria renal aguda (com oligúria ou anuria) ou por doença renal crônica
ocorre diminuição da taxa de filtração glomerular e disfunção tubular com
redução da excreção de potássio. Casos de insuficiência adrenal, diabetes
mellitus tipo 2, uso de diuréticos poupadores de K+ (Espironolactona e
Amiloride) e algumas drogas (Trimetoprim e AINES) provocam hipercalemia.
MEDICAMENTOS EXEMPLOS
Drogas que contém K+ Citrato de K+
Bloqueadores β-adrenérgicos Propanolol e Atenolol
Inibidores da ECA Captopril e Enalapril
BRA Losartana e Valsartana
Antagonistas do receptor de aldosterona Espironolactona
AINES Ibuprofeno

Matheus Willian Krik – 19.2 45


As manifestações clínicas podem variar desde assintomáticos até casos
leves ou ameaçadoras à vida. As principais manifestações da hipercalemia são:
• Sistema musculoesquelético: os sintomas são resultantes de mudanças na
junção neuromuscular. Não costuma ocorrer até́ que a concentração de K +
exceda 8 mEq/ℓ. Os sintomas incluem: fraqueza muscular progressiva,
arreflexia, parestesias e paralisia respiratória.
• Sistema cardiovascular: à medida que aumenta a concentração de K + (em
geral, > 6,5 mEq/ℓ), ocorrem alterações da despolarização atrial e ventricular
e na repolarização, tornando os distúrbios da condução cardíaca os principais
riscos ao paciente, refletindo em bradicardia, hipotensão arterial e arritmias.
As alterações eletrocardiográficas dependem dos níveis séricos de K+, sendo
que usualmente ocorre ondas T apiculadas, prolongamento do intervalo QT,
prolongamento do intervalo PR, alargamento do QRS e desaparecimento
da onda P. A morte súbita pode ocorrer com hipercalemia > 8,5 mEq/ℓ.

A avaliação inicial de um paciente com hipercalemia deve incluir: história


completa (dieta, doenças associadas, uso de medicações, episódios de fraqueza
muscular), exame físico, ECG e medidas de pH, ureia, creatinina, glicose, sódio
e cálcio. Com esses dados iniciais, é possível diferenciar entre hipercalemia
verdadeira e pseudo-hipercalemia. É importante ainda realizar o cálculo da taxa
de filtração glomerular, pois TFG < 20 mℓ/min/1,73m2 indicam perda de função
renal, enquanto uma TFG > 20 mℓ/min/1,73m2 podem indicar alguma desordem
na secreção tubular (hipoaldosteronismo e outras doenças sindrômicas).
Medir o potássio urinário não ajuda na definição da causa de excreção
reduzida de K+, pois o valor estará inapropriadamente baixo em todos os casos.
No entanto, o cálculo do gradiente transtubular de potássio (TTKG) permite
estimar o grau de efeito da aldosterona, ajudando a prosseguir na avaliação
diagnóstica. O TTKG estima o efeito da aldosterona ao medir indiretamente a
concentração de K+ no fluido tubular ao final do túbulo coletor cortical, onde já
ocorreu a maior parte da secreção do íon. Valores normais de TTKG são entre 6
e 12, sendo que TTKG < 7 indica deficiência ou resistência de aldosterona e
TTKG > 10 é sugestivo de causas externas de hipercalcemia. Contudo, em geral,
essa análise não é realizada rotineiramente em razão das dificuldades em dosar
a osmolalidade urinária e sérica.
𝑲+
( 𝒖𝒓𝒊𝒏á𝒓𝒊𝒐 )
𝑲+
𝒔é𝒓𝒊𝒄𝒐
𝑻𝑻𝑲𝑮 =
𝑶𝒔𝒎𝒐
( 𝑶𝒔𝒎𝒐𝒖𝒓𝒊𝒏á𝒓𝒊𝒐 )
𝒔é𝒓𝒊𝒄𝒐

Matheus Willian Krik – 19.2 46


Após a confirmação de hipercalemia, para o tratamento de K+ > 6,5 mEq/ℓ ou
com alterações no ECG são necessárias medidas emergenciais, que inclui a
estabilização do miocárdio para proteção contra as arritmias, antagonizando os
efeitos do potássio na membrana plasmática das células miocárdicas com o uso
de gluconato de cálcio 10% endovenoso (10 – 20 mℓ), e a promoção da entrada
de K+ nas células, por meio de insulina e glicose, que promovem o aumento da
atividade da bomba Na+/K+–ATPase, principalmente nos miócitos e hepatócitos
(atenção em pacientes hiperglicêmicos, pois não devem receber glicose
concomitante). Após a redução do K+ sérico para níveis seguros, o tratamento
deve ser direcionado para a diminuição do K+ corpóreo total, com a remoção do
excesso de K+, com uso de diuréticos e diálise, por exemplo.
O tratamento de K+ < 6,5 mEq/ℓ e sem alterações do ECG requer medidas
menos agressivas, como redução da ingesta de K+ (melão, laranja, banana,
leguminosas e túberos), suspensão eventual de suplementação, revisão de
medicações em uso que interfiram na excreção de K+ (inibidores de ECA, BRA,
espironolactona e AINES) e estímulos na excreção de K+ (natriuréticos).

➢ Hipocalemia
A hipocalemia é a diminuição do K+ sérico < 3,5 mEq/ℓ, sendo que esse
distúrbio pode ser transitório, quando há um influxo celular de potássio, ou
persistentes, quando ocorre uma ingesta inadequada ou perdas excessivas de
K+. Para o diagnóstico de hipocalemia é necessária uma avaliação clínica da
volemia e avaliação laboratorial da ausência ou presença de distúrbios ácido-
básico ou da pesquisa de eletrólitos urinários.
A prevalência de hipocalemia é variável conforme a população estudada. Os
pacientes com função renal normal e sem uso de medicamentes raramente
desenvolvem hipocalemia. Contudo, é comum nos pacientes hipertensos em uso
de diuréticos tiazídicos. Essa alteração na relação K+ intracelular/extracelular
compromete o potencial de repouso das células, principalmente nos tecidos
vulneráveis (leito cardiovascular, sistema nervoso periférico, músculos e rins).
A hipocalemia verdadeira se associa a grande déficit corporal de K +. No
entanto, as principais causas de hipocalemia podem ser classificadas em:
• Pseudo-hipocalemia: decorrem da captação de K+ pelas células no sangue
em pacientes com leucemias agudas após a coleta de amostra sanguínea,
principalmente quando o sangue é estocado em temperatura ambiente, o
qual favorece a atividade da bomba Na+/K+–ATPase.
• Redistribuição de K+: como apenas 2% do K+ está no extracelular, pequenas
redistribuições desse íon podem gerar hipocalemia. As principais causas de
captação de K+ são: insulina, alcalose metabólica, agonistas β-adrenérgicos
e catecolaminas. É válido lembrar que o aumento do pH em 0,1 determina a
redução de K+ em 0,4 mEq/ℓ.
• Perdas extra-renais de K+: envolvem as perdas digestivas, como diarreia,
sucção por sonda nasogástrica, vômitos (perda de ácidos) e hipovolemia
(ativação secundária do sistema renina-angiotensina-aldosterona com
secreção de K+), e as perdas por sudorese excessiva (menos frequente).

Matheus Willian Krik – 19.2 47


• Perdas renais de K+: são as principais causas de hipocalemia através de
medicamentos (diuréticos tiazídicos e de alça, anfotericina B, inibidores da
anidrase carbônica, aminoglicosídeos, cisplatina e Tazobactam), produção
endógena de hormônios (hiperaldosteronismo primário) e defeitos renais
tubulares intrínsecos (síndrome de Bartter, de Gitelman e de Liddle).
As síndromes de Bartter e de Gitelman são distúrbios raros, causados por
defeitos genéticos, e apresentam-se com hipocalcemia e alcalose metabólica. A
patogênese da síndrome de Bartter se assemelha ao uso de diuréticos de alça
(Furosemida), devido ao defeito do cotransportador Na+/K+/2Cl-; e a síndrome
de Gitelman se assemelha ao uso de tiazídicos (Hidroclorotiazida), devido ao
defeito do cotransportador Na+/Cl-. A síndrome de Liddle é uma doença rara
envolvendo a atividade aumentada dos canais epiteliais de sódio (ENaC) que faz
com que os rins excretem potássio, mas retenham quantidades excessivas de
sódio e água, levando à hipertensão.
Uma situação comum da redistribuição de potássio é a paralisia periódica
hipocalêmica, uma doença com traço autossômica dominante, mais frequente
em homens, que cursa com crises de paralisia flácida associado à hipocalemia
severa. As crises ocorrem geralmente à noite, com duração de 6 a 24 horas,
após refeições ricas em carboidratos com produção exagerada de insulina e,
consequentemente, há a internalização de K+ em indivíduos com defeito no canal
de cálcio muscular. Eventualmente, a paralisia periódica hipocalêmica pode ser
uma complicação rara do hipertireoidismo, porém, quando a causa base é
tratada o quadro de paralisia é totalmente revertido. Em geral, os pacientes são
tratados com Acetazolamida, um diurético que possui como efeito colateral a
acidose metabólica e, assim, provoca desvio de H+ para dentro das células e
saída de K+, corrigindo a hipocalemia.
Vários distúrbios e sintomas podem ser atribuídos à hipocalemia. A gravidade
das manifestações, em geral, correlaciona-se com o grau de depleção do íon. As
anormalidades do ritmo cardíaco e hipotensão arterial são as complicações mais
comuns do sistema cardiovascular. No ECG, valores de:
• K+ < 3,0 mEq/ℓ provocam depressão do segmento ST.
• K+ entre 2,5 e 2,0 mEq/ℓ diminuem a amplitude das ondas T.
• K+ < 2,0 mEq/ℓ provocam o aparecimento de ondas U após as ondas T.

Outras manifestações da hipocalemia são: náuseas, distensão abdominal,


íleo paralítico, resistência insulínica e intolerância a glicose, apatia, fraqueza,
parestesia, paralisia muscular, aumento do risco de rabdomiólise e encefalopatia
hepática potencializada devido ao aumento da concentração de amônia cerebral.
No tecido renal, a hipocalemia provoca diminuição do fluxo sanguíneo renal com
atrofia tubular, formação de cistos renais, poliúria, polidipsia até evolução de
doença renal crônica.

Matheus Willian Krik – 19.2 48


Na investigação inicial é importante definir qual o tipo de hipocalemia imposta,
com observação da presença de acidose ou alcalose metabólica, excesso de
catecolaminas, uso de diuréticos ou dieta pobre em K+, assim como a presença
ou não de hipertensão associada para facilitar no diagnóstico. Uma aferição das
perdas urinárias de potássio auxilia na diferenciação entre hipocalemia renal e
extrarrenal, sendo que perdas urinárias abaixo de 20 – 30 mEq/ℓ indicam perdas
gastrointestinais, enquanto perdas acima de 20 – 30 mEq/ℓ corroboram com o
diagnóstico de perdas renais. A hipocalemia pode ser classificada em:
• Leve: K+ entre 3,0 – 3,4 mEq/ℓ.
• Moderada: K+ entre 2,5 – 2,9 mEq/ℓ.
• Grave: K+ abaixo de 2,5 mEq/ℓ.
O tratamento tem início pela monitoração da força muscular e ECG.
Primeiramente, deve-se tirar o paciente da urgência e não corrigir o déficit total
imediatamente. Isso porque a reposição rápida do potássio pode levar a
hipercalemia, aumentando o potencial arritmogênico. Apenas uma dieta rica em
K+ não corrige a deficiência desse íon, sendo necessário a reposição de K +,
geralmente por via oral com drágeas de 500 mg ou xarope de KCl. As
hipocalemias graves, como na paralisia periódica hipocalêmica, infarto agudo do
miocárdio e perioperatório, devem ser tratadas de forma mais agressiva, com
reposição endovenosa (ampolas de KCl 19,1% em soro fisiológico 0,9%) e
monitorização. Além disso, se for necessário manter o uso de diuréticos, a droga
preferencial é a Espironolactona, por ser um poupador de K+.

➢ Depleção espaço extracelular


Os distúrbios do volume do espaço extracelular referem-se os casos de
contração do volume do espaço extracelular (depleção) ou expansão do volume
espaço extracelular (edema). É válido lembrar que os distúrbios da água estão
relacionados aos ganhos ou perdas de água livre que provocam modificações
da osmolalidade e que se traduzem laboratorialmente em quedas (hiponatremia)
ou elevações (hipernatremia) do sódio sérico.
Por outro lado, os distúrbios do volume extracelular estão relacionados aos
ganhos ou perdas de sódio como fator primário, levando secundariamente em
retenção ou perdas de água, provocando expansão ou contração do volume do
espaço extracelular.
O principal cenário que leva a contração do volume do espaço extracelular
(depleção) está relacionado aos casos em que as perdas de sódio excedem a
ingesta e/ou infusão desse íon, sendo que as causas podem ser:
• Causas extrarrenais: de origem digestivas (diarreia, vômitos, drenagem por
sonda nasogástrica, ileostomia, colostomia e paracenteses), formação de
terceiro espaço (ascite, derrame pleural, obstrução intestinal e hemorragias
internas) e cutâneas (sudorese excessiva ou grandes queimados).
• Causas renais: uso de diuréticos (tiazídicos e de alça), desordens tubulares,
genéticas (síndrome de Bartter e de Gitelman), adquiridas (recuperação de
injúria renal aguda ou pós-desobstrução) e distúrbios metabólicos (diabetes
mellitus, insuficiência adrenal, hipoaldosteronismo, entre outras).

Matheus Willian Krik – 19.2 49


Do ponto de vista clínico, as principais manifestações que envolvem a
contração do volume do espaço extracelular podem ser divididas em dois grupos:
• Perdas leves a moderadas de volume do espaço extracelular (10 – 20%):
o paciente queixa-se de sede, lentificação no enchimento capilar, sensação
de fraqueza e tontura postural, membranas mucosas secas, taquipneia,
taquicardia (FC > 100 bpm), hipotensão postural (com redução de PAS > 20
mmHg ao se levantar), pulso venoso jugular baixo (< 5 cm de H2O) e oligúria
(diurese de 24 horas < 500 mℓ).
• Perdas severas de volume até choque hipovolêmico (> 20%): o paciente
apresenta alteração no estado mental (com perda de consciência), cianose
periférica, pele fria, redução no turgor da pele (em pacientes jovens),
taquicardia significativa e pulsos com amplitude diminuída e hipotensão
arterial em posição supina (PAS < 100 mmHg).
Os indivíduos com contração de volume do espaço extracelular apresentam
alguns exames laboratoriais alterados como: hemoconcentração (por elevação
do hematócrito), pseudoelevação de albumina (por depleção do EEC), relação
creatinina/ureia > 1:40 (porém, esta relação também encontra-se alterada nos
casos de hemorragia digestiva e uso de corticoides), exames simples de urina
demonstra aumento da densidade urinária, o Na+ urinário em amostra isolada
encontra-se abaixo de 20 mEq/ℓ e a fração da excreção de sódio urinário < 1%.
O tratamento da depleção de volume do espaço extracelular depende de uma
avaliação clínica (nem sempre é precisa) e laboratorial para estimar a urgência
e tratar a causa de base desencadeadora, com reposição de perdas existentes
(depleção do ECC), bem como estimar o volume de manutenção. Nos casos
leves, se houver integridade do trato gastrointestinal a reposição de fluidos pode
ser oral, ou reposição endovenosa nas situações de vômitos incoercíveis,
aumento da drenagem de sonda nasogástrica e diarreia volumosa. Por outro
lado, os casos graves demanda sempre reposição volêmica imediata com soro
fisiológico 0,9% (1L – 2L endovenoso dentro de 24 horas), com monitorização
em unidade de terapia renal substitutiva com acesso venoso central e volume de
diurese. A escolha do fluido de reposição geralmente é soluções cristaloides
com Na+ como principal cátion.
Dessa forma, o plano parenteral, que tem por objetivo a reposição de perdas
de fluidos e eletrólitos ocorridas em 24 horas, deve-se
• Especificar a solução administrada (soro fisiológico 0,9% ou glicosado 5%).
• Especificar o volume de cada solução básica (1.000 mℓ).
• Identificar os frascos por números consecutivos.
• Indicar os aditivos a serem utilizados (KCl 19,1% e NaCl 20%).
• Indicar a velocidade de infusão (mℓ/hora ou gotas/minuto).
Em geral, não há pressa para realizar as correções, exceto em cenários
potencialmente ameaçadores à vida, como um choque hipovolêmico. Além
disso, os pacientes com massas musculares reduzidas corrigirão a calemia mais
rapidamente, bem como deve-se evitar o uso de soro glicosado 5% para realizar
a correção de hipocalemia. Por fim, é importante avaliar o paciente clinicamente
dentro das primeiras 12 horas após a instituição do plano parenteral e determinar
eventuais ajustes.

Matheus Willian Krik – 19.2 50


DISTÚRBIOS ÁCIDO-BÁSICOS
➢ Definição
Os distúrbios do equilíbrio ácido-básico (DAB) são problemas clínicos
frequentes e o tratamento adequado depende do diagnóstico correto do distúrbio
em questão. A abordagem tradicional dos DAB é baseada na teoria de Lowry-
Bronsted, na qual os ácidos são definidos como substâncias capazes de doar
prótons, enquanto as bases são definidas como substâncias capazes de receber
prótons. Nesse modelo, o principal sistema tampão é o sistema bicarbonato-
ácido carbônico.
Íons livres de H+ estão presentes nos fluidos corpóreos em concentrações
extremamente baixas, sendo considerado normal um pH entre 7,35 – 7,45.
Assim, uma acidemia (pH < 7,35) é a diminuição do pH sanguíneo (ou aumento
da concentração do H+ no sangue) e alcalemia (pH > 7,45) é a elevação do pH
sanguíneo (ou redução da concentração do H+ no sangue). As alterações do pH
extracelular ocorrem quando existe disfunção renal ou respiratória ou quando a
quantidade de base ou ácido ultrapassa a sua capacidade de excreção. Portanto,
mudanças na concentração do [H+] e pH podem ser induzidas por alterações do
PCO2 ou do HCO3-. Anormalidades primárias no PCO2 são chamadas de acidose
respiratória (PCO2 alto) e de alcalose respiratória (PCO2 baixo). Anormalidades
primárias na concentração de HCO3- são chamadas de acidose metabólica
(HCO3- baixo) e de alcalose metabólica (HCO3- alto).
Na presença de algum desses distúrbios, sempre ocorrerá uma resposta
compensatória renal ou respiratória, no intuito de minimizar as alterações na
concentração do [H+]. A resposta compensatória sempre acompanha a direção
do distúrbio primário. Por exemplo, na acidose respiratória (PCO2 alto) ocorre
aumento da excreção renal de H+ com aumento do [HCO3-] plasmático.

➢ Diagnóstico
Assim como ocorre em outras condições, uma anamnese e exame físico
adequados podem auxiliar no diagnóstico de algum distúrbio ácido-básico como:
• Alcalose metabólica: vômitos.
• Acidose metabólica: diabetes, diarreia e hipotensão.
• Alcalose respiratória: taquipneia e doença hepática.
• Acidose respiratória: tabagismo e doença pulmonar obstrutiva crônica.
A gasometria arterial ou venosa é o exame mais importante para o correto
diagnóstico de DAB (valores de referência na tabela abaixo).
PARÂMETRO VALORES DE REFERÊNCIA
pH 7,35 a 7,45
pO2 (mmHg) 80 a 100
pCO2 (mmHg) 35 a 45
Bicarbonato (mEq/L) 22 a 26
Saturação de O2 > 92%

Matheus Willian Krik – 19.2 51


A análise da gasometria deve seguir três principais etapas:
1. Verificar a consistência dos valores laboratoriais: o nível de HCO3- deve estar
igual ao nível de pCO2 (+/- 2).
2. Avaliar o pH: um pH entre 7,35 e 7,45 é considerado normal, contudo, um pH <
7,35 indica acidemia, enquanto pH > 7,45 indica alcalemia.
3. Determinar o distúrbio primário: o qual pode ser metabólico ou respiratório e,
para isso, baseia-se nos valores da pCO2 e do HCO3-, sendo que se os dois
valores estiverem anormais, o primário é o que for mais severo.

➢ Alcalose respiratória
A alcalose respiratória é caracterizada pelo aumento do pH (pH > 7,45) e
redução da pCO2 (pCO2 < 35 mmHg). Nessa condição, ocorre maior excreção
do CO2 produzido nos tecidos, levando à redução do CO2 e, consequentemente,
aumento do pH. Em virtude disso, a resposta compensatória renal promove uma
redução da concentração de HCO3- plasmático, isto é, ocorre aumento da
excreção de HCO3- e maior retenção de íons H+, com o objetivo de tentar
reestabelecer o equilíbrio ácido-básico.
Esta hiperventilação pode ser secundária a aumento do drive inspiratório
(voluntário, ansiedade, febre, hemorragia subaracnoide, meningite, tumores
cerebrais, intoxicação por medicamentos ou drogas), doenças respiratórias
(asma, pneumonia, edema pulmonar) ou devido à hipóxia tecidual (altitudes
elevadas, cardiopatias cianóticas, anemia severa, choque séptico, gravidez).
Os sintomas produzidos pela alcalose respiratória estão relacionados ao
aumento da irritabilidade do sistema nervoso periférico e central com vários
sintomas de acometimento neurológico (alteração da consciência, parestesias,
espasmo carpopedal, vertigens, entre outros). Além disso, a alcalose respiratória
pode levar a diminuição do fluxo sanguíneo cerebral e arritmias cardíacas. Um
sinal clínico importante é a taquipneia.
No tratamento da hiperventilação primária, deve-se fazer o paciente respirar
dentro de um saco de papel, melhorando a hipocapnia.

Matheus Willian Krik – 19.2 52


➢ Acidose respiratória
A acidose respiratória é caracterizada pela diminuição do pH (pH < 7,35) e
aumento da pCO2 (pCO2 > 45 mmHg). Nessa condição, ocorre maior retenção
de CO2 produzido nos tecidos, levando a redução do pH. Em virtude disso, a
resposta compensatória renal promove uma maior retenção da concentração
de HCO3- plasmático, isto é, ocorre diminuição da excreção de HCO3- e maior
excreção de íons H+, com o objetivo de tentar reestabelecer o equilíbrio ácido-
básico.
A acidose respiratória pode ter várias causas: falência do organismo em
transportar o CO2 até os pulmões (choque cardiogênico); defeitos pulmonares
obstrutivos (obstrução de vias aéreas altas, asma, DPOC); defeitos pulmonares
restritivos (fibrose pulmonar); doenças neuromusculares (miastenia grave,
síndrome de Guillain-Barré, esclerose lateral amiotrófica); ou diminuição do drive
respiratório (abuso de substâncias sedativas). Os sintomas variam de acordo
com o tempo de instalação, que incluem desde cefaleia, visão borrada, delirium,
sonolência, arritmias e vasodilatação periférica, até quadros de cor pulmonale e
edema periférico.
O tratamento deverá ser direcionado para a causa específica e raramente é
necessária a administração de bicarbonato de sódio, até porque tal tratamento
pode induzir uma acidose paradoxal por aumento da produção de CO 2.

➢ Acidose metabólica
A acidose metabólica é caracterizada pela diminuição do pH (pH < 7,35) e
redução do HCO3- (HCO3- < 22 mEq/ℓ). Nessa condição, ocorre uma resposta
compensatória pulmonar, com respiração mais rápida e profunda, visto que o
organismo tenta liberar o excesso de CO2 produzido nos tecidos, levando a
redução do pCO2 (pCO2 < 35 mmHg) e aumento do pH, com o objetivo de tentar
reestabelecer o equilíbrio ácido-básico.
Para a investigação etiológica da acidose metabólica, é importante o
conhecimento de alguns dados laboratoriais como sódio, potássio, cloro, fósforo,
albumina, lactato, glicemia e cetoácidos. O primeiro passo é o cálculo do ânion
gap (AG). O ânion gap indica a diferença entre as concentrações séricas de
cátions (Na+ e K+) e ânions (Cl- e HCO3-). Pelo fato de não poder haver nenhuma
diferença efetiva (pelo princípio da neutralidade elétrica), essa medida reflete os
chamados íons “não mensuráveis”. Normalmente esta diferença ou gap é
representada pela porção ionizada dos ácidos fracos (A-), principalmente a
albumina, e em menor proporção, o fósforo, sulfato e outros ânions.
Por causa da baixa concentração de K+ no meio extracelular, esse íon
frequentemente é omitido dos cálculos de ânion gap. Por isso, na prática, o ânion
gap pode ser calculado com a seguinte fórmula:
𝑨𝑮 = (𝑵𝒂+ ) − (𝑪𝒍− + 𝑯𝑪𝑶−
𝟑)

O AG considerado normal é ≤ 12 mEq/ℓ, sendo que nas condições de


hipoalbuminemia é importante a correção do AG de acordo com a concentração
sérica de albumina [(4 – concentração sérica de albumina) x 2,5 + AG].

Matheus Willian Krik – 19.2 53


Dessa forma, as acidoses metabólicas são classificadas de acordo com AG:
• AG normal (≤ 12 mEq/ℓ): caracteriza-se por um pH baixo devido a perda
intestinal ou renal de bicarbonato (diarreia ou acidose tubular renal), porém
ocorre um acúmulo de cloreto pelo sistema gastrointestinal, mantendo o AG
normal (isto é, há bicarbonatúria e hipercloremia).
• AG elevado (> 12 mEq/ℓ): devido ao acúmulo de ácidos não mensurados
(lactato, sulfatos, corpos cetônicos, entre outros) ocorre elevação do valor de
ânion gap. As principais causas de acidose metabólica por AG elevado
podem ser resumidos pelos mnemônico MUDPILES ou GOLD MARK:
MUDPILES GOLD MARK
Metanol Glicol (etileno glicol e metanol)
Uremia Oxoproline
Diabetes (cetoacidose) L-lactato (acidose lática)
Propofol D-lactato (acidose lática)
Iron (ferro) ou Isoniazida Metanol
Lactic acidoses (acidose lática) Aspirina
Etileno glicol Renal failure (falência renal)
Salicilato Ketoacidosis (cetoacidose)

Ânion gap Ânion gap normal Ânion gap elevado


➢ Alcalose metabólica
A alcalose metabólica é caracterizada pelo aumento do pH (pH > 7,45) e
aumento do HCO3- (HCO3- > 26 mEq/ℓ). Nessa condição, ocorre uma resposta
compensatória pulmonar, por meio de uma hipoventilação com consequente
aumento da pCO2 e diminuição do pH, com o objetivo de tentar reestabelecer o
equilíbrio ácido-básico.
As principais causas de alcalose metabólica são: perda de secreções
gástricas (vômitos e drenagem por sonda nasogástrica), terapia com diuréticos,
hipocalemia e excesso de mineralocorticoides. Embora esse distúrbio seja raro
na prática clínica, é importante avaliar a sua etiologia pela história e exame físico,
bem como a dosagem de cloreto na urina, pois a presença de cloro urinário baixo
(< 25 mEq/ℓ) está associada à depleção de volume (vômitos, drenagem de sonda
nasogástrica, fibrose cística). Por outro lado, no cloro urinário > 40 mEq/ℓ, os
sinais de hipovolemia estão ausentes e a excreção de Cl- é igual à ingestão
(ocorre nos casos de excesso de mineralocorticoides ou sobrecarga de álcalis).

Matheus Willian Krik – 19.2 54


O tratamento deve ser direcionado para a doença de base e deve incluir
medidas que diminuam a perda de H+, especialmente a reposição volêmica com
solução fisiológica 0,9% e a reposição de potássio. As causas de alcalose
metabólica podem ser divididas em responsivas a solução salina (vômitos,
drenagem de sonda nasogástrica e diuréticos) e salinas resistentes à
administração de solução salina (excesso de mineralocorticoide, hipocalemia
grave, estados edematosos).
RESPONSÍVEL AO CLORETO NÃO RESPONSÍVEL AO CLORETO
Na+ urinário < 20 mEq/L Na+ urinário > 20 mEq/L
Perdas gástricas (vômitos ou SNG) Hiperaldosteronismo primário
Perdas urinárias (manitol) Corticosteroides
Reposta renal a hipercapnia: Correção de acidose respiratória com
▪ Cl- perdido ventilação mecânica
▪ HCO3 gerado nos túbulos renais Hipocalemia
-

➢ Interpretação dos distúrbios ácido-básico


É importante aplicar as fórmulas para verificar se a compensação está
adequada. Uma vez identificado um distúrbio, a aplicação da fórmula específica
possibilita identificar um eventual segundo distúrbio. A pergunta deve ser: a
compensação está adequada para o que era previsto? Por exemplo: para os
distúrbios metabólicos, qual deveria ser a pCO2 após a compensação? As
fórmulas mostram aproximadamente a compensação esperada. Se a
compensação não foi consistente com o que se previa, então um segundo
distúrbio está presente (distúrbios mistos).
DISTÚRBIO MUDANÇA
COMPENSAÇÃO ESPERADA
PRIMÁRIO COMPENSATÓRIA
Acidose metabólica ↓ pCO2 pCO2 = (1,5 x HCO3-) + 8 ± 2
Alcalose metabólica ↑ pCO2 pCO2 = (0,9 x HCO3-) + 15
Acidose respiratória
▪ Aguda ↑ HCO3- HCO3- = (pCO2 – 40/10) + 24
▪ Crônica HCO3- = (pCO2 – 40/5) + 24
Alcalose respiratória
▪ Aguda ↓ HCO3- HCO3- = 24 – (40 – pCO2/5)
▪ Crônica HCO3- = 24 – (40 – pCO2/2)
Além disso, é importante ressaltar que a gasometria pode ser realizada tanto
em sangue venoso como em sangue arterial. As maiores diferenças entre os
resultados gasométricos arteriais e venosos são: maiores pH e pO2 nas amostras
arteriais e maiores pCO2 e teores de bicarbonato nas venosas.
Os seguintes passos são necessários para avaliar a gasometria:
• Passo 1: verificar o pH para identificar acidemia ou alcalemia.
• Passo 2: verificar a pCO2 e o HCO3-.
• Passo 3: verificar se há resposta compensatória esperada.
• Passo 4: avaliar ânion gap.

Matheus Willian Krik – 19.2 55


O tratamento geral é voltado para a causa base do distúrbio. Em casos de
acidose metabólica deve-se realizar medidas gerais iniciais: permeabilizar vias
aéreas, garantir oxigenação e ventilação adequadas e restabelecer a circulação.
Deve-se tratar a causa subjacente, tomando medidas para diminuir a produção
de H+, como otimizar o débito cardíaco em pacientes com acidose lática,
administrar insulina em pacientes com cetoacidose ou remover substâncias
tóxicas em intoxicações.
O uso de bicarbonato de sódio na acidose metabólica é controverso, pois
resulta na produção de dióxido de carbono e de água. Assim, é fundamental
garantir uma ventilação eficiente para que o dióxido de carbono seja eliminado.
Porém, as indicações incluem: pH < 7,10; presença de comprometimento
fisiológico; e trabalho respiratório excessivo para manter o pH > 7,2. Existe uma
fórmula para estimar quanto de bicarbonato é necessário repor, sendo que se
deve repor 50% do déficit em 3 a 4 horas e o restante ao longo das 8 e 24 horas.
𝑯𝑪𝑶− −
𝟑 𝒅𝒆𝒔𝒆𝒋𝒂𝒅𝒐 = 𝟎, 𝟓 𝒙 𝒑𝒆𝒔𝒐 𝒙 (𝟐𝟒 − 𝑯𝑪𝑶𝟑 𝒔é𝒓𝒊𝒄𝒐 𝒎𝒆𝒅𝒊𝒅𝒐)

Alguns efeitos adversos do bicarbonato são: alcalose de rebote, exacerbação


da hiperosmolaridade (por exemplo, cetoacidose diabética) e hipervolemia.

Matheus Willian Krik – 19.2 56

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