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JULGADOS – LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

A reconciliação entre a vítima e o agressor, no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, não é fundamento
suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração penal
Resumo do julgado
A posterior reconciliação entre a vítima e o agressor não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor
mínimo previsto no art. 387, inciso IV, do CPP, seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque compete à própria
vítima decidir se irá promover a execução ou não do título executivo, sendo vedado ao Poder Judiciário omitir-se na aplicação da
legislação processual penal que determina a fixação do valor mínimo em favor da ofendida.
CPP/Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:(...) IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;
STJ. 6ª Turma. REsp 1819504-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 10/09/2019 (Info 657).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Pedro agrediu a sua esposa Andrea.
Ele foi denunciado pelo Ministério Público e, ao final do processo, condenado.
Na sentença, o juiz condenou Pedro a pagar R$ 3 mil em favor da vítima a título de reparação pelos danos morais que ela sofreu.
Esse valor foi fixado com base no art. 387, IV, do CPP:
Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;
(Redação dada pela Lei nº 11.719/2008)

Recurso do condenado
Pedro recorreu contra a condenação ao pagamento da quantia, invocando dois argumentos:
1) não houve instrução probatória para comprovar que a vítima sofreu danos morais;
2) ele (réu) e a vítima já se reconciliaram; logo, não faz sentido determinar que ele pague um valor para a sua esposa considerando
que vivem juntos.

Primeiro tema. Para a fixação do valor da reparação, é necessária a produção de provas dos prejuízos sofridos?
Quanto aos danos materiais: SIM.
Em caso de danos materiais, o juiz somente poderá fixar a indenização se existirem provas nos autos que demonstrem os prejuízos
sofridos pela vítima em decorrência do crime. Dessa feita, é importante que o Ministério Público ou eventual assistente de acusação
junte comprovantes dos danos causados pela infração para que o magistrado disponha de elementos para a fixação de que trata o art.
387, IV do CPP. Vale ressaltar, ainda, que o réu tem direito de se manifestar sobre esses documentos juntados e contraditar o valor
pleiteado como indenização. Nesse sentido:
A fixação da reparação civil mínima também não dispensa a participação do réu, sob pena de frontal violação ao seu direito de
contraditório e ampla defesa, na medida em que o autor da infração faz jus à manifestação sobre a pretensão indenizatória, que, se
procedente, pesará em seu desfavor. (...)
STJ. 5ª Turma. REsp 1236070/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/03/2012.
No que tange aos danos morais: NÃO.
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moralindependentemente de instrução probatória.
A humilhação e a dor que geram dano moral decorrem, inequivocamente, da situação de quem é vítima de uma agressão verbal,
física ou psicológica, na condição de mulher.
Assim, não há razoabilidade em se exigir instrução probatória para comprovar o dano psíquico, o grau de humilhação, a diminuição
da autoestima da vítima. Isso porque a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e
menosprezo ao valor da mulher como pessoa e à sua própria dignidade.
A única prova que se exige é a de que houve o crime porque, uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela
resultantes são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados.
O dano moral é, portanto, considerado como in reipsa.
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a
quantia, e independentemente de instrução probatória.
STJ. 3ª Seção. REsp 1643051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo) (Info 621).
Logo, como o juiz condenou o réu a pagar a indenização a título de danos morais, não era necessária realmente a realização de
instrução probatória.

E quanto ao segundo argumento? O fato de o réu e a vítima terem se reconciliado, interfere na indenização?
NÃO.
A posterior reconciliação entre a vítima e o agressor não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor
mínimo previsto no art. 387, inciso IV, do CPP, seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque compete à própria
vítima decidir se irá promover a execução ou não do título executivo, sendo vedado ao Poder Judiciário omitir-se na aplicação da
legislação processual penal que determina a fixação do valor mínimo em favor da ofendida.
A reconciliação entre a vítima e o agressor, no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, não é fundamento
suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração penal.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.819.504-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 10/09/2019 (Info 657).

Se a mulher vítima de crime de ação pública condicionada comparece ao cartório da vara e manifesta interesse em se
retratar da representação, ainda assim o juiz deverá designar audiência para que ela confirme essa intenção e seja ouvido o
MP, nos termos do art. 16
Resumo do julgado
A Lei Maria da Penha autoriza, em seu art. 16, que, se o crime for de ação pública condicionada (ex: ameaça), a vítima possa se
retratar da representação que havia oferecido, desde que faça isso em audiência especialmente designada, ouvido o MP. Veja:
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à
representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o
Ministério Público.
Não atende ao disposto neste art. 16 a retratação da suposta ofendida ocorrida em cartório de Vara, sem a designação de audiência
específica necessária para a confirmação do ato.
Em outras palavras, se a vítima comparece ao cartório e manifesta interesse em se retratar, ainda assim o juiz deverá designar a
audiência para ouvir a ofendida e o MP, não podendo rejeitar a denúncia sem cumprir esse procedimento.
STJ. 5ª Turma. HC 138143-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 03/09/2019 (Info 656).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Francisca eram casados.
Determinado dia, tiveram uma grave discussão e ele disse que iria matar a mulher.
No mesmo instante, Francisca decidiu que não queria mais viver com ele e, com medo da ameaça, procurou a Delegacia da Mulher.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra João pela prática do crime de ameaça, previsto no art. 147 do Código Penal:
Art. 147. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Qual é a natureza da ação penal no caso do crime de ameaça?


Trata-se de crime de ação penal pública condicionada. Assim, a denúncia somente pode ser oferecida se houver representação da
vítima (art. 147, parágrafo único, do CP).

A pena do crime de ameaça é de 1 a 6 meses de detenção. Trata-se, portanto, de infração de menor potencial ofensivo. Por que
não foram aplicadas, no exemplo acima, as medidas despenalizadoras da Lei nº 9.099/95 (suspensão condicional do processo e
transação penal)?
A Lei Maria da Penha proíbe expressamente que se aplique a Lei nº 9.099/95 para os crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a mulher. Veja:
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se
aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Por essa razão, a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei
Maria da Penha. Nesse sentido:
Súmula 536-STJ: A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da
Lei Maria da Penha.

Alguns de vocês podem estar se perguntando: “eu já ouvi dizer que a lesão corporal leve é crime de ação pública condicionada,
salvo no caso de violência doméstica”. Isso significa que todo crime praticado contra a mulher envolvendo violência doméstica
será de ação pública incondicionada?
NÃO.
Realmente, a lesão corporal leve cometida em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é crime de ação pública
incondicionada. Isso porque o art. 88 da Lei nº 9.099/95 não se aplica para os casos de violência doméstica:
Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes
de lesões corporais leves e lesões culposas.
Existe até um enunciado do STJ nesse sentido:
Súmula 542-STJ: A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública
incondicionada.
Por outro lado, é errado dizer que todos os crimes praticados contra a mulher, em sede de violência doméstica, serão de ação penal
incondicionada. Continuam existindo crimes praticados contra a mulher (em violência doméstica) que são de ação penal
condicionada, desde que a exigência de representação esteja prevista no Código Penal ou em outras leis, que não a Lei nº 9.099/95.
Assim, por exemplo, a ameaça praticada pelo marido contra a mulher continua sendo de ação pública condicionada porque tal
exigência consta do parágrafo único do art. 147 do CP.
O que a Súmula nº 542 do STJ afirma é que o delito de LESÃO CORPORAL praticado com violência doméstica contra a mulher é
sempre de ação penal incondicionada porque o art. 88 da Lei nº 9.099/95 não pode ser aplicado aos casos da Lei Maria da Penha.

Voltando ao nosso exemplo:


Como houve representação da vítima, o Promotor de Justiça ofereceu denúncia contra o réu pela prática de ameaça (art. 147 do CP).
Após o oferecimento da denúncia (e antes que ela fosse recebida pelo Juiz), a vítima compareceu ao cartório da Vara e, arrependida,
manifestou o desejo de se retratar da representação concedida. Ela disse que “não queria mais continuar com o processo” porque já
perdoou o marido.
O servidor da Vara fez uma certidão narrando o ocorrido e colheu a assinatura da mulher.
O processo foi concluso ao Juiz, que acolheu a retratação da representação e rejeitou a denúncia.

Recurso em sentido estrito


Inconformado, o Promotor de Justiça interpôs recurso em sentido estrito dirigido ao TJ, alegando que o magistrado ignorou o art. 16
da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Isso porque esse dispositivo permite a retratação da representação da vítima, mas desde
que isso seja feito em audiência específica, coma oitiva do Ministério Público. Veja a redação legal:
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à
representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o
Ministério Público.

O STJ concordou com a argumentação do Ministério Público?


SIM.
A Lei Maria da Penha disciplina procedimento próprio para que a vítima possa eventualmente se retratar de representação já
apresentada. Dispõe o art. 16 da Lei nº 11.340/2006 que, “só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência
especialmente designada com tal finalidade”(STJ. 5ª Turma. HC 371.470/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
17/11/2016).
Assim, a informação prestada em cartório de que a vítima não mais pretendia processar o autor da ameaça deveria ter sido
confirmada perante o juiz, em audiência especialmente designada para essa finalidade.
Existem outros julgados do STJ no mesmo sentido:
É irrelevante que exista carta de retratação redigida pela vítima à autoridade policial com o fim de impedir as investigações, pois o
art. 16 da Lei nº 11.340/2006 - que prevê a possibilidade de renunciar à representação nas ações penais públicas condicionadas à
representação da ofendida - só admite a renúncia perante o Juiz, em audiência especialmente designada.
STJ. 6ª Turma.HC 458.835/GO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 02/10/2018.
Essa é também a posição da doutrina:
“não é incomum que mulheres, quando o crime depende de representação (ex: ameaça), registrem ocorrência na delegacia
de polícia, apresentem representação e, depois, reconciliadas com seus companheiros ou maridos, busquem a retratação da
representação, que, alguns autores denominam de renúncia, evitando- se, com isso, o ajuizamento da ação penal ou o
seguimento para a transação, quando viável (...) De toda forma, o art. 16 da Lei 11.340/06 procura dificultar essa renúncia
ou retratação da representação, determinando que somente será aceita se for realizada em audiência especialmente
designada pelo juiz, para essa finalidade, com prévia oitiva do Ministério Público.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis
Penais e Processuais Penais Comentadas. 3ª ed., São Paulo: RT, p. 113).
Em suma:
Não atende ao disposto no art. 16 da Lei Maria da Penha a retratação da suposta ofendida ocorrida em cartório de Vara,
sem a designação de audiência específica necessária para a confirmação do ato.
STJ. 5ª Turma. HC 138.143-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 03/09/2019 (Info 656).

Decisão que fixa alimentos em razão da prática de violência doméstica pode ser executada sob o rito da prisão civil
Resumo do julgado
A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha, em razão
da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento, passível de
decretação de prisão civil.
STJ. 3ª Turma. RHC 100446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/11/2018 (Info 640).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Francisca viviam juntos em união estável e, dessa união, nasceu Larissa, atualmente com 5 anos.
Determinado dia, tiveram uma grave discussão na qual ele chegou até a ameaçá-la de morte.
No mesmo instante, Francisca decidiu que não queria mais viver com ele e, com medo da ameaça, procurou a Delegacia da Mulher.
O juiz da Vara de Violência Doméstica deferiu medidas protetivas de urgência, determinando que João:
a) mantivesse distância mínima de 500m de Francisca; e
b) que pagasse R$ 1 mil mensais a título de alimentos provisórios em favor da mulher e da filha, valor a ser depositado na conta
bancária de Francisca.
A decisão do magistrado foi fundamentada no art. 22, III e V, da Lei nº 11.340/2006:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de
imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
(...)
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
(...)
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Passados 6 meses, João nunca pagou os alimentos.
Em razão desse fato, Francisca e Larissa ingressaram com execução de alimentos, sob o rito do art. 528 do CPC/2015, pedindo a
prisão civil do devedor:
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe
alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito,
provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
O juiz mandou intimar o executado pessoalmente para, em 3 dias:
a) pagar o débito;
b) provar que o fez (provar que já pagou a dívida); ou
c) justificar a impossibilidade de efetuá-lo (provar que não tem condições de pagar).
Mesmo devidamente intimado, João não pagou o débito, tampouco justificou a impossibilidade de fazê-lo.
Diante disso, o juiz decretou a prisão civil do devedor.
Após ser preso, João impetrou habeas corpus alegando que a prisão teria sido ilegal sob a alegação de que a criança beneficiária da
decisão deveria ter ajuizado ação de alimentos no prazo de 30 dias, conforme prevê o art. 308 do CPC/2015:
Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que
será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas
processuais.

A decisão do juiz deve ser mantida segundo o entendimento do STJ? É possível a decretação da prisão civil de João mesmo essa
decisão de alimentos tendo sido proferida pelo juízo da Vara de Violência Doméstica em sede de um processo penal?
SIM.
A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha,
em razão da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento,
passível de decretação de prisão civil.
STJ. 3ª Turma. RHC 100.446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/11/2018 (Info 640).

A Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher possui competência para o deferimento de medida
protetiva de alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Esta decisão, proferida por Juízo materialmente competente para fixar medida protetiva de alimentos, para sua validade e eficácia,
não precisa ser ratificada por outro Juízo, no bojo de outra ação.
Assim, não há qualquer razão para se aplicar o art. 308 do CPC/2015, até mesmo porque os alimentos fixados não têm caráter
cautelar, mas sim natureza satisfativa.
Ademais, é importante relembrar que o art. 14 da Lei nº 11.340/2006 estabelece a competência híbrida (criminal e civil) da Vara
Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher:
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e
criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a
execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Constata-se, a partir da literalidade do artigo acima transcrito, que o legislador, ao estabelecer as competências criminal e cível da
Vara Especializada de Violência Doméstica Contra a Mulher, não especificou quais seriam as ações que deveriam ali tramitar. De
modo bem abrangente, preconizou a competência desse “Juizado” para as ações de natureza criminal e civil que tenham por causa
de pedir, necessariamente, a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como para a execução de seus
julgados.
A amplitude da competência conferida pela Lei nº 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao
mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as
repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato, providência que, a um só
tempo, facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção.

João alegou em sua defesa que os alimentos não seriam atualmente mais devidos considerando que as agressões e ameaças
cessaram. Este argumento é válido?
NÃO. O entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei Nº 11.340/2006 é o que considera devidos os
alimentos provisórios e provisionais enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência
doméstica e familiar e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência.
O dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos,
como corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher. Nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as
vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor, a sua subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se
gravemente comprometida e ameaçada.

Fixação do valor mínimo para reparação dos danos prevista no art. 387, IV, do CPP
Resumo do julgado
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a
quantia, e independentemente de instrução probatória.
CPP/Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
STJ. 3ª Seção. REsp 1643051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo) (Info 621).
A sentença penal condenatória, depois de transitada em julgado, produz diversos efeitos.
Um dos efeitos é que a condenação gera a obrigação do réu de reparar o dano causado:
Código Penal
Art. 91. São efeitos da condenação:
I — tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
A sentença condenatória, inclusive, constitui-se em título executivo judicial:
Código de Processo Civil
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:
VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado;
Assim, a vítima (ou seus sucessores), de posse da sentença que condenou o réu, após o seu trânsito em julgado, dispõe de um título
que poderá ser executado no juízo cível para cobrar o ressarcimento pelos prejuízos sofridos em decorrência do crime.

Art. 387, IV, do CPP


O art. 387, IV, do CPP prevê que o juiz, ao condenar o réu, já estabeleça na sentença um valor mínimo que o condenado estará
obrigado a pagar a título de reparação dos danos causados. Veja:
Art. 387.O juiz, ao proferir sentença condenatória:
IV — fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;
(Redação dada pela Lei nº 11.719/2008)
Desse modo, se o magistrado, na própria sentença, já fixar um valor certo para a reparação dos danos, não será necessário que a
vítima ainda promova a liquidação, bastando que execute este valor caso não seja pago voluntariamente pelo condenado.
Veja o parágrafo único do art. 63 do CPP, que explicita essa possibilidade:
Art. 63.Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação
do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.
Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do
inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. (Incluído pela
Lei nº 11.719/2008).
O STJ analisou a aplicação do art. 387, IV, do CPP nas sentenças proferidas em casos de violência contra a mulher praticados no
âmbito doméstico e familiar.Vejamos as principais conclusões:

O art. 387, IV, do CPP trata apenas de prejuízos materiais ou ele também poderá ser utilizado para danos morais? O juiz, na sentença
criminal, poderá condenar o réu a pagar indenização à vítima por danos morais?
SIM. O art. 387, IV, do CPP abrange tanto danos materiais como morais. Nesse sentido:
O juiz, ao proferir sentença penal condenatória, no momento de fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela
infração (art. 387, IV, do CPP), pode, sentindo-se apto diante de um caso concreto, quantificar, ao menos o mínimo, o valor do dano
moral sofrido pela vítima, desde que fundamente essa opção.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.585.684-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 9/8/2016 (Info 588).
Isso porque o art. 387, IV, não limita a indenização apenas aos danos materiais e a legislação penal deve sempre priorizar o
ressarcimento da vítima em relação a todos os prejuízos sofridos.

Para que seja fixado o valor da reparação, deverá haver pedido expresso e formal do MP ou do ofendido?
SIM. Para que seja fixado, na sentença, o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima (art. 387, IV, do CPP), é
necessário que haja pedido expresso e formal, feito pelo parquet ou pelo ofendido, a fim de que seja oportunizado ao réu o
contraditório e sob pena de violação ao princípio da ampla defesa(STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1688389/MS, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, julgado em 22/03/2018).

É necessário que o MP ou o ofendido, ao fazer o pedido, apontem o valor líquido e certo pretendido?
NÃO. Não é necessário que o Ministério Público ou a vítima quantifiqueo valor mínimo que pretende ver fixado. Basta que seja
pedida a fixação de valor mínimo a título de reparação do dano causado pelo crime, sem necessidade de mencionar uma quantia
líquida e certa.
Assim, por exemplo, basta que o MP diga: juiz, fixe a quantia mínima de que trata o art. 387, IV, do CPP. Não é necessário que
diga: Excelência, fixe R$ 20 mil a título de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.

Para a fixação do valor da reparação, é necessária a produção de provas dos prejuízos sofridos?
DANOS MATERIAIS: SIM.
Em caso de danos materiais, o juiz somente poderá fixar a indenização se existirem provas nos autos que demonstrem os prejuízos
sofridos pela vítima em decorrência do crime. Dessa feita, é importante que o Ministério Público ou eventual assistente de acusação
junte comprovantes dos danos causados pela infração para que o magistrado disponha de elementos para a fixação de que trata o art.
387, IV do CPP. Vale ressaltar, ainda, que o réu tem direito de se manifestar sobre esses documentos juntados e contraditar o valor
pleiteado como indenização. Nesse sentido:
A fixação da reparação civil mínima também não dispensa a participação do réu, sob pena de frontal violação ao seu direito de
contraditório e ampla defesa, na medida em que o autor da infração faz jus à manifestação sobre a pretensão indenizatória, que, se
procedente, pesará em seu desfavor. (...)
STJ. 5ª Turma. REsp 1236070/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/03/2012.
DANOS MORAIS: NÃO.
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moralindependentemente de instrução probatória.
A humilhação e a dor que geram dano moral decorrem, inequivocamente, da situação de quem é vítimade uma agressão verbal,
física ou psicológica, na condição de mulher.
Assim, não há razoabilidade em se exigir instrução probatória para comprovar o dano psíquico, o grau de humilhação, a diminuição
da autoestima da vítima. Isso porque a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e
menosprezo ao valor da mulher como pessoa e à sua própria dignidade.
A única prova que se exige é a de que houve o crime porque, uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela
resultantes são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados.
O dano moral é, portanto, considerado como in re ipsa.
Resumindo:
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não
especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.643.051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/02/2018 (Info 621).

Para se aplicar a Lei Maria da Penha não é necessária a coabitação entre autor e vítima
Resumo do julgado
Súmula 600-STJ: Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da
Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima.
STJ. 3ª Seção. Aprovada em 22/11/2017, DJe 27/11/2017.

Requisitos para que se configure a violência doméstica e familiar prevista na Lei Maria da Penha:
a) sujeito passivo (vítima) deve ser pessoa do sexo feminino (não importa se criança, adulta ou idosa, desde que seja do sexo
feminino);
b) sujeito ativo pode ser pessoa do sexo masculino ou feminino;
c) ocorrência de violência baseada em relação íntima de afeto, motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade, nos termos do
art. 5º da Lei.
Veja o que diz o art. 5º da Lei nº 11.340/2006:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no
gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos
por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de
coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Coabitação significa morar sob o mesmo teto. É possível a aplicação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) mesmo que
não haja coabitação entre autor e vítima?
SIM. É possível que haja violência doméstica mesmo que agressor e vítima não convivam sob o mesmo teto (não morem juntos).
Isso porque o art. 5º, III, da Lei afirma que há violência doméstica em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva
ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Exemplos:
Ex1: violência praticada por irmão contra irmã, ainda que eles nem mais morem sob o mesmo teto (STJ. 5ª Turma. REsp
1239850/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/02/2012);
Ex2: é possível que a agressão cometida por ex-namorado configure violência doméstica contra a mulher ensejando a aplicação da
Lei nº 11.340/2006 (STJ. 5ª Turma. HC 182.411/RS, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Des. Conv. do TJ/RJ), julgado em
14/08/2012).

Alguns precedentes do STJ sobre o tema:


A Lei nº 11.340/06 buscou proteger não só a vítima que coabita com o agressor, mas também aquela que, no passado, já tenha
convivido no mesmo domicílio, contanto que haja nexo entre a agressão e a relação íntima de afeto que já existiu entre os dois.
STJ. 3ª Seção. CC 102.832/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 22/04/2009.
A intenção do legislador, ao editar a Lei Maria da Penha, foi de dar proteção à mulher que tenha sofrido agressão decorrente de
relacionamento amoroso, e não de relações transitórias, passageiras, sendo desnecessária, para a comprovação do aludido vínculo, a
coabitação entre o agente e a vítima ao tempo do crime.
STJ. 6ª Turma. HC 181.246/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 06/09/2013.
A caracterização da violência doméstica e familiar contra a mulher não depende do fato de agente e vítima conviverem sob o mesmo
teto.
Assim, embora a agressão tenha ocorrido em local público, ela foi nitidamente motivada pela relação familiar que o agente mantém
com a vítima, sua irmã, circunstância que dá ensejo à incidência da Lei Maria da Penha.
STJ. 5ª Turma. HC 280.082/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 12/02/2015.

Súmula 589-STJ: É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher
no âmbito das relações domésticas.

Princípio da insignificância
Quem primeiro tratou sobre o princípio da insignificância no direito penal foi Claus Roxin, em 1964.
Também é chamado de “princípio da bagatela” ou “infração bagatelar própria”.
O princípio da insignificância não tem previsão legal no direito brasileiro. Trata-se de uma criação da doutrina e da jurisprudência.
Para a posição majoritária, o princípio da insignificância é uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material.
Se o fato for penalmente insignificante, significa que não lesou nem causou perigo de lesão ao bem jurídico. Logo, aplica-se o
princípio da insignificância e o réu é absolvido por atipicidade material, com fundamento no art. 386, III do CPP.
O princípio da insignificância atua, então, como um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal.

O princípio da insignificância pode ser aplicado aos delitos praticados em situação de violência doméstica?
NÃO. Não se aplica o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das
relações domésticas.
Os delitos praticados com violência contra a mulher, devido à expressiva ofensividade, periculosidade social, reprovabilidade do
comportamento e lesão jurídica causada, perdem a característica da bagatela e devem submeter-se ao direito penal.
Assim, o STJ e o STF não admitem a aplicação dos princípios da insignificância aos crimes e contravenções praticados com
violência ou grave ameaça contra a mulher, no âmbito das relações domésticas, dada a relevância penal da conduta.
Precedentes nesse sentido:
STJ. 5ª Turma. HC 333.195/MS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 12/04/2016.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 318.849/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/10/2015.
STF. 2ª Turma. RHC 133043/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 10/5/2016 (Info 825).

Surgiu uma tese defensiva afirmando que se o casal se reconciliasse durante o curso do processo criminal, o juiz poderia
absolver o réu com base no chamado “princípio da bagatela imprópria”. Essa tese é aceita pelos Tribunais Superiores?
NÃO. Assim como ocorre com o princípio da insignificância, também não se admite a aplicação do princípio da bagatela imprópria
para os crimes ou contravenções penais praticados contra mulher no âmbito das relações domésticas, tendo em vista a relevância do
bem jurídico tutelado (STJ. 6ª Turma. AgInt no HC 369.673/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/02/2017).
O fato de o casal ter se reconciliado ou de a vítima ter perdoado não importará na absolvição do réu. Nesse sentido:
O princípio da bagatela imprópria não tem aplicação aos delitos praticados com violência à pessoa, no âmbito das relações
domésticas, dada a relevância penal da conduta, não implicando a reconciliação do casal em desnecessidade da pena.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1463975/MS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/08/2016.

Princípio da insignificância x Princípio da bagatela imprópria


Não se pode confundir o princípio da insignificância com a chamada “infração bagatelar imprópria”.
Infração bagatelar imprópria é aquela que nasce relevante para o Direito penal, mas depois se verifica que a aplicação de qualquer
pena no caso concreto apresenta-se totalmente desnecessária (GOMES, Luiz Flávio; Antonio Garcia-Pablos de Molina. Direito
Penal Vol. 2, São Paulo: RT, 2009, p.305).
Em outras palavras, o fato é típico, tanto do ponto de vista formal como material. No entanto, em um momento posterior à sua prática,
percebe-se que não é necessária a aplicação da pena. Logo, a reprimenda não deve ser imposta, deve ser relevada (assim como ocorre nos
casos de perdão judicial).
Segundo LFG, a infração bagatelar imprópria possui um fundamento legal no direito brasileiro. Trata-se do art. 59 do CP, que prevê
que o juiz deverá aplicar a pena “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”.
Dessa forma, se a pena não for mais necessária, ela não deverá ser imposta (princípio da desnecessidade da pena conjugado com o
princípio da irrelevância penal do fato).
Ainda de acordo com LFG, no direito legislado já contamos com vários exemplos de infração bagatelar imprópria:
• No crime de peculato culposo, a reparação dos danos antes da sentença irrecorrível extingue a punibilidade. Assim, havendo a
reparação, a infração torna-se bagatelar (em sentido impróprio) e a pena desnecessária. No princípio havia desvalor da ação e do
resultado. Mas depois, em razão da reparação dos danos (circunstância post-factum), torna-se desnecessária a pena.
• Pagamento do tributo nos crimes tributários;
• Colaboradores da justiça (delator etc.) quando o juiz deixa de aplicar a pena.
Infração bagatelar própria = Infração bagatelar imprópria =
princípio da insignificância princípio da irrelevância penal do fato
A situação já nasce atípica. A situação nasce penalmente relevante.
O fato é atípico por atipicidade material. O fato é típico do ponto vista formal e material.
Em virtude de circunstâncias envolvendo o fato e o seu
autor, constata-se que a pena se tornou desnecessária.
O agente não deveria nem mesmo ser processado já que o O agente tem que ser processado (a ação penal deve ser
fato é atípico. iniciada) e somente após a análise das peculiaridades do
caso concreto, o juiz poderia reconhecer a desnecessidade
da pena.
Não tem previsão legal no direito brasileiro. Está previsto no art. 59 do CP.

Portanto, nem o princípio da insignificância nem o princípio da bagatela imprópria são aplicados aos crimes ou contravenções
penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
A súmula 589 do STJ deixou isso expresso quanto ao princípio da insignificância.
Não cabe pena restritiva de direitos nos crimes ou contravenções penais cometidos contra a mulher com violência ou grave
ameaça no ambiente doméstico
Resumo do julgado
Súmula 588-STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico
impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.
Importante.

Penas restritivas de direitos


O Código Penal prevê que, em determinadas situações, em se tratando de pessoa condenada a uma pena privativa de liberdade, pode
ser esta reprimenda substituída por uma ou duas penas restritivas de direito.

Quais são os requisitos cumulativos para a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos?
Estão previstos no art. 44 do CP e podem ser assim resumidos:
1º requisito (objetivo): 2º requisito (subjetivo): 3º requisito (subjetivo):
Natureza do crime e Não ser reincidente A substituição seja
quantum da pena em crime doloso indicada e suficiente
a) Se for crime doloso: Regra: para ter direito, o réu não pode ser A culpabilidade, os antecedentes,
reincidente em crime doloso. a conduta social e a personalidade
• a pena aplicada deve ser igual ou
do condenado, bem como os
inferior a 4 anos; Exceção: se o condenado for reincidente, o
motivos e as circunstâncias,
juiz poderá aplicar a substituição, desde
• o crime deve ter sido cometido indicarem que essa substituição
que, em face de condenação anterior, a
sem violência ou grave ameaça a seja suficiente (Princípio da
medida seja socialmente recomendável e a
pessoa. suficiência da resposta alternativa
reincidência não se tenha operado em
ao delito).
b) Se for crime culposo: pode virtude da prática do mesmo crime.
haver a substituição qualquer que
seja a pena aplicada.

Veja a redação do art. 44:


Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias
indicarem que essa substituição seja suficiente.

Se o réu pratica um crime com violência ou grave ameaça, mas se trata de uma infração penal de menor potencial ofensivo
(pena máxima de 2 anos), ele terá direito à substituição da pena?
A doutrina majoritária afirma que sim. Se o agente for condenado por uma infração penal de menor potencial ofensivo, sua pena
privativa de liberdade poderá ser substituída por restritiva de direitos mesmo que tenha sido cometida com violência ou grave
ameaça. Trata-se de exceção ao inciso I do art. 44 do CP.
O argumento utilizado pela doutrina é o de que a Lei nº 9.099/95 (que é posterior ao Código Penal) previu uma série de medidas
despenalizadoras para as infrações penais de menor potencial ofensivo (exs: transação penal e composição civil). Logo, seria
irrazoável e contrário ao espírito da lei não permitir a aplicação de penas restritivas de direito para tais infrações consideradas de
menor gravidade.

Quantas penas restritivas de direito o réu terá que cumprir:


Se a pessoa for condenada a...
Pena igual ou inferior a 1 ano de prisão: Pena superior a 1 ano (até 4 anos) de prisão:
A pena privativa de liberdade aplicada poderá ser A pena privativa de liberdade aplicada poderá ser
substituída por: substituída por:
a) multa OU a) 1 pena restritiva de direito + multa OU
b) 1 pena restritiva de direito b) 2 penas restritivas de direito.
Discussão sobre a aplicação das penas restritivas para infrações praticadas no âmbito da violência doméstica
O art. 17 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) prevê o seguinte:
Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de
prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.
Veja, portanto, que esse dispositivo proíbe que o juiz aplique as seguintes penas restritivas de direitos à pessoa que praticou
violência doméstica e familiar contra a mulher:
• Pena de "cesta básica";
• Quaisquer espécies de prestação pecuniária (art. 45, §§ 1º e 2º);
• Pagamento isolado de multa (art. 44, § 2º do CP).
Diante disso, alguns doutrinadores sustentaram a tese de que o art. 17, ao proibir apenas esses tipos de penas, teria, a contrario sensu,
permitido que fossem aplicadas outras espécies de penas restritivas de direitos.

Essa interpretação foi aceita pela jurisprudência do STJ? É possível a aplicação de penas restritivas de direito para os crimes
cometidos contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico?
NÃO. O STJ pacificou o entendimento de que não cabe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos
crimes ou contravenções penais cometidos contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico.
O STJ editou a súmula 588 para espelhar essa sua posição consolidada.

E o art. 17 da Lei nº 11.340/2006?


A interpretação que prevaleceu foi a seguinte: além das sanções previstas no art. 17, são proibidas quaisquer penas restritivas para os
condenados por violência doméstica e familiar contra a mulher. Isso porque o art. 44, I, do CP veda penas restritivas de direito em
caso de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Nesse sentido:
(...) Embora a Lei nº 11.340/2006 não vede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, obstando apenas a
imposição de prestação pecuniária e o pagamento isolado de multa, o art. 44, I, do CP proíbe a conversão da pena corporal em
restritiva de direitos quando o crime for cometido com violência à pessoa (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1521993/RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 04/08/2016.
Vale ressaltar que a Lei nº 9.099/95 não se aplica para os delitos praticados com violência doméstica contra a mulher, por força do art.
41 da Lei nº 11.340/2006:
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a
Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

IMPORTANTE. O STF concorda com o teor da súmula 588 do STJ?


Em parte.
Em caso de CRIMES praticados contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico: o STF possui o mesmo
entendimento do STJ e afirma que não cabe a substituição por penas restritivas de direitos. Nesse sentido:
Não é possível a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ao condenado pela prática do crime de lesão
corporal praticado em ambiente doméstico (art. 129, § 9º do CP).
A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos pressupõe, entre outras coisas, que o crime não tenha sido
cometido com violência ou grave ameaça (art. 44, I, do CP).
STF. 2ª Turma. HC 129446/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 20/10/2015 (Info 804).
Em caso de CONTRAVENÇÕES PENAIS praticadas contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico há
uma discordância. Ex: imagine que o marido pratica vias de fato (art. 21 da Lei de Contravenções Penais) contra a sua esposa; ele
poderá ser beneficiado com pena restritiva de direitos?
• STJ e 1ª Turma: NÃO. Não é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos tanto no caso de crime
como contravenção penal praticados contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico. É o teor da Súmula
588-STJ. A 1ª Turma do STF também comunga do mesmo entendimento: HC 137888/MS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em
31/10/2017.
• 2ª Turma STF: SIM. Afirma que é possível a conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, nos moldes
previstos no art. 17 da Lei Maria da Penha, aos condenados pela prática da contravenção penal. Isso porque a contravenção penal
não está na proibição contida no inciso I do art. 44 do CP, que fala apenas em crime. Logo, não existe proibição no ordenamento
jurídico para a aplicação de pena restritiva de direitos em caso de contravenções. Nesse sentido: STF. 2ª Turma. HC 131160, Rel.
Min. Teori Zavascki, julgado em 18/10/2016. Relembre o que diz o inciso I do Código Penal:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa
ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
O STJ e a 1ª Turma do STF fazem, portanto, uma ampliação do inciso I do art. 44 do CP para abranger também os casos de
contravenção penal praticados com violência ou grave ameaça (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1607382/MS, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, julgado em 27/09/2016). A 2ª Turma do STF não admite essa ampliação e trabalha com o texto literal do art. 44, I, do
CP.

Resumindo:
É possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos casos de crimes ou contravenções praticadas
contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico?
1) Crime: NÃO. Posição tanto do STJ como do STF.
2) Contravenção penal:
• 2ª Turma do STF: entende que é possível a substituição.
• 1ª Turma do STF e STJ: afirmam que também não é permitida a substituição.
Em concursos, se o enunciado não estiver fazendo qualquer distinção, fiquem com a posição exposta na súmula e que também é
adotada pela 1ª Turma do STF.

Presunção legal da hipossuficiência da mulher vítima de violência doméstica


Resumo do julgado
Apesar de haver decisões em sentido contrário, prevalece o entendimento de que a hipossuficiência e a vulnerabilidade, necessárias
à caracterização da violência doméstica e familiar contra a mulher, são presumidas pela Lei nº 11.340/2006.
A mulher possui na Lei Maria da Penha uma proteção decorrente de direito convencional de proteção ao gênero (tratados
internacionais), que o Brasil incorporou em seu ordenamento, proteção essa que não depende da demonstração de concreta
fragilidade, física, emocional ou financeira. Ex: agressão feita por um homem contra a sua namorada, uma Procuradora da AGU,
que possuía autonomia financeira e ganhava mais que ele.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 620.058/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 14/03/2017.
STJ. 6ª Turma. AgRg nos EDcl no REsp 1720536/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 04/09/2018.
STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 92.825, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca; Julg. 21/08/2018.
Obs: isso não significa, contudo, que sempre que houver uma agressão contra uma mulher deverá ser aplicada a Lei Maria da Penha.
É necessário que:
• a violência tenha sido cometida em uma das situações descritas no art. 5º da Lei nº 11.340/2006 e
• que o delito tenha sido motivado por questões de gênero ou que a vítima estava em situação de vulnerabilidade por ser do sexo
feminino.
Nesse sentido:
(...) A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça orienta-se no sentido de que, para que a competência dos Juizados
Especiais de Violência Doméstica seja firmada, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico ou
familiar, exigindo-se que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua
condição de mulher. Precedentes.
2. No caso dos autos, verifica-se que o fato de a vítima ser do sexo feminino não foi determinante para a prática do crime de estupro
de vulnerável pelo paciente, mas sim a idade da ofendida e a sua fragilidade perante o agressor, seu próprio pai, motivo pelo qual
não há que se falar em competência do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. (...)
STJ. 5ª Turma. HC 344.369/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/05/2016.

Decisão que fixa alimentos em razão da prática de violência doméstica pode ser executada sob o rito da prisão civil
Resumo do julgado
A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha, em razão
da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento, passível de
decretação de prisão civil.
STJ. 3ª Turma. RHC 100446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/11/2018 (Info 640).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João e Francisca viviam juntos em união estável e, dessa união, nasceu Larissa, atualmente com 5 anos.
Determinado dia, tiveram uma grave discussão na qual ele chegou até a ameaçá-la de morte.
No mesmo instante, Francisca decidiu que não queria mais viver com ele e, com medo da ameaça, procurou a Delegacia da Mulher.
O juiz da Vara de Violência Doméstica deferiu medidas protetivas de urgência, determinando que João:
a) mantivesse distância mínima de 500m de Francisca; e
b) que pagasse R$ 1 mil mensais a título de alimentos provisórios em favor da mulher e da filha, valor a ser depositado na conta
bancária de Francisca.
A decisão do magistrado foi fundamentada no art. 22, III e V, da Lei nº 11.340/2006:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de
imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
(...)
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
(...)
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Passados 6 meses, João nunca pagou os alimentos.
Em razão desse fato, Francisca e Larissa ingressaram com execução de alimentos, sob o rito do art. 528 do CPC/2015, pedindo a
prisão civil do devedor:
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe
alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito,
provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
O juiz mandou intimar o executado pessoalmente para, em 3 dias:
a) pagar o débito;
b) provar que o fez (provar que já pagou a dívida); ou
c) justificar a impossibilidade de efetuá-lo (provar que não tem condições de pagar).
Mesmo devidamente intimado, João não pagou o débito, tampouco justificou a impossibilidade de fazê-lo.
Diante disso, o juiz decretou a prisão civil do devedor.
Após ser preso, João impetrou habeas corpus alegando que a prisão teria sido ilegal sob a alegação de que a criança beneficiária da
decisão deveria ter ajuizado ação de alimentos no prazo de 30 dias, conforme prevê o art. 308 do CPC/2015:
Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que
será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas
processuais.

A decisão do juiz deve ser mantida segundo o entendimento do STJ? É possível a decretação da prisão civil de João mesmo essa
decisão de alimentos tendo sido proferida pelo juízo da Vara de Violência Doméstica em sede de um processo penal?
SIM.
A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha,
em razão da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento,
passível de decretação de prisão civil.
STJ. 3ª Turma. RHC 100.446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/11/2018 (Info 640).

A Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher possui competência para o deferimento de medida
protetiva de alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Esta decisão, proferida por Juízo materialmente competente para fixar medida protetiva de alimentos, para sua validade e eficácia,
não precisa ser ratificada por outro Juízo, no bojo de outra ação.
Assim, não há qualquer razão para se aplicar o art. 308 do CPC/2015, até mesmo porque os alimentos fixados não têm caráter
cautelar, mas sim natureza satisfativa.
Ademais, é importante relembrar que o art. 14 da Lei nº 11.340/2006 estabelece a competência híbrida (criminal e civil) da Vara
Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher:
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e
criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a
execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Constata-se, a partir da literalidade do artigo acima transcrito, que o legislador, ao estabelecer as competências criminal e cível da
Vara Especializada de Violência Doméstica Contra a Mulher, não especificou quais seriam as ações que deveriam ali tramitar. De
modo bem abrangente, preconizou a competência desse “Juizado” para as ações de natureza criminal e civil que tenham por causa
de pedir, necessariamente, a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como para a execução de seus
julgados.
A amplitude da competência conferida pela Lei nº 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao
mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as
repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato, providência que, a um só
tempo, facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção.

João alegou em sua defesa que os alimentos não seriam atualmente mais devidos considerando que as agressões e ameaças
cessaram. Este argumento é válido?
NÃO. O entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei Nº 11.340/2006 é o que considera devidos os
alimentos provisórios e provisionais enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência
doméstica e familiar e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência.
O dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos,
como corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher. Nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as
vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor, a sua subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se
gravemente comprometida e ameaçada.

Na denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro, não é necessário que o Ministério Público faça uma descrição exaustiva e
pormenorizada da infração penal antecedente
Resumo do julgado
Se o Ministério Público oferece denúncia por lavagem de dinheiro, ele deverá narrar, além do crime de lavagem (art. 1º da Lei nº
9.613/98), qual foi a infração penal antecedente cometida.
Importante esclarecer, contudo, que não é necessário que o Ministério Público faça uma descrição exaustiva e pormenorizada da
infração penal antecedente, bastando apontar a existência de indícios suficientes de que ela tenha sido praticada e que os bens,
direitos ou valores que foram “lavados” (ocultados ou dissimulados) sejam provenientes desta infração.
Assim, a aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do
suposto crime prévio, bastandoa presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou
indiretamente, de infração penal.
STJ. Corte Especial. APn 923-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/09/2019 (Info 657).
Lavagem de dinheiro
Lavagem de dinheiro é...
- a conduta segundo a qual a pessoa
- oculta ou dissimula
- a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade
- de bens, direitos ou valores
- provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal
- com o intuito de parecer que se trata de dinheiro de origem lícita.
Em palavras mais simples, lavar é transformar o dinheiro “sujo” (porque oriundo de um crime) em dinheiro aparentemente lícito.

Lei nº 9.613/98
No Brasil, a tipificação e os aspectos processuais do crime de lavagem de dinheiro são regulados pela Lei nº 9.613/98.
Em 2012 foi editada uma lei (Lei nº 12.683/2012), que promoveu importantes alterações na Lei nº 9.613/98 com o objetivo de tornar
mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.

ART. 1º DA LEI 9.613/98


Antes da Lei 12.683/2012 Depois da Lei 12.683/2012
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem,
localização, disposição, movimentação ou propriedade de localização, disposição, movimentação ou propriedade de
bens, direitos ou valores provenientes, direta ou bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de crime: indiretamente, de infração penal.

O rol de incisos foi revogado.


I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou
drogas afins;
II - de terrorismo;
II – de terrorismo e seu financiamento;
III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou
material destinado à sua produção;
IV - de extorsão mediante sequestro;
V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência,
para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de
qualquer vantagem, como condição ou preço para a
prática ou omissão de atos administrativos;
VI - contra o sistema financeiro nacional;
VII - praticado por organização criminosa.
VIII – praticado por particular contra a administração
pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do
Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal).

Pena: reclusão de três a dez anos e multa.

Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

Duas inovações no art. 1º


Podemos destacar duas novidades trazidas pela Lei nº 12.683/2012:
INOVAÇÃO 1: passou a ser infração penal antecedente.
• ANTES: somente havia lavagem de dinheiro se a ocultação ou dissimulação fosse de bens, direitos ou valores provenientes de
um crime antecedente.
• DEPOIS: há lavagem de dinheiro se a ocultação ou dissimulação for de bens, direitos ou valores provenientes de um crime ou de
uma contravenção penal. Desse modo, a lavagem de dinheiro continua a ser um crime derivado, mas agora depende de uma infração
penal antecedente, que pode ser um crime ou uma contravenção penal.
INOVAÇÃO 2: não existe mais um rol taxativo de infrações penais antecedentes.
• ANTES: a Lei nº 9.613/98 listava um rol de crimes antecedentes para a lavagem de dinheiro fazendo com que o Brasil, segundo a
doutrina majoritária, estivesse enquadrado nas legislações de segunda geração.
• DEPOIS: qualquer infração penal pode ser antecedente da lavagem de dinheiro. A legislação brasileira de lavagem passou para a
terceira geraçãode leis sobre lavagem de dinheiro no mundo.
Vale ressaltar que, se o crime tiver sido praticado antes da Lei nº 12.683/2012, o Ministério Público deverá narrar um crime
antecedente que se amolde a um dos incisos do art. 1º segundo a redação que vigorava antes da novidade legislativa. Nesse sentido:
“(...) tendo o crime sido praticado antes da alteração legislativa [da Lei 12.683/2012], a denúncia [deve ter] o cuidado de imputar ao
paciente a conduta conforme previsão legal à época dos fatos” (STJ. 5ª Turma. HC 276.245/MG, DJe 20/06/2017).

Denúncia no crime de lavagem de dinheiro


Se o Ministério Público oferece denúncia por lavagem de dinheiro,ele deverá narrar, além do crime de lavagem (art. 1º da Lei nº
9.613/98), qual foi a infração penal antecedente cometida.
Importante esclarecer, contudo, que não é necessário que o Ministério Público faça uma descrição exaustiva e pormenorizada da
infração penal antecedente, bastando apontar a existência de indícios suficientes de que ela tenha sido praticada e que os bens,
direitos ou valores que foram “lavados” (ocultados ou dissimulados) sejam provenientes desta infração penal.
Foi o que decidiu o STJ:
A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do
suposto crime prévio (infração penal antecedente), bastando a presença de indícios suficientes de que o objeto material da
lavagem (bens, direitos ou valores) seja proveniente, direta ou indiretamente, desta infração penal antecedente.
STJ. Corte Especial. APn 923-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/09/2019 (Info 657).
Princípio da autonomia
O processo e julgamento do crime de lavagem de dinheiro é regido pelo princípio da autonomia. Isso significa que, para a denúncia
que imputa ao réu o delito de lavagem de dinheiro ser considerada apta, não é necessária prova concreta da ocorrência da infração
penal antecedente, bastando a existência de elementos indiciários de que o capital lavado seja decorrente desta infração penal (STF.
1ª Turma. HC 93.368/PR, DJe de 25/8/2011).
Sobre o tema, vale a pena mencionar a redação do art. 2º, II e § 1º da Lei nº 9.613/98:
Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
(...)
II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz
competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento;
(...)
§ 1º A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos
nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente.

Recebimento de propina em depósitos bancários fracionados pode configurar lavagem


Resumo do julgado
Pratica lavagem de dinheiro o sujeito que recebe propina por meio de depósitos bancários fracionados, em valores que não atingem
os limites estabelecidos pelas autoridades monetárias à comunicação compulsória dessas operações.
Ex: suponhamos que, na época, a autoridade bancária dizia que todo depósito acima de R$ 20 mil deveria ser comunicado ao
COAF; diante disso, um Deputado recebia depósitos periódicos de R$ 19 mil para burlar essa regra. Para o STF, isso configura o
crime de lavagem. Trata-se de uma forma de ocultação da origem e da localização da vantagem pecuniária recebida pela prática do
crime antecedente.
STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/5/2018 (Info 904).
A situação concreta foi a seguinte:
O Deputado Federal Nelson Meurer (PP/PR) integrava a cúpula do Partido Progressista (PP).
Como importante figura partidária, ele exercia pressão política junto à Presidência da República a fim de que Paulo Roberto Costa
fosse mantido como Diretor de Abastecimento da Petrobrás.
Como “contraprestação” por esse apoio, o Deputado recebia dinheiro do referido Diretor, quantia essa oriunda de contratos ilegais
celebrados pela Petrobrás.
Essa prática foi revelada pelo próprio Paulo Roberto Costa em declaração prestada no bojo de acordo de colaboração premiada.
O Deputado foi denunciado pela prática de corrupção passiva (art. 317 do CP) e também por lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº
9.613/98).

O que o STF decidiu?


O STF condenou o réu pela prática dos delitos.
Quanto ao crime de corrupção passiva, a conduta já foi analisada em item anterior.
O crime de lavagem de dinheiro é tipificado nos seguintes termos:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

O Ministério Público apontava uma série de condutas que configurariam o crime de lavagem de dinheiro.
Inicialmente, o STF afirmou que o réu não cometeu o crime quando recebeu o pagamento das propinas em espécie (em “dinheiro
vivo”).
O mero recebimento de valores em dinheiro não tipifica o delito de lavagem, seja quando recebido pelo próprio agente
público, seja quando recebido por interposta pessoa.
STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/5/2018 (Info 904).

Assim, se uma pessoa recebe propina em dinheiro, isso não significa, necessariamente, a prática de lavagem de dinheiro.
Por outro lado, o STF entendeu que:
O agente praticou a lavagem pelo fato de ter recebido a propina em depósitos bancários fracionados, em valores que não
atingem os limites estabelecidos pelas autoridades monetárias à comunicação compulsória dessas operações.
STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/5/2018 (Info 904).
Ex: suponhamos que, na época, a autoridade bancária dizia que todo depósito acima de R$ 20 mil deveria ser comunicado ao
COAF; diante disso, o Deputado recebia depósitos periódicos de R$ 19 mil para burlar essa regra. Para o STF, isso configura o
crime de lavagem. Trata-se de uma forma de ocultação da origem e da localização da vantagem pecuniária recebida pela prática do
crime anterior.
Além disso, a apresentação de informações falsas em declarações de ajuste anual de imposto de renda foi uma forma de tentar dar
um ar de licitude a patrimônio oriundo de práticas delituosas.

Crime de embaraçar investigação previsto na Lei do Crime Organizado não é restrito à fase do inquérito
Resumo do julgado
A Lei das organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013) prevê o seguinte crime:
Art. 2º (...) § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que
envolva organização criminosa.
Quando o art. 2º, § 1º fala em “investigação” ele está se limitando à fase pré-processual ou abrange também a ação penal? Se o
agente embaraça o processo penal, ele também comete este delito?
SIM. A tese de que a investigação criminal descrita no art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013 limita-se à fase do inquérito não foi aceita
pelo STJ. Isso porque as investigações se prolongam durante toda a persecução criminal, que abarca tanto o inquérito policial quanto
a ação penal deflagrada pelo recebimento da denúncia.
Assim, como o legislador não inseriu uma expressão estrita como “inquérito policial”, compreende-se ter conferido à investigação
de infração penal o sentido de “persecução penal”, até porque carece de razoabilidade punir mais severamente a obstrução das
investigações do inquérito do que a obstrução da ação penal.
Ademais, sabe-se que muitas diligências realizadas no âmbito policial possuem o contraditório diferido, de tal sorte que não é
possível tratar inquérito e ação penal como dois momentos absolutamente independentes da persecução penal.
O tipo penal previsto pelo art. 2º, §1º, da Lei nº 12.850/2013 define conduta delituosa que abrange o inquérito policial e a ação
penal.
STJ. 5ª Turma. HC 487.962-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/05/2019 (Info 650).
Crime do art. 2º, § 1º da Lei nº 12.850/2013
A Lei das organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013) prevê o seguinte crime:
Art. 2º (...)
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva
organização criminosa.

Quando o art. 2º, § 1º fala em “investigação”, ele está se limitando à fase pré-processual ou abrange também a ação penal? Se o
agente embaraça o processo penal, ele também comete este delito?
SIM.

Investigação não se limita à fase pré-processual; investigação = persecução penal


A palavra “investigação” mencionada no art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013 não se limita à fase do inquérito policial. Isso porque a
“investigação” da infração penal se prolonga durante toda a persecução criminal, que abarca tanto o inquérito policial quanto a ação
penal iniciada com o recebimento da denúncia.
Assim, como o legislador não inseriu uma expressão restritiva como “inquérito policial”, deve-se entender que a expressão
“investigação de infração penal” foi utilizada no sentido de “persecução penal”.
Inquérito e ação penal não são momentos absolutamente independentes
Ademais, sabe-se que muitas diligências realizadas no âmbito policial possuem o contraditório diferido, de tal sorte que não é
possível tratar inquérito e ação penal como dois momentos absolutamente independentes da persecução penal.

Não faria sentido punir a conduta de embaraçar o inquérito e não a ação penal
Não seria razoável punir mais severamente a obstrução das investigações ocorridas durante o inquérito policial e deixar de sancionar
a obstrução realizada na ação penal (processo judicial).

Em suma:
O tipo penal previsto pelo art. 2º, §1º, da Lei nº 12.850/2013 define conduta delituosa que abrange o inquérito policial e a
ação penal.
STJ. 5ª Turma. HC 487.962-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/05/2019 (Info 650).

Qual foi a técnica de hermenêutica utilizada para se construir o raciocínio acima? Analogia?
NÃO. Não houve emprego de analogia. Trata-se unicamente de interpretação extensiva.
Nesse sentido:
“o crime em exame não se perfaz apenas quando o sujeito ativo impede ou de qualquer forma, embaraça o andamento de
inquérito policial de infração que envolva organização criminosa e tampouco, se circunscreve à primeira fase da persecução
penal (...) Impedir ou embaraçar processo judicial também se enquadra no § 1º do art. 2º da Lei 12.850/2013, conclusão a
que se chega mediante interpretação extensiva. Ora se é punido o menos (investigação), há de ser punido o mais (processo
penal). Não se pode olvidar que o bem jurídico tutelado é a própria Administração da Justiça. Assim, o dispositivo em
questão peca por inadequação de linguagem, e não por ser lacunoso. Portanto, não há falar em analogia in malam partem,
esta sim vedada em matéria penal. Com esse entendimento, busca-se apenas a mens legis e não uma solução além da
vontade do legislador (...)” (MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime organizado. 2ª ed., São Paulo: Método, 2016).
É a posição também de Nucci:
“Segundo cremos, impedir ou embaraçar processo judicial também se encaixa nesse tipo penal, valendo-se de interpretação
extensiva. Afinal, se o menos é punido (perturbar mera investigação criminal), o mais (processo instaurado pelo mesmo
motivo) também deve ser.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015).

Depois da Lei 13.497/2017, tanto o caput como o parágrafo único do art. 16 da Lei 10.826/2003 são hediondos
Resumo do julgado
A qualificação de hediondez aos crimes do art. 16 da Lei nº 10.826/2003, inserida pela Lei nº 13.497/2017, abrange os tipos do
caput e as condutas equiparadas previstas no seu parágrafo único.
STJ. 6ª Turma. HC 526916-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 01/10/2019 (Info 657).

PACOTE ANTICRIME
Antes do Pacote Anticrime, a Lei nº 8.072/90 afirmava que era crime hediondo a “posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
restrito, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.
O Pacote Anticrime alterou a redação da Lei nº 8.072/90 e passou a dizer que é crime hediondo “o crime de posse ou porte ilegal de
arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.
Desse modo, pela nova redação dada pela Lei nº 13.964/2019:
• o art. 16 do Estatuto do Desarmamento passou a diferenciar arma de fogo de uso restrito de arma de fogo de uso proibido;
• somente é crime hediondo a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido;
• não é mais crime hediondo a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.

Isso significa que as pessoas condenadas pelo art. 16 do Estatuto do Desarmamento por condutas envolvendo armas de fogo de uso
restrito não mais poderão receber o tratamento destinado aos crimes hediondos. Tais crimes deixaram de ser hediondos. Houve,
portanto, novatio legis in mellius.

O que são crimes hediondos?


São crimes que o legislador considerou especialmente repulsivos e que, por essa razão, recebem tratamento penal e processual penal
mais gravoso que os demais delitos.
Quais são os crimes hediondos no Brasil?
O Brasil adotou o sistema legal de definição dos crimes hediondos. Isso significa que é a lei quem define, de forma exaustiva
(taxativa, numerusclausus), quais são os crimes hediondos.
Esta lei é a de nº 8.072/90, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos.
A Lei nº 8.072/90 traz, em seu art. 1º, o rol dos crimes hediondos.

O que fez a Lei nº 13.497/2017?


Alterou a redação do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.072/90 prevendo que também é considerado como crime hediondo o
delito de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 do Estatuto do Desarmamento:

LEI DOS CRIMES HEDIONDOS (LEI Nº 8.072/90)


Antes da Lei nº 13.497/2017 Depois da Lei nº 13.497/2017
Art. 1º (...) Art. 1º (...)
Parágrafo único. Considera-se também hediondo o Parágrafo único.Consideram-se também hediondos o
crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei
nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, e o de posse ou
consumado. porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no
art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003,
todos tentados ou consumados.

Vejamos o que diz o art. 16 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento):


Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar,
remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;
II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para
fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;
III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar;
IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado;
V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente;
e
VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.
Segundo o art. 2º, III, do Decreto nº 9.845/2019, armas de fogo de uso restrito são as armas de fogo automáticas, semiautomáticas
ou de repetição que sejam:
a) não portáteis;
b) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a
mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; ou
c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia
cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules.

O parágrafo único do art. 16 também é considerado crime hediondo ou apenas o caput?


Tanto o caput como o parágrafo único do art. 16 da Lei nº 10.826/2003 são hediondos. Isso porque a nova redação do parágrafo
único do art. 1º da Lei nº 8.072/90 fala de forma genérica no “art. 16 da Lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003”, não
restringindo ao caput.
Ora, o parágrafo único compõe o art. 16 não se podendo ser excluído, salvo se houvesse uma demonstração clara do legislador de
que ele pretendia referir-se unicamente ao caput.
Logo após a publicação da Lei nº 13.497/2017, essa foi a posição sustentada por Rogério Sanches
(http://meusitejuridico.com.br/2017/10/28/lei-13-49717-torna-hediondo-o-crime-de-posse-ou-porte-de-arma-de-fogo-de-uso-
restrito/).
O STJ também entendeu da mesma forma:
A qualificação de hediondez aos crimes do art. 16 da Lei nº 10.826/2003, inserida pela Lei nº 13.497/2017, abrange os tipos do
caput e as condutas equiparadas previstas no seu parágrafo único.
STJ. 6ª Turma. HC 526.916-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 01/10/2019 (Info 657).

Veja alguns trechos da ementa:


1. O art. 16 da Lei n. 10.826/2003 prevê gravosas condutas de contato com "arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou
restrito", vindo seu parágrafo único a acrescer figuras equiparadas - em gravidade e resposta criminal.
2. Ainda que possam algumas das condutas equiparadas ser praticadas com armas de uso permitido, o legislador as considerou
graves ao ponto de lhes fixar reprovação criminal equivalente às condutas do caput.
3. Equiparação é tratamento igual para todos os fins, considerando equivalente o dano social e equivalente também a necessária
resposta penal, salvo ressalva expressa.
4. Ao ser qualificado como hediondo o art. 16 da Lei n. 10.826/2003, também as condutas equiparadas, e assim previstas no mesmo
artigo, devem receber igual tratamento.
5. Praticado o crime equiparado do parágrafo único do art. 16 da Lei n. 10.826/2003 após a publicação da Lei n. 13.497/2017, que
inseriu a qualificação de hediondez, incide esse tratamento mais gravoso ao fato do processo. (...)
(HC 526.916/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 08/10/2019)

Vigência e irretroatividade
A Lei nº 13.497/2017 entrou em vigor no dia 27/10/2017.
A Lei é mais gravosa e, por isso, não tem efeitos retroativos.
Assim, quem cometeu o delito do art. 16 do Estatuto do Desarmamento até o dia 26/10/2017, não praticou crime hediondo.
Por outro lado, quem cometeu o delito do art. 16 a partir da publicação da Lei nº 13.497/2017, receberá o tratamento mais gravoso
destinado aos crimes hediondos.

Comparação entre os crimes comuns e os hediondos:

CRIME COMUM CRIME HEDIONDO (OU EQUIPARADO)


Em regra, admite fiança. NÃO admite fiança.
Admite liberdade provisória. Admite liberdade provisória.
Admite a concessão de anistia, graça e indulto. NÃO admite a concessão de anistia, graça e indulto.
O prazo da prisão temporária, quando cabível, será de O prazo da prisão temporária, quando cabível, será de
5 dias, prorrogável por igual período. 30 dias, prorrogável por igual período.
O regime inicial de cumprimento da pena pode ser O regime inicial de cumprimento da pena pode ser
fechado, semiaberto ou aberto. fechado, semiaberto ou aberto.
Admite a substituição da pena privativa de liberdade Admite a substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos (art. 44 do CP). por restritiva de direitos (art. 44 do CP).
Admite a concessão de sursis, cumpridos os requisitos Admite a concessão de sursis, cumpridos os requisitos
do art. 77 do CP. do art. 77 do CP, salvo no caso do tráfico de drogas
por força do art. 44 da Lei nº 11.343/2006.
O réu pode apelar em liberdade, desde que a prisão O réu pode apelar em liberdade, desde que a prisão
não seja necessária. não seja necessária.
Para a concessão do livramento condicional, o Para a concessão do livramento condicional, o
apenado deverá cumprir 1/3 ou 1/2 da pena, a condenado não pode ser reincidente específico em
depender do fato de ser ou não reincidente em crime crimes hediondos ou equiparados e terá que cumprir
doloso. mais de 2/3 da pena.
Para que ocorra a progressão de regime, o condenado Para que ocorra a progressão de regime, o condenado
deverá ter cumprido 1/6 da pena. deverá ter cumprido:
2/5 da pena, se for primário; e
3/5 (três quintos), se for reincidente.
A pena do art. 288 do CP (associação criminosa) é de A pena do art. 288 do CP (associação criminosa) será
1 a 3 anos. de 3 a 6 anos quando a associação for para a prática de
crimes hediondos ou equiparados.

NOVIDADE LEGISLATIVA (2019)


LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME): ALTERAÇÕES NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO (LEI 10.826/2003)
O Pacote Anticrime trouxe uma mudança muito polêmica, que alterou o julgado acima explicado.
A Lei nº 13.964/2019 modificou o art. 16 do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) para diferenciar arma de fogo de uso
RESTRITO de arma de fogo de uso PROIBIDO:

ESTATUTO DO DESARMAMENTO
Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE
Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer,
receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda
que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo,
acessório ou munição de uso proibido ou restrito, acessório ou munição de uso restrito, sem
sem autorização e em desacordo com determinação autorização e em desacordo com determinação legal
legal ou regulamentar: ou regulamentar:
(...) (...)
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: § 1º Nas mesmas penas incorre quem:
(...) (...)
Não havia § 2º do art. 16. § 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste
artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a
pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Antes do Pacote Anticrime, a Lei nº 8.072/90 afirmava que era crime hediondo a “posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
restrito, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.
O Pacote Anticrime alterou a redação da Lei nº 8.072/90 e passou a dizer que é crime hediondo “o crime de posse ou porte ilegal de
arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.

LEI DE CRIMES HEDIONDOS


Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE
Art. 1º (...) Art. 1º (...)
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos o Parágrafo único. Consideram-se também hediondos,
crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da tentados ou consumados:
Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, e o de posse
I - o crime de genocídio, previsto nos arts. 1º, 2º e 3º
ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito,
da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;
previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de
dezembro de 2003, todos tentados ou consumados. II - o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo
de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826,
de 22 de dezembro de 2003;
III - o crime de comércio ilegal de armas de fogo,
previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de
dezembro de 2003;
IV - o crime de tráfico internacional de arma de fogo,
acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº
10.826, de 22 de dezembro de 2003;
V - o crime de organização criminosa, quando
direcionado à prática de crime hediondo ou
equiparado.

Desse modo, pela nova redação dada pela Lei nº 13.964/2019:


• o art. 16 do Estatuto do Desarmamento passou a diferenciar arma de fogo de uso restrito de arma de fogo de uso proibido;
• somente é crime hediondo a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido;
• não é mais crime hediondo a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.
Isso significa que as pessoas condenadas pelo art. 16 do Estatuto do Desarmamento por condutas envolvendo armas de fogo de uso
restrito não mais poderão receber o tratamento destinado aos crimes hediondos. Tais crimes deixaram de ser hediondos. Houve,
portanto, novatio legis in mellius.

É possível que o juiz negue o benefício do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas pelo simples fato de o acusado ser investigado em
inquérito policial ou réu em outra ação penal que ainda não transitou em julgado?
Resumo do julgado
É possível que o juiz negue o benefício do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas com base no fato de o acusado ser investigado em
inquérito policial ou ser réu em outra ação penal que ainda não transitou em julgado?

• STJ: SIM.
É possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o réu se dedica a
atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1.431.091-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 14/12/2016 (Info 596).
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 539.666/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020.

• STF: NÃO.
Não se pode negar a aplicação da causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, com
fundamento no fato de o réu responder a inquéritos policiais ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase
recursal, sob pena de violação ao art. 5º, LIV (princípio da presunção de não culpabilidade).
Não cabe afastar a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) com base em condenações
não alcançadas pela preclusão maior (coisa julgada).
STF. 1ª Turma. HC 173806/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/2/2020 (Info 967).
STF. 1ª Turma. HC 166385/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/4/2020 (Info 973).
STF. 2ª Turma. HC 144309 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 19/11/2018.

Tráfico privilegiado (art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006)


A Lei de Drogas prevê, em seu art. 33, § 4º, a figura do “traficante privilegiado”, também chamada de “traficância menor” ou
“traficância eventual”:
Art. 33 (...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em
penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre
organização criminosa.

Qual é a natureza jurídica deste § 4º?


Trata-se de uma causa de diminuição de pena.

Redução: de 1/6 a 2/3


O magistrado tem plena autonomia para aplicar a redução no quantum que reputar adequado de acordo com as peculiaridades do
caso concreto. Vale ressaltar, no entanto, que essa fixação deve ser suficientemente fundamentada e não pode utilizar os mesmos
argumentos adotados em outras fases da dosimetria da pena (STF HC 108387, 06.03.12). Dito de outra forma, não se pode utilizar os
mesmos fundamentos para fixar a pena-base acima do mínimo legal e para definir o quantum da redução prevista neste dispositivo, sob
pena de bis in idem.
Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 131)
Tese 25: Diante da ausência de parâmetros legais, é possível que a fração de redução da causa de diminuição de pena estabelecida
no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 seja modulada em razão da qualidade e da quantidade de droga apreendida, além das demais
circunstâncias do delito.

Vedação à conversão em penas restritivas de direitos


O STF já declarou, de forma incidental, a inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”,
constante deste § 4º do art. 33, de modo que é possível, segundo avaliação do caso concreto, a concessão da substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, desde que cumpridos os requisitos do art. 44 do CP.
Requisitos:
Para ter direito à minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, é necessário o preenchimento de quatro requisitos
autônomos:
a) primariedade;
b) bons antecedentes;
c) não dedicação a atividades criminosas; e
d) não integração à organização criminosa.
Se o réu não preencher algum desses requisitos, não terá direito à minorante. São requisitos cumulativos:
Jurisprudência em Teses do STJ
Tese 22: A causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas só pode ser aplicada se todos os requisitos,
cumulativamente, estiverem presentes.

Esse benefício se aplica para quais delitos?


• Art. 33, caput: tráfico de drogas.
• Art. 33, § 1º, I: importar, exportar, produzir, adquirir, vender, guardar matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à
preparação de drogas.
• Art. 33, § 1º, II: semear, cultivar, fazer a colheita de plantas que são matéria-prima para preparação de drogas.
• Art. 33, § 1º, III: utilizar local ou bem de sua propriedade, posse, administração guarda ou vigilância, ou consentir que alguém
utilize para o tráfico ilícito de drogas.
• Art. 33, § 1º, IV: vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem
autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos
probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo
Veja o que diz o novo § 5º do art. 112 da LEP:
Art. 112 (...)
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da
Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. (Lei nº 13.964/2019 – Pacote Anticrime)

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


Regina foi denunciada pela prática de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006).
A defesa pediu a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas.
O juiz condenou a ré e negou o benefício do art. 33, § 4º sob o argumento de que ela responde a outro processo criminal no qual
também é acusada por tráfico de drogas. Logo, para o magistrado, está comprovado que a acusada se dedica às atividades
criminosas.
A defesa impugnou essa decisão alegando que esse segundo processo ainda não terminou, ou seja, ainda não houve trânsito em
julgado, de sorte que ela é presumivelmente inocente.

A decisão do juiz encontra amparo na jurisprudência?


• STJ: SIM
• STF: NÃO

É possível que o juiz negue o benefício do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas com base no fato de o
acusado ser investigado em inquérito policial ou ser réu em outra ação penal que ainda não
transitou em julgado?

STJ: SIM STF: NÃO


É possível a utilização de inquéritos policiais e/ou Não se pode negar a aplicação da causa de diminuição
ações penais em curso para formação da convicção de pelo tráfico privilegiado, prevista no art. 33, § 4º, da
que o réu se dedica a atividades criminosas, de modo a Lei nº 11.343/2006, com fundamento no fato de o réu
afastar o benefício legal previsto no art. 33, § 4º, da Lei responder a inquéritos policiais ou processos criminais
n.º 11.343/2006. em andamento, mesmo que estejam em fase recursal,
sob pena de violação ao art. 5º, LIV (princípio da
presunção de não culpabilidade).
Aplica-se o mesmo raciocínio firmado no RE
591054/SC: a existência de inquéritos policiais ou de
ações penais sem trânsito em julgado não podem ser
considerados como maus antecedentes para fins de
dosimetria da pena.

STJ. 3ª Seção. EREsp 1.431.091-SP, Rel. Min. Felix STF. 1ª Turma. HC 166385/MG, Rel. Min. Marco
Fischer, julgado em 14/12/2016 (Info 596). Aurélio, julgado em 14/4/2020 (Info 973).
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 539.666/RS, Rel. Min. STF. 2ª Turma. HC 144309 AgR, Rel. Min. Ricardo
Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020. Lewandowski, julgado em 19/11/2018.

Para ter direito à atenuante no caso do crime de tráfico de drogas, é necessário que o réu admita que traficava, não podendo
dizer que era mero usuário (Súmula 630-STJ)
Resumo do julgado
Súmula 630-STJ: A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o
reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio.
STJ. 3ª Seção. Aprovada em 24/04/2019, DJe 29/04/2019.
NOÇÕES GERAIS SOBRE A CONFISSÃO
Confissão espontânea: atenuante
A confissão espontânea é atenuante genérica prevista no art. 65, III, “d”, do CP:
Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
III — ter o agente:
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
Como se trata de atenuante, a confissão serve para diminuir a pena do condenado, o que é feito na 2ª fase da dosimetria da pena.

Confissão parcial
A confissão parcial ocorre quando o réu confessa apenas parcialmente os fatos narrados na denúncia. Ex.: o réu foi denunciado por
furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (art. 155, § 4º, I, do CP). Ele confessa a subtração do bem, mas nega que tenha
arrombado a casa.

Se a confissão foi parcial e o juiz a considerou no momento da condenação, este magistrado deverá fazer incidir a atenuante na
fase da dosimetria da pena?
SIM. Se a confissão, ainda que parcial, serviu de suporte para a condenação, ela deverá ser utilizada como atenuante (art. 65, III,
“d”, do CP) no momento de dosimetria da pena.
Incide a atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do CP, independente se a confissão foi integral ou parcial, quando o magistrado a
utilizar para fundamentar a condenação.
Mesmo nas hipóteses de confissão qualificada ou parcial, deve incidir a atenuante prevista no art. 65. III, “d”, do Código Penal, se
os fatos narrados pelo autor influenciaram a convicção do julgador.
Essa é a inteligência da Súmula 545 do STJ.
STJ. 5ª Turma. HC 450.201/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 21/03/2019.

Confissão qualificada
A confissão qualificada ocorre quando o réu admite a prática do fato, no entanto, alega em sua defesa um motivo que excluiria o
crime ou o isentaria de pena. Ex: eu matei sim, mas foi em legítima defesa.
Obs: por serem muito próximos os conceitos, alguns autores apresentam a confissão parcial e a qualificada como sinônimas.

Se a confissão foi qualificada e o juiz a considerou no momento da condenação, este magistrado deverá fazer incidir a atenuante
na fase da dosimetria da pena?
Para o STJ: SIM.
Não é possível desmerecer a confissão daquele que efetivamente contribui para a elucidação dos fatos supostamente delituosos,
ainda que agregando teses defensivas.
Nos casos em que a confissão do acusado servir como um dos fundamentos para a condenação, deve ser aplicada a atenuante em
questão, pouco importando se a confissão foi espontânea ou não, se foi total ou parcial, ou mesmo se foi realizada só na fase
policial, com posterior retratação em juízo.
Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do
Código Penal (Súmula 545/STJ), sendo indiferente que a admissão da autoria criminosa seja parcial, qualificada ou acompanhada de
alguma causa excludente de ilicitude ou culpabilidade.
STJ. 5ª Turma. HC 450.201/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 21/03/2019.
STJ. 6ª Turma. AgInt no REsp 1775963/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 07/05/2019.
Obs: o STF possui julgados em sentido contrário. Veja: (...) A confissão qualificada não é suficiente para justificar a atenuante
prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal (...) STF. 1ª Turma. HC 119671, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 05/11/2013.
Como o último julgado do STF sobre o tema é relativamente antigo (2013), em provas é mais provável que seja cobrado o
entendimento do STJ. Fique atenta(o), contudo, à redação do enunciado.

Confissão retratada
A chamada confissão retratada ocorre quando o agente confessa a prática do delito e, posteriormente, se retrata, negando a autoria.
Ex: durante o inquérito policial, João confessa o crime, mas em juízo volta atrás e se retrata, negando a imputação e dizendo que foi
torturado pelos policiais. O agente confessa na fase do inquérito policial e, em juízo, se retrata, negando a autoria. O juiz condena o
réu fundamentando sua sentença, dentre outros argumentos e provas, na confissão extrajudicial.

Se a confissão foi retratada e o juiz a considerou no momento da condenação, este magistrado deverá fazer incidir a atenuante
na fase da dosimetria da pena?
Para o STJ: SIM.
Se a confissão do réu foi utilizada para corroborar o acervo probatório e fundamentar a condenação, deve incidir a atenuante
prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal, sendo irrelevante o fato de que tenha havido posterior retratação, ou seja, que o agente
tenha voltado atrás e negado o crime.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1712556/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/06/2019.
Obs: existem alguns julgados do STF em sentido contrário: a retratação em juízo da anterior confissão policial obsta a invocação e a
aplicação obrigatória da circunstância atenuante referida no art. 65, inc. III, alínea ‘d’, do Código Penal (STF. 2ª Turma. HC
118375, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 08/04/2014.

Em suma, na sentença o juiz poderá utilizar a confissão parcial, a confissão qualificada ou a confissão com retratação posterior
para, em conjunto com outras provas, condenar o réu?
SIM.

Neste caso, o juiz deverá aplicar a atenuante do art. 65, III, “d”, do CP?
SIM. Para o STJ, é irrelevante que a confissão tenha sido parcial ou total, condicionada ou irrestrita, com ou sem retratação
posterior. Se a confissão foi utilizada pelo juiz como fundamento para a condenação, deverá incidir a atenuante do art. 65, III, “d”,
do Código Penal.

Entendimento sumulado
O STJ resumiu seus entendimentos sobre a confissão com a súmula 545:
Súmula 545-STJ: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante
prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.
Desse modo, a Súmula 545 do STJ vale tanto para casos de confissão parcial, de confissão qualificada e confissão com retratação
posterior. Em suma, se o juiz utilizou a confissão como fundamento (elemento de argumentação) para embasar a condenação, ele,
obrigatoriamente, deverá aplicar a atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do CP.
A confissão é um fato processual que gera um ônus e um bônus para o réu. O ônus está no fato de que isso será utilizado contra ele
como elemento de prova no momento da sentença. O bônus foi concedido pela lei e consiste na atenuação de sua pena. Para o STJ,
não seria justo que o magistrado utilizasse a confissão apenas para condenar o réu, sem lhe conferir o bônus, qual seja, o
reconhecimento da confissão.

CONFISSÃO, TRÁFICO DE DROGAS E POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO


Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi preso, em uma viagem de ônibus, com uma grande quantidade de cocaína em sua mochila.
O Ministério Público denunciou João pela prática do crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.
No interrogatório, João admitiu que a droga era sua, mas alegou que ela seria utilizada exclusivamente para seu próprio consumo.
Disse, em suma, que é usuário de drogas, afirmando ter adquirido o entorpecente em grande quantidade para evitar ter que ir várias
vezes à “boca-de-fumo”.
A defesa alegou que João deveria ser condenado pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
O juiz, contudo, não acolheu o pedido e condenou o réu por tráfico de drogas, nos termos do art. 33:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Suponhamos que, na sentença, havia um trecho dizendo o seguinte: “não há dúvidas de que a droga pertencia ao acusado,
considerando que ele próprio confessa que a bolsa é sua”. Neste caso, como o réu admitiu a propriedade da droga, ele terá
direito à atenuante da confissão espontânea ao ser condenado por tráfico?
NÃO. Isso porque ele confessou a posse da droga para fins de consumo (e não para tráfico).
A atenuante da confissão espontânea pressupõe que o réu reconheça a autoria do fato típico que lhe é imputado. Ocorre que, no
caso, o réu não admitiu a prática do tráfico, pois afirmou que a droga era exclusivamente para seu consumo próprio, numa clara
tentativa de desclassificar a sua conduta para o crime do art. 28 da Lei nº 11.343/2006.
Nesse caso, em que se nega a prática do tipo penal apontado na peça acusatória, não é possível o reconhecimento da circunstância
atenuante.
Para o STJ, não incide a atenuante da confissão espontânea quando o réu não admite a autoria do exato fato criminoso que lhe é
imputado:
O reconhecimento da atenuante genérica prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal exige que o réu confesse os fatos pelos quais
está sendo devidamente processado.
STJ. 6ª Turma. HC 326.526/MS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 04/04/2017.
Em se tratando do crime de tráfico de entorpecentes, a confissão espontânea do acusado que admite a propriedade da droga, no
entanto afirma ser destinada a consumo próprio, sendo mero usuário, impossibilita o reconhecimento da atenuante prevista no art.
65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal.
STJ. 5ª Turma. HC 488.991/PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/03/2019.
Sabe-se que nos casos em que a confissão do agente é utilizada como fundamento para embasar a conclusão condenatória, a
atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do CP, deve ser aplicada em seu favor, pouco importando se a admissão da
prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial ou se houve retratação posterior em juízo. Entretanto, in casu, não
obstante o agravante tenha admitido a propriedade da droga, não reconheceu a traficância, afirmando que o estupefaciente
encontrado seria para uso pessoal, sendo, portanto, insuficiente para reconhecer a incidência da referida atenuante.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1308356 MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 07/08/2018.
Vale ressaltar que não se pode dizer que houve confissão parcial neste caso porque o réu admitiu a prática de um fato diferente:
(...) a incidência da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, alínea d, do Código Penal, no crime de tráfico ilícito
de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não sendo apta para atenuar a pena a mera admissão da
propriedade para uso próprio. Nessa hipótese, inexiste, nem sequer parcialmente, o reconhecimento do crime de tráfico de drogas,
mas apenas a prática de delito diverso. (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1408971/TO, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 07/05/2019.

Não confundir:
Réu confessa a prática de outro tipo penal diverso
Confissão parcial
daquele narrado na denúncia.
Réu confessa apenas parcialmente os fatos narrados na Ex.: réu é acusado de tráfico de drogas (art. 33 da LD);
denúncia. ele confessa que a droga era sua, negando, porém, a
traficância. Isso significa que ele confessou a prática de
Ex.: réu foi acusado de furto qualificado; confessa a
um outro crime, qual seja, o porte para consumo
prática do furto, mas nega a qualificadora do
pessoal (art. 28 da LD).
rompimento de obstáculo.
Não deverá incidir a atenuante da confissão
Deverá incidir a atenuante da confissão espontânea
espontânea, considerando que o réu não reconheceu a
(STJ HC 328.021-SC).
autoria do fato típico imputado.

O entendimento da súmula 630 do STJ também é adotado pelo STF


Não é de se aplicar a atenuante da confissão espontânea para efeito de redução da pena se o réu, denunciado por tráfico de droga,
confessa que a portava para uso próprio.
STF. 1ª Turma. HC 141487, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Rosa Weber, julgado em 04/12/2018.
Admitir-se a incidência da atenuante genérica da confissão (CP, art. 65, III, d), com a consequência de redução da pena, quando as
próprias declarações do condenado não coincidiram com o propósito maior do instituto, o de facilitar a atuação da justiça criminal,
representaria, por certo, verdadeiro contrassenso. No caso, o paciente assumiu a propriedade da substância entorpecente para fins de
consumo próprio, dissimulando o propósito da traficância, reconhecido ulteriormente em sentença condenatória.
STF. 2ª Turma. HC 135345, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 26/10/2016.

O entendimento da súmula 630 do STJ não é aplicável para situações envolvendo roubo e furto
Ministério Público oferece denúncia contra o acusado imputando-lhe a prática de roubo.
O réu se defende admitindo a subtração, mas negando o emprego de violência ou grave ameaça.
Em outras palavras, o acusado admitiu a prática de um furto (e não de roubo).
Nesses casos, o STJ tem admitido a incidência da atenuante afirmando que se está diante de confissão parcial:
Embora a simples subtração configure crime diverso - furto -, também constitui uma das elementares do delito de roubo - crime
complexo, consubstanciado na prática de furto, associado à prática de constrangimento, ameaça ou violência, daí a configuração de
hipótese de confissão parcial.
STJ. 5ª Turma. HC 299.516/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 21/06/2018.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 452.897/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 07/08/2018.

Para a incidência da majorante do art. 40, V, da Lei de Drogas, é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre os
Estados da federação
Resumo do julgado
Súmula 587-STJ: Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, V, da Lei 11.343/06, é desnecessária a efetiva transposição
de fronteiras entre estados da federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual.
Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.
Importante.
Imagine a seguinte situação hipotética:
João pegou um ônibus em Campo Grande (MS) com destino a São Paulo (SP).
Ocorre que algumas horas depois, antes que o ônibus cruzasse a fronteira entre os dois Estados, houve uma blitz da polícia no
interior do coletivo, tendo sido encontrados 10kg de cocaína na mochila de João, que confessou que iria levá-la para um traficante
de São Paulo.
O agente foi denunciado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006), com a incidência de duas causas de
aumento previstas no art. 40, III e V:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(...)
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de
sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos
onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de
reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
(...)
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
Quando caracterizado o tráfico entre estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal, o réu deverá sofrer uma sanção maior
do que aquele que, por exemplo, vende entorpecente a um usuário local. Isso está de acordo como princípio da individualização da
pena (art. 5º, XLVI, da CF/88).

A defesa alegou que o agente não chegou a atravessar a fronteira de nenhum Estado, de forma que não houve tráfico "entre
Estados da Federação". Logo, não deveria incidir a causa de aumento do inciso V. Essa tese é aceita pela jurisprudência? Para
incidir essa causa de aumento, é necessário que o agente atravesse as fronteiras?
NÃO.
Para que incida a causa de aumento de pena prevista no inciso V do art. 40, não se exige a efetiva transposição da fronteira
interestadual pelo agente, sendo suficiente a comprovação de que a substância tinha como destino localidade em outro
Estado da Federação.
STF. 1ª Turma. HC 122791/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/11/2015 (Info 808).
STJ. 6ª Turma. REsp 1370391/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 03/11/2015.
Esse era o entendimento pacificado no STJ e STF e agora foi sumulado.
APROFUNDANDO
O que você estudou acima é o suficiente para entender a súmula 587 do STJ. No entanto, acho importante para alertar sobre um
tema correlato: a necessidade de demonstração da intenção do agente de pulverizar a droga em mais de um Estado para que se
caracterize a causa de aumento de pena do art. 40, V, da Lei de Drogas. Veja abaixo:

Imagine a seguinte situação hipotética:


Pablo comprou cocaína na Bolívia e a trouxe para o Brasil, entrando em nosso país por meio do Município de Corumbá, em Mato
Grosso do Sul.
De Corumbá, Pablo pegou um ônibus com destino a Brasília, onde iria comercializar a droga.
O ônibus passou pelo Estado de Goiás e, quando chegou no Distrito Federal, Pablo foi preso em uma fiscalização de rotina da
Polícia Rodoviária Federal.
Pablo confessou a prática do crime relatando que adquiriu o entorpecente na Bolívia e que pretendia vendê-lo para um cliente em
Brasília.

De quem é a competência para julgar este delito?


Justiça Federal, considerando que ficou provado o caráter transnacional do delito, nos termos do art. 109, V, da CF/88 e art. 70 da
Lei nº 11.343/2006:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter
ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da
competência da Justiça Federal.
Voltando ao exemplo
Pablo foi denunciado e condenado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com as causas de aumento da
transnacionalidade (art. 40, I) e da interestadualidade (art. 40, V):
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade
do delito;
(...)
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
A defesa recorreu alegando que não restou provada a interestadualidade prevista no art. 40, V.

O STJ concordou com a tese da defesa?


SIM. O magistrado fez incidir a causa de aumento do art. 40, V, sob o argumento de que a droga atravessou mais de um Estado da
Federação, considerando que entrou no Brasil no Estado do Mato Grosso do Sul, passou pelo Estado de Goiás e chegou até o
Distrito Federal.
Ocorre que não existe nenhum indício de que a intenção do agente fosse difundir o entorpecente em mais de um Estado da
Federação.
A droga, adquirida na Bolívia, atravessou a fronteira com o MS e perpassou outro Estado rumo ao DF (destino final), por
imperativos de ordem geográfica e pela própria lógica da importação, de modo que, sem a existência de elementos concretos acerca
da intenção do paciente de pulverizar a droga em outros Estados do território nacional, não há como condenar o réu pela majorante
do inciso V do art. 40 da Lei nº 11.343/2006 em concomitância com a causa especial de aumento relativa à transnacionalidade do
delito, sob pena de bis in idem.
Veja precedente do STJ neste sentido:
Embora possível a cumulação das causas de aumento referente a internacionalidade e interestadualidade do tráfico ilícito de
entorpecentes, esta última poderá incidir somente quando houver, pelo menos, a comprovação do interesse em difusão da droga em
mais de um Estado da Federação. Assim, não se revela admissível sua incidência em hipóteses de mero transporte terrestre da
mercadoria proveniente do exterior com destino final certo em localidade estranha ao Estado fronteiriço pelo qual ingressou.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1273754/MS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 23/10/2014.
Resumindo:
As causas especiais de aumento da pena relativas à transnacionalidade e à interestadualidade do delito, previstas,
respectivamente, nos incisos I e V do art. 40 da Lei de Drogas, até podem ser aplicadas simultaneamente, desde que
demonstrada que a intenção do acusado que importou a substância era a de pulverizar a droga em mais de um Estado do
território nacional. Se isso não ficar provado, incide apenas a transnacionalidade.
Assim, é inadmissível a aplicação simultânea das causas de aumento da transnacionalidade (art. 40, I) e da
interestadualidade (art. 40, V) quando não ficar comprovada a intenção do importador da droga de difundi-la em mais de
um Estado-membro. O fato de o agente, por motivos de ordem geográfica, ter que passar por mais de um Estado para
chegar ao seu destino final não é suficiente para caracterizar a interestadualidade.
STJ. 6ª Turma. HC 214.942-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 16/6/2016 (Info 586).

O confisco de bens apreendidos em decorrência do tráfico pode ocorrer ainda que o bem não fosse utilizado de forma
habitual e mesmo que ele não tenha sido alterado
Resumo do julgado
É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a
necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a
descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no art. 243,
parágrafo único, da Constituição Federal.
STF. Plenário. RE 638491/PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17/5/2017 (repercussão geral) (Info 865).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi preso transportando, em seu veículo, 88 quilos de maconha.
O Ministério Público denunciou o agente e, nas alegações finais, pediu que o juiz, além de condenar o réu, determinasse o confisco
do automóvel, com base no art. 243, parágrafo único, da CF/88:
Art. 243 (...)
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e
da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (Redação dada
pela EC 81/2014)

A defesa, por sua vez, refutou o pedido alegando que o veículo não foi preparado para disfarçar o transporte da droga (não foi
instalado um fundo falso, p. ex.). Além disso, essa foi a primeira e única vez que ele utilizou o automóvel para o tráfico, não
havendo habitualidade que justificasse o perdimento do bem. Para a defesa, perda do bem pelo confisco deve ficar reservada aos
casos de utilização do bem de forma efetiva (e não eventual) para a prática do delito.

A tese da defesa encontra amparo na jurisprudência do STF? Para que haja o confisco de que trata o art. 243, parágrafo único,
da CF/88 é necessário que fique provado que o bem era utilizado de forma habitual para o crime ou que ele tenha sido
modificado com a finalidade de cometer o delito?
NÃO. A tese da defesa não encontra acolhida. Segundo a tese firmada pelo STF:
É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a
necessidade de se perquirir (investigar) a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação
para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos
expressamente no art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal.
STF. Plenário. RE 638491/PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17/5/2017 (repercussão geral) (Info 865).

Tais exigências não estão previstas no dispositivo constitucional


O art. 243, parágrafo único, da CF/88, é muito claro e afirma que todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico de drogas será confiscado. Este dispositivo não faz nenhuma exigência extra. Não exige que haja
habitualidade ou que o bem tenha sido “transformado” para a prática do crime. Nada disso. Basta que o bem tenha sido apreendido
em decorrência do tráfico.

Interpretação literal
O confisco de bens pelo Estado é uma forma de restrição ao direito fundamental de propriedade, garantido pelo art. 5º, caput e XXII,
da CF/88.
Como se trata de uma restrição a direito fundamental, o confisco de bens deve ser aplicado de acordo com a literalidade do texto
constitucional, sendo, portanto, vedado criar outros requisitos que não os estabelecidos pelo art. 243, parágrafo único, da CF/88.

Repressão ao tráfico
O confisco, no direito comparado, é um instituto aplicado aos delitos de repercussão econômica, a fim de garantir o ideal de que “o
crime não deve compensar”.
Essa mesma perspectiva foi adotada pela CF/88, que internalizou diversos diplomas internacionais que visam a reprimir
severamente o tráfico de drogas.

Mandados constitucionais de criminalização


Os preceitos constitucionais sobre o tráfico de drogas e o respectivo confisco de bens constituem parte dos mandados de
criminalização previstos pelo poder constituinte originário a exigir uma atuação enérgica do Estado sobre o tema, sob pena de o
ordenamento jurídico brasileiro incorrer em proteção deficiente dos direitos fundamentais.

Princípios da unidade e da supremacia da Constituição


O confisco previsto no art. 243, parágrafo único, da CF/88, deve ser interpretado à luz dos princípios da unidade e da supremacia da
Constituição, ou seja, não se pode ler o direito de propriedade em separado, sem considerar a restrição feita a esse direito.
Assim, a habitualidade do uso do bem na prática criminosa ou sua adulteração para dificultar a descoberta do local de
acondicionamento não são pressupostos para o confisco de bens.

Confisco de bens previsto na legislação infraconstitucional


O julgado acima foi proferido tendo como parâmetro de exame unicamente o texto do art. 243, parágrafo único, da CF/88.
Penso, no entanto, que, para a explicação ficar completa, seja necessário mencionar que a legislação infraconstitucional também
prevê hipóteses de confisco dos bens.
É o caso, por exemplo, do Código Penal:
Art. 91. São efeitos da condenação:
(...)
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) também traz uma previsão nesse sentido:
Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e
objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob
custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.
(...)
Art. 63. Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, sequestrado ou
declarado indisponível.

NOVIDADE LEGISLATIVA (2019)


Lei 13.886/2019: Nova situação de perdimento de bens para condenados por alguns crimes da Lei de Drogas
A Lei nº 13.886/2019 promoveu diversas alterações na Lei de Drogas. Vou destacar aqui aquela que reputo mais importante.
A Lei nº 13.886/2019 acrescentou, na Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), o art. 63-F, que diz o seguinte:
Art. 63-F. Na hipótese de condenação por infrações às quais esta Lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de
reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o
valor do patrimônio do condenado e aquele compatível com o seu rendimento lícito.

Assim, é calculado o quanto aquele condenado deveria ter de patrimônio com base em seu rendimento lícito e o quanto ele tem de
fato. A lei presume que os valores que ele possui a mais são produto ou proveito de crime e, por essa razão, o juiz fica autorizado a
decretar o perdimento dessa diferença.
Exemplo: com base nos rendimentos lícitos do réu, era para ele ter R$ 100 mil de patrimônio; a despeito disso, foram encontrados
bens em seu nome ou em seu poder avaliados em R$ 500 mil; diante disso, o magistrado irá decretar o perdimento de R$ 400 mil.

Além do requisito objetivo (diferença de patrimônio) a lei exige também um requisito subjetivo, nos seguintes termos:
Art. 63-F (...)
§ 1º A decretação da perda prevista no caput deste artigo fica condicionada à existência de elementos probatórios que
indiquem conduta criminosa habitual, reiterada ou profissional do condenado ou sua vinculação a organização criminosa.

O que se entende por patrimônio do condenado?


A resposta é encontrada no § 2º do art. 63-F:
Art. 63-F (...)
§ 2º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:
I – de sua titularidade, ou sobre os quais tenha domínio e benefício direto ou indireto, na data da infração penal, ou
recebidos posteriormente; e
II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.

O que deverá ser provado pela acusação para que ocorra o perdimento:
• que o valor do patrimônio do condenado é superior ao valor que seria compatível com o seu rendimento lícito;
• que o condenado possui conduta criminosa habitual, reiterada ou profissional, ou, então, que ele possui vinculação com
organização criminosa.

Fazendo a comprovação dessas duas circunstâncias, surge uma presunção relativa de que essa diferença patrimonial é de
procedência ilícita.
Vale ressaltar que, mesmo que o MP faça a comprovação das duas circunstâncias acima, a defesa ainda poderá evitar o perdimento,
conforme prevê o § 3º do art. 63-F:
§ 3º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.

Crimes da Lei 11.343/2006 para os quais pode ser aplicado esse perdimento de bens do art. 63-F
• Art. 33, caput e § 1º (tráfico de drogas e condutas equiparadas);
• Art. 34 (tráfico de maquinário);
• Art. 35 (associação para o tráfico);
• Art. 36 (financiamento do tráfico e assemelhados).

NOVIDADE LEGISLATIVA (2019)


LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME) - ALTERAÇÕES NO CÓDIGO PENAL
PERDIMENTO DE BENS (ART. 91-A DO CP)
A Lei nº 13.964/2019 inseriu o art. 91-A ao Código Penal prevendo uma nova hipótese de perdimento de bens:
Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá
ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do
condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.
Assim, é calculado o quanto aquele condenado deveria ter de patrimônio com base em seu rendimento lícito e o quanto ele tem de
fato. A lei presume que os valores que ele possui a mais são produto ou proveito de crime e, por essa razão, o juiz fica autorizado a
decretar o perdimento dessa diferença.
Exemplo: com base nos rendimentos lícitos do réu, era para ele ter R$ 100 mil de patrimônio; a despeito disso, foram encontrados
bens em seu nome ou em seu poder avaliados em R$ 500 mil; diante disso, o magistrado irá decretar o perdimento de R$ 400 mil.
Obs: previsão semelhante a essa é encontrada no art. 63-F da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), inserido pela Lei nº 13.886/2019.

O que se entende por patrimônio do condenado?


A resposta é encontrada no § 1º do art. 91-A:
Art. 91-A (...)
§ 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:
I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou
recebidos posteriormente; e
II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.

MP deverá requerer e demonstrar na denúncia


A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia,
com indicação da diferença apurada (§ 3º do art. 91-A).
Condenado poderá afastar a presunção de ilicitude do patrimônio
O MP deverá comprovar que o valor do patrimônio do condenado é superior ao valor que seria compatível com o seu rendimento
lícito (caput do art. 91-A).
Fazendo essa comprovação, surge uma presunção relativa de que essa diferença patrimonial é de procedência ilícita.
Mesmo assim, a defesa ainda poderá evitar o perdimento, conforme prevê o § 2º do art. 91-A:
Art. 91-A (...)
§ 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.

Sentença
Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada (§ 4º do
art. 91-A).
Instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias
Art. 91-A (...)
§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em
favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das
pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.

Ocorrendo o tráfico de drogas nas imediações de presídio, incidirá a causa de aumento do art. 40, III, da LD, não
importando quem seja o comprador

Resumo do julgado
Se o agente vende a droga nas imediações de um presídio, mas o comprador não era um dos detentos nem qualquer pessoa que
estava frequentando o presídio, ainda assim deverá incidir a causa de aumento do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006?
SIM. A aplicação da causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006 se justifica quando constatada a
comercialização de drogas nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, sendo irrelevante se o agente infrator
visa ou não aos frequentadores daquele local.
Assim, se o tráfico de drogas ocorrer nas imediações de um estabelecimento prisional, incidirá a causa de aumento, não importando
quem seja o comprador do entorpecente.
STF. 2ª Turma. HC 138944/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 21/3/2017 (Info 858).

Tráfico de drogas cometido nas imediações de estabelecimentos prisionais


A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), em seu art. 40, traz sete causas de aumento de pena. Veja a hipótese do inciso III, com
destaque para a parte grifada:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(...)
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de
sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos
onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de
reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;

Se o agente vende a droga nas imediações de um presídio, mas o comprador não era um dos detentos nem qualquer pessoa que
estava frequentando o presídio, ainda assim deverá incidir essa causa de aumento? Ex.: João, viciado em droga, mora bem ao
lado de um presídio. Ele liga para Pedro, traficante, pedindo que leve cocaína até a sua casa. O traficante chega na residência de
João e, no momento em que está entregando o entorpecente, aparece a viatura da polícia e efetua a prisão em flagrante do
agente. O traficante responderá pela causa de aumento do inciso III?
SIM.

A aplicação da causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006 se justifica quando constatada a
comercialização de drogas nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, sendo irrelevante se o agente
infrator visa ou não aos frequentadores daquele local.
Assim, se o tráfico de drogas ocorrer nas imediações de um estabelecimento prisional, incidirá a causa de aumento, não
importando quem seja o comprador do entorpecente.
STF. 2ª Turma. HC 138944/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 21/3/2017 (Info 858).

Hipótese de inocorrência de ação controlada


Resumo do julgado
Ação controlada é uma técnica especial de investigação por meio da qual a autoridade policial ou administrativa (ex: Receita
Federal, corregedorias), mesmo percebendo que existem indícios da prática de um ato ilícito em curso, retarda (atrasa, adia,
posterga) a intervenção neste crime para um momento posterior, com o objetivo de conseguir coletar mais provas, descobrir
coautores e partícipes da empreitada criminosa, recuperar o produto ou proveito da infração ou resgatar, com segurança, eventuais
vítimas.
Imagine que a Polícia recebeu informações de que determinado indivíduo estaria praticando tráfico de drogas. A partir daí, passou a
vigiá-lo, seguindo seu carro, tirando fotografias e verificando onde ele morava. Em uma dessas oportunidades, houve certeza de que
ele estava praticando crime e foi realizada a sua prisão em flagrante. A defesa do réu alegou que a Polícia realizou "ação controlada"
e que, pelo fato de não ter havido autorização judicial prévia, ela teria sido ilegal, o que contaminaria toda prova colhida. A tese da
defesa foi aceita pelo STJ?
NÃO. A investigação policial que tem como única finalidade obter informações mais concretas acerca de conduta e de paradeiro de
determinado traficante, sem pretensão de identificar outros suspeitos, não configura a ação controlada do art. 53, II, da Lei nº
11.343/2006, sendo dispensável a autorização judicial para a sua realização.
STJ. 6ª Turma. RHC 60251-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 17/9/2015 (Info 570).
Atuação retardada da autoridade responsável
Se a autoridade (seja ela policial ou administrativa) constatar que existe uma infração penal em curso, ela deverá tomar as
providências necessárias para que esta prática cesse imediatamente, devendo até mesmo realizar a prisão da pessoa que se encontre
em flagrante delito.
A experiência demonstrou, contudo, que, em algumas oportunidades, é mais interessante, sob o ponto de vista da investigação, que a
autoridade aguarde um pouco antes de intervir imediatamente e prender o agente que está praticando o ilícito. Isso ocorre porque em
determinados casos se a autoridade esperar um pouco mais, retardando o flagrante, poderá descobrir outras pessoas envolvidas na
prática da infração penal, reunir provas mais robustas, conseguir recuperar o produto ou proveito do crime, enfim obter maiores
vantagens para a persecução penal.

Exemplo
O exemplo típico desta técnica de investigação é o caso do tráfico de drogas. Imagine que a polícia descubra que determinado
passageiro irá embarcar uma grande quantidade de droga em uma barco que seguirá de um Estado para outro. A polícia poderia
prender o traficante no instante em que este estivesse embarcando o entorpecente, ou ainda, no momento do transporte. Entretanto,
revela-se mais conveniente à investigação que a autoridade policial aguarde até que o agente chegue ao seu destino onde poderá
descobrir e prender também o destinatário da droga. Este modo de proceder é chamado de “ação controlada”.

Conceito
Ação controlada é...
- uma técnica especial de investigação
- por meio da qual a autoridade policial ou administrativa (ex: Receita Federal, corregedorias),
- mesmo percebendo que existem indícios da prática de um ato ilícito em curso,
- retarda (atrasa, adia, posterga) a intervenção neste crime para um momento posterior,
- com o objetivo de conseguir coletar mais provas,
- descobrir coautores e partícipes da empreitada criminosa,
- recuperar o produto ou proveito da infração ou
- resgatar, com segurança, eventuais vítimas.

Nomenclatura
A ação controlada é também denominada de “flagrante prorrogado, retardado ou diferido”.
Em que consiste a chamada “entrega vigiada”?
Trata-se de uma forma de “ação controlada”, prevista na Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004), por meio da qual as
autoridades policiais ou administrativas permitem que “remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os
atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar
infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática” (art. 2º, "i").

Previsão legislativa
A ação controlada é prevista nos seguintes dispositivos legais:
Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004):
Artigo 20
Técnicas especiais de investigação
1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas
possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o
recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como
a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu
território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.
(...)
4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados
Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração
ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.
Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas):
Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei,
mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
(...)
II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção,
que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações
de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário
provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.
Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais):
Art. 4º-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz,
ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações. (Incluído pela Lei nº
12.683/2012)

Pacote anticrime
A Lei nº 9.613/98 trata sobre o crime de lavagem de dinheiro.
A Lei nº 13.964/2019 acrescentou um parágrafo ao art. 1º da Lei de Lavagem dizendo o seguinte:
Art. 1º (...)
§ 6º Para a apuração do crime de que trata este artigo, admite-se a utilização da ação controlada e da infiltração de agentes.
Lei nº 12.850 (Lei do Crime Organizado):
Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização
criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no
momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

Para que ocorra a ação controlada é necessária prévia autorização judicial?


A resposta irá depender do tipo de crime que está sendo investigado.
Se a ação controlada envolver crimes:
 da Lei de Drogas ou de Lavagem de Dinheiro: SIM. Será necessária prévia autorização judicial porque o art. 52, II, da Lei nº
11.343/2006 e o art. 4ºB da Lei nº 9.613/98 assim o exigem.
 praticados por organização criminosa: NÃO. Neste caso será necessário apenas que a autoridade (policial ou administrativa)
avise o juiz que irá realização ação controlada. Veja o que diz o § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013:
Art. 8º (...) § 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se
for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.

A previsão acima é muito importante considerando que, na antiga Lei do Crime Organizado (Lei n. 9.034/95), não se impunha
uma fiscalização prévia da ação controlada por parte do Poder Judiciário, o que gerava um perigo grande de que houvesse abusos
ou, pior, que existissem atos de corrupção ou leniência praticados pelas autoridades policiais e que fossem acobertados sob o
argumento de que se estava diante de uma “ação controlada”. Em outras palavras, poderia acontecer de a autoridade identificar a
prática de um crime em curso e não reprimi-lo por conta de corrupção. Caso fosse descoberta e questionada sobre este fato, a
autoridade alegava que estava praticando uma “ação controlada” e que iria atuar no momento certo. Isso agora não mais será
possível tendo em vista que a Lei exige a comunicação prévia da ação controlada ao juiz.
A Lei nº 12.850/2013 fez bem ao dispensar a prévia autorização, exigindo tão-somente a comunicação. Isso porque algumas vezes
os fatos se desenrolam de forma muito rápida e não daria tempo para se aguardar uma decisão judicial. Logo, a comunicação prévia
supre a preocupação externada no parágrafo anterior (evitar que a autoridade policial "simule" uma ação controlada) e, ao mesmo
tempo, não prejudica a dinâmica das investigações. Assim, protocolizada a comunicação, a ação controlada poderá ser levada a
efeito pela autoridade até que venha, se vier, uma limitação imposta pelo juiz.
Em muitas situações, não haveria sequer tempo hábil para que se aguardasse uma autorização judicial para a ação controlada eis que
os fatos da vida acontecem de forma célere e a execução do delito, não raras vezes, é mais célere que o tempo necessário para o
magistrado autorizar o diferimento da atuação policial.
Vale ressaltar que, se o crime de tráfico de drogas ou de lavagem de capitais estiverem sendo praticados por organização criminosa
que se enquadre no conceito da Lei nº 12.850/2013, será possível que a autoridade policial invoque o art. 8º, § 1º deste diploma e
faça a ação controlada valendo-se da mera comunicação prévia considerando que neste caso estará sendo investigada uma
organização criminosa.

Limites à ação controlada


O § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013 afirma que, depois de o juiz ser comunicado sobre a realização da ação controlada ele poderá
estabelecer limites a essa prática.
Ex1: o juiz poderá estabelecer limite de tempo para a ação controlada, de forma que depois disso, a , por exemplo, a autoridade
deverá obrigatoriamente intervir (24h, 2 dias, uma semana etc.).
Ex2: o magistrado poderá determinar a autoridade policial que não permita determinadas condutas que violem de forma muito
intensa ou irreversível o bem jurídico. Seria o caso de o juiz alertar o Delegado: em caso de ofensa à integridade física de vítimas, a
força policial deverá intervir imediatamente, evitando lesões corporais ou morte.
Apesar de o § 1º falar apenas em limites, penso que o juiz poderá também simplesmente indeferir a ação controlada, determinando a
imediata intervenção policial sempre que não estiverem previstos os requisitos legais ou quando a postergação não for recomendada.
Ex1: se não envolver organização criminosa considerando que não estaria previsto o requisito legal. Ex2: se a polícia descobriu o
cativeiro de uma vítima e há interceptação telefônica afirmando que irão matá-la a qualquer momento.

Procedimento no caso da comunicação da ação controlada (art. 8º da Lei nº 12.850/2013)


1) A autoridade policial ou administrativa comunica o juiz sobre a realização da ação controlada, demonstrando a conveniência
da medida e o planejamento de atuação;
2) No setor de protocolo da Justiça, a comunicação deverá ser sigilosamente distribuída, de forma a não conter informações que
possam indicar a operação a ser efetuada;
3) O juiz comunicará o Ministério Público acerca do procedimento e poderá estabelecer limites à ação controlada;
4) Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como
forma de garantir o êxito das investigações;
5) Ao término da diligência, a autoridade policial ou administrativa deverá elaborar um auto circunstanciado acerca da ação
controlada.

Ação controlada envolvendo transposição de fronteiras


Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá
ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a
reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime (art. 9º da Lei nº 12.850/2013).

CASO CONCRETO ENVOLVENDO INVESTIGAÇÃO DE TRÁFICO DE DROGAS


Imagine a seguinte situação adaptada:
A Polícia Militar recebeu informações de que o indivíduo conhecido como "POTÓ" seria o responsável por abastecer pontos de
venda de drogas de determinada localidade. A partir daí, passou a vigiá-lo, seguindo seu carro, tirando fotografias e verificando
onde ele morava.
Em uma dessas oportunidades, houve certeza de que ele estava praticando crime e foi realizada a sua prisão em flagrante.
A defesa do réu alegou que a Polícia realizou "ação controlada" e que, pelo fato de não ter havido autorização judicial prévia, ela
teria sido ilegal, o que contaminaria toda prova colhida.

A tese da defesa foi aceita pelo STJ? Houve ação controlada no presente caso?
NÃO.
A investigação policial que tem como única finalidade obter informações mais concretas acerca de conduta e de paradeiro de
determinado traficante, sem pretensão de identificar outros suspeitos, não configura a ação controlada do art. 53, II, da Lei
nº 11.343/2006, sendo dispensável a autorização judicial para a sua realização.
STJ. 6ª Turma. RHC 60.251-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 17/9/2015 (Info 570).
Não houve ação controlada no presente caso considerando que os policiais não pretendiam com a investigação prolongada revelar a
identidade de outros possíveis traficantes que atuassem em conjunto com o réu, mas sim, tão somente, encontrar informações mais
precisas a respeito das supostas condutas ilícitas por ele praticadas para obterem maior êxito durante sua abordagem.
Além disso, os elementos retratados nos autos apontam no sentido de que, na primeira oportunidade em que se materializou um
crime por parte do réu a Polícia Militar efetuou sua prisão em flagrante, encaminhando-o à delegacia de polícia, não estando
configurada, assim, qualquer ação controlada.
Uma vez inexistente ação controlada, desnecessária se mostrava a autorização judicial para o caso.

NOVIDADE LEGISLATIVA (2019)


LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME) - ALTERAÇÕES NO CÓDIGO PENAL
ALTERAÇÃO NA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO (LEI 9.613/98)

A Lei nº 9.613/98 trata sobre o crime de lavagem de dinheiro.


A Lei nº 13.964/2019 acrescentou um parágrafo ao art. 1º da Lei de Lavagem dizendo o seguinte:
Art. 1º (...)
§ 6º Para a apuração do crime de que trata este artigo, admite-se a utilização da ação controlada e da infiltração de agentes.
Ação controlada
Ação controlada é...
- uma técnica especial de investigação
- por meio da qual a autoridade policial ou administrativa (ex: Receita Federal, corregedorias),
- mesmo percebendo que existem indícios da prática de um ato ilícito em curso,
- retarda (atrasa, adia, posterga) a intervenção neste crime para um momento posterior,
- com o objetivo de conseguir coletar mais provas,
- descobrir coautores e partícipes da empreitada criminosa,
- recuperar o produto ou proveito da infração ou
- resgatar, com segurança, eventuais vítimas.
A ação controlada é também denominada de “flagrante prorrogado, retardado ou diferido”.

Infiltração de agentes
A infiltração de agentes é uma técnica especial de investigação por meio da qual um policial, escondendo sua real identidade, finge
ser também um criminoso a fim de ingressar na organização criminosa e, com isso, poder coletar elementos informativos a respeito
dos delitos que são praticados pelo grupo, identificando os seus integrantes, sua forma de atuação, os locais onde moram e atuam, o
produto dos delitos e qualquer outra prova que sirva para o desmantelamento da organização e para ser utilizado no processo penal.

Regime inicial para condenado não reincidente a pena de até 4 anos com circunstâncias judiciais negativas (influência da
natureza e quantidade da droga)
Resumo do julgado
É legítima a fixação de regime inicial semiaberto, tendo em conta a quantidade e a natureza do entorpecente, na hipótese em que ao
condenado por tráfico de entorpecentes tenha sido aplicada pena inferior a 4 anos de reclusão.
A valoração negativa da quantidade e da natureza da droga representa fator suficiente para a fixação de regime inicial mais gravoso.
STF. 2ª Turma. HC 133308/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 29/3/2016 (Info 819).

Imagine que o réu foi condenado a 3 anos de reclusão por tráfico de drogas (art. 33 da LD). O juiz fixou o regime inicial
semiaberto sob o argumento de que foi muito grande a quantidade de droga comercializada e que se tratava de crack, substância
entorpecente cuja natureza é altamente viciante. Agiu corretamente o magistrado? Ele poderia ter feito isso?
SIM.
É legítima a fixação de regime inicial semiaberto, tendo em conta a quantidade e a natureza do entorpecente, na hipótese em
que ao condenado por tráfico de entorpecentes tenha sido aplicada pena inferior a 4 anos de reclusão.
STF. 2ª Turma. HC 133308/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 29/3/2016 (Info 819).
Segundo entendeu o STF, a decisão respeitou o disposto no art. 33, § 2º, “b”, e § 3º, do CP c/c o art. 42 da Lei nº 11.343/2006:
CP/Art. 33 (...)
§ 2º As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os
seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-
la em regime semi-aberto;
(...)
§ 3º A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste
Código.
LD/Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e
a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.
Dessa forma, conjugando o § 3º do art. 33 do CP com o art. 42 da LD, é possível fixar o regime inicial mais gravoso, no caso de
tráfico, com base na natureza e quantidade da droga.
Existem outros precedentes do STF no mesmo sentido:
(...) 1. É pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a natureza e a quantidade da droga constituem motivação
idônea para a exasperação da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal e do art. 42 da Lei nº 11.343/06. Precedentes.
2. Como o regime inicial de cumprimento de pena deve observar o disposto no art. 33, § 3º, do Código Penal, e no art. 42 da Lei nº
11.343/06, que expressamente remetem às circunstâncias do crime (art. 59, CP) e à natureza e quantidade da droga, não há que se
falar em bis in idem na valoração negativa desses mesmos vetores na majoração da pena-base e na fixação do regime prisional mais
gravoso. (...)
STF. 2ª Turma. HC 131887, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 02/02/2016.

Mas esta situação (3 anos de reclusão + réu primário) não se amolda nos quadros acima transcritos...
É verdade. Os quadros acima transcritos representam as regras gerais previstas no art. 33 do CP. Ocorre que, segundo o STF, tais
regras podem ser relativizadas e o magistrado fixar um regime inicial mais gravoso com base nas circunstâncias judiciais (art. 59 do
CP) do caso concreto:
(...) A valoração negativa da quantidade, natureza e diversidade do entorpecente apreendido representa fator suficiente para a
fixação de regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade mais gravoso e para obstar a substituição da pena privativa
de liberdade por restritiva de direitos. (...)
STF. 2ª Turma. HC 131761, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 02/02/2016.
(...) A determinação do regime inicial de cumprimento da pena deve levar em conta dois fatores: (a) o quantum da reprimenda
imposta (CP, art. 33, § 2º); e (b) as condições pessoais do condenado estabelecidas na primeira etapa da dosimetria (CP, art. 59 c/c
art. 33 § 3º). Nesse contexto, não há ilegalidade na decisão que, mediante fundamentação jurídica adequada, estabelece o regime
inicial mais grave, como medida necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. (...)
STF. 2ª Turma. RHC 129811, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 24/11/2015.

Aplicação da causa de aumento de pena do art. 40, VI a mais de um crime e em patamar acima do mínimo
Resumo do julgado
Pedro convidou Lucas (15 anos) para auxiliá-lo, de forma estável e permanente, na prática do tráfico de drogas. Como contrapartida,
prometeu "pagar" pelo serviço dando 100g de cocaína por semana para que ele consumisse. Foram presos quando estavam
vendendo droga. Pedro foi denunciado por tráfico de drogas (art. 33) e associação para o tráfico (art. 35), com a causa de aumento
do art. 40, VI. Em uma situação assemelhada a esta, o STJ concluiu que:
I — A causa de aumento de pena do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006 pode ser aplicada tanto para agravar o crime de tráfico de
drogas (art. 33) quanto para agravar o de associação para o tráfico (art. 35) praticados no mesmo contexto. Não há bis in idem
porque são delitos diversos e totalmente autônomos, com motivação e finalidades distintas.
II — O fato de o agente ter envolvido um menor na prática do tráfico e, ainda, tê-lo retribuído com drogas, para incentivá-lo à
traficância ou ao consumo e dependência, justifica a aplicação, em patamar superior ao mínimo, da causa de aumento de pena do art.
40, VI, da Lei nº 11.343/2006, ainda que haja fixação de pena-base no mínimo legal. A aplicação da causa de aumento em patamar
acima do mínimo é plenamente válida, desde que fundamentada na gravidade concreta do delito.
STJ. 6ª Turma. HC 250455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).
Imagine a seguinte situação hipotética:
Pedro, conhecido traficante do bairro, convidou Lucas (15 anos) para auxiliá-lo, de forma estável e permanente, na prática do tráfico
de drogas.
Como contrapartida, prometeu "pagar" pelo serviço dando ao adolescente 100g de cocaína por semana para que ele consumisse.
Em uma das vezes em que estavam vendendo a droga, foram presos.
Pedro foi denunciado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da LD) e por associação para fins de tráfico (art. 35 da LD).
Além disso, o MP pediu que incidisse a causa de aumento do art. 40, VI:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(...)
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a
capacidade de entendimento e determinação;
O juiz, no momento de elaborar a sentença condenatória, ficou com duas dúvidas:

1) A causa de aumento de pena do art. 40, VI, da LD irá incidir sobre os dois crimes ou sobre apenas um deles? A pena a ser
aumentada será apenas a do art. 33, a do art. 35 ou dos dois?
Será aplicada sobre os dois delitos.
A causa de aumento de pena do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006 pode ser aplicada tanto para agravar o crime de tráfico de
drogas (art. 33) quanto para agravar o de associação para o tráfico (art. 35) praticados no mesmo contexto.
Ressalte-se que não há bis in idem porque são delitos diversos e totalmente autônomos, com motivação e finalidades distintas.
STJ. 6ª Turma. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).

2) Na dosimetria, o juiz fixou a pena-base no mínimo legal porque não identificou a existência de circunstâncias judiciais
negativas. No entanto, no momento em que foi aplicar a causa de aumento, entendeu que deveria aplicar 1/3, fundamentando no
fato de que é bastante reprovável remunerar a participação do adolescente por meio de droga que ele iria consumir e tornar-se
dependente. A fundamentação que o magistrado quer utilizar é idônea?
SIM.
O fato de o agente ter envolvido um menor na prática do tráfico e, ainda, tê-lo retribuído com drogas, para incentivá-lo à
traficância ou ao consumo e dependência, justifica a aplicação, em patamar superior ao mínimo, da causa de aumento de
pena do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006, ainda que haja fixação de pena-base no mínimo legal.
A aplicação da causa de aumento em patamar acima do mínimo é plenamente válida, desde que fundamentada na
gravidade concreta do delito.
STJ. 6ª Turma. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).

Aplicação de causa de aumento de pena do inciso VI ao crime de associação para o tráfico de drogas com criança ou
adolescente
Resumo do julgado
A participação do menor pode ser considerada para configurar o crime de associação para o tráfico (art. 35) e, ao mesmo tempo,
para agravar a pena como causa de aumento do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006.
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts.
33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
VI — sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a
capacidade de entendimento e determinação.
STJ. 6ª Turma. HC 250455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João, maior de idade, convidou Guilherme (17 anos) para que eles formassem uma dupla voltada à prática constante de tráfico de
drogas no bairro onde moravam.

Qual o crime praticado por João?


Associação para fins de tráfico, previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/2006, nos seguintes termos:
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts.
33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:
Pena — reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art.
36 desta Lei.
Em que consiste o crime:
A pessoa comete esse crime quando se junta com outra(s) pessoa(s), de forma estável e permanente, com o objetivo de praticar:
 tráfico de drogas (caput do art. 33);
 condutas equiparadas a tráfico de drogas (§ 1º do art. 33); ou
 tráfico de maquinários para drogas (art. 34).

Crime autônomo
O art. 35 é um crime autônomo. Isso significa que ele pode se consumar mesmo que os delitos nele mencionados acabem não
ocorrendo e fiquem apenas na cogitação ou preparação.
Assim, se João e Antônio se juntam, de forma estável e permanente, para praticar tráfico de drogas, eles terão cometido o crime do
art. 35, ainda que não consigam perpetrar nenhuma vez o tráfico de drogas.
Se João e Antônio conseguirem praticar o tráfico de drogas, eles responderão pelos dois delitos, ou seja, pelo art. 35 em concurso
material com o art. 33 da Lei nº 11.343/2006.

Associação = reunião estável e permanente


É muito importante ressaltar que associação significa uma reunião (junção) estável e permanente (duradoura) de pessoas. A isso se
dá o nome de societas sceleris.
Se essa associação for eventual ou acidental, não haverá o crime do art. 35, sendo apenas caso de concurso de pessoas.
Ex.: João e Antônio encontram-se em uma festa e, além de consumirem êxtase (uma espécie de droga sintetizada), decidem vender
juntos ali mesmo as pílulas que sobraram. Terão cometido tráfico de drogas (art. 33, caput) em concurso de agentes. Não poderão
ser condenados por associação (art. 35), considerando que a reunião para o projeto criminoso não tinha um caráter duradouro e
estável, sendo uma junção ocasional.

Duas ou mais pessoas


Para configurar o crime do art. 35, basta que o agente se una, de forma estável e permanente, com mais uma pessoa. Em suma,
exige-se um número mínimo de duas pessoas.
Para caracterizar esse delito, não importa que uma das pessoas seja inimputável.
De igual forma, haverá o crime mesmo que o outro associado não seja identificado pela polícia, desde que se tenha certeza que
havia, no mínimo, duas pessoas associadas.

Consumação
O delito se consuma a partir do momento em que ocorre a associação, estável e permanente, de duas ou mais pessoas com o objetivo
de praticarem os delitos nele previstos. Não se exige a ocorrência de nenhum resultado naturalístico. Desse modo, é classificado
como crime formal.

Aplicação concomitante da causa de aumento de pena do art. 40, VI para o crime do art. 35
Voltando ao nosso exemplo, o Promotor de Justiça denunciou João pela prática de associação para o tráfico (art. 35 da LD) e ainda
pediu que a ele fosse aplicada a causa de aumento prevista no art. 40, VI, que prevê o seguinte:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(...)
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a
capacidade de entendimento e determinação;
A defesa de João contra-argumentou afirmando que a participação do menor já foi utilizada para configurar o crime de associação
para o tráfico (duas pessoas), de forma que não poderia ser utilizada, novamente, para agravar a pena como causa de aumento, o que
ensejaria bis in idem.

O que você faria como juiz? É possível acatar o pedido do MP neste caso?
SIM.
A participação do menor pode ser considerada para configurar o crime de associação para o tráfico (art. 35) e, ao mesmo
tempo, para agravar a pena como causa de aumento do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006.
STJ. 6ª Turma. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).

O agente poderia ter praticado o crime de associação para fins de tráfico valendo-se de outra pessoa, maior de idade. No entanto,
escolheu associar-se com um adolescente para o cometimento do delito. Desse modo, deverá responder de forma mais gravosa por
esta conduta, que foi considerada mais reprovável pelo legislador, nos termos do art. 40, VI, da LD.
Assim, é cabível a aplicação da majorante se o crime envolver ou visar a atingir criança ou adolescente em delito de associação para
o tráfico de drogas configurado pela associação do agente com menor de idade.

O fato de o réu ter ocupação lícita não significa que terá direito, necessariamente, à minorante do § 4º do art. 33 da LD
Resumo do julgado
Ainda que o réu comprove o exercício de atividade profissional lícita, se, de forma concomitante, ele se dedicava a atividades
criminosas, não terá direito à causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas).
O tráfico de drogas praticado por intermédio de adolescente que, em troca da mercancia, recebia comissão, evidencia (demonstra)
que o acusado se dedicava a atividades criminosas, circunstância apta a afastar a incidência da causa especial de diminuição de pena
prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006.
STJ. 6ª Turma. REsp 1380741-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/4/2016 (Info 582).

O juiz pode negar a aplicação do § 4º usando como argumento o fato de o réu, além do delito de tráfico (art. 33), ter
praticado também o crime de associação para o tráfico (art. 35)
Resumo do julgado
É inaplicável a causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 na hipótese em que o réu
tenha sido condenado, na mesma ocasião, por tráfico e pela associação de que trata o art. 35 do mesmo diploma legal.
A aplicação da referida causa de diminuição de pena pressupõe que o agente não se dedique às atividades criminosas. Desse modo,
verifica-se que a redução é logicamente incompatível com a habitualidade e permanência exigidas para a configuração do delito de
associação (art. 35), cujo reconhecimento evidencia a conduta do agente voltada para o crime e envolvimento permanente com o
tráfico.
STJ. 6ª Turma. REsp 1199671-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26/2/2013 (Info 517).

Tráfico de drogas e juntada do laudo toxicológico definitivo após a condenação


Resumo do julgado
A 1ª Turma do STF decidiu que a nulidade decorrente da juntada extemporânea do laudo toxicológico definitivo somente pode ser
reconhecida se ficar comprovado prejuízo ao réu.
STF. 1ª Turma. RHC 110429/MG, rel. Min. Luiz Fux, 6/3/2012.

Consumação do crime de tráfico de drogas na modalidade adquirir pelo simples fato de a droga ter sido negociada por
telefone
Resumo do julgado
A conduta consistente em negociar por telefone a aquisição de droga e também disponibilizar o veículo que seria utilizado para o
transporte do entorpecente configura o crime de tráfico de drogas em sua forma consumada (e não tentada), ainda que a polícia, com
base em indícios obtidos por interceptações telefônicas, tenha efetivado a apreensão do material entorpecente antes que o
investigado efetivamente o recebesse.
Para que configure a conduta de "adquirir", prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, não é necessária a tradição do entorpecente e o
pagamento do preço, bastando que tenha havido o ajuste. Assim, não é indispensável que a droga tenha sido entregue ao comprador
e o dinheiro pago ao vendedor, bastando que tenha havido a combinação da venda.
STJ. 6ª Turma. HC 212528-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 1º/9/2015 (Info 569).
Segundo entende a jurisprudência, a modalidade de tráfico "adquirir" completa-se no instante em que ocorre a avença (combinado)
entre o comprador e o vendedor.
Assim, ocorre a modalidade "adquirir" quando o agente, embora sem receber a droga, concorda com o fornecedor quanto à coisa,
não havendo necessidade, para a configuração do delito, de que se efetue a tradição da droga adquirida, pois que a compra e venda
se realiza pelo consenso sobre a coisa e o preço.
Dessa forma, o simples fato de a droga ter sido negociada já constitui a conduta "adquirir", havendo, portanto, tráfico de drogas na
forma consumada.

A condenação por tráfico pode ocorrer mesmo que não tenha havido a apreensão da droga
Resumo do julgado
A ausência de apreensão da droga não torna a conduta atípica se existirem outros elementos de prova aptos a comprovarem o crime
de tráfico.
STJ. 6ª Turma. HC 131455-MT, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 2/8/2012.

A materialidade do crime de tráfico de entorpecentes pode ser atestada por outros meios idôneos existentes nos autos quando não
houve apreensão da droga e não foi possível realizar o exame pericial, especialmente se encontrado entorpecentes com outros
corréus ou integrantes da organização criminosa.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1116262/GO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 06/11/2018.

Caracteriza ilícito penal o porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003) ou de arma de fogo de uso restrito (art.
16 da Lei n. 10. 826/2003) com registro de cautela vencido
Resumo do julgado
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no julgamento da Ação Penal n. 686/AP, que, uma vez realizado o
registro da arma, o vencimento da autorização não caracteriza ilícito penal, mas mera irregularidade administrativa que autoriza a
apreensão do artefato e aplicação de multa (APn n. 686/AP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de
29/10/2015). Tal entendimento, todavia, é restrito ao delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n.
10.826/2003), não se aplicando ao crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003), muito menos ao delito de
porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei n. 10.826/2003), cujas elementares são diversas e a reprovabilidade mais
intensa. AgRg no AREsp 885.281-ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em
28/04/2020, DJe 08/05/2020. (Info 671)

O porte de arma branca é conduta que permanece típica na Lei das Contravenções Penais
Resumo do julgado
Como cediço, em relação às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenção Penal foi tacitamente revogado pelo art. 10 da Lei n.
9.437/1997, que, por sua vez, também foi revogado pela Lei n. 10.826/2003. Assim, o porte ilegal de arma de fogo caracteriza,
atualmente, infração aos arts. 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento, conforme seja a arma permitida ou proibida. Entrementes,
permaneceu vigente o referido dispositivo do Decreto-lei n. 3.688/1941 quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas
brancas. Desse modo, a jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de tipificação da conduta de porte de arma branca
como contravenção prevista no art. 19 do Decreto-lei n. 3.688/1941, não havendo que se falar em violação ao princípio da
intervenção mínima ou da legalidade. RHC 56.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em
10/03/2020, DJe 26/03/2020. (Info 658)

Posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12) e posse ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16) no mesmo
contexto fático: concurso de crimes
Resumo do julgado
Os tipos penais dos arts. 12 e 16 da Lei nº 10.826/2003 tutelam bens jurídicos diversos e, por essa razão, deve ser aplicado o
concurso formal quando apreendidas armas ou munições de uso permitido e de uso restrito no mesmo contexto fático.
O art. 16 do Estatuto do Desarmamento, além da paz e segurança públicas, também protege a seriedade dos cadastros do Sistema
Nacional de Armas, sendo inviável o reconhecimento de crime único, pois há lesão a bens jurídicos diversos.
STJ. 5ª Turma. AgRg nos EDcl no AREsp 1122758/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 24/04/2018.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1619960/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27/06/2017.

Se a ré pratica o crime de poluição qualificada e não toma providências para reparar o dano, entende-se que continua
praticando ato ilícito em virtude da sua omissão, devendo, portanto, ser considerado que se trata de crime permanente
Resumo do julgado
Os delitos previstos no:
- art. 54, § 2º, I, II, III e IV e § 3º e
- art. 56, § 1º, I e II,
- cumulados com a causa de aumento de pena do art. 58, I, da Lei nº 9.605/98,
... que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com
as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano
grave ou irreversível ao ecossistema,
... são crimes de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição.

Caso concreto: a empresa ré armazenou inadequadamente causando grave poluição da área degradada, sendo que, até o momento de
prolação do julgado, não havia tomado providências para reparar o dano, caracterizando a continuidade da prática infracional. Desse
modo, constata-se que o crime de poluição qualificada é permanente, ainda que por omissão da ré, que foi prontamente notificada a
reparar o dano causado, mas não o fez.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1847097-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 05/03/2020 (Info 667).
A situação concreta foi a seguinte:
Determinada empresa armazenou inadequadamente seu lixo industrial, causando grave poluição.
Vale ressaltar que a empresa não tomou qualquer providência para reparar o dano.
Diante disso, ela foi condenada pela prática dos seguintes delitos previstos na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98):
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que
provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
(...)
§ 2º Se o crime:
I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause
danos diretos à saúde da população;
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;
IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;
(...)
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade
competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito
ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências
estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança;
II - manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma
diversa da estabelecida em lei ou regulamento.
(...)
Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas:
I - de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral;
(...)

A empresa alegou que houve prescrição. O Ministério Público, por sua vez, sustentou que os crimes praticados são permanentes
e, por isso, não se operou a prescrição. O que o STJ decidiu?
São crimes permanentes.
A empresa causou poluição ambiental que provocou danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências
estabelecidas na legislação de proteção. Além disso, foi omissa porque não adotou medidas de precaução em um caso de risco de
dano grave ou irreversível ao ecossistema.
Para o STJ, a conduta criminosa ultrapassou a ação inicial, ou seja, os efeitos decorrentes da poluição permaneceram diante da
própria omissão da empresa recorrente em corrigir ou diminuir os efeitos geradores da conduta inaugural.
Assim, no caso em exame, o crime de poluição qualificada é permanente, diante da continuidade da prática infracional, ainda que
por omissão da ré, que foi prontamente notificada a reparar o dano causado – retirar os resíduos e assim não o fez.
Vale ressaltar que o STJ, ao analisar outro delito (o do art. 48 da Lei nº 9.605/98) construiu o entendimento de que não é possível se
falar em prescrição em crimes ambientais se as atividades lesivas ao meio ambiente não foram cessadas:
O delito previsto no art. 48 da Lei de Crimes Ambientais possui natureza permanente, cuja consumação se perdura no tempo até que
ocorra a cessação da atividade lesiva ao meio ambiente, momento a partir do qual se considera consumado e se inicia a contagem do
prazo prescricional, nos termos do art. 111, inciso III, do Código Penal.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1482369/DF, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), julgado
em 16/06/2015.
Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o caso concreto.

Em suma:
Os delitos previstos no:
- art. 54, § 2º, I, II, III e IV e § 3º e
- art. 56, § 1º, I e II,
- cumulados com a causa de aumento de pena do art. 58, I, da Lei nº 9.605/98,

... que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em
desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos
de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema,
... são crimes de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.847.097-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

Uma última pergunta: no caso concreto, a ré era uma pessoa jurídica que, por óbvio, não está sujeita a penas privativas de
liberdade. Quais serão as regras de prescrição penal nesta hipótese? Mesmo não sendo cabível a pena privativa de liberdade,
utiliza-se o art. 109 do CP para se calcular a prescrição?
SIM.
Em crimes ambientais, embora incabível a imposição de penas privativas de liberdade às pessoas jurídicas, o prazo prescricional
deve obedecer à regra do art. 109, parágrafo único, do CP, que estabelece serem aplicáveis, às sanções restritivas de direitos, os
mesmos prazos definidos para a prescrição da pena corporal.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1712991/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/09/2018.
Veja o dispositivo legal mencionado:
Art. 109 (...)
Parágrafo único. Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.

Delito do art. 54 da Lei 9.605/98 é formal


A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) prevê o seguinte delito:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que
provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Em que consiste o delito:


O agente causa poluição que...
- resulta em danos à saúde humana (crime de dano);
- pode resultar danos à saúde humana (crime de perigo);
- provoca mortandade de animais (crime de dano);
- provoca a destruição significativa da flora (crime de dano).

Para que se configure esse delito, é necessária a realização de perícia?


NÃO.
O delito previsto na primeira parte do artigo 54 da Lei nº 9.605/1998 possui natureza formal, sendo suficiente a
potencialidade de dano à saúde humana para configuração da conduta delitiva, não se exigindo, portanto, a realização de
perícia.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1417279/SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 11/04/2018 (Info 624).
Obs: Encontra-se superado o entendimento divulgado no informativo 571 do STJ (6ª Turma, REsp 1.417.279-SC, Rel. Min.
Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/9/2015).

Assinatura de TAC não impede processo penal


Resumo do julgado
A assinatura do termo de ajustamento de conduta com órgão ambiental não impede a instauração de ação penal.
Isso porque vigora em nosso ordenamento jurídico o princípio da independência das instâncias penal e administrativa.
STJ. Corte Especial. APn 888-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2018 (Info 625).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João é proprietário da Fazenda Riacho Doce, que está inserida dentro de uma Área de Proteção Ambiental.
Segundo apurou o órgão ambiental, João, por meio de seus prepostos, suprimiu vegetação mediante corte de árvores para a
instalação de uma tubulação hidráulica, destinada a atender sua propriedade.
Após ser autuado, João celebrou termo de ajustamento com o órgão ambiental, comprometendo-se a recuperar as áreas degradadas.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra João, imputando-lhe a prática de crime ambiental.
Em sua defesa, o réu alegou ausência de justa causa, considerando que cumpriu integralmente as obrigações ajustadas, razão pela
qual pediu a rejeição da denúncia.

O pedido do réu deve ser aceito?


NÃO.
A celebração de termo de ajustamento de conduta é incapaz de impedir a persecução penal.
Isso porque vigora em nosso ordenamento jurídico o princípio da independência das instâncias penal e administrativa.
Assim, essa circunstância, ou seja, o fato de ele ter assinado e cumprido o TAC, irá apenas influenciar na dosimetria da pena, que
será diminuída em virtude disso, caso ele seja condenado.
No mesmo sentido:
“(...) mostra-se irrelevante o fato de o recorrente haver celebrado termo de ajustamento de conduta, (...) razão pela qual o Parquet,
dispondo de elementos mínimos para oferecer a denúncia, pode fazê-lo, ainda que as condutas tenham sido objeto de acordo
extrajudicial” (STJ. 5ª Turma. RHC 41.003/PI, Dje 03/02/2014).
Em suma:
A assinatura do termo de ajustamento de conduta com órgão ambiental não impede a instauração de ação penal.
STJ. Corte Especial. APn 888-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/05/2018 (Info 625).

É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional
condenado por homicídio culposo no trânsito
Resumo do julgado
O crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, tipificado no art. 302 do CTB, prevê, como uma das penas
aplicadas, a “suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”
Se o réu que praticou este crime é motorista profissional, ele pode, mesmo assim, receber essa sanção ou isso violaria o direito
constitucional ao trabalho? Não viola. O condenado pode sim receber essa sanção, ainda que se trate de motorista profissional.
É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional
condenado por homicídio culposo no trânsito.
O direito ao exercício de atividades profissionais (art. 5º, XIII) não é absoluto e a restrição imposta pelo legislador se mostra
razoável.
STF. Plenário. RE 607107/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 12/2/2020 (repercussão geral – Tema 486) (Info 966).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João é motorista de aplicativos (“motorista de Uber”).
Determinado dia, por imprudência, ele atropelou e matou um pedestre.
Ele foi denunciado pela prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor, delito tipificado no art. 302 do Código de
Trânsito Brasileiro (CTB), com a causa de aumento de pena do inciso IV do § 1º:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.
§ 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:
(...)
IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.
O juiz proferiu, então, sentença condenando João a:
a) pena privativa de liberdade, que foi convertida em pena restritiva de direito;
b) suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor.

João recorreu contra a sentença afirmando que é motorista profissional e que a pena imposta (suspensão da habilitação) seria
inconstitucional por violar o direito ao trabalho, previsto no art. 5º, XIII, da CF/88 (“é livre o exercício de qualquer trabalho,
ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”). A tese de João foi acolhida pelo STF?
NÃO.
O direito ao exercício de atividades profissionais (art. 5º, XIII) não é absoluto.
Assim, é possível que haja restrições impostas pelo legislador, desde que se mostrem razoáveis. Para o STF, esta restrição é
razoável, neste caso.
Vale ressaltar, ainda, que a medida é coerente com o princípio da individualização da pena prevista no art. 5º, XLVI e, também,
respeita o princípio da proporcionalidade:
Art. 5º (...)
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
A suspensão do direito de dirigir não impossibilita o motorista profissional de extrair seu sustento de qualquer outra atividade
econômica.
Por fim, o Min. Roberto Barroso argumentou:
“Quando se priva fisicamente a liberdade de alguém, essa pessoa não pode dirigir, não pode trabalhar, não pode sair.
Portanto, aqui estamos falando de algo menor em relação à pena privativa de liberdade”.

Em suma:
É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional
condenado por homicídio culposo no trânsito.
STF. Plenário. RE 607107/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 12/2/2020 (repercussão geral – Tema 486) (Info 966).

Esse é também o entendimento pacífico do STJ:


Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 114)
Tese 2: O fato de a infração ao art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro - CTB ter sido praticada por motorista profissional não conduz à
substituição da pena acessória de suspensão do direito de dirigir por outra reprimenda, pois é justamente de tal categoria que se espera
maior cuidado e responsabilidade no trânsito.
Os motoristas profissionais - mais do que qualquer outra categoria de pessoas - revelam maior reprovabilidade ao praticarem delito
de trânsito, merecendo, pois, a reprimenda de suspensão do direito de dirigir, expressamente prevista no art. 302 do CTB, de
aplicação cumulativa com a pena privativa de liberdade. Dada a especialização, deles é de se esperar maior acuidade no trânsito.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1771437/CE, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/06/2019.

Qual é o prazo de duração desta pena?


O prazo de duração da pena de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor deve ser fixado consoante as peculiaridades
do caso concreto, tais como a gravidade do delito e o grau de censura do agente, não ficando o magistrado adstrito à análise das
circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1771437/CE, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/06/2019.

O art. 305 do CTB é constitucional e não viola o princípio da não autoincriminação


Resumo do julgado
A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é constitucional, posto não infirmar o princípio da
não incriminação, garantido o direito ao silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade.
STF. Plenário. RE 971959/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/11/2018 (repercussão geral) (Info 923).

Evasão do local do acidente para evitar responsabilidade penal ou civil


O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê o seguinte delito em seu art. 305:
Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser
atribuída:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Em que consiste o crime


O agente se envolve em um acidente de trânsito e foge do local para não ser identificado e não ter que responder a um processo
criminal ou uma ação de indenização.
“(...) o condutor, uma vez verificado o acidente, simplesmente abandona o local, não aguardando a realização das providências de
identificação dos veículos, dos condutores, e demais anotações, a cargo da autoridade de trânsito, e mesmo dos outros envolvidos.”
(RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito brasileiro. 9ª ed., São Paulo: RT, 2013, p. 627).

Bem jurídico tutelado


De forma imediata, o crime protege a administração da justiça, que fica prejudicada pela fuga do agente do local do evento, uma vez
que tal atitude impede sua identificação e a consequente apuração do ilícito, para fins de se promover a responsabilização cível ou
penal de quem, eventualmente, provocar um acidente de trânsito, dolosa ou culposamente.
De forma mediata, tutela o direito da vítima à reparação do dano.

Sujeitos do crime
Tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa.
Trata-se, portanto, de crime bicomum.

Elemento subjetivo
É o dolo.
Vale ressaltar que se exige especial fim de agir (dolo específico), considerando que o agente deve ter saído do local “para fugir à
responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”.
Não admite modalidade culposa.

Consumação
É crime material. Assim, o delito se consuma quando o agente consegue se afastar (evadir-se, fugir) do local do acidente.
Se ele tenta fugir, mas é impedido pela vítima, por populares ou pela polícia, por exemplo, haverá tentativa.

Outras informações
• a ação penal é pública incondicionada;
• trata-se de infração de menor potencial ofensiva, de forma que o rito é sumaríssimo (Lei nº 9.099/95), cabendo transação penal e
suspensão condicional do processo.
Discussão quanto à constitucionalidade deste crime
Os Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul possuíam entendimento no
sentido de que este crime do art. 305 do CTB seria inconstitucional ou, pelo menos, inconvencional. Isso porque ele violaria o
direito à não autoincriminação.
O direito à não autoincriminação é uma decorrência da ampla defesa, prevista no art. 5º, LV e LXIII.
Além disso, o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), que vige em nosso ordenamento
jurídico com caráter supralegal, estabelece em seu artigo 8º, inciso II, alínea “g”, que “toda pessoa tem direito de não ser obrigada a
depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.

Essa discussão chegou finalmente ao STF. O que decidiu o STF? O art. 305 do CTB é constitucional ou não?
O art. 305 do CTB é constitucional.
O STF, em repercussão geral, fixou a seguinte tese:
A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é constitucional, posto não infirmar o
princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da
antijuridicidade.
STF. Plenário. RE 971.959/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/11/2018 (repercussão geral) (Info 923).

Vou fazer um breve resumo dos argumentos invocados.

Flexibilização do princípio da vedação à autoincriminação


De fato, a CF/88 prevê, como uma decorrência da ampla defesa, o direito à não autoincriminação (nemo tenetur se detegere).
De igual modo, o Pacto de San José da Costa Rica também assegura esse direito aos acusados.
No entanto, para o STF, é “admissível a flexibilização do princípio da vedação à autoincriminação proporcionada pela opção do
legislador de criminalizar a conduta de fugir do local do acidente”.
O legislador, ao exigir que o agente envolvido no acidente continue no local do fato até que sejam feitos os procedimentos de
identificação das pessoas e do sinistro, “não afeta o núcleo irredutível” do direito fundamental à não autoincriminação.
O direito à não autoincriminação preconiza que jamais se pode obrigar o investigado ou réu a agir ativamente na produção de prova
contra si próprio. Ocorre que o tipo penal do art. 305 do CTB apenas obriga a permanência do agente no local para garantir a
identificação dos envolvidos no sinistro e o devido registro da ocorrência pela autoridade competente. Assim, ele não viola o núcleo
da garantia de não autoincriminação.

Obriga-se o condutor a permanecer no local, mas não a “assumir a culpa” (continua “garantido o direito ao silêncio”)
O art. 305 do CTB exige que o agente permaneça no local do acidente e se identifique perante a autoridade de trânsito. Mas o tipo
penal não obriga que o condutor assuma eventual responsabilidade cível ou penal. Se ele permanecer no local e negar que tenha
culpa, não incide o crime do art. 305 do CTB.
Vale ressaltar, inclusive, que o condutor, após sua identificação pela autoridade de trânsito, pode optar por permanecer em silêncio
quanto à dinâmica do acidente e não prestar nenhum esclarecimento sobre como ocorreu o sinistro. Em suma, depois de se identificar,
pode exercer seu direito ao silêncio, que não significará confissão nem poderá ser interpretado em prejuízo da defesa (art. 186,
parágrafo único, do CPP).

Princípio da proporcionalidade
Eventual declaração de inconstitucionalidade da conduta tipificada no art. 305 do CTB, em nome de uma leitura absoluta e irrestrita
do princípio da vedação à autoincriminação, caracterizaria afronta ao princípio constitucional da proporcionalidade em sua
dimensão que proíbe a proteção deficiente.
Desse modo, o princípio que veda a não autoincriminação pode ser relativizado pelo legislador, considerando que, segundo a teoria
geral dos direitos fundamentais, havendo conflito entre dois princípios, é necessário um juízo de ponderação. Assim ocorre, por
exemplo, com os postulados da proibição de excesso e da vedação à proteção insuficiente.

Fragilização da tutela penal


A criação de empecilhos à responsabilização penal do condutor que foge do local do acidente fragiliza a tutela penal do Estado e
deixa descoberto o bem jurídico que o referido crime deveria proteger. Além disso, indiretamente, deixa sem proteção direitos
fundamentais que um trânsito seguro busca preservar, dentre eles o direito à vida.
Negar a vontade do Parlamento
Descriminalizar o crime de fuga significaria efetivamente negar a vontade do Parlamento.
Essa conduta é criminalizada porque a Constituição promete, em nome do povo, uma sociedade justa e solidária, o que não poderia
ser garantido caso afastada a juridicidade de uma conduta de quem abandona o local do acidente para fugir à responsabilidade penal
e civil.

Convenção de Trânsito de Viena


Importante mencionar que existe uma norma de direito internacional que abona (avaliza) essa opção feita pelo legislador no art. 305
do CTB. Trata-se da Convenção de Trânsito de Viena, promulgada pelo Decreto 86.714/1981.
Esta Convenção prevê que o condutor e demais envolvidos em caso de acidente devem comunicar a sua identidade, caso isso seja
exigido (artigo 31).

Precedente do STF na análise do art. 307 do CP


Vale ressaltar que o STF já tem um precedente análogo. Isso porque o STF reconheceu que o art. 307 do CP é constitucional e não
viola o princípio que veda a autoincriminação.
Relembre o que diz o art. 307 do CP:
Falsa identidade
Art. 307. Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano
a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.
O STF entende que há crime quando o agente, para não se incriminar, atribui a si uma identidade que não é sua. Essa questão já foi,
inclusive, analisada pelo Pleno do STF em regime de repercussão geral:
O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante
autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do
CP).
STF. Plenário. RE 640139 RG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2011.
No mesmo sentido:
Súmula 522-STJ: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada
autodefesa.
A persecução penal admite a relativização dos direitos na hipótese de justificável tensão entre o dever do poder público de promover
uma repressão eficaz às condutas puníveis e as esferas de liberdade ou intimidade daquele que se encontre na posição de suspeito ou
acusado.
Nesse âmbito, o direito à não autoincriminação se insere no mesmo conjunto de direitos subjetivos e garantias do cidadão brasileiro,
de que são exemplos os direitos à intimidade, à privacidade e à honra. Essa relativização é admissível, embora mediante a
observância dos parâmetros constitucionais pertinentes à harmonização de princípios eventualmente colidentes.
Diante desse quadro, trata-se de garantia que não pode ser interpretada como o direito do suspeito, acusado ou réu a não participar
da produção de medidas probatórias. A referida flexibilização possibilita que se efetivem, em maior medida, outros princípios
fundamentais com os quais aquele colide no plano concreto, sem que isso acarrete qualquer violação à dignidade da pessoa humana.

Mesmo no caso de condutas ativas do acusado/investigado têm sido admitidas flexibilizações


O direito do investigado de não realizar condutas ativas que importem na introdução de informações ao processo também comporta
níveis de flexibilização, muito embora a regra geral seja a da sua vedação.
A jurisprudência do STF, historicamente, adotava uma postura restrita quanto à admissibilidade das intervenções corporais.
Contudo, na linha do que se visualiza no cenário internacional, o STF, gradativamente, iniciou uma caminhada em sentido oposto.
Um precedente exemplificativo desse processo é a Rcl 2.040/DF, na qual se decidiu que a autoridade jurisdicional poderia autorizar
a realização de exame de DNA em material colhido de gestante mesmo sem sua autorização, tendo em vista o objetivo de investigar
possível crime de estupro.
O direito comparado à luz da legislação e da jurisprudência dos principais países da Europa Continental admite a intervenção
corporal coercitiva, desde que autorizada judicialmente, restrita à cooperação passiva do sujeito investigado ou acusado e sem
ofensa à dignidade humana.
Se o agente fugiu com medo de eventuais agressões ou para cuidar de um ferimento sofrido, não haverá crime (“hipóteses de
exclusão da tipicidade e da antijuridicidade”)
Vale ressaltar, por fim, que o abandono do local do acidente pode ser legitimado em caso de eventual risco de agressões que o
condutor possa vir a sofrer por parte dos populares presentes ou ainda caso ele esteja ferido e precise se deslocar imediatamente em
busca de atendimento médico.
Para o Min. Lewandowski, nos casos concretos em que houver perigo de vida do causador do evento caso permaneça no local do
acidente, o juiz poderá aferir a exclusão da antijuridicidade da conduta, tal como a legítima defesa ou o estado de necessidade.
Já para o Min. Alexandre de Moraes, essas situações realmente não configuram crime, mas por outra razão: atipicidade. Segundo o
Ministro, esses casos representam condutas atípicas, uma etapa anterior à excludente de ilicitude, porque o tipo penal exige que o
condutor do veículo se afaste do local do crime “para fugir à responsabilidade penal ou civil”. Havendo necessidade de o agente
evadir-se pelas circunstâncias apresentadas, não ocorre dolo específico do tipo.
Votos vencidos
Ficaram vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli, que entendiam que o tipo penal do
art. 305 do CTB viola o princípio da não autoincriminação.

Crime de lesão corporal leve na direção de veículo não permite absorção do delito de embriaguez ao volante
Resumo do julgado
Não é possível reconhecer a consunção do delito previsto no art. 306, do CTB (embriaguez ao volante) pelo crime do art. 303 (lesão
corporal culposa na direção de veículo automotor). Isso porque um não é meio para a execução do outro, sendo infrações penais
autônomas que tutelam bens jurídicos distintos.
Caso concreto: motorista conduzia seu veículo em estado de embriaguez quando atropelou um pedestre, causando-lhe lesões
corporais leves. Após a colisão, policiais militares submeteram o condutor ao teste de bafômetro, que atestou a ingestão de álcool.
STJ. 5ª Turma. REsp 1629107/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/03/2018.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 442.850/MS, Rel. Laurita Vaz, julgado em 25/09/2018.

Se resultar em lesão corporal grave ou gravíssima, aplica-se o § 2º do art. 303 do CTB:


Art. 303 (...)
§ 2º A pena privativa de liberdade é de reclusão de dois a cinco anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo, se o
agente conduz o veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa
que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima. (Incluído pela Lei nº
13.546/2017).

A depender do caso concreto, é possível o reconhecimento de concurso material de crimes entre os arts. 241-A e 241-B do
ECA
A tese de consunção do crime previsto no art. 241-A por aquele descrito no art. 241-B não se sustenta, na hipótese, por se tratar de
delito de tipo misto alternativo, o qual abarca todas as condutas que tenham por objeto fotografias ou vídeos contendo menores em
cenas de sexo explícito ou pornográficas.
Quando o agente adquire ou baixa arquivos de imagens pornográficas (fotos e vídeos) envolvendo crianças e adolescentes e os
armazena no próprio HD - como no caso dos autos -, é perfeitamente possível o concurso material das condutas de “possuir” e
“armazenar” (art. 241-B do ECA) com as condutas de “publicar” ou “disponibilizar” e “transmitir” (art. 241 -A), o que autoriza a
aplicação da regra do art. 69 do Código Penal.
Como o tipo incriminador capitulado no art. 241-A não constitui fase normal ou meio de execução para o delito do art. 241-B, o
agente possuía a livre determinação de somente baixar, arquivar e/ou armazenar o material pornográfico infantil, para satisfazer sua
lascívia pessoal, mas poderia se abster de divulgá-lo, sobretudo a adolescentes - o que não ocorreu na espécie. STJ. 5ª Turma. AgRg
no AgRg no Resp 1330974/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Dje 19/02/2019.

O delito do art. 240 do ECA é classificado como crime formal, comum, de subjetividade passiva própria, consistente em tipo
misto alternativo
Resumo do julgado
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica,
envolvendo criança ou adolescente: (...)
• Crime formal (consumação antecipada): o delito se consuma independentemente da ocorrência de um resultado naturalístico.
Assim, a ocorrência de efetivo abalo psíquico e moral sofrido pela criança ou adolescente é mero exaurimento do crime, sendo
irrelevante para a sua consumação. De igual forma, se forem filmadas mais de uma criança ou adolescente, no mesmo contexto
fático, haverá crime único.
• Crime comum: o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.
• Crime de subjetividade passiva própria: exige-se uma condição especial da vítima (no caso, exige-se que a vítima seja criança ou
adolescente).
• Tipo misto alternativo: o legislador descreveu duas ou mais condutas (verbos). No entanto, se o sujeito praticar mais de um verbo,
no mesmo contexto fático e contra o mesmo objeto material, responderá por um único crime, não havendo concurso de crimes nesse
caso. Logo, se o agente fotografou e filmou o ato sexual, no mesmo contexto fático, haverá crime único.
STJ. 5ª Turma. PExt no HC 438080-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/08/2019 (Info 655).
Imagine a seguinte situação hipotética:
Ao final de uma festa, “J” (18 anos) manteve relação sexual, ao mesmo tempo, com “D” (17 anos) e “K” (16 anos).
Sem que os três percebessem, “R” (18 anos) tirou fotos e filmou o ato sexual com um celular.
A gravação foi descoberta e instaurou-se um inquérito policial para apurar os fatos.

“R” cometeu algum crime?


SIM. Ele praticou o delito do art. 240 do ECA, assim tipificado:
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica,
envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

O agente praticou dois verbos do tipo penal (fotografar e filmar). Em razão disso, pode-se dizer que ele praticou duas vezes o
crime?
NÃO. O delito do art. 240 do ECA é classificado como tipo misto alternativo.
Antes de prosseguirmos, vamos relembrar o que é tipo misto. O tipo penal pode ser dividido em:
• tipo simples: ocorre quando o legislador descreve apenas um verbo para tipificar a conduta. Ex: art. 121 do CP (matar alguém);
• tipo misto: é aquele no qual o legislador descreve dois ou mais verbos, ou seja, mais de uma forma de se realizar o fato delituoso. Ex.: art.
34 da Lei de Drogas (o agente pratica o crime se fabricar, adquirir, utilizar etc.):
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer,
ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou
transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

O tipo misto pode ser alternativo ou cumulativo.


• tipo misto alternativo: o legislador descreveu duas ou mais condutas (verbos). No entanto, se o sujeito praticar mais de um verbo,
no mesmo contexto fático e contra o mesmo objeto material, responderá por um único crime, não havendo concurso de crimes nesse
caso. Ex.: João adquire, na boca-de-fumo, uma máquina para fazer drogas, transporta-a para sua casa e lá a utiliza. Responderá uma
única vez pelo art. 34 e não por três crimes em concurso.
• tipo misto cumulativo: o legislador descreveu duas ou mais condutas (verbos). Se o sujeito incorrer em mais de um verbo, irá
responder por tantos crimes quantos forem os núcleos praticados. Ex.: art. 242 do CP:
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou
alterando direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Desse modo, voltando ao exemplo, o fato de “R” ter fotografado e filmado as cenas de sexo indica que ele praticou dois verbos, com
dupla conduta. Apesar disso, haverá subordinação típica única, tendo em vista que os dois verbos foram praticados no mesmo
contexto fático. Logo, neste caso, a execução de mais de um verbo típico representa um único crime, dada a natureza de crime de
ação múltipla ou conduta variada do art. 240 do ECA.

Houve duas vítimas (duas adolescentes foram filmadas e fotografas). Neste caso, podemos falar em dois crimes praticados em
concurso formal?
NÃO. Apesar de terem sido duas adolescentes filmadas e fotografadas, não se pode falar que houve dois resultados típicos. Isso
porque o crime do art. 240 do ECA é formal ou de consumação antecipada, consumando-se unicamente pela prática da conduta de
filmar ou fotografar cenas de sexo explícito, da qual participe criança ou adolescente.
Desse modo, a quantidade de vítimas menores filmadas ou fotografadas é elemento meramente circunstancial. Logo, não serve para
aumentar o número de crimes cometidos. Serve, contudo, para aumentar a pena-base como circunstância judicial desfavorável.
Isso significa que, mesmo tendo sido filmadas duas adolescentes, como isso ocorreu no mesmo contexto fático, pode-se dizer que
houve crime único.

O réu alegou que as duas adolescentes não sofreram nem tiveram qualquer abalo em decorrência da gravação, de sorte que não
teria havido crime. Essa tese pode ser acolhida?
Como já dito acima, o crime do art. 240 do ECA é formal ou de consumação antecipada, consumando-se unicamente pela prática da
conduta de filmar ou fotografar cenas de sexo explícito, da qual participe criança ou adolescente.
Assim, a ocorrência de efetivo abalo psíquico e moral sofrido pela criança ou adolescente é mero exaurimento do crime, sendo
irrelevante para a sua consumação.

Outras classificações
Podemos também dizer que o art. 240 do CP é crime:
• COMUM: aquele no qual o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (não exige qualquer qualidade especial do sujeito ativo);
• DE SUBJETIVIDADE PASSIVA PRÓPRIA: aquele no qual se exige uma condição especial da vítima (no caso do art. 240 do
ECA exige-se que a vítima seja criança ou adolescente).
O delito do art. 240 do ECA é classificado como crime formal, comum, de subjetividade passiva própria, consistente em tipo
misto alternativo.
STJ. 5ª Turma. PExt no HC 438.080-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/08/2019 (Info 655).

A Lei nº 7.716/89 pode ser aplicada para punir as condutas homofóbicas e transfóbicas

Resumo do julgado
1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos
incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que
envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo,
compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos
primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08.01.1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso,
circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”);
2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer
que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos
muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar,
livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o
que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica,
podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou
privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas
aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual
ou de sua identidade de gênero;
3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou
fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de
justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da
dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que
detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de
marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta
e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.
STF. Plenário. ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em em 13/6/2019 (Info 944).
Lei nº 7.716/89
A Lei nº 7.716/89 prevê os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
O art. 20 da Lei nº 7.716/89, por exemplo, trata sobre o crime de racismo:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Além dele, existem outros delitos tipificados pela Lei nº 7.716/89, como, por exemplo, os arts. 5º e 13:
Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Pena: reclusão de um a três anos.
Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.
Pena: reclusão de dois a quatro anos.
O grande ponto, contudo, da Lei nº 7.716/89 é que ela prevê que a punição para essas condutas ocorre se o preconceito manifestado
for em razão da raça ou da cor da vítima. O art. 20 fala também em preconceito relacionado com a etnia, religião e procedência
nacional.

Preconceito
É o pensamento que existe em determinados indivíduos no sentido de que certas pessoas ou grupos sociais são inferiores, nocivos,
prejudiciais.
“O preconceito é subjetivo, interior, está no intelecto da pessoa, configura um pré-julgamento negativo com relação a outro
indivíduo ou grupo.” (LAURIA, Mariano Paganini. Leis Penais Especiais comentadas artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2018,
p. 534).

Discriminação
É a exteriorização do preconceito por meio da prática de atos materiais.

Raça
O conceito de “raça” é amplo e não está limitado a uma definição biológica.
Em outras palavras, o conceito de raça não exige que as pessoas possuam as mesmas características genéticas, tais como cor do
cabelo, dos olhos e da pele (LAURIA, Mariano Paganini. ob. cit., p. 534).
“A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social.” (Min. Maurílio Correia no
HC 82424, julgado pelo STF em 17/09/2003).
Assim, por exemplo, os judeus são uma raça, mesmo que os indivíduos que componham essa coletividade possuam características
genéticas distintas entre si.

Cor
É a cor que a pessoa possui. É tonalidade, a pigmentação da pele.

Etnia
São os grupos humanos que apresentam aspectos comuns, tais como língua, religião e maneiras de agir. Trata-se do “conceito mais
adotado e recomendado pela sociologia hodiernamente para designar o que antes era entendido por ‘raça’”. (LAURIA, Mariano
Paganini. ob. cit., p. 507).
Exemplos: índios, árabes, judeus, quilombolas.

Religião
“Religião pode ser conceituada como conjunto de crenças relacionadas ao divino e sagrado, permeada por uma série de rituais e
códigos morais derivados de tais convicções. Não se inclui o ateísmo (ausência de crença religiosa), prevalecendo o entendimento
de que este é justamente a negação da crença na existência de uma divindade superior, motivo pelo qual não poderia ser equiparado
à religião, constituindo-se em espécie de doutrina filosófica. A discriminação por ateísmo seria, assim, fato atípico.” (LAURIA,
Mariano Paganini. ob. cit., p. 508).

Procedência nacional
É o lugar de onde a pessoa veio, ou seja, o lugar onde ela nasceu ou morava.
Interessante ressaltar que, segundo a doutrina, este conceito abrange tanto os estrangeiros (ex: venezuelanos, haitianos) como
também os nacionais que se deslocam dentro do país (exs: nortistas, nordestinos, sulistas etc.).
A Lei nº 7.716/89 previu, expressamente, que os crimes nela tipificados podem ser aplicados em caso de manifestações de
preconceito relacionadas com orientação sexual? A Lei nº 7.716/89 prevê, expressamente, punição para condutas homofóbicas e
transfóbicas?
NÃO. A Lei nº 7.716/89 não traz, expressamente, previsão para punição de condutas homofóbicas e transfóbicas.
A doutrina e a jurisprudência, por sua vez, afirmavam que o rol de elementos de preconceito e discriminação do art. 20 era taxativo.
Nesse sentido: STF. 1ª Turma. Inq 3590/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/8/2014.

Projetos de lei
Tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei buscando incluir, expressamente, na Lei nº 7.716/89, como crime, as
condutas homofóbicas e tansfóbicas. Contudo, sempre se observou uma resistência muito grande de certos setores da sociedade com
a punição de tais condutas e, em razão disso, esses projetos nunca foram aprovados.

Mandado de injunção
Diante do cenário acima descrito, em 2012, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) impetrou mandado
de injunção no STF no qual pediu o reconhecimento de que a homofobia e a transfobia se enquadrassem no conceito de racismo ou,
subsidiariamente, que fossem entendidas como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais.
Com fundamento nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição Federal, a ABGLT sustentou que a demora do Congresso
Nacional é inconstitucional, tendo em vista o dever de editar legislação criminal sobre a matéria.
O Min. Edson Fachin foi sorteado relator deste mandado de injunção.

ADO
Cerca de um ano depois, em 2013, o Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade por omissão
(ADO), na qual pediu que o STF declarasse a omissão do Congresso Nacional por não ter votado projeto de lei que criminaliza atos
de homofobia.
A ação foi proposta a fim de que seja imposto ao Poder Legislativo o dever de elaborar legislação criminal que puna a homofobia e
a transfobia como espécies do gênero “racismo”.
A criminalização específica, conforme o partido, decorre da ordem constitucional de legislar relativa ao racismo - crime previsto no
art. 5º, XLII, da Constituição Federal - ou, subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (art.
5º, XLI) ou, ainda, também subsidiariamente, ao princípio da proporcionalidade na acepção de proibição de proteção deficiente (art.
5º, LIV).
De acordo com o partido, o Congresso Nacional tem se recusado a votar o projeto de lei que visa efetivar tal criminalização.
O Min. Celso de Mello foi designado como relator da ADO.

Síntese dos argumentos


As duas ações desenvolveram a seguinte linha de raciocínio:
• a CF/88 possui mandados de criminalização, ou seja, “ordens” dadas pelo legislador constituinte ao legislador infraconstitucional
(Congresso Nacional) no sentido de que ele deveria editar lei punindo criminalmente condutas que configurem discriminação e
racismo. Esses mandados de criminalização estão em dois dispositivos constitucionais:
Art. 5º (...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

• o Congresso Nacional já puniu diversas condutas discriminatórias na Lei nº 7.716/89, mas continua sendo omisso no que tange à
homofobia e transfobia. Logo, essa omissão precisa ser corrigida;
• a Lei nº 7.716/89 pune condutas racistas. Enquanto não se edita uma lei específica para se punir as condutas homofóbicas e
transfóbicas, deve-se aplicar os crimes previstos na Lei nº 7.716/89 para tais condutas. Isso porque o conceito de racismo é amplo,
não ficando limitado a uma definição biológica.

Depois de muitas sessões de discussão, o que decidiu o STF? O STF concordou com as ações propostas?
SIM.
Quanto ao MI:
O STF, por maioria, julgou procedente o mandado de injunção para:
a) reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e;
b) aplicar, com efeitos prospectivos, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito, a Lei nº 7.716/89 a fim de estender a
tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional à
discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.

Quanto à ADO:
O STF, também por maioria, julgou a ADO procedente, com eficácia geral e efeito vinculante, para:
a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a
cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para efeito de proteção penal
aos integrantes do grupo LGBT;
b) declarar, em consequência, a existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da União;
c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o art. 103, § 2º, da Constituição c/c o art. 12-H, caput, da
Lei nº 9.868/99:
Art. 103 (...)
§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder
competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Da Decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão


Art. 12-H. Declarada a inconstitucionalidade por omissão, com observância do disposto no art. 22, será dada ciência ao Poder
competente para a adoção das providências necessárias.

d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados constitucionais de incriminação inscritos nos incisos XLI e
XLII do art. 5º da Carta Política, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos
diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional, por
dois motivos:
d.1) porque as práticas homotransfóbicas qualificam-se como espécies do gênero racismo, na dimensão de racismo social
consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento plenário do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), na medida em que tais
condutas importam em atos de segregação que inferiorizam membros integrantes do grupo LGBT, em razão de sua orientação
sexual ou de sua identidade de gênero;
d.2) porque tais comportamentos de homotransfobia ajustam-se ao conceito de atos de discriminação e de ofensa a direitos e
liberdades fundamentais daqueles que compõem o grupo vulnerável em questão;

e) declarar que os efeitos da interpretação conforme a que se refere a alínea “d” somente se aplicarão a partir da data em que se
concluir o presente julgamento.

O tema é extremamente amplo e irei fazer um breve resumo dos principais argumentos apresentados pelos Ministros

Min. Celso de Mello


Ausência de proteção estatal a condutas homofóbicas e transfóbicas
O gênero e a orientação sexual constituem elementos essenciais e estruturantes da própria identidade da pessoa humana e integram
uma das mais íntimas e profundas dimensões de sua personalidade.
No entanto, devido à ausência de adequada proteção estatal, especialmente em razão da controvérsia gerada pela denominada
“ideologia de gênero”, os integrantes da comunidade LGBT acham-se expostos a ações de caráter segregacionista, com caráter
homofóbico, que têm por objetivo limitar ou suprimir prerrogativas essenciais de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e
intersexuais, entre outros.
Tais práticas culminam no tratamento dessas pessoas como indivíduos destituídos de respeito e consideração, degradados ao nível
de quem não tem nem sequer direito a ter direitos, por lhes ser negado, mediante discursos autoritários e excludentes, o
reconhecimento da legitimidade de sua própria existência.
Essa visão de mundo, fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas entre o homem e a mulher devem
determinar os seus papéis sociais, impõe uma inaceitável restrição às suas liberdades fundamentais, com a submissão dessas pessoas
a um padrão existencial heteronormativo, incompatível com a diversidade e o pluralismo que caracterizam uma sociedade
democrática, e, ainda, a imposição da observância de valores que, além de conflitarem com sua própria vocação afetiva, conduzem à
frustração de seus projetos pessoais de vida.

Existe um dever imposto pela CF/88 ao Congresso Nacional para que se crie normas de punição das condutas discriminatórias
A Constituição Federal possui dois mandados de incriminação para condutas discriminatórias: art. 5º, incisos XLI e XLII.
Assim, é possível concluir que a omissão do Congresso Nacional em produzir normas legais de proteção penal à comunidade LGBT
traduz situação configuradora de ilicitude, em afronta ao texto da CF/88.

Há descumprimento, por inércia estatal, de norma impositiva de comportamento atribuído ao Parlamento


Na tipologia das situações inconstitucionais, estamos diante do descumprimento, por inércia estatal, de uma norma impositiva de
determinado comportamento atribuído ao poder público pela própria Constituição.
Trata-se, portanto, de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa.
Há uma imposição constitucional de legislar e um estado de mora do legislador, mora essa que já superou, de forma excessiva,
qualquer prazo razoável, considerando que a Constituição Federal foi editada em 1988.
Esse cenário faz com que se chegue à conclusão de que estão presentes os requisitos para a declaração de inconstitucionalidade por
omissão.

ADO como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas


A ação direta de inconstitucionalidade por omissão deve ser vista como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais
frustradas pela inaceitável omissão do poder público.
Isso porque as imposições feitas pela Constituição não podem ficar na inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado
à vontade ordinária do legislador comum.

Possibilidade diante do reconhecimento da omissão


Pois bem. Ficou reconhecido que há uma mora imputável ao Congresso Nacional. O Min. Celso de Mello afirmou que haveria duas
possibilidades de o STF agir diante disso:
a) apenas cientificar o Congresso Nacional para que ele adote, em prazo razoável, as medidas necessárias à efetivação da norma
constitucional (art. 103, § 2º, c/c art. 12-H da Lei nº 9.868/99); ou
b) reconhecer, imediatamente, que a homofobia e a transfobia enquadram-se, mediante interpretação conforme à Constituição, na
noção conceitual de racismo prevista na Lei nº 7.716/89.

Mero apelo ao legislador não tem sido eficaz


Para o Min. Celso de Mello, o mero apelo ao legislador não tem se mostrado uma solução eficaz, em razão da indiferença do Poder
Legislativo que, em determinadas decisões anteriormente emanadas do STF, tem persistido em permanecer em estado de
inadimplemento da prestação legislativa que lhe incumbe promover.
Diante disso, o STF, ao longo dos últimos trinta anos, evoluiu no plano jurisprudencial em busca da construção de soluções que
pudessem fazer cessar esse estado de inconstitucional omissão normativa. Isso se deu, por exemplo, no caso do direito de greve por
servidores públicos, no qual o STF determinou que, diante da ausência da lei prevista no art. 37, VII, da CF/88, os servidores
públicos podem fazer greve, devendo ser aplicadas as leis que regulamentam a greve para os trabalhadores da iniciativa privada (Lei
nº 7.701/88 e Lei nº 7.783/89): STF. Plenário. MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/10/2007.

Esse exercício de interpretação não significa legislar (não se está usurpando a competência do CN)
Para o Ministro, essa postura adotada no caso da greve – que não se limita a cientificar o Congresso da mora, fornecendo, desde
logo, uma solução jurídica para o caso – é um procedimento hermenêutico realizado pelo Poder Judiciário para extrair a necessária
interpretação dos diversos diplomas legais.
Segundo o Ministro, isso não se confunde com o processo de elaboração legislativa, ou seja, não se pode dizer que o STF esteja
legislando.
O processo de interpretação dos textos legais e da Constituição não importa em usurpação das atribuições normativas dos demais
poderes da República.

Conceito de “raça”
O conceito de “raça” que compõe a estrutura normativa dos tipos penais incriminadores previstos na Lei nº 7.716/89 tem merecido
múltiplas interpretações, revestindo-se, por isso, de inegável conteúdo polissêmico (algo que tem muitos significados).
Um exemplo disso foi o célebre julgamento do “caso Ellwanger” (HC 82424), em setembro de 2003, quando o STF manteve a
condenação imposta ao escritor gaúcho Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra os judeus. Naquela ocasião, o STF afastou
a alegação da defesa de que os “judeus” não seriam uma “raça”. Pode-se dizer, portanto, que o STF adotou uma espécie de conceito
“social” de raça.
(...) 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem
distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características
físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são
todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-
social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (...)
STF. Plenário. HC 82424, Relator p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, julgado em 17/09/2003.

Racismo é um conceito aberto que abrange preconceitos contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou identidade de
gênero
Assim, a noção de racismo – para efeito de configuração típica dos delitos previstos na Lei nº 7.716/89 – não se resume a um
conceito de ordem estritamente antropológica ou biológica. Projeta-se, ao contrário, numa dimensão abertamente cultural e
sociológica, a abranger até mesmo situações de agressão injusta resultantes de discriminação ou de preconceito contra pessoas por
sua orientação sexual ou sua identidade de gênero.

Atos homofóbicos e transfóbicos são formas contemporâneas de racismo


A configuração de atos homofóbicos e transfóbicos como formas contemporâneas do racismo objetiva preservar a incolumidade dos
direitos da personalidade, como a essencial dignidade da pessoa humana.
Busca inibir, desse modo, comportamentos abusivos que possam, impulsionados por motivações subalternas, disseminar
criminosamente o ódio público contra outras pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.

Interpretação conforme
Vale ressaltar que a aplicação da Lei nº 7.716/89 para condutas homofóbicas e transfóbicas resulta da aplicação do método da
interpretação conforme.
Assim, fazendo-se uma intepretação conforme do conceito de “raça”, previsto na Lei nº 7.716/89, chega-se à conclusão de que ele
pode abranger também orientação sexual e identidade de gênero.
Nas exatas palavras do Min. Celso de Mello:
“A constatação da existência de múltiplas expressões semiológicas propiciadas pelo conteúdo normativo da ideia de “raça” permite
reconhecer como plenamente adequado o emprego, na presente hipótese, da técnica de decisão e de controle de constitucionalidade
fundada no método da interpretação conforme à Constituição.”

Não se trata de analogia


Atenção. Para o Min. Celso de Mello, a construção que foi feita, ou seja, a aplicação da Lei nº 7.716/89 às condutas homofóbicas e
transfóbicas, não é aplicação analógica. Para ele, houve apenas interpretação conforme a Constituição. Confira:
“A solução propugnada não sugere a aplicação analógica das normas penais previstas na Lei 7.716/1989 nem implica a
formulação de tipos criminais ou cominação de sanções penais.
É certo que, considerado o princípio constitucional da reserva absoluta de lei formal, o tema pertinente à definição de tipo
penal e à cominação de sanção penal subsume-se ao âmbito das normas de direito material, de natureza eminentemente
penal, regendo-se, em consequência, pelo postulado da reserva de parlamento.
Assim, inviável, em controle abstrato de constitucionalidade, colmatar, mediante decisão desta Corte Suprema, a omissão
denunciada pelo autor da ação direta, procedendo-se à tipificação penal de condutas atentatórias aos direitos e liberdades
fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT.
Na verdade, a solução ora proposta limita-se à mera subsunção de condutas homotransfóbicas aos diversos preceitos
primários de incriminação definidos em legislação penal já existente (Lei 7.716/1989), pois os atos de homofobia e de
transfobia constituem concretas manifestações de racismo, compreendido em sua dimensão social, ou seja, o denominado
racismo social.”

Não há ofensa à liberdade religiosa


É necessário destacar que a decisão, no presente caso, não implica a ocorrência de qualquer ofensa ou dano potencial à liberdade
religiosa, qualquer que seja a dimensão em que aquela se projete.
A liberdade religiosa faz parte do regime democrático e não pode nem deve ser impedida pelo poder público nem submetida a
ilícitas interferências do Estado.
A adoção pelo Estado de meios destinados a impedir condutas homofóbicas e transfóbicas em hipótese alguma poderá restringir ou
suprimir a liberdade de consciência e de crença, nem autorizar qualquer medida que interfira nas celebrações litúrgicas ou que
importe em cerceamento à liberdade de palavra, seja como instrumento de pregação da mensagem religiosa, seja, ainda, como forma
de exercer o proselitismo em matéria confessional em espaços públicos ou privados.
Há que se preservar, portanto, a possibilidade de os líderes e membros das religiões exporem suas narrativas, conselhos, lições ou
orientações constantes de seus livros sagrados, seja qual for a religião (como a Bíblia, a Torah, o Alcorão, a Codificação Espírita, os
Vedas hindus e o Dhammapada budista).
Essas práticas não configuram delitos contra a honra, porque veiculados com o intuito de divulgar o pensamento resultante do
magistério teológico e da filosofia espiritual que são próprios de cada uma dessas denominações confessionais. Tal circunstância
descaracteriza, por si só, o intuito doloso dos delitos contra a honra, a tornar legítimos o discurso e a pregação como expressões dos
postulados de fé dessas religiões.

Em caso de insultos, ofensas ou estimulo à violência, poderá haver crime


Por outro lado, o direito de dissentir deixa de ser legítimo quando a sua exteriorização ofender valores e bens jurídicos igualmente
protegidos pela ordem constitucional, como sucede com o direito de terceiros à incolumidade de seu patrimônio moral.
Assim, pronunciamentos de índole religiosa que extravasem (extrapolem) os limites da livre manifestação de ideias, constituindo-se
em insultos, ofensas ou em estímulo à intolerância e ao ódio público contra os integrantes da comunidade LGBT, não merecem
proteção constitucional e não podem ser considerados liberdade de expressão. Em tais situações, haverá crime.

Função contramajoritária do STF


Para o Min. Celso de Mello, este julgamento reflete a função contramajoritária que o STF possui de, no Estado Democrático de
Direito, conferir efetiva proteção às minorias.
É uma função exercida no plano da jurisdição das liberdades.
Nesse sentido, o STF desempenha o papel de órgão investido do poder e da responsabilidade institucional de proteger as minorias
contra eventuais excessos da maioria ou contra omissões que se tornem lesivas, diante da inércia do Estado, aos direitos daqueles
que sofrem os efeitos perversos do preconceito, da discriminação e da exclusão jurídica.
Assim, para que o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica meramente conceitual ou simplesmente
formal, torna-se necessário assegurar às minorias a plenitude de meios que lhes permitam exercer, de modo efetivo, os direitos
fundamentais assegurados a todos. Ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados
pela Constituição da República.

Min. Edson Fachin


A CF/88 impõe um dever estatal de legislar (mandado de criminalização contra a discriminação homofóbica e transfóbica) em seu
art. 5º, XLI, da CF/88.
O trâmite de projetos de lei sobre a matéria no Congresso Nacional não obsta o conhecimento do mandado de injunção, haja vista
jurisprudência do STF no sentido de que esse fato não serve para afastar o reconhecimento da omissão inconstitucional.
Há um quadro de violações sistemáticas aos direitos da população LGBTI, constatado também pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos e pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
No mérito, o Ministro consignou que o direito constante do art. 5º, XLI, efetivamente contém mandado de criminalização contra a
discriminação homofóbica e transfóbica.
Ante a mora do Congresso Nacional, essa ordem comporta, até que seja suprida, a colmatação pelo STF por meio de interpretação
conforme da legislação de combate à discriminação.
A seu ver, conforme o inciso XLI, qualquer espécie de discriminação é atentatória ao Estado Democrático de Direito, inclusive a
que se fundamenta na orientação sexual das pessoas ou na sua identidade de gênero.
Vale ressaltar que na ADI 4275 o STF consignou que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de
gênero e a orientação sexual. Ademais, no âmbito internacional, o posicionamento é na mesma direção.
O princípio da proporcionalidade, na modalidade de proibição de proteção insuficiente, é o fundamento pelo qual o STF tem
reconhecido que o Direito Penal pode ser um instrumento adequado para a proteção dos bens jurídicos expressamente indicados pelo
texto constitucional. Os tratados internacionais de que a República brasileira é parte também contêm mecanismos de proteção
proporcional. À luz desses tratados, dessume-se da leitura da CF/1988 um mandado constitucional de criminalização no tocante a
toda e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, incluída a de orientação sexual e de identidade de
gênero.
O mandado de injunção é a garantia para a efetividade do direito protegido pelo mandado de criminalização e que o STF
compreendeu ser cabível ao Poder Judiciário atuar nas hipóteses de inatividade ou omissão do Legislativo.
No caso, além da falta de norma que proteja o público LGBT, verifica-se também uma situação de ofensa ao princípio da igualdade.
Isso porque condutas igualmente reprováveis recebem tratamento jurídico distinto. Ex: impedir ou obstar acesso a órgão da
Administração Pública, ou negar emprego em empresa privada, por preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional
são condutas típicas, nos termos da Lei nº 7.716/89. Se as mesmas condutas fossem praticadas com preconceito a homossexual ou
transgênero, não haveria crime.
Dessa maneira, a omissão legislativa em tipificar a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero ofende um sentido
mínimo de justiça ao sinalizar a tolerância à violência dirigida a pessoa, como se não fosse digna de viver em igualdade.
Toda pessoa deve ser protegida contra qualquer ato que atinja sua dignidade. É preciso dar sentido e concretude ao princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana, que se torna passível de aplicação direta à situação em análise, por ter sido seu
conteúdo nitidamente violado.
É certo que não pode o STF substituir o legislador, mas aqui há comando constitucional para regulamentar situações concretas. Lei
específica sobre o tema deveria ter sido editada, porque o legislador constituinte originário, desde 1988, vinculou o legislador
derivado. A falta de norma inviabiliza o exercício de direitos, e o texto constitucional não exclui o mandado de injunção de qualquer
seara específica de incidência.
O Min. Fachin também sustentou que o STF não está fazendo analogia in malam partem ao aplicar a Lei nº 7.716/89 para
manifestações homofóbicas ou transfóbicas. A CF contém expresso comando de punição penal para a discriminação homofóbica e a
extensão prospectiva da lei de discriminação racial, até a edição específica de norma pelo Poder Legislativo, não viola o princípio da
anterioridade da lei penal.

Min. Alexandre de Moraes


O Min. Alexandre de Moraes também acompanhou os relatores pela procedência das ações.
Em seu voto, reconheceu a inconstitucionalidade por omissão do Congresso Nacional em editar norma protetiva à comunidade
LGBTI. Segundo ele, a atuação do Congresso Nacional em relação a grupos tradicionalmente vulneráveis foi sempre no sentido de
que a ampla proteção depende de lei penal. O Congresso atuou dessa forma em relação às crianças e aos adolescentes, aos idosos, às
pessoas com deficiência, às mulheres e até aos consumidores, No entanto, passados 30 anos da Constituição Federal, só a
discriminação homofóbica e transfóbica permanece sem nenhum tipo de aprovação. O único caso em que o próprio Congresso não
seguiu o seu padrão.
A compreensão de que as práticas homofóbicas configuram racismo social, segundo o Ministro, não ofendem a liberdade religiosa,
que é consagrada constitucionalmente.

Min. Roberto Barroso


O Min. Luís Roberto Barroso também reconheceu a omissão legislativa. Ele observou que é papel do STF, no entanto, estabelecer
diálogo respeitoso com o Congresso e também com a sociedade. “Se o Congresso atuou, a sua vontade deve prevalecer. Se não
atuou e havia um mandamento constitucional nesse sentido, que o Supremo atue para fazer valer o que está previsto na
Constituição”.
A regra geral, afirmou, é a de autocontenção, deixando o maior espaço possível para a atuação do Legislativo. “Porém, quando estão
em jogo direitos fundamentais ou a preservação das regras do jogo democrático, se justifica uma postura mais proativa do STF”.
Esse é o caso dos autos.
Barroso explicou que a punição para atos de homofobia e transfobia deve ser de natureza criminal por três razões: a relevância do
bem jurídico tutelado e a sistematicidade de violação a este direito, o fato de que outras discriminações são punidas pelo direito
penal e a circunstância de que a punição administrativa não é suficiente, uma vez que não coíbe de maneira relevante as violências
homofóbicas. “Deixar de criminalizar a homofobia seria tipicamente uma hipótese de proteção deficiente”.
Afirmou que a solução dada (aplicar a Lei do Racismo) não configura analogia nem interpretação extensiva. Isso porque no conceito
de racismo firmado pelo STF estão colhidas as situações tipificadas na lei.
Por fim, o Ministro também acolheu o pedido para interpretar o Código Penal conforme a Constituição para fixar que, se a
motivação de homicídio for a homofobia, estará caracterizado o motivo fútil ou torpe, constituindo circunstância agravante ou
qualificadora.

Min. Cármen Lúcia


A Min. Cármen Lúcia acompanhou os relatores pela procedência dos pedidos. Ela avaliou que, após tantas mortes, ódio e incitação
contra homossexuais, não há como desconhecer a inércia do legislador brasileiro e afirmou que tal omissão é inconstitucional.
Min. Gilmar Mendes
O Min. Gilmar Mendes acompanhou a maioria dos votos pela procedência das ações. Além de identificar a inércia do Congresso
Nacional, ele entendeu que a interpretação apresentada pelos relatores de que a Lei do Racismo também pode alcançar os
integrantes da comunidade LGBT é compatível com a Constituição Federal.

Min. Ricardo Lewandowski (vencido)


O Min. Ricardo Lewandowski reconheceu a mora legislativa e a necessidade de dar ciência dela ao Congresso Nacional a fim de
que seja produzida lei sobre o tema. No entanto, entendeu que a homofobia e a transfobia não se enquadram na Lei do Racismo.
É indispensável a existência de lei para que seja viável a punição penal de determinada conduta.
“A extensão do tipo penal para abarcar situações não especificamente tipificadas pela norma incriminadora parece-me atentar contra
o princípio da reserva legal, que constitui uma garantia fundamental dos cidadãos que promove a segurança jurídica de todos”.

Min. Marco Aurélio (vencido)


Para o Min. Marco Aurélio, a Lei do Racismo não pode ser ampliada em razão da taxatividade dos delitos expressamente nela
previstos. Ele considerou que a sinalização do STF para a necessária proteção das minorias e dos grupos socialmente vulneráveis,
por si só, contribui para uma cultura livre de todo e qualquer preconceito e discriminação, preservados os limites da separação dos
Poderes e da reserva legal em termos penais.

Min. Dias Toffoli (vencido)


O Min. Dias Toffoli acompanhou o ministro Ricardo Lewandowski pela procedência parcial dos pedidos, com a mera notificação do
Congresso Nacional acerca da mora.

Teses fixadas pelo STF:


1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização
definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou
supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões
de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica,
aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08.01.1989, constituindo, também, na hipótese de
homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”);

2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa,
qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou
clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e
de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas
convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua
orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia,
independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não
configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a
violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero;

3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou
fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo
objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à
negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não
pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e
diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa
inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do
direito.
STF. Plenário. ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em em 13/6/2019 (Info 944).

Prefeito que utiliza dinheiro destinado a um programa de saúde para pagamento de dívidas da Secretaria de Saúde com a
previdência municipal pratica o crime do art. 1º, III, do DL 201/67
Resumo do julgado
Configura o crime do art. 1º, III, do DL 201/67, a conduta do Prefeito que utiliza verbas oriundas do Fundo Nacional de Saúde
(vinculadas a determinado programa de saúde) para o pagamento de débitos da Secretaria Municipal de Saúde junto ao instituto de
previdência do Município.
O delito previsto no art. 1º, III, do DL 201/1967 consiste em o administrador público aplicar verba pública em destinação diversa da
prevista em lei. Não se trata, portanto, de desviar em proveito próprio.
Para a configuração deste crime, é irrelevante verificar se houve, ou não, efetivo prejuízo para a Administração Pública.
STF. 1ª Turma. AP 984/AP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 11/6/2019 (Info 944).

A situação concreta, segundo a denúncia do MP, foi a seguinte:


Em 2011, Roberto Góes, então Prefeito de Macapá (AP), e dois de seus Secretários Municipais, aplicaram indevidamente verbas
públicas no montante de R$ 858 mil, oriundas do Fundo Nacional de Saúde (vinculadas ao Programa DST/AIDS), para pagamento
de débitos da Secretaria Municipal de Saúde junto à Macapá Previdência (Macaprev).
Em outras palavras, as verbas que seriam para um programa de saúde foram utilizadas para pagamento de dívidas da Secretaria com
o instituto de previdência do Município.

Qual foi o crime, em tese, praticado pelo Prefeito e os Secretários?


O delito previsto no art. 1º, III, do Decreto-Lei 201/67:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do
pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(...)
III - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;
(...)
§1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e
os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.
O Decreto-Lei 201/67 é um ato normativo com status de lei ordinária e que prevê, em seu art. 1º, uma lista de crimes cometidos por
Prefeitos no exercício de suas funções.
O DL 201/67 traz também regras de processo penal que deverão ser aplicadas quando ocorrerem os crimes ali previstos.
Vale ressaltar, mais uma vez, que o DL 201/67 foi recepcionado pela CF/88 como lei ordinária (Súmula 496 do STF).

O que são crimes de responsabilidade?


Tecnicamente falando, crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas praticadas por pessoas que ocupam
determinados cargos públicos.
Caso o agente seja condenado por crime de responsabilidade, ele não receberá sanções penais (prisão ou multa), mas sim sanções
político-administrativas (perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública).

O art. 1º prevê realmente crimes de responsabilidade?


NÃO. O art. 1º afirma que os delitos nele elencados são “crimes de responsabilidade”. Apesar de ser utilizada essa nomenclatura, a
doutrina e a jurisprudência “corrigem” o legislador e afirmam que, na verdade, esses delitos são crimes comuns, ou seja, infrações
penais iguais àquelas tipificadas no Código Penal e em outras leis penais.
Desse modo, o que o art. 1º traz são crimes funcionais cometidos por Prefeitos.
Vale ressaltar que os crimes de responsabilidade (em sentido estrito) dos Prefeitos estão previstos no art. 4º do DL 201/67. É nesse
dispositivo que estão definidas as infrações político-administrativas dos alcaides.
Nesse sentido: STF. Plenário. HC 70671, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 13/04/1994.

Os crimes funcionais dos Prefeitos estão previstos exclusivamente no art. 1º do DL 201/67?


NÃO. Os Prefeitos poderão responder também pelos crimes funcionais previstos no Código Penal, na Lei de Licitações (Lei
n.° 8.666/93) e em outras leis penais, desde que tais condutas não estejam descritas no art. 1º do DL 201/67. Os crimes tipificados
nas demais leis somente incidirão para os Prefeitos se não estiverem previstos no DL 201/67, que é norma específica.

Bem jurídico protegido pelos tipos do art. 1º


O patrimônio da Administração Pública e a moralidade administrativa.

Sujeito ativo
Trata-se de crime próprio, uma vez que somente pode ser praticado pelo Prefeito (ou por quem esteja no exercício desse cargo,
como o Vice-Prefeito ou o Presidente da Câmara de Vereadores).

É possível a coautoria e a participação?


SIM. O crime do art. 1º é próprio, somente podendo ser praticado por Prefeito, mas é possível que ocorram as figuras da coautoria e
da participação, nos termos do art. 29 do CP.
Em outras palavras, além do Prefeito, outras pessoas podem responder pelo delito como coautores ou partícipes. Exs: um Secretário
Municipal, um contador, um assessor etc.

Se o sujeito comete o crime do art. 1º do DL 201/67, mas termina seu mandato sem que ele seja denunciado, é possível que ele
responda pelo delito mesmo não sendo mais Prefeito?
Claro que sim. Existem dois enunciados afirmando isso:
Súmula 164-STJ: O prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no art. 1º do
Dec. lei n. 201, de 27/02/67.
Súmula 703-STF: A extinção do mandato do Prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art.
1º do DL 201/67.

Julgamento pelo STF


Roberto Góes deixou a prefeitura e assumiu o cargo de Deputado Federal em 2015.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra Roberto Góes pelo delito acima explicado e, em 2016, o STF recebeu a peça
acusatória do Parquet.
Por que a denúncia foi recebida pelo STF? Porque, nesta época, Roberto Góes já havia deixado o cargo de Prefeito e tinha sido
eleito Deputado Federal (art. 102, I, “b”, da CF/88).
Com isso, o STF recebeu a denúncia e passou a realizar a instrução do processo.

Decisão do STF restringindo o foro por prerrogativa de função


Ocorre que, em maio de 2018, o STF decidiu restringir o foro por prerrogativa apenas para os crimes cometidos durante o exercício
do mandato e que tenham relação com ele. Foi fixada a seguinte tese:
O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções
desempenhadas.
STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018 (Info 900).

Essa tese foi definida na sessão de julgamento do dia 03/05/2018. Ocorre que havia centenas de inquéritos e processos criminais
tramitando no STF envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função. Um desses processos era o de Roberto Góes.
Daí surgiu a dúvida: essa tese já se aplica imediatamente para esses processos?
SIM. O STF decidiu que essa tese interpretativa deveria ser aplicada imediatamente aos inquéritos e processos em curso.

O que significou isso, na prática?


A assessoria dos Ministros fez o levantamento de todos os inquéritos e processos envolvendo autoridades e que estavam tramitando
no Tribunal. Em seguida, foram analisados se os crimes imputados às autoridades estavam ou não relacionados com as suas funções.
• Se o processo estivesse relacionado com as funções e a autoridade ainda estivesse no cargo: o feito permanecia no STF para ser
julgado pelo Tribunal. Ex: processo envolvendo um Senador que teria recebido vantagem indevida para votar de acordo com os
interesses de um grupo econômico. Isso porque, neste caso, a situação se amolda à tese fixada pelo STF.
• Se o processo não estivesse relacionado com as funções ou a autoridade não mais estivesse no cargo: neste caso, o feito foi
remetido para ser julgado pelo juízo de 1ª instância. Ex: processo envolvendo um Deputado Federal que teria praticado crime
funcional na época em que era Prefeito. Essa situação não se amolda à tese fixada porque o crime não está relacionado com as
funções de Deputado Federal. Logo, não existe aqui foro por prerrogativa de função, devendo o réu ser julgado em 1ª instância.
O processo de Roberto foi, então, remetido para a 1ª instância?
NÃO. Ele continuou no STF. Explico o motivo.
Na sessão do dia 03/05/2018, o STF, além da restrição acima explicada, também fixou uma segunda tese, dizendo o seguinte:
Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a
competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou
deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.
STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018.

Como no processo de Roberto o MP e a defesa já haviam apresentado alegações finais, a instrução já tinha se encerrado e o STF
entendeu que não havia motivo para enviar o processo para a 1ª instância, sendo mais razoável concluir o julgamento na Corte.
Podemos resumir o tema da seguinte maneira:
• Com a decisão proferida pelo STF, em 03/05/2018, na AP 937 QO/RJ, todos os inquéritos e processos criminais que estavam
tramitando no Supremo envolvendo crimes não relacionados com o cargo ou com a função desempenhada pela autoridade, foram
remetidos para serem julgados em 1ª instância. Isso porque o STF definiu, como 1ª tese, que “o foro por prerrogativa de função
aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”.
• O entendimento acima não se aplica caso a instrução já tenha se encerrado. Em outras palavras, se a instrução processual já havia
terminado, mantém-se a competência do STF para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que o
processo apure um crime que não está relacionado com o cargo ou com a função desempenhada. Isso porque o STF definiu, como 2ª
tese, que “após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a
competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou
deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.”
Nesse mesmo sentido: STF. 1ª Turma. AP 962/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em
16/10/2018 (Info 920).

Ok. Entendi por que o STF julgou o crime mesmo ele tendo sido praticado antes do mandato de Deputado Federal. Mas agora
quero saber o que o STF decidiu quanto ao mérito. O réu foi condenado?
SIM. Por maioria de votos, a 1ª Turma do STF condenou o réu pelo delito do art. 1º, III, do Decreto-Lei 201/67. Apesar disso, ficou
constatada a prescrição em razão do tempo transcorrido entre a aceitação da denúncia e a condenação.

Conduta narrada subsome-se ao crime do art. 1º, III, do DL 201/67


A conduta narrada na denúncia se amolda, com precisão, ao tipo previsto no inciso III do art. 1º do DL 201/1967.
Para o STF, os elementos probatórios produzidos na instrução processual demonstram que o réu, com plena consciência da ilicitude
dos seus atos, atuou na forma descrita na peça acusatória, ausentes as causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.

Crime do art. 1º, III, do DL 201/67 não envolve desviar recursos em proveito próprio
O crime previsto no art. 1º, III, do DL 201/1967 consiste em o administrador público aplicar verba pública em destinação diversa da
prevista em lei. Não se trata, portanto, de desviar em proveito próprio.
Para a configuração deste crime, é irrelevante verificar se houve, ou não, efetivo prejuízo para a Administração Pública.

Dolo
O STF entendeu que era evidente o conhecimento do fato pelo ex-Prefeito, que assinou a ordem de pagamento para a transferência,
a demonstrar domínio do fato e o poder de gestão dos recursos efetivamente empregados em finalidade diversa da estabelecida por
lei.
Observou que, na véspera da referida transferência, houve uma reunião com os corréus na qual foi decidida a destinação das verbas.
Ressalte-se que um deles até mesmo declarou que o parlamentar sabia da operação ilegal descrita na denúncia. Ademais, no mesmo
dia da citada reunião, foi enviado ofício do Gabinete da Secretaria Municipal de Saúde, que fez remissão à “determinação superior”
e encaminhou à Secretaria Municipal de Finanças a relação das contas referentes às transferências “fundo a fundo”, para que fosse
processada a imediata centralização dessas contas em uma única conta.

Em suma:
Configura o crime do art. 1º, III, do DL 201/67, a conduta do Prefeito que utiliza verbas oriundas do Fundo Nacional de
Saúde (vinculadas a determinado programa de saúde) para o pagamento de débitos da Secretaria Municipal de Saúde junto
ao instituto de previdência do Município.
O delito previsto no art. 1º, III, do DL 201/1967 consiste em o administrador público aplicar verba pública em destinação
diversa da prevista em lei. Não se trata, portanto, de desviar em proveito próprio.
Para a configuração deste crime, é irrelevante verificar se houve, ou não, efetivo prejuízo para a Administração Pública.
STF. 1ª Turma. AP 984/AP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 11/6/2019 (Info 944).

A prática do delito de tortura-castigo (vingativa ou intimidatória), previsto no art. 1º, II, da Lei nº 9.455/97, é crime próprio

Resumo do julgado
Somente pode ser agente ativo do crime de tortura-castigo (art. 1º, II, da Lei nº 9.455/97) aquele que detiver outra pessoa sob sua
guarda, poder ou autoridade (crime próprio).
STJ. 6ª Turma. REsp 1738264-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/08/2018 (Info 633).
Tortura
Os crimes de tortura são definidos pela Lei nº 9.455/97.
Na verdade, como se trata de conduta extremamente repugnante, a própria Constituição Federal proibiu expressamente a prática da
tortura:
Art. 5º (...)
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores
e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Assim, a doutrina afirma que a CF/88 trouxe um “mandado de criminalização”, ou seja, uma determinação para que o legislador
puna a prática de tortura.
Fechando esse sistema normativo, existe também a Lei nº 12.847/2013, que institui o “Sistema Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura”. Ela não prevê crimes, mas sim medidas com o objetivo de fortalecer a prevenção e o combate à tortura.

Tortura para obter confissão (“tortura probatória, inquisitorial, institucional, política ou persecutória”)
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Sujeito ativo
Todas as figuras previstas no inciso I do art. 1º são crimes comuns, ou seja, podem ser praticados por qualquer pessoa.
Atenção para isso: ao contrário do que ocorre nos outros países, no Brasil, mesmo o particular, ou seja, quem não é funcionário
público, também pode praticar crime de tortura. As Convenções internacionais preveem, inclusive, a tortura como crime próprio.
Isso, contudo, não interfere no Brasil:
O art. 1.º da Lei nº 9.455/1997, ao tipificar o crime de tortura como crime comum, não ofendeu o que já determinava o art. 1º da
Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984, em face da
própria ressalva contida no texto ratificado pelo Brasil.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.299.787/PR, Min. Laurita Vaz, DJe 3/2/2014.

Exemplos
• policial que bate em suspeito até que ele confesse o crime;
• patrão que, ameaçando ordenar que o segurança da empresa agrida o empregado, o faz admitir que ele desviou dinheiro do caixa;
• credor que, com uma arma na cabeça do devedor, obriga que ele assine um termo de confissão de dívida;

Tortura para que terceira pessoa confesse


Ex: o agente tortura o filho para que o pai confesse o crime.

Consumação
O crime se consuma com o sofrimento (físico ou mental) causado pelo emprego da violência ou da grave ameaça.
Não importa, para fins de consumação, que o agente tenha conseguido seu objetivo. Assim, mesmo que a vítima não dê a
informação, declaração ou confissão exigida, o crime já estará consumado.
A tentativa é possível, considerando que se trata de crime plurissubistente.

Elemento subjetivo
É o dolo com o especial fim de agir (com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa).

Prova ilícita
A prova obtida mediante tortura será considerada ilícita e, em regra, deverá ser desentranhada dos autos.
Nesse sentido: art. 5º (...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Vale relembrar também o art. 157 do CPP:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a
normas constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e
outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou
instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às
partes acompanhar o incidente.

Tortura para a prática de crime (“tortura-crime”)


Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Exemplo
João tortura Pedro para que ele fraude uma licitação.

Natureza criminosa
O agente tortura a vítima para o cometimento de crime (“natureza criminosa”).
Não se enquadra neste dispositivo o agente que tortura a vítima para que ela pratique contravenção penal. Nesse sentido:
(Delegado PC/MS 2017 FAPEMS) O funcionário público que constrange fisicamente o estagiário a praticar contravenção penal poderá ser
responsabilizado pelo crime de tortura do art. 1º da Lei nº 9.455/1997. (errado)

Responsabilidade do torturador
O torturador responderá pela tortura-crime (art. 1º, I, “b”) em concurso material com o crime que obrigou o torturado a praticar. O
torturador é autor mediato do crime que for praticado pelo torturado.

Ausência de responsabilidade do torturado


O torturado irá responder penalmente pela ação ou omissão criminosa que praticou?
Não. O torturado agiu mediante coação moral irresistível e, por isso, deverá ser absolvido com base em uma excludente de
culpabilidade (art. 22 do CP).

Tortura em razão de discriminação (“tortura discriminatória”)


Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Motivo do agente é apenas a discriminação


“Ao contrário do que ocorre nos dispositivos anteriores, neste, o agente não tortura a vítima esperando dela alguma conduta (positiva ou
negativa). Tortura apenas por preconceito à sua raça ou religião.” (CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Leis Penais
Especiais. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 1096).

Tortura-castigo, vingativa ou intimidatória


Art. 1º Constitui crime de tortura:
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso
sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Sujeito ativo:
Trata-se de crime próprio.
Somente pode ser agente ativo do crime de tortura-castigo (art. 1º, II, da Lei nº 9.455/97) aquele que detiver outra pessoa sob sua
guarda, poder ou autoridade (crime próprio).
STJ. 6ª Turma. REsp 1.738.264-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/08/2018 (Info 633).

Há um vínculo preexistente, de natureza pública, entre o agente ativo e o agente passivo do crime. Logo, o delito até pode ser
perpetrado por um particular, mas ele deve ocupar posição de garante (obrigação de cuidado, proteção ou vigilância), seja em
virtude da lei ou de outra relação jurídica.

Intenso sofrimento
Veja que o legislador estabeleceu uma diferenciação:
• inciso I: exige apenas sofrimento (físico ou mental);
• inciso II: exige intenso sofrimento (físico ou mental).

Castigo pessoal ou medida de caráter preventivo


O agente pratica a tortura como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Assim, este tipo penal exige um elemento subjetivo especial (“dolo específico”), que é a vontade de aplicar castigo pessoal ou
medida de caráter preventivo, também conhecido como animus corrigendi.

Art. 136 do CP x Tortura-castigo


Cuidado para não confundir a conduta do crime de “tortura-castigo” com a de um delito de “maus-tratos”, previsto no art. 136 do
CP:
Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino,
tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou
inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
Figura equiparada
§ 1º Na mesma pena (2 a 8 anos) incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou
mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

Sujeitos do crime
• Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa.
• Sujeito passivo: exige-se uma qualidade especial (deve ser uma pessoa que está presa ou sujeita a medida de segurança).

Pessoa presa
O tipo abrange a prisão penal ou civil (devedor de pensão alimentícia)
Se for penal, pode ser provisória ou definitiva.

Conduta omissiva (“tortura imprópria” ou “tortura anômala”)


§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de
detenção de um a quatro anos.

Omissão
• Se o agente tinha o dever de evitar a tortura: neste caso, tem-se a omissão imprópria (crime comissivo por omissão).
• Se o agente tinha o dever de apurar a tortura: trata-se de omissão própria (crime omissivo puro).

Omissão imprópria
A omissão imprópria é aquela relacionada com a figura do “garante” (garantidor).
Se o agente era garantidor da vítima, ele tinha o dever de evitar a tortura.
Exemplo: a mãe tem ciência que seu marido tortura o filho dela, mas nada faz para impedir a conduta.

(Delegado de Polícia PF 2018 CESPE) Cinco guardas municipais em serviço foram desacatados por dois menores. Após breve
perseguição, um dos menores evadiu-se, mas o outro foi apreendido. Dois dos guardas conduziram o menor apreendido para um
local isolado, imobilizaram-no, espancaram-no e ameaçaram-no, além de submetê-lo a choques elétricos. Os outros três guardas
deram cobertura. Nessa situação, os cinco guardas municipais responderão pelo crime de tortura, incorrendo todos nas mesmas
penas. (certo)

Omissão própria
O agente soube da tortura, mas não determinou a sua apuração.
Ex: Delegado de Polícia é informado que um dos agentes que trabalha com ele praticou tortura no último plantão contra um
suspeito. Apesar disso, ele se omite e não toma nenhuma conduta.

Não é crime hediondo


Importante ressaltar que este § 2º não é considerado crime hediondo ou equiparado. Isso porque se entende que não há a “prática de
tortura” (que exige “ação”). O que o § 2º prevê é uma omissão.
Veja como o tema já foi cobrado em prova:
(MP/RS 2017 banca própria) Do art. 1º, da Lei nº 9.455/97, que incrimina a tortura, extraem-se, as espécies delitivas
doutrinariamente designadas tortura-prova, tortura-crime, tortura-discriminação, tortura-castigo, tortura-própria e tortura omissão,
equiparadas aos crimes hediondos, previstas na modalidade dolosa e com apenamento carcerário para cumprimento inicial em
regime fechado. (Errado)

Formas qualificadas
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a
reclusão é de oito a dezesseis anos.

Preterdoloso
Prevalece que o § 3º é uma forma preterdolosa do crime de tortura.
Isso significa que somente se aplica o § 3º se a lesão corporal ou morte decorreu de culpa do agente.
Se o agente tinha a intenção de praticar tortura e de matar a vítima, ele deverá responder por tortura em concurso formal com
homicídio.

Aplica-se apenas ao caput


Prevalece que estas formas qualificadas somente se aplicam ao caput do art. 1º.
Assim, essas qualificadoras não podem ser aplicadas para as espécies de tortura tratadas nos §§ 1º e 2º.

Causas de aumento de pena


4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público;
II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;
III - se o crime é cometido mediante sequestro.

Agente público
A doutrina afirma que se deve utilizar o conceito do art. 327 do CP (funcionário público).
Assim, para fins penais, agente público = funcionário público do art. 327 do CP.

Aplicação deste inciso II em conjunto com a agravante do art. 61, II, "f", do CP
No caso de crime de tortura perpetrado contra criança em que há prevalência de relações domésticas e de coabitação, não configura
bis in idem a aplicação conjunta da causa de aumento de pena prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei nº 9.455/1997 (Lei de Tortura) e da
agravante genérica estatuída no art. 61, II, "f", do Código Penal.
STJ. 6ª Turma. HC 362634-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 16/8/2016 (Info 589).
A majorante prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei nº 9.455/97 busca punir de forma mais rígida o autor de crime que demonstrou maior
covardia porque cometeu o crime se favorecendo da menor capacidade de resistência da vítima (que é uma criança). Há, pois, um
nexo lógico entre a conduta desenvolvida e o estado de fragilidade da vítima.
Por outro lado, a agravante prevista no art. 61, II, "f" do Código Penal pune com maior rigor o agente pelo fato de ele ter
demonstrado maior insensibilidade moral, já que violou o dever de apoio mútuo que deve existir entre parentes e pessoas ligadas por
liames domésticos, de coabitação ou hospitalidade.
Desse modo, esses dispositivos tratam de circunstâncias e objetivos distintos, razão pela qual não há que falar na ocorrência de bis
in idem.

Efeito extrapenal
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do
prazo da pena aplicada.

Dobro
Veja como o tema foi cobrado em prova:
(Delegado PC/GO 2018 UEG) Na hipótese de um servidor público ser condenado pelo crime de tortura qualificada pelo resultado
morte a uma pena de doze anos de reclusão, referida condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a
interdição para seu exercício por
a) cinco anos;
b) dez anos;
c) doze anos;
d) vinte e quatro anos;
e) trinta e seis anos.
Letra D

Art. 92, I, do CP
O art. 92, I, do CP prevê, como efeito extrapenal específico da condenação, o seguinte:
Art. 92. São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou
violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

Os efeitos previstos no art. 92, I, do CP são automáticos? Em outras palavras, sempre que houver condenação e forem aplicadas as
penas previstas nas alíneas “a” e “b”, haverá a perda do cargo?
NÃO. Para que esse efeito da condenação seja aplicado, é indispensável que a decisão condenatória motive concretamente a
necessidade da perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo.
O parágrafo único do art. 92 expressamente afirma isso:
Art. 92 (...) Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na
sentença.

Na lei de tortura, esse efeito é automático


O STJ entende que, na Lei de Tortura, esse efeito da perda do cargo é automático:
(...) A perda do cargo, função ou emprego público é efeito automático da condenação pela prática do crime de tortura, não sendo
necessária fundamentação concreta para a sua aplicação. Precedentes. (...)
STJ. 6ª Turma. AgRg no Ag 1388953/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 20/06/2013.

• Art. 92, I, do CP: o efeito não é automático (exige-se decisão motivando);


• Art. 1º, § 5º da Lei de Tortura: o efeito é automático (não precisa fundamentar).

§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

Esse § 6º apenas atende à determinação constitucional:


Art. 5º (...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes
e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que,
podendo evitá-los, se omitirem;

Vale ressaltar que é possível a concessão de liberdade provisória sem fiança para os acusados de tortura:

§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.

Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima
brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.

Assim, aplica-se a lei brasileira mesmo que o crime de tortura tenha sido praticado no exterior, desde que:
• a vítima seja brasileira (princípio da personalidade passiva); ou
• o agente esteja em local sujeito à jurisdição brasileira (princípio do domicílio).

Trata-se de hipótese de extraterritorialidade incondicionada (não se exige nenhuma condição específica).

Competência
A competência para processar e julgar o crime de tortura, em regra, é da Justiça Estadual.
• Se a tortura for praticada por um agente público federal, no exercício de sua função, a competência será da Justiça Federal (art.
109, IV, da CF/88).
• Se a tortura for praticada por policial militar, a competência será da Justiça Militar estadual.
• Se a tortura for praticada por militar das Forças Armadas, a competência será da Justiça Militar federal.

Aspectos importantes sobre o crime do art. 89 da Lei de Licitações

Resumo do julgado
Elemento subjetivo
Para a configuração da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, exige-se o especial fim de agir, consistente
na intenção específica de lesar o erário ou obter vantagem indevida.

Exige-se descumprimento de formalidades mais violação aos princípios da Administração Pública


O tipo penal previsto no art. 89 não criminaliza o mero fato de o administrador público ter descumprido formalidades. Para que haja
o crime, é necessário que, além do descumprimento das formalidades, também se verifique que ocorreu, no caso concreto, a
violação de princípios cardeais (fundamentais) da Administração Pública.
Se houve apenas irregularidades pontuais relacionadas com a burocracia estatal, isso não deve, por si só, gerar a criminalização da
conduta.
Assim, para que ocorra o crime, é necessária uma ofensa ao bem jurídico tutelado, que é o procedimento licitatório. Sem isso, não
há tipicidade material.

Decisão amparada em pareceres técnicos e jurídicos


Não haverá crime se a decisão do administrador de deixar de instaurar licitação para a contratação de determinado serviço foi
amparada por argumentos previstos em pareceres (técnicos e jurídicos) que atenderam aos requisitos legais, fornecendo justificativas
plausíveis sobre a escolha do executante e do preço cobrado e não houver indícios de conluio entre o gestor e os pareceristas com o
objetivo de fraudar o procedimento de contratação direta.
STF. 1ª Turma.Inq 3962/DF, Rel. Min Rosa Weber, julgado em 20/2/2018 (Info 891).

A Lei de Licitação (Lei nº 8.666/93) prevê alguns tipos penais.


O art. 89 tipifica como crime a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação. Veja:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à
dispensa ou à inexigibilidade:
Pena — detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade,
beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO
Regra: obrigatoriedade de licitação
Como regra, a CF/88 impõe que a Administração Pública somente pode contratar obras, serviços, compras e alienações se realizar
uma licitação prévia para escolher o contratante (art. 37, XXI).

Exceção: contratação direta nos casos especificados na legislação


O inciso XXI afirma que a lei poderá especificar casos em que os contratos administrativos poderão ser celebrados sem esta prévia
licitação. A isso, a doutrina denomina “contratação direta”.

Resumindo:
A regra na Administração Pública é a contratação precedida de licitação. Contudo, a legislação poderá prever casos excepcionais em
que será possível a contratação direta sem licitação.

CONTRATAÇÃO DIRETA
A Lei de Licitações e Contratos prevê três grupos de situações em que a contratação ocorrerá sem licitação prévia. Trata-se das
chamadas licitações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. Vejamos o quadro comparativo abaixo:
Dispensada Dispensável Inexigível
Art. 17 Art. 24 Art. 25
Rol taxativo Rol taxativo Rol exemplificativo
A lei determina a não realização da A lei autoriza a não realização da Como a licitação é uma disputa, é
licitação, obrigando a contratação licitação. Mesmo sendo indispensável que haja pluralidade
direta. dispensável, a Administração pode de objetos e pluralidade de
decidir realizar a licitação ofertantes para que ela possa
(discricionariedade). ocorrer. Assim, a lei prevê alguns
casos em que a inexigibilidade se
verifica porque há impossibilidade
jurídica de competição.
Ex.: quando a Administração Ex.: contratação direta nos casos de Ex.: contratação de artista
Pública possui uma dívida com o guerra ou grave perturbação da consagrado pela crítica
particular e, em vez de pagá-la em ordem. especializada ou pela opinião
espécie, transfere a ele um bem pública para fazer o show do
público desafetado, como forma de aniversário da cidade.
quitação do débito. A isso
chamamos de dação em pagamento
(art. 17, I, "a").

Procedimento de justificação
Mesmo nas hipóteses em que a legislação permite a contratação direta, é necessário que o administrador público observe algumas
formalidades e instaure um processo administrativo de justificação.

CRIME DO ART. 89
Tipo objetivo
O crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 ocorre se o administrador público...
• dispensar a licitação fora das hipóteses previstas em lei;
• inexigir (deixar de exigir) licitação fora das hipóteses previstas em lei; ou
• deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade (as formalidades estão previstas especialmente no
art. 26 da Lei).

Desse modo, haverá o crime tanto na hipótese em que a licitação é dispensada mesmo sem lei autorizando ou determinando a
dispensa, como na situação em que a lei até autoriza ou determina, mas o administrador não observa os requisitos formais para tanto.

Norma penal em branco


Como as hipóteses de dispensa e inexigibilidade estão previstas na Lei nº 8.666/93, este tipo penal é taxado como:
• norma penal em branco (porque depende de complemento normativo);
• imprópria, em sentido amplo ou homogênea (o complemento normativo emana do legislador);
• do subtipo homovitelínea ou homológa (o complemento emana da mesma instância legislativa).

Tipo subjetivo
Para a configuração da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, exige-se o especial fim de agir, consistente
na intenção específica de lesar o erário ou obter vantagem indevida. Esse entendimento é pacífico na jurisprudência do STF e STJ:
Para a caracterização da conduta tipificada no art. 89 da Lei 8.666/1993, é indispensável a demonstração, já na fase de recebimento
da denúncia, do elemento subjetivo consistente na intenção de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida.
STF. 2ª Turma. Inq 3965, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/11/2016.

O delito em questão exige, além do dolo genérico (representado pela vontade consciente de dispensar ou inexigir licitação com
descumprimento das formalidades), a presença do especial fim de agir, que consiste no dolo específico de causar dano ao erário ou
de gerar o enriquecimento ilícito dos agentes envolvidos na empreitada criminosa.

• Dolo genérico: vontade de dispensar ou inexigir licitação com descumprimento das formalidades;
• Especial fim de agir (“dolo específico”): intenção de causar dano ao erário ou de gerar o enriquecimento ilícito dos agentes
envolvidos na empreitada criminosa.
Só há o crime do art. 89 se houver o dolo genérico mais o especial fim de agir.

Exige-se descumprimento de formalidades mais violação aos princípios da administração pública


O tipo penal previsto no art. 89 não criminaliza o mero fato de o administrador público ter descumprido formalidades. Para
que haja o crime é necessário que, além do descumprimento das formalidades, também se verifique que ocorreu, no caso
concreto, a violação de princípios cardeais (fundamentais) da administração pública.
Se houve apenas irregularidades pontuais relacionadas com a burocracia estatal, isso não deve, por si só, gerar a
criminalização da conduta.
Assim, para que ocorra o crime é necessária uma ofensa ao bem jurídico tutelado, que é o procedimento licitatório. Sem isso,
não há tipicidade material.
STF. 1ª Turma. Inq 3962/DF, Rel. Min Rosa Weber, julgado em 20/2/2018 (Info 891).

Decisão amparada em pareceres técnicos e jurídicos


Não haverá crime se a decisão do administradorde deixar de instaurar licitação para a contratação de determinado serviço
foi amparada por argumentos previstos em pareceres (técnicos e jurídicos) que atenderam aos requisitos legais, fornecendo
justificativas plausíveis sobre a escolha do executante e do preço cobrado.
Exceção a essa regra seria o caso de haver provas de que o administrador estaria em conluio com os pareceristas, com o
objetivo de fraudar o procedimento de contratação direta.
Ausentes essas provas, não há crime por falta de conduta dolosa do gestor público.
STF. 1ª Turma. Inq 3962/DF, Rel. Min Rosa Weber, julgado em 20/2/2018 (Info 891).

Caso semelhante julgado pelo STF:


O objetivo do art. 89 não é punir o administrador público despreparado, inábil, mas sim o desonesto, que tinha a intenção de causar
dano ao erário ou obter vantagem indevida. Por essa razão, é necessário sempre analisar se a conduta do agente foi apenas um ilícito
civil e administrativo ou se chegou a configurar realmente crime.
Deverão ser analisados três critérios para se verificar se o ilícito administrativo configurou também o crime do art. 89:
1º) existência ou não de parecer jurídico autorizando a dispensa ou a inexigibilidade. A existência de parecer jurídico é um
indicativo da ausência de dolo do agente, salvo se houver circunstâncias que demonstrem o contrário.
2º) a denúncia deverá indicar a existência de especial finalidade do agente de lesar o erário ou de promover enriquecimento ilícito.
3º) a denúncia deverá descrever o vínculo subjetivo entre os agentes.
STF. 1ª Turma. Inq 3674/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

FONTE: BUSCADOR DIZER O DIREITO

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