Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A reconciliação entre a vítima e o agressor, no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, não é fundamento
suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração penal
Resumo do julgado
A posterior reconciliação entre a vítima e o agressor não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor
mínimo previsto no art. 387, inciso IV, do CPP, seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque compete à própria
vítima decidir se irá promover a execução ou não do título executivo, sendo vedado ao Poder Judiciário omitir-se na aplicação da
legislação processual penal que determina a fixação do valor mínimo em favor da ofendida.
CPP/Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:(...) IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;
STJ. 6ª Turma. REsp 1819504-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 10/09/2019 (Info 657).
Recurso do condenado
Pedro recorreu contra a condenação ao pagamento da quantia, invocando dois argumentos:
1) não houve instrução probatória para comprovar que a vítima sofreu danos morais;
2) ele (réu) e a vítima já se reconciliaram; logo, não faz sentido determinar que ele pague um valor para a sua esposa considerando
que vivem juntos.
Primeiro tema. Para a fixação do valor da reparação, é necessária a produção de provas dos prejuízos sofridos?
Quanto aos danos materiais: SIM.
Em caso de danos materiais, o juiz somente poderá fixar a indenização se existirem provas nos autos que demonstrem os prejuízos
sofridos pela vítima em decorrência do crime. Dessa feita, é importante que o Ministério Público ou eventual assistente de acusação
junte comprovantes dos danos causados pela infração para que o magistrado disponha de elementos para a fixação de que trata o art.
387, IV do CPP. Vale ressaltar, ainda, que o réu tem direito de se manifestar sobre esses documentos juntados e contraditar o valor
pleiteado como indenização. Nesse sentido:
A fixação da reparação civil mínima também não dispensa a participação do réu, sob pena de frontal violação ao seu direito de
contraditório e ampla defesa, na medida em que o autor da infração faz jus à manifestação sobre a pretensão indenizatória, que, se
procedente, pesará em seu desfavor. (...)
STJ. 5ª Turma. REsp 1236070/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/03/2012.
No que tange aos danos morais: NÃO.
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moralindependentemente de instrução probatória.
A humilhação e a dor que geram dano moral decorrem, inequivocamente, da situação de quem é vítima de uma agressão verbal,
física ou psicológica, na condição de mulher.
Assim, não há razoabilidade em se exigir instrução probatória para comprovar o dano psíquico, o grau de humilhação, a diminuição
da autoestima da vítima. Isso porque a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e
menosprezo ao valor da mulher como pessoa e à sua própria dignidade.
A única prova que se exige é a de que houve o crime porque, uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela
resultantes são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados.
O dano moral é, portanto, considerado como in reipsa.
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a
quantia, e independentemente de instrução probatória.
STJ. 3ª Seção. REsp 1643051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo) (Info 621).
Logo, como o juiz condenou o réu a pagar a indenização a título de danos morais, não era necessária realmente a realização de
instrução probatória.
E quanto ao segundo argumento? O fato de o réu e a vítima terem se reconciliado, interfere na indenização?
NÃO.
A posterior reconciliação entre a vítima e o agressor não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor
mínimo previsto no art. 387, inciso IV, do CPP, seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque compete à própria
vítima decidir se irá promover a execução ou não do título executivo, sendo vedado ao Poder Judiciário omitir-se na aplicação da
legislação processual penal que determina a fixação do valor mínimo em favor da ofendida.
A reconciliação entre a vítima e o agressor, no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, não é fundamento
suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração penal.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.819.504-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 10/09/2019 (Info 657).
Se a mulher vítima de crime de ação pública condicionada comparece ao cartório da vara e manifesta interesse em se
retratar da representação, ainda assim o juiz deverá designar audiência para que ela confirme essa intenção e seja ouvido o
MP, nos termos do art. 16
Resumo do julgado
A Lei Maria da Penha autoriza, em seu art. 16, que, se o crime for de ação pública condicionada (ex: ameaça), a vítima possa se
retratar da representação que havia oferecido, desde que faça isso em audiência especialmente designada, ouvido o MP. Veja:
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à
representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o
Ministério Público.
Não atende ao disposto neste art. 16 a retratação da suposta ofendida ocorrida em cartório de Vara, sem a designação de audiência
específica necessária para a confirmação do ato.
Em outras palavras, se a vítima comparece ao cartório e manifesta interesse em se retratar, ainda assim o juiz deverá designar a
audiência para ouvir a ofendida e o MP, não podendo rejeitar a denúncia sem cumprir esse procedimento.
STJ. 5ª Turma. HC 138143-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 03/09/2019 (Info 656).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Francisca eram casados.
Determinado dia, tiveram uma grave discussão e ele disse que iria matar a mulher.
No mesmo instante, Francisca decidiu que não queria mais viver com ele e, com medo da ameaça, procurou a Delegacia da Mulher.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra João pela prática do crime de ameaça, previsto no art. 147 do Código Penal:
Art. 147. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
A pena do crime de ameaça é de 1 a 6 meses de detenção. Trata-se, portanto, de infração de menor potencial ofensivo. Por que
não foram aplicadas, no exemplo acima, as medidas despenalizadoras da Lei nº 9.099/95 (suspensão condicional do processo e
transação penal)?
A Lei Maria da Penha proíbe expressamente que se aplique a Lei nº 9.099/95 para os crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a mulher. Veja:
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se
aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Por essa razão, a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei
Maria da Penha. Nesse sentido:
Súmula 536-STJ: A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da
Lei Maria da Penha.
Alguns de vocês podem estar se perguntando: “eu já ouvi dizer que a lesão corporal leve é crime de ação pública condicionada,
salvo no caso de violência doméstica”. Isso significa que todo crime praticado contra a mulher envolvendo violência doméstica
será de ação pública incondicionada?
NÃO.
Realmente, a lesão corporal leve cometida em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é crime de ação pública
incondicionada. Isso porque o art. 88 da Lei nº 9.099/95 não se aplica para os casos de violência doméstica:
Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes
de lesões corporais leves e lesões culposas.
Existe até um enunciado do STJ nesse sentido:
Súmula 542-STJ: A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública
incondicionada.
Por outro lado, é errado dizer que todos os crimes praticados contra a mulher, em sede de violência doméstica, serão de ação penal
incondicionada. Continuam existindo crimes praticados contra a mulher (em violência doméstica) que são de ação penal
condicionada, desde que a exigência de representação esteja prevista no Código Penal ou em outras leis, que não a Lei nº 9.099/95.
Assim, por exemplo, a ameaça praticada pelo marido contra a mulher continua sendo de ação pública condicionada porque tal
exigência consta do parágrafo único do art. 147 do CP.
O que a Súmula nº 542 do STJ afirma é que o delito de LESÃO CORPORAL praticado com violência doméstica contra a mulher é
sempre de ação penal incondicionada porque o art. 88 da Lei nº 9.099/95 não pode ser aplicado aos casos da Lei Maria da Penha.
Decisão que fixa alimentos em razão da prática de violência doméstica pode ser executada sob o rito da prisão civil
Resumo do julgado
A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha, em razão
da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento, passível de
decretação de prisão civil.
STJ. 3ª Turma. RHC 100446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/11/2018 (Info 640).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João e Francisca viviam juntos em união estável e, dessa união, nasceu Larissa, atualmente com 5 anos.
Determinado dia, tiveram uma grave discussão na qual ele chegou até a ameaçá-la de morte.
No mesmo instante, Francisca decidiu que não queria mais viver com ele e, com medo da ameaça, procurou a Delegacia da Mulher.
O juiz da Vara de Violência Doméstica deferiu medidas protetivas de urgência, determinando que João:
a) mantivesse distância mínima de 500m de Francisca; e
b) que pagasse R$ 1 mil mensais a título de alimentos provisórios em favor da mulher e da filha, valor a ser depositado na conta
bancária de Francisca.
A decisão do magistrado foi fundamentada no art. 22, III e V, da Lei nº 11.340/2006:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de
imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
(...)
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
(...)
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Passados 6 meses, João nunca pagou os alimentos.
Em razão desse fato, Francisca e Larissa ingressaram com execução de alimentos, sob o rito do art. 528 do CPC/2015, pedindo a
prisão civil do devedor:
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe
alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito,
provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
O juiz mandou intimar o executado pessoalmente para, em 3 dias:
a) pagar o débito;
b) provar que o fez (provar que já pagou a dívida); ou
c) justificar a impossibilidade de efetuá-lo (provar que não tem condições de pagar).
Mesmo devidamente intimado, João não pagou o débito, tampouco justificou a impossibilidade de fazê-lo.
Diante disso, o juiz decretou a prisão civil do devedor.
Após ser preso, João impetrou habeas corpus alegando que a prisão teria sido ilegal sob a alegação de que a criança beneficiária da
decisão deveria ter ajuizado ação de alimentos no prazo de 30 dias, conforme prevê o art. 308 do CPC/2015:
Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que
será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas
processuais.
A decisão do juiz deve ser mantida segundo o entendimento do STJ? É possível a decretação da prisão civil de João mesmo essa
decisão de alimentos tendo sido proferida pelo juízo da Vara de Violência Doméstica em sede de um processo penal?
SIM.
A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha,
em razão da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento,
passível de decretação de prisão civil.
STJ. 3ª Turma. RHC 100.446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/11/2018 (Info 640).
A Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher possui competência para o deferimento de medida
protetiva de alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Esta decisão, proferida por Juízo materialmente competente para fixar medida protetiva de alimentos, para sua validade e eficácia,
não precisa ser ratificada por outro Juízo, no bojo de outra ação.
Assim, não há qualquer razão para se aplicar o art. 308 do CPC/2015, até mesmo porque os alimentos fixados não têm caráter
cautelar, mas sim natureza satisfativa.
Ademais, é importante relembrar que o art. 14 da Lei nº 11.340/2006 estabelece a competência híbrida (criminal e civil) da Vara
Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher:
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e
criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a
execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Constata-se, a partir da literalidade do artigo acima transcrito, que o legislador, ao estabelecer as competências criminal e cível da
Vara Especializada de Violência Doméstica Contra a Mulher, não especificou quais seriam as ações que deveriam ali tramitar. De
modo bem abrangente, preconizou a competência desse “Juizado” para as ações de natureza criminal e civil que tenham por causa
de pedir, necessariamente, a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como para a execução de seus
julgados.
A amplitude da competência conferida pela Lei nº 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao
mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as
repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato, providência que, a um só
tempo, facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção.
João alegou em sua defesa que os alimentos não seriam atualmente mais devidos considerando que as agressões e ameaças
cessaram. Este argumento é válido?
NÃO. O entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei Nº 11.340/2006 é o que considera devidos os
alimentos provisórios e provisionais enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência
doméstica e familiar e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência.
O dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos,
como corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher. Nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as
vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor, a sua subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se
gravemente comprometida e ameaçada.
Fixação do valor mínimo para reparação dos danos prevista no art. 387, IV, do CPP
Resumo do julgado
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a
quantia, e independentemente de instrução probatória.
CPP/Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
STJ. 3ª Seção. REsp 1643051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo) (Info 621).
A sentença penal condenatória, depois de transitada em julgado, produz diversos efeitos.
Um dos efeitos é que a condenação gera a obrigação do réu de reparar o dano causado:
Código Penal
Art. 91. São efeitos da condenação:
I — tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
A sentença condenatória, inclusive, constitui-se em título executivo judicial:
Código de Processo Civil
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:
VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado;
Assim, a vítima (ou seus sucessores), de posse da sentença que condenou o réu, após o seu trânsito em julgado, dispõe de um título
que poderá ser executado no juízo cível para cobrar o ressarcimento pelos prejuízos sofridos em decorrência do crime.
O art. 387, IV, do CPP trata apenas de prejuízos materiais ou ele também poderá ser utilizado para danos morais? O juiz, na sentença
criminal, poderá condenar o réu a pagar indenização à vítima por danos morais?
SIM. O art. 387, IV, do CPP abrange tanto danos materiais como morais. Nesse sentido:
O juiz, ao proferir sentença penal condenatória, no momento de fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela
infração (art. 387, IV, do CPP), pode, sentindo-se apto diante de um caso concreto, quantificar, ao menos o mínimo, o valor do dano
moral sofrido pela vítima, desde que fundamente essa opção.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.585.684-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 9/8/2016 (Info 588).
Isso porque o art. 387, IV, não limita a indenização apenas aos danos materiais e a legislação penal deve sempre priorizar o
ressarcimento da vítima em relação a todos os prejuízos sofridos.
Para que seja fixado o valor da reparação, deverá haver pedido expresso e formal do MP ou do ofendido?
SIM. Para que seja fixado, na sentença, o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima (art. 387, IV, do CPP), é
necessário que haja pedido expresso e formal, feito pelo parquet ou pelo ofendido, a fim de que seja oportunizado ao réu o
contraditório e sob pena de violação ao princípio da ampla defesa(STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1688389/MS, Rel. Min. Sebastião
Reis Júnior, julgado em 22/03/2018).
É necessário que o MP ou o ofendido, ao fazer o pedido, apontem o valor líquido e certo pretendido?
NÃO. Não é necessário que o Ministério Público ou a vítima quantifiqueo valor mínimo que pretende ver fixado. Basta que seja
pedida a fixação de valor mínimo a título de reparação do dano causado pelo crime, sem necessidade de mencionar uma quantia
líquida e certa.
Assim, por exemplo, basta que o MP diga: juiz, fixe a quantia mínima de que trata o art. 387, IV, do CPP. Não é necessário que
diga: Excelência, fixe R$ 20 mil a título de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.
Para a fixação do valor da reparação, é necessária a produção de provas dos prejuízos sofridos?
DANOS MATERIAIS: SIM.
Em caso de danos materiais, o juiz somente poderá fixar a indenização se existirem provas nos autos que demonstrem os prejuízos
sofridos pela vítima em decorrência do crime. Dessa feita, é importante que o Ministério Público ou eventual assistente de acusação
junte comprovantes dos danos causados pela infração para que o magistrado disponha de elementos para a fixação de que trata o art.
387, IV do CPP. Vale ressaltar, ainda, que o réu tem direito de se manifestar sobre esses documentos juntados e contraditar o valor
pleiteado como indenização. Nesse sentido:
A fixação da reparação civil mínima também não dispensa a participação do réu, sob pena de frontal violação ao seu direito de
contraditório e ampla defesa, na medida em que o autor da infração faz jus à manifestação sobre a pretensão indenizatória, que, se
procedente, pesará em seu desfavor. (...)
STJ. 5ª Turma. REsp 1236070/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/03/2012.
DANOS MORAIS: NÃO.
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moralindependentemente de instrução probatória.
A humilhação e a dor que geram dano moral decorrem, inequivocamente, da situação de quem é vítimade uma agressão verbal,
física ou psicológica, na condição de mulher.
Assim, não há razoabilidade em se exigir instrução probatória para comprovar o dano psíquico, o grau de humilhação, a diminuição
da autoestima da vítima. Isso porque a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e
menosprezo ao valor da mulher como pessoa e à sua própria dignidade.
A única prova que se exige é a de que houve o crime porque, uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela
resultantes são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados.
O dano moral é, portanto, considerado como in re ipsa.
Resumindo:
Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo
indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não
especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.
STJ. 3ª Seção. REsp 1.643.051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/02/2018 (Info 621).
Para se aplicar a Lei Maria da Penha não é necessária a coabitação entre autor e vítima
Resumo do julgado
Súmula 600-STJ: Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da
Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima.
STJ. 3ª Seção. Aprovada em 22/11/2017, DJe 27/11/2017.
Requisitos para que se configure a violência doméstica e familiar prevista na Lei Maria da Penha:
a) sujeito passivo (vítima) deve ser pessoa do sexo feminino (não importa se criança, adulta ou idosa, desde que seja do sexo
feminino);
b) sujeito ativo pode ser pessoa do sexo masculino ou feminino;
c) ocorrência de violência baseada em relação íntima de afeto, motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade, nos termos do
art. 5º da Lei.
Veja o que diz o art. 5º da Lei nº 11.340/2006:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no
gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos
por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de
coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Coabitação significa morar sob o mesmo teto. É possível a aplicação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) mesmo que
não haja coabitação entre autor e vítima?
SIM. É possível que haja violência doméstica mesmo que agressor e vítima não convivam sob o mesmo teto (não morem juntos).
Isso porque o art. 5º, III, da Lei afirma que há violência doméstica em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva
ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Exemplos:
Ex1: violência praticada por irmão contra irmã, ainda que eles nem mais morem sob o mesmo teto (STJ. 5ª Turma. REsp
1239850/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/02/2012);
Ex2: é possível que a agressão cometida por ex-namorado configure violência doméstica contra a mulher ensejando a aplicação da
Lei nº 11.340/2006 (STJ. 5ª Turma. HC 182.411/RS, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Des. Conv. do TJ/RJ), julgado em
14/08/2012).
Súmula 589-STJ: É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher
no âmbito das relações domésticas.
Princípio da insignificância
Quem primeiro tratou sobre o princípio da insignificância no direito penal foi Claus Roxin, em 1964.
Também é chamado de “princípio da bagatela” ou “infração bagatelar própria”.
O princípio da insignificância não tem previsão legal no direito brasileiro. Trata-se de uma criação da doutrina e da jurisprudência.
Para a posição majoritária, o princípio da insignificância é uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material.
Se o fato for penalmente insignificante, significa que não lesou nem causou perigo de lesão ao bem jurídico. Logo, aplica-se o
princípio da insignificância e o réu é absolvido por atipicidade material, com fundamento no art. 386, III do CPP.
O princípio da insignificância atua, então, como um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal.
O princípio da insignificância pode ser aplicado aos delitos praticados em situação de violência doméstica?
NÃO. Não se aplica o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das
relações domésticas.
Os delitos praticados com violência contra a mulher, devido à expressiva ofensividade, periculosidade social, reprovabilidade do
comportamento e lesão jurídica causada, perdem a característica da bagatela e devem submeter-se ao direito penal.
Assim, o STJ e o STF não admitem a aplicação dos princípios da insignificância aos crimes e contravenções praticados com
violência ou grave ameaça contra a mulher, no âmbito das relações domésticas, dada a relevância penal da conduta.
Precedentes nesse sentido:
STJ. 5ª Turma. HC 333.195/MS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 12/04/2016.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 318.849/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/10/2015.
STF. 2ª Turma. RHC 133043/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 10/5/2016 (Info 825).
Surgiu uma tese defensiva afirmando que se o casal se reconciliasse durante o curso do processo criminal, o juiz poderia
absolver o réu com base no chamado “princípio da bagatela imprópria”. Essa tese é aceita pelos Tribunais Superiores?
NÃO. Assim como ocorre com o princípio da insignificância, também não se admite a aplicação do princípio da bagatela imprópria
para os crimes ou contravenções penais praticados contra mulher no âmbito das relações domésticas, tendo em vista a relevância do
bem jurídico tutelado (STJ. 6ª Turma. AgInt no HC 369.673/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/02/2017).
O fato de o casal ter se reconciliado ou de a vítima ter perdoado não importará na absolvição do réu. Nesse sentido:
O princípio da bagatela imprópria não tem aplicação aos delitos praticados com violência à pessoa, no âmbito das relações
domésticas, dada a relevância penal da conduta, não implicando a reconciliação do casal em desnecessidade da pena.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1463975/MS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/08/2016.
Portanto, nem o princípio da insignificância nem o princípio da bagatela imprópria são aplicados aos crimes ou contravenções
penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
A súmula 589 do STJ deixou isso expresso quanto ao princípio da insignificância.
Não cabe pena restritiva de direitos nos crimes ou contravenções penais cometidos contra a mulher com violência ou grave
ameaça no ambiente doméstico
Resumo do julgado
Súmula 588-STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico
impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.
Importante.
Quais são os requisitos cumulativos para a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos?
Estão previstos no art. 44 do CP e podem ser assim resumidos:
1º requisito (objetivo): 2º requisito (subjetivo): 3º requisito (subjetivo):
Natureza do crime e Não ser reincidente A substituição seja
quantum da pena em crime doloso indicada e suficiente
a) Se for crime doloso: Regra: para ter direito, o réu não pode ser A culpabilidade, os antecedentes,
reincidente em crime doloso. a conduta social e a personalidade
• a pena aplicada deve ser igual ou
do condenado, bem como os
inferior a 4 anos; Exceção: se o condenado for reincidente, o
motivos e as circunstâncias,
juiz poderá aplicar a substituição, desde
• o crime deve ter sido cometido indicarem que essa substituição
que, em face de condenação anterior, a
sem violência ou grave ameaça a seja suficiente (Princípio da
medida seja socialmente recomendável e a
pessoa. suficiência da resposta alternativa
reincidência não se tenha operado em
ao delito).
b) Se for crime culposo: pode virtude da prática do mesmo crime.
haver a substituição qualquer que
seja a pena aplicada.
Se o réu pratica um crime com violência ou grave ameaça, mas se trata de uma infração penal de menor potencial ofensivo
(pena máxima de 2 anos), ele terá direito à substituição da pena?
A doutrina majoritária afirma que sim. Se o agente for condenado por uma infração penal de menor potencial ofensivo, sua pena
privativa de liberdade poderá ser substituída por restritiva de direitos mesmo que tenha sido cometida com violência ou grave
ameaça. Trata-se de exceção ao inciso I do art. 44 do CP.
O argumento utilizado pela doutrina é o de que a Lei nº 9.099/95 (que é posterior ao Código Penal) previu uma série de medidas
despenalizadoras para as infrações penais de menor potencial ofensivo (exs: transação penal e composição civil). Logo, seria
irrazoável e contrário ao espírito da lei não permitir a aplicação de penas restritivas de direito para tais infrações consideradas de
menor gravidade.
Essa interpretação foi aceita pela jurisprudência do STJ? É possível a aplicação de penas restritivas de direito para os crimes
cometidos contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico?
NÃO. O STJ pacificou o entendimento de que não cabe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos
crimes ou contravenções penais cometidos contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico.
O STJ editou a súmula 588 para espelhar essa sua posição consolidada.
Resumindo:
É possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos casos de crimes ou contravenções praticadas
contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico?
1) Crime: NÃO. Posição tanto do STJ como do STF.
2) Contravenção penal:
• 2ª Turma do STF: entende que é possível a substituição.
• 1ª Turma do STF e STJ: afirmam que também não é permitida a substituição.
Em concursos, se o enunciado não estiver fazendo qualquer distinção, fiquem com a posição exposta na súmula e que também é
adotada pela 1ª Turma do STF.
Decisão que fixa alimentos em razão da prática de violência doméstica pode ser executada sob o rito da prisão civil
Resumo do julgado
A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha, em razão
da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento, passível de
decretação de prisão civil.
STJ. 3ª Turma. RHC 100446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/11/2018 (Info 640).
A decisão do juiz deve ser mantida segundo o entendimento do STJ? É possível a decretação da prisão civil de João mesmo essa
decisão de alimentos tendo sido proferida pelo juízo da Vara de Violência Doméstica em sede de um processo penal?
SIM.
A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha,
em razão da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento,
passível de decretação de prisão civil.
STJ. 3ª Turma. RHC 100.446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/11/2018 (Info 640).
A Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher possui competência para o deferimento de medida
protetiva de alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Esta decisão, proferida por Juízo materialmente competente para fixar medida protetiva de alimentos, para sua validade e eficácia,
não precisa ser ratificada por outro Juízo, no bojo de outra ação.
Assim, não há qualquer razão para se aplicar o art. 308 do CPC/2015, até mesmo porque os alimentos fixados não têm caráter
cautelar, mas sim natureza satisfativa.
Ademais, é importante relembrar que o art. 14 da Lei nº 11.340/2006 estabelece a competência híbrida (criminal e civil) da Vara
Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher:
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e
criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a
execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Constata-se, a partir da literalidade do artigo acima transcrito, que o legislador, ao estabelecer as competências criminal e cível da
Vara Especializada de Violência Doméstica Contra a Mulher, não especificou quais seriam as ações que deveriam ali tramitar. De
modo bem abrangente, preconizou a competência desse “Juizado” para as ações de natureza criminal e civil que tenham por causa
de pedir, necessariamente, a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como para a execução de seus
julgados.
A amplitude da competência conferida pela Lei nº 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao
mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as
repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato, providência que, a um só
tempo, facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção.
João alegou em sua defesa que os alimentos não seriam atualmente mais devidos considerando que as agressões e ameaças
cessaram. Este argumento é válido?
NÃO. O entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei Nº 11.340/2006 é o que considera devidos os
alimentos provisórios e provisionais enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência
doméstica e familiar e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência.
O dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos,
como corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher. Nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as
vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor, a sua subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se
gravemente comprometida e ameaçada.
Na denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro, não é necessário que o Ministério Público faça uma descrição exaustiva e
pormenorizada da infração penal antecedente
Resumo do julgado
Se o Ministério Público oferece denúncia por lavagem de dinheiro, ele deverá narrar, além do crime de lavagem (art. 1º da Lei nº
9.613/98), qual foi a infração penal antecedente cometida.
Importante esclarecer, contudo, que não é necessário que o Ministério Público faça uma descrição exaustiva e pormenorizada da
infração penal antecedente, bastando apontar a existência de indícios suficientes de que ela tenha sido praticada e que os bens,
direitos ou valores que foram “lavados” (ocultados ou dissimulados) sejam provenientes desta infração.
Assim, a aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do
suposto crime prévio, bastandoa presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou
indiretamente, de infração penal.
STJ. Corte Especial. APn 923-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/09/2019 (Info 657).
Lavagem de dinheiro
Lavagem de dinheiro é...
- a conduta segundo a qual a pessoa
- oculta ou dissimula
- a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade
- de bens, direitos ou valores
- provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal
- com o intuito de parecer que se trata de dinheiro de origem lícita.
Em palavras mais simples, lavar é transformar o dinheiro “sujo” (porque oriundo de um crime) em dinheiro aparentemente lícito.
Lei nº 9.613/98
No Brasil, a tipificação e os aspectos processuais do crime de lavagem de dinheiro são regulados pela Lei nº 9.613/98.
Em 2012 foi editada uma lei (Lei nº 12.683/2012), que promoveu importantes alterações na Lei nº 9.613/98 com o objetivo de tornar
mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.
O Ministério Público apontava uma série de condutas que configurariam o crime de lavagem de dinheiro.
Inicialmente, o STF afirmou que o réu não cometeu o crime quando recebeu o pagamento das propinas em espécie (em “dinheiro
vivo”).
O mero recebimento de valores em dinheiro não tipifica o delito de lavagem, seja quando recebido pelo próprio agente
público, seja quando recebido por interposta pessoa.
STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/5/2018 (Info 904).
Assim, se uma pessoa recebe propina em dinheiro, isso não significa, necessariamente, a prática de lavagem de dinheiro.
Por outro lado, o STF entendeu que:
O agente praticou a lavagem pelo fato de ter recebido a propina em depósitos bancários fracionados, em valores que não
atingem os limites estabelecidos pelas autoridades monetárias à comunicação compulsória dessas operações.
STF. 2ª Turma. AP 996/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/5/2018 (Info 904).
Ex: suponhamos que, na época, a autoridade bancária dizia que todo depósito acima de R$ 20 mil deveria ser comunicado ao
COAF; diante disso, o Deputado recebia depósitos periódicos de R$ 19 mil para burlar essa regra. Para o STF, isso configura o
crime de lavagem. Trata-se de uma forma de ocultação da origem e da localização da vantagem pecuniária recebida pela prática do
crime anterior.
Além disso, a apresentação de informações falsas em declarações de ajuste anual de imposto de renda foi uma forma de tentar dar
um ar de licitude a patrimônio oriundo de práticas delituosas.
Crime de embaraçar investigação previsto na Lei do Crime Organizado não é restrito à fase do inquérito
Resumo do julgado
A Lei das organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013) prevê o seguinte crime:
Art. 2º (...) § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que
envolva organização criminosa.
Quando o art. 2º, § 1º fala em “investigação” ele está se limitando à fase pré-processual ou abrange também a ação penal? Se o
agente embaraça o processo penal, ele também comete este delito?
SIM. A tese de que a investigação criminal descrita no art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013 limita-se à fase do inquérito não foi aceita
pelo STJ. Isso porque as investigações se prolongam durante toda a persecução criminal, que abarca tanto o inquérito policial quanto
a ação penal deflagrada pelo recebimento da denúncia.
Assim, como o legislador não inseriu uma expressão estrita como “inquérito policial”, compreende-se ter conferido à investigação
de infração penal o sentido de “persecução penal”, até porque carece de razoabilidade punir mais severamente a obstrução das
investigações do inquérito do que a obstrução da ação penal.
Ademais, sabe-se que muitas diligências realizadas no âmbito policial possuem o contraditório diferido, de tal sorte que não é
possível tratar inquérito e ação penal como dois momentos absolutamente independentes da persecução penal.
O tipo penal previsto pelo art. 2º, §1º, da Lei nº 12.850/2013 define conduta delituosa que abrange o inquérito policial e a ação
penal.
STJ. 5ª Turma. HC 487.962-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/05/2019 (Info 650).
Crime do art. 2º, § 1º da Lei nº 12.850/2013
A Lei das organizações criminosas (Lei nº 12.850/2013) prevê o seguinte crime:
Art. 2º (...)
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva
organização criminosa.
Quando o art. 2º, § 1º fala em “investigação”, ele está se limitando à fase pré-processual ou abrange também a ação penal? Se o
agente embaraça o processo penal, ele também comete este delito?
SIM.
Não faria sentido punir a conduta de embaraçar o inquérito e não a ação penal
Não seria razoável punir mais severamente a obstrução das investigações ocorridas durante o inquérito policial e deixar de sancionar
a obstrução realizada na ação penal (processo judicial).
Em suma:
O tipo penal previsto pelo art. 2º, §1º, da Lei nº 12.850/2013 define conduta delituosa que abrange o inquérito policial e a
ação penal.
STJ. 5ª Turma. HC 487.962-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/05/2019 (Info 650).
Qual foi a técnica de hermenêutica utilizada para se construir o raciocínio acima? Analogia?
NÃO. Não houve emprego de analogia. Trata-se unicamente de interpretação extensiva.
Nesse sentido:
“o crime em exame não se perfaz apenas quando o sujeito ativo impede ou de qualquer forma, embaraça o andamento de
inquérito policial de infração que envolva organização criminosa e tampouco, se circunscreve à primeira fase da persecução
penal (...) Impedir ou embaraçar processo judicial também se enquadra no § 1º do art. 2º da Lei 12.850/2013, conclusão a
que se chega mediante interpretação extensiva. Ora se é punido o menos (investigação), há de ser punido o mais (processo
penal). Não se pode olvidar que o bem jurídico tutelado é a própria Administração da Justiça. Assim, o dispositivo em
questão peca por inadequação de linguagem, e não por ser lacunoso. Portanto, não há falar em analogia in malam partem,
esta sim vedada em matéria penal. Com esse entendimento, busca-se apenas a mens legis e não uma solução além da
vontade do legislador (...)” (MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Crime organizado. 2ª ed., São Paulo: Método, 2016).
É a posição também de Nucci:
“Segundo cremos, impedir ou embaraçar processo judicial também se encaixa nesse tipo penal, valendo-se de interpretação
extensiva. Afinal, se o menos é punido (perturbar mera investigação criminal), o mais (processo instaurado pelo mesmo
motivo) também deve ser.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015).
Depois da Lei 13.497/2017, tanto o caput como o parágrafo único do art. 16 da Lei 10.826/2003 são hediondos
Resumo do julgado
A qualificação de hediondez aos crimes do art. 16 da Lei nº 10.826/2003, inserida pela Lei nº 13.497/2017, abrange os tipos do
caput e as condutas equiparadas previstas no seu parágrafo único.
STJ. 6ª Turma. HC 526916-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 01/10/2019 (Info 657).
PACOTE ANTICRIME
Antes do Pacote Anticrime, a Lei nº 8.072/90 afirmava que era crime hediondo a “posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
restrito, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.
O Pacote Anticrime alterou a redação da Lei nº 8.072/90 e passou a dizer que é crime hediondo “o crime de posse ou porte ilegal de
arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.
Desse modo, pela nova redação dada pela Lei nº 13.964/2019:
• o art. 16 do Estatuto do Desarmamento passou a diferenciar arma de fogo de uso restrito de arma de fogo de uso proibido;
• somente é crime hediondo a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido;
• não é mais crime hediondo a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.
Isso significa que as pessoas condenadas pelo art. 16 do Estatuto do Desarmamento por condutas envolvendo armas de fogo de uso
restrito não mais poderão receber o tratamento destinado aos crimes hediondos. Tais crimes deixaram de ser hediondos. Houve,
portanto, novatio legis in mellius.
Vigência e irretroatividade
A Lei nº 13.497/2017 entrou em vigor no dia 27/10/2017.
A Lei é mais gravosa e, por isso, não tem efeitos retroativos.
Assim, quem cometeu o delito do art. 16 do Estatuto do Desarmamento até o dia 26/10/2017, não praticou crime hediondo.
Por outro lado, quem cometeu o delito do art. 16 a partir da publicação da Lei nº 13.497/2017, receberá o tratamento mais gravoso
destinado aos crimes hediondos.
ESTATUTO DO DESARMAMENTO
Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE
Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer,
receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda
que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar,
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo,
acessório ou munição de uso proibido ou restrito, acessório ou munição de uso restrito, sem
sem autorização e em desacordo com determinação autorização e em desacordo com determinação legal
legal ou regulamentar: ou regulamentar:
(...) (...)
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: § 1º Nas mesmas penas incorre quem:
(...) (...)
Não havia § 2º do art. 16. § 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste
artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a
pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Antes do Pacote Anticrime, a Lei nº 8.072/90 afirmava que era crime hediondo a “posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
restrito, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.
O Pacote Anticrime alterou a redação da Lei nº 8.072/90 e passou a dizer que é crime hediondo “o crime de posse ou porte ilegal de
arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003”.
É possível que o juiz negue o benefício do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas pelo simples fato de o acusado ser investigado em
inquérito policial ou réu em outra ação penal que ainda não transitou em julgado?
Resumo do julgado
É possível que o juiz negue o benefício do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas com base no fato de o acusado ser investigado em
inquérito policial ou ser réu em outra ação penal que ainda não transitou em julgado?
• STJ: SIM.
É possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o réu se dedica a
atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006.
STJ. 3ª Seção. EREsp 1.431.091-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 14/12/2016 (Info 596).
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 539.666/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020.
• STF: NÃO.
Não se pode negar a aplicação da causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, com
fundamento no fato de o réu responder a inquéritos policiais ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase
recursal, sob pena de violação ao art. 5º, LIV (princípio da presunção de não culpabilidade).
Não cabe afastar a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) com base em condenações
não alcançadas pela preclusão maior (coisa julgada).
STF. 1ª Turma. HC 173806/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/2/2020 (Info 967).
STF. 1ª Turma. HC 166385/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/4/2020 (Info 973).
STF. 2ª Turma. HC 144309 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 19/11/2018.
Tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006) não é crime equiparado a hediondo
Veja o que diz o novo § 5º do art. 112 da LEP:
Art. 112 (...)
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da
Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. (Lei nº 13.964/2019 – Pacote Anticrime)
É possível que o juiz negue o benefício do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas com base no fato de o
acusado ser investigado em inquérito policial ou ser réu em outra ação penal que ainda não
transitou em julgado?
STJ. 3ª Seção. EREsp 1.431.091-SP, Rel. Min. Felix STF. 1ª Turma. HC 166385/MG, Rel. Min. Marco
Fischer, julgado em 14/12/2016 (Info 596). Aurélio, julgado em 14/4/2020 (Info 973).
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 539.666/RS, Rel. Min. STF. 2ª Turma. HC 144309 AgR, Rel. Min. Ricardo
Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020. Lewandowski, julgado em 19/11/2018.
Para ter direito à atenuante no caso do crime de tráfico de drogas, é necessário que o réu admita que traficava, não podendo
dizer que era mero usuário (Súmula 630-STJ)
Resumo do julgado
Súmula 630-STJ: A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o
reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio.
STJ. 3ª Seção. Aprovada em 24/04/2019, DJe 29/04/2019.
NOÇÕES GERAIS SOBRE A CONFISSÃO
Confissão espontânea: atenuante
A confissão espontânea é atenuante genérica prevista no art. 65, III, “d”, do CP:
Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
III — ter o agente:
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
Como se trata de atenuante, a confissão serve para diminuir a pena do condenado, o que é feito na 2ª fase da dosimetria da pena.
Confissão parcial
A confissão parcial ocorre quando o réu confessa apenas parcialmente os fatos narrados na denúncia. Ex.: o réu foi denunciado por
furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (art. 155, § 4º, I, do CP). Ele confessa a subtração do bem, mas nega que tenha
arrombado a casa.
Se a confissão foi parcial e o juiz a considerou no momento da condenação, este magistrado deverá fazer incidir a atenuante na
fase da dosimetria da pena?
SIM. Se a confissão, ainda que parcial, serviu de suporte para a condenação, ela deverá ser utilizada como atenuante (art. 65, III,
“d”, do CP) no momento de dosimetria da pena.
Incide a atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do CP, independente se a confissão foi integral ou parcial, quando o magistrado a
utilizar para fundamentar a condenação.
Mesmo nas hipóteses de confissão qualificada ou parcial, deve incidir a atenuante prevista no art. 65. III, “d”, do Código Penal, se
os fatos narrados pelo autor influenciaram a convicção do julgador.
Essa é a inteligência da Súmula 545 do STJ.
STJ. 5ª Turma. HC 450.201/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 21/03/2019.
Confissão qualificada
A confissão qualificada ocorre quando o réu admite a prática do fato, no entanto, alega em sua defesa um motivo que excluiria o
crime ou o isentaria de pena. Ex: eu matei sim, mas foi em legítima defesa.
Obs: por serem muito próximos os conceitos, alguns autores apresentam a confissão parcial e a qualificada como sinônimas.
Se a confissão foi qualificada e o juiz a considerou no momento da condenação, este magistrado deverá fazer incidir a atenuante
na fase da dosimetria da pena?
Para o STJ: SIM.
Não é possível desmerecer a confissão daquele que efetivamente contribui para a elucidação dos fatos supostamente delituosos,
ainda que agregando teses defensivas.
Nos casos em que a confissão do acusado servir como um dos fundamentos para a condenação, deve ser aplicada a atenuante em
questão, pouco importando se a confissão foi espontânea ou não, se foi total ou parcial, ou mesmo se foi realizada só na fase
policial, com posterior retratação em juízo.
Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do
Código Penal (Súmula 545/STJ), sendo indiferente que a admissão da autoria criminosa seja parcial, qualificada ou acompanhada de
alguma causa excludente de ilicitude ou culpabilidade.
STJ. 5ª Turma. HC 450.201/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 21/03/2019.
STJ. 6ª Turma. AgInt no REsp 1775963/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 07/05/2019.
Obs: o STF possui julgados em sentido contrário. Veja: (...) A confissão qualificada não é suficiente para justificar a atenuante
prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal (...) STF. 1ª Turma. HC 119671, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 05/11/2013.
Como o último julgado do STF sobre o tema é relativamente antigo (2013), em provas é mais provável que seja cobrado o
entendimento do STJ. Fique atenta(o), contudo, à redação do enunciado.
Confissão retratada
A chamada confissão retratada ocorre quando o agente confessa a prática do delito e, posteriormente, se retrata, negando a autoria.
Ex: durante o inquérito policial, João confessa o crime, mas em juízo volta atrás e se retrata, negando a imputação e dizendo que foi
torturado pelos policiais. O agente confessa na fase do inquérito policial e, em juízo, se retrata, negando a autoria. O juiz condena o
réu fundamentando sua sentença, dentre outros argumentos e provas, na confissão extrajudicial.
Se a confissão foi retratada e o juiz a considerou no momento da condenação, este magistrado deverá fazer incidir a atenuante
na fase da dosimetria da pena?
Para o STJ: SIM.
Se a confissão do réu foi utilizada para corroborar o acervo probatório e fundamentar a condenação, deve incidir a atenuante
prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal, sendo irrelevante o fato de que tenha havido posterior retratação, ou seja, que o agente
tenha voltado atrás e negado o crime.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1712556/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/06/2019.
Obs: existem alguns julgados do STF em sentido contrário: a retratação em juízo da anterior confissão policial obsta a invocação e a
aplicação obrigatória da circunstância atenuante referida no art. 65, inc. III, alínea ‘d’, do Código Penal (STF. 2ª Turma. HC
118375, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 08/04/2014.
Em suma, na sentença o juiz poderá utilizar a confissão parcial, a confissão qualificada ou a confissão com retratação posterior
para, em conjunto com outras provas, condenar o réu?
SIM.
Neste caso, o juiz deverá aplicar a atenuante do art. 65, III, “d”, do CP?
SIM. Para o STJ, é irrelevante que a confissão tenha sido parcial ou total, condicionada ou irrestrita, com ou sem retratação
posterior. Se a confissão foi utilizada pelo juiz como fundamento para a condenação, deverá incidir a atenuante do art. 65, III, “d”,
do Código Penal.
Entendimento sumulado
O STJ resumiu seus entendimentos sobre a confissão com a súmula 545:
Súmula 545-STJ: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante
prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.
Desse modo, a Súmula 545 do STJ vale tanto para casos de confissão parcial, de confissão qualificada e confissão com retratação
posterior. Em suma, se o juiz utilizou a confissão como fundamento (elemento de argumentação) para embasar a condenação, ele,
obrigatoriamente, deverá aplicar a atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do CP.
A confissão é um fato processual que gera um ônus e um bônus para o réu. O ônus está no fato de que isso será utilizado contra ele
como elemento de prova no momento da sentença. O bônus foi concedido pela lei e consiste na atenuação de sua pena. Para o STJ,
não seria justo que o magistrado utilizasse a confissão apenas para condenar o réu, sem lhe conferir o bônus, qual seja, o
reconhecimento da confissão.
Suponhamos que, na sentença, havia um trecho dizendo o seguinte: “não há dúvidas de que a droga pertencia ao acusado,
considerando que ele próprio confessa que a bolsa é sua”. Neste caso, como o réu admitiu a propriedade da droga, ele terá
direito à atenuante da confissão espontânea ao ser condenado por tráfico?
NÃO. Isso porque ele confessou a posse da droga para fins de consumo (e não para tráfico).
A atenuante da confissão espontânea pressupõe que o réu reconheça a autoria do fato típico que lhe é imputado. Ocorre que, no
caso, o réu não admitiu a prática do tráfico, pois afirmou que a droga era exclusivamente para seu consumo próprio, numa clara
tentativa de desclassificar a sua conduta para o crime do art. 28 da Lei nº 11.343/2006.
Nesse caso, em que se nega a prática do tipo penal apontado na peça acusatória, não é possível o reconhecimento da circunstância
atenuante.
Para o STJ, não incide a atenuante da confissão espontânea quando o réu não admite a autoria do exato fato criminoso que lhe é
imputado:
O reconhecimento da atenuante genérica prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal exige que o réu confesse os fatos pelos quais
está sendo devidamente processado.
STJ. 6ª Turma. HC 326.526/MS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 04/04/2017.
Em se tratando do crime de tráfico de entorpecentes, a confissão espontânea do acusado que admite a propriedade da droga, no
entanto afirma ser destinada a consumo próprio, sendo mero usuário, impossibilita o reconhecimento da atenuante prevista no art.
65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal.
STJ. 5ª Turma. HC 488.991/PR, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/03/2019.
Sabe-se que nos casos em que a confissão do agente é utilizada como fundamento para embasar a conclusão condenatória, a
atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do CP, deve ser aplicada em seu favor, pouco importando se a admissão da
prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial ou se houve retratação posterior em juízo. Entretanto, in casu, não
obstante o agravante tenha admitido a propriedade da droga, não reconheceu a traficância, afirmando que o estupefaciente
encontrado seria para uso pessoal, sendo, portanto, insuficiente para reconhecer a incidência da referida atenuante.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1308356 MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 07/08/2018.
Vale ressaltar que não se pode dizer que houve confissão parcial neste caso porque o réu admitiu a prática de um fato diferente:
(...) a incidência da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, alínea d, do Código Penal, no crime de tráfico ilícito
de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não sendo apta para atenuar a pena a mera admissão da
propriedade para uso próprio. Nessa hipótese, inexiste, nem sequer parcialmente, o reconhecimento do crime de tráfico de drogas,
mas apenas a prática de delito diverso. (...)
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1408971/TO, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 07/05/2019.
Não confundir:
Réu confessa a prática de outro tipo penal diverso
Confissão parcial
daquele narrado na denúncia.
Réu confessa apenas parcialmente os fatos narrados na Ex.: réu é acusado de tráfico de drogas (art. 33 da LD);
denúncia. ele confessa que a droga era sua, negando, porém, a
traficância. Isso significa que ele confessou a prática de
Ex.: réu foi acusado de furto qualificado; confessa a
um outro crime, qual seja, o porte para consumo
prática do furto, mas nega a qualificadora do
pessoal (art. 28 da LD).
rompimento de obstáculo.
Não deverá incidir a atenuante da confissão
Deverá incidir a atenuante da confissão espontânea
espontânea, considerando que o réu não reconheceu a
(STJ HC 328.021-SC).
autoria do fato típico imputado.
O entendimento da súmula 630 do STJ não é aplicável para situações envolvendo roubo e furto
Ministério Público oferece denúncia contra o acusado imputando-lhe a prática de roubo.
O réu se defende admitindo a subtração, mas negando o emprego de violência ou grave ameaça.
Em outras palavras, o acusado admitiu a prática de um furto (e não de roubo).
Nesses casos, o STJ tem admitido a incidência da atenuante afirmando que se está diante de confissão parcial:
Embora a simples subtração configure crime diverso - furto -, também constitui uma das elementares do delito de roubo - crime
complexo, consubstanciado na prática de furto, associado à prática de constrangimento, ameaça ou violência, daí a configuração de
hipótese de confissão parcial.
STJ. 5ª Turma. HC 299.516/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 21/06/2018.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 452.897/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 07/08/2018.
Para a incidência da majorante do art. 40, V, da Lei de Drogas, é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre os
Estados da federação
Resumo do julgado
Súmula 587-STJ: Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, V, da Lei 11.343/06, é desnecessária a efetiva transposição
de fronteiras entre estados da federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual.
Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.
Importante.
Imagine a seguinte situação hipotética:
João pegou um ônibus em Campo Grande (MS) com destino a São Paulo (SP).
Ocorre que algumas horas depois, antes que o ônibus cruzasse a fronteira entre os dois Estados, houve uma blitz da polícia no
interior do coletivo, tendo sido encontrados 10kg de cocaína na mochila de João, que confessou que iria levá-la para um traficante
de São Paulo.
O agente foi denunciado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006), com a incidência de duas causas de
aumento previstas no art. 40, III e V:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(...)
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de
sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos
onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de
reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
(...)
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
Quando caracterizado o tráfico entre estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal, o réu deverá sofrer uma sanção maior
do que aquele que, por exemplo, vende entorpecente a um usuário local. Isso está de acordo como princípio da individualização da
pena (art. 5º, XLVI, da CF/88).
A defesa alegou que o agente não chegou a atravessar a fronteira de nenhum Estado, de forma que não houve tráfico "entre
Estados da Federação". Logo, não deveria incidir a causa de aumento do inciso V. Essa tese é aceita pela jurisprudência? Para
incidir essa causa de aumento, é necessário que o agente atravesse as fronteiras?
NÃO.
Para que incida a causa de aumento de pena prevista no inciso V do art. 40, não se exige a efetiva transposição da fronteira
interestadual pelo agente, sendo suficiente a comprovação de que a substância tinha como destino localidade em outro
Estado da Federação.
STF. 1ª Turma. HC 122791/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/11/2015 (Info 808).
STJ. 6ª Turma. REsp 1370391/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 03/11/2015.
Esse era o entendimento pacificado no STJ e STF e agora foi sumulado.
APROFUNDANDO
O que você estudou acima é o suficiente para entender a súmula 587 do STJ. No entanto, acho importante para alertar sobre um
tema correlato: a necessidade de demonstração da intenção do agente de pulverizar a droga em mais de um Estado para que se
caracterize a causa de aumento de pena do art. 40, V, da Lei de Drogas. Veja abaixo:
Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da
competência da Justiça Federal.
Voltando ao exemplo
Pablo foi denunciado e condenado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com as causas de aumento da
transnacionalidade (art. 40, I) e da interestadualidade (art. 40, V):
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade
do delito;
(...)
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
A defesa recorreu alegando que não restou provada a interestadualidade prevista no art. 40, V.
O confisco de bens apreendidos em decorrência do tráfico pode ocorrer ainda que o bem não fosse utilizado de forma
habitual e mesmo que ele não tenha sido alterado
Resumo do julgado
É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a
necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a
descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no art. 243,
parágrafo único, da Constituição Federal.
STF. Plenário. RE 638491/PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17/5/2017 (repercussão geral) (Info 865).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi preso transportando, em seu veículo, 88 quilos de maconha.
O Ministério Público denunciou o agente e, nas alegações finais, pediu que o juiz, além de condenar o réu, determinasse o confisco
do automóvel, com base no art. 243, parágrafo único, da CF/88:
Art. 243 (...)
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e
da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (Redação dada
pela EC 81/2014)
A defesa, por sua vez, refutou o pedido alegando que o veículo não foi preparado para disfarçar o transporte da droga (não foi
instalado um fundo falso, p. ex.). Além disso, essa foi a primeira e única vez que ele utilizou o automóvel para o tráfico, não
havendo habitualidade que justificasse o perdimento do bem. Para a defesa, perda do bem pelo confisco deve ficar reservada aos
casos de utilização do bem de forma efetiva (e não eventual) para a prática do delito.
A tese da defesa encontra amparo na jurisprudência do STF? Para que haja o confisco de que trata o art. 243, parágrafo único,
da CF/88 é necessário que fique provado que o bem era utilizado de forma habitual para o crime ou que ele tenha sido
modificado com a finalidade de cometer o delito?
NÃO. A tese da defesa não encontra acolhida. Segundo a tese firmada pelo STF:
É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a
necessidade de se perquirir (investigar) a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação
para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos
expressamente no art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal.
STF. Plenário. RE 638491/PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17/5/2017 (repercussão geral) (Info 865).
Interpretação literal
O confisco de bens pelo Estado é uma forma de restrição ao direito fundamental de propriedade, garantido pelo art. 5º, caput e XXII,
da CF/88.
Como se trata de uma restrição a direito fundamental, o confisco de bens deve ser aplicado de acordo com a literalidade do texto
constitucional, sendo, portanto, vedado criar outros requisitos que não os estabelecidos pelo art. 243, parágrafo único, da CF/88.
Repressão ao tráfico
O confisco, no direito comparado, é um instituto aplicado aos delitos de repercussão econômica, a fim de garantir o ideal de que “o
crime não deve compensar”.
Essa mesma perspectiva foi adotada pela CF/88, que internalizou diversos diplomas internacionais que visam a reprimir
severamente o tráfico de drogas.
Assim, é calculado o quanto aquele condenado deveria ter de patrimônio com base em seu rendimento lícito e o quanto ele tem de
fato. A lei presume que os valores que ele possui a mais são produto ou proveito de crime e, por essa razão, o juiz fica autorizado a
decretar o perdimento dessa diferença.
Exemplo: com base nos rendimentos lícitos do réu, era para ele ter R$ 100 mil de patrimônio; a despeito disso, foram encontrados
bens em seu nome ou em seu poder avaliados em R$ 500 mil; diante disso, o magistrado irá decretar o perdimento de R$ 400 mil.
Além do requisito objetivo (diferença de patrimônio) a lei exige também um requisito subjetivo, nos seguintes termos:
Art. 63-F (...)
§ 1º A decretação da perda prevista no caput deste artigo fica condicionada à existência de elementos probatórios que
indiquem conduta criminosa habitual, reiterada ou profissional do condenado ou sua vinculação a organização criminosa.
O que deverá ser provado pela acusação para que ocorra o perdimento:
• que o valor do patrimônio do condenado é superior ao valor que seria compatível com o seu rendimento lícito;
• que o condenado possui conduta criminosa habitual, reiterada ou profissional, ou, então, que ele possui vinculação com
organização criminosa.
Fazendo a comprovação dessas duas circunstâncias, surge uma presunção relativa de que essa diferença patrimonial é de
procedência ilícita.
Vale ressaltar que, mesmo que o MP faça a comprovação das duas circunstâncias acima, a defesa ainda poderá evitar o perdimento,
conforme prevê o § 3º do art. 63-F:
§ 3º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
Crimes da Lei 11.343/2006 para os quais pode ser aplicado esse perdimento de bens do art. 63-F
• Art. 33, caput e § 1º (tráfico de drogas e condutas equiparadas);
• Art. 34 (tráfico de maquinário);
• Art. 35 (associação para o tráfico);
• Art. 36 (financiamento do tráfico e assemelhados).
Sentença
Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada (§ 4º do
art. 91-A).
Instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias
Art. 91-A (...)
§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em
favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das
pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.
Ocorrendo o tráfico de drogas nas imediações de presídio, incidirá a causa de aumento do art. 40, III, da LD, não
importando quem seja o comprador
Resumo do julgado
Se o agente vende a droga nas imediações de um presídio, mas o comprador não era um dos detentos nem qualquer pessoa que
estava frequentando o presídio, ainda assim deverá incidir a causa de aumento do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006?
SIM. A aplicação da causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006 se justifica quando constatada a
comercialização de drogas nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, sendo irrelevante se o agente infrator
visa ou não aos frequentadores daquele local.
Assim, se o tráfico de drogas ocorrer nas imediações de um estabelecimento prisional, incidirá a causa de aumento, não importando
quem seja o comprador do entorpecente.
STF. 2ª Turma. HC 138944/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 21/3/2017 (Info 858).
Se o agente vende a droga nas imediações de um presídio, mas o comprador não era um dos detentos nem qualquer pessoa que
estava frequentando o presídio, ainda assim deverá incidir essa causa de aumento? Ex.: João, viciado em droga, mora bem ao
lado de um presídio. Ele liga para Pedro, traficante, pedindo que leve cocaína até a sua casa. O traficante chega na residência de
João e, no momento em que está entregando o entorpecente, aparece a viatura da polícia e efetua a prisão em flagrante do
agente. O traficante responderá pela causa de aumento do inciso III?
SIM.
A aplicação da causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006 se justifica quando constatada a
comercialização de drogas nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, sendo irrelevante se o agente
infrator visa ou não aos frequentadores daquele local.
Assim, se o tráfico de drogas ocorrer nas imediações de um estabelecimento prisional, incidirá a causa de aumento, não
importando quem seja o comprador do entorpecente.
STF. 2ª Turma. HC 138944/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 21/3/2017 (Info 858).
Exemplo
O exemplo típico desta técnica de investigação é o caso do tráfico de drogas. Imagine que a polícia descubra que determinado
passageiro irá embarcar uma grande quantidade de droga em uma barco que seguirá de um Estado para outro. A polícia poderia
prender o traficante no instante em que este estivesse embarcando o entorpecente, ou ainda, no momento do transporte. Entretanto,
revela-se mais conveniente à investigação que a autoridade policial aguarde até que o agente chegue ao seu destino onde poderá
descobrir e prender também o destinatário da droga. Este modo de proceder é chamado de “ação controlada”.
Conceito
Ação controlada é...
- uma técnica especial de investigação
- por meio da qual a autoridade policial ou administrativa (ex: Receita Federal, corregedorias),
- mesmo percebendo que existem indícios da prática de um ato ilícito em curso,
- retarda (atrasa, adia, posterga) a intervenção neste crime para um momento posterior,
- com o objetivo de conseguir coletar mais provas,
- descobrir coautores e partícipes da empreitada criminosa,
- recuperar o produto ou proveito da infração ou
- resgatar, com segurança, eventuais vítimas.
Nomenclatura
A ação controlada é também denominada de “flagrante prorrogado, retardado ou diferido”.
Em que consiste a chamada “entrega vigiada”?
Trata-se de uma forma de “ação controlada”, prevista na Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004), por meio da qual as
autoridades policiais ou administrativas permitem que “remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os
atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar
infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática” (art. 2º, "i").
Previsão legislativa
A ação controlada é prevista nos seguintes dispositivos legais:
Convenção de Palermo (Decreto 5.015/2004):
Artigo 20
Técnicas especiais de investigação
1. Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitirem, cada Estado Parte, tendo em conta as suas
possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o
recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como
a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu
território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.
(...)
4. As entregas vigiadas a que se tenha decidido recorrer a nível internacional poderão incluir, com o consentimento dos Estados
Partes envolvidos, métodos como a intercepção de mercadorias e a autorização de prosseguir o seu encaminhamento, sem alteração
ou após subtração ou substituição da totalidade ou de parte dessas mercadorias.
Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas):
Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei,
mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
(...)
II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção,
que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações
de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário
provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.
Lei nº 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais):
Art. 4º-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz,
ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações. (Incluído pela Lei nº
12.683/2012)
Pacote anticrime
A Lei nº 9.613/98 trata sobre o crime de lavagem de dinheiro.
A Lei nº 13.964/2019 acrescentou um parágrafo ao art. 1º da Lei de Lavagem dizendo o seguinte:
Art. 1º (...)
§ 6º Para a apuração do crime de que trata este artigo, admite-se a utilização da ação controlada e da infiltração de agentes.
Lei nº 12.850 (Lei do Crime Organizado):
Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização
criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no
momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
A previsão acima é muito importante considerando que, na antiga Lei do Crime Organizado (Lei n. 9.034/95), não se impunha
uma fiscalização prévia da ação controlada por parte do Poder Judiciário, o que gerava um perigo grande de que houvesse abusos
ou, pior, que existissem atos de corrupção ou leniência praticados pelas autoridades policiais e que fossem acobertados sob o
argumento de que se estava diante de uma “ação controlada”. Em outras palavras, poderia acontecer de a autoridade identificar a
prática de um crime em curso e não reprimi-lo por conta de corrupção. Caso fosse descoberta e questionada sobre este fato, a
autoridade alegava que estava praticando uma “ação controlada” e que iria atuar no momento certo. Isso agora não mais será
possível tendo em vista que a Lei exige a comunicação prévia da ação controlada ao juiz.
A Lei nº 12.850/2013 fez bem ao dispensar a prévia autorização, exigindo tão-somente a comunicação. Isso porque algumas vezes
os fatos se desenrolam de forma muito rápida e não daria tempo para se aguardar uma decisão judicial. Logo, a comunicação prévia
supre a preocupação externada no parágrafo anterior (evitar que a autoridade policial "simule" uma ação controlada) e, ao mesmo
tempo, não prejudica a dinâmica das investigações. Assim, protocolizada a comunicação, a ação controlada poderá ser levada a
efeito pela autoridade até que venha, se vier, uma limitação imposta pelo juiz.
Em muitas situações, não haveria sequer tempo hábil para que se aguardasse uma autorização judicial para a ação controlada eis que
os fatos da vida acontecem de forma célere e a execução do delito, não raras vezes, é mais célere que o tempo necessário para o
magistrado autorizar o diferimento da atuação policial.
Vale ressaltar que, se o crime de tráfico de drogas ou de lavagem de capitais estiverem sendo praticados por organização criminosa
que se enquadre no conceito da Lei nº 12.850/2013, será possível que a autoridade policial invoque o art. 8º, § 1º deste diploma e
faça a ação controlada valendo-se da mera comunicação prévia considerando que neste caso estará sendo investigada uma
organização criminosa.
A tese da defesa foi aceita pelo STJ? Houve ação controlada no presente caso?
NÃO.
A investigação policial que tem como única finalidade obter informações mais concretas acerca de conduta e de paradeiro de
determinado traficante, sem pretensão de identificar outros suspeitos, não configura a ação controlada do art. 53, II, da Lei
nº 11.343/2006, sendo dispensável a autorização judicial para a sua realização.
STJ. 6ª Turma. RHC 60.251-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 17/9/2015 (Info 570).
Não houve ação controlada no presente caso considerando que os policiais não pretendiam com a investigação prolongada revelar a
identidade de outros possíveis traficantes que atuassem em conjunto com o réu, mas sim, tão somente, encontrar informações mais
precisas a respeito das supostas condutas ilícitas por ele praticadas para obterem maior êxito durante sua abordagem.
Além disso, os elementos retratados nos autos apontam no sentido de que, na primeira oportunidade em que se materializou um
crime por parte do réu a Polícia Militar efetuou sua prisão em flagrante, encaminhando-o à delegacia de polícia, não estando
configurada, assim, qualquer ação controlada.
Uma vez inexistente ação controlada, desnecessária se mostrava a autorização judicial para o caso.
Infiltração de agentes
A infiltração de agentes é uma técnica especial de investigação por meio da qual um policial, escondendo sua real identidade, finge
ser também um criminoso a fim de ingressar na organização criminosa e, com isso, poder coletar elementos informativos a respeito
dos delitos que são praticados pelo grupo, identificando os seus integrantes, sua forma de atuação, os locais onde moram e atuam, o
produto dos delitos e qualquer outra prova que sirva para o desmantelamento da organização e para ser utilizado no processo penal.
Regime inicial para condenado não reincidente a pena de até 4 anos com circunstâncias judiciais negativas (influência da
natureza e quantidade da droga)
Resumo do julgado
É legítima a fixação de regime inicial semiaberto, tendo em conta a quantidade e a natureza do entorpecente, na hipótese em que ao
condenado por tráfico de entorpecentes tenha sido aplicada pena inferior a 4 anos de reclusão.
A valoração negativa da quantidade e da natureza da droga representa fator suficiente para a fixação de regime inicial mais gravoso.
STF. 2ª Turma. HC 133308/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 29/3/2016 (Info 819).
Imagine que o réu foi condenado a 3 anos de reclusão por tráfico de drogas (art. 33 da LD). O juiz fixou o regime inicial
semiaberto sob o argumento de que foi muito grande a quantidade de droga comercializada e que se tratava de crack, substância
entorpecente cuja natureza é altamente viciante. Agiu corretamente o magistrado? Ele poderia ter feito isso?
SIM.
É legítima a fixação de regime inicial semiaberto, tendo em conta a quantidade e a natureza do entorpecente, na hipótese em
que ao condenado por tráfico de entorpecentes tenha sido aplicada pena inferior a 4 anos de reclusão.
STF. 2ª Turma. HC 133308/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 29/3/2016 (Info 819).
Segundo entendeu o STF, a decisão respeitou o disposto no art. 33, § 2º, “b”, e § 3º, do CP c/c o art. 42 da Lei nº 11.343/2006:
CP/Art. 33 (...)
§ 2º As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os
seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-
la em regime semi-aberto;
(...)
§ 3º A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste
Código.
LD/Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e
a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.
Dessa forma, conjugando o § 3º do art. 33 do CP com o art. 42 da LD, é possível fixar o regime inicial mais gravoso, no caso de
tráfico, com base na natureza e quantidade da droga.
Existem outros precedentes do STF no mesmo sentido:
(...) 1. É pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a natureza e a quantidade da droga constituem motivação
idônea para a exasperação da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal e do art. 42 da Lei nº 11.343/06. Precedentes.
2. Como o regime inicial de cumprimento de pena deve observar o disposto no art. 33, § 3º, do Código Penal, e no art. 42 da Lei nº
11.343/06, que expressamente remetem às circunstâncias do crime (art. 59, CP) e à natureza e quantidade da droga, não há que se
falar em bis in idem na valoração negativa desses mesmos vetores na majoração da pena-base e na fixação do regime prisional mais
gravoso. (...)
STF. 2ª Turma. HC 131887, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 02/02/2016.
Mas esta situação (3 anos de reclusão + réu primário) não se amolda nos quadros acima transcritos...
É verdade. Os quadros acima transcritos representam as regras gerais previstas no art. 33 do CP. Ocorre que, segundo o STF, tais
regras podem ser relativizadas e o magistrado fixar um regime inicial mais gravoso com base nas circunstâncias judiciais (art. 59 do
CP) do caso concreto:
(...) A valoração negativa da quantidade, natureza e diversidade do entorpecente apreendido representa fator suficiente para a
fixação de regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade mais gravoso e para obstar a substituição da pena privativa
de liberdade por restritiva de direitos. (...)
STF. 2ª Turma. HC 131761, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 02/02/2016.
(...) A determinação do regime inicial de cumprimento da pena deve levar em conta dois fatores: (a) o quantum da reprimenda
imposta (CP, art. 33, § 2º); e (b) as condições pessoais do condenado estabelecidas na primeira etapa da dosimetria (CP, art. 59 c/c
art. 33 § 3º). Nesse contexto, não há ilegalidade na decisão que, mediante fundamentação jurídica adequada, estabelece o regime
inicial mais grave, como medida necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. (...)
STF. 2ª Turma. RHC 129811, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 24/11/2015.
Aplicação da causa de aumento de pena do art. 40, VI a mais de um crime e em patamar acima do mínimo
Resumo do julgado
Pedro convidou Lucas (15 anos) para auxiliá-lo, de forma estável e permanente, na prática do tráfico de drogas. Como contrapartida,
prometeu "pagar" pelo serviço dando 100g de cocaína por semana para que ele consumisse. Foram presos quando estavam
vendendo droga. Pedro foi denunciado por tráfico de drogas (art. 33) e associação para o tráfico (art. 35), com a causa de aumento
do art. 40, VI. Em uma situação assemelhada a esta, o STJ concluiu que:
I — A causa de aumento de pena do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006 pode ser aplicada tanto para agravar o crime de tráfico de
drogas (art. 33) quanto para agravar o de associação para o tráfico (art. 35) praticados no mesmo contexto. Não há bis in idem
porque são delitos diversos e totalmente autônomos, com motivação e finalidades distintas.
II — O fato de o agente ter envolvido um menor na prática do tráfico e, ainda, tê-lo retribuído com drogas, para incentivá-lo à
traficância ou ao consumo e dependência, justifica a aplicação, em patamar superior ao mínimo, da causa de aumento de pena do art.
40, VI, da Lei nº 11.343/2006, ainda que haja fixação de pena-base no mínimo legal. A aplicação da causa de aumento em patamar
acima do mínimo é plenamente válida, desde que fundamentada na gravidade concreta do delito.
STJ. 6ª Turma. HC 250455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).
Imagine a seguinte situação hipotética:
Pedro, conhecido traficante do bairro, convidou Lucas (15 anos) para auxiliá-lo, de forma estável e permanente, na prática do tráfico
de drogas.
Como contrapartida, prometeu "pagar" pelo serviço dando ao adolescente 100g de cocaína por semana para que ele consumisse.
Em uma das vezes em que estavam vendendo a droga, foram presos.
Pedro foi denunciado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da LD) e por associação para fins de tráfico (art. 35 da LD).
Além disso, o MP pediu que incidisse a causa de aumento do art. 40, VI:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(...)
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a
capacidade de entendimento e determinação;
O juiz, no momento de elaborar a sentença condenatória, ficou com duas dúvidas:
1) A causa de aumento de pena do art. 40, VI, da LD irá incidir sobre os dois crimes ou sobre apenas um deles? A pena a ser
aumentada será apenas a do art. 33, a do art. 35 ou dos dois?
Será aplicada sobre os dois delitos.
A causa de aumento de pena do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006 pode ser aplicada tanto para agravar o crime de tráfico de
drogas (art. 33) quanto para agravar o de associação para o tráfico (art. 35) praticados no mesmo contexto.
Ressalte-se que não há bis in idem porque são delitos diversos e totalmente autônomos, com motivação e finalidades distintas.
STJ. 6ª Turma. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).
2) Na dosimetria, o juiz fixou a pena-base no mínimo legal porque não identificou a existência de circunstâncias judiciais
negativas. No entanto, no momento em que foi aplicar a causa de aumento, entendeu que deveria aplicar 1/3, fundamentando no
fato de que é bastante reprovável remunerar a participação do adolescente por meio de droga que ele iria consumir e tornar-se
dependente. A fundamentação que o magistrado quer utilizar é idônea?
SIM.
O fato de o agente ter envolvido um menor na prática do tráfico e, ainda, tê-lo retribuído com drogas, para incentivá-lo à
traficância ou ao consumo e dependência, justifica a aplicação, em patamar superior ao mínimo, da causa de aumento de
pena do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006, ainda que haja fixação de pena-base no mínimo legal.
A aplicação da causa de aumento em patamar acima do mínimo é plenamente válida, desde que fundamentada na
gravidade concreta do delito.
STJ. 6ª Turma. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).
Aplicação de causa de aumento de pena do inciso VI ao crime de associação para o tráfico de drogas com criança ou
adolescente
Resumo do julgado
A participação do menor pode ser considerada para configurar o crime de associação para o tráfico (art. 35) e, ao mesmo tempo,
para agravar a pena como causa de aumento do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006.
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts.
33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
VI — sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a
capacidade de entendimento e determinação.
STJ. 6ª Turma. HC 250455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João, maior de idade, convidou Guilherme (17 anos) para que eles formassem uma dupla voltada à prática constante de tráfico de
drogas no bairro onde moravam.
Crime autônomo
O art. 35 é um crime autônomo. Isso significa que ele pode se consumar mesmo que os delitos nele mencionados acabem não
ocorrendo e fiquem apenas na cogitação ou preparação.
Assim, se João e Antônio se juntam, de forma estável e permanente, para praticar tráfico de drogas, eles terão cometido o crime do
art. 35, ainda que não consigam perpetrar nenhuma vez o tráfico de drogas.
Se João e Antônio conseguirem praticar o tráfico de drogas, eles responderão pelos dois delitos, ou seja, pelo art. 35 em concurso
material com o art. 33 da Lei nº 11.343/2006.
Consumação
O delito se consuma a partir do momento em que ocorre a associação, estável e permanente, de duas ou mais pessoas com o objetivo
de praticarem os delitos nele previstos. Não se exige a ocorrência de nenhum resultado naturalístico. Desse modo, é classificado
como crime formal.
Aplicação concomitante da causa de aumento de pena do art. 40, VI para o crime do art. 35
Voltando ao nosso exemplo, o Promotor de Justiça denunciou João pela prática de associação para o tráfico (art. 35 da LD) e ainda
pediu que a ele fosse aplicada a causa de aumento prevista no art. 40, VI, que prevê o seguinte:
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(...)
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a
capacidade de entendimento e determinação;
A defesa de João contra-argumentou afirmando que a participação do menor já foi utilizada para configurar o crime de associação
para o tráfico (duas pessoas), de forma que não poderia ser utilizada, novamente, para agravar a pena como causa de aumento, o que
ensejaria bis in idem.
O que você faria como juiz? É possível acatar o pedido do MP neste caso?
SIM.
A participação do menor pode ser considerada para configurar o crime de associação para o tráfico (art. 35) e, ao mesmo
tempo, para agravar a pena como causa de aumento do art. 40, VI, da Lei nº 11.343/2006.
STJ. 6ª Turma. HC 250.455-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015 (Info 576).
O agente poderia ter praticado o crime de associação para fins de tráfico valendo-se de outra pessoa, maior de idade. No entanto,
escolheu associar-se com um adolescente para o cometimento do delito. Desse modo, deverá responder de forma mais gravosa por
esta conduta, que foi considerada mais reprovável pelo legislador, nos termos do art. 40, VI, da LD.
Assim, é cabível a aplicação da majorante se o crime envolver ou visar a atingir criança ou adolescente em delito de associação para
o tráfico de drogas configurado pela associação do agente com menor de idade.
O fato de o réu ter ocupação lícita não significa que terá direito, necessariamente, à minorante do § 4º do art. 33 da LD
Resumo do julgado
Ainda que o réu comprove o exercício de atividade profissional lícita, se, de forma concomitante, ele se dedicava a atividades
criminosas, não terá direito à causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas).
O tráfico de drogas praticado por intermédio de adolescente que, em troca da mercancia, recebia comissão, evidencia (demonstra)
que o acusado se dedicava a atividades criminosas, circunstância apta a afastar a incidência da causa especial de diminuição de pena
prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006.
STJ. 6ª Turma. REsp 1380741-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/4/2016 (Info 582).
O juiz pode negar a aplicação do § 4º usando como argumento o fato de o réu, além do delito de tráfico (art. 33), ter
praticado também o crime de associação para o tráfico (art. 35)
Resumo do julgado
É inaplicável a causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 na hipótese em que o réu
tenha sido condenado, na mesma ocasião, por tráfico e pela associação de que trata o art. 35 do mesmo diploma legal.
A aplicação da referida causa de diminuição de pena pressupõe que o agente não se dedique às atividades criminosas. Desse modo,
verifica-se que a redução é logicamente incompatível com a habitualidade e permanência exigidas para a configuração do delito de
associação (art. 35), cujo reconhecimento evidencia a conduta do agente voltada para o crime e envolvimento permanente com o
tráfico.
STJ. 6ª Turma. REsp 1199671-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26/2/2013 (Info 517).
Consumação do crime de tráfico de drogas na modalidade adquirir pelo simples fato de a droga ter sido negociada por
telefone
Resumo do julgado
A conduta consistente em negociar por telefone a aquisição de droga e também disponibilizar o veículo que seria utilizado para o
transporte do entorpecente configura o crime de tráfico de drogas em sua forma consumada (e não tentada), ainda que a polícia, com
base em indícios obtidos por interceptações telefônicas, tenha efetivado a apreensão do material entorpecente antes que o
investigado efetivamente o recebesse.
Para que configure a conduta de "adquirir", prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, não é necessária a tradição do entorpecente e o
pagamento do preço, bastando que tenha havido o ajuste. Assim, não é indispensável que a droga tenha sido entregue ao comprador
e o dinheiro pago ao vendedor, bastando que tenha havido a combinação da venda.
STJ. 6ª Turma. HC 212528-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 1º/9/2015 (Info 569).
Segundo entende a jurisprudência, a modalidade de tráfico "adquirir" completa-se no instante em que ocorre a avença (combinado)
entre o comprador e o vendedor.
Assim, ocorre a modalidade "adquirir" quando o agente, embora sem receber a droga, concorda com o fornecedor quanto à coisa,
não havendo necessidade, para a configuração do delito, de que se efetue a tradição da droga adquirida, pois que a compra e venda
se realiza pelo consenso sobre a coisa e o preço.
Dessa forma, o simples fato de a droga ter sido negociada já constitui a conduta "adquirir", havendo, portanto, tráfico de drogas na
forma consumada.
A condenação por tráfico pode ocorrer mesmo que não tenha havido a apreensão da droga
Resumo do julgado
A ausência de apreensão da droga não torna a conduta atípica se existirem outros elementos de prova aptos a comprovarem o crime
de tráfico.
STJ. 6ª Turma. HC 131455-MT, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 2/8/2012.
A materialidade do crime de tráfico de entorpecentes pode ser atestada por outros meios idôneos existentes nos autos quando não
houve apreensão da droga e não foi possível realizar o exame pericial, especialmente se encontrado entorpecentes com outros
corréus ou integrantes da organização criminosa.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1116262/GO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 06/11/2018.
Caracteriza ilícito penal o porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003) ou de arma de fogo de uso restrito (art.
16 da Lei n. 10. 826/2003) com registro de cautela vencido
Resumo do julgado
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no julgamento da Ação Penal n. 686/AP, que, uma vez realizado o
registro da arma, o vencimento da autorização não caracteriza ilícito penal, mas mera irregularidade administrativa que autoriza a
apreensão do artefato e aplicação de multa (APn n. 686/AP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de
29/10/2015). Tal entendimento, todavia, é restrito ao delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n.
10.826/2003), não se aplicando ao crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003), muito menos ao delito de
porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei n. 10.826/2003), cujas elementares são diversas e a reprovabilidade mais
intensa. AgRg no AREsp 885.281-ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em
28/04/2020, DJe 08/05/2020. (Info 671)
O porte de arma branca é conduta que permanece típica na Lei das Contravenções Penais
Resumo do julgado
Como cediço, em relação às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenção Penal foi tacitamente revogado pelo art. 10 da Lei n.
9.437/1997, que, por sua vez, também foi revogado pela Lei n. 10.826/2003. Assim, o porte ilegal de arma de fogo caracteriza,
atualmente, infração aos arts. 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento, conforme seja a arma permitida ou proibida. Entrementes,
permaneceu vigente o referido dispositivo do Decreto-lei n. 3.688/1941 quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas
brancas. Desse modo, a jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de tipificação da conduta de porte de arma branca
como contravenção prevista no art. 19 do Decreto-lei n. 3.688/1941, não havendo que se falar em violação ao princípio da
intervenção mínima ou da legalidade. RHC 56.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em
10/03/2020, DJe 26/03/2020. (Info 658)
Posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12) e posse ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16) no mesmo
contexto fático: concurso de crimes
Resumo do julgado
Os tipos penais dos arts. 12 e 16 da Lei nº 10.826/2003 tutelam bens jurídicos diversos e, por essa razão, deve ser aplicado o
concurso formal quando apreendidas armas ou munições de uso permitido e de uso restrito no mesmo contexto fático.
O art. 16 do Estatuto do Desarmamento, além da paz e segurança públicas, também protege a seriedade dos cadastros do Sistema
Nacional de Armas, sendo inviável o reconhecimento de crime único, pois há lesão a bens jurídicos diversos.
STJ. 5ª Turma. AgRg nos EDcl no AREsp 1122758/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 24/04/2018.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1619960/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27/06/2017.
Se a ré pratica o crime de poluição qualificada e não toma providências para reparar o dano, entende-se que continua
praticando ato ilícito em virtude da sua omissão, devendo, portanto, ser considerado que se trata de crime permanente
Resumo do julgado
Os delitos previstos no:
- art. 54, § 2º, I, II, III e IV e § 3º e
- art. 56, § 1º, I e II,
- cumulados com a causa de aumento de pena do art. 58, I, da Lei nº 9.605/98,
... que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com
as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano
grave ou irreversível ao ecossistema,
... são crimes de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição.
Caso concreto: a empresa ré armazenou inadequadamente causando grave poluição da área degradada, sendo que, até o momento de
prolação do julgado, não havia tomado providências para reparar o dano, caracterizando a continuidade da prática infracional. Desse
modo, constata-se que o crime de poluição qualificada é permanente, ainda que por omissão da ré, que foi prontamente notificada a
reparar o dano causado, mas não o fez.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1847097-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 05/03/2020 (Info 667).
A situação concreta foi a seguinte:
Determinada empresa armazenou inadequadamente seu lixo industrial, causando grave poluição.
Vale ressaltar que a empresa não tomou qualquer providência para reparar o dano.
Diante disso, ela foi condenada pela prática dos seguintes delitos previstos na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98):
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que
provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
(...)
§ 2º Se o crime:
I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause
danos diretos à saúde da população;
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;
IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;
(...)
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade
competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito
ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências
estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança;
II - manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma
diversa da estabelecida em lei ou regulamento.
(...)
Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas:
I - de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral;
(...)
A empresa alegou que houve prescrição. O Ministério Público, por sua vez, sustentou que os crimes praticados são permanentes
e, por isso, não se operou a prescrição. O que o STJ decidiu?
São crimes permanentes.
A empresa causou poluição ambiental que provocou danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências
estabelecidas na legislação de proteção. Além disso, foi omissa porque não adotou medidas de precaução em um caso de risco de
dano grave ou irreversível ao ecossistema.
Para o STJ, a conduta criminosa ultrapassou a ação inicial, ou seja, os efeitos decorrentes da poluição permaneceram diante da
própria omissão da empresa recorrente em corrigir ou diminuir os efeitos geradores da conduta inaugural.
Assim, no caso em exame, o crime de poluição qualificada é permanente, diante da continuidade da prática infracional, ainda que
por omissão da ré, que foi prontamente notificada a reparar o dano causado – retirar os resíduos e assim não o fez.
Vale ressaltar que o STJ, ao analisar outro delito (o do art. 48 da Lei nº 9.605/98) construiu o entendimento de que não é possível se
falar em prescrição em crimes ambientais se as atividades lesivas ao meio ambiente não foram cessadas:
O delito previsto no art. 48 da Lei de Crimes Ambientais possui natureza permanente, cuja consumação se perdura no tempo até que
ocorra a cessação da atividade lesiva ao meio ambiente, momento a partir do qual se considera consumado e se inicia a contagem do
prazo prescricional, nos termos do art. 111, inciso III, do Código Penal.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1482369/DF, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), julgado
em 16/06/2015.
Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o caso concreto.
Em suma:
Os delitos previstos no:
- art. 54, § 2º, I, II, III e IV e § 3º e
- art. 56, § 1º, I e II,
- cumulados com a causa de aumento de pena do art. 58, I, da Lei nº 9.605/98,
... que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em
desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos
de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema,
... são crimes de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição.
STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.847.097-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 05/03/2020 (Info 667).
Uma última pergunta: no caso concreto, a ré era uma pessoa jurídica que, por óbvio, não está sujeita a penas privativas de
liberdade. Quais serão as regras de prescrição penal nesta hipótese? Mesmo não sendo cabível a pena privativa de liberdade,
utiliza-se o art. 109 do CP para se calcular a prescrição?
SIM.
Em crimes ambientais, embora incabível a imposição de penas privativas de liberdade às pessoas jurídicas, o prazo prescricional
deve obedecer à regra do art. 109, parágrafo único, do CP, que estabelece serem aplicáveis, às sanções restritivas de direitos, os
mesmos prazos definidos para a prescrição da pena corporal.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1712991/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/09/2018.
Veja o dispositivo legal mencionado:
Art. 109 (...)
Parágrafo único. Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.
É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional
condenado por homicídio culposo no trânsito
Resumo do julgado
O crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, tipificado no art. 302 do CTB, prevê, como uma das penas
aplicadas, a “suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”
Se o réu que praticou este crime é motorista profissional, ele pode, mesmo assim, receber essa sanção ou isso violaria o direito
constitucional ao trabalho? Não viola. O condenado pode sim receber essa sanção, ainda que se trate de motorista profissional.
É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional
condenado por homicídio culposo no trânsito.
O direito ao exercício de atividades profissionais (art. 5º, XIII) não é absoluto e a restrição imposta pelo legislador se mostra
razoável.
STF. Plenário. RE 607107/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 12/2/2020 (repercussão geral – Tema 486) (Info 966).
João recorreu contra a sentença afirmando que é motorista profissional e que a pena imposta (suspensão da habilitação) seria
inconstitucional por violar o direito ao trabalho, previsto no art. 5º, XIII, da CF/88 (“é livre o exercício de qualquer trabalho,
ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”). A tese de João foi acolhida pelo STF?
NÃO.
O direito ao exercício de atividades profissionais (art. 5º, XIII) não é absoluto.
Assim, é possível que haja restrições impostas pelo legislador, desde que se mostrem razoáveis. Para o STF, esta restrição é
razoável, neste caso.
Vale ressaltar, ainda, que a medida é coerente com o princípio da individualização da pena prevista no art. 5º, XLVI e, também,
respeita o princípio da proporcionalidade:
Art. 5º (...)
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
A suspensão do direito de dirigir não impossibilita o motorista profissional de extrair seu sustento de qualquer outra atividade
econômica.
Por fim, o Min. Roberto Barroso argumentou:
“Quando se priva fisicamente a liberdade de alguém, essa pessoa não pode dirigir, não pode trabalhar, não pode sair.
Portanto, aqui estamos falando de algo menor em relação à pena privativa de liberdade”.
Em suma:
É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional
condenado por homicídio culposo no trânsito.
STF. Plenário. RE 607107/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 12/2/2020 (repercussão geral – Tema 486) (Info 966).
Sujeitos do crime
Tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa.
Trata-se, portanto, de crime bicomum.
Elemento subjetivo
É o dolo.
Vale ressaltar que se exige especial fim de agir (dolo específico), considerando que o agente deve ter saído do local “para fugir à
responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”.
Não admite modalidade culposa.
Consumação
É crime material. Assim, o delito se consuma quando o agente consegue se afastar (evadir-se, fugir) do local do acidente.
Se ele tenta fugir, mas é impedido pela vítima, por populares ou pela polícia, por exemplo, haverá tentativa.
Outras informações
• a ação penal é pública incondicionada;
• trata-se de infração de menor potencial ofensiva, de forma que o rito é sumaríssimo (Lei nº 9.099/95), cabendo transação penal e
suspensão condicional do processo.
Discussão quanto à constitucionalidade deste crime
Os Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul possuíam entendimento no
sentido de que este crime do art. 305 do CTB seria inconstitucional ou, pelo menos, inconvencional. Isso porque ele violaria o
direito à não autoincriminação.
O direito à não autoincriminação é uma decorrência da ampla defesa, prevista no art. 5º, LV e LXIII.
Além disso, o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), que vige em nosso ordenamento
jurídico com caráter supralegal, estabelece em seu artigo 8º, inciso II, alínea “g”, que “toda pessoa tem direito de não ser obrigada a
depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.
Essa discussão chegou finalmente ao STF. O que decidiu o STF? O art. 305 do CTB é constitucional ou não?
O art. 305 do CTB é constitucional.
O STF, em repercussão geral, fixou a seguinte tese:
A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é constitucional, posto não infirmar o
princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da
antijuridicidade.
STF. Plenário. RE 971.959/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/11/2018 (repercussão geral) (Info 923).
Obriga-se o condutor a permanecer no local, mas não a “assumir a culpa” (continua “garantido o direito ao silêncio”)
O art. 305 do CTB exige que o agente permaneça no local do acidente e se identifique perante a autoridade de trânsito. Mas o tipo
penal não obriga que o condutor assuma eventual responsabilidade cível ou penal. Se ele permanecer no local e negar que tenha
culpa, não incide o crime do art. 305 do CTB.
Vale ressaltar, inclusive, que o condutor, após sua identificação pela autoridade de trânsito, pode optar por permanecer em silêncio
quanto à dinâmica do acidente e não prestar nenhum esclarecimento sobre como ocorreu o sinistro. Em suma, depois de se identificar,
pode exercer seu direito ao silêncio, que não significará confissão nem poderá ser interpretado em prejuízo da defesa (art. 186,
parágrafo único, do CPP).
Princípio da proporcionalidade
Eventual declaração de inconstitucionalidade da conduta tipificada no art. 305 do CTB, em nome de uma leitura absoluta e irrestrita
do princípio da vedação à autoincriminação, caracterizaria afronta ao princípio constitucional da proporcionalidade em sua
dimensão que proíbe a proteção deficiente.
Desse modo, o princípio que veda a não autoincriminação pode ser relativizado pelo legislador, considerando que, segundo a teoria
geral dos direitos fundamentais, havendo conflito entre dois princípios, é necessário um juízo de ponderação. Assim ocorre, por
exemplo, com os postulados da proibição de excesso e da vedação à proteção insuficiente.
Crime de lesão corporal leve na direção de veículo não permite absorção do delito de embriaguez ao volante
Resumo do julgado
Não é possível reconhecer a consunção do delito previsto no art. 306, do CTB (embriaguez ao volante) pelo crime do art. 303 (lesão
corporal culposa na direção de veículo automotor). Isso porque um não é meio para a execução do outro, sendo infrações penais
autônomas que tutelam bens jurídicos distintos.
Caso concreto: motorista conduzia seu veículo em estado de embriaguez quando atropelou um pedestre, causando-lhe lesões
corporais leves. Após a colisão, policiais militares submeteram o condutor ao teste de bafômetro, que atestou a ingestão de álcool.
STJ. 5ª Turma. REsp 1629107/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/03/2018.
STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 442.850/MS, Rel. Laurita Vaz, julgado em 25/09/2018.
A depender do caso concreto, é possível o reconhecimento de concurso material de crimes entre os arts. 241-A e 241-B do
ECA
A tese de consunção do crime previsto no art. 241-A por aquele descrito no art. 241-B não se sustenta, na hipótese, por se tratar de
delito de tipo misto alternativo, o qual abarca todas as condutas que tenham por objeto fotografias ou vídeos contendo menores em
cenas de sexo explícito ou pornográficas.
Quando o agente adquire ou baixa arquivos de imagens pornográficas (fotos e vídeos) envolvendo crianças e adolescentes e os
armazena no próprio HD - como no caso dos autos -, é perfeitamente possível o concurso material das condutas de “possuir” e
“armazenar” (art. 241-B do ECA) com as condutas de “publicar” ou “disponibilizar” e “transmitir” (art. 241 -A), o que autoriza a
aplicação da regra do art. 69 do Código Penal.
Como o tipo incriminador capitulado no art. 241-A não constitui fase normal ou meio de execução para o delito do art. 241-B, o
agente possuía a livre determinação de somente baixar, arquivar e/ou armazenar o material pornográfico infantil, para satisfazer sua
lascívia pessoal, mas poderia se abster de divulgá-lo, sobretudo a adolescentes - o que não ocorreu na espécie. STJ. 5ª Turma. AgRg
no AgRg no Resp 1330974/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Dje 19/02/2019.
O delito do art. 240 do ECA é classificado como crime formal, comum, de subjetividade passiva própria, consistente em tipo
misto alternativo
Resumo do julgado
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica,
envolvendo criança ou adolescente: (...)
• Crime formal (consumação antecipada): o delito se consuma independentemente da ocorrência de um resultado naturalístico.
Assim, a ocorrência de efetivo abalo psíquico e moral sofrido pela criança ou adolescente é mero exaurimento do crime, sendo
irrelevante para a sua consumação. De igual forma, se forem filmadas mais de uma criança ou adolescente, no mesmo contexto
fático, haverá crime único.
• Crime comum: o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa.
• Crime de subjetividade passiva própria: exige-se uma condição especial da vítima (no caso, exige-se que a vítima seja criança ou
adolescente).
• Tipo misto alternativo: o legislador descreveu duas ou mais condutas (verbos). No entanto, se o sujeito praticar mais de um verbo,
no mesmo contexto fático e contra o mesmo objeto material, responderá por um único crime, não havendo concurso de crimes nesse
caso. Logo, se o agente fotografou e filmou o ato sexual, no mesmo contexto fático, haverá crime único.
STJ. 5ª Turma. PExt no HC 438080-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/08/2019 (Info 655).
Imagine a seguinte situação hipotética:
Ao final de uma festa, “J” (18 anos) manteve relação sexual, ao mesmo tempo, com “D” (17 anos) e “K” (16 anos).
Sem que os três percebessem, “R” (18 anos) tirou fotos e filmou o ato sexual com um celular.
A gravação foi descoberta e instaurou-se um inquérito policial para apurar os fatos.
O agente praticou dois verbos do tipo penal (fotografar e filmar). Em razão disso, pode-se dizer que ele praticou duas vezes o
crime?
NÃO. O delito do art. 240 do ECA é classificado como tipo misto alternativo.
Antes de prosseguirmos, vamos relembrar o que é tipo misto. O tipo penal pode ser dividido em:
• tipo simples: ocorre quando o legislador descreve apenas um verbo para tipificar a conduta. Ex: art. 121 do CP (matar alguém);
• tipo misto: é aquele no qual o legislador descreve dois ou mais verbos, ou seja, mais de uma forma de se realizar o fato delituoso. Ex.: art.
34 da Lei de Drogas (o agente pratica o crime se fabricar, adquirir, utilizar etc.):
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer,
ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou
transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Houve duas vítimas (duas adolescentes foram filmadas e fotografas). Neste caso, podemos falar em dois crimes praticados em
concurso formal?
NÃO. Apesar de terem sido duas adolescentes filmadas e fotografadas, não se pode falar que houve dois resultados típicos. Isso
porque o crime do art. 240 do ECA é formal ou de consumação antecipada, consumando-se unicamente pela prática da conduta de
filmar ou fotografar cenas de sexo explícito, da qual participe criança ou adolescente.
Desse modo, a quantidade de vítimas menores filmadas ou fotografadas é elemento meramente circunstancial. Logo, não serve para
aumentar o número de crimes cometidos. Serve, contudo, para aumentar a pena-base como circunstância judicial desfavorável.
Isso significa que, mesmo tendo sido filmadas duas adolescentes, como isso ocorreu no mesmo contexto fático, pode-se dizer que
houve crime único.
O réu alegou que as duas adolescentes não sofreram nem tiveram qualquer abalo em decorrência da gravação, de sorte que não
teria havido crime. Essa tese pode ser acolhida?
Como já dito acima, o crime do art. 240 do ECA é formal ou de consumação antecipada, consumando-se unicamente pela prática da
conduta de filmar ou fotografar cenas de sexo explícito, da qual participe criança ou adolescente.
Assim, a ocorrência de efetivo abalo psíquico e moral sofrido pela criança ou adolescente é mero exaurimento do crime, sendo
irrelevante para a sua consumação.
Outras classificações
Podemos também dizer que o art. 240 do CP é crime:
• COMUM: aquele no qual o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (não exige qualquer qualidade especial do sujeito ativo);
• DE SUBJETIVIDADE PASSIVA PRÓPRIA: aquele no qual se exige uma condição especial da vítima (no caso do art. 240 do
ECA exige-se que a vítima seja criança ou adolescente).
O delito do art. 240 do ECA é classificado como crime formal, comum, de subjetividade passiva própria, consistente em tipo
misto alternativo.
STJ. 5ª Turma. PExt no HC 438.080-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 27/08/2019 (Info 655).
A Lei nº 7.716/89 pode ser aplicada para punir as condutas homofóbicas e transfóbicas
Resumo do julgado
1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos
incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que
envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo,
compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos
primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08.01.1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso,
circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”);
2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer
que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos
muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar,
livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o
que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica,
podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou
privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas
aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual
ou de sua identidade de gênero;
3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou
fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de
justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da
dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que
detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de
marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta
e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.
STF. Plenário. ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em em 13/6/2019 (Info 944).
Lei nº 7.716/89
A Lei nº 7.716/89 prevê os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
O art. 20 da Lei nº 7.716/89, por exemplo, trata sobre o crime de racismo:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Além dele, existem outros delitos tipificados pela Lei nº 7.716/89, como, por exemplo, os arts. 5º e 13:
Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Pena: reclusão de um a três anos.
Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.
Pena: reclusão de dois a quatro anos.
O grande ponto, contudo, da Lei nº 7.716/89 é que ela prevê que a punição para essas condutas ocorre se o preconceito manifestado
for em razão da raça ou da cor da vítima. O art. 20 fala também em preconceito relacionado com a etnia, religião e procedência
nacional.
Preconceito
É o pensamento que existe em determinados indivíduos no sentido de que certas pessoas ou grupos sociais são inferiores, nocivos,
prejudiciais.
“O preconceito é subjetivo, interior, está no intelecto da pessoa, configura um pré-julgamento negativo com relação a outro
indivíduo ou grupo.” (LAURIA, Mariano Paganini. Leis Penais Especiais comentadas artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2018,
p. 534).
Discriminação
É a exteriorização do preconceito por meio da prática de atos materiais.
Raça
O conceito de “raça” é amplo e não está limitado a uma definição biológica.
Em outras palavras, o conceito de raça não exige que as pessoas possuam as mesmas características genéticas, tais como cor do
cabelo, dos olhos e da pele (LAURIA, Mariano Paganini. ob. cit., p. 534).
“A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social.” (Min. Maurílio Correia no
HC 82424, julgado pelo STF em 17/09/2003).
Assim, por exemplo, os judeus são uma raça, mesmo que os indivíduos que componham essa coletividade possuam características
genéticas distintas entre si.
Cor
É a cor que a pessoa possui. É tonalidade, a pigmentação da pele.
Etnia
São os grupos humanos que apresentam aspectos comuns, tais como língua, religião e maneiras de agir. Trata-se do “conceito mais
adotado e recomendado pela sociologia hodiernamente para designar o que antes era entendido por ‘raça’”. (LAURIA, Mariano
Paganini. ob. cit., p. 507).
Exemplos: índios, árabes, judeus, quilombolas.
Religião
“Religião pode ser conceituada como conjunto de crenças relacionadas ao divino e sagrado, permeada por uma série de rituais e
códigos morais derivados de tais convicções. Não se inclui o ateísmo (ausência de crença religiosa), prevalecendo o entendimento
de que este é justamente a negação da crença na existência de uma divindade superior, motivo pelo qual não poderia ser equiparado
à religião, constituindo-se em espécie de doutrina filosófica. A discriminação por ateísmo seria, assim, fato atípico.” (LAURIA,
Mariano Paganini. ob. cit., p. 508).
Procedência nacional
É o lugar de onde a pessoa veio, ou seja, o lugar onde ela nasceu ou morava.
Interessante ressaltar que, segundo a doutrina, este conceito abrange tanto os estrangeiros (ex: venezuelanos, haitianos) como
também os nacionais que se deslocam dentro do país (exs: nortistas, nordestinos, sulistas etc.).
A Lei nº 7.716/89 previu, expressamente, que os crimes nela tipificados podem ser aplicados em caso de manifestações de
preconceito relacionadas com orientação sexual? A Lei nº 7.716/89 prevê, expressamente, punição para condutas homofóbicas e
transfóbicas?
NÃO. A Lei nº 7.716/89 não traz, expressamente, previsão para punição de condutas homofóbicas e transfóbicas.
A doutrina e a jurisprudência, por sua vez, afirmavam que o rol de elementos de preconceito e discriminação do art. 20 era taxativo.
Nesse sentido: STF. 1ª Turma. Inq 3590/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/8/2014.
Projetos de lei
Tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei buscando incluir, expressamente, na Lei nº 7.716/89, como crime, as
condutas homofóbicas e tansfóbicas. Contudo, sempre se observou uma resistência muito grande de certos setores da sociedade com
a punição de tais condutas e, em razão disso, esses projetos nunca foram aprovados.
Mandado de injunção
Diante do cenário acima descrito, em 2012, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) impetrou mandado
de injunção no STF no qual pediu o reconhecimento de que a homofobia e a transfobia se enquadrassem no conceito de racismo ou,
subsidiariamente, que fossem entendidas como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais.
Com fundamento nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição Federal, a ABGLT sustentou que a demora do Congresso
Nacional é inconstitucional, tendo em vista o dever de editar legislação criminal sobre a matéria.
O Min. Edson Fachin foi sorteado relator deste mandado de injunção.
ADO
Cerca de um ano depois, em 2013, o Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade por omissão
(ADO), na qual pediu que o STF declarasse a omissão do Congresso Nacional por não ter votado projeto de lei que criminaliza atos
de homofobia.
A ação foi proposta a fim de que seja imposto ao Poder Legislativo o dever de elaborar legislação criminal que puna a homofobia e
a transfobia como espécies do gênero “racismo”.
A criminalização específica, conforme o partido, decorre da ordem constitucional de legislar relativa ao racismo - crime previsto no
art. 5º, XLII, da Constituição Federal - ou, subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (art.
5º, XLI) ou, ainda, também subsidiariamente, ao princípio da proporcionalidade na acepção de proibição de proteção deficiente (art.
5º, LIV).
De acordo com o partido, o Congresso Nacional tem se recusado a votar o projeto de lei que visa efetivar tal criminalização.
O Min. Celso de Mello foi designado como relator da ADO.
• o Congresso Nacional já puniu diversas condutas discriminatórias na Lei nº 7.716/89, mas continua sendo omisso no que tange à
homofobia e transfobia. Logo, essa omissão precisa ser corrigida;
• a Lei nº 7.716/89 pune condutas racistas. Enquanto não se edita uma lei específica para se punir as condutas homofóbicas e
transfóbicas, deve-se aplicar os crimes previstos na Lei nº 7.716/89 para tais condutas. Isso porque o conceito de racismo é amplo,
não ficando limitado a uma definição biológica.
Depois de muitas sessões de discussão, o que decidiu o STF? O STF concordou com as ações propostas?
SIM.
Quanto ao MI:
O STF, por maioria, julgou procedente o mandado de injunção para:
a) reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e;
b) aplicar, com efeitos prospectivos, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito, a Lei nº 7.716/89 a fim de estender a
tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional à
discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.
Quanto à ADO:
O STF, também por maioria, julgou a ADO procedente, com eficácia geral e efeito vinculante, para:
a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a
cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para efeito de proteção penal
aos integrantes do grupo LGBT;
b) declarar, em consequência, a existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da União;
c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o art. 103, § 2º, da Constituição c/c o art. 12-H, caput, da
Lei nº 9.868/99:
Art. 103 (...)
§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder
competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados constitucionais de incriminação inscritos nos incisos XLI e
XLII do art. 5º da Carta Política, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos
diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional, por
dois motivos:
d.1) porque as práticas homotransfóbicas qualificam-se como espécies do gênero racismo, na dimensão de racismo social
consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento plenário do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), na medida em que tais
condutas importam em atos de segregação que inferiorizam membros integrantes do grupo LGBT, em razão de sua orientação
sexual ou de sua identidade de gênero;
d.2) porque tais comportamentos de homotransfobia ajustam-se ao conceito de atos de discriminação e de ofensa a direitos e
liberdades fundamentais daqueles que compõem o grupo vulnerável em questão;
e) declarar que os efeitos da interpretação conforme a que se refere a alínea “d” somente se aplicarão a partir da data em que se
concluir o presente julgamento.
O tema é extremamente amplo e irei fazer um breve resumo dos principais argumentos apresentados pelos Ministros
Existe um dever imposto pela CF/88 ao Congresso Nacional para que se crie normas de punição das condutas discriminatórias
A Constituição Federal possui dois mandados de incriminação para condutas discriminatórias: art. 5º, incisos XLI e XLII.
Assim, é possível concluir que a omissão do Congresso Nacional em produzir normas legais de proteção penal à comunidade LGBT
traduz situação configuradora de ilicitude, em afronta ao texto da CF/88.
Esse exercício de interpretação não significa legislar (não se está usurpando a competência do CN)
Para o Ministro, essa postura adotada no caso da greve – que não se limita a cientificar o Congresso da mora, fornecendo, desde
logo, uma solução jurídica para o caso – é um procedimento hermenêutico realizado pelo Poder Judiciário para extrair a necessária
interpretação dos diversos diplomas legais.
Segundo o Ministro, isso não se confunde com o processo de elaboração legislativa, ou seja, não se pode dizer que o STF esteja
legislando.
O processo de interpretação dos textos legais e da Constituição não importa em usurpação das atribuições normativas dos demais
poderes da República.
Conceito de “raça”
O conceito de “raça” que compõe a estrutura normativa dos tipos penais incriminadores previstos na Lei nº 7.716/89 tem merecido
múltiplas interpretações, revestindo-se, por isso, de inegável conteúdo polissêmico (algo que tem muitos significados).
Um exemplo disso foi o célebre julgamento do “caso Ellwanger” (HC 82424), em setembro de 2003, quando o STF manteve a
condenação imposta ao escritor gaúcho Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra os judeus. Naquela ocasião, o STF afastou
a alegação da defesa de que os “judeus” não seriam uma “raça”. Pode-se dizer, portanto, que o STF adotou uma espécie de conceito
“social” de raça.
(...) 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem
distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características
físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são
todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-
social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (...)
STF. Plenário. HC 82424, Relator p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, julgado em 17/09/2003.
Racismo é um conceito aberto que abrange preconceitos contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou identidade de
gênero
Assim, a noção de racismo – para efeito de configuração típica dos delitos previstos na Lei nº 7.716/89 – não se resume a um
conceito de ordem estritamente antropológica ou biológica. Projeta-se, ao contrário, numa dimensão abertamente cultural e
sociológica, a abranger até mesmo situações de agressão injusta resultantes de discriminação ou de preconceito contra pessoas por
sua orientação sexual ou sua identidade de gênero.
Interpretação conforme
Vale ressaltar que a aplicação da Lei nº 7.716/89 para condutas homofóbicas e transfóbicas resulta da aplicação do método da
interpretação conforme.
Assim, fazendo-se uma intepretação conforme do conceito de “raça”, previsto na Lei nº 7.716/89, chega-se à conclusão de que ele
pode abranger também orientação sexual e identidade de gênero.
Nas exatas palavras do Min. Celso de Mello:
“A constatação da existência de múltiplas expressões semiológicas propiciadas pelo conteúdo normativo da ideia de “raça” permite
reconhecer como plenamente adequado o emprego, na presente hipótese, da técnica de decisão e de controle de constitucionalidade
fundada no método da interpretação conforme à Constituição.”
2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa,
qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou
clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e
de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas
convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua
orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia,
independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não
configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a
violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero;
3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou
fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo
objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à
negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não
pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e
diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa
inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do
direito.
STF. Plenário. ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em em 13/6/2019 (Info 944).
Prefeito que utiliza dinheiro destinado a um programa de saúde para pagamento de dívidas da Secretaria de Saúde com a
previdência municipal pratica o crime do art. 1º, III, do DL 201/67
Resumo do julgado
Configura o crime do art. 1º, III, do DL 201/67, a conduta do Prefeito que utiliza verbas oriundas do Fundo Nacional de Saúde
(vinculadas a determinado programa de saúde) para o pagamento de débitos da Secretaria Municipal de Saúde junto ao instituto de
previdência do Município.
O delito previsto no art. 1º, III, do DL 201/1967 consiste em o administrador público aplicar verba pública em destinação diversa da
prevista em lei. Não se trata, portanto, de desviar em proveito próprio.
Para a configuração deste crime, é irrelevante verificar se houve, ou não, efetivo prejuízo para a Administração Pública.
STF. 1ª Turma. AP 984/AP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 11/6/2019 (Info 944).
Sujeito ativo
Trata-se de crime próprio, uma vez que somente pode ser praticado pelo Prefeito (ou por quem esteja no exercício desse cargo,
como o Vice-Prefeito ou o Presidente da Câmara de Vereadores).
Se o sujeito comete o crime do art. 1º do DL 201/67, mas termina seu mandato sem que ele seja denunciado, é possível que ele
responda pelo delito mesmo não sendo mais Prefeito?
Claro que sim. Existem dois enunciados afirmando isso:
Súmula 164-STJ: O prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no art. 1º do
Dec. lei n. 201, de 27/02/67.
Súmula 703-STF: A extinção do mandato do Prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art.
1º do DL 201/67.
Essa tese foi definida na sessão de julgamento do dia 03/05/2018. Ocorre que havia centenas de inquéritos e processos criminais
tramitando no STF envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função. Um desses processos era o de Roberto Góes.
Daí surgiu a dúvida: essa tese já se aplica imediatamente para esses processos?
SIM. O STF decidiu que essa tese interpretativa deveria ser aplicada imediatamente aos inquéritos e processos em curso.
Como no processo de Roberto o MP e a defesa já haviam apresentado alegações finais, a instrução já tinha se encerrado e o STF
entendeu que não havia motivo para enviar o processo para a 1ª instância, sendo mais razoável concluir o julgamento na Corte.
Podemos resumir o tema da seguinte maneira:
• Com a decisão proferida pelo STF, em 03/05/2018, na AP 937 QO/RJ, todos os inquéritos e processos criminais que estavam
tramitando no Supremo envolvendo crimes não relacionados com o cargo ou com a função desempenhada pela autoridade, foram
remetidos para serem julgados em 1ª instância. Isso porque o STF definiu, como 1ª tese, que “o foro por prerrogativa de função
aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”.
• O entendimento acima não se aplica caso a instrução já tenha se encerrado. Em outras palavras, se a instrução processual já havia
terminado, mantém-se a competência do STF para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que o
processo apure um crime que não está relacionado com o cargo ou com a função desempenhada. Isso porque o STF definiu, como 2ª
tese, que “após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a
competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou
deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.”
Nesse mesmo sentido: STF. 1ª Turma. AP 962/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em
16/10/2018 (Info 920).
Ok. Entendi por que o STF julgou o crime mesmo ele tendo sido praticado antes do mandato de Deputado Federal. Mas agora
quero saber o que o STF decidiu quanto ao mérito. O réu foi condenado?
SIM. Por maioria de votos, a 1ª Turma do STF condenou o réu pelo delito do art. 1º, III, do Decreto-Lei 201/67. Apesar disso, ficou
constatada a prescrição em razão do tempo transcorrido entre a aceitação da denúncia e a condenação.
Crime do art. 1º, III, do DL 201/67 não envolve desviar recursos em proveito próprio
O crime previsto no art. 1º, III, do DL 201/1967 consiste em o administrador público aplicar verba pública em destinação diversa da
prevista em lei. Não se trata, portanto, de desviar em proveito próprio.
Para a configuração deste crime, é irrelevante verificar se houve, ou não, efetivo prejuízo para a Administração Pública.
Dolo
O STF entendeu que era evidente o conhecimento do fato pelo ex-Prefeito, que assinou a ordem de pagamento para a transferência,
a demonstrar domínio do fato e o poder de gestão dos recursos efetivamente empregados em finalidade diversa da estabelecida por
lei.
Observou que, na véspera da referida transferência, houve uma reunião com os corréus na qual foi decidida a destinação das verbas.
Ressalte-se que um deles até mesmo declarou que o parlamentar sabia da operação ilegal descrita na denúncia. Ademais, no mesmo
dia da citada reunião, foi enviado ofício do Gabinete da Secretaria Municipal de Saúde, que fez remissão à “determinação superior”
e encaminhou à Secretaria Municipal de Finanças a relação das contas referentes às transferências “fundo a fundo”, para que fosse
processada a imediata centralização dessas contas em uma única conta.
Em suma:
Configura o crime do art. 1º, III, do DL 201/67, a conduta do Prefeito que utiliza verbas oriundas do Fundo Nacional de
Saúde (vinculadas a determinado programa de saúde) para o pagamento de débitos da Secretaria Municipal de Saúde junto
ao instituto de previdência do Município.
O delito previsto no art. 1º, III, do DL 201/1967 consiste em o administrador público aplicar verba pública em destinação
diversa da prevista em lei. Não se trata, portanto, de desviar em proveito próprio.
Para a configuração deste crime, é irrelevante verificar se houve, ou não, efetivo prejuízo para a Administração Pública.
STF. 1ª Turma. AP 984/AP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 11/6/2019 (Info 944).
A prática do delito de tortura-castigo (vingativa ou intimidatória), previsto no art. 1º, II, da Lei nº 9.455/97, é crime próprio
Resumo do julgado
Somente pode ser agente ativo do crime de tortura-castigo (art. 1º, II, da Lei nº 9.455/97) aquele que detiver outra pessoa sob sua
guarda, poder ou autoridade (crime próprio).
STJ. 6ª Turma. REsp 1738264-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/08/2018 (Info 633).
Tortura
Os crimes de tortura são definidos pela Lei nº 9.455/97.
Na verdade, como se trata de conduta extremamente repugnante, a própria Constituição Federal proibiu expressamente a prática da
tortura:
Art. 5º (...)
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores
e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
Assim, a doutrina afirma que a CF/88 trouxe um “mandado de criminalização”, ou seja, uma determinação para que o legislador
puna a prática de tortura.
Fechando esse sistema normativo, existe também a Lei nº 12.847/2013, que institui o “Sistema Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura”. Ela não prevê crimes, mas sim medidas com o objetivo de fortalecer a prevenção e o combate à tortura.
Tortura para obter confissão (“tortura probatória, inquisitorial, institucional, política ou persecutória”)
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
Sujeito ativo
Todas as figuras previstas no inciso I do art. 1º são crimes comuns, ou seja, podem ser praticados por qualquer pessoa.
Atenção para isso: ao contrário do que ocorre nos outros países, no Brasil, mesmo o particular, ou seja, quem não é funcionário
público, também pode praticar crime de tortura. As Convenções internacionais preveem, inclusive, a tortura como crime próprio.
Isso, contudo, não interfere no Brasil:
O art. 1.º da Lei nº 9.455/1997, ao tipificar o crime de tortura como crime comum, não ofendeu o que já determinava o art. 1º da
Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984, em face da
própria ressalva contida no texto ratificado pelo Brasil.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.299.787/PR, Min. Laurita Vaz, DJe 3/2/2014.
Exemplos
• policial que bate em suspeito até que ele confesse o crime;
• patrão que, ameaçando ordenar que o segurança da empresa agrida o empregado, o faz admitir que ele desviou dinheiro do caixa;
• credor que, com uma arma na cabeça do devedor, obriga que ele assine um termo de confissão de dívida;
Consumação
O crime se consuma com o sofrimento (físico ou mental) causado pelo emprego da violência ou da grave ameaça.
Não importa, para fins de consumação, que o agente tenha conseguido seu objetivo. Assim, mesmo que a vítima não dê a
informação, declaração ou confissão exigida, o crime já estará consumado.
A tentativa é possível, considerando que se trata de crime plurissubistente.
Elemento subjetivo
É o dolo com o especial fim de agir (com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa).
Prova ilícita
A prova obtida mediante tortura será considerada ilícita e, em regra, deverá ser desentranhada dos autos.
Nesse sentido: art. 5º (...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Vale relembrar também o art. 157 do CPP:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a
normas constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e
outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou
instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às
partes acompanhar o incidente.
Exemplo
João tortura Pedro para que ele fraude uma licitação.
Natureza criminosa
O agente tortura a vítima para o cometimento de crime (“natureza criminosa”).
Não se enquadra neste dispositivo o agente que tortura a vítima para que ela pratique contravenção penal. Nesse sentido:
(Delegado PC/MS 2017 FAPEMS) O funcionário público que constrange fisicamente o estagiário a praticar contravenção penal poderá ser
responsabilizado pelo crime de tortura do art. 1º da Lei nº 9.455/1997. (errado)
Responsabilidade do torturador
O torturador responderá pela tortura-crime (art. 1º, I, “b”) em concurso material com o crime que obrigou o torturado a praticar. O
torturador é autor mediato do crime que for praticado pelo torturado.
Sujeito ativo:
Trata-se de crime próprio.
Somente pode ser agente ativo do crime de tortura-castigo (art. 1º, II, da Lei nº 9.455/97) aquele que detiver outra pessoa sob sua
guarda, poder ou autoridade (crime próprio).
STJ. 6ª Turma. REsp 1.738.264-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/08/2018 (Info 633).
Há um vínculo preexistente, de natureza pública, entre o agente ativo e o agente passivo do crime. Logo, o delito até pode ser
perpetrado por um particular, mas ele deve ocupar posição de garante (obrigação de cuidado, proteção ou vigilância), seja em
virtude da lei ou de outra relação jurídica.
Intenso sofrimento
Veja que o legislador estabeleceu uma diferenciação:
• inciso I: exige apenas sofrimento (físico ou mental);
• inciso II: exige intenso sofrimento (físico ou mental).
Sujeitos do crime
• Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa.
• Sujeito passivo: exige-se uma qualidade especial (deve ser uma pessoa que está presa ou sujeita a medida de segurança).
Pessoa presa
O tipo abrange a prisão penal ou civil (devedor de pensão alimentícia)
Se for penal, pode ser provisória ou definitiva.
Omissão
• Se o agente tinha o dever de evitar a tortura: neste caso, tem-se a omissão imprópria (crime comissivo por omissão).
• Se o agente tinha o dever de apurar a tortura: trata-se de omissão própria (crime omissivo puro).
Omissão imprópria
A omissão imprópria é aquela relacionada com a figura do “garante” (garantidor).
Se o agente era garantidor da vítima, ele tinha o dever de evitar a tortura.
Exemplo: a mãe tem ciência que seu marido tortura o filho dela, mas nada faz para impedir a conduta.
(Delegado de Polícia PF 2018 CESPE) Cinco guardas municipais em serviço foram desacatados por dois menores. Após breve
perseguição, um dos menores evadiu-se, mas o outro foi apreendido. Dois dos guardas conduziram o menor apreendido para um
local isolado, imobilizaram-no, espancaram-no e ameaçaram-no, além de submetê-lo a choques elétricos. Os outros três guardas
deram cobertura. Nessa situação, os cinco guardas municipais responderão pelo crime de tortura, incorrendo todos nas mesmas
penas. (certo)
Omissão própria
O agente soube da tortura, mas não determinou a sua apuração.
Ex: Delegado de Polícia é informado que um dos agentes que trabalha com ele praticou tortura no último plantão contra um
suspeito. Apesar disso, ele se omite e não toma nenhuma conduta.
Formas qualificadas
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a
reclusão é de oito a dezesseis anos.
Preterdoloso
Prevalece que o § 3º é uma forma preterdolosa do crime de tortura.
Isso significa que somente se aplica o § 3º se a lesão corporal ou morte decorreu de culpa do agente.
Se o agente tinha a intenção de praticar tortura e de matar a vítima, ele deverá responder por tortura em concurso formal com
homicídio.
Agente público
A doutrina afirma que se deve utilizar o conceito do art. 327 do CP (funcionário público).
Assim, para fins penais, agente público = funcionário público do art. 327 do CP.
Aplicação deste inciso II em conjunto com a agravante do art. 61, II, "f", do CP
No caso de crime de tortura perpetrado contra criança em que há prevalência de relações domésticas e de coabitação, não configura
bis in idem a aplicação conjunta da causa de aumento de pena prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei nº 9.455/1997 (Lei de Tortura) e da
agravante genérica estatuída no art. 61, II, "f", do Código Penal.
STJ. 6ª Turma. HC 362634-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 16/8/2016 (Info 589).
A majorante prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei nº 9.455/97 busca punir de forma mais rígida o autor de crime que demonstrou maior
covardia porque cometeu o crime se favorecendo da menor capacidade de resistência da vítima (que é uma criança). Há, pois, um
nexo lógico entre a conduta desenvolvida e o estado de fragilidade da vítima.
Por outro lado, a agravante prevista no art. 61, II, "f" do Código Penal pune com maior rigor o agente pelo fato de ele ter
demonstrado maior insensibilidade moral, já que violou o dever de apoio mútuo que deve existir entre parentes e pessoas ligadas por
liames domésticos, de coabitação ou hospitalidade.
Desse modo, esses dispositivos tratam de circunstâncias e objetivos distintos, razão pela qual não há que falar na ocorrência de bis
in idem.
Efeito extrapenal
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do
prazo da pena aplicada.
Dobro
Veja como o tema foi cobrado em prova:
(Delegado PC/GO 2018 UEG) Na hipótese de um servidor público ser condenado pelo crime de tortura qualificada pelo resultado
morte a uma pena de doze anos de reclusão, referida condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a
interdição para seu exercício por
a) cinco anos;
b) dez anos;
c) doze anos;
d) vinte e quatro anos;
e) trinta e seis anos.
Letra D
Art. 92, I, do CP
O art. 92, I, do CP prevê, como efeito extrapenal específico da condenação, o seguinte:
Art. 92. São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou
violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
Os efeitos previstos no art. 92, I, do CP são automáticos? Em outras palavras, sempre que houver condenação e forem aplicadas as
penas previstas nas alíneas “a” e “b”, haverá a perda do cargo?
NÃO. Para que esse efeito da condenação seja aplicado, é indispensável que a decisão condenatória motive concretamente a
necessidade da perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo.
O parágrafo único do art. 92 expressamente afirma isso:
Art. 92 (...) Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na
sentença.
Vale ressaltar que é possível a concessão de liberdade provisória sem fiança para os acusados de tortura:
§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.
Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima
brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.
Assim, aplica-se a lei brasileira mesmo que o crime de tortura tenha sido praticado no exterior, desde que:
• a vítima seja brasileira (princípio da personalidade passiva); ou
• o agente esteja em local sujeito à jurisdição brasileira (princípio do domicílio).
Competência
A competência para processar e julgar o crime de tortura, em regra, é da Justiça Estadual.
• Se a tortura for praticada por um agente público federal, no exercício de sua função, a competência será da Justiça Federal (art.
109, IV, da CF/88).
• Se a tortura for praticada por policial militar, a competência será da Justiça Militar estadual.
• Se a tortura for praticada por militar das Forças Armadas, a competência será da Justiça Militar federal.
Resumo do julgado
Elemento subjetivo
Para a configuração da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, exige-se o especial fim de agir, consistente
na intenção específica de lesar o erário ou obter vantagem indevida.
OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO
Regra: obrigatoriedade de licitação
Como regra, a CF/88 impõe que a Administração Pública somente pode contratar obras, serviços, compras e alienações se realizar
uma licitação prévia para escolher o contratante (art. 37, XXI).
Resumindo:
A regra na Administração Pública é a contratação precedida de licitação. Contudo, a legislação poderá prever casos excepcionais em
que será possível a contratação direta sem licitação.
CONTRATAÇÃO DIRETA
A Lei de Licitações e Contratos prevê três grupos de situações em que a contratação ocorrerá sem licitação prévia. Trata-se das
chamadas licitações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. Vejamos o quadro comparativo abaixo:
Dispensada Dispensável Inexigível
Art. 17 Art. 24 Art. 25
Rol taxativo Rol taxativo Rol exemplificativo
A lei determina a não realização da A lei autoriza a não realização da Como a licitação é uma disputa, é
licitação, obrigando a contratação licitação. Mesmo sendo indispensável que haja pluralidade
direta. dispensável, a Administração pode de objetos e pluralidade de
decidir realizar a licitação ofertantes para que ela possa
(discricionariedade). ocorrer. Assim, a lei prevê alguns
casos em que a inexigibilidade se
verifica porque há impossibilidade
jurídica de competição.
Ex.: quando a Administração Ex.: contratação direta nos casos de Ex.: contratação de artista
Pública possui uma dívida com o guerra ou grave perturbação da consagrado pela crítica
particular e, em vez de pagá-la em ordem. especializada ou pela opinião
espécie, transfere a ele um bem pública para fazer o show do
público desafetado, como forma de aniversário da cidade.
quitação do débito. A isso
chamamos de dação em pagamento
(art. 17, I, "a").
Procedimento de justificação
Mesmo nas hipóteses em que a legislação permite a contratação direta, é necessário que o administrador público observe algumas
formalidades e instaure um processo administrativo de justificação.
CRIME DO ART. 89
Tipo objetivo
O crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 ocorre se o administrador público...
• dispensar a licitação fora das hipóteses previstas em lei;
• inexigir (deixar de exigir) licitação fora das hipóteses previstas em lei; ou
• deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade (as formalidades estão previstas especialmente no
art. 26 da Lei).
Desse modo, haverá o crime tanto na hipótese em que a licitação é dispensada mesmo sem lei autorizando ou determinando a
dispensa, como na situação em que a lei até autoriza ou determina, mas o administrador não observa os requisitos formais para tanto.
Tipo subjetivo
Para a configuração da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, exige-se o especial fim de agir, consistente
na intenção específica de lesar o erário ou obter vantagem indevida. Esse entendimento é pacífico na jurisprudência do STF e STJ:
Para a caracterização da conduta tipificada no art. 89 da Lei 8.666/1993, é indispensável a demonstração, já na fase de recebimento
da denúncia, do elemento subjetivo consistente na intenção de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida.
STF. 2ª Turma. Inq 3965, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/11/2016.
O delito em questão exige, além do dolo genérico (representado pela vontade consciente de dispensar ou inexigir licitação com
descumprimento das formalidades), a presença do especial fim de agir, que consiste no dolo específico de causar dano ao erário ou
de gerar o enriquecimento ilícito dos agentes envolvidos na empreitada criminosa.
• Dolo genérico: vontade de dispensar ou inexigir licitação com descumprimento das formalidades;
• Especial fim de agir (“dolo específico”): intenção de causar dano ao erário ou de gerar o enriquecimento ilícito dos agentes
envolvidos na empreitada criminosa.
Só há o crime do art. 89 se houver o dolo genérico mais o especial fim de agir.