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Desenvolvimento Cognitivo

Apresentação
Um tema bastante relevante para a Educação é o estudo sobre o desenvolvimento cognitivo,
especialmente em função das tarefas de ensino e aprendizagem. Nesta Unidade de Aprendizagem,
aprofundaremos este assunto e nos voltaremos ainda para as duas principais teorias de
desenvolvimento cognitivo: a de Piaget e a de Vygotsky.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Identificar como o desenvolvimento cerebral se articula com a tarefa de educar.


• Listar as ideias principais que compõem a teoria cognitiva de Piaget.
• Reconhecer os principais aspectos da teoria de Vygotsky.
Desafio
Em uma escola particular a proposta pedagógica tem como base conceitual a teoria de Vygotsky,
por isso, espera-se que os professores, ao planejarem suas aulas apoiem o desenvolvimento delas
nos princípios dessa teoria. Você, coordenador(a) pedagógico(a) recebe uma professora recém-
chegada à escola e que atuará numa sala de 3o ano do Ensino Fundamental. Essa professora, ao
organizar seu plano de ensino apresenta a seguinte metodologia de trabalho com os alunos:

“Os alunos deverão acompanhar as atividades que lhes serão apresentadas de forma atenta e
disciplinada. Cada aluno receberá as orientações das atividades impressas e, cada qual em suas
carteiras, deverão refletir sobre as possíveis soluções. Caso haja dificuldade por parte de algum
aluno, será marcado um horário no período diverso à aula para atendimento específico. Todas as
atividades serão corrigidas e os alunos deverão colá-las no caderno para registro e estudo posterior
para a avaliação.”

Ao ler essa proposta metodológica, você deverá orientar a professora em relação à proposta da
escola, ou seja, apontar na metodologia apresentada por ela, quais modificações precisarão ser
feitas para que atenda à teoria de Vygotsky.
Infográfico
O infográfico a seguir esquematiza em linhas gerais as diferenças mais significativas entre as teorias
de Piaget e Vygotsky.
Conteúdo do livro
Neste capítulo Desenvolvimento Cognitivo, da obra Psicologia da Educação, aborda o
desenvolvimento cerebral e sua influência na educação por meio das teorias de Piaget e de
Vygotsky, os quais refletem sobre os processos cognitivos e o aprendizado infantil. Dê especial
atenção para as funções cerebrais e suas diferentes porções.

Boa leitura.
PSICOLOGIA DA
EDUCAÇÃO

Eliane Dalla Coletta


Desenvolvimento cognitivo
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar como o desenvolvimento cerebral se articula com a tarefa


de educar.
 Listar as principais ideias que compõem a teoria cognitiva de Piaget.
 Reconhecer os principais aspectos da teoria de Vygotsky.

Introdução
O desenvolvimento cognitivo é um campo de investigação da Neurociên-
cia e da Psicologia, que tem como objeto de estudo o desenvolvimento
da criança, numa pesquisa que integra mente e cérebro em busca de
validação de modelos neurais e cognitivos das funções psicológicas.
Neste capítulo, você estudará o desenvolvimento cerebral e sua
influência na educação, como as condições cognitivas ocorrem pela he-
rança biológica, configurando o potencial da criança, como os processos
de aprendizado e memória vão modelando o cérebro, o desenvolvimento
do sistema nervoso, permitindo aos educadores preverem quando os
comportamentos aparecerão na criança e detectarem problemas de
aprendizagem. Por meio das teorias cognitivistas de Piaget e Vygotsky,
iniciaremos o estudo do desenvolvimento cognitivo.

Desenvolvimento cerebral e educação


O cérebro humano é extremamente complexo, e, para entender o seu desen-
volvimento, necessitamos conhecer como ele é formado, estruturado e como
as suas partes se articulam. O cérebro é formado por aproximadamente cem
bilhões de neurônios conectados de forma complexa, que regulam cada uma
das funções cerebrais e corporais, como respirar, comer, correr, até a habilidade
para raciocinar, se apaixonar, ou discutir — tudo passa pelo controle cerebral.
Ele é divido em dois hemisférios: o esquerdo e o direito:
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 o hemisfério esquerdo é dominante em 98% dos humanos, sendo res-


ponsável pelo pensamento lógico e pela competência comunicativa,
onde estão situadas duas áreas especializadas: a Área de Broca, córtex
responsável pela motricidade da fala; e a Área de Wernick, córtex
responsável pela compreensão verbal.
 o hemisfério direito se ocupa do pensamento simbólico, da compreensão
de relações espaciais, do reconhecimento de padrões e desenhos, da
música e das expressões emocional e criatividade.

No canhoto, essas funções dos hemisférios estão trocadas. Os hemisférios têm um


córtex motor que controla e coordena a motricidade voluntária, sendo que o do
hemisfério direito controla o lado esquerdo do corpo do indivíduo, e o córtex motor
do hemisfério esquerdo controla o lado direito (EYSENCK; KEANE, 2017). O Quadro 1
contém as especializações funcionais dos dois hemisférios cerebrais.

O córtex cerebral é dividido em quatro zonas ou lobos principais (Figura 1):


frontal, parietal, temporal e occipital, que têm regiões especializadas relaciona-
das às funções e áreas específicas do corpo. Várias estruturas e áreas operam
de modo independente e influenciam, ao mesmo tempo, o comportamento, na
maior parte dos casos. Vamos analisar as principais áreas: motora, sensorial
e de associação.
A área motora é localizada no lobo frontal e é responsável, essencialmente,
pelos movimentos voluntários, onde se pode encontrar a representação de cada
parte específica do corpo. Os movimentos que requerem pouca precisão (de
um joelho, quadril) estão centrados num espaço muito pequeno, enquanto
aos movimentos precisos e delicados (expressões faciais e movimentos dos
dedos) são regulados por uma parte significativamente maior na área motora.
O movimento corporal é executado e comandado por uma complexa variedade
de neurônios do sistema nervoso, que estão correlacionados de forma complexa
e atuam em conjunto.
Na área sensorial, estão três regiões específicas que correspondem: a
sensações corporais (tato e pressão em determinada área do corpo), localizada
no lobo parietal; à visão, localizada no lobo occipital; e ao som, localizado no
lobo temporal. Quanto maior for a área dentro do córtex destinado a uma região
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específica do corpo, maior será a sensibilidade. A área auditiva é responsável


pelo sentido da audição, podendo ter representado, inclusive, alturas de som
específico. A área visual proporciona a nossa experiência com imagens, cores,
onde estruturas específicas do olho estão relacionadas à determinada parte do
córtex, sendo a maior parte dada às partes mais sensíveis da retina.

Quadro 1. Especializações funcionais dos dois hemisférios cerebrais

Hemisfério direito Hemisfério esquerdo

Visuoespacial Operações com códigos

Não verbal Verbal

Habilidades musicais Habilidades musicais “codificadas”


“diretas”, “espontâneas”

Prosódia e entonação Aspectos semânticos (significados


dos signos/palavras) e gramático-
-sintáticos (relações lógicas e de
sentido entre signos/palavras)

Atividades em paralelo, que Atividade serial, processamento


abrangem o “todo” da situação de elemento por elemento, em
sequência temporal ordenada

Envolvido em atividades imaginativas Envolvido em atividades analíticas

Percepção e consciência Percepção e consciência


corporal, concreta abstrata, simbólica

Apreende e elabora a arte Apreende e elabora a arte mais


como experiência imediata, em termos conceituais e abstratos,
não descritível e codificável utilizando signos e símbolos que
mediatizam a experiência

Predominam os processos Predominam os processos


criativos e intuitivos lógicos e racionais.

Fonte: Dalgalarrondo (2011, p. 317).

Nas áreas de associação, processa-se o pensamento, a linguagem, a me-


mória e a fala, comandando as habilidades de planejamento, estabelecimento
de metas, julgamento e controle de impulsos, que são funções executivas.
Quando essa área sofre uma lesão cerebral, há mudanças significativas na
4 Desenvolvimento cognitivo

personalidade, como a capacidade de fazer juízos morais e comandar as


emoções, ainda que possam ter um raciocínio lógico e recordar informações
(FELDMAN, 2015).

Área somatossensorial Lobo


Área de associação parietal
somatossensorial
Área auditiva primária
Lobo Área motora Lobo
frontal Área de Wernicke
Área de associação temporal
Área de Broca
auditiva
Área visual Lobo
Área de associação occipital
visual

Figura 1. Córtex cerebral e suas principais estruturas.


Fonte: Feldman (2015, p. 74).

Um recente processo descoberto pelos cientistas é o de neuroplasticidade


do cérebro. Essa descoberta demonstrou que, depois da infância e durante a
fase adulta, novas células cerebrais são criadas, como também novos neurônios
com interconexões que se tornam mais complexas durante a fase adulta, num
processo chamado de neurogênese. Segundo Feldman (2015, p. 77), “[...] a
cada dia, milhares de novos neurônios são criados, especialmente em áreas
cerebrais associadas ao aprendizado e à memória [...]”.
Segundo Santrock (2009, p. 35):

O cérebro das crianças experiencia estímulos de crescimento rápidos e dis-


tintos, sendo que a quantidade de material cerebral em algumas áreas pode
quase dobrar no período de um ano, seguida de uma perda drástica de tecido,
conforme as células desnecessárias são eliminadas e o cérebro continua a
se reorganizar [...] o rápido crescimento no lobo frontal, especialmente nas
áreas relacionadas à atenção, ocorre entre os três e os seis anos de idade [...] o
rápido crescimento no lobo temporal (processamento da linguagem) e no lobo
parietal (localização espacial ocorre dos seis anos de idade até a puberdade.
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Conforme o mesmo autor, quando a criança chega à adolescência, há o


desenvolvimento de funções cognitivas superiores e áreas responsáveis pelas
emoções. Essas transformações ocorrem em regiões diferentes no cérebro e,
também, com uma velocidade diferente que explica as atitudes dos adolescentes
de se colocarem em situações de risco. Na amígdala, ocorre o processamento
de informações sobre as emoções, e o córtex pré-frontal é primordial para as
funções cognitivas superiores. Como na amígdala os processos ocorrem com
uma velocidade maior, tendo uma ativação intensa, o indivíduo (adolescente)
experimenta sentimentos fortes e carregados, sem ter como controlá-los ade-
quadamente, pois a região que frearia os comportamentos impulsivos — que
são as funções cognitivas superiores desenvolvidas no córtex pré-frontal — está
em desenvolvimento (SANTROCK, 2009).
Conforme Pinheiro (2007, p. 6):

[...] as pré-condições cognitivas ocorrem pela herança biológica configurando


o potencial da criança e com os processos de aprendizado e memória, vão
modelando o cérebro. Os processos competitivos entre neurônios, resultantes
de eventos progressivos e regressivos que se superpõem e interagem, deter-
minam a estrutura e a função definitiva do cérebro [...] o desenvolvimento
comportamental é restringido pela maturação das células cerebrais; desse
modo, o estudo do desenvolvimento do sistema nervoso permite ao educador
fazer previsões sobre quando os comportamentos irão aparecer na criança.
Assim, o conhecimento sobre o desenvolvimento normal do sistema nervoso é
fundamental na adoção, pelo educador, de teorias pedagógicas que levem em
conta os substratos anatômicos cerebrais e os mecanismos neurofisiológicos
do comportamento, pois só assim ele conseguirá maximizar as capacidades
cognitivas de seu aluno. A neuropsicologia tem importantes contribuições
no conhecimento mais amplo da atividade mental infantil, permitindo ainda
a detecção de problemas comportamentais e de aprendizagem que surgem
durante o período de escolarização da criança.

Na interdisciplinaridade das ciências do cérebro e da educação, uma área


mediadora fundamental é a psicologia cognitiva, que pesquisa a integração
entre mente e cérebro, em busca de validação de modelos neurais e cognitivos
das funções psicológicas. Segundo Castorina e Carretero (2014, p. 106), “[...]
é impossível compreender a natureza da dislexia, do déficit de atenção ou dos
transtornos do desenvolvimento sem a pesquisa neurocientífica atual [...]”.
Na perspectiva cognitiva, estudiosos como Piaget e Vygotsky, dentre
outros, tiveram destaque. Para Piaget (1896-1980), o desenvolvimento humano
ocorre por meio dos aspectos fisio-motor, intelectual, afetivo-emocional e
social. Para o autor, somente por meio desses aspectos é possível entender
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como e por que o indivíduo se comporta de determinada maneira, em certa


situação de determinado momento de sua vida.

Ideias principais da teoria cognitiva de Piaget


Na teoria de Piaget (1896-1980), a partir do momento que a criança busca
entender o mundo, o cérebro que está em desenvolvimento cria representações
mentais ou ações por meio de esquemas que formam o conhecimento. Os esque-
mas comportamentais (atividades físicas) são os dominantes nos primeiros anos
de vida, quando a criança começa a caminhar, buscando conhecer o ambiente; e
os esquemas mentais (atividades cognitivas) se desenvolvem na infância e assim
sucessivamente. Quando chega à idade adulta, há uma quantidade significativa
de esquemas diversos que comandam as ações cognitivas. Os esquemas são
desenvolvidos por meio de dois processos, que Piaget chamou de assimilação
e acomodação. Quando a criança compreende uma nova informação, esta é
adicionada aos esquemas anteriores, dando-se, assim, a assimilação. Agora,
quando a criança ajusta seus esquemas para se adaptar a novas informa-
ções e experiências, ocorre a acomodação. Para entender esses processos,
quando a criança compreende, por exemplo, a palavra “casa”, ela passa a
chamar o que vê na rua de casas, ou seja, ela assimilou o significado de casa,
porém logo aprende que edifícios, prédios, condomínios não são “casas” —
acontece, então, uma sintonia fina da categoria para excluir edifícios, prédio
e condomínios, acomodando o esquema. Mediante esses processos, há um
desenvolvimento da cognição a um plano mais alto. Sempre que os esquemas
antigos são ajustados e novos esquemas se desenvolvem, há a organização
e reorganização dos novos e velhos esquemas, gerando um novo modo de
pensar (SANTROCK, 2009).
A aprendizagem é abordada por Piaget numa conexão intrínseca com o
desenvolvimento cognitivo. O estágio em que a natureza de seus esquemas
se encontra, na quantidade e forma como se combinam, é que determinará o
nível de competência intelectual de uma pessoa. Dessa forma, Piaget trata esse
desenvolvimento em quatro estágios, onde um deles é sempre mais avançado
do que o outro; a cognição é qualitativamente diferente num estágio, se com-
parada a outro, e, consequentemente, o raciocínio de uma criança num estágio
é diferente de outro. Essa sucessão de estágios é caracterizada pela singular
forma que os esquemas (de ação e conceituais) se constituem e se regulam,
possibilitando a formação de estruturas. Cada estágio estabelece uma marca
de equilíbrio na organização das ações e das operações que ocorrem no sujeito.
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Para que o equilíbrio aconteça num estágio, é necessário haver uma preparação
que leve em consideração três requisitos: 1) para todos os sujeitos, a ordem de
sucessão dos estágios tem que ser contínua; 2) a estrutura de conjunto (forma
de organização) de um estágio deve estar bem caracterizada; 3) a estrutura de
um estágio deve integrar-se às estruturas do estágio seguinte (SALVADOR;
MARCHESI.; PALACIOS, 2004).
Para que ocorra o processo de aprendizagem nessa concepção de estágios
proposta por Piaget, é necessário identificar em que nível a criança está,
pois o aprender dependerá da atividade estruturante do sujeito e da lógica
que comanda suas aquisições. Para Piaget, o desenvolvimento dependerá da
maturação, da experiência com as pessoas (ambiente) e da equilibração, pois
todo comportamento buscará garantir um equilíbrio das relações entre sujeito
e ambiente, sendo um processo de auto regulação (SALVADOR; MARCHESI;
PALACIOS, 2004).

Estágios de desenvolvimento
Estágio sensório-motor — do nascimento aos dois anos de idade. A criança
constrói um entendimento do mundo por meio da coordenação de suas ex-
periências sensoriais (visão e audição) com suas ações motoras (alcançar,
tocar, caminhar). Ao nascer, o bebê exibe somente reflexos na sua adaptação
inicial ao ambiente, e no final, aos dois anos, já apresenta padrões sensório-
-motores bem mais complexos. Enquanto bebê, não se diferencia si mesmo do
ambiente, e por meio da percepção gradual de que há uma diferença ou um
limite entre a pessoa e o ambiente que a cerca, chega ao final deste estágio
diferenciando a si mesma do mundo e está consciente que o objeto continua
a existir (SANTROCK, 2009).

Estágio pré-operacional — dos dois aos sete anos. Nesse estágio, ocorrem
dois subestágios. O subestágio de função simbólica, que ocorre entre os
dois e quatros anos, quando a criança passa a representar mentalmente um
objeto que não está próximo a si, ampliando seu mundo mental para novas
perspectivas. São comuns, nessa fase, as brincadeiras de “faz de conta” e o
aumento da linguagem, demonstrando um aumento do pensamento simbólico.
As crianças costumam fazer desenhos representando pessoas, casas, carros,
nuvens, porém bastante imaginativos e criativos, não se preocupando muito
com a realidade, pois, muitas vezes, o sol é azul, os carros estão voando, os
animais têm cores diversas e seus rabiscos não apresentam formas explícitas,
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mas a criança os descreve como um objeto que imaginou. O outro subestágio


é o do pensamento intuitivo, que se inicia em torno dos quatros anos e se
estende até os sete anos. Nesse subestágio, a criança tem muita certeza do seu
conhecimento, porém o que sabe não é o pensamento racional. Há um limite na
sua capacidade de raciocínio que lhe impossibilita colocar as coisas nas suas
categorias certas. No entanto, é a fase que as crianças fazem muitas perguntas
com muitos porquês — que é sua curiosidade de apreensão do ambiente que
as rodeia (SANTROCK, 2009).

Estágio operacional concreto — este estágio se estende dos sete aos onze
anos de idade. Agora, o pensamento operacional concreto envolve o uso de
operações. Há a substituição do raciocínio intuitivo pelo raciocínio lógico
nas situações concretas. Há habilidade de classificar os objetos concretos,
onde a criança consegue coordenar diversas características e classificar em
categorias diferentes ou subcategorias. Há a capacidade de fazer uma ope-
ração em série (seriação), além do fenômeno da transitividade, que envolve
a capacidade de raciocinar sobre algo ou combinar as relações de maneira
lógica (SANTROCK, 2009).

Estágio lógico-formal — dos 11 aos 15 anos de idade, surge o pensamento


abstrato e idealista. Os adolescentes podem ir além do raciocínio baseado nas
experiências concretas, tendo condições de idealizar e imaginar possibilidades,
como, também, pensar de maneira lógica. Piaget considera que os adolescentes
são avaliadores hipotético-dedutivos, pois conseguem testar uma série de hipó-
teses com questões e testes com o rigor de um cientista (SANTROCK, 2009).
Segundo Papalia e Feldmam (2013, p. 66):

[...] alguns psicólogos contemporâneos questionam seus estágios distintos,


apresentando evidências de que o desenvolvimento cognitivo é mais gradual
e contínuo [...] a pesquisa com adultos indica que o foco de Piaget na lógica
formal como o ápice do desenvolvimento cognitivo é por demais estreio. Não
explica a emergência de habilidades maduras como a resolução de problemas
práticos, a sabedoria e a capacidade de lidar com situações ambíguas.

Para Santrock (2009, p. 47):

[...] alguns psicólogos desenvolvimentalistas acreditam que não devemos des-


cartar Piaget completamente [..] sua teoria precisa de uma revisão considerável.
Na revisão de Piaget, os neopiagetianos enfatizam como a criança processa
informações através da atenção, da memória e de estratégias. Eles acreditam
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especialmente que uma visão mais acurada do pensamento da criança exige


mais conhecimento de estratégias, com que velocidade e quão automaticamente
as crianças processam informações, qual é a tarefa cognitiva envolvida e a
divisão de problemas cognitivos em passos menores e mais precisos.

É indiscutível a contribuição de Piaget para a Educação e para a Psicologia


Educacional. Ele foi um dos primeiros a estruturar uma teoria de desenvol-
vimento cognitivo da criança, envolvendo importantes processos, como os
esquemas, a assimilação e a acomodação, a organização e o equilíbrio. A
teoria do processamento da informação é, atualmente, a área que se destaca
no estudo do desenvolvimento cognitivo.

Principais aspectos da teoria de Vygotsky


A teoria sociocultural de Vygotsky (1896-1934) introduz a perspectiva social
no estudo da natureza humana, contribuindo significativamente nos estudos
da Psicologia Evolutiva, Psicologia Educacional, pois tem por foco no desen-
volvimento humano com os processos sociais e culturais do desenvolvimento
cognitivo. Em seus estudos, Vygotsky considerou que o fundamental para
compreensão da conduta é sua relação dialética que mantém com o meio, onde
ocorre a influência da natureza na conduta humana, como, também, os indiví-
duos que a transformam e criam suas próprias condições de desenvolvimento.
Como referido por Santrock (2009, p. 47):

A crença na importância de influências sociais, de Vygotsky, especialmente


na educação, sobre o desenvolvimento cognitivo da criança, está embutida
no seu conceito de zona de desenvolvimento proximal. Zona de desenvolvi-
mento proximal (ZDP) é o termo criado para descrever uma série de tarefas
que são muito difíceis para que a criança domine sozinha, mas que podem
ser apreendidas com orientação e assistência de adultos ou de crianças mais
habilidosas. O nível mais baixo de ZDP é o nível de habilidade alcançado
por crianças trabalhando independentemente e o limite mais alto é o nível
de responsabilidade adicional que a criança pode aceitar com a assistência
de um instrutor hábil. A ZDP captura as habilidades cognitivas da criança
que estão em processo de maturação e podem ser concluídas somente com a
assistência de uma pessoa mais habilidosa[..] o ensino na ZDP envolve estar
consciente de onde os estudantes estão em seu processo de desenvolvimento
e tirar vantagem de sua prontidão. Também se trata de ensinar para favorecer
a prontidão desenvolvimental e não apenas esperar que os estudantes estejam
preparados.
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Como características principais dessa Zona de Desenvolvimento Proximal


(ZDP), descritas por Vygotsky, podemos considerar que não se trata de algo
próprio de uma pessoa. Ela é estabelecida simultaneamente pelo nível de desen-
volvimento da criança e pelos métodos de ensino utilizados no desenvolvimento
de determinada atividade, ou seja, são os processos de ensino-aprendizagem
que criam a ZDP. Portanto, ela é uma zona dinâmica, onde, a cada etapa do
processo de ensino-aprendizagem, há uma construção interativa específica
deste momento, possibilitando um avanço e uma evolução futura. O aluno
ou a criança, nessa relação, exerce também um papel dinâmico, podendo
apropriar-se das situações propostas pelos professores, alcançando níveis
além das expectativas, o que demonstra a importância das suas compreensões
(SALVADOR; MARCHESI; PALACIOS, 2004).
Na teoria de Vygotsky, dois conceitos ligados à ZDP se destacam, que são os
conceitos de andaime e diálogo. Andaime é um conceito que trata do auxílio
dado pelos adultos ou colega mais avançado à criança para mudar o nível de
desempenho. O auxílio com orientações diretas ou não ao desenvolvimento
da criança diminuirá, sucessivamente, conforme ela consiga atingir limites
mais altos — trata-se de um ajuste na quantidade de orientação para adequar
o desempenho atual da criança. Um exemplo de andaime é fazer perguntas
investigativas que levam as crianças a desenvolverem habilidades de pensa-
mento mais sofisticado, como: “Me dê um exemplo disto”, “Qual a próxima
tarefa?”, “Qual a conexão que você faz a partir disto?”. Por diálogo, Vygotsky
considera que é por meio dele com adultos ou assistente mais habilidoso que a
criança alcança novos conceitos, passando dos espontâneos, desorganizados
e não sistemáticos para conceitos sistemáticos, lógicos e racionais. A utili-
zação do diálogo como um recurso para andaimes demonstra a importância
da linguagem no desenvolvimento da criança. Inicialmente, a criança utiliza
a linguagem para se comunicar com os outros e, quando conseguem fazer
a transição para a fala consigo mesmas, entre os três e sete anos, elas estão
usando a linguagem para autorregular o seu comportamento, que é chamado
de discurso privado. Um exemplo disso é quando uma criança está brincando
sozinha e fica falando com os objetos ou com seu jogo: “agora vou fazer
assim”, “assim não deu”, “isto é difícil”. Quando essa conversa privada fica
para segundo plano e ela age sem verbalizar o que está fazendo ou o que deve
fazer, demonstra que internalizou seu discurso privado (egocêntrico), que forma
os seus pensamentos, demonstrando como a linguagem e o pensamento se
desenvolvem em separado e, depois, se juntam (SANTROCK, 2009).
Segundo Papalia e Feldmam (2013, p. 66):
Desenvolvimento cognitivo 11

A teoria de Vygotsky tem importantes implicações para a educação e para


a testagem cognitiva. Testes que focalizam o potencial de aprendizagem da
criança constituem uma valiosa alternativa aos testes padronizados de inteli-
gência que avaliam o que ela já aprendeu; e muitas crianças podem se beneficiar
do tipo de orientação especializada prescrita por Vygotsky, como o ZDP e
o andaime. Além disso, as ideias de Vygotsky têm sido implementadas com
sucesso nos currículos de crianças de pré-escola e se mostram promissoras
em promover o desenvolvimento da auto regulação, o que afetará as futuras
realizações escolares.

Tivemos a oportunidade de estudar duas importantes contribuições para


a Educação e para a Psicologia Educacional. Piaget, com sua contribuição
ao desenvolvimento cognitivo, sendo a base para posteriores avanços nesta
área, muito em função dos avanços da Neurociência e da Neuropsicologia.
Vygotsky, com seu processo de autorregularão, que até hoje ainda é utilizado
nos currículos de pré-escola. Sintetizando essas duas grandes teorias, a seguir,
no Quadro 2, está apresentado um resumo.

Quadro 2. Comparação das Teorias de Vygotsky e Piaget

Tópico Vygotsky Piaget

Contexto sociocultural Grande ênfase Pouca ênfase

Construtivismo Socioconstrutivismo Cognitivo-construtivista

Estágios Nenhum estágio Grande ênfase nos


proposto estágios (sensório-
-motor, pré-operacional,
operacional concreto
e lógico-formal

Processos-chave Zona de Esquemas, assimilação,


desenvolvimento acomodação,
proximal, linguagem, operações, conservação,
diálogo, ferramentas classificação, raciocínio
da cultura hipotético-dedutivo

Papel da linguagem Um papel muito A linguagem exerce


importante; a linguagem um pequeno papel;
exerce um papel a linguagem é
poderoso na construção essencialmente
do pensamento direcionada pela
cognição

(Continua)
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(Continuação)

Quadro 2. Comparação das Teorias de Vygotsky e Piaget

Tópico Vygotsky Piaget

Visão na educação Educação exerce o Educação meramente


papel central, ajudando aperfeiçoa as habilidades
a criança a aprender as cognitivas que já
ferramentas da cultura surgiram nas crianças

Implicações do ensino O professor é um Também vê o professor


facilitador e orientador, como facilitador e
não um direcionador; orientador, não um
estabelece muitas direcionador; apoia
oportunidades para a a criança para que
criança aprender com o explore seu mundo e
professor e com colegas adquira conhecimento
mais habilidosos

Fonte: Santrock (2009, p. 53).

CASTORINA, J. A.; CARRETERO, M. Desenvolvimento cognitivo e educação. Porto Alegre:


Penso, 2014. (Os Inícios do Conhecimento, v. 1).
DALGALARRONDO, P. Evolução do cérebro: sistema nervoso, psicologia e psicopatologia
sob a perspectiva evolucionista. Porto Alegre: Artmed, 2011.
EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de psicologia cognitiva. 7. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2017.
FELDMAN, R. S. Introdução à psicologia. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.
PAPALIA, D. E.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. 12. ed. Porto Alegre: AMGH,
2013.
PINHEIRO, M. Fundamentos de neuropsicologia: o desenvolvimento cerebral da
criança. Vita et Sanitas, Trindade, v. 1, n. 1, 2007.
SALVADOR, C. C.; MARCHESI, Á.; PALACIOS, J. (Org.). Desenvolvimento psicológico e
educação. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. (Psicologia da Educação Escolar, v. 2).
SANTROCK, J. W. Psicologia educacional. 3. ed. Porto Alegre: AMGH, 2009.
Dica do professor
Com o desenvolvimento da neurociência está emergindo cada vez mais o estudo do cérebro para
entender o desenvolvimento cognitivo, tema abordado nesta UA e, em várias outras. Cada parte do
cérebro é responsável por um aspecto do nosso desenvolvimento, a fala, o pensamento abstrato,
raciocínio, cálculos matemáticos (problemas de discalculia são muitas vezes problemas nessa área
do cérebro), etc.

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No vídeo a seguir, você verá alguns pontos importantes sobre o desenvolvimento do cérebro,
relacionando-os especialmente com a tarefa do ensino voltado a crianças e adolescentes.

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Exercícios

1) Sander é um garoto de 16 anos que corre muitos riscos, como dirigir em alta velocidade,
beber e dirigir e fazer sexo sem proteção. Pesquisas recentes sobre o cérebro indicam que
uma provável razão para condutas arriscadas como a de Sander é:

A) Córtex pré-frontal ainda em desenvolvimento.

B) Dano no hipocampo.

C) Lateralidade do cérebro incompleta.

D) Mielinização completa.

E) Sinapses cerebrais.

2) A Sra. Gonzales leciona para o 1o ano. Qual das estratégias apresentadas a seguir seria mais
próxima à abordagem de Piaget?

A) Criar cartões iluminados para ensinar o vocabulário.

B) Demonstrar como desempenhar uma operação matemática e fazer os estudantes imitá-la.

C) Pedir que alunos mais habilidosos atuem como professores junto aos demais colegas.

D) Planejar situações que promovam o pensamento e as descobertas dos estudantes.

E) Usar um teste-padrão para avaliar as habilidades de leitura dos estudantes.

3) Os alunos do 4o ano do Sr. Gould estão aprendendo a relação entre porcentagem, decimais
e frações. O Sr. Gould distribui um exercício em que pede aos alunos que convertam frações
em decimais e depois em porcentagens. Christopher consegue fazer esse exercício sem
ajuda do professor ou de colegas de classe. O que diria Vygotsky sobre a tarefa de
Christopher, em relação à sua Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)?

A) Essa tarefa é apropriada para Christopher porque está dentro da sua zona de
desenvolvimento proximal.
B) Essa tarefa não é apropriada para Christopher porque está abaixo da sua zona de
desenvolvimento proximal.

C) Essa tarefa não é apropriada para Christopher porque está acima da sua zona de
desenvolvimento proximal.

D) Essa tarefa não é apropriada para Christopher porque está dentro da sua zona de
desenvolvimento proximal.

E) Essa tarefa pode ser apropriada para Christopher, desde que ele a considere compatível com
sua zona de desenvolvimento proximal.

4) Um aluno demonstra habilidades de raciocinar de forma lógica, todavia de um modo


idealista, com a capacidade de desenvolver pensamentos mais abstratos. Em qual estágio de
desenvolvimento cognitivo da teoria de Piaget se encontra este aluno?

A) Lógico-formal.

B) Operacional concreto.

C) Pré-operacional.

D) Sensório-motor.

E) Simbólico.

5) Piaget e Vygotsky, em suas teorias sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças, pensam
o aluno como um ser ativo, dotado da capacidade de dar significado e de formular hipóteses
sobre o ambiente em que está inserido. Todavia, as concepções dos dois autores sobre o
modo como o aluno se desenvolve e adquire conhecimento possuem formulações bastante
diferentes. Uma das diferenças marcantes entre as teorias de Piaget e Vygotsky está
descrita em uma das alternativas a seguir. Assinale-a:

A) Piaget, ao contrário de Vygotsky, acredita que a linguagem exerce um papel muito importante
na construção do pensamento, especialmente em função da aprendizagem.

B) Piaget é contrário aos testes padrões utilizados por Vygotsky para determinar o nível de
desenvolvimento cognitivo entre alunos de uma mesma faixa etária.

C) Piaget, ao contrário de Vygotsky, defendeu a dinâmica de que os alunos mais habilidosos


podem exercer um papel de apoio e orientação em relação às outras crianças.
D) Vygotsky, ao contrário de Piaget, defende que as crianças se utilizam de processos para
construir seu conhecimento de mundo: esquemas, assimilação e acomodação, organização e
equilíbrio.

E) Vygotsky, ao contrário de Piaget, que dá grande ênfase na teoria de estágios cognitivos, não
propõe nenhum estágio de desenvolvimento ao apresentar sua teoria cognitiva.
Na prática
As teorias de Jean Piaget e Lev Vygotsky prosseguem inspirando professores e escolas por toda a
parte. Em uma revista voltada para a educação, as reportagens sobre estes dois autores foram
apontadas pelos leitores como um dos temas que mais gostaram de ler e cujo aprendizado fixou-se
na memória.

Agora que você já conheceu os aportes teóricos de Piaget e Vygotsky, teste seus conhecimentos
sobre as ideias desses autores.

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Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

Neurociência e educação: como o cérebro aprende

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A revolução de Piaget

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Piaget e Vygotsky

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