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Ética e Educação

Leituras Obrigatórias

1. Clara Sabbagh (2009). Ethics and Teacing.

O problema da moralidade no Ensino


A investigação educacional tem por tendência retratar o papel do professor como uma
profissão moralmente neutra, principalmente responsável por transmitir conhecimento e
habilidades intelectuais que podem ser avaliadas objetivamente. Como sugerido por antigos
pensadores como Platão e Confúcio, bem como por escritores modernos como Rousseau e
Dewey, o ensino não é um “conjunto de desempenhos mecânicos julgados pela qualidade do
produto”. É antes uma missão, uma chamamento, um dom, que genericamente sobrevive a uma
variedade de fins morais. O ensino não está preocupado apenas em melhorar o domínio dos
alunos sobre a matéria em preparação para as suas futuras ocupações, mas também com o seu
desenvolvimento como pessoas morais e cidadãos numa sociedade democrática.
Porque é que ensinar é um esforço moral?
A noção de moralidade ou ética, na Grécia Antiga, referia-se a avaliação do que era certo ou
errado, bom ou mau, digno ou indigno.
A noção de ensino cobre todas as atividades de levar os outros a aprender com um fim
principalmente educacional em vista. Os professores são guiados na sua profissão por conceções
do que uma pessoa educada é. Desta forma, os professores necessariamente assumem que certas
formas de desenvolvimento são melhores do que outras, que certos comportamentos são dignos
de reforço, que certos traços de personalidade são mais importantes de desenvolver.
Tais práticas educativas pressupõem conceções específicas do que significa viver uma vida
mais digna ou uma vida mais moral. Assim, é dada aos professores a responsabilidade de
melhorar o bem humano e promover o bem-estar dos alunos. São responsáveis por preparar
“bons cidadãos” que estão aptos para participar numa comunidade organizada. As decisões
educativas, normalmente, envolvem decisões e avaliações morais.
As várias abordagens da ética normativa são comumente divididas em três principais grupos:
ética deontológica, ética consequencialista e ética das virtudes. Estas três abordagens têm
influenciado grande parte da pesquisa educacional atual sobre a ética, valores ou ideais que
orientam os professores.
Abordagens ao valores éticos no ensino
Existem três abordagens da ética normativa, sendo que as mesmas tentam descrever
plausivelmente, apesar de não completamente adequada, as formas de pensar sobre problemas
éticos e, assim, descobrir a estrutura oculta dos dilemas morais.

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Comum a estas abordagens é a suposição de que os professores, como agentes morais que
ocupam uma posição de poder em relação aos seus alunos, são esperados para refletir
criticamente sobre as suas práticas e analisar as suas implicações morais e políticas.
Ética deontológica
Esta abordagem afirma que as decisões e ações das pessoas (professores) devem ser guiadas,
considerando os seus próprios direitos e deveres e os direitos e deveres do outro. As decisões e
o comportamento dos professores são julgados como morais (ou imorais) se eles correspondem
(ou contradizem) os seus deveres explícitos ou implícitos em relação a indivíduos ou
instituições sociais. O comportamento dos professores é julgado moral se este cumpre a
obrigação dos mesmos em garantir o direito universal à educação de todos os alunos. É possível,
no entanto, distinguir entre deveres contingentes (locais), limitados a circunstâncias específicas,
como submeter-se aos superiores ou transmitir valores nacionais, e deveres categóricos ou
universais (globais), como a promoção da liberdade intelectual e o tratamento dos alunos com
respeito, independentemente da classe, cor ou religião.
Ética consequencialista
Esta abordagem julga as ações em termos das suas consequências positivas ou negativas.
Uma atividade é vista como moralmente correta se esta maximizar a utilidade entre as pessoas
na sociedade ou no mundo. A versão mais comum do consequencialismo é o utilitarismo, que
sustenta que uma ação moralmente correta é aquela que produz o bem (utilidade) para todos
usufruírem (em oposição à versão egoísta do consequencialismo, que se preocupa apenas com o
bem-estar de si mesmo ou do seu grupo). Diferentes pensadores desenvolverem diferentes
conceções de “utilidade” ou do bem que tinha de ser maximizado. Jeremy Bentham (pai do
consequencialismo) olhava a utilidade como o prazer, numa forma hedonística. John Stuart Mill
entendia a utilidade como felicidade.
Noddings (2003) sugere uma abordagem dinâmica otimista e igualitária, que ajudaria cada
aluno a atingir felicidade por meio de práticas pedagógicas que potencializem as suas relações
de cuidado com os alunos. A promoção da “felicidade para todos” como um objetivo
educacional moral é justificada por vários motivos: (a) as pessoas felizes parecem ser boas; (b)
uma maior ênfase na felicidade pode fortalecer a motivação dos alunos para aprender e
aumentar a sua experiência positiva na escola; e (c) a ênfase tradicional numa faixa estreita de
realizações intelectuais como cruciais para a felicidade dificulta a autorrealização dos alunos
numa ampla gama de domínios.
Enquanto Noddings está certa de que a importância das relações para a felicidade tem sido
tradicionalmente negligenciada, a sua tentativa de retratar todas as formas de felicidade como
relacionais pode ser considerada como uma generalização exagerada semelhante à dos seus
oponentes tradicionais.

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Ética das virtudes
Esta abordagem procura definir aquilo que faz uma pessoa boa. Os eticistas da virtude
enfatizam o cultivo do caráter e tentam descrever quais características uma pessoa virtuosa teria
no contexto de uma comunidade cívica, e argumentam que as pessoas deveriam buscar alcançar
essas características.
Sockett (1993) identifica cinco grandes virtudes profissionais que são constitutivas da prática
de ensino e da capacidade dos professores para lidar com dilemas morais: (1) honestidade
intelectual – refere-se à capacidade de acessar o conhecimento e a verdade, distinguir entre facto
e ficção e criar confiança nos alunos, todos os quais estão no cerne do papel do professor; (2)
coragem – o professor está disposto a defender os seus próprios princípios pedagógicos mesmo
quando isso possa acarretar um custo negativo para si próprio; (3) cuidado – refere-se a como os
indivíduos tratam os outros (sejam outros humanos, não humanos, ideias ou objetos
inanimados); (4) equidade – presume-se que os alunos que são tratados de forma justa pelos
seus professores, que são figuras de autoridade representativas da vida adulta fora da família,
são mais propensos a esperar um tratamento justo fora das escolas e a apoiá-lo em instituições
sociais; (5) sabedoria prática – esta virtude requer pensamento reflexivo que permite aos
professores julgar e se comportar com prudência e com referência às outras virtudes.
Aplicação da ética na educação: Rumo a um Código Profissional de Comportamento
Tem sido dada pouca atenção ao estudo da tradução dos valores éticos para códigos de
comportamento que possam definir o papel do professor. Um código ético iria especificar os
padrões de conhecimento, habilidades/capacidades e comportamentos, e como fazer
julgamentos racionais tendo como moldura o ensino como uma profissão credenciada.
A profissão de professor não tem uma ordem formalizada ou um código ético partilhado que
examina dilemas/problemas éticos comuns e problemas e padrões estandardizados de ação
correta.
Strike e Soltis (1985), The Ethics of Teaching especificam três princípios éticos principais:
(1) Princípios de não maleficência, as decisões dos professores não são feitas de forma
arbitrária, não sistematicamente, ou com base em aspetos irrelevantes; isto tem por objetivo
proteger os alunos de depreciação ao instituir apenas procedimentos e assegurar um ambiente de
aprendizagem seguro para os alunos. (2) Princípio da autonomia, a autonomia do professor e a
sua liberdade intelectual, bem como encorajar a autonomia dos alunos; isto pode ser feito
salvaguardando a independência de pensamento e ação, e providenciando acesso a diferentes
pontos de vista sem supressão ou distorção deliberada. (3) Princípio da equidade, os professores
não devem excluir alunos de participar em qualquer programa se baseando em descriminação de
qualquer tipo (sexo, etnia, religião) nem devem negar qualquer benefícios de qualquer aluno.
Green et al. Identificam dois princípios que parecem capturar os principais aspetos da
avaliação: (1) Princípio de não prejudicar, que tem por objetivo proteger os direitos dos

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estudantes que são afetados pela avaliação; isto inclui valores como a confidencialidade, o
fornecimento de uma prova escrita sobre como as avaliação são calculadas. (2) Princípio de
“evitar a poluição da avaliação”, as notas das avaliações devem representar o atual e real
conhecimento dos alunos e não deve ser “poluído” por fatores irrelevantes, tais como a
inconsciente preferência por certos estudantes (problemas de ‘bias’) ou retaliação por problemas
comportamentais.
A falta de um código ético, para além de refletir o estado da educação como uma semi-
profissão, é uma forma de evocar ambiguidades de julgamento e avaliação dentro das perceções
dos professores, bem como ambiguidades nas respostas a dilemas éticos práticos.
Conclusão
A complexidade e ambiguidade do comportamento moral tem diversas implicações
interrelacionadas. Um determinado professor não é necessariamente guiado por um corpo
consistente e univalente de considerações morais ou por uma hierarquia fixa de valores éticos.
De forma a achegar a uma decisão ética, os professores usualmente pesam diferentes valores
éticos em conflito e combinam-nos em várias formas diferentes, em vez de usarem um único e
coerente valor ético de cada vez. Os professores podem diferir uns dos outros no seu estilo
pessoal de julgamentos morais multivalentes.

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