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Fernando Pessoa, durante o seu percurso literário, teve diversos heterónimos.

Destacaram-se:
Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Estes heterónimos tinham personalidades próprias
e estilos literários próprios. As suas biografias, e outras informações acerca dos heterónimos
(aspetos físicos, por exemplo) constam na carta que Fernando Pessoa redigiu a Adolfo Casais
Monteiro.

Alberto Caeiro

É conhecido como o mestre dos restantes heterónimos e o mais parecido com Fernando
Pessoa. Também é conhecido como o “poeta bucólico”. O seu estatuto de mestre é marcado
por:

1. Desvalorizar a intelectualização
2. Valorizar as sensações
3. A apologia da vida simples e natural

Deste modo, as características da sua poesia são:

1. A comunhão com a natureza


2. O primado das sensações
3. A atitude antimetafísica
4. A teoria e a prática poéticas

1. A comunhão com a natureza

Caeiro integra-se na natureza, identifica-se com os elementos naturais que observa. Por
esta crença na natureza e pela divinização das coisas naturais, revela-se como um poeta
pagão que aspira à conciliação e harmonia entre o natural e o humano.

ü Bucolismo e vida campestre


ü Integração na natureza
ü Identificação com os elementos naturais, os ritmos e os ciclos da natureza
ü Valorização do presente
ü Paganismo (presença da divindade no mundo natural)
ü Deambulação e contacto com a natureza

2. O primado das sensações

ü Sensacionismo: a primazia das sensações no conhecimento do mundo


ü Importância da visão (a “ciência de ver”)
ü Recusa do pensamento (“Pensar incomoda como andar à chuva”)
ü Postura antimetafísica (rejeição do que ultrapassa a apreensão imediata do real).
ü Defesa do objetivismo
ü Negação de atitudes de análise e interpretação

3. A atitude antimetafísica

Para Alberto Caeiro o mundo não exige atitudes de análise e interpretação, mas sim de
apreensão imediata do real através da perceção das formas, das cores, dos cheiros e dos
sabores – vai de acordo ao 2º ponto, o primado das sensações.

4. A teoria e a prática poéticas

Assentam na defesa da naturalidade, revestida de uma aparente simplicidade. A sua poesia


insinua-se como uma criação espontânea e natural.

ü Defesa da naturalidade
ü Aparente simplicidade

A poesia de Alberto Caeiro tem uma determinada linguagem e estilo:

ü Linguagem simples e objetiva


ü Vocabulário e imagens do campo lexical da natureza
ü Prosaísmo da linguagem (versos longos)
ü Tom coloquial
ü Naturalidade sintática (predomínio da coordenação)
ü Irregularidade estrófica
ü Irregularidade métrica
ü Ausência de rima (versos soltos)
ü Simplicidade estilística (comparações, metáforas, enumerações, anáforas,
paralelismos e repetições
ü Recurso habitual ao presente do indicativo
ü Pontuação expressiva
ü Estilo simples e que procura a naturalidade e a espontaneidade

Alberto Caeiro, “o poeta bucólico de espécie complicada”

Alberto Caeiro – o mestre – no entender de Fernando Pessoa, é o único poeta da natureza


que tem o desejo de se transformar (ele e a sua vida) num elemento natural e também, a
morte, surge como outra coisa qualquer, inerente que é à natureza humana. De facto
Caeiro aceita a vida e a morte sem nelas pensar – recusa do pensamento.
Ricardo Reis

É conhecido como “poeta clássico”. A sua identidade literária é marcada por:

1. Estoicismo
2. Epicurismo
3. Carpe diem horaciano
4. Consciência da mortalidade

1. Estoicismo

O ser humano deve ser indiferente às emoções e não deve ceder ao impulso dos instintos e
das paixões. Deve aceitar com naturalidade o poder do destino e ter uma atitude abdicação
e de indiferença perante os males e as paixões, pois é através desta atitude que conseguirá
continuar a sua vida e seguindo as palavras de Horácio: ser rei de si próprio.

ü Indiferença perante as emoções


ü Renúncia aos bens materiais
ü Aceitação da passagem inexorável do tempo
ü Atitude de abdicação – aceitação voluntária do destino do destino involuntário
(“Abdica e sê rei de ti próprio”)

2. Epicurismo

Propõe uma filosofia moral que defende a procura da felicidade relativa e a busca de um
estado de ataraxia, isto é, tranquilidade sem qualquer perturbação. Ricardo Reis advoga
assim, através dos seus versos, a arte de atravessar a existência sem preocupações. Este
estado de tranquilidade absoluta, ou pelo menos a sua ilusão, implica uma moderação nos
prazeres e uma fuga às sensações extremas e à dor que, segundo Reis perturbam e
equilibram a existência humana.

ü Culto do prazer e procura da felicidade relativa


ü Busca do estado de ataraxia (tranquilidade sem perturbação)
ü Moderação e simplicidade nos prazeres
ü Fuga às sensações extremas e recusa das emoções fortes (e, por extensão, da dor)
ü Aceitação da efemeridade da vida
ü Indiferença face à morte
ü Atitude contemplativa

3. Carpe diem horaciano

Segundo a poesia de Ricardo Reis, o ser humano deve então viver tranquilamente sem
memória do passado nem desejos para o futuro. Urge aproveitar os momentos bons de cada
dia e viver um dia de cada vez. É o carpe diem horaciano onde o presente surge com o tempo
realização.

4. Consciência e encenação da mortalidade

Ricardo Reis constrói a sua poesia sobre a consciência de que a vida é efémera, que o passar
do tempo é inevitável. Há então, uma indiferença face à morte que surge como algo natural
pois é governada pelo destino. Esta indiferença face séria é, para Reis, um ato de lucidez de
quem sabe que tudo tem um fim e de que tudo já está fatalmente traçado.

ü Consciência da efemeridade da vida


ü Aceitação da transitoriedade da existência
ü Reflexão sobre o fluir inelutável do tempo
ü Indiferença face à morte
ü Inspiração nos elementos naturais - o rio (metáfora do fluir da vida e da passagem do
tempo) e as flores (símbolos da efemeridade da vida e da beleza natural perecível)
ü Defesa da aurea mediocritas, a vivência tranquila e equilibrada, sem aspirações a mais
do que aquilo que se tem

A poesia de Ricardo Reis tem uma determinada linguagem e estilo:

ü Relação forma/conteúdo: estilo trabalhado e rigoroso para assuntos elevados


ü Regularidade estrófica e métrica - ode (predomínio dos versos hexassilábicos e
decassilábicos)
ü Preferência pela ode - composição lírica de origem clássica, dedicada a assuntos
nobres e caracterizada pela eloquência, solenidade e elevação de estilo
ü Linguagem culta e alatinada (arcaísmos e vocabulário erudito)
ü Predomínio da subordinação e complexidade sintática (anástrofes)
ü Tom moralista (vocativos/apóstrofes, modos imperativo e conjuntivo, frases
imperativas)
ü Tom coloquial (presença de um interlocutor)
ü Uso frequente da primeira pessoa do plural (tom moralista)

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