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A Constituição da Docência em Educação Infantil pela Vida Cotidiana1

Prof. Criancista Dr. Altino José Martins Filho


Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
Programa de Pós-Graduação em Educação – FAED/PPGE
Prefeitura Municipal de Florianópolis – SME
Clube de Livros Professores Criancistas

Na representação cênica do movimento de viver a vida nas creches e pré-escolas temos


questionado sobre a necessidade de plantar e cultivar o cuidado e a educação de forma indissociável e
complementar. A aprendizagem, o desenvolvimento e a socialização articulados ao cuidado precisam ser
pensados como um corpo complexo de necessidades ligadas à força dos desejos das crianças desde bebês.
Considerar essa complexidade, não é querer alcançar a perfeição, mas sim, qualificar as minúcias do
fazer-fazendo da docência para realizá-las com leveza, sutileza e aperfeiçoamento. Nossa crença maior é
que o aperfeiçoamento, não a perfeição, contribuirá com a expansão positiva da docência no percurso da
vida cotidiana.

Somos herdeiros de uma “educação escolar” castradora do prazer. Sabemos que não podemos
deletar a forma “escolarizante” que hegemonicamente vem se apresentando, dominando e controlando o
cotidiano pedagógico e educativo das creches e pré-escolas, porém podemos reescrevê-la. Temos dito: se
tudo é construído, também pode ser descontruído e reconstruído, inclusive a forma clássica, canônica e
cartesiana da escola convencional. Quem está presente com presença ativa no cotidiano das instituições ou
conhece as relações que lá são estabelecidas, pode concordar que na urgência do instantâneo, vemos se
perder a capacidade de reflexão sobre as ações das rotinas. Rotinas que se tornam rotineiras e engessadas
em uma mesmice frenética.

Chamo a atenção para a importância do fazer-fazendo da docência como uma viagem e não um
porto. De forma análoga, considero a viagem o próprio cotidiano e o porto as rotinas rotineiras. Analiso que
a viagem dá possibilidade de encarar a vida em seus diversos acontecimentos e movimentos (em suas
múltiplas dialéticas), pois sempre traz uma vivência nova, já o permanecer no porto, não possibilita
aventurar-se ao novo, ao diferente, ao insólito, ao detalhe, ao pormenor, ao extraordinário e à beleza do
maravilhamento. Nossa premissa é que a vida cotidiana seja a nossa viagem de todos os dias para
pensarmos as práticas docentes com serenidade, tranquilidade, flexibilidade, sensibilidade, sofisticação,
inteligibilidade e ponderação.

A docência pelos meandros da vida cotidiana, considerando a dinâmica em seu movimento de


viver a vida pelas minúcias, talvez nos ajude a compreender que o viver é constituído de complexidade,
heterogeneidades e multiplicidade de ações e gestos no seu fazer-fazendo diário. As minúcias da vida
cotidiana no fazer-fazendo da docência é uma metáfora ilustrativa, poderosa e propositiva da concepção de
docência, especialmente para uma versão de projeto de educação e cuidado da pequena infância.

1
Texto elaborado a partir da palestra “A Constituição da Docência em Educação Infantil pela Vida Cotidiana”, realizada no dia
28/11/2023, na Semana da Primeira Infância, promovida pela Secretaria Municipal de Educação de Goiânia.
Um projeto de Educação Infantil pensado em coletividade, no qual o(a) professor(a) é a pessoa
central na organização das propostas diárias, que dão vida e retroalimentam a aprendizagem, o
desenvolvimento e os processos de socialização, porém ele(a) precisa saber quando se deslocar para fora do
centro e apostar na produção livre das crianças. Uma produção das culturas infantis entre pares no sentido
máximo de criação e colaboração no pulsar dos talentos. Criação narrada e produzida pelas interações e
brincadeiras, em suas formas e manifestações mais sublimes. Esse é um processo difícil e desafiador para
romper com nosso adultocentrismo. É como a mais delicada cirurgia corpórea, que envolve pensamento e
ação do docente.

A essência da arte de ser professor(a) na Educação Infantil está em perceber o tipo de ajuda que as
crianças precisam. A ajuda necessária para cada criança, mas sabemos que não há uma fórmula geral, uma
fórmula modelar, pois a ajuda é percebida na relação cotidiana, na convivência e na coexistência. O modo
que o(a) professor(a) vai agindo e procede à escolha dos tipos de ajuda, revelará a valiosa construção de
uma comunidade que observa, escuta e acolhe as crianças.

Em um projeto educacional e pedagógico que cuida que a criança aprenda estando interligado à
força de seus desejos, nos cabe acrescentar:

Trazer propostas, atribuir intensão ao que se faz e refaz. Ouvir propostas e valorizar o que as
crianças trouxeram consigo. Ampliar o universo. Preencher vazios e não permitir a rotinização da vida no
dia a dia. Transformar as rotinas em vida cotidiana. Interligar, mudar para melhorar nossas relações. Plantar
afetividade e colher amorosidade.

Potencializar as pequenas coisas da vida cotidiana, prestar atenção aos detalhes, olhar para os
pormenores, viver as diferentes minúcias da vida, penetrar no mundo infantil, despertar para ouvir as vozes
das crianças. Perceber as múltiplas infâncias. Destacar um conjunto de peculiaridades que diferem as
crianças dos adultos. Se encantar. Se maravilhar. Reconhecer a categoria geracional infância em suas
peculiaridades, idiossincrasias e subjetividades. Um reconhecimento com mérito próprio de ser criança e
viver a infância.

Inserir gestos de delicadeza, sutilezas e desenvolver a empatia com as crianças. Também entre os
adultos. Melhorar a convivência coletiva. Organizar ambientes, estruturar espaços para mudar
comportamentos. Criar interações. Convidar e inovar. Ocupar-se das coisas da vida e permitir
continuidades. Gostar de lembrar do que foi realizado. Transgredir. Criar autoria. Permitir e garantir às
crianças a participação participativa.

Organizar o café da manhã de um jeito bonito e agradável na instituição. Utilizar outros locais
além do ambiente agitado do refeitório. Trazer um tecido de casa que se transforma em uma linda toalha
para um piquenique. Imprimir marcas pessoais. Cultivar uma planta na sala. Respeitar os que querem
dormir, mas também os que não querem dormir. Talvez, não obrigar a dormir.

Música com surpresas na chegada, muitas histórias contadas, dramatizar com as crianças e tornar
o palco da vida um grande espetáculo. Encantar-se com as coisas simples, sem ser simplista ou simplificar
a vida cotidiana. Mexer em água, areia, barro e argila. Misturar tudo, fazer um bolo, cantar parabéns.
Engajar-se e interagir com as escolhas das crianças.
Brincar sempre, deixar o tempo passar sem pressa, não olhar para o relógio, deixar a vida ser
contagiante em seu percurso diário, desacelerar. Gestos acompanhados de palavras. Palavras com sorrisos.
Acolhida com abraços. No final do dia, despedidas com gosto de querer estar de volta.

Exercer a docência sem aplicar receitas, cartilhas, atividades xerocadas ou de prontidão.


Compartilhar significados lendo a realidade. Estar atento e aberto a leitura de mundo que precede a leitura
da palavra. Apostar em um protagonismo mútuo. Protagonismo compartilhado entre adultos e crianças e
entre as próprias crianças. Apresentar projetos inusitados e conectados com a natureza. O mundo lá fora
chama as crianças a viver com saúde e alegria. Seguir um rumo com propósito e intencionalidade. Tarefas a
cumprir e assumir a responsabilidade e o nosso compromisso: limpar narizes; amarrar tênis; trocar fraldas;
alimentar; acalentar; oferecer colo; trocar a roupa; tomar café; colocar a dormir, cuidar e amar, ser amigo
das crianças. Educar para a confiança.

Refletir sobre o valor do ambiente educativo. O ambiente tem que ser agradável para que
possamos nos sentir bem. Se gostamos do ambiente, então vamos passar esse sentimento para as crianças.
Viver o sentimento de estar bem, possibilita alimentar nosso próprio ser e alimentar o ser das crianças com
coisas boas. Uma boa prática docente está atrelada à qualidade das relações sociais e da organização dos
ambientes (espaços, tempos, materiais, materialidades e suportes).

Atualmente falamos de especificidades da docência na Educação Infantil, para isso, teremos que
aprender ainda que:

lambuzarem-se,
sujarem-se,
molharem-se e secarem-se
levam as crianças aprender o mundo;
experienciar a vida;
desenvolver as suas humanidades...

Tudo isto faz parte do acontecer a vida, do fazer-fazendo a docência nas creches e pré-escolas,
olhando e percebendo suas minúcias. Ah, as miudezas no movimento do viver a vida cotidiana. Viver é
movimentação e está tudo recruzado. Tudo isto nos provoca a ter orgulho de ser professor e professora na
Educação Infantil!

Referências:

MARTINS FILHO, Altino José. Minúcias da vida cotidiana no fazer-fazendo da docência na educação
infantil: docência além da A4. 4ª Edição. Editora Insular, Florianópolis, 2023.

MARTINS FILHO, Altino José; PRADO, Patrícia (Orgs.) Das pesquisas com crianças à complexidade
da infância. 2ª Edição. São Paulo: Autores Associados, 2022.

MARTINS FILHO, Altino José; DELGADO, Ana Cristina Coll (Orgs.). Dossiê: Bebês e Crianças Bem
Pequenas em Contexto Coletivo de Educação. Revista Pro-Posições. Faculdade de Educação. UNICAMP.
Campinas, SP, V.24, N.3 (72), set,/dez. 2013. Acesso: http://www.scielo.br/pdf/pp/v24n3/02
MARTINS FILHO, Altino José (Org.) Criança Pede Respeito: docência na Educação Infantil Além da
A4. 4ª Edição. Editora Copiart, Criciúma, 2023.

MARTINS FILHO, Altino José; MARTINS FILHO, Lourival José. Educação Infantil: especificidade da
docência. Editora da UDESC, Florianópolis, SC, 2013.

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