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Visão geral da DBT


Kelly Koerner, Linda A. Dimeff e Shireen L. Rizvi

Neste capítulo, será apresentada uma visão população geral são de cerca de 2 a 3% (Tom-
geral da terapia comportamental dialética ko, Trull, Wood, & Sher, 2014). No entanto, as
(DBT, do inglês dialectical behavioral therapy) taxas de prevalência do TPB são significativa-
ambulatorial padrão e sua base de evidências. mente mais altas entre aqueles que utilizam
O propósito central é descrever a DBT com mais frequentemente os sistemas de saúde e
detalhes suficientes para ajudar a determi- em amostras hospitalares (p. ex., Comtois &
nar se a adoção dessa proposta de tratamento Carmel, 2016; Widiger & France, 1989; Widi-
atenderá às necessidades do contexto ou da ger & Weissman, 1991). A abordagem adequa-
população em que se deseje implementar essa da das necessidades de indivíduos com TPB
abordagem. Este capítulo também serve como apresenta vários desafios. Indivíduos com
âncora e ponto de referência para o modelo da TPB em geral demandam terapia para pro-
DBT padrão para que seja possível comparar e blemas psicológicos múltiplos, complexos e
contrastar com as variações da DBT descritas graves, muitas vezes no contexto de crises im-
em capítulos subsequentes. Além disso, este placáveis e manejo de comportamento suicida
capítulo tem por objetivo apresentar um con- de alto risco. Com muitos destes pacientes, a
teúdo que possa ser compartilhado com cole- grande quantidade de problemas graves (al-
gas como uma introdução à DBT. gumas vezes potencialmente fatais) que a te-
rapia precisa abordar torna difícil estabelecer
A DBT EM POUCAS PALAVRAS e manter um foco no tratamento. Acompanhar
a preocupação mais urgente para o paciente
A DBT é uma proposta terapêutica cognitivo- pode resultar em um foco diferente no manejo
-comportamental originalmente desenvolvida da crise a cada semana. A terapia pode parecer
por Marsha M. Linehan, PhD, como um trata- um carro dando uma guinada fora de controle,
mento para indivíduos cronicamente suicidas por pouco evitando um desastre, dando a im-
e, no começo, validado para mulheres suici- pressão de um movimento para a frente, mas
das que satisfaziam os critérios diagnósticos sem progresso significativo.
para o transtorno da personalidade borderline As decisões de tratamento ficam ainda
(TPB). O TPB é um transtorno psicológico ca- mais complicadas porque pacientes com com-
racterizado por uma importante desregulação portamento suicida crônico e sensibilidade
em diversas áreas: emoção, identidade, rela- emocional extrema muitas vezes agem de for-
ções interpessoais, comportamento e cogni- mas que estressam seus terapeutas. Tentativas
ção. As estimativas de prevalência do TPB na de suicídio, ameaças de tentativa de suicídio e

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raiva direcionada ao terapeuta podem ser mui- pacientes para balancear e complementar a
to estressantes. Independentemente do trei- orientação para a mudança da terapia com-
namento e experiência, os terapeutas podem portamental com outras estratégias terapêuti-
ter dificuldades com as próprias reações emo- cas. A observação atenta de Linehan (1993a,
cionais quando um paciente é recorrentemen- 1993b) dos sucessos e das falhas resultou em
te suicida e, ao mesmo tempo, rejeita a ajuda manuais de tratamento que organizam as es-
que é oferecida, demandando uma ajuda que tratégias em protocolos e estruturam a terapia
os terapeutas não podem dar. Mesmo quando e a tomada de decisão clínica para que os tera-
o terapeuta está no rumo certo, o progresso peutas possam responder com flexibilidade a
pode ser lento e esporádico. Todos esses fato- um quadro clínico que está em constante mu-
res aumentam a chance de erros terapêuticos, dança. Embora a DBT compartilhe elementos
incluindo mudanças prematuras no plano de com as abordagens da terapia psicodinâmica,
tratamento, e podem contribuir para o fato de centrada no cliente, da Gestalt, paradoxal e es-
que os indivíduos com TPB tenham altas taxas trategicamente (ver Heard & Linehan, 1994), é
de falha do tratamento (Perry & Cooper, 1985; a aplicação da ciência comportamental, mind-
Rizvi, 2011; Tucker, Bauer, Wagner, Harlam, fulness e filosofia dialética sua característica
& Sher, 1987). Estresse intenso, falha do tra- definidora.
tamento e comportamento suicida repetitivo, A DBT evoluiu para um tratamento sofis-
por sua vez, contribuem para a alta taxa de ticado, ainda que seus conceitos sejam mui-
utilização de serviços psiquiátricos por essa to simples. Por exemplo, a DBT enfatiza uma
população. Indivíduos que satisfazem os cri- abordagem organizada e sistemática em que os
térios para TPB em geral já procuraram ajuda membros da equipe de tratamento comparti-
repetidamente e de múltiplas fontes. Pesqui- lham pressupostos fundamentais sobre terapia
sas demonstraram de forma consistente que e pacientes. A DBT considera o comportamen-
indivíduos com TPB têm taxas mais altas de to suicida como uma forma mal-adaptativa de
utilização de tratamento do que indivíduos solução de problemas e usa técnicas bem-pes-
com outros transtornos da personalidade ou quisadas de terapia cognitivo-comportamental
transtornos do humor ou de ansiedade (p. ex., (TCC) para ajudar os pacientes a resolverem
Ansell, Sanislow, McGlashan, & Grilo, 2007; problemas da vida de maneiras mais adapta-
Bender et al., 2001; Zanarini, Frankenburg, tivas. Os terapeutas na DBT aproveitam todas
Hennen, & Silk, 2004). Questões éticas e legais as oportunidades para fortalecer respostas vá-
sobre suicídio tornam mais complicado limi- lidas dos pacientes, o que — isoladamente e
tar o uso de hospitais, mesmo quando o uso da em combinação com intervenções da TCC —
“porta giratória” de serviços de internação in- facilita a mudança (p. ex., Linehan et al., 2002).
voluntária pode inadvertidamente causar da- Como problemas clínicos difíceis naturalmente
nos (i.e., ser iatrogênico). A experiência para provocam fortes opiniões divergentes entre os
indivíduos que satisfazem os critérios para prestadores de tratamento e como os próprios
TPB e seus prestadores de tratamento histori- problemas dos pacientes da DBT incluem pen-
camente tem sido um caminho desanimador samento dicotômico rígido e expressões extre-
de recorrentes falhas no tratamento apesar mas comportamentais e emocionais, a filosofia
dos seus melhores esforços. e as estratégias dialéticas oferecem um meio
Foi dentro desse contexto que a DBT se de conciliar as diferenças para que os conflitos
desenvolveu. Quando Linehan começou a na terapia sejam enfrentados com movimento,
usar a terapia comportamental clínica tra- e não com impasse. A seguir, serão discutidos
dicional (Goldfried & Davison, 1976), ela foi um de cada vez como forma de apresentar a
guiada pela natureza dos problemas dos seus DBT resumidamente.

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Estrutura da DBT inicialmente desenvolveu a teoria biossocial,


esse modelo estava baseado em suas obser-
Diversos elementos da DBT oferecem uma vações clínicas. Desde aquela época, a men-
estrutura ou um enquadramento conceitual suração das variáveis biológicas passou a ser
para o terapeuta e o paciente. A formulação de possível por meio de medidas psicofisiológi-
caso na DBT está baseada na teoria biossocial cas, exames de sangue que avaliam marca-
e nos níveis de desordem. Estes, por sua vez, dores dos níveis hormonais e de neurotrans-
traduzem-se em uma postura terapêutica co- missores, além de todo o desenvolvimento da
laborativa básica e em metas e alvos do trata- neuroimagem. Assim, um corpo de pesquisa
mento que são hierarquicamente organizados empírica surgiu para apoiar esta noção central
de acordo com sua importância. Esses alvos de que aqueles com TPB experimentam esta-
são claramente orquestrados nos diferentes dos aversivos mais frequentes, mais intensos
modos de tratamento (psicoterapia indivi- e de mais longa duração e que a vulnerabili-
dual semanal e treinamento de habilidades e, dade biológica pode contribuir para as dificul-
quando necessário, coaching telefônico para os dades na regulação das suas emoções (p. ex.,
pacientes; consultoria semanal com os pares Ebner-Priemer et al., 2005; Schulze, Schmahl,
para os terapeutas) para que funções e papéis & Niedtfeld, 2016). Além disso, um modelo
específicos sejam atribuídos para cada modo e biossocial adaptado por Crowell, Beauchaine
que, assim, tenha responsabilidade por alvos e Linehan (2009) sugere que a impulsividade
específicos no decorrer do tratamento. Na se- é um fator biológico adicional importante no
quência, esboçamos cada um deles. TPB. Como, normativamente, muitas capa-
cidades dependem de regulação emocional
Teoria biossocial adequada e tolerância ao mal-estar, as dificul-
dades aqui resultam em instabilidades em um
De acordo com Linehan (1993a), o principal senso de identidade duradouro, resolução de
problema do TPB é o transtorno global (ou in- conflitos interpessoais, ações orientadas para
vasivo) do sistema de regulação emocional. Tal metas e assim por diante.
ideia guia todas as intervenções de tratamento O desenvolvimento das problemáticas re-
e é usada como um modelo psicoeducacional lacionadas à desregulação emocional emerge
para que pacientes e terapeutas compartilhem quando um indivíduo biologicamente vul-
uma compreensão comum dos problemas e in- nerável desenvolve uma complexa transação
tervenções. Segundo essa perspectiva, os com- com ambientes generalizadamente invalidan-
portamentos característicos para o TPB atuam tes. Esses ambientes comunicam que as res-
para regular as emoções (p. ex., comportamen- postas características dos indivíduos aos even-
to suicida) ou são uma consequência da falha tos (em particular as respostas emocionais)
na regulação emocional (p. ex., sintomas dis- são incorretas, inapropriadas, patológicas ou
sociativos ou sintomas psicóticos transitórios). não são levadas a sério. Por não entenderem
A hipótese é que essa desregulação emo- quão debilitante é o esforço com a regulação
cional global (ou invasiva) é desenvolvida e emocional, as pessoas no ambiente simplifi-
mantida por fatores biológicos e ambientais. cam excessivamente a facilidade da solução
Pelo lado biológico, os indivíduos são mais dos problemas e não ensinam o indivíduo
vulneráveis a dificuldades na regulação de a tolerar o mal-estar ou a formar objetivos e
suas emoções em razão de diferenças no siste- expectativas realistas. Ao punir a comunica-
ma nervoso central (p. ex., devido à genética, ção das experiências aversivas e responder a
eventos durante o desenvolvimento fetal ou manifestações emocionais aversivas somente
trauma no início da vida). Quando Linehan quando elas estão escaladas, o ambiente ensi-

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na o indivíduo a oscilar entre inibição emocio- vida de emoções mostra, o que significa que a
nal e comunicação emocional extrema. vida sempre será um interminável pesadelo de
Abuso sexual na infância é um ambiente descontrole. Quando a pessoa tenta atender
prototípico invalidante relacionado ao TPB, às expectativas que estão em desacordo com
dada a correlação observada entre TPB, com- as reais capacidades, ela pode falhar, sentir-
portamento suicida e relatos de abuso sexual -se envergonhada e decidir que ser punida ou
na infância (Wagner & Linehan, 1997). Con- mesmo morrer é o que ela merece. Quando a
tudo, como nem todos os indivíduos que satis- pessoa ajusta seus próprios padrões para aco-
fazem os critérios para TPB relatam histórias modar a vulnerabilidade, mas os outros não, o
de abuso sexual e como nem todas as vítimas paciente pode ficar com raiva porque ninguém
de abuso sexual desenvolvem TPB, ainda não oferece a ajuda necessária.
se sabe ao certo como explicar as diferenças Este é um dilema fundamental na terapia.
individuais das pessoas que acabam fechando Quando o terapeuta se concentra na aceitação
o diagnóstico de TPB e daquelas que acabarão da vulnerabilidade e das limitações, isso ati-
não fechando. Achados interessantes sugerem va a desesperança de que os problemas jamais
que a intensidade/reatividade do afeto aver- irão mudar; concentrar-se na mudança, no
sivo é um preditor mais forte de sintomas de entanto, pode desencadear pânico porque os
TPB do que o abuso sexual na infância e que pacientes que tiveram problemas relacionados
a maior supressão do pensamento pode me- com a desregulação emocional global sabem
diar a relação entre sintomas de TPB e abuso que não há como corresponder às expectativas
sexual na infância (Rosenthal, Cheavens, Le- de jeito nenhum. O terapeuta na DBT precisa
juez, & Lynch, 2005). entender e levar em conta a dor intensa en-
A resultante desregulação emocional ge- volvida em viver sem “pele emocional” e focar
neralizada interfere na solução de problemas diretamente na redução de emoções dolorosas
e cria problemas por si só. Por exemplo, uma e soluções para problemas que dão origem a
paciente pode chegar à sua sessão de terapia elas. Por exemplo, em resposta a reações emo-
depois de ter sido demitida porque perdeu a cionais intensas durante as tarefas terapêuti-
paciência com um colega. Quando o terapeuta cas (p. ex., falar sobre um acontecimento da
pergunta o que aconteceu, a paciente está ar- semana anterior), o terapeuta valida a expe-
rasada pela vergonha, permanece calada e se riência incontrolável e indefesa da excitação
encolhe na cadeira, batendo a cabeça contra emocional e ensina o indivíduo a modular a
o braço da cadeira. Essa resposta inviabiliza emoção na sessão, equilibrando, momento a
qualquer ajuda que o terapeuta tenha ofere- momento, o uso de aceitação apoiadora e es-
cido quanto ao manejo da raiva no trabalho e tratégias de mudança confrontadoras.
cria uma nova situação sobre a qual a paciente
sente vergonha (i.e., como ela agiu na tera- Níveis de transtorno e estágios,
pia). Tais comportamentos mal-adaptativos, objetivos e alvos do tratamento
incluindo os mais extremos como as condutas
suicidas, ocorrem para resolver problemas, Na DBT, o nível de desordem do paciente de-
em especial a redução de estados emocionais termina quais tarefas do tratamento são rele-
dolorosos. Para um paciente é difícil saber se vantes e viáveis. Por exemplo, o que é relevante
culpa a si mesmo ou aos outros: ou ele é capaz e viável para um paciente morador de rua com
de controlar o próprio comportamento (como uso descontrolado de heroína, que interrom-
os outros acreditam e esperam), mas não o faz peu múltiplos programas de tratamento para
e, portanto, é “manipulador”, ou é incapaz de uso de metadona e recentemente tentou suicí-
controlar as próprias emoções, como toda uma dio, é diferente do que é relevante e viável para

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um enfermeiro, também viciado em opiáceos, lecidas antes do início do tratamento formal.


que evitou uma suspensão por roubar drogas Como a DBT exige consentimento voluntário
no trabalho e tem uma família apoiadora e um em vez de coagido, tanto o paciente quanto
empregador que está disposto a tê-lo de vol- o terapeuta devem ter a opção de se compro-
ta depois que estiver livre de drogas. Embora meter com a DBT em detrimento de alguma
muitas das intervenções para adição sejam as opção não DBT. Assim, por exemplo, em uma
mesmas, a primeira pessoa citada precisa de unidade forense ou quando um paciente está
uma atenção à saúde mais abrangente. O tra- legalmente obrigado a fazer o tratamento, só
tamento de alguns dos seus comportamentos se considera que este entrou em DBT depois
(p. ex., tentativas de suicídio) terá prioridade que um compromisso verbal foi obtido. No
em relação ao tratamento de outros. Muitos pré-tratamento, depois que o terapeuta se
problemas (p. ex., abuso de drogas, privação compromete com o paciente, a prioridade é
de habitação, raiva fora de controle) podem obter o engajamento na terapia.
precisar ser resolvidos simultaneamente. Se- O Estágio 1 da DBT é para o nível de desor-
guindo o bom senso, o modelo de tratamento dem mais grave. O Estágio 1 da terapia visa
da DBT em estágios (Linehan, 1993a, 1996) aos comportamentos necessários para atingir
prioriza os problemas que precisam ser abor- uma expectativa de vida aceitável (imediata),
dados em um ponto particular da terapia de controle comportamental e conexão suficien-
acordo com a ameaça que eles representam à te com o tratamento e com as habilidades
razoável qualidade de vida do paciente. comportamentais para atingir estas metas.
O primeiro estágio do tratamento com to- Para que estas sejam alcançadas, o tempo de
dos os pacientes em DBT é o pré-tratamento, tratamento é planejado para dar prioridade
seguido por 1 a 4 estágios subsequentes. O aos alvos na seguinte ordem de importância:
número de estágios subsequentes depende da (1) comportamento suicida/homicida ou ou-
extensão da desordem comportamental quan- tro comportamento com ameaça iminente à
do o paciente inicia o tratamento. No estágio vida; (2) comportamentos do terapeuta ou do
pré-tratamento, como com outras abordagens paciente que interfiram na terapia; (3) com-
da TCC, paciente e terapeuta concordam de portamentos que comprometam seriamente a
forma explícita e colaborativa com as metas qualidade de vida do paciente (p. ex., trans-
e métodos essenciais do tratamento. Embora tornos mentais, bem como sérios problemas
não seja importante ter um contrato por escri- com relacionamentos interpessoais, com o
to, é importante ter um compromisso verbal sistema legal, emprego/escola, de acesso à
mútuo com as combinações do tratamento. saúde e à moradia); e (4) déficits nas habilida-
Esses acordos especificamente podem variar des comportamentais necessárias para fazer
conforme o contexto e os problemas do pa- mudanças na vida. A DBT assume que cer-
ciente. Ao mesmo tempo, em geral, para os tos déficits são de particular relevância para
pacientes, incluem concordar em trabalhar o TPB e fornece treinamento para ajudar os
os alvos do tratamento no Estágio 1 por uma pacientes a (1) regular as emoções; (2) tolerar
duração de tempo especificada e comparecer o mal-estar; (3) responder habilidosamente a
a todas as sessões agendadas, pagar os hono- situações interpessoais; (4) observar, descre-
rários, etc. Já para o terapeuta, as combina- ver e participar sem julgar, com intencionali-
ções incluem concordar em fornecer o melhor dade e focando na efetividade; e (5) manejar o
tratamento possível (incluindo aumentar as próprio comportamento com estratégias que
próprias habilidades quando necessário), res- não sejam de autopunição. Essas habilidades
peitar os princípios éticos e participar na con- estão ligadas aos comportamentos presentes
sulta. Essas combinações devem ser estabe- nos critérios diagnósticos para o TPB, com

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mindfulness voltada para reduzir a confusão tes, as metas da terapia no Estágio 2 são ter
de identidade, o vazio e a desregulação cog- experiência emocional não traumatizante e
nitiva; efetividade interpessoal abordando o conexão com o ambiente. No Estágio 3, o pa-
caos interpessoal e temores de abandono; ha- ciente sintetiza o que foi aprendido, aumenta
bilidades de regulação emocional reduzindo seu autorrespeito e um senso permanente de
o afeto lábil e a raiva excessiva; e tolerância conexão e trabalha para resolver problemas da
ao mal-estar ajudando a reduzir comporta- vida cotidiana. Os alvos aqui são autorrespei-
mentos impulsivos, ameaças de suicídio e to, maestria, autoeficácia, um senso de mo-
CASIS. É importante notar que a DBT foca ralidade e uma qualidade de vida aceitável. O
ativamente em comportamentos do paciente Estágio 4 (Linehan, 1996) foca no sentimento
e do terapeuta que interferem na terapia, o de incompletude que muitos indivíduos expe-
que só perde em importância para comporta- rimentam, mesmo depois que os problemas da
mentos de ameaça iminente à vida. Em outras vida cotidiana estão essencialmente resolvi-
palavras, comportamentos do paciente que dos. Para muitos, as metas no Estágio 4 estão
interferem na receptividade à terapia, como fora do âmbito da terapia tradicional e dentro
não comparecimento, não colaboração e não de uma prática espiritual que dá origem à ca-
adesão, ou que forçam os limites do terapeuta pacidade para liberdade, alegria ou realização
ou reduzem sua motivação para tratá-lo são espiritual.
vistos em pé de igualdade com comportamen- Embora os estágios da terapia sejam apre-
tos do terapeuta que desequilibram a terapia, sentados linearmente, o progresso muitas ve-
como ser extremamente receptivo ou extre- zes não é linear e os estágios se sobrepõem.
mamente focado na mudança, muito flexível Não é incomum retomar discussões como
ou muito rígido, muito acolhedor ou muito aquelas do pré-tratamento para resgatar o
afastado, etc. Os alvos específicos são mutua- compromisso com as metas ou métodos do
mente identificados e então são monitorados tratamento. A transição do Estágio 1 para o
e fornecem a pauta principal para as sessões Estágio 2 também pode apresentar incertezas.
de terapia individual, paralelamente ajudan- A infrequência dos comportamentos no Está-
do o paciente a atingir as suas metas pessoais. gio 1, assim como a velocidade da rerregula-
Na DBT, é importante comunicar que as me- ção (em vez da presença de algum exemplo de
tas da terapia não são simplesmente suprimir comportamento), define as diferenças entre os
o comportamento disfuncional severo, mas estágios. A prontidão para o trabalho no Es-
também construir uma vida que qualquer tágio 2 é idiossincrática. Em geral, o pacien-
pessoa razoável consideraria que vale a pena te está pronto para a transição quando já não
viver. está mais se engajando em comportamentos
Muitos pacientes que ainda não estão em disfuncionais severos, consegue manter uma
descontrole comportamental experimentam relação terapêutica forte e demonstrou, para
tremenda dor emocional devido a respostas do sua satisfação e do terapeuta, a habilidade de
transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) lidar com sinais que antes desencadeavam os
ou outras experiências emocionais dolorosas comportamentos problemáticos. O Estágio 3
que os deixam desconectados ou isolados de é frequentemente uma revisão das mesmas
conexões significativas com outras pessoas ou questões por um ponto de vista diferente.
com uma vocação pessoal. Eles sofrem vidas O nível de desordem e os estágios do tra-
de desespero silencioso, em que a experiência tamento têm implicações para a prestação do
emocional é intensa demais (embora o con- serviço do tratamento em DBT. Muitas clí-
trole emocional esteja mantido) ou a pessoa nicas têm diferentes níveis de atendimento
está entorpecida. Portanto, com esses pacien- de acordo com a severidade do descontrole

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comportamental. Por exemplo, se for o caso A DBT COMO SOLUÇÃO


de alguém que só pode receber terapia indivi-
dual por estar completamente fora de controle
DE PROBLEMAS
ou os pacientes perdem o acesso a terapeutas Conforme mencionado antes, a DBT usa pro-
individuais assim que estiverem fora da crise, tocolos da terapia comportamental baseados
então as contingências favorecem a falta de em evidências para tratar problemas psico-
progresso e crises continuadas. O que é ne- lógicos. Como fazem outras abordagens da
cessário é ter disponíveis reforçadores (p. ex., TCC, ela enfatiza o uso de princípios compor-
serviços cada vez mais aprofundados) contin- tamentais e avaliação comportamental para
gentes ao progresso em vez da continuação do determinar quais são as variáveis que con-
comportamento mal-adaptativo. trolam os comportamentos problemáticos.
Conforme mencionado antes, a responsa- Ela usa intervenções da TCC padrão (p. ex.,
bilidade por tratar alvos específicos é atribuí- automonitoramento, análise comportamen-
da aos modos de tratamento. Por exemplo, o tal e análise de soluções, estratégias didáti-
psicoterapeuta individual tem o papel de pla- cas e de orientação, manejo de contingências,
nejar o tratamento, assegurando que seja feito reestruturação cognitiva, treinamento de ha-
progresso em todos os alvos da DBT, ajudan- bilidades e procedimentos de exposição). Em
do a integrar outros modos de terapia, dando vez de descrever essas intervenções da TCC
consultoria ao paciente sobre comportamen- em profundidade, presumimos que o leitor
tos efetivos com outros terapeutas e o manejo já esteja familiarizado com elas. Aqui desta-
de crises e de comportamentos que ameaçam camos aquelas que são exclusivas da DBT ou
a vida. Isso permite que o terapeuta primário enfatizadas na DBT. Por exemplo, todas as
— que frequentemente é a pessoa que melhor abordagens da TCC incluem psicoeducação
conhece as capacidades do paciente — ensine, e colocam uma forte ênfase na orientação do
fortaleça e generalize as novas respostas do paciente para a justificativa do tratamento e
paciente às crises sem reforçar seus compor- os métodos de tratamento. Entretanto, como
tamentos disfuncionais. Isso também impede a excitação emocional dos pacientes com
que múltiplos planos de tratamento alternati- TPB frequentemente interfere em seu pro-
vos sejam executados ao mesmo tempo. cessamento da informação e na colaboração,
O papel do treinador de habilidades é asse- o terapeuta em DBT muitas vezes precisa fa-
gurar que o paciente adquira novas habilida- zer o que poderia ser chamado de “micro-o-
des. Para maximizar a aprendizagem e evitar rientação”, instruindo o paciente especifica-
que os papéis entrem em conflito, ele se con- mente sobre o que fazer na tarefa particular
centra apenas minimamente em comporta- do tratamento que está em questão.
mentos que interferem no treinamento de ha- Quando o terapeuta primário e o paciente
bilidades (p. ex., dissociação no grupo, chegar identificam e se comprometem com as metas
tarde) encaminhando o paciente de volta ao para a terapia nas primeiras sessões, o tera-
terapeuta individual primário para trabalhar peuta reúne a história necessária para avaliar
na essência desses problemas. Igualmente, acuradamente o risco de suicídio e começa a
em crises suicidas e outras crises, o treinador identificar situações que evocam ideação sui-
de habilidades encaminha o paciente de volta cida e CASIS para manejar as crises suicidas.
para o terapeuta individual depois de realizar Em particular, o terapeuta identifica as condi-
a devida avaliação do risco de suicídio e for- ções associadas a tentativas de suicídio quase
necer a intervenção necessária para fazer o letais, comportamento suicida com alta inten-
paciente entrar em contato com o terapeuta ção de morrer e outras autolesões intencionais
primário. clinicamente graves.

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Depois que o paciente e o terapeuta de- sicas dos procedimentos de exposição, manejo
senvolvem os objetivos e as combinações, o de contingências e reestruturação cognitiva
paciente começa a monitorar os comporta- para ajudar o paciente a superar as barreiras
mentos que eles combinaram ter como alvo. ao uso das suas capacidades.
Sempre que ocorrer um dos comportamentos Da mesma forma, quando os terapeutas
problemáticos visados, o terapeuta e o pacien- cognitivo-comportamentais geram soluções,
te conduzem uma análise em profundidade eles em geral também preventivamente ima-
dos eventos e fatores situacionais antes, du- ginam o que impediria o uso da solução ou
rante e depois desse exemplo particular (ou antecipação dos fatores que interferem na so-
conjunto de exemplos) do comportamento lução de problemas. Na DBT, essa antecipação
visado. O objetivo desta análise em cadeia é for- de problemas assume uma ênfase adicional,
necer uma descrição acurada e razoavelmen- pois o paciente muitas vezes tem comporta-
te completa dos eventos comportamentais mentos severos dependentes do humor e não
e ambientais associados ao comportamento se pode assumir a generalização da mesma
problemático (Rizvi, 2019; Rizvi & Ritschel, maneira que seria feita com uma pessoa me-
2014). Quando terapeuta e paciente discu- nos dependente do humor.
tem uma cadeia de eventos, o terapeuta des- Tratar pacientes com múltiplos transtor-
taca o comportamento disfuncional focando nos graves e crônicos exige que o terapeuta co-
nas emoções e ajuda o paciente a obter insight nheça os protocolos de tratamento para trans-
reconhecendo os padrões entre este e outros tornos específicos, mas também que tenha
exemplos do comportamento problemático. alguma forma coesa de integrá-los para tratar
Juntos, eles identificam onde uma resposta um quadro clínico em constante mudança.
alternativa do paciente poderia ter produzido A complexidade da tarefa é ainda mais com-
mudança positiva e por que essa alternativa plicada devido ao trabalho que é preciso rea-
mais habilidosa não aconteceu. Esse proces- lizar para estabelecer e manter uma relação
so de identificação do problema e análise da terapêutica colaborativa e produtiva. Pode-
cadeia de eventos momento a momento ao mos tratar primeiro o problema presente ou
longo do tempo para determinar quais variá- principal, ver o que se resolve e então prosse-
veis controlam/influenciam o comportamen- guir tratando os outros múltiplos transtornos
to ocorre para cada comportamento proble- psicológicos sequencialmente. Entretanto,
mático visado à medida que ele se manifesta. mesmo que tivéssemos tempo suficiente (e su-
Como em outras abordagens da TCC, a ficiente cobertura do seguro) para fazer isso,
ausência de comportamento adaptativo é con- entre uma sessão e a seguinte , o paciente que
siderada o resultado de um dos quatro fatores geralmente está desregulado provavelmente
associados aos procedimentos de mudança na terá uma outra crise importante na vida. Por
terapia comportamental: treinamento de ha- exemplo, na semana passada uma paciente
bilidades, procedimentos de exposição, ma- levou para casa algumas leituras para orien-
nejo de contingências e reestruturação cogni- tá-la no tratamento do transtorno de pânico.
tiva. Se a análise em cadeia revelar um déficit A terapeuta veio para a sessão pronta para
nas capacidades (i.e., o paciente não tem as discutir a justificativa do tratamento. Contu-
habilidades necessárias em seu repertório), do, quando deu uma olhada no cartão diário
então é enfatizado o treinamento de habilida- e perguntou como a semana havia transcorri-
des. Quando o paciente tem a habilidade, mas do, a pauta da sessão mudou radicalmente. Na
emoções, contingências ou cognições interfe- semana entre as sessões, a paciente havia tido
rem na sua capacidade de agir habilidosamen- uma briga com o namorado, que a expulsou
te, o terapeuta usa princípios e estratégias bá- do apartamento dele. Ela ficou na rua e estava

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dormindo em um abrigo nos últimos dois dias. TREINAMENTO DE


Durante o tempo em que esteve no abrigo, foi
assediada sexualmente, o que desencadeou
HABILIDADES
pesadelos e alguns sintomas dissociativos. A DBT padrão inclui o treinamento de habili-
Devido a todo o caos em sua vida, ela faltou ao dades como um modo de tratamento dedica-
encontro do grupo de treinamento de habili- do a aprimorar as competências de habilida-
dades e agora está em dúvida se conseguirá ir des em áreas em que muitos indivíduos com
ao grupo também nesta semana. Vivendo na TPB têm déficits comportamentais. Com seu
rua, ela encontrou alguns antigos parceiros de foco no ensino e fortalecimento de habilida-
drogas e usou heroína. Ela descreve a sema- des em DBT (Linehan, 2015), o treinamento
na em um tom de voz objetivo, mas seu cartão de habilidades em DBT é feito semanalmente
diário mostra avaliação alta em sofrimento e por cerca de duas horas. O DBT Skills Training
ideação suicida. Quando a terapeuta avalia o Manual (2015), de Linehan*, fornece instru-
risco de suicídio, ela descobre que a paciente ções abrangentes aos terapeutas sobre como
tem como seu método de escolha usar o carro. ensinar as habilidades em DBT, instruções
À medida que a sessão evolui, a paciente dis- explícitas para praticar as habilidades em gru-
socia a ponto de não falar mais. po e inúmeras fichas instrutivas e de tarefas
Conforme mencionado antes, a DBT foi de casa reproduzíveis para o paciente. Quatro
desenvolvida para pessoas com múltiplos módulos de treinamento de habilidades são
transtornos que estão frequentemente em ensinados durante o curso de aproximada-
crise. As intervenções em DBT irão visar aos mente seis meses, permitindo a execução de
comportamentos hierarquicamente para que todas as habilidades por duas vezes dentro
o foco imediato seja avaliar e tratar o risco de de um grupo ambulatorial em DBT padrão.
suicídio. No entanto, além de se desfazer dos Os módulos de treinamento de habilidades
meios imediatos e abordar os problemas as- em DBT incluem habilidades para regular as
sociados ao comportamento suicida, a tera- emoções (habilidades de regulação emocio-
peuta também precisa abordar os problemas nal), tolerar o sofrimento emocional quando
de moradia, a ida ao grupo de habilidades, o a mudança é lenta ou improvável (habilidades
não uso de heroína novamente, o manejo de de tolerância ao mal-estar), ser mais efetivo
comportamentos dissociativos e o processa- em conflitos interpessoais (habilidades de
mento do término do relacionamento amo- efetividade interpessoal) e controlar a atenção
roso (e talvez vergonha e desespero por não para participar habilidosamente no momento
ter iniciado o tratamento para o pânico). Isso (habilidades de mindfulness). O treinamen-
exige que o terapeuta aplique mini-interven- to de regulação emocional ensina uma gama
ções baseadas em protocolos comportamen- de estratégias comportamentais e cognitivas
tais efetivos para os problemas à medida que para reduzir respostas emocionais indeseja-
eles surgem. A improvisação necessária é das, além de comportamentos disfuncionais
parecida com o jazz — é construída sobre o impulsivos que ocorrem no contexto de emo-
domínio sólido do instrumento e o conheci- ções intensas, ensinando aos pacientes como
mento da música, mas fortemente ligada ao identificar e descrever emoções, como parar
exato momento e aos intérpretes. A aplicação de evitar emoções negativas, como aumentar
flexível das estratégias resulta da sobrea- emoções aversivas e como mudar emoções
prendizagem de protocolos da terapia com-
portamental e também da filosofia dialética e * N. de T. Publicado no Brasil, pela Artmed, sob o
estratégias que ajudam a superar os impasses título Treinamento de habilidades em DBT: manual de
terapêuticos. terapia comportamental dialética para o terapeuta.

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Terapia comportamental dialética na prática clínica 11

aversivas indesejadas. O treinamento de to- As estratégias de validação da DBT visam não


lerância ao mal-estar ensina diversas técnicas apenas a comunicar uma compreensão em-
de controle dos impulsos e de se autoacalmar pática, mas também a comunicar a validade
visando a sobreviver a crises sem usar drogas, das emoções, os pensamentos e as ações do
tentar suicídio ou se engajar em outros com- paciente. Na DBT, essas estratégias são im-
portamentos disfuncionais. A eficácia inter- portantes por si só, e também em combinação
pessoal ensina uma variedade de habilidades com estratégias de mudança. A validação tam-
de assertividade para atingir o objetivo, ao bém é usada para equilibrar a “patologização”
mesmo tempo mantendo os relacionamentos à qual pacientes e terapeutas são propensos.
e o autorrespeito. As habilidades de mindfulness Os pacientes muito frequentemente apren-
incluem focar a atenção na observação de si deram a tratar suas respostas válidas como
mesmo ou do contexto imediato, descrever inválidas (como “idiotas”, “fracas”, “falhas”,
as observações, participar (espontaneamen- “ruins”). Da mesma forma, os terapeutas
te), assumir uma postura não julgadora, fazer também aprenderam a ver respostas normais
uma coisa de cada vez e ser efetivo (focar no como patológicas. As estratégias de validação
que funciona). equilibram esse ponto de vista, exigindo que o
Embora toda TCC preste atenção à genera- terapeuta procure os pontos fortes, a normali-
lização, este objetivo é particularmente enfa- dade ou a eficácia inerentes nas respostas do
tizado na DBT. A fim de generalizar as habili- paciente sempre que possível e ensinando o
dades recém-adquiridas para outras situações paciente a se autovalidar. Mesmo o comporta-
na vida diária, os terapeutas empregam o mento eminentemente inválido pode ser váli-
coaching telefônico e a terapia in vivo (i.e., te- do por ser efetivo. Quando uma paciente diz
rapia fora do consultório, quando necessário). que se odeia, o ódio pode ser válido porque é
Apesar de a aquisição e o fortalecimento de uma resposta justificável se a pessoa agiu de
habilidades serem domínios dos treinadores uma maneira que viola valores importantes
de habilidades no contexto do grupo de trei- (p. ex., ela deliberadamente prejudicou ou-
namento de habilidades, é tarefa do terapeuta tra pessoa devido à raiva). Cortar os próprios
individual ajudar a generalizar essas habilida- braços em resposta ao sofrimento emocional
des para todos os contextos relevantes. excessivo é válido (i.e. faz sentido), já que em
geral produz alívio de emoções insuportáveis:
VALIDAÇÃO é uma estratégia de regulação emocional efe-
tiva. Ao mesmo tempo, cortar-se é simulta-
A DBT compartilha elementos com outras neamente inválido: não é normativo, impede
abordagens terapêuticas de apoio (Heard & o desenvolvimento de outros meios de regula-
Linehan, 1994). Sensibilidade emocional no- ção emocional, causa cicatrizes e afasta os ou-
tável, tendência à desregulação emocional e tros. O mesmo comportamento pode ser tanto
uma longa história de tentativas fracassadas válido quanto inválido ao mesmo tempo. Por
de mudar a emocionalidade intensa ou os essa perspectiva, todo comportamento é vá-
comportamentos problemáticos associados lido em algum aspecto. O terapeuta em DBT
a ela tornam importantes os elementos tera- se esforça para identificar e comunicar o que é
pêuticos de apoio. Todos os pacientes se bene- válido para o paciente.
ficiam da validação, e esta é essencial para o Em quase todas as situações, o terapeuta
sucesso de estratégias orientadas para a mu- em DBT pode validar que os problemas do pa-
dança com aqueles que, de modo particular, ciente são importantes, que uma tarefa é difí-
são emocionalmente sensíveis e propensos à cil, que a dor emocional ou uma sensação de
desregulação emocional (Linehan, 1993a). estar fora do controle é compreensível, e que

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12 Dimeff, Rizvi & Koerner (orgs.)

há sabedoria nas metas finais dele, mesmo os dois — o paciente tem simultaneamente as
que ele não tenha os meios particulares que ele duas posições opostas. A mudança dialética ou
usaria para atingi-las. Da mesma forma, mui- progresso decorre do desenvolvimento dessas
tas vezes, é útil que o terapeuta valide a pers- posições opostas em uma síntese. O diálogo
pectiva do paciente sobre os problemas da vida completo da terapia constrói novas posições
e crenças sobre como as mudanças podem ou em que a qualidade de vida de alguém não
devem ser feitas. A menos que o paciente acre- dá origem ao desejo de morrer. Sendo assim,
dite que o terapeuta entende verdadeiramente o suicídio é uma forma de saída de uma vida
o seu dilema (p. ex., exatamente o quão dolo- insuportável. Entretanto, construir uma vida
roso e difícil é mudar, ou o quão importante é que genuinamente valha a pena ser vivida
o problema), ele não confiará que as soluções é uma posição igualmente válida. O refrão
do terapeuta são apropriadas ou adequadas e, constante em DBT é que uma solução melhor
portanto, a colaboração e a possibilidade do pode ser encontrada. A melhor alternativa ao
terapeuta ajudar o paciente a mudar serão li- suicídio é construir uma vida que valha a pena
mitadas. Desse modo, a validação é essencial ser vivida.
para a mudança: o terapeuta deve ao mesmo As estratégias de modificação cognitiva na
tempo entender profundamente a perspectiva DBT estão baseadas na persuasão dialética.
do paciente e também manter esperança e cla- Embora o terapeuta em DBT possa algumas
reza sobre como efetuar a mudança. vezes desafiar crenças problemáticas com a
razão ou por meio de experimentos que tes-
A DBT COMO DIALÉTICA tem as hipóteses, como fazem outras terapias
cognitivo-comportamentais, há uma ênfase
A filosofia dialética tem sido influente nas especial na modificação cognitiva mediante
ciências (Basseches, 1984; Levins & Lewontin, conversas que criam a experiência das contra-
1985). Na DBT, ela fornece os meios práticos dições inerentes à nossa própria posição. Por
para o terapeuta e o paciente reterem a flexi- exemplo, uma paciente que experimenta alí-
bilidade e o equilíbrio. A dialética é tanto um vio imediato da intensa dor emocional quando
método de persuasão quanto uma visão do queima seus braços com cigarro está relutante
mundo ou um conjunto de pressupostos sobre em abrir mão disso. Quando o terapeuta avalia
a natureza da realidade. Em ambos, uma ideia os fatores que conduziram a um incidente re-
essencial é que cada tese ou afirmação de uma cente, a paciente diz com ar de indiferença: “a
posição contém dentro de si sua antítese ou queimadura na verdade não foi tão ruim desta
posição oposta. Por exemplo, com frequência vez”.
pacientes suicidas querem, ao mesmo tempo,
viver e morrer. Dizer em voz alta para o tera- Terapeuta: Então o que você está dizendo
peuta “eu quero morrer”, em vez de se matar é que se visse uma pessoa com
em segredo, contém dentro de si a posição muita dor emocional, digamos
oposta de querer viver. Contudo, isso não quer sua sobrinha pequena, e ela
dizer que querer viver seja “mais verdadeiro” estivesse se sentindo tão mal
do que querer morrer. A pessoa genuinamente quanto você estava na noite em
não quer viver sua vida como ela é no momen- que queimou seu braço, se esti-
to — poucos de nós iriam trocar de lugar com vesse tão arrasada pela decep-
nossos pacientes com TPB. Nem a baixa leta- ção quanto você estava naquela
lidade de uma tentativa de suicídio significa noite, você queimaria o braço
que a pessoa de fato não queria morrer. E tam- dela com um cigarro para aju-
bém não quer dizer que a pessoa alterne entre dá-la a se sentir melhor.

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Paciente: Não, eu não faria isso. fino”; “Não, não, um elefante é sólido como
Terapeuta: Por que não? uma parede”. O terapeuta que interage com o
paciente em uma relação de apoio terapêuti-
Paciente: Eu apenas não faria.
ca individualizada vê o progresso gradual. A
Terapeuta: Eu acredito que você não faria, enfermeira cujo único contato consiste em
mas por que não? discussões para rejeitar pedidos de benzodia-
Paciente: Eu a confortaria ou faria outra zepínicos, o responsável pela intervenção de
coisa para ajudá-la a se sentir crises que repetidamente vê a pessoa sempre
melhor. em seu pior momento e o líder do grupo que
Terapeuta: Mas e se ela estivesse inconso- precisa reparar o dano dos comentários sar-
lável, e nada do que você fizesse cásticos da pessoa sobre outros membros do
conseguisse fazer com que ela grupo têm percepções diferentes do paciente.
se sentisse melhor? Afinal de Cada perspectiva é verdadeira, mas cada uma
contas, você não a queimaria também é parcial.
tanto assim. Aplicar uma perspectiva dialética impli-
Paciente: Eu simplesmente não faria isso. ca ainda que ela é natural e é esperado que
Não é certo. Eu faria alguma tais perspectivas diversas e parciais estejam
coisa, mas não isso. radicalmente em oposição. A existência do
“sim” dá origem ao “não”, o “tudo” dá origem
Terapeuta: Isso é interessante, você não
ao “nada”. Seja ele a natureza da realidade
acha?
ou simplesmente a natureza da percepção ou
A paciente acha ao mesmo tempo que não linguagem, esse processo de elementos opo-
se deve queimar outra pessoa em quaisquer sitores em tensão um com o outro ocorre re-
circunstâncias e que se queimar para obter gularmente. Assim que alguém na unidade de
alívio não é nada demais. Em uma persua- internação pensa que o paciente pode acei-
são dialética, o terapeuta ressalta as incon- tavelmente ter alta, outra pessoa na equipe
sistências entre as ações, crenças e valores da apresentará as razões pelas quais esta não é
paciente. O diálogo concentra-se em ajudar a uma boa ideia. Uma pessoa expressa a posição
paciente a alcançar um ponto de vista que seja de ser inflexível com as regras do programa,
mais completo e internamente consistente o que motivará a descrição de outra pessoa de
com seus valores. por que neste caso deve ser feita uma exceção
Uma visão de mundo dialética permeia a à regra. As duas posições opostas podem ser
DBT. Uma perspectiva dialética sustenta que verdadeiras ou conter elementos da verdade
não se pode entender as partes sem considerar (p. ex., existem razões válidas para dar alta e
o todo, que a natureza da realidade é holísti- para retardar a alta). Segundo esse ponto de
ca, mesmo que pareça que podemos falar sig- vista, opiniões divergentes polarizadas devem
nificativamente sobre um elemento ou parte ser esperadas quando um paciente tem pro-
dele independentemente. Isso tem inúme- blemas complexos que geram fortes reações
ras implicações. Os clínicos nunca têm uma emocionais naqueles que o ajudam.
perspectiva “integral” sobre um paciente. Ao Uma ideia relacionada é que não podemos
contrário, os terapeutas são como os sábios entender os elementos sem referência ao todo,
homens cegos, cada um tocando uma parte de ou seja, que a identidade é relacional. A única
um elefante e cada um estando certo de que o razão para ele parecer velho é porque ela pare-
todo é exatamente como a parte que eles es- ce mais jovem; a única razão para eu parecer
tão tocando. “Um elefante é grande e mole”; rígido é porque você é tão flexível. Além dis-
“Não, não, um elefante é longo, redondo e so, a forma como identificamos ou definimos

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uma parte muda e é modificada pelas mudan- comunidade, o terapeuta e a comunidade do


ças em outras partes do todo. O paciente que terapeuta.
todos nós consideramos como “o Crítico” no Tomadas em conjunto, essas visões levam
grupo de treinamento de habilidades, que está ao posicionamento de que a verdade evolui.
constantemente apontando o quanto as habi- Em uma equipe de tratamento, isso signifi-
lidades e o treinador de habilidades são inú- ca que nenhuma pessoa é dona da verdade e
teis, de repente fica alegre quando um novo qualquer entendimento provavelmente será
membro se junta ao grupo. Eles compartilham parcial e deixará de fora alguma coisa impor-
a mesma mistura de humor e ceticismo, mas tante. Assim sendo, a DBT coloca uma forte
quando um é cáustico, o outro é irônico — a ênfase nos diálogos que levam à síntese em
química deles juntos suprime as dificuldades vez de uma interpretação individual de fatos
da crítica e cria um circuito de feedback mais imutáveis.
leve, mas ainda apontado para o principal Essa filosofia é mais facilmente vista
treinador de habilidades. O líder do grupo, em ação durante um conflito na equipe. Por
agora liberado da sua visão parcial e agora ge- exemplo, uma terapeuta individual tem um
nuinamente vendo o humor do Crítico, torna- paciente que entra em terapia em uma crise
-se mais criativo e amável. Assumir uma pers- suicida porque está sendo convidado a dei-
pectiva dialética significa que palavras como xar a casa de apoio e prejudicou seu relacio-
“bom” ou “mau” ou “disfuncional” são mera- namento com o conselheiro residencial de
mente uma visão geral da pessoa no contexto, quem havia sido muito próximo. Ele está tão
não definindo qualidades inerentes à pessoa. envergonhado da forma como agiu que até
Isso também nos leva a considerar uma rede mesmo entrar em detalhes sobre o que está
de causas em vez de uma causa linear. Às acontecendo, em vez das ameaças de suicídio
vezes, a conexão é óbvia: uma mudança em e desesperança, é quase impossível nas ses-
A leva a uma mudança em B, como em com- sões. O paciente ficará desalojado se não for
portamento de defesa frente a uma pessoa ar- providenciado um novo abrigo em seguida, e
mada onde o defensor se mantém muito pró- o conselheiro residencial que teria resolvido
ximo do oponente, protegendo-se contra um este problema no passado não está disposto
tiro. No entanto, às vezes a conexão é menos a ajudar. Na equipe de consultoria, os treina-
óbvia, mais como uma defesa de zona no bas- dores de habilidades em grupo mencionam
quete. E, algumas vezes, a conexão não é nada que o paciente já faltou a dois encontros do
óbvia, como o “efeito borboleta”, em que uma grupo e querem que a terapeuta trabalhe para
borboleta batendo as asas no Peru ocasiona que ele volte ao grupo. A terapeuta individual
uma tempestade de neve em Seattle. Ou, a tia concorda, mas diz que não há tempo na sessão
Mary, antes submissa, finalmente chegando para fazer isso. Tudo o que ela consegue fazer
ao seu limite e pela primeira vez em 20 anos é simplesmente manejar a “crise da semana” e
de casamento insistindo que o tio Maurice manter a pessoa viva, sem a menor chance de
prepare o próprio jantar, e mais tarde naquela lidar com comportamentos que interferem na
semana a jovem prima Maylin decidindo para terapia, como não ir ao encontro do grupo. No
qual faculdade prestar vestibular. Essa ideia entanto, os treinadores de habilidades sabem
se traduz em uma compreensão clínica de que que, a menos que a pessoa aprenda algumas
tudo é causado e não poderia ser de outra for- novas habilidades e seja atraída para o grupo,
ma, mesmo que você não consiga descobrir eles provavelmente perderão o paciente por
as causas no momento. Por uma perspectiva abandono. Ambos os lados têm argumentos
dialética, a atenção não está unicamente no válidos: a terapeuta individual é aquela que
paciente, mas nas relações entre este, a sua “deveria” trabalhar no comportamento de não

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Terapia comportamental dialética na prática clínica 15

ir ao encontro do grupo que interfere na tera- alguma coisa pessoal sobre o terapeuta, é mais
pia, e ela tem coisas mais importantes para provável que o terapeuta use autorrevelação,
focar (comportamento de crise suicida); mas engajamento acolhedor e autenticidade, seja
o paciente precisa aprender novas habilidades para responder a pergunta ou, de forma práti-
e perderá o acesso a todo o programa de tra- ca, recusar-se a respondê-la com base em seus
tamento se não participar do grupo. Qualquer próprios limites.
solução, para ser efetiva, precisa levar em con- Entretanto, esse estilo isoladamente ou
ta os pontos válidos do diálogo. A solução pode uma postura não balanceada voltada para esse
ser que a terapeuta individual passe o horário estilo pode levar a um impasse. Quando um
da sessão para logo antes do horário do grupo paciente taciturno que contou a mesma histó-
a fim de tornar a transição mais fácil. A tera- ria de luto inúmeras vezes tem um terapeuta
peuta individual pode precisar de mais apoio que simplesmente o parafraseia empregando
para regular o medo de que o paciente se mate o mesmo tom monótono que ele, a probabili-
(talvez ela esteja superestimando o risco de dade é que o estado de humor do paciente se
suicídio do paciente porque está com medo). mantenha igual ou piore. Como consequência,
Os treinadores de habilidades, igualmente, a comunicação recíproca é contrabalançada
podem trabalhar com o objetivo de tornar o pela irreverência que sacode a pessoa tiran-
grupo mais atraente para o paciente e ligar
do-a do prumo para permitir que o paciente
para ele no começo do dia a fim de lembrá-lo
retome a tarefa terapêutica em questão. Por
do grupo de habilidades. Não seria uma so-
exemplo, o terapeuta pode usar uma maneira
lução dialética se qualquer uma das posições
excêntrica não ortodoxa. O terapeuta, que há
capitulasse — por exemplo, se os treinadores
poucos momentos estava tão engajado quanto
de habilidades desistissem da sua participa-
o paciente em uma luta de poder, de repente
ção ou se a terapeuta individual focasse no
muda o tom e ri: “Sabe, este momento não é
comportamento que interfere na terapia, dei-
assim tão preto ou branco quanto eu esperava”.
xando de tratar as crises suicidas. A adoção
de uma filosofia dialética faz com que outros Da mesma maneira, o terapeuta pode mergu-
membros da equipe notem e comentem sobre lhar na situação sem ter muito cuidado com o
a polarização como um fenômeno esperado, e que está dizendo. Por exemplo, ele pode dizer
então direcionem o diálogo para o que está de de forma prática à mulher cujo desencadean-
fora e o que é válido em cada posição. te principal para as crises suicidas é a ameaça
de perder o marido: “Veja, cortar-se e deixar
sangue por todo o banheiro está destruindo
Estratégias dialéticas qualquer esperança de ter um relacionamento
Estão incluídas na DBT várias estratégias genuíno com seu marido”. Ou então o terapeu-
que servem à função de impedir que as posi- ta pode dizer a um paciente novo: “Já que você
ções polarizadas se mantenham polarizadas. agrediu dois dos seus três últimos terapeutas,
A primeira delas é que as estratégias centrais vamos começar pelo que levou a isso e como
são usadas para equilibrar aceitação e mudan- isso não vai acontecer comigo. Não lhe serei
ça. Por exemplo, a DBT exige que o terapeuta nada útil se eu estiver com medo de você”. Um
tenha um estilo de comunicação equilibrado. estilo irreverente de comunicação inclui usar
Pelo lado da aceitação, o terapeuta emprega um tom confrontacional, usar humor ou se ex-
um estilo responsivo em que a pauta do pa- pressar de forma não convencional, oscilando
ciente é levada a sério e respondida diretamen- na intensidade ou às vezes expressando oni-
te em vez de interpretada pelo seu significado potência ou impotência diante dos problemas
latente. Por exemplo, se um paciente pergunta do paciente.

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Outra maneira pela qual a DBT equilibra isso seja necessário para ter credibilidade. Se a
aceitação e mudança é no caso de estratégias equipe do hospital estivesse preocupada com
de manejo de caso. Indivíduos que satisfazem risco de suicídio e relutante em liberar a pes-
os critérios para TPB muitas vezes tiveram soa, o terapeuta em DBT não “diria” à equipe
múltiplos profissionais conduzindo o trata- do hospital para liberar o paciente, mas, em
mento e, consequentemente, inúmeras estra- vez disso, treinaria ele sobre o que seria neces-
tégias foram desenvolvidas para ajudar a díade sário para diminuir as preocupações legítimas
paciente-terapeuta a manejar as relações com da equipe do PS.
outros clínicos e membros da família. A DBT O terapeuta em DBT irá intervir no am-
pende para uma estratégia de consultoria biente em nome do paciente quando o ganho a
ao paciente que enfatiza a mudança. O tera- curto prazo valer à pena em relação à possível
peuta em DBT provê consultoria ao paciente aprendizagem de estratégias de tratamento
sobre como lidar com as relações com os ou- mais efetivas no longo prazo – por exemplo,
tros profissionais que estejam desenvolvendo quando o paciente não for capaz de agir sozi-
tratamentos auxiliares e com os membros da nho e o desfecho for muito importante; quan-
família, em vez de orientar estes profissionais do o ambiente for intransigente e com muito
e os familiares sobre como lidar com paciente. poder; para salvar a vida do paciente ou evitar
Assim, por exemplo, isso significa que o tera- riscos substanciais aos outros; quando for a
peuta não se encontra com outros profissio- coisa humana a ser feita e não vá causar da-
nais para falar sobre o paciente, mas que este nos; ou quando o paciente for menor de ida-
está presente nas reuniões de planejamento de. Nesses casos, o terapeuta pode prestar
do tratamento (e preferivelmente ele mesmo informações, defender ou entrar no ambiente
organiza as reuniões). Em vez de se encontrar para dar assistência. Entretanto, o papel usual
com outro prestador sem o paciente presente, é como consultor para ajudar o paciente a se
pode ser agendada uma conferência telefônica tornar mais habilidoso nas relações pessoais e
durante uma sessão individual. Se o terapeuta profissionais.
tiver que se encontrar sem o paciente presente Outras estratégias dialéticas incluem o
por alguma razão prática, a conversa é com- uso de metáforas ou assumir a posição de
partilhada com o paciente ou discutida antes. advogado do diabo para evitar polarização.
Este mesmo princípio vale para conversas com O terapeuta pode blefar com o paciente ou se
a família do paciente. Mesmo em uma crise, estender — por exemplo, quando um pacien-
o espírito de consultoria ao paciente é mantido te em uma unidade de internação ameaça
sempre que possível. Se o paciente recorrer ao suicídio de uma forma raivosa ou indiferente,
pronto-socorro (PS) e o enfermeiro ou resi- o terapeuta pode dizer: “Escute, isso é muito
dente da triagem que está de plantão contatar sério. Precisamos deixá-lo imediatamente
o terapeuta para perguntar o que ele gostaria em observação dentro do nosso campo de vi-
que eles fizessem, o terapeuta em DBT pro- são e colocá-lo em traje especial de proteção
vavelmente pedirá para falar primeiro com o contra o suicídio”. Informados pela filosofia
paciente para discutir como o fato de ir para dialética, o terapeuta e a equipe de tratamen-
o hospital coincide ou não com as metas de to assumem que suas formulações do caso
longo prazo do paciente e do plano de tra- são parciais e, portanto, passam a avaliar o
tamento que eles combinaram. O terapeuta que foi deixado de fora quando existe um im-
pode então treinar o paciente sobre como inte- passe (avaliação dialética). O terapeuta pode
ragir habilmente com a equipe do PS ou como encarar um evento desencorajador como
comunicar o plano à equipe do PS e então sim- uma oportunidade de praticar tolerância ao
plesmente confirmar isso com a equipe, caso mal-estar (fazer dos limões uma limonada)

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Terapia comportamental dialética na prática clínica 17

ou permitir — em vez de impedir — uma não estão decrescendo (Hedegaard, Curtin,


mudança natural (como um líder do grupo & Warner, 2019). Além do mais, mesmo que
que sai e é substituído), sabendo que esta muitos estudos sugiram que a DBT é efetiva na
também é uma oportunidade de praticar a redução de comportamento suicida, os dados
aceitação da realidade como ela é. também sugerem que há pouca mudança no
status da incapacidade ou na situação de em-
prego (McMain, Guimond, Streiner, Cardish,
PESQUISA EM DBT & Links, 2012; Bateman, 2012). Juntos, eles
Desde a publicação da primeira edição deste sugerem que a DBT, em sua forma e prática
livro, houve um crescimento do interesse e dos atual, não está fazendo o suficiente para me-
recursos financeiros para tratamentos psicos- lhorar o funcionamento global. Esta fragilida-
sociais de comportamento suicida, bem como de é uma via importante para trabalho futuro
tratamentos para pacientes que satisfazem os (ver Comtois, Ellwood, Melman, & Carmel,
critérios para TPB. Atualmente também tem Capítulo 10 deste livro).
sido conduzido um número considerável de Boa parte das pesquisas mais recentes em
pesquisas sobre a eficácia da DBT para TPB e DBT foi dedicada a determinar as melhores
vários outros transtornos. Existem hoje cen- práticas para tornar o tratamento mais efi-
tenas de publicações revisadas por pares na ciente (e assim mais rápido de “funcionar” e
literatura de pesquisa, incluindo dezenas de mais fácil de disseminar) e também as melho-
ensaios controlados randomizados (ECRs) res práticas na implementação da DBT dentro
(p. ex., Linehan et al., 2006), múltiplos tra- dos sistemas existentes (desse modo atingin-
balhos de revisão (p. ex., Miga, Neacsiu, Lun- do um número maior de pessoas mais rapi-
gu, Heard, & Dimeff, 2018) e metanálises damente). Por exemplo, um corpo crescente
(p. ex., DeCou, Comtois, & Landes, 2019). A de literatura sugere que o treinamento de ha-
vasta maioria das pesquisas indica que a DBT bilidades “isoladamente”, ou seja, sem acom-
padrão é efetiva para redução de comporta- panhamento com terapia individual semanal
mento suicida e CASIS. Se a DBT é melhor ou coaching telefônico, pode ser efetivo para
do que outros tratamentos, é mais discutível. certos problemas e transtornos como depres-
Alguns ECRs de alta qualidade não encontra- são resistente a tratamentos e transtorno de
ram diferenças significativas entre a DBT e compulsão alimentar (ver Valentine, Bankoff,
condições de controle ativo nestes resultados Poulin, Reidler, & Pantalone, 2015). Além dis-
de comportamento suicida (p. ex., McMain et so, cada vez mais estudos têm examinado a
al., 2009). Uma explicação apresentada para eficácia e/ou efetividade da DBT em um vasto
esses achados é que em pesquisas tão rigoro- número de contextos e transtornos. Os próxi-
samente controladas, as condições de controle mos capítulos deste livro analisam a literatura
do tratamento também incluem terapeutas de pesquisa relevante para contextos e popu-
especialistas com vasta experiência no trata- lações de interesse.
mento de comportamento suicida (Linehan et
al., 2006), sugerindo que o ingrediente essen- CONCLUSÃO
cial na redução de comportamento suicida é o
tratamento focado no suicídio conduzido por Neste capítulo, descrevemos o modelo am-
um especialista. bulatorial abrangente da DBT para ajudá-lo a
Apesar desse aumento na atenção e no começar a avaliar se a adoção dele faz sentido
estudo e desenvolvimento de mais protoco- para o seu contexto ou população. Para indi-
los baseados em evidências, é necessário e víduos cronicamente suicidas que satisfazem
humilde observar que as taxas de suicídio os critérios para TPB, as evidências científi-

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18 Dimeff, Rizvi & Koerner (orgs.)

cas acumuladas referentes à eficácia da DBT DeCou, C. R., Comtois, K. A., & Landes, S. J. (2019).
padrão fazem dela o tratamento de escolha. Dialectical behavior therapy is effective for the
treatment of suicidal behavior: A meta-analysis.
Em particular naqueles contextos que são de- Behavior Therapy, 50(1), 60–72.
terminados a fornecer assistência baseada em Ebner-Priemer, U. W., Badeck, S., Beckmann, C.,
evidências e que também precisam de uma Wagner, A., Feige, B., Weiss, I., et al. (2005).
abordagem econômica para consumidores Affective dysregulation and dissociative experience
que usam desproporcionalmente serviços de in female patients with borderline personality
emergência psiquiátrica, adotar a DBT padrão disorder: A startle response study. Journal of
Psychiatric Research, 39, 85–92.
é uma decisão óbvia. No entanto, para muitos
Goldfried, M. R., & Davison, G. C. (1976). Clinical
leitores, surgem questionamentos quando eles behavior therapy. New York: Holt, Rinehart &
consideram as diferenças entre as necessida- Winston.
des e as limitações do seu contexto particu- Heard, H. L., & Linehan, M. M. (1994). Dialectical
lar ou população de pacientes versus aquelas behavior therapy: An integrative approach to the
da DBT ambulatorial padrão como tem sido treatment of borderline personality di order. Journal
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pesquisada. Os próximos capítulos abordam
esses questionamentos comuns e ilustram as Hedegaard, H., Curtin, S. C., & Warner, M. (2019).
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adaptações bem-sucedidas da DBT a novas (NCHS Data Brief No. 330).
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