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Geisa Magela Veloso

Rose Mary Ribeiro

FUNDAMENTOS E
METODOLOGIA DA
LÍNGUA PORTUGUESA I

PEDAGOGIA
5º PERÍODO
Geisa Magela Veloso
Rose Mary Ribeiro

FUNDAMENTOS E
METODOLOGIA DA
LÍNGUA PORTUGUESA I

Montes Claros - MG, 2011


Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES

REITOR PROJETO GRÁFICO


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Rosivaldo Antônio Gonçalves
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REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA


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REVISÃO TÉCNICA
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Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes


Ficha Catalográfica:

2011
Proibida a reprodução total ou parcial.
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Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes


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Dayse Magna Santos Moura

Chefe do Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais


Francely Aparecida dos Santos

Coordenadora do Curso de Pedagogia a Distância


Maria Auxiliadora Amaral Silveira Gomes
AUTORES

Geisa Magela Veloso


É graduada em Pedagogia, pela FUNM, atual Unimontes (1982-1985). Tem especialização
lato sensu em Literatura Infantil e Juvenil pela PUC-MG (1992-1994); é Mestre em Educação
pela UFMG (2000-2001) e Doutora em Educação pela UFMG (2004-2008). Exerceu atividade
profissional como supervisora pedagógica na rede municipal de ensino de Montes Claros (1985-
2004) e como professora do Curso de Magistério/ nível médio (1986, 1992-1997). Desde 1998
é professora da Unimontes, com pesquisa e docência no campo de Educação e Linguagem.
municipal de ensino de Montes Claros-MG.

Rose Mary Ribeiro


É graduada em Pedagogia pela FUNN, atual UNIMONTE (1082-1986). É mestre em Educação pela
Universidade Católica de Brasília (2003- 2004). É professora da Universidade Estadual de Montes
Claros - UNIMONTES, desde 1999, com ênfase em Gestão e Políticas Públicas, Didática, Fundamentos
e Metodologia da Educação Infantil, Iniciação Científica, Metodologia da Pesquisa e Fundamentos e
Metodologia da Língua Portuguesa. Exerce, desde 1991, o cargo de Supervisora Pedagógica na rede
SUMÁRIO

Apresentação............................................................................................................................... 09
Unidade 1: Concepções de linguagem e objetivos do ensino de português na escola................... 13
1.1 Objetivos do Ensino de Português..................................................................................... 13
1.2 Concepções de Linguagem............................................................................................... 15
1.3 Referências...................................................................................................................... 18
Unidade 2: Leitura como prática social........................................................................................ 19
2.1 A prática da leitura e sua inserção no cotidiano. .............................................................. 19
2.2 Concepções de leitura ..................................................................................................... 23
2.3 Leitura como decifração e como produção de sentidos.................................................... 26
2.4 Leitura e escrita como práticas sociais e instrumentos de cidadania.................................. 27
2.5 Leitura como instrumento de mediação e como habilidade a ser desenvolvida na escola.. 31
2.6 O texto como objeto de ensino na escola. ....................................................................... 33
2.7 Metodologia de leitura na escola...................................................................................... 35
2.8 Referências...................................................................................................................... 62
Unidade 3: A produção escrita como prática na sala de aula ...................................................... 65
3.1 A escrita como interação entre sujeitos sociais.................................................................. 65
3.2 o texto como objeto de estudo e análise linguística.......................................................... 78
3.3 Processo de produção do texto escrito............................................................................. 85
3.4 Textos e portadores de textos........................................................................................... 88
3.5 A intertextualidade........................................................................................................... 96
3.6 Referências...................................................................................................................... 99
Unidade 4: A linguagem oral na sala de aula ............................................................................... 101
4.1 A Fala na Sala de Aula...................................................................................................... 102
4.2 Variação Linguística e o Ensino da Oralidade na Escola..................................................... 105
4.3 O Trabalho com a Oralidade na Sala de Aula................................................................... 112
4.4 Referências...................................................................................................................... 116
Unidade 5: O ensino de gramática na escola............................................................................... 117
5.1 Concepções de Gramática................................................................................................ 118
5.2 O ensino de gramática na escola...................................................................................... 120
5.3 Como deve se estruturar o ensino de gramática na escola? .............................................. 124
5.4 A ortografia como objeto de ensino nos anos iniciais do Ensino Fundamental................... 130
5.5 O ensino da pontuação na escola..................................................................................... 135
5.6 Referências...................................................................................................................... 139
Resumo....................................................................................................................................... 141
Referências básicas, complementares e suplementares................................................................. 147
Atividades de aprendizagem - AA................................................................................................ 153
APRESENTAÇÃO

Caro(a) estudante;

Com a disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino de


Português I você iniciará uma nova etapa de estudos, que consideramos
importantíssima para sua formação profissional. Na disciplina você
compreenderá os sentidos e os objetivos para se ensinar leitura, escrita,
linguagem oral e conhecimentos linguísticos na escola, também se
apropriando de fundamentos que lhe permitirão a construção de uma
prática pedagógica consistente e produtiva.
Esperamos que compreenda o aprender a ler e escrever como
processo complexo, que se inicia antes da escolarização formal, mas tem
a escola como instância responsável pela aquisição e desenvolvimento de
competências para uso social da leitura e da escrita. No entanto, o exercício
da cidadania também pressupõe o desenvolvimento da linguagem oral
e a aquisição das normas e convenções da língua padrão, adequando a
linguagem às diferentes situações sociais.
Nesse sentido, apresentamos os principais objetivos dessa
disciplina:
• Refletir acerca das finalidades do ensino da língua portuguesa e
compreender que as concepções de linguagem assumidas pelos professores
têm implicações pedagógicas no ensino realizado na sala de aula;
• Discutir a necessidade de adequação da linguagem oral e escrita
à função comunicativa, ao interlocutor, ao gênero textual, ao suporte e à
situação de interlocução;
• Reconhecer a necessidade de contato do aluno com diferentes
gêneros textuais, instituindo o texto como matéria-prima para o trabalho
com a língua portuguesa;
• Compreender a linguagem oral como objeto de ensino,
identificando as características da oralidade em situações formais e
informais de uso da linguagem;
• Compreender que a leitura é um processo de construção de
sentidos pelos leitores, que colocam em jogo os seus conhecimentos
prévios na relação com o texto e o autor;
• Compreender o ensino de gramática como estudo da estrutura dos
textos, considerando pontuação e ortografia como elementos facilitadores
da leitura, devendo se constituir como objeto de ensino na escola;

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Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

• Reconhecer a necessidade de favorecer o contato do aluno com


diferentes tipos de texto, enquanto condição para o domínio da leitura e
da escrita e aquisição de competência no uso da língua;
• Dar novo significado à produção de textos, compreendendo a
necessidade de adequação da linguagem (oral e escrita) aos diferentes
interlocutores e situações de interação social.
Para atingir os objetivos propostos, os conteúdos de ensino
foram distribuídos em 5 unidades de estudo. Na primeira, denominada
“concepções de linguagem e objetivos do ensino de Português na escola”,
discutiremos as finalidades de se ensinar Português para falantes nativos
dessa língua, abordando o modo como as concepções de linguagem
adotadas pelo professor interferem no planejamento e organização das
atividades didáticas destinadas ao ensino.
Na segunda unidade, denominada “Leitura como prática social”,
será abordada a leitura e o seu ensino, discutindo o conceito, o valor da
leitura, a necessidade de se desenvolver estratégias didáticas para seu
ensino.
Na terceira unidade, denominada “A produção escrita como
prática na sala de aula”, discutiremos os sentidos assumidos pela escrita
na escola, analisando a importância de um ensino contextualizado em
situações reais de uso da linguagem, não apenas para expressar ideias,
pensamentos, opiniões, mas para interagir com o outro.
Na quarta unidade, denominada “A linguagem oral na sala de
aula”, abordaremos a importância do trabalho com a oralidade, de forma
que a escola possa ampliar a capacidade expressiva dos alunos, levando-
os a perceberem a necessidade de adequação da linguagem oral aos
interlocutores e à situação de comunicação.
Na quinta unidade, denominada “O ensino de gramática na escola”,
discutiremos o trabalho com conhecimentos linguísticos, apontando a
importância de uma abordagem reflexiva de ensino, também destacando
a necessidade de valorizar a linguagem dos alunos e utilizar diferentes
textos, orais e escritos, como base para o ensino desses conteúdos.
Com o estudo esperamos que você possa compreender os
fundamentos e os objetivos de se ensinar português na escola, de forma
a ser capaz de realizar uma prática pedagógica consistente para ensino da
leitura, escrita, oralidade e conhecimentos linguísticos. Também esperamos
que possa fazer escolhas relativas ao material didático a ser utilizado em sala
de aula, como também de propor estratégias didáticas que sejam capazes
de alfabetizar letrando. E se você já for professor(a), esperamos que possa
avaliar criticamente a sua ação pedagógica e implementar modificações
necessárias ao ensino, de forma que seus alunos possam ter na leitura e na
escrita um instrumento importante para o exercício da cidadania e para sua
realização pessoal.

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Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Desejamos que você tenha sucesso na aprendizagem dos


conteúdos previstos para mais essa etapa!

As autoras.

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UNIDADE 1
CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E OBJETIVOS DO ENSINO DE
PORTUGUÊS NA ESCOLA

Introdução

Caro(a) estudante;

A educação está na pauta de discussões e integra as preocupações


de diferentes países, que compreendem as habilidades de ler e escrever
como fator de desenvolvimento cognitivo, econômico, político e cultural
dos indivíduos e das sociedades. No Brasil, os debates das últimas décadas
têm apontado a necessidade de se construir padrões de qualidade. Isso
porque os dados estatísticos revelam uma quase universalização do acesso
ao Ensino Fundamental, mas a escola ainda não produziu o acesso ao
conhecimento e a inserção dos alunos no mundo da cultura historicamente
produzida. Ou seja, a democratização do acesso à escola não se efetivou
como garantia de ensino de qualidade para todos e tem gerado um quadro
de exclusão, tão perverso e preocupante quanto a falta de vagas.
E nessas discussões, o ensino de Língua Portuguesa na escola tem
ocupado grande centralidade, posto que a aprendizagem da leitura e da
escrita é compreendida como elemento essencial ao desenvolvimento
escolar e condição para acessar o mundo da cultura. Por isso é necessário
que a escola construa condições para ensinar a ler e a escrever e garantir ao
aluno o uso eficaz da linguagem. Uma vez que o ensino dessas habilidades
foi atribuído à escola, a ampliação das demandas por leitura e escrita tem
ampliado a responsabilidade dos professores.
Assim, entendemos ser necessário um esforço de revisão das
práticas tradicionais de alfabetização inicial e de ensino da Língua
Portuguesa, a partir da apropriação dos conhecimentos produzidos. E
repensar as questões envolvidas no ensino e na aprendizagem da língua
precisa alicerçar-se na compreensão das concepções de linguagem e dos
objetivos que orientam o seu ensino. Dessa forma, o objetivo dessa primeira
unidade de estudo é refletir acerca das finalidades do ensino da língua
portuguesa e compreender que as concepções de linguagem assumidas
pelos professores têm implicações pedagógicas no ensino realizado na sala
de aula.

1.1 OBJETIVOS DO ENSINO DE PORTUGUÊS

Ao discutir os motivos para se ensinar Português na escola é


importante destacar que, ao iniciarem o Ensino Fundamental, com 5/6 anos
de idade, as crianças já são usuárias da língua portuguesa. Ou seja, conforme
Travaglia (1996, p. 17), nossos alunos são falantes nativos de Português
– aprenderam a utilizar a língua por estarem imersos em comunidades

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Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

de falantes, sendo capazes de lidar com a linguagem oral nas situações


cotidianas em que dela se faz uso. Nessa direção, o autor pergunta: “para
que se dá aulas de Português a falantes nativos de Português?” .
Para responder a essa pergunta nos reportamos a Travaglia (1996),
que apresenta quatro respostas para a questão. Na primeira o autor aponta
que ensinar Português se justifica fundamentalmente pelo objetivo de
“desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua” (1996,
Você já pensou sobre os p. 17), enquanto falantes, ouvintes, leitores e escritores, de forma que
motivos de se ensinar Português
possam empregar adequadamente a língua nas mais diferentes situações
para pessoas que são falantes
nativos da língua? de comunicação. Na ampliação da competência comunicativa o autor
considera que os usuários devem apresentar uma série de capacidades,
dentre elas: produzir sequências linguísticas que se fundamentem nas
regras próprias da língua, produzir e compreender diferentes tipos de
textos, avaliar a boa formação de um texto dado, modificar textos e
avaliar a adequação dessas modificações, saber dizer a que tipo pertence
um texto (romance, notícia, receita, etc). Enfim, é importante saber usar
adequadamente a língua oral ou escrita nas mais diferentes situações
comunicativas.
Na segunda resposta, Travaglia (1996) discute a responsabilidade
da escola em ensinar a forma escrita da língua e levar o aluno a dominar
a norma culta ou língua padrão. Nesse sentido, o autor destaca que, ao
iniciarem o ensino fundamental os alunos já dominam a norma coloquial
da língua em sua modalidade oral. No entanto, é importante dominar a
norma culta da língua e a sua forma escrita, de forma que os alunos possam
utilizar essa modalidade da língua nas situações de interação em que for
necessário. O autor considera que esse segundo objetivo seja menos
importante que o primeiro, pois o desenvolvimento da competência
comunicativa dos alunos inclui o uso da língua escrita e da norma padrão
nas situações de maior grau de formalidade ou que se exigir a atividade de
escrita ou leitura de textos.
Na terceira resposta apresentada, Travaglia (1996) discute o ensino
que leve a compreender como a língua funciona, de forma a se saber, por
exemplo, que correr é um verbo, que bola seja um substantivo. Já na quarta
resposta o autor propõe o ensino da teoria gramatical e da metalinguagem,
de forma ser possível desenvolver habilidades de observação e de
argumentação acerca da linguagem.
Ao também perguntar-se sobre a importância de se ensinar
Português para pessoas falantes que são falantes nativas do português,
Cagliari (1997) considera que, ao desenvolver o seu trabalho pedagógico
a escola deva considerar que o objetivo mais geral desse ensino deve ser o
de mostrar aos alunos como a linguagem funciona, compreender os seus
usos, ampliando ao máximo as habilidades de uso da linguagem escrita
e oral, nas diferentes situações de vida. Nesse sentido, o autor considera
que a escola não deve se apegar ao ensino da gramática normativa, sendo

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Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

necessário que os alunos desenvolvam competências para usar a linguagem


em diferentes situações sociocomunicativas mediadas pela fala, leitura
e escrita. Por isso é importante que a escola se abra para a pluralidade
da linguagem, favorecendo o contato dos alunos com diversos gêneros
textuais, participando de práticas diversificadas de leitura, escrita e uso da
oralidade, em diferentes situações comunicativas.
Prezado(a) estudante, como se pode perceber pelas concepções
acima explicitadas, tanto Travaglia (1996) como Cagliari (1997) consideram
que, mais importante do que focalizar o ensino de gramática e memorizar
regras e convenções, ao ensinar Português nos anos iniciais do ensino
fundamental se deve focalizar a compreensão sobre a linguagem. Ou seja,
o que importa é que os alunos aprendam a usar a linguagem oral, a leitura
e a escrita, de forma a ampliar sua competência comunicativa e a utilizar
a língua para resolver questões e problemas, estabelecendo relações de
interlocução com diferentes sujeitos, nas diversificadas situações cotidianas.

1.2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

Ao discutir os objetivos do ensino de Português na escola, Travaglia


(1996) confere atenção para as concepções de linguagem dos professores,
posto que o modo como eles concebem a natureza da linguagem interfere
no modo como planejam e executam as atividades de ensino. Nesse sentido
o autor aponta 3 possibilidades distintas de se conceber a linguagem.
São elas: linguagem como expressão de pensamento, linguagem como
instrumento de comunicação, linguagem como processo de interação.
Na primeira concepção, em que se compreende a linguagem
como expressão de pensamento, Travaglia (1996) destaca que a ideia
subjacente é de que a expressão se constrói no interior da mente, sendo
a linguagem utilizada para a externalizar esse pensamento. Nesse sentido,
acredita-se que as pessoas não se expressam bem porque não pensam.
Essa concepção não considera que a linguagem seja afetada pelas situações
comunicativas e pelas pessoas envolvidas nessas situações. Portanto,
por considerar a linguagem como processo individual de expressão de
pensamento, os defensores dessa concepção consideram que o modo
como o texto é constituído não depende de quem fala, da situação de fala
e dos objetivos de uso dessa fala.
Nessa direção, Geraldi aponta que essa concepção de linguagem
orientou os estudos tradicionais e, na concepção do autor, “se concebermos
a linguagem como tal, somos levados a afirmações – correntes – de que
pessoas que não conseguem expressar não pensam” (2003, p. 41).
Na segunda concepção, em que se considera a linguagem como
instrumento de comunicação, a língua é vista como um código, ou seja, é
compreendida “como um conjunto de signos que se combinam segundo
regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um

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Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

emissor a um receptor” (TRAVAGLIA, 1996, p. 22). Ou seja, se o falante


tem em mente uma mensagem que deseja transmitir a um ouvinte, ele
a codifica, a remete por meio de um canal, cabendo aos recebedores a
sua decodificação. Por focalizar os aspectos formais da linguagem, essa
concepção levou a um ensino da língua que desconsidera as funções da
linguagem e os sujeitos envolvidos no processo de comunicação.
Ao discutir essa questão e apontar as limitações dessa concepção
de linguagem, Geraldi afirma que “nos livros didáticos essa é a concepção
confessada nas instruções ao professor, nas introduções, nos títulos, embora
em geral seja abandonada nos exercícios gramaticais”(2003, p. 41).
Por fim, na terceira concepção, se compreende a linguagem como
processo de interação. Conforme destaca Travaglia (1996), essa concepção
se organiza pela lógica de que os sujeitos não usam a linguagem apenas
para externalizar pensamento ou para transmitir uma mensagem. Mais do
que isso, ao utilizar a linguagem, as pessoas atuam sobre o interlocutor.
A linguagem é, pois, um lugar de interação humana, em que os falantes
ou escritores produzem efeitos sobre seus interlocutores, que, por sua
vez, também reagem aos conteúdos que recebem, não são passivos nos
processos de comunicação e interação pela linguagem.
Ao considerar a linguagem como lugar de interação humana,
Geraldi (2003), afirma que, por meio da linguagem o sujeito que fala
pratica ações que não conseguiria executar de outra forma, constituindo
vínculos e estabelecendo compromissos que não preexistiam à fala.
Para exemplificar, vejamos um exemplo de uso da linguagem
como interação humana e não como mera transmissão de informações. È
fim de tarde, você está na sala com sua irmã assistindo ao noticiário, que
apresenta a previsão do tempo e da indicação de forte chuva para o início
da noite. Você se recorda que há roupas secando no quintal de sua casa,
mas não quer ir fazer essa tarefa, e diz: “é preciso recolher as roupas antes
que chova!”. Diante de sua fala há muitas possibilidades de resposta da
sua irmã: se levantar e ir recolher as roupas; não dar ouvidos ao que você
disse e permanecer à frente da TV; mandar que você vá realizar a tarefa;
convidá-la para recolher as roupas juntas, etc. Ou seja, nessa situação em
específico, como interlocutora, você não pediu ou ordenou nada, apenas
sugeriu e esperava que sua irmã reagisse e executasse uma tarefa. Por sua
vez, diante da sugestão, sua irmã pode reagir de diferentes maneiras, porque
ela também é interlocutora, é sujeito, e como sujeito também não recebe
passivamente as informações e mensagem vindas das outras pessoas. A
resposta a ser dada dependerá muito do lugar social que vocês ocupam: se
você é a irmã mais velha, se você é a pessoa que trabalha e sustenta a casa,
ou outra circunstância. Isso significa que, nas situações de interlocução há
uma série de elementos em jogo e esses elementos definem o modo como
as pessoas envolvidas aceitam as regras e estabelecem relações.

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Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Você mesmo, prezado (a) acadêmico (a), ao ler esse texto está
envolvido em um jogo social que tem a linguagem como elemento
estruturante. Você está estabelecendo interação conosco, as autoras desse
material didático, e o modo como aceita as ideias que apresentamos são
estabelecidas a partir de elementos dessa relação. E você não está meramente
recebendo informações, mas agindo por meio da linguagem, confirmando
conteúdos que já sabia, se apropriando de novos conhecimentos, refletindo
sobre as novas questões apresentadas, se recordando de suas práticas de
uso da língua e do tempo em que era estudante na Educação Básica, dentre
outras operações.
Como você pode perceber os processos educativos não são
estáticos, mas estabelecidos nesse jogo social, sendo a linguagem um
importante elemento mediador. Os processos educativos estão em
permanente movimento e, na medida em que vão sendo produzidos novos
conhecimentos, vão sendo reformuladas as concepções de linguagem e
também a proposta de ensino de Português na escola.
Por isso é importante que os professores considerem esses
conhecimentos que vão sendo produzidos. Em relação à abordagem
didática da língua portuguesa é importante considerar que as concepções
de linguagem como expressão de pensamento ou como instrumento de
comunicação são compreensões que não explicam adequadamente a
complexidade dos processos comunicativos. Nessa discussão, é mais
adequado que a escola oriente suas ações pedagógicas a partir da
compreensão de que a linguagem seja processo de interação social, de forma
a poder contribuir com a ampliação de sua competência comunicativa dos
alunos. Ou seja, é fundamental que os professores considerem o aluno
como sujeito ativo nos processos de comunicação em que está inserido
e desenvolva atividades de ensino que favoreçam a ampliação de sua
capacidade de utilizar a linguagem oral ou escrita. Ao ouvir e falar, ao
ler e escrever um texto, o aluno não é um mero emissor ou receptor de
informações, mas um interlocutor, que produz sentidos para o que ouve e
lê, concorda ou discorda das informações que recebe, reage aos conteúdos,
se apropria de conhecimentos, produz seus próprios discursos. Enfim, o
aluno realiza uma série de operações com a linguagem e, na condição de
sujeito, utiliza a linguagem para estabelecer relações com o outro.
A partir dessa compreensão da linguagem como processo de
interação, apresentamos os conteúdos de ensino de Português nas próximas
4 unidades de estudo, que abordam os conteúdos de leitura, escrita,
linguagem oral e conhecimentos gramaticais. Para efeitos didáticos e
visando melhor compreensão, os conteúdos foram divididos e apresentados
separadamente, mas se apresentam interligados na sala de aula.

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Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione,


1997.187p.

GERALDI, João Wanderley (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática,
3 ed, 2003.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos Gramática e interação: uma proposta para o


ensino de gramática. São Paulo: Cortez. 1996. 245p.

18
UNIDADE 2
LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL

Introdução

Caro (a) estudante;

Nessa unidade você irá aprofundar estudos e discussões sobre


a leitura, uma importante ferramenta de inserção social e cidadania.
Você irá perceber que leitura e escrita são práticas sociais imbricadas.
Ou seja, a escrita e a leitura são faces de uma mesma realidade, pois os
textos são escritos para serem lidos, enquanto que o ato de ler favorece o
desenvolvimento das habilidades de processamento do texto, compreensão
e produção de sentidos pelos sujeitos.
Você irá perceber ainda que, apesar de sua aprendizagem ocorrer
no espaço da escola, a leitura não se constitui como mero objeto escolar,
mas como prática social, importante na vida cotidiana dos alunos.
Esperamos que possa adentrar nessa temática e ampliar
conhecimentos que lhe permitam a construção de uma prática de ensino
adequada às demandas cotidianas que a sociedade apresenta aos alunos.
Nesse sentido, são objetivos dessa unidade:
•Construir conceito de leitura que ultrapasse o processo de
decifração dos textos e se fundamente na construção de sentidos e no
diálogo autor-texto-leitor;
•Reconhecer a necessidade de desenvolver estratégias para leitura
de diferentes gêneros textuais;
•Compreender que a leitura é um processo de construção de
sentidos, em que os leitores colocam em jogo os seus conhecimentos
prévios para estabelecerem diálogo com o texto e o autor;
•Compreender que diferentes gêneros textuais exigem estratégias
diferenciadas de leitura;
•Reconhecer a natureza não polissêmica dos textos informativos,
que se contrapõe a uma maior liberdade na construção de sentidos nos
textos literários.
Visando atingir os objetivos propostos a presente unidade de
estudo se organiza em diferentes seções, que precisam ser compreendidas
em sua globalidade.

2.1 A PRÁTICA DA LEITURA E SUA INSERÇÃO NO COTIDIANO.

Na escola, a linguagem escrita ocupa lugar de destaque, não


apenas porque ensinar a ler e escrever seja uma de suas primeiras e
mais importantes tarefas, mas porque o uso da leitura e da escrita é uma

19
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

habilidade importante para se fazer frente a diferentes demandas sociais.


Afinal, em nosso cotidiano, utilizamos a leitura com diferentes finalidades:
para localizar um endereço, operar um terminal eletrônico no banco,
escolher o ônibus que nos levará ao destino correto, e uma série de outras
atividades que tem a escrita como referência. Em nosso trabalho, nas
atividades de estudo, pesquisa e lazer, somos chamados a ler diferentes
Você já parou para pensar a
quantidade de operações de portadores e gêneros textuais, como textos informativos, artigos científicos,
leitura e escrita que realizamos
livros técnicos, romances, poemas e muitos outros textos.
no nosso dia-a-dia? Registre
as atividades que você não A tarefa de registrar as atividades que demandam por leitura e
poderia executar sem a leitura
e a escrita. escrita parece quase impossível, não é? O mundo parece se mover pelo
texto escrito. Você já parou para pensar como se sente uma criança que
frequenta a escola e não aprende a ler e escrever?
O texto abaixo foi produzido por um aluno do 6º ano de
escolaridade, em que são explicitadas concepções e percepções relativas
às funções da leitura e da escrita e o papel atribuído ao ato de ler.

Como seria minha vida se eu não soubesse ler nem escrever

Se eu não soubesse ler nem escrever eu não saberia quanto


cada nota de dinheiro vale, eu não iria à escola, eu não saberia me
orientar pela cidade, eu não poderia ler um livro.
Eu não ia saber tomar um remédio. Quando eu crescer
eu não arranjaria trabalho, eu não saberia ler o manual de
instruções de um eletrodoméstico, eu não saberia mexer no
caixa eletrônico. Eu não poderia fazer muitíssimas coisas e
minha vida seria horrível. (Pedro, 10 anos, março de 2005)

FONTE: Arquivo pessoal da professora Geisa Magela Veloso

É evidente que produção textual de um aluno de 10 anos ainda


não é possível perceber todas as possibilidades de leitura e as limitações
que cotidianamente a sociedade letrada impõe aos analfabetos. Mas o
aluno percebe a leitura de placas para locomover-se no espaço urbano,
a leitura de bulas e manuais de instrução para orientar-se quanto ao uso
de medicamentos e de equipamentos, a leitura como qualificação para
sua inserção no mercado de trabalho, passando por outras diferentes
situações práticas do dia-a-dia. Ainda é interessante destacar que o aluno
Você já pensou na quantidade não descarta a possibilidade de fruição da cultura, que pode se processar
de tarefas que não seria capaz pela leitura de um livro.
de resolver sem a leitura e a
escrita? Agora, registre seus E você? Já imaginou como seria a sua vida se não soubesse ler e
sentimentos em relação a essas
impossibilidades. Como seria escrever?
sua vida se você não soubesse Essa importância atribuída à leitura pode ser percebida em
ler e escrever?
um simples andar pela cidade. Uma vez que vivemos em uma cidade

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Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

grafocêntrica somos, a todo o momento, bombardeados com uma grande


quantidade de textos, muitos deles essenciais ao nosso deslocamento nesse
espaço. Se você se observar a imagem abaixo, irá perceber indicações
importantes para o cidadão que mora na cidade: localização de museu e
escola, indicação de velocidade, nome de ruas e outras informações que
facilitam o deslocamento e normatizam o fluxo de carros e pessoas nas
ruas.

Figura 1: Espaço urbano.


Fonte:http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section
=Geral&newsID=a2926452.xml. http://cn2012.wordpress.com/2010/08/13/existe-
-em-ilheus-um-codigo-de-postura. Acessadas em 10 de janeiro de 2011

A imagem acima nos mostra alguns usos específicos da leitura,


mais voltados para os deslocamentos no espaço urbano, mas não são
apenas esses os usos correntes, pois recebemos informações escritas em
folders, cartazes, out door e uma série de outros portadores textuais. Por
essa importância da leitura e da escrita na sociedade em que vivemos não
podemos cruzar os braços diante dos alarmantes índices de analfabetismo
no Brasil. Como futuros pedagogos e professores, somos peças-chave
do processo educativo e não podemos permitir que a escola continue a
fabricar analfabetos funcionais.
Mas você deve estar se perguntando: o que é analfabeto
funcional? Para entender o conceito vamos considerar as respostas
anteriormente produzidas por você, de forma a poder aprofundar nossa
compreensão acerca da leitura e da escrita, que não se constituem como
meros aprendizados escolares, mas como práticas sociais amplamente
presentes no nosso cotidiano. Precisamos considerar que, na perspectiva
do letramento, ser alfabetizado implica em poder ler e escrever e utilizar
esse conhecimento na realização de inúmeras tarefas – da simples operação
de anotar um número de telefone numa agenda até a escrita de uma tese
de doutorado; da leitura de um panfleto de propaganda à leitura de um
livro de Guimarães Rosa. Ou seja, ler e escrever são práticas sociais, que
interferem na vida dos sujeitos, no cotidiano de suas ações e relações com
a sociedade. Ou seja, as pessoas verdadeiramente alfabetizadas podem
desenvolver habilidades letradas, sendo capazes de usar socialmente essas
habilidades na realização de inúmeras tarefas cotidianas, como também na
construção de novos conhecimentos.

21
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Ao discutir as relações entre analfabetismo, sociedade e cultura,


Soares (1998; 2004), considera que as habilidades de leitura e escrita não
podem ser dissociadas de seus usos sociais, e que a questão é pensada
em termos das condições necessárias para que o sujeito funcione
adequadamente em um determinado contexto social. Daí surgiu a
expressão “alfabetização funcional”, que indica o conjunto de habilidades
e conhecimentos que tornam a pessoa capaz de participar das atividades
de leitura e escrita necessárias em sua cultura e em seu grupo. Conforme
Soares (1998), a ênfase na funcionalidade do aprendizado da leitura e da
escrita influenciou a definição de alfabetismo proposta pela Unesco que,
para efeitos de padronização internacional, trabalha com os conceitos
de alfabetizado e analfabeto e, a partir de 1978, inclui o conceito de
“alfabetizado funcional”, como aquele que aprendeu a ler e escrever e é
capaz de utilizar essas habilidades na realização de inúmeras tarefas.
A partir dessas definições, podemos concluir que “analfabeto
funcional” é o sujeito que, mesmo tendo participado dos processos
sistemáticos de alfabetização, não domina as habilidades e conhecimentos
necessários para fazer frente às diferentes situações mediadas pela leitura
e pela escrita. Ou seja, são pessoas que, mesmo alfabetizadas não sabem
utilizar funcionalmente a leitura e a escrita em situações sociais de uso.
Isso significa dizer que muitos de nossos alunos são analfabetos
funcionais, porque estão na escola, participaram das atividades que
visavam a sua alfabetização, aprenderam a reconhecer as letras e sílabas,
sabem decodificar o texto impresso. No entanto, não dominam habilidades
de leitura necessárias para fazerem frente às demandas sociais por ler e
escrever, não resolvem as questões e problemas que envolvem leitura e
escrita.

Figura 2:Charge - Analfabetismo funcional? NUNCA MAIS!!!


Fonte: http://universidadesnagrua.blogspot.com/2008/07/o-famoso-tcc-no-
-unicesp_08.html, acessado em 30 de setembro de 2010.

22
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Agora que você já sabe o que é analfabetismo funcional, podemos


discutir o modo como esse fenômeno se apresenta entre nós. São alarmantes
os índices de analfabetismo funcional no Brasil, como também são muito
baixos os desempenhos em leitura apresentados pelos alunos brasileiros.
Dados do Programa Internacional de avaliação de Alunos – PISA indicam
que entre os 32 países submetidos ao exame, para medir a capacidade de
leitura dos alunos na faixa dos 15 anos, o Brasil ocupou o último lugar no
ranking.
Já o Indicador de Analfabetismo Funcional – INAF, produzido
por pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG
Ação Educativa, indica que, apesar da quase universalização do ensino
fundamental e do aumento dos anos de escolaridade da população
brasileira, a porcentagem de analfabetos funcionais é inaceitável. Em 2001,
na faixa etária entre de 15 a 64 anos, 9% dos brasileiros são “analfabetos
absolutos”; no nível rudimentar, temos 31%; no nível básico, temos 34%
e apenas 26% conseguem o nível pleno. Em outras palavras, esses índices
indicam que um percentual significativo dos brasileiros não domina
habilidades básicas de leitura e de escrita, não apresentando, portanto,
condições para o exercício pleno da cidadania (RIBEIRO, 2004)
Ainda por uma análise desses dados estatísticos, podemos afirmar
que menos de 1/3 da população está qualificada para uso eficiente da
leitura, apresentando condições para compreender os textos lidos, refletir
sobre seu conteúdo, posicionar-se diante das ideias veiculadas, ampliar sua
leitura de mundo e exercer plenamente seus direitos como cidadãos.

2.2 CONCEPÇÕES DE LEITURA

A palavra leitura integra o nosso vocabulário e o ler está presente


em diferentes situações cotidianas. Mas afinal, como podemos conceituar
leitura? Registre o que você entende por leitura.
Você encontrou dificuldade para elaborar um conceito para
leitura? Apesar de ser palavra integrante do nosso vocabulário, apresentar
um conceito não é uma tarefa tão simples assim. E não é somente você
a se deparar com a dificuldade conceitual. Leitura é processo complexo,
para o qual diferentes autores têm produzido diferentes abordagens e
conceituações. Vejamos as ideias de alguns desses autores.
Na concepção de Cagliari (1997), a leitura é atividade fundamental
para formação dos alunos, pois tudo que se ensina na escola está ligado
à leitura e dela depende para se desenvolver. Em seus estudos, o autor
constatou que grande parte das dificuldades de aprendizagem que os
alunos encontram é decorrente dos problemas de leitura. Em matemática,
por exemplo, é comum que um aluno apresente dificuldade em resolver
uma situação problema. No entanto, a dificuldade pode não se localizar na

23
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

operação ou no raciocínio lógico-matemático, mas na incapacidade de ler


o texto, compreender os dados do problema e decidir sobre as operações
que precisa realizar para encontrar a solução.
Ao propor uma definição para leitura, Solè (1998) afirma que a
leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto, que é realizada
com um determinado objetivo e visa à produção de sentidos.
Ao discutir o conceito, Jolibert e Sraiki (2008) não separam leitura
de escrita e entendem que a atividade deve ser compreendida por duas
perspectivas: leitura como prática presente na vida cotidiana e leitura como
atividade intelectual. As autoras entendem que, como prática presente na
vida cotidiana, de imediato a leitura significa construir sentidos para um
texto e compreendê-lo, sendo que os sentidos produzidos resultam de
uma relação singular entre o leitor e o texto. Ainda conforme as autoras,
“ler é se engajar num processo dinâmico de construção cognitiva, ligado
à necessidade de agir, no qual a afetividade e as relações sociais exercem
simultaneamente o papel de motores que estimulam e exigem” (JOLIBERT
e SRAIKI, 2008, p. 54). Isso significa dizer que, na vida cotidiana, a leitura
é realizada com alguma finalidade, ocorre entre destinatários reais e em
contextos de utilização do texto para a resolução de alguma questão ou em
função de necessidades e desejos do leitor.
Ao compreender a leitura como atividade intelectual, Jolibert
e Saraiki (2008) consideram que esta é uma atividade de resolução de
problema, pois o leitor utiliza sua inteligência para processar um conjunto
complexo de informações (letras, palavras, atibutos gramaticais, tipo de
texto, léxico, etc), para elaborar um conjunto coerente, que tenha sentido
e responda às suas finalidades de leituta.
Em suas discussões, Koch e Elias (2009) apontam que as concepções
de leitura variam a partir do foco definido pelo sujeito. Ao considerar a
concepção de língua como expressão de pensamento o sujeito coloca foco
no autor e a leitura irá se constituir como atividade em que o leitor busca
captar suas ideias e intenções. Nessa abordagem, o autor é considerado
como senhor absoluto do seu dizer, cabendo ao leitor um papel passivo de
apenas captar suas ideias no texto. Por essa abordagem não são levadas em
conta as experiências e conhecimentos do leitor.
Ao considerar a concepção de língua como código, como mero
instrumento de comunicação, Koch e Elias (2009) consideram que o foco
de discussão é colocado no texto, que é visto como produto da codificação
feita por um emissor, que precisa ser decodificada pelo receptor da
mensagem. Nesse abordagem, a leitura é uma atividades que exige que
o leitor focalize o texto para localizar o que foi dito. Se na concepçaão
anterior, ao leitor cabia encontrar as intenções pretendidas pelo autor,
nesta concepção, cabe-lhe o reconhecimento dos sentidos das palavras
e estruturas do texto. Nos dois casos, o leitor é passivo e realiza a leitura
como atividade de reconhecimento e de reprodução de ideias.

24
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Diferentemente dessas concepções, as autoras consideram que,


ao tomar a lìngua como processo de interação social, é colocado foco na
interação autor-texto-leitor, sendo que os leitores são compreendidos como
sujeitos ativos, que dialogam com o texto e com o autor na produção de
sentidos. Nessa abordagem, a leitura é uma atividade interativa complexa
de produção de sentidos, que se realiza com base nos elementos linguísticos
presentes no texto e na sua organização, leva em conta as experiências e o
conhecimento do código linguístico do leitor.
Veja um exemplo:

Figura 3: Mafalda
Fonte http://1.bp.blogspot.com/_Mi-HY0SRXbs/SehfoFX27pI/AAAAAAAAWG0/xe-
TUnbsJoik/s1600-h/mafa3.jpg.. Acessado em 11 de agosto de 2010

Se anteriormente você já leu outras tirinhas de Quino, certamente


pôde antecipar alguns sentidos possíveis, por saber que a Mafalda é uma
personagem crítica e que tem uma percepção humorada, irônica e um
tanto pessimista da realidade. Na tirinha acima, os sentidos não estão dados
no texto, mas precisam ser construídos pelo leitor. Para compreender esse
texto o leitor necessita dialogar com as informações apresentadas, lançar
mão de conhecimentos sobre as dificuldades em se produzir um acordo
sobre o desarmamento nuclear, sobre os interesses econòmicos e políticos
relacionados à questão nuclear. Somente a partir desses conhecimentos
é possível entender porque Mafalda diz que Genebra não é a capital da
Você conseguiu perceber as
Suiça, mas a capital do fracasso. convergências presentes nessas
ideias e concepções sobre
Enfim, leitura é mesmo um conceito complexo, em que diferentes leitura produzidas no campo
pesquisadores conferem destaque para diferentes aspectos da leitura. No acadêmico? Registre os pontos
comuns que localizou nos
entanto, essas discussões apresentam pontos convergentes. conceitos dos autores.
Ao fazer esse levantamento você deve ter percebido que todos
os autores conferem grande importância para o aprendizado da leitura,
que deve merecer toda atenção da escola. Os autores também destacam
a necessidade de que a escola ensine leitura a partir de um conceito mais
amplo, pois a leitura não pode ser compreendida como mera decifração,
mas como processo em que o leitor interage com o autor e o texto, visando
a compreensão e a produção de sentidos.

25
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

2.3 LEITURA COMO DECIFRAÇÃO E COMO PRODUÇÃO DE


SENTIDOS.

Cagliari (1997) entende que a leitura seja uma prática que implica
em decifração, pois pressupõe que o leitor se aproprie de convenções
do sistema de escrita, entenda o que é um texto, para que serve, como
funciona, o que é ortografia, etc. No entanto, a leitura também exige que se
compreendam as ideias apresentadas. O autor entende que, ao ler o leitor
deverá em primeiro lugar decifrar a escrita, ou seja, entender a linguagem
encontrada para decodificar o texto, de forma a poder refletir sobre as
ideias lidas e formar o próprio conhecimento a respeito do que leu.
É evidente que, ao discutir essa relação entre decifração e
produção de sentidos, o autor não está propondo etapas para o processo
inicial de aprendizado da leitura, em que primeiro se aprende a decifrar
para depois aprender a compreender o que se leu. A defesa realizada pelo
autor é de que aprender a decifrar faz parte do processo aprender a ler.
Isso porque a leitura, na sua essência, é uma atividade individual em que o
leitor processa o texto, mas o seu objetivo é a produção de sentidos.
Nessa mesma direção, Tolchinsky (2001) considera que aprender
a ler é aprender a interpretar as mensagens inscritas nos textos. Ou seja,
ao ler olhamos para marcas pretas no papel e ao escrever deixamos nossas
marcas no papel. Mas só sabemos ler e escrever quando compreendemos
o que as marcas significam, não o que elas são.
Sobre a questão, Soares (2004) aponta ler e escrever seja atividade
complexa, que apresenta duplo significado em nossa língua: é processo
de codificação/decodificação da língua, mas também é compreensão/
expressão de significados.
Ao discutir o ensino da leitura e as dificuldades do leitor, Chartier,
Clesse e Hébrard (1996) também abordam a relação entre decifração
e compreensão. Para os autores, “a incapacidade de dominar o código
alfabético impede de ler, impedindo de chegar na mensagem e de
identificar seus termos” (CHARTIER, CLESSE e HÉBRARD 1996, p. 114).
No entanto, os autores também compreendem que saber decifrar os textos
não fornece a chave de todos os textos escritos.
Se considerarmos que ler não seja apenas decifrar o texto,
perceberemos o lugar da compreensão e da inferência como condições
inerentes à leitura. Nessa direção, Chartier, Clesse e Hébrard (1996)
afirmam que a leitura é a atividade escolar que tem a compreensão como
finalidade própria. Os autores consideram que quase tudo que se faz na aula
exige um esforço de compreensão: quando o aluno realiza atividades para
aprender uma lição de história, para escrever um resumo ou resolver um
problema, ele estará colocando em jogo uma capacidade de compreensão.
No entanto, nessas situações escolares em que se deve ler para realizar uma

26
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

tarefa, a compreensao do texto não é o fim pretendido, mas o meio para


realizar outras tarefas de aprendizagem (CHARTIER, CLESSE e HÉBRARD,
1996).

2.4 LEITURA E ESCRITA COMO PRÁTICAS SOCIAIS E INSTRUMENTOS


DE CIDADANIA

Ao discutir a aprendizagem da leitura por uma perspectiva


histórica, Graff (1997) afirma que, para o mundo ocidental, a cultura
escrita encontra-se relacionada à crença de que a capacidade de ler e
escrever promove mudanças significativas, de natureza cognitiva, política,
econômica e cultural, para as pessoas e para as sociedades que se
apropriaram dessa tecnologia. Conforme o autor, durante o século XIX e
primeiras décadas do século XX, em todo o mundo, foram disseminadas
representações diversas em torno da instrução e da educação e da
necessidade de ensinar a leitura e a escrita. De um lado, o ideal iluminista e
liberal foi amplamente difundido e estabelecia uma correlação positiva da
educação e a alfabetização com a construção da nacionalidade, o avanço
econômico e tecnológico, a civilidade, a moralidade, o desenvolvimento
cultural, o progresso e a prosperidade individual e social. Por outro lado,
o analfabetismo encontrava-se associado à corrupção, à criminalidade, à
vadiagem, à doença, ao atraso e uma série de outros fatores negativos.
Cook-Gumperz (1991) pondera que, nos primórdios dos tempos
modernos, o saber ler e escrever passou a ser considerado como virtude,
e destaca que, colado a essa ideia de modernização, “igualmente, é
bem aceito que a alfabetização exerce um papel primordial na melhoria
da qualidade de vida dos indivíduos, grupos sociais e até mesmo das
sociedades como um todo”. (COOK-GUMPERZ. 1991. p.27).
Graff (1997) considera que, até a década de 1960, o sentido e
lugar da leitura e da escrita, na compreensão acadêmica e popular, eram
simples e seguros, com uma história tipicamente concebida em termos
de mudanças operadas nos indivíduos, nas sociedades e nos Estados.
Compreendida mais como variável independente do que como um fator
dependente, o aprendizado das habilidades de ler e escrever encontrava-
se ancorado na crença em seu poder transformador. Ou seja, no conjunto
complexo de fatores que estabeleciam a distinção entre indivíduos e
sociedades avançadas, modernas e desenvolvidas e as sociedades menos
desenvolvidas no mundo, a educação e a capacidade de ler e escrever se
destacavam.
Por este viés, em nossa sociedade, as pessoas e grupos sociais
que têm seus processos de interação baseados na oralidade encontram-se
numa posição secundária, uma vez que o saber ler e escrever assumiu uma
grande centralidade. A escrita e a leitura ocupam uma posição diferenciada
em relação a outros processos comunicativos e, ao mesmo tempo, também

27
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

confere distinção para indivíduos e grupos sociais que aprenderam a usar


leitura e escrita para realizar as tarefas que as demandam. Tal distinção
encontra-se associada à ideia de que o domínio da leitura e da escrita tem
amplas e significativas implicações – econômicas, sociais, políticas, culturais.
Assim, aquele que sabe ler assume status diferenciado, sendo produzido
um entendimento de que aquele que se apropria desta tecnologia, torna-
se beneficiário de recursos capazes de promover a sua inserção social de
forma diferenciada.
Por essa crença no poder transformador da leitura e da escrita,
diferentes sociedades produziram o ler e o escrever como bandeira de luta,
como um direito de todos os cidadãos e condição para o progresso. Apesar
de considerarmos que a mera aprendizagem da leitura não seja condição
suficiente para a promoção de mudanças significativas na vida das pessoas,
é certo que sem essa aprendizagem as transformações são mais difíceis. Isso
significa que é necessário compreender adequadamente o suposto poder
atribuído à leitura e à escrita, mas também é necessário considerando o
mito produzido em torno das habilidades de ler e escrever.
Sobre essa questão, vale destacar que, nas décadas de 1960-
70, foram realizadas apostas e depositadas esperanças na educação e
na aprendizagem da leitura e na escrita, consideradas como elementos
corretores das desigualdades sociais. Enguita (1998, p.20) compreende
que essa promessa cumpriu-se apenas parcialmente, pois a educação
permitiu que importantes minorias, ainda que individualmente, saíssem da
marginalização e da pobreza. O autor entende ainda que,

se é que podemos dizer que a educação não seja espe-


cialmente eficaz para abrir portas, temos que acrescentar,
como regra, que sua falta sim, pode fechá-las, especialmen-
te para aqueles que não possuem outros recursos para abri-
-las (ENGUITA, 1998, p.20).

No contexto de poder dessa aprendizagem escolar é importante


que as sociedades contemporâneas garantam condições efetivas para que
todos os cidadãos possam desenvolver as habilidades de leitura e escrita,
como condição de efetivação de direitos sociais e cidadania.
Procurando compreender o fenômeno da leitura e da escrita
vale destacar as ideias de Denny (1997), ao lembrar que os efeitos da
cultura escrita são, com frequência, mal interpretados e exagerados.
Os estudos contemporâneos apontam que a leitura e a escrita, por si
mesmas, não provocam mudanças significativas na vida dos sujeitos e
grupos sociais, o ato de ler e escrever é fundamental para as pessoas e
a sociedade, apresentando-se positivamente associado ao progresso e ao
desenvolvimento. Para que o domínio da leitura e da escrita seja capaz

28
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

de produzir consequências para os indivíduos e grupos sociais, o modo


como estes se apropriam desta tecnologia e as práticas sociais em que se
envolvem tornam-se fundamentais.
É neste contexto que, influenciado pelas discussões acerca da
especificidade das práticas letradas e do poder da escrita que, alfabetização
e letramento ganham centralidade no Brasil. Conforme Soares (1998), o
letramento pode ser compreendido como o “resultado da ação de ensinar
ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um
grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da
escrita.” (SOARES, 1998, p.18). Por esta via, tornou-se necessária a distinção
entre o indivíduo alfabetizado, aquele que sabe ler e escrever, e o indivíduo
letrado, aquele que se encontra imerso em práticas sociais de leitura e
escrita e sabe utilizar essas habilidades para responder adequadamente às
demandas sociais.
Ainda neste mesmo contexto a discussão acerca do papel da escola
também ganhou espaço. Leitura e escrita são práticas culturais, que sofrem
influência dos processos de mediação desenvolvidos no ambiente escolar.
Por serem habilidades normalmente adquiridas pela via da escolarização
tornou-se estreita a vinculação entre escola, alfabetização e letramento.
Vamos refletir um pouco sobre a questão? Veja abaixo o que Magda Soares
fala sobre essa relação entre escola e aprendizado da leitura. O vínculo entre alfabetização
e escolarização, mais que o
vínculo entre letramento e
escolarização, é considerado
natural e inquestionável:
de certa forma, a escola autonomiza as atividades de leitu- tanto para o senso comum
ra e de escrita em relação às circunstâncias e usos sociais, quanto mesmo para a área
criando seus próprios e peculiares eventos de letramento e da educação, é na escola que
suas próprias e peculiares práticas de letramento. (SOARES, se ensina e que se aprende
2004, p. 93). a tecnologia da escrita. O
processo de escolarização
é visto não só como um
componente essencial da
Ou seja, em função das demandas sociais, determinadas práticas escolarização inicial como,
mais que isso, esta é mesmo
presentes na vida das pessoas são apropriadas pelos professores, que comumente confundida com
simulam situações sociais mediadas pela palavra escrita. Isso significa dizer aquele: a concepção corrente
é que a criança vai para a
que as práticas escolares não são práticas reais de uso da leitura e escrita, escola “para aprender a ler e a
mas práticas escolares que se aproximam das situações reais de uso e visam escrever”. (SOARES, 2004, p.
93 – ênfases no original).
desenvolver competências e habilidades demandadas pela sociedade.
Assim, são produzidas e desenvolvidas atividades pelas quais os aprendizes
colocam em jogo seus conhecimentos, exercitam habilidades e ampliam
possibilidades de utilização da leitura e da escrita.
Por estarem em permanente processo de mudança, as sociedades
sempre apresentam novas demandas por leitura e escrita. Nesse
contexto, novas demandas sociais exigem de seus usuários a ampliação
de competências e habilidades de uso dessa tecnologia e supõem novas
estratégias escolares para seu ensino.

29
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Na visão de Kleiman (1995), enquanto principal agência do


letramento, a escola preocupa-se com apenas um tipo de letramento –
aquele que se relaciona com as competências de alfabetização dos seus
alunos. Ao centrar o foco no processo individual de aquisição do código a
escola deixa de considerar o seu uso social da leitura e da escrita. Ao discutir
Leia o livro Uma historinha
sem 1 sentido, uma obra o letramento, é preciso considerar que à leitura podem ser associadas
literária produzida para o múltiplas finalidades, em que ler pode se constituir como instrumento de
público infantil, em que
Ziraldo, de forma bastante sobrevivência e trabalho, mas também como ampliação cultural e busca
humorada nos fala da de conhecimentos, como processo de integração e participação social. A
importância da leitura e da
falta que essa tecnologia pode leitura pode, ainda, se tornar uma possibilidade de entretenimento, uma
fazer para o analfabeto. A prática desinteressada, em que o leitor não se orienta por finalidades
obra tem a marca de Ziraldo
e de seu filho Antônio Pinto, imediatistas, mas busca no livro o espaço do prazer e da fruição estética.
que é autor das ilustrações. O Prezado(a) acadêmico (a), como você pode ver, letramento não é
texto é inteligente e divertido,
a linguagem é polissêmica apenas um nova expressão que passou a integrar o vocabulário das ciências
e intertextual, as ilustrações humanas, mas se apresenta como processo que pode contribuir com a
completam o sentido das
palavras e dialogam com as ampliação dos horizontes culturais dos sujeitos que, imersos no universo
histórias em quadrinhos. . Você letrado, tornam usuários da leitura e da escrita. Pode, ainda, contribuir
vai adorar a história!
para se desenvolver no leitor o senso crítico em relação ao que vê, ouve
e lê. Neste sentido, torna-se necessário que se discutam os processos de
formação de leitores, que não sejam cerceados por uma leitura apenas
funcional, mas que constituam habilidades para uma real e ampla inserção
no mundo letrado.
A charge abaixo ilustra bem o fenômeno da exclusão de parcelas
significativas da população brasileira, que ainda não conquistou o acesso à
leitura e à escrita. A charge também ilustra a naturalização dessa exclusão.

Figura 4: Livro “Uma historinha


sem 1 sentido”
Fonte: ZIRALDO. Uma histori-
nha sem 1 sentido. Ilustrações
de Antônio Pinto. São Paulo:
Melhoramentos, 2005

FIGURA 5: Charge - Analfabetismo funcional


Fonte: http://tertulino.blogspot.com/2009_11_08_archive.html, acessado em 20 de outu-
bro de 2010.

30
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

2.5 LEITURA COMO INSTRUMENTO DE MEDIAÇÃO E COMO


HABILIDADE A SER DESENVOLVIDA NA ESCOLA

Por compreenderem a leitura como processo complexo, que não


é aprendido de forma espontânea pelos alunos, Chartier, Clesse e Hébrard
(1996) entendem a necessidade de estabelecer a distinçao entre 2 tipos
de atividades que ocorrem na escola: 1) leitura como ferramenta para
resolver alguma questão de aprendizagem; 2) atividade de leitura para
desenvolvimento de novas habilidades de ler. Isso significa que propor
atividades que exigem que os alunos façam uso das habilidades de leitura
é diferente da proposição de atividades cuja finalidade seja a compreensão
do texto e o trabalho com o sentido.
Em outras palavaras, é importante pensar que a leitura na escola
se apresenta por dois eixos: 1) leitura como instrumento de mediação; 2)
leitura como conteúdo de ensino. Ou seja, na primeira dimensão, a leitura
é ferramenta por meio do qual o aluno lê para acessar conhecimentos ou
realizar uma série de atividades que demandam por essa habilidade. Já
na segunda dimensão, a leitura se apresenta como conteúdo de ensino
das aulas de Português. Aprender a ler demanda pela atividade de
ensino, de forma que o aluno se aproprie de estratégias e técnicas para o
processamento dos textos. Ou seja, não basta apresentar o texto, mandar
ler e esperar que os alunos desenvolvam por si mesmos a capacidade de
compreensão. É preciso ensinar a ler, propor atividades que favoreçam o
desenvolvimento da capacidade de compreensão dos diferentes tipos de
textos.
Para Chartier, Clesse e Hébrard (1996), no ciclo de aprendizagens
fundamentais, os professores não podem considerar a leitura e a escrita como
habilidades já adquiridas, mas como algo que precisa ser desenvolvido.
Isabel Solé (1998) considera
Assim, as situações escolares devem ser construídas com a finalidade de que os alunos acreditam na
facilitar essas aprendizagens, abordando de forma progressiva os obstáculos importância da leitura quando
percebem que o seu professor
que se interpõem ao processo de compreensão de textos. valoriza o ato de ler, que se
Se ler é compreender, Chartier, Clesse e Hébrard (1996) afirmam envolve com os textos e os
aprecia. Por isso, a escola deve
que tudo que for obstáculo à compreensão poderá contribuir para o fracasso estabelecer circuitos de leitura,
na leitura. Nessa direção, consideram que a compreensão dos textos em que todos leem e partilham
experiências com os textos.
começa antes da leitura. Para compreender um texto é necessário dispor de
conhecimentos relativos ao seu conteúdo, ao seu modo de comunicação
e, na medida em que instauram as vivências e experiências com textos, os
leitores vão construindo condições necessárias para tomarem consciência
dos usos da escrita. Por isso é importante socializar informações sobre
situações diversificadas de vida dos alunos, também adquirir familiaridade
com o mundo das palavras e sobre os suportes textuais.

31
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Solé (1998) ainda considera que a leitura não deve ser vista
como atividade competitiva, baseada em prêmios e castigos, pois a
competitividade pode prejudicar os sentimentos de competência dos
alunos que possuem dificuldade.
Como Chartier, Clesse e Hébrard (1996), Solé (1998) também
acredita que a leitura deve ser tratada como conjunto de estratégias que
precisa ser ensinado, também considerando que a compreensão se inicia
antes de começar a ler. Nessa direção, a autora destaca alguns elementos
importantes que precisam ser considerados antes de se propor a leitura
de um texto: motivar para ler, conhecer os objetivos da leitura, ativar os
conhecimentos prévios, estabelecer previsões sobre o texto, promover
perguntas dos alunos sobre os textos. Para Isabel Solé (1998), nenhuma
tarefa de leitura deve ser iniciada se a criança não se encontrar motivada
para ela e sem que perceba o sentido para tal atividade. Isso porque, ler é
mais do que possuir estratégias e técnicas de decifração dos textos, é uma
atividade voluntária e prazerosa, por isso é importante estar motivado para
ler.
Ainda conforme a autora, a motivação para leitura é fator
importante e está relacionada às relações afetivas que os alunos travam
com a língua escrita. A motivação deve ser trabalhada pelo professor,
que deve: escolher textos adequados; planejar a tarefa de leitura; tomar
decisões de ajuda anteriores ao ato de ler; evitar concorrências entre as
Você já pensou nos objetivos crianças; promover contextos reais de uso da leitura, que desenvolvam
que orientam suas práticas de o gosto por ler e permitam que o leitor possa avançar em seu próprio
leitura? Nesse exato momento,
você está lendo com uma ritmo e desenvolver as suas estratégias de leitura. O material de leitura deve
finalidade específica, que exige oferecer certos desafios para os alunos, daí ser importante que os textos não
determinadas habilidades e
que chamamos de leitura para sejam conhecidos, apesar de sua temática ser familiar. O professor também
aprendizagem. deve pensar a complexidade que é a leitura e oferecer ajuda adequada
para o aluno superar os desafios do ato de ler.
Solé (1998) compreende que a leitura apresenta diferentes
finalidades, o que provoca a necessidade de articular diferentes situações
de leitura e textos adequados para esses objetivos. A autora considera que
os objetivos de leitura determinam a forma como o leitor se situa perante o
texto, controla a consecução dos objetivos e compreende as ideias inscritas
nas palavras. Koch e Elias (2009) posicionam-se de forma semelhante ao
destacarem que a constante interação entre o conteúdo do texto e o leitor
é regulada pela intenção do leitor ao empreender a atividade de leitura.
Ou seja, na vida social, os leitores sempre têm objetivos para suas leituras
e são eles que norteiam o modo de ler: em maior ou menor tempo, com
mais atenção ou menos, com maior ou menor interação, etc.
Os objetivos de leitura podem ser muito variados, sendo que,
para a autora, os mais comuns são: 1) Ler para obter uma informação
precisa, como o fazemos ao consultar um endereço no catálogo; 2) Ler

32
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

para aprender; 3) Ler para revisar um escrito próprio e fazer correções


necessárias; 4) Ler por prazer e entretenimento; 5) Ler para comunicar um
texto a um auditório; 6) Ler para praticar a leitura em voz alta; 7) Ler para
verificar o que e compreendeu.
Por essa variedade de objetivos é importante considerar a
necessidade de ensino das estratégias de leitura. Bons leitores não leem
todos os textos da mesma maneira, sendo que a utilização de diferentes
estratégias de leitura é um indicador da competência leitora.
Ainda considerando Solé (1998), antes de propor a leitura de um
texto, é importante ativar conhecimentos prévios dos alunos sobre o texto
que será lido. Isso porque, conhecer de antemão o conteúdo contribui
para a compreensão do texto a ser lido. Por isso, antes de ler o professor
pode incentivar os alunos a exporem o que sabem sobre o tema, de forma
a socializar ideias e facilitar a compreensão. No entanto, pode ser que o
aluno não possua conhecimentos prévios exigidos para abordar o texto e
ocorrer que elabore interpretações que não coincidam com as intenções
pretendidas pelo autor.
Por também compreender que a leitura é um processo de
interação autor-texto-leitor, Koch e Elias (2009) também consideram a
importância da ativação de conhecimentos prévios na leitura. Isso porque,
se por um lado a leitura depende da materialidade linguística do texto, por
outro lado, os conhecimentos do leitor se constituem como condição para
a produção de sentidos e para se estabelecer a interação.
Ainda como atividade que antecede a leitura, é importante que o
aluno possa estabelecer previsões sobre o que será lido. Ou seja, a partir de
diferentes pistas, o aluno poderá tentar adivinhar o conteúdo da história,
sendo que o ato de ler possa se constituir como processo para confirmação
de inferências estabelecidas pelos alunos.
Em síntese, para ler, a criança deve conhecer os objetivos da
leitura, sentir que pode realizar a tarefa, saber que poderá contar com
ajuda, considerar interessante o que deve fazer.

2.6 O TEXTO COMO OBJETO DE ENSINO NA ESCOLA.

Como discutimos até agora, a língua é instrumento de interação,


sendo que, ler e escrever não são atividades de simples codificação e
decodificação, mas práticas sociais imbuídas de significado. Daí que o
trabalho com textos passa a ser o eixo norteador do trabalho de ensino
de português. Nessa direção, o PCN de Língua Portuguesa propõe que
o trabalho com leitura e escrita contemple a diversidade de textos que
circulam socialmente, destacando que a importância atribuída aos usos da
linguagem é determinada historicamente, segundo as demandas sociais de
cada momento.

33
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Atualmente, é facilmente perceptível que foram ampliadas as


demandas por leitura e escrita diferentes, sendo que as exigências são
superiores as demandas de bem pouco tempo atrás. E nos Parâmetros
Curriculares Nacionais/ PCN de Língua Portuguesa está explícita a
responsabilidade da escola, como espaço institucional de acesso ao
conhecimento, que precisa fazer uma revisão substantiva das práticas
de ensino, visando à constituição de práticas que possibilitem ao aluno
aprender linguagem. Daí a importância de se organizar o ensino a partir
da diversidade de textos que circulam socialmente (BRASIL/MEC, 1997).
A partir das concepções defendidas pelo PCN de Língua Portuguesa,
se pode afirmar que cabe à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo
dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a interpretá-
los com autonomia. Dessa forma o aluno se tornará capaz de utilizar textos
com diferentes finalidades e diante de diferentes situações. Assim o aluno
poderá compreender conceitos, resolver problemas, comparar diferentes
pontos de vista, argumentar a favor ou contra uma determinada hipótese
ou teoria, acessar informação escrita, desenvolver a possibilidade de
aprender os diferentes conteúdos. (BRASIL/MEC, 1997).
Mas afinal, como os professores têm compreendido e se apropriado
dessa proposta de renovação de ensino da língua? Em pesquisa realizada
por Albuquerque (2006) constatou-se que as professoras se remetem ao
discurso oficial, sendo que seus discursos indicam que o novo é trabalhar
com textos. Porém, as práticas investigadas são tradicionais, baseadas nos
conteúdos gramaticais e ortográficos. As professoras afirmam que deve ser
trabalhada a diversidade textual e o texto é compreendido por elas como
conteúdo a ser trabalhado. Conforme a autora, em aula, as professoras dão
ênfase às características dos textos, solicitando aos alunos a identificação
e a classificação dos tipos de texto (poesia, texto informativo, jornalístico,
etc). Ou seja, as professoras entendem que, primeiro devem ensinar o
que é texto, quais suas características, como é estruturado, para depois
lerem e produzirem textos. Assim, ao trabalharem com poesias, enfatizam
rimas, estrofes, versos, como se essas características fossem necessárias
para os alunos saberem ler poemas. Ao trabalhar com jornal, enfocam a
organização do impresso, as partes que contém, como se essa organização
fosse única e que fosse necessário estudar antes de ler o impresso.
Ainda conforme a autora, ao dar aulas de português, as professoras
empreendiam uma conversa informal, depois faziam uma anotação no
quadro, que o aluno registrava no caderno para, posteriormente, escolher
e identificar o tipo de texto. Ou seja, o trabalho com textos desenvolvido
pelas professoras é tradicional, pois colocam ênfase na explicação e na
definição do conteúdo (características do texto e do gênero textual a ser
trabalhado), depois realizam atividades de identificação e classificação dos
textos. Outra abordagem realizada pelas professoras foi dividir os textos
por unidades (primeiro, a leitura e identificação de texto narrativo, depois

34
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

informativo, etc). Este é um procedimento didático antigo, que se baseia


na separação de conteúdos por unidades, sendo que o foco principal não
é a compreensão dos textos, mas a identificação de suas características,
visando à classificação (ALBUQUERQUE, 2006)
Na concepção da autora, ao falar que trabalham com textos, as
professoras parecem ter incorporado a ideia de que os textos se constituem
como conteúdo de ensino, havendo a necessidade de trabalhar esse novo
conteúdo. Pela lógica tradicional de trabalho com conteúdos, os próprios
textos passam a ser o conteúdo a ser ensinado. Assim, as professoras
utilizavam procedimentos antigos de definição, identificação e classificação
para trabalhar com os textos. (ALBUQUERQUE, 2006)
Ou seja, a apropriação desse discurso é renovador, pois coloca
o texto como prioridade no ensino de português e produz a necessidade
de colocar ênfase na leitura e na escrita de diferentes textos. Contudo, a
abordagem é equivocada por tomar o texto como mais um conteúdo a ser
ensinado, sendo que as professoras ensinam as características dos textos
visando à classificação. A identificação das características de um texto não
é importante como conteúdo de ensino, mas como recurso que permite
ao aluno compreender o texto, a intencionalidade do autor, a função
comunicativa. Essa identificação de características também permite que
os alunos produzam textos mais elaborados e mais adequados à situação
comunicativa.

2.7 METODOLOGIA DE LEITURA NA ESCOLA.

Ao discutir o ensino da leitura na escola, Liberato (1999) defende


a ideia de que é possível favorecer a compreensão pelos leitores iniciantes
na medida em que o professor considerar a legibilidade dos textos. A
autora define legibilidade do ponto de vista da interação entre o texto e
o leitor, mais especificamente, entre a informação que o leitor consegue
captar nos textos e o conhecimento prévio que tem armazenado na
memória. Dessa forma, na concepção da autora, o texto legível é aquele
que permite ao leitor utilizar ao máximo o seu conhecimento prévio para
compreender as ideias e fazer inferências. Isso implica em dizer que o
texto legível é acessível aos alunos, é fácil de compreender, é adequado aos
conhecimentos prévios – no que se refere ao conhecimento sobre a língua
e sobre o conteúdo do texto. A autora ainda considera que, se o leitor
iniciante é exposto a textos inadequados e difíceis de ler, é de se esperar
que falhe na leitura, que perca o interesse por ler e se sinta incapaz de ler
(LIBERATO, 1999).
Nesse sentido, ao pensar em textos legíveis é comum que se
faça a defesa dos textos curtos, por serem mais acessíveis e de mais fácil
processamento pelos alunos. No entanto, Liberato (1999, p. 223) considera
que “não se trata de negar ao aprendiz o acesso a textos mais complexos

35
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

ou mais difíceis, mas graduar a complexidade ou a dificuldade na medida


em que ele vá adquirindo as habilidades de leitura”.
Ao discutir a leitura, Geraldi (2003) considera que sua prática na
escola deve envolver dois tipos de textos e dois níveis de profundidade
de leitura: 1) leitura de textos curtos, como contos, crônicas, reportagens,
lendas, notícias de jornal, editoriais, etc; 2) leitura de narrativas longas,
como romances e novelas. Apesar de referir-se aos últimos anos do Ensino
Fundamental, consideramos que essa proposta de Geraldi (2003) pode ser
desenvolvida nos primeiros anos, isto é, podem ser realizadas práticas de
leitura com base em textos curtos e narrativas longas nos primeiros anos de
escolaridade, desde que ajustadas ao interesse e capacidade dos alunos.
Há ainda que se considerar que a leitura de textos mais extensos pode ser
realizada em capítulos e mediada pelo professor – que assume o papel de
leitor e favorece o seu acesso ao aluno.
Mas afinal, como podemos organizar o trabalho com textos, de
forma a favorecer a compreensão pelos alunos?
Sobre a questão, Solé (1998) considera que a leitura na escola
deve ser compreendida como processo que não se inicia com o texto, mas
Abaixo, apresentamos um texto
para leitura, extraído de Rojo deve ser trabalhada antes, durante e depois da leitura realizada pelo aluno.
(2009). De forma intencional, Assim, a escola precisa pensar uma metodologia de ensino da leitura que
retiramos o seu título, pois
queremos que o leia sem lhe considere esses três momentos.
antecipar nenhuma pista sobre Antes de ler, é necessário que o professor selecione um texto
o seu conteúdo. Veja se você
encontrará alguma dificuldade adequado aos interesses e nível de conhecimento e maturidade dos
para entendê-lo. Se encontrar alunos (LIBERATO, 1999). É ainda necessário realizar atividades para
dificuldade, não se desanime e
leia-o novamente. motivar os alunos, definir o objetivo da leitura, ativar os conhecimentos
prévios, antecipar sentidos e elaborar hipóteses sobre o texto que será
Com gemas preciosas para
financiá-lo, nosso herói lido (SOLÉ, 1998). Durante a leitura, é necessário que os alunos possam
desafiou bravamente todos contar com a ajuda do professor para esclarecer dúvidas e dar suporte
os risos desdenhosos que
tentaram dissuadi-lo de seu para a construção de respostas para as hipóteses inicialmente elaboradas,
plano. “Os olhos enganam”, sempre visando à compreensão do texto. Após a leitura, é importante que
disse ele, “um ovo e não uma
mesa tipifica corretamente esse o professor possa realizar atividades que permitam a discussão coletiva das
planeta inexplorado”. ideias, para confirmação (ou não) das hipóteses elaboradas, ampliação dos
Então as três irmãs fortes
resolutas saíram à procura de conhecimentos do grupo, produção de novos sentidos e elaboração de
provas, abrindo caminho, às inferências.
vezes através de imensidões
tranquilas, mais amiúde através Você encontrou dificuldade para entender o texto? Como dissemos
de picos e vales turbulentos.
anteriormente, a leitura não se inicia com o texto, mas em etapa anterior
Os dias se tornaram semanas,
enquanto os indecisos em que são ativados conhecimentos prévios e discutidos possíveis sentidos
espalharam rumores
para o texto que será lido. E nesse caso, não demos a você nenhuma
apavorantes a respeito da
beira. pista que lhe permitisse antecipar ideias e elaborar hipóteses relativas ao
Finalmente, sem saber de
texto. Além disso, o texto foi construído por uma linguagem metafórica,
onde, criaturas aladas e bem-
vindas apareceram anunciando em que os conteúdos não são apresentados de forma explícita, o que
um sucesso prodigioso.
torna necessário que o leitor empreenda algum esforço para construir os
(ROJO, 2009, p.82-83).
sentidos. Se tivéssemos lhe dado algumas informações sobre o texto, antes

36
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

de propor que você o lesse, teríamos facilitado a sua compreensão, pois


seriam ativados conhecimentos prévios necessários ao estabelecimento de
inferências.
Se você soubesse que o texto se chama “nosso herói” e que ele
trata da descoberta da América por Cristóvão Colombo, poderia facilmente
compreender que: 1) o ovo é um elemento que tipifica o nosso planeta ou
que os rumores apavorantes a respeito da beira são referências ao formato
da Terra, que não é plana, mas oval; 2) as três irmãs é uma referência às
três caravelas Santa Maria, Pinta e Nina, utilizadas no empreendimento
de navegação citado; 3) imensidões tranquilas e picos turbulentos são
expressões que referem-se às condições do oceano durante a viagem;
4) criaturas aladas referem-se aos pássaros que são avistados quando os
navegantes se aproximam da terra, etc.
Ou seja, com esse exercício você foi colocado(a) diante de uma
situação de leitura, em que decifrou o texto e leu as palavras, mas teve
dificuldade na compreensão dos sentidos pretendidos. E isso acontece
muito com os alunos, quando a escola “manda ler”, mas não produz
situações adequadas de leitura. Isso porque a atividade de leitura na escola
se limita a ler e resolver exercícios, sem que sejam apresentados objetivos
para leitura, sem despertar o desejo por ler ou motivar para leitura, sem
antecipar possíveis sentidos ou ativar os conhecimentos prévios necessários
ao processo de compreensão dos textos.
Nessa discussão relativa ao ensino da leitura, Lajolo (2001)
considera que a mera inclusão de bons textos não soluciona o problema da
crise de leitura, pois a qualidade textual pode ser diluída pela proposta de
leitura patrocinada pela escola.
Nesse sentido, consideramos com Solé (1998), que uma aula de
leitura deve conter atividades planejadas, instigantes e interessantes, que
contemplem três momentos de trabalho:
1) Antes da leitura: devem ser realizadas leituras que permitam
despertar a motivação para a leitura, estabelecer objetivos para o ato de ler,
ativar os conhecimentos prévios. Na etapa de ativação dos conhecimentos
prévios, Solé (1998) considera que podem ser usadas algumas estratégias,
como: a) dar uma explicação geral sobre o que será lido, de forma a
garantir conhecimentos prévios necessários à compreensão do texto; b)
ajudar os alunos a prestarem atenção sobre alguns aspectos do texto, como:
ilustrações, título, subtítulos, elementos sublinhados, etc, que contribuem
para a compreensão dos textos a serem lidos.
Há ainda muitas outras atividades que podem ser desenvolvidas,
como: explorar as imagens da capa do livro e o nome do texto, discutir
sobre o autor e outras obras já lidas. Como atividade que antecede
a leitura é recomendado realizar a antecipação de sentidos, ou seja,
elaborar hipóteses sobre o conteúdo do texto que será lido, sendo esta

37
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

uma atividade que pode despertar o desejo por ler e conduzir o processo
de compreensão – o leitor irá processando o texto e durante a leitura irá
confirmando, ou não, as hipóteses elaboradas.
2)Durante a leitura: devem ser realizadas atividades
compartilhadas de leitura que permitam, de forma que o leitor possa:
confirmar hipóteses elaboradas e fazer novas previsão sobre o que vai ser
lido, fazer perguntas sobre o que foi lido, esclarecer dúvidas, resumir.
3) Depois da leitura: devem ser realizadas atividades de discussão
do texto, de forma a captar a ideia principal do texto, socializar os sentidos
produzidos, resumir oralmente o texto lido, formular e responder perguntas,
discutir ideias, partilhar sentimentos e percepções em relação ao texto lido.
Essa é uma etapa importante da leitura, que poderá conduzir a uma maior
compreensão do texto.

2.8 GÊNEROS TEXTUAIS E ENSINO DA LEITURA NA ESCOLA.

Ao discutir a crise de leitura presente na realidade brasileira,


Lajolo (2001) considera que a qualidade dos textos não é suficiente para
a superação das dificuldades e não garante a formação de leitores. A
autora defende a leitura como processo de interação autor-texto-leitor, e
considera que para haver a interação no ato de leitura, o texto e o leitor
devem participar da mesma esfera de cultura. Ou seja, o leitor precisa estar
inserido no mundo da língua e de seus usos, de forma que a linguagem dos
textos lhe seja familiar e que ele possa compreender as ideias apresentadas
pelo autor. Assim, Lajolo (2001) afirma que, dentre as funções da escola,
está o aumento progressivo e paulatino da familiaridade do aluno com
uma grande diversidade de textos capazes de ampliar seu horizonte e sua
cultura.
Por isso, é importante que a escola se abra aos diferentes textos
em circulação social, favorecendo a interação rica e produtiva dos
alunos com o mundo da cultura escrita. Marcuschi (2002) entende que
os gêneros textuais são fenômenos históricos, são práticas socioculturais
que se expandiram com a cultura impressa e apresentam função sócio-
comunicativa.
Os diferentes textos apresentam estrutura e organização da
linguagem adequadas às funções sociais às quais se destinam. Para a
Linguística, os gêneros textuais englobam todos os textos produzidos por
usuários de uma língua. Por isso, artigos, resenhas, anúncios, convites, atas,
avisos, programas de auditórios, bulas, cartas, cartazes, poemas, contos de
fadas, crônicas, editoriais, ensaios, entrevistas, contratos, decretos, discursos
políticos, histórias, instruções de uso, letras de música, leis, mensagens,
notícias, etc, podem ser considerados exemplos de gêneros textuais.

38
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Conforme destaca Marcuschi (2002), na contemporaneidade,


a cultura eletrônica produziu uma verdadeira explosão de gêneros,
ampliando de forma significativa a variedade de textos que circulam
socialmente. Como exemplos dessa expansão podem citar o e-mail, os
fóruns de discussão, chats, a enciclopédia digital e uma série de textos que
circulam na internet, e que apresentam características próprias relacionadas
à sua função comunicativa e às suas condições de produção.
O autor ainda afirma que os gêneros textuais constituem-se como
uma noção vaga que é utilizada para identificar textos encontrados no dia-
a-dia e que apresentam características sócio-comunicativas definidas pelos
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Por
isso, entende gênero textual como fenômeno diretamente relacionado às
práticas sociais.

[Os gêneros textuais] surgem emparelhados a sociedades e


atividades socioculturais, bem como na relação com ino-
vações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se
considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes
em relação a sociedades anteriores à escrita. (MARCUSCHI,
2002, p.19).

Ou seja, foram ampliadas as demandas sociais por leitura e escrita,


o que exige dos alunos o desenvolvimento de novas habilidades letradas.
A discutir o ensino da leitura na escola, Perini (2007) sustenta que
um dos problemas envolvidos na “desaprendizagem” da leitura é a confusão
de gêneros. Ao invés de considerar essa grande diversidade de gêneros
textuais, Perini considera a existência de apenas dois gêneros e estabelece
uma oposição entre os textos literários e os textos informativos. Em sua
argumentação, Perini (2007) está consciente de que está simplificando
muito as categorias, mas seu objetivo é mostrar que, do ponto de vista
da construção de competências para entender os textos, o leitor precisa
desenvolver duas competências básicas: no caso do texto informativo, o
leitor deve extrair informações apresentadas pelo autor, compreender essas
informações e estabelecer inferências, sendo que, no caso do texto literário,
a atividade do leitor encontra-se mais relacionada com a apreciação e
fruição estética da linguagem.
Nessas duas formas de leitura, Perini (2007) considera a necessidade
de participação ativa do leitor. A leitura de um texto informativo implica em
retirar dele informações e integrá-las em um sistema de conhecimentos pré-
existentes na sua memória, de modo a construir uma “paisagem mental”
coerente e ancorada nos conhecimentos prévios. A compreensão do texto
também implica em formular inferências lógicas e o resultado é um sistema
de informações extremamente rico e complexo. Por sua vez, para entender
um texto literário, o leitor pode dispensar o processamento de informações

39
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

racionais e ir direto à apreciação e à eventual fruição. O autor considera


que, a leitura de textos literários pode ser comparada à apreciação de uma
música, em que a referência a coisas do mundo real e as relações lógicas
são secundárias. Perini (2007) considera que esses dois gêneros são escritos
em linguagem diferente e, portanto, a leitura e a compreensão exigem
regras e princípios diferentes. Se o texto informativo exige compreensão
das informações apresentadas pelo autor, o texto literário é polissêmico,
permite variadas interpretações.
Para melhor exemplificar essa possibilidade polissêmica dos textos
literários, proponho que leia o poema de Léo Cunha, abaixo.

Paixão eletrônica?

Vidrei no vídeo
gamei no game
porém do livro
não me livrei.
Léo Cunha. Poemas Lambuzados. São Paulo: Saraiva, p.30

Ao analisar esse poema, Sorrenti (2007) discute as analogias


construídas pelo poeta. Na sua concepção, Sorrenti considera que “o autor
inventa jogos e brincadeiras, deixando clara a sua paixão pelo livro. Ele
sabe que os jogos eletrônicos fascinam, fazendo parte do cotidiano das
pessoas, mas termina o poema com um hino de amor à palavra impressa”
(SORRENTI, 2007, p. 44). Ou seja, a autora considera que o poeta
fala do gosto pelos jogos eletrônicos e pelos vídeos, que não impede o
E você deve estar se encontro e o encanto do leitor com o livro. No entanto, se considerarmos
perguntando: qual das duas a polissemia das palavras e das muitas possibilidades de sentido inscritas no
interpretações é correta? Qual
é a interpretação pretendida texto literário, poderíamos afirmar o contrário, que o poeta fala de alguém
pelo poeta? Penso que as que gostaria de livrar-se do livro e da obrigação de ler, mas que não pôde
duas interpretações são
possibilidades de leitura, pois libertar-se dessa tarefa.
o texto não é informativo, mas
Nesse contexto, espera-se que as escolas assumam a tarefa de
literário e, por esse motivo, a
duplicidade de sentidos não não apenas propor leitura, mas de ensinar a ler. Assim, os alunos poderão
pode ser considerada como
construir habilidades de ler uma grande diversidade de textos literários,
erro do leitor.
como crônicas, lendas, fábulas, poemas, contos, histórias em quadrinhos
e de textos informativos, como notícias, manuais de instrução, receitas,
textos didáticos, artigos. É evidente que ao propor leitura de textos literários
e não literários não se pode considerar que existem apenas dois modos de

40
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

ler, pois cada texto apresenta características específicas, que se definem a


partir de sua função comunicativa. Dessa forma, mesmo classificados como
gêneros literários, um poema e um conto não são lidos da mesma forma,
pois se estruturam de forma diferenciada.
Para ilustrar essa questão, leia a charge abaixo:

Figura 6: Os rótulos e a terceira idade


Fonte:http://andrearrudaplacido.blogspot.com/2008/10/embala-
gens-e-melhor-idade.html, acessado em 12 de outubro de 2010.

Você reparou que as duas personagens sabem ler e estão


utilizando o terminal eletrônico de um banco para fazerem um pagamento
de um título, utilizando o sistema de código de barras. No entanto, ao
seguir as instruções que aparecem na tela, as simpáticas velhinhas se
confundem e fazem a leitura inadequada do código de barras. Por que isso
ocorreu? Certamente porque não tem muita familiaridade com os sistemas
informatizados utilizados pelos bancos e não aprenderam a fazer leituras
de forma diferenciada, ajustando os atos de ler às situações e demandas
sociais cotidianas.
Por isso é importante pensar que o trabalho com textos deve ter
como meta o desenvolvimento de habilidades que levem o aluno a ler
uma grande diversidade de textos e a compreender e utilizar um número
sempre maior de recursos da língua. Assim, será possível o letramento
cada vez mais amplo, de forma que o aluno utilize recursos da língua para
produzir efeitos de sentido de forma adequada a cada situação específica
de interação humana. No entanto, dada a grande quantidade de gêneros
textuais, o professor precisa fazer um levantamento de quais textos são
mais necessários para os alunos, para, a partir daí, iniciar o trabalho com
aqueles de uso mais frequente, cuja leitura se constitui como habilidade
mais necessária e adequada ao nível do aluno.

41
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

2.8.1 Texto informativo e escola

Em relação ao texto informativo, Perini (2007) enfatiza que a sua


intenção é veicular uma mensagem unívoca, que não deve variar de leitor
para leitor. Aliás, nessa característica do texto informativo se encontra um
problema de leitura que precisa ser considerado pela escola, no processo
de ensino, posto que, conforme o autor, o leitor pode aplicar a um gênero
de texto as estratégias de processamento adequadas a outro texto. Perini
(2007) considera que, se o leitor tratar um texto informativo como se
fosse um texto literário não irá entender a estrutura lógica e informacional
pretendida pelo leitor. Resultante dessa confusão, o leitor poderá produzir
uma paisagem mental subjetiva, carregada de intenções estéticas, de
insinuações vagas e imprecisas, que faz sentido a um poema, mas é
inadequada para textos informacionais.
O autor ainda considera que o problema da utilização de estratégias
de leitura inadequadas pode ter suas origens na escola, que exercita os
alunos na leitura de apenas um tipo de texto, passando a idéia de que
só existe uma maneira de entender um texto, seja qual for o gênero. E os
alunos desenvolvem a noção de que todo texto tem um sentido oculto, que
precisa ser depreendido da intuição e da introspecção, não lhes ocorrendo
que um texto possa ser isento de metáforas poéticas (PERINI, 2007).
Outro problema discutido por Perini (2007) se relaciona ao estudo
de textos, que frequentemente conduz a uma compreensão bastante literal,
mesmo quando se trata de gêneros literários. Assim, as questões enfocam
a localização do evento principal, do lugar onde ocorreu um dado fato, à
identificação das vozes do narrador ou das personagens. Sobre a questão,
o autor considera necessário incrementar a leitura e compreensão de textos
informativos, desenvolvendo-se a preocupação em identificar o gênero de
texto a ser lido em cada ocasião, pois cada gênero exige uma abordagem
de leitura própria.
Ao discutir a leitura, o PCN da língua portuguesa (BRASIL/MEC,
1997) também considera a importância do acesso do aluno ao universo
dos textos que circulam socialmente, incluindo-se o acesso aos textos
informativos e os textos das diferentes disciplinas, com os quais o aluno se
defronta sistematicamente no cotidiano escolar. O PCN também destaca
alguns problemas, como por exemplo, o fato de, nas aulas de Língua
Portuguesa, não se ensinar a ler e compreender textos expositivos como os
das áreas de História, Geografia e Ciências Naturais. De forma semelhante,
nessas aulas também não se ensina a ler e compreender esse tipo de texto,
pois se considera que trabalhar com textos é uma atividade específica
da área de Língua Portuguesa. Em conseqüência desse ensino, o aluno
não se torna capaz de utilizar textos cuja finalidade seja compreender
um conceito, apresentar uma informação nova, descrever um problema,

42
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

comparar diferentes pontos de vista, argumentar a favor ou contra uma


determinada hipótese ou teoria. Por isso, em todas as disciplinas, a escola
deveria ensinar estratégias de leitura, pois é a capacidade de ler de
diferentes tipos de textos que permite o acesso à informação escrita com
autonomia, sendo essa uma condição para o bom aprendizado.

2.8.1.1 A leitura de jornais na escola

Como a escola é um espaço para circulação de diversificados


gêneros textuais, em termos de promoção da leitura, a relação com os
jornais favorece o acesso do aluno a um complexo de linguagens, de
gêneros discursivos e de diferentes pontos de vista sobre os fatos sociais.
A leitura de jornal é uma possibilidade real para formar leitores
habituais e cidadãos bem informados. Com a formação de hábito de
leitura, crianças e jovens se tornarão consumidores deste gênero textual
pelo resto da vida, sendo importante destacar que sua leitura abre espaço
para o contato com acontecimentos locais e internacionais, ampliando
possibilidades de crescimento, acesso ao conhecimento e atualização.
No entanto, para as escolas, que lidam com crianças e jovens
imersos em diferentes formas de interatividade via telefone celular e
internet, a tarefa de despertar o interesse pela leitura de jornais não é tarefa
das mais fáceis. É preciso que a escola ensinar a ler jornais, não apenas
um recorte de texto, pois é importante criar condições para que os alunos
possam manusear o jornal por inteiro, explorar os diferentes cadernos,
olhar as fotos, ler as legendas, os títulos, os subtítulos e o início de cada
reportagem. O aluno não deve ser obrigado a ler o jornal inteiro, mas
descobrir o que mais interessa e fazer leitura ao modo dos adultos, lendo
até o final apenas o que vale ser lido.
É importante que na escola os alunos possam discutir a própria
estruturação do jornal. Conforme Rezende (1996), a análise dos cadernos
de um jornal possibilita compreender o próprio jornal. A primeira página
mostra a “cara do jornal”; o editorial é um espaço de opinião, que revela as
posições assumidas pelo jornal, também servindo como espaço para induzir
o leitor; os cadernos de política e cultura permitem textos menos rígidos,
em que o jornalismo pode liberar-se de uma formalidade discursiva. O
autor ainda afirma que o jornal divide as temáticas e apresenta as notícias
separadas para não confundir o leitor, mas é na leitura global do jornal que
o leitor poderá compreender melhor as relações entre os fatos.

Portanto, há que considerar cada caderno, separadamente,


mas há também que estabelecer relações entre as histórias,
para que possamos nos aproximar um pouco que seja, das
‘realidades cotidianas’. (REZENDE, 1996, p. 21- grifos do
autor).

43
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Figura 7: O Jornal na sala de aula


Fonte: http://www.educador.brasilescola.com/
estrategias-ensino/jornal-impressoinserindo-infor-
macao-sala-aula.htm, acessado em 10 de outubro
de 2010.

A partir da leitura de jornal na escola, os alunos podem discutir


o conteúdo e o formato dos diferentes cadernos, podendo tomar a sua
leitura como hábito, rompendo tabus como: somente adultos compram
e leem jornais, jornal é coisa de velho, jornal serve apenas para ler as
notícias. A prática da leitura de jornais em sala de aula deve despertar nos
alunos a curiosidade de conhecer o mundo, interrogar sobre a realidade,
interpretar fatos cotidianos e buscar caminhos para conhecer e produzir
conhecimentos. Com a leitura de jornais, criam-se possibilidades para uma
reflexão sobre problemas e soluções da linguagem, como a coerência, a
clareza, a adequação às normas da escrita.
Ao discutir a presença de jornal na escola, Leal (1996) considera
que esse é um fato que pode se constituir como renovação das práticas
educativas, mas destaca que o jornal não deve se constituir como fonte de
textos que apenas substituem o material pedagógico convencional. Nessa
direção, a autora afirma ser comum a utilização de jornais como pretexto
para ensino de regras gramaticais, ou a prática de recortar partes do jornal
para realizar exercícios gramaticais similares ao material pedagógico
convencional, por uma abordagem rotineira e já desgastada. É ainda
frequente a leitura de determinado texto do jornal para produção de um
similar, pela lógica de que a presença de um modelo permite que o aluno
adquira uma competência de produção de texto, que pode ser transferida
para outra situação (LEAL, 1996).
Em relação ao trabalho com jornal, a autora considera que não
basta utilizar esse portador de texto, mas considerar a língua como atividade
interativa e discutir os recursos linguísticos que o autor lançou mão para
produzir os efeitos que desejava. É também importante trabalhar o texto de
jornal considerando a data da publicação, a seção ou caderno em que se
encontra a matéria discutida. Ainda conforme a autora, ao propor ao aluno
a leitura de uma matéria é necessário: a) levantar discussões sobre as causas
e consequências do fato em questão; b) contextualizar o assunto a partir
do caderno ou seção em que se encontre; c) ler outros textos que fazem

44
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

referência ao mesmo assunto; d) descobrir em outras seções os temas que


estejam relacionados com o texto em discussão; e) considerar o texto em
sua relação com o contexto nacional e internacional (LEAL, 1996).
Leal (1996) ainda considera que o jornal pode se constituir como Você já analisou o modo como
diferentes jornais abordam
importante recurso para levar o aluno a perceber o modo como os textos a mesma temática de forma
são organizados para se atingir determinado objetivo, sendo construídos diferenciada? Por exemplo, ao
tratar da queda de preços de
levando-se em consideração um público leitor. produtos agrícolas, o Globo
Em outras palavras, o jornal permite uma grande possibilidade de Rural trata a questão como
algo ruim, por representar
leitura e formação dos alunos como leitores reflexivos e questionadores da prejuízos para o produtor rural.
realidade. Como todo texto, o jornal tem uma função sociocomunicativa, No entanto, ao tratar a mesma
temática no Jornal Hoje, por
sendo que os recursos de linguagem utilizados se relacionam com o objetivo exemplo, a temática assume
do texto e com o público ao qual se destina a mensagem. outra abordagem, sendo
positivamente abordada pelo
Nesse sentido, ao ser utilizado na escola, o jornal não deve servir fato do noticiário se destinar ao
grande público e, nesse caso, a
para o recorte de palavras ou frases que visem apenas o trabalho com
queda dos preços pode indicar
gramática normativa, isolada em exercícios criados artificialmente para a benefícios para a economia
doméstica.
identificação de um conteúdo gramatical. No entanto, essa crítica ao uso
comum que a escola faz do jornal não significa que não se possa discutir
gramática a partir dos jornais. Ao contrário, com base nos textos jornalísticos,
os alunos podem perceber formas de utilização da gramática, pela análise de
fenômenos linguísticos em seus usos concretos. A partir da exploração das
manchetes dos jornais, os alunos podem aprender conteúdos gramaticais.
As manchetes abaixo exemplificam essa possibilidade.

Releia as manchetes das


Figura 8: Matérias publicadas em jornais figuras anteriores ou consulte
Fontes: http://blogln.ning.com/profiles/blogs/manchetes-inusitadas; http://locupleta- um jornal e leia os títulos
do.files.wordpress.com/2008/02/chule.jpg&img;http://xpurr.com/videos/watch/ das matérias, observando os
manchete.html. Acessados em 20 de outubro de 2010.
tempos verbais utilizados pelo
jornalista. Você reparou que,
Conforme Coscarelli (2005), em sala de aula, o professor pode mesmo se tratando de fatos já
ocorridos, que o jornal coloca
estimular a discussão dos alunos, de forma que possam perceber as os verbos no presente do
características do jornal, sendo que a utilização do presente do indicativo indicativo? Isso acontece com a
finalidade de dar uma ideia de
ocorre como consequência do caráter imediatista e de novidade da atualização do jornal.
manchete. Ou seja, pelo fato de os jornais serem publicações diárias a
utilização do tempo presente indica a atualização da publicação, em dia
com as informações e com as novidades que ocorrem.
Além do trabalho com a língua, a leitura de jornal possibilita uma
reflexão sobre a veracidade das notícias, o sensacionalismo e a objetividade
do jornalismo.

45
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Ao discutir a leitura de jornal, Rubem Alves desloca nosso olhar


para seus aspectos negativos. Ao afirmar que “a missão da imprensa
é informar”, o autor problematiza o sentido atribuído a essa crença e
argumenta sobre as impossibilidades do jornal que faz escolhas relativas a
determinados aspectos da realidade, silenciando-se sobre outros.

Pensa-se que, ao informar, a imprensa educa. Falso. Há mi-


lhares de coisas acontecendo e seria impossível informar
tudo. É preciso escolher. As escolhas que a imprensa faz
revelam o que ela pensa do gosto gastronômico dos seus
leitores. (ALVES, 2001, s/p).

Nesse sentido, é interessante uma notícia em mais de um jornal,


ou mesmo assistir a um telejornal, para estabelecer comparações em
relação ao conteúdo das notícias, ao modo como os fatos são relatados,
discutindo-se as diferenças que ocorrem de um jornal para outro.

2.8.1.2 TEXTO PUBLICITÁRIO NA ESCOLA

O texto publicitário, enquanto um gênero textual presente e objeto


de estudo, não faz parte da tradição escolar. No entanto, é um tipo de texto
muito presente na vida cotidiana dos alunos, sobretudo pela via da TV,
que organiza sua programação com a inserção de blocos de propaganda,
as mais diversificadas. Por isso, os textos publicitários não devem ser
desconsiderados pela escola, que deve assumir a responsabilidade de
ensinar a ler reflexivamente esse tipo de texto, muito presente em nossa
vida cotidiana.
Dentre as características do texto publicitário está a de vender o
produto, sendo importante captar a atenção do público alvo, manter o
interesse, despertar o desejo em relação ao produto anunciado e provocar
a ação (adquirir o produto). Ou seja, o texto publicitário visa convencer,
despertar e induzir a vontade, convencendo o consumidor das vantagens
de um produto, mesmo que não esteja dentro de suas possibilidades de
compra.
Por essa função típica desse gênero, é importante que a escola
leve os alunos a perceberem o modo como os textos publicitários são
construídos, visando produzir o desejo de aquisição do produto ou a
adesão a uma ideia. Os alunos devem ser levados a compreender que a
criatividade é um elemento essencial aos textos de publicidade, que são
organizados por um discurso rápido, sedutor, argumentativo, sugestivo e
persuasivo.
Por serem peças que visam persuadir o leitor, os textos publicitários
costumam ser organizados com linguagem simples, próxima, informativa,
argumentativa e explicativa em relação às virtudes do produto. Muitos

46
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

textos também utilizam as imagens, experimentam sonoridades, utilizam


o humor, o jogo de palavras, a brincadeira. Enfim, os autores de textos
publicitários utilizam a criatividade e a imaginação, fazem o apelo à razão
ou ao sentimentalismo – sempre adaptado ao público alvo e visando
convencer e vender.
Por esse motivo os textos publicitários precisam ser trabalhados na
escola, de forma que o aluno se torne leitor crítico e não seja apanhado
Assista na TV ou leia um
nas armadilhas do consumismo. Nesse sentido é importante que os alunos texto de propaganda em uma
possam perceber os dois lados de uma propaganda – o que o texto mostra revista. Não importa a marca,
mas focalize sua atenção
e o que esconde. na publicidade de carro,
procurando identificar o que o
Você reparou que as propagandas de carro sempre mostram
texto mostra (as características
o conforto e as vantagens relacionadas a esse produto? Os carros do produto) e o que esconde
(os problemas relacionados a
são associados a viagens, descanso, comodidade, conforto, rapidez,
esse produto). Agora, faça uma
praticidade, bem estar. No entanto, os problemas relacionados aos carros lista desses aspectos.
nunca são mostrados na propaganda: engarrafamentos, acidentes, morte,
poluição ambiental, etc.
Outro aspecto interessante é que os textos publicitários sempre
nos remetem a essa finalidade de vender um produto. No entanto, há
propagandas que não visam vender um produto, mas produzir a adesão
do leitor a uma ideia.

Leia com a atenção os textos


abaixo e perceba a diferença
entre textos de propaganda de
produtos e textos publicitários
que não querem convencer
o público a comprar, mas
sensibilizar o sujeito para
aderir a uma ideia, mudar seus
Figura 9: Prevenção ao câncer comportamentos, participar de
Fonte: http://anapaula-stilosocial.blogspot.com/2010/01/cancer-de-pele-tem-que-ter- uma campanha.
-cuidado.html; http://www.saude.al.gov.br/combateaocncerportodepedraspromoveaesde-
preven; http://ligadecombateaocancerbg.com.br/, acessados em 12 de outubro de 2010.

No caso das propagandas acima, a intenção não é vender um


produto, mas “vender” uma ideia e produzir a mudança de atitude em
relação ao câncer, passando a perceber a doença como um problema de
saúde pública, que se pode prevenir adotando atitudes simples.

2.8.2 Literatura Infantil e escola

A presença do texto literário na escola é importante e integra uma


tradição escolar. O PCN de língua portuguesa considera que o trabalho com
o texto literário esteja incorporado às práticas cotidianas da sala de aula, por
tratar-se de uma forma específica de conhecimento, sendo que diferentes

47
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

manifestações são consideradas como texto literário. A literatura não é o


real, mas representa a realidade. Por isso, o texto literário se apresenta
como um inusitado diálogo regido por aproximações e afastamentos,
invenções de linguagem, expressão de subjetividades e sensações, em
que os mecanismos ficcionais podem estar misturados a procedimentos
racionalizantes, como referências e citações do cotidiano. Dessa forma, o
ensino da leitura literária envolve o reconhecimento das singularidades e
das propriedades compositivas que matizam esse tipo particular de escrita.
(BRASIL/MEC, 1997)
A literatura infantil é um ramo da literatura destinada às crianças,
sendo incluídos diferentes tipos textuais, como histórias curtas, narrativas
sem texto escrito, poemas, lendas, fábulas, histórias em quadrinhos, contos
folclóricas e de fadas.
Da perspectiva histórica a literatura infantil é relativamente
recente, posto que os primeiros textos destinados ao público infantil
somente foram publicados no início do século XVIII – época em que se
define a infância como etapa diferenciada da vida adulta e a criança passa
a ser compreendida como ser com características e necessidades próprias.
Pode-se dizer que o nascimento da literatura infantil no Brasil
é datado do final do século XIX, momento em que escritores nacionais
iniciam o empreendimento de escrever para crianças, sendo que nesse
momento as publicações são precárias e ainda em pequeno número. Vale
lembrar que a publicação e distribuição da literatura destinada à criança
teve seu início vinculado a pedagogia, sendo que apenas a ludicidade não
se constituía como elemento que justificasse a publicação de histórias para
crianças. Ou seja, era a função pedagógica e a utilidade educativa dos
textos que legitimava a difusão de histórias infantis.
Em uma segunda fase, iniciada na década de 1920, a literatura
infantil ganhou novos contornos, sendo que a publicação de a Menina do
Nariz Arrebitado, por Monteiro Lobato, em 1921, marca positivamente o
campo. Com Lobato é inaugurada uma nova estética literária, passando
a ser concebida como arte literária, pela renovação da linguagem e das
temáticas abordadas. A obra de Lobato é caracterizada pela valorização
da criança, da linguagem popular e da expressão folclórica. O autor quer
despertar o senso crítico da criança, apresentando-lhes problemas políticos,
sociais, culturais e econômicos, por meio das discussões e conversas
travadas por seus personagens.
Com uma mistura de realidade e fantasia, mesclado pelo humor,
encantamento e espírito crítico, Monteiro Lobato escreveu 17 volumes que
compõem o Sítio do Picapau Amarelo, obra traduzida em diversos países.
Conforme Abramovich,

48
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

a lógica que impera no sítio não é a do adulto, mas lá o


adulto entra no jogo da criança e se discute a História do
mundo, se vive a mitologia grega, se debate o petróleo bra-
sileiro, se analisa a moral das fábulas, se tenta uma reforma
da natureza, se recebem todas as personagens dos contos
de fadas... (ABRAMOVICH, s/d, p. 61).

Enfim, Monteiro Lobato encontrou um caminho criador de que


a Literatura Infantil brasileira estava necessitando, e por essa renovação
produzida no campo é considerado o pai da literatura infantil brasileira.
A década de 1970 marca outro período de renovação do campo
da literatura infantil brasileira, sendo que, pela grande expansão editorial
é considerada como a época do boom da literatura infantil. Nesse período
surgem muitos escritores, que contribuem para a consolidação do mercado
editorial, sendo que a crescente relação de interdependência do livro com
a escola contribui para aumentar de forma significativa o número de autores
e obras destinadas à infância. Nesse período surgiram escritoras marcantes,
como Pedro Bandeira, Bartolomeu Campos Queiroz, Ana Maria Machado,
Sylvia Orthof, Marina Colasanti e Lygia Bojunga, Ruth Rocha, Roseana
Murray e muitos outros, como Ziraldo que, pelas características de sua
obra, tem sido considerado “filho de Lobato”.
No entanto, a relação da literatura com a escola, que possibilitou
a ampliação do mercado consumidor de literatura, também se mostrou
rendosa, e pouco exigente. E, dessa forma, foram produzidos processos
de divulgação da literatura infantil que favorecem a publicação de livros
em série, sem a devida preocupação com a qualidade literária. Daí a
necessidade de uma adequada formação dos professores, para que possam
selecionar textos de qualidade, interessantes e adequados às crianças, mas
também realizar um trabalho que vise ao prazer estético e ao desejo de ler.

2.8.2.1 CONTOS DE FADAS

Os contos de fadas são contos populares, oriundos da tradição oral,


que se constituem como uma narrativa curta e apresentam determinadas
características. Os contos de fadas fazem parte da tradição oral,
perpetuaram-se como literatura destinada ao público infantil, atravessando
tempos e espaços. Conforme Abramovich (s/d), desde o século IV se tem
registros de que a história da “Cinderela” era contada na China. Apesar de
lidar com o mundo do imaginário e da fantasia, “por lidar com conteúdos
da sabedoria popular, com conteúdos essenciais da condição humana,
é que esses contos de fadas são importantes, perpetuando-se até hoje.”
(ABRAMOVICH, s/d. p. 120).
Dentre os autores de contos de fadas, Abramovich (s/d) destaca o
francês Charles Perrault (1628-1703), que escreveu A Bela Adormecida no
Bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas,

49
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

A Gata Borralheira, O Pequeno Polegar, entre outras histórias. Mais de 100


anos após Perrault ter publicado as histórias da Mãe Gansa, Irmãos Grimm
– Jabob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859) –, nascidos na Alemanha,
também pesquisam histórias da tradição oral e publicam contos de fadas,
como: A Bela e a Fera, A Gata Borralheira e João e Maria. Hans Christian
Andersen (1805-1875), nascido na Dinamarca. Conforme a autora, Perrault
escreveu vários textos para adultos, mas tornou-se imortal por um único
volume de contos para crianças. Muitos de seus contos, mais de um século
depois, foram recontados pelos Irmãos Grimm, que percorreram a Alemanha,
recolhendo lendas populares, que se tornaram material para seus contos
de fadas. Já Andersen é filho do povo, escreveu cerca de duzentos contos
infantis, parte retirada da cultura popular, parte baseada em sua própria
infância e sua experiência de vida. Dentre os principais contos destacamos:
A Roupa Nova do Imperador, O Patinho Feio, Os Sapatinhos Vermelhos, A
Pequena Sereia, A Pequena Vendedora de Fósforos, A Princesa e a Ervilha.
Por sua importância, o mais importante prêmio literário internacional da
literatura infanto-juvenil, considerado o pequeno Nobel de Literatura é
denominado Prêmio Hans Christian Andersen. (ABRAMOVICH, s/d).

Figura 10: Contos de fadas.


Fonte: http://espacoeducar-liza.blogspot.com/2009/05/projeto-contos-de-fadas-branca-
-de-neve.html; tml;http://www.lendo.org/7-horrendos-contos-de-fadas-que-lhe-con-
tam-hdesde-crianca, Acessados em 30/09/2010.

Na segunda metade do século XIX, os contos de fadas começam


novo ciclo: em lugar do sobrenatural e do maravilhoso, o nonsense é que
habita as histórias.
O principal representante desta nova fase e das novas características
dos contos de fadas é Lewis Carroll, que escreveu Alice no País das
Maravilhas, em 1865. Outro escritor que também obteve sucesso junto ao
público infantil e que fundiu o maravilhoso com o racional foi o italiano
Carlo Collodi, que em 1883 publicou Pinóquio, um dos maiores sucessos
da literatura infantil mundial. Diferentemente do que pensam muitas
pessoas, os contos de fadas foram originalmente escritos para adultos e, ao
contrário das fábulas de Esopo, não tinham a intencionalidade de transmitir
ensinamentos morais.

50
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Muitos dos contos que hoje são consagrados como clássicos traziam
textos com doses fortes de incesto e mortes hediondas. A capacidade de
entreter as crianças e ensinar-lhes lições de moral é, em parte, creditada
a Perrault, cujas histórias foram adaptadas para o público infantil, e vêm Nonsense: é uma expressão
acompanhadas por uma dose forte de moralidade, com a consagração do de origem inglesa, que denota
algo disparatado, sem nexo,
herói ou da heroína e punição ao mal. Nas versões infantis de contos de desprovido de sentido e
fadas que hoje conhecemos e que povoaram o imaginário de diferentes que contraria o bom senso.
Na literatura a expressão é
gerações, foram suprimidas as cenas amorais, manifestando-se uma utilizada para designar um
destinação das histórias para o público infantil, principalmente meninas, estilo característico de humor
perturbado e sem sentido.
por orientar sua formação moral. O conto de fadas Alice no
Os contos partem de uma estrutura fixa: o enredo é construído País das Maravilhas, do inglês
Lewis Carroll exemplifica bem
em torno de uma situação em que herói ou a heroína, visando à gênero literário nonsense. O
realização pessoal e o amadurecimento, enfrentam grandes obstáculos livro conta a história de uma
menina chamada Alice, que
antes de triunfar contra o mal; a presença de magia e metamorfose, de cai numa toca de um coelho
encantamento e do aspecto, em que são comuns animais falantes, bruxas, e é transportada para um
lugar fantástico, povoado por
anões, gigantes, duendes ou fadas; apesar de não ser figura obrigatória, as criaturas peculiares, irreais e
fadas se apresentam como mulheres imortais de grande beleza, dotadas absurdas.

de poderes sobrenaturais e capazes de interferir na vida dos mortais em


situações-limite; as ocorrências se dão em tempos e espaços distantes, mas
revelam dramas humanas, aos quais as crianças podem estar sujeitas.
Por essas características e, sobretudo por trabalhar com problemas
humanos, como inveja, traição, perda, fome, morte, avareza, entre
outros, os contos de fadas tem se constituído como objeto de análise por
especialistas do campo da psicologia. Bettelheim (1980, p.15) considera
que “é característico dos contos de fadas colocar um dilema existencial de Esopo é um fabulista grego,
que viveu no século VI a.
forma breve e categórica”, simplificando as situações, mas apresentando-as C e tornou-se famoso por
de forma clara e objetiva. Esse formato dos contos permite que a criança histórias. Suas histórias tem
por base a cultura popular,
apreenda o problema em sua forma essencial. O autor ainda considera são moralizantes e, em sua
que, ao contrário das histórias infantis modernas, que evitam os problemas maioria, protagonizadas por
animais que falam, cometem
essenciais, nos contos de fadas o mal é tão onipresente como a virtude, já erros, são sábios ou tolos, maus
que as propensões para ambos estão presentes em todo ser humano. “É ou bons – exatamente como
os seres humanos. Dentre as
esta dualidade que coloca o problema moral e requisita a luta para resolvê- mais de trezentas histórias
lo” (BETTELHEIM, 1980, p. 15). atribuídas a Esopo, as mais
conhecidas são “A raposa e as
Nessa mesma linha de raciocínio, Cashdan (2000) sugere que os uvas”, “O leão e o rato”, “A
contos seriam “psicodramas da infância”, que espelham “lutas reais”, que galinha e a pomba”, “A galinha
dos ovos de ouro”, e “A águia
poderiam ser vividas por crianças de qualquer lugar do mundo. Na visão e a coruja”.
do autor, muito embora o que inicialmente atrai a criança possa ser a sua
capacidade de encantar e entreter, o valor duradouro de um conto de
fadas reside no poder de ajudar as crianças a lidar com os conflitos internos
que elas enfrentam no processo de crescimento.
O modo como os contos de fadas podem se constituir como
elementos importantes na resolução dos problemas vivenciados pelas
crianças está na possibilidade de experimentar os sentimentos negativos

51
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

no plano do imaginário. Bettelheim (1980) considera que, ao trabalhar


com a dualidade entre o bem e o mal, os contos de fadas possibilitam a
criança condições para fazer escolhas. Nos contos, o mal pode simbolizar
poder e até ser atraente, e com frequência chega a se apresentar como
temporariamente vitorioso. Mas o mal sempre é desmascarado. E não o
fato de o malfeitor receber severa punição que torna a imersão nos contos
uma experiência de educação moral para as crianças.

Nos contos de fadas, como na vida, a punição ou o temor


dela é apenas um fator limitado de intimidação do crime. A
convicção de que o crime não compensa é um meio de in-
timidação muito mais efetivo, e esta é a razão pela qual nas
estórias de fadas a pessoa má sempre perde (BETTELHEIM,
1980, p. 15).

Ainda segundo o autor, não é o fato de a virtude vencer no final


que promove a construção de valores morais, mas porque o herói é sempre
mais atraente para a criança. E a criança se identifica com ele em todas as
suas lutas, e por essa identificação a criança sofre com o herói suas provas
e tribulações, e também triunfa com ele.
Daí o grande potencial pedagógico e educativo dos contos de
fadas, que devem ser lidos para as crianças, como forma de lhes permitir
acesso ao mundo da cultura, mas também facultar-lhes possibilidades de
formação moral.
Na escola, o trabalho com os contos de fadas deve priorizar o prazer
e o encantamento presentes nessas narrativas encantadas, despertando nas
crianças interesse, o envolvimento e a participação. Na abordagem, não há
necessidade de exaustivas discussões que focalizem a moralidade presente
nos contos, pois as histórias, lindamente contadas têm o poder de falar
diretamente ao coração da criança, desenvolvendo-lhe a imaginação e a
sensibilidade. À medida que as histórias vão sendo trabalhadas, as crianças
podem se identificar com os personagens e transferir para a história os
seus próprios conflitos, vivenciando experiências, a partir dos dilemas e
problemas vivenciadas no plano imaginário. A criança se envolve tanto com
os contos que passa a viver a história como se fosse um dos personagens.
Por isso, cabe ao professor favorecer condições para que os alunos, desde
a educação infantil, possam saborear essas histórias encantadas, que têm
grande poder de lhes impressionar e contribuir com sua formação humana
e como leitores de literatura.

2.8.2.2 Histórias sem texto escrito

Ao discutir a literatura infantil, Abramovich (s/d) destaca o fato de


há muito tempo as editoras inglesas, japonesas, americanas e alemãs se

52
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

dedicarem à publicação de livros de imagens – belíssimas narrativas visuais,


que dispensam a presença de textos, pois as histórias são contadas através
dos desenhos. No Brasil, conforme a autora, algumas editoras também
enveredaram por essas possibilidades, como é o caso de livros de Eva
Furnari, que publicou diversos livros divertidos, com imagens coloridas,
figuras em movimento constante, personagens expressivas.

Figura 11: A bruxinha atrapalhada/ O amigo da bruxinha.


Fonte: http://sanchotenejoyce.blogspot.com/2009/03/poemas-em-livros-in-
fantis.html; http://www.modernaliteratura.com.br/moderna/book.php?id_titu-
lo=10015976, acessados em 01 de outubro de 2010.

Outros autores como Juarez Machado, Ângela Lago, Regina


Coele Rennó também se dedicaram a essa tarefa de produzir literatura
por imagens. Para Abramovich (s/d), a produção desses livros revela o
talento gráfico desses desenhistas, que constroem narrativas sequenciadas,
completas, sem precisar utilizar nenhuma palavra.
Em discussões sobre a leitura, anteriormente explicitadas,
procuramos demonstrar que a construção de sentidos se processa na
relação entre o leitor, o autor e texto, num processo de interação desses
fatores. Em relação às histórias compostas somente por imagens, elas se
fazem texto, posto que as narrativas são realizadas pela utilização exclusivas
das imagens. Esses livros são produzidos para crianças pequenas, que ainda
não aprenderam a ler o texto escrito, mas podem encantar a leitores de
qualquer idade e possibilitar a interação do leitor com o autor, pela via das
imagens.
Para Faria (2008), na construção do livro, o papel do autor é
fundamental, pois precisa estabelecer laços de ligação de uma nova imagem
com a imagem anterior e a subsequente, de forma a ir contando a história,
até chegar ao desenlace. Há ainda, conforme a autora, imagens, muitos
detalhes da história que não são explicitados nas imagens, e que devem
ser imaginados pelo leitor. O autor deve demarcar bem as mudanças de
espaço e de tempo, de forma que o leitor possa compreender a história.
Para Abramovich, a leitura dos livros de imagens se constitui como
uma experiência de olhar, “de um olhar múltiplo, pois se vê com os olhos
do autor e do olhador/leitor, ambos enxergando o mundo e as personagens
de modo diferentes, conforme percebem esse mundo” (ABRAMOVICH,
s/d, p. 63). .

53
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Para a autora, a importância desses livros reside na possibilidade


de ampliar a atuação do leitor. “E, ao prescindir do verbo, dão toda
possibilidade para que a criança o use...” (ABRAMOVICH, p. 52). Assim, a
criança poderá oralizar as histórias, colocar um texto verbal, interagir com
as imagens, desenvolver situações que foram apenas sugeridas, ampliar um
detalhe proposto, refazer o texto.
Como se pode concluir, a leitura de um livro de imagens não
se constitui como uma atividade passiva, em um mero olhar as imagens.
Conforme Faria (2008), o livro de imagens apresenta uma narrativa
fragmentada, pois a história se constrói de imagem a imagem, sendo
necessário que o leitor preencha os espaços em branco.
Por constituir-se apenas de imagens, muitos professores pensam
que a leitura do texto é fácil e não precisa ser trabalhada, pois a criança
pequena é capaz de ler as imagens. No entanto, a leitura não é uma atividade
passiva de olhar. Faria (2008) acredita ser necessário um trabalho minucioso
com as crianças, de forma a contribuir para que percebam as características
dos personagens, os elementos técnicos que fazem progredir a história no
tempo e no espaço. Também é importante desenvolver a capacidade de
análise, comparação, classificação, levantamento de hipóteses, síntese e
raciocínio. Ou seja, a leitura de textos imagéticos exige competências do
pequeno leitor, domínio da estrutura e das técnicas da narrativa.
Leia o texto abaixo, extraído de Furnari (1985), procurando
compreender a narrativa por imagens, analisando os elos de ligação entre
as imagens, que constroem uma história divertida e surpreendente.

54
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Figura 12: O chapéu


Fonte: FURNARI, Eva. A bruxinha atrapalhada. São Paulo: Global, 1985.

Analisando a primeira imagem temos uma situação de equilíbrio:


vemos a bruxinha sentada no banco, observando o pássaro que pousou
na moldura da cena, enquanto que o seu gatinho encontra-se deitado no
chão. Na segunda cena, ocorrem modificações dessa situação inicial: o
passarinho pousa no banco e a bruxinha pega a sua varinha de condão
- isso indica mudança temporal e o início do delineamento da situação
problema. Na terceira cena, a bruxinha está com a língua para fora
demonstrando esforço e trabalho, e inicia a sua mágica, pois o passarinho
começa a desaparecer e o gato parece assustado, imaginando o desfecho
da mágica. Na quarta cena o passarinho transformou-se em chapéu e a
bruxinha parece satisfeita com o resultado, enquanto que o gato olha
meio desconfiado para a situação. Na quinta cena vemos a bruxinha com
seu chapéu novo na cabeça e o gato parece voltar ao seu descanso, pois
parece que dessa vez a mágica deu certo. Na sexta e última cena ocorre
o desenlace inesperado e surpreendente, pois a mágica novamente não
deu certo, pois o chapéu guarda características do passarinho que fora, e
sai voando, acompanhado pelo olhar assustado e surpreso da bruxinha e
do gato.
Como se pode perceber com a história acima, escrever um livro
imagético não é apenas fazer desenhos, enquanto que ler um texto composto
por imagens não é uma atividade passiva de olhar as imagens, mas de
reconstituir o texto, pela percepção dos detalhes e pelo estabelecimento
de relações de sentido.

55
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

2.8.2.3 Poesia e escola

A poesia, na concepção de Abramovich (s/d), é um gênero literário


que sofre muitos preconceitos editoriais, sendo editados livros sem muito
critério que garanta a qualidade estética das obras. “Grandes poetas
brasileiros não têm versões infantis de sua obra, e poetas menores, que não
dominam o verso, que não sabem falar de modo sensível e belo, têm suas
pobres palavras impressas” (p. 66).
Ao discutir a produção de poemas para crianças, a autora aponta
diferentes equívocos da abordagem: alguns pensam que a poesia infantil
tem que ser moralizadora, falar de costumes edificantes, descrever bons
hábitos; outros pensam que a poesia tem que ser bobinha, mimosinha e
outros inhos, que deve contar como a plantinha cresce, como a chuvinha
caindo faz a folhinha ficar grande e forte e outros recursos de infantilização
da linguagem; outros acreditam que devem ser abordados temas patrióticos
e cívicos; há os que pensam que a poesia infantil deve falar de assuntos
piegas: de órfãos abandonados, de escravos gratos, etc, sem considerar
que pieguice gasta e obvia não é emoção verdadeira (ABRAMOVICH, s/d).
Ao discutir qualidade, Lajolo (2001) também faz alusão a essa
precariedade do repertório de textos poéticos destinado ao público
infantil, sendo a questão discutida por autores, críticos e editores, desde os
primeiros anos do século XX. A autora considera que a baixa qualidade das
obras está relacionada à crise de leitura e ao desencontro entre as crianças
e os livros, pois os alunos não gostam de ler textos ruins.
Abaixo, temos um bom exemplo de poema adequado ao público
infantil, por não priorizar a moralização e a pedagogia, mas valorizar a
brincadeira com a linguagem. Esse tipo de poema é interessante para
o trabalho escolar de formação de leitores, por possibilitar o prazer e a
apreciação da ludicidade presente nos textos.

INUTILIDADES
José Paulo Paes

Ninguém coça as costas da cadeira.


Ninguém chupa a manga da camisa.
O piano jamais abana a cauda.
Tem asa, porém a xícara não voa.

De que serve o pé da mesa se não anda?


E a boca da calça se não fala nunca?
Nem sempre o botão está em sua casa.
O dente de alho não morde coisa alguma.

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Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Ah! se trotassem os cavalos do motor ...


Ah! se fosse de circo o macaco do carro ...
Então a menina dos olhos comeria
Até bolo esportivo e bala de revólver.

FONTE:http://sentiminto.blogspot.com/2008/05/inutilidades-jos-paulo-paes.html. Aces-
sado em 10 de janeiro de 2011

Nesse poema, José Paulo Paes produz uma divertida brincadeira,


que questiona a utilidade das coisas. A brincadeira produzida pelo autor
consiste em tomar as expressões metafóricas por literais. Ao falar de “costas
da cadeira”, de “manga da camisa” e outros nomes que são dados às
coisas, o autor lida com essas expressões em seu sentido literal e possibilita
a percepção de que as palavras e expressões apresentam mais de um
sentido. No entanto, o poema não tem a finalidade didática de discutir
a linguagem, mas de brincar com as palavras, de realizar o jogo lúdico e
instigante, capaz de despertar o interesse da criança por poemas.
Abramovich (s/d) considera que a poesia para crianças tem que
ser de primeiríssima qualidade – surpreendente, bem escrita, gostosa,
invertendo a forma usual de se aproximar de alguém ou de alguma coisa.
Por isso, é importante que o professor seja um apreciador de
poemas e possa selecionar obras poéticas em que os autores brincam com
as palavras, de modo criativo e original, cativando as crianças que ouvem,
ou leem esse tipo de texto. Há poetas que lidam com toda uma ludicidade
verbal, sonora e musical, selecionando temáticas e organizando palavras
de forma interessante e capaz de despertar o prazer pela leitura. No
entanto, a seleção de poemas de qualidade não é condição suficiente para
formar leitores, é necessário que as atividades desenvolvidas pela escola
contribuam para ensinar a ler e a gostar de ler.
Na concepção de Lajolo (2001), o trabalho com poemas não
deve privilegiar aspectos de sua constituição formal, fundamentando as
atividades na teoria literária para identificação de rimas, estrofes, versos e
figuras de linguagem, por exemplo. O trabalho com poemas deve centrar-
se no sentido mais amplo, compreendendo que o significado não está no
que o texto diz, mas no modo como diz. Nesse caso, as atividades devem
ser relevantes para a construção do significado do texto. E os exercícios
de análise dos poemas não devem focalizar em elementos exteriores ou
secundários do poema, pois isso torna a leitura uma atividade reprodutora
e repetitiva (LAJOLO, 2001).
Com o poema “inutilidades”, acima transcrito, o mais importante
não é responder questões de interpretação ou fazer a identificação
das figuras de linguagem presentes no texto. O que tem relevância é a

57
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

apreciação literária. O professor poderá fazer o levantamento das expressões


metafóricas que aparecem no poema, não com a finalidade de classificar,
mas de verificar se os alunos sabem o que as metáforas significam. Também
é interessante que os alunos façam uma pesquisa sobre outras expressões
desta mesma categoria, como por exemplo, “boca da noite”, criando com
elas frases divertidas que as tornem literais, como fez José Paulo Paes.
Ao propor o trabalho com poemas é importante considerar a
ludicidade presente na linguagem, de forma que a sala de aula possa se
transformar em espaço de fruição estética da linguagem, de realização de
atividades significativas para o aprendizado prazeroso e o crescimento. As
aulas de leitura não podem se constituir como castigo, em que os alunos
leem textos ou realizam atividades que os distanciam do prazer e do
sabor próprios das letras. E dessa forma, as leituras não contribuem para o
encontro dos alunos com os textos poéticos, não produzindo uma relação
duradoura e fiel com a arte literária.
A sala de aula deve ser espaço para o compartilhamento de
leitura. Assim, é importante que o professor leia para seus alunos, levando-
os a perceber a sonoridade e musicalidade do texto, a brincadeira com a
linguagem que o poeta produz. Ao discutir a questão, Abramovich (s/d, p.
95) fala da importância de se planejar a atividade, pois, se a professora vai
ler o poema para os alunos, “que o conheça bem, que o tenha lido várias
vezes antes, que o tenha sentido, percebido, saboreado”. Somente assim,
a autora entende que se poderá transmitir a emoção verdadeira, o ritmo, a
cadência, a sonoridade e musicalidade dos versos.
Cunha (2007) também destaca a importância de se preparar a
leitura, de conhecer bem o poema para poder fazer uma leitura expressiva
e considerar as marcações rítmicas dos versos. A autora ainda sugere que,
a partir da leitura de poemas, que se realizem desenhos, montagens,
coros falados, criação de novos, como recursos capazes de favorecer a
criatividade das crianças, aguçar sua sensibilidade.
Esses momentos de leitura também podem ser realizados pelos
alunos, que se revezam na leitura em voz alta dos poemas, para afinarem
a sua sensibilidade, percebendo o jogo de palavras, a brincadeira com a
linguagem, o ritmo, as comparações.
Sorrenti considera que uma forma interessante e prazerosa de
se trabalhar com poemas na escola é propor a reescrita: “reescrever um
poema é retomá-lo, é escrevê-lo de novo, apesar de alguns pensarem
tratar-se de simples cópia” (SORRENTI, 2007, p. 87).
Para que você possa compreender melhor esse tipo de trabalho
com textos, leia o poema abaixo, de autoria de Roseana Murray.

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Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Perdi maleta cheia de nuvens


e de flores,
maleta onde eu carregava
todos os meus amores embrulhados
em neblina.
Perdi essa maleta em alguma esquina
de algum sonho
e desde então eu ando tristonho
sem saber onde pôr as mãos.
Se andando pelas ruas
você encontrar a tal maleta,
por favor, me avise em pensamento
que eu largo tudo e vou correndo...

FONTE: MURRAY, Roseana. Classificados Poéticos. São Paulo. Companhia Editora


Nacional. 2004.

Gostou do poema? Ele foi extraído do livro “Classificados Poéticos”,


em que Roseana Murray se inspira no formato tradicional do classificado
do jornal, utilizando palavras comuns dentro deste universo, tais como:
vendo, troco, procuro, alugo, para construir belos poemas.
Agora, leia o poema abaixo e perceba o modo como Sorrenti
(2007) se utiliza da obra de Roseana Murray como elemento de inspiração
para produção de um poema, também utilizando palavras simples, que
fazem parte do cotidiano, também dialogando com o leitor e convidando-o
a interagir com o texto.

Pedacinho de jornal
Para Roseana Murray

Perdi uma sacolinha de plástico


cheia de sonhos, bilhetes,
botões, caquinhos brilhantes,
esperanças, pedrinhas de víspora,
crença em cegonhas
e em Papai Noel.
se alguém achar ou souber seu paradeiro,
por favor, me mande um recado
que eu pego minhas botas de sete léguas
e vou buscar...

SORRENTI, Neusa. O gatinho que cantava. São Paulo: Lê, p. 23

59
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Como se percebe, a estrutura e o conteúdo do poema revela um


claro diálogo intertextual estabelecido por Neusa Sorrenti e não há nisso
nenhuma intenção de plagiar a autora ou copiar seu poema. Ao contrario,
Sorrenti também se apresenta como autora, produz um outro poema e o
dedica a Roseana Murray. E esta é uma estratégia para se propor a escrita
de poema na escola, pois os alunos podem se inspirar em seus poetas
favoritos para também exercitarem sua atividade de escrita.
Na escola, é ainda importante que, ao ler um poema, os alunos
sejam estimulados a perceber que, por sua estruturação, esse tipo de texto
possui um ritmo de leitura distinto do da prosa. Por isso, ao trabalhar com
versos e estrofes, o mais relevante não é a sua identificação ou a classificação,
mas a percepção de que essa forma de organização da linguagem torna
o poema um texto distinto da prosa, e lhe confere um ritmo de leitura
diferenciado. Ao se explorar as rimas é importante que os alunos percebam
que as repetições sonoras produzem a musicalidade do texto.

2.8.2.4 Histórias em Quadrinhos

As histórias em quadrinho oferecem campo amplo de possibilidades


de trabalho, por isso, o professor precisa conhecer suas características, seus
recursos expressivos, a linguagem utilizada na construção das narrativas.
Ao propor a discussão relativa à leitura de histórias em quadrinhos,
O mangá é uma palavra Paz (2001) afirma que, do ponto de vista sociológico esse é um tipo textual
japonesa que significa Histórias que ainda sofre certo déficit de legitimidade. Conforme indica o autor,
em Quadrinhos. No Brasil, a
expressão designa as histórias esse é um meio narrativo que serve para contar histórias, mas o faz de
em quadrinhos feitas no forma peculiar, usando códigos e linguagem específica, recursos icônicos e
estilo japonês. O principal
responsável pelo estilo japonês verbais, que não estão justapostos, mas integrados nas vinhetas. Para o autor,
de fazer quadrinhos foi Osamu são três tipos de publicação no mercado: 1) os cadernos: uma publicação
Tezuka, um médico que
dedicou sua vida às HQs e periódica, com personagens fixos, em que quase todos são de humor ou
animações, sendo considerado de aventura, sendo que em meados dos anos de 1980 ocorreu a invasão
o "pai" dos mangás modernos.
Tezuka criou os olhos dos mangás japoneses; 2) as revistas: com formato maior e preço mais
gigantescos dos personagens, elevado; 3) os álbuns: produzidos por um só autor, os álbuns apresentam
o traço conciso e a narrativa
dinâmica, que são elementos uma só história ou um conjunto de histórias com nexo comum. Paz (2001)
característicos dos quadrinhos avalia que os quadrinhos de melhor qualidade estão se refugiando nos
japoneses.
álbuns, mas, assim como no cinema e na televisão, os produtos banais é
que encontram maior espaço nas bancas.
Paz (2001) considera que mudou muito a oferta editorial, sendo
que as pesquisas indicam que a infância e a adolescência respondem
positivamente aos quadrinhos. Em pleno apogeu das imagens televisivas e
do videogame, o autor considera surpreendente a atração que os quadrinhos
exercem sobre os leitores jovens, especialmente se considerarmos que
os exemplares a disposição desse público não são nenhum modelo
de qualidade. Esse é o caso dos mangás japoneses, em que há maior

60
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

simplicidade narrativa, os argumentos são banais e marcados pela violência


e o fetichismo sexual.
Nessa discussão, Paz (2001) destaca que já ficou para traz os tempos
escuros em que era necessário explicar o status honroso dos quadrinhos,
sendo que o seu processo de legitimação cultural já está quase consolidado.
No entanto, ainda há rejeição, baseada num leque de preconceitos muito
firmes. Alguns desses preconceitos têm os quadrinhos como subproduto da
cultura de massas – vistos como revista com histórias banais, contadas de
forma simples e superficial. Os adultos veem as bancas repletas de super-
heróis agressivos e violentos, de heroínas que sofrem contínuos acessos de
calor, de adolescentes japoneses com interesse obsessivo por roupa íntima.
(PAZ, 2001).
No entanto, dada presença de histórias em quadrinhos de baixa
qualidade, é importante que o professor e a escola se perguntem sobre
qual deve ser o enfoque adequado ao trabalho com esse gênero textual,
de forma que assuma a função educativa e contribua com a formação de
leitores. Na concepção de Paz (2001), quando se trata de cinema, livros,
TV, a postura dos professores deve ser a de abrir a escola e a sala de aula
aos diversos meios de comunicação, reconhecendo a importância social e
abandonando a postura de avestruz. No entanto, ao aceitar a necessidade
de introduzir os quadrinhos na sala de aula é preciso definir a melhor
forma de fazê-lo. Isso significa que os alunos devem: ler quadrinhos de
boa qualidade, analisar sua linguagem e reconhecer conteúdos ideológicos
presentes.
Para isso, ao propor sua leitura na escola, é preciso selecionar os
tipos a serem lidos, de forma que, além de divertir, os alunos também
possam realizar análise formal e ideológica dos produtos disponíveis,
aprendendo a distinguir os quadrinhos de boa qualidade.
Paz (2001) entende que ler e fazer quadrinhos são processos
complementares: os alunos se apropriam dos códigos formais e narrativos
próprios das histórias e podem utilizá-los transformando-se em autores de
quadrinhos. A realização de quadrinhos permite utilizar os recursos formais
ou narrativos analisados, sendo sua elaboração um trabalho complexo,
que deve finalizar com a publicação dos trabalhos dos alunos em revistas
escolares, que circulem no espaço escolar.
Caro(a) estudante, esperamos que essa unidade de
estudo tenha contribuído para a ampliação se seus conhecimentos sobre
leitura e que as discussões que realizamos tenha favorecido condições para
sua atuação docente. Esperamos que tenha compreendido que o lugar do
professor é o de mediador entre os alunos e o amplo universo da cultura
escrita, que a cada dia se renova e exige novas competências leitoras.
Nesse contexto, também se amplia a responsabilidade de escola
em oportunizar aos alunos o acesso a diferentes gêneros textuais. Nessa

61
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

unidade, abordamos alguns desses gêneros, cuja leitura precisa ser ensinada
na escola. Também focalizamos a leitura como processo interativo entre
autor-texto-leitor e apresentamos a leitura como uma face dos textos
escritos. A outra face é a escrita, que abordaremos na próxima unidade
de estudo, em que discutiremos outros gêneros textuais que podem ser
constituir como objetos de leitura e de escrita pelos alunos.

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São


Paulo: Scipione, s/d.

ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de. Mudanças didáticas


e pedagógicas no ensino da língua portuguesa: apropriações de
professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

ALVES, Rubem. Será que a leitura dos jornais nos torna estúpidos?
http://www.rubemalves.com.br/seraquealeituradosjornaisnostornaestup

idos.htm, acessado em 10 de outubro de 2010.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz


e Terra, 8 ed, 1980.

BRASIL/MEC. Parâmetros curriculares nacionais – língua portuguesa.


Brasília: MEC/Secretaria de Ensino Fundamental, 1997.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione,


1997.187p.

CASHDAN, Sheldon. Os 7 pecados capitais nos contos de fadas: como


os contos de fadas influenciam nossas vidas. Rio de Janeiro: Campus,
2000.

CHARTIER, Anne-Marie; CLESSE, Christiane e HEBRARD, Jean. Ler e


escrever: entrando no mundo da escrita. Porto Alegre: Artmed, 1996.

COOK-GUMPERZ, Jenny. Alfabetização e escolarização: uma equação


imutável? In: COOK-GUMPERZ, Jenny (org.). A construção social da
alfabetização. Porto Alegre: Artmed. 1991. p. 27-57

COSCARELLI, Carla. Livro de receitas do professor de português:


atividades para a sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura infantil: teoria e prática.


São Paulo: Ática, 16 ed. 1997.

62
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

DENNY, J. Peter. O pensamento racional na cultura oral e a


descontextualização da cultura escrita. In: OLSON, David R. e TORRANCE,
Nancy. Cultura escrita e oralidade. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1997, p. 75-99.

ENGUITA, Mariano F. O magistério numa sociedade em mudança. In.


VEIGA, Ilma Passos Alencastro et al (orgs). Caminhos da profissionalização
do magistério. Campinas/SP: Papirus, 1998, p.11-26.

FARIA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. São
Paulo: Contexto, 2008.

GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de


português In: GERALDI, João Wanderley. (org). O texto na sala de aula. 3
ed. São Paulo: Ática, 2003.

GRAFF, Harvey J. Os labirintos da alfabetizacão: reflexoes sobre o


passado e o presente da alfabetizacão. Porto Alegre: Artmed, 1997.

JOLIBERT, Josette e SRAIKI. Caminhos para aprender a ler e escrever. São


Paulo: Contexto, 2008.

KOCH, Ingedore Vilaça e ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os


sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 3 ed, 2009.

KLEIMAN, Ângela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização


na escola. In: KLEIMAN, Ângela B (org). Os significados do letramento:
uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. São Paulo:
Mercado de Letras, 1995,p. 15-61.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São


Paulo: Ática, 6 ed, 2001.

LEAL, Leiva de Figueiredo Viana. A formação do leitor de jornal:


uma perspectiva metodológica. In: Revista presença pedagógica.
Belo Horizonte: Dimensão. V.2.n 9, mai/jun, 1996, p. 26-33

LIBERATO, Iara Goulart. Perguntas de “compreensão” e “interpretação” e o


aprendizado da leitura. In: EVANGELISTA, Aracy; BRANDÃO, Eliana Maria
Brina (orgs). A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e
juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999, p.223-234.

MARCUSCHI, Luis Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade.


In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Ana Rachel; BEZERRA, Maria
Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna,
2002.

LIBERATO, Yara; FULGÊNCIO, Lúcia. É possível facilitar a leitura: um guia


para escrever claro. In: PERINI, Mário. A. Efeito do gênero textual, 2007,
p. 150-158

63
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

PAZ, Agustin Fernandez. É um livro? Um filme? São quadrinhos. In: PEREZ,


Francisco Carvajal & GARCIA, Joaquim Ramos (orgs). Ensinar ou aprender
a ler e escrever? Porto Alegre: Artmed, 2001.p.171-178.

REZENDE, Fernando. O jornal na escola: contando histórias do cotidiano.


In: Revista presença pedagógica. Belo Horizonte: Dimensão. V.2.n 9,
mai/jun, 1996, p. 16-25.

RIBEIRO, Vera Masagão. Por mais e melhores leitores: uma introdução.


In: RIBEIRO, Vera Masagão (org). Letramento no Brasil. 2 ed, São Paulo:
Global. 2004, p.9-32.

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São


Paulo: Parábola Editorial, 2009.

SOARES, Magda Becker. Letramento: um tema em três gêneros. Belo


Horizonte: Autêntica, 1998.

SOARES, Magda Becker. Letramento e alfabetização. Belo Horizonte:


Autêntica, 2004.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SORRENTI, Neusa. A poesia vai à escola: reflexões, comentários e dicas de


atividades. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

TOLCHINSKY, Liliana. Ler e escrever na diversidade. In: PEREZ, Francisco


Carvajal & GARCIA, Joaquim Ramos (orgs). Ensinar ou aprender a ler e
escrever? Porto Alegre: Artmed, 2001, p.137-144.

64
UNIDADE 3
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

A PRODUÇÃO ESCRITA COMO PRÁTICA NA SALA DE AULA

Introdução

Caro(a) estudante, estamos iniciando a terceira unidade desse


caderno e, para tal, precisamos lembrar-lhe que nesta unidade oferecemos
a oportunidade de compreender a produção escrita como interação
entre sujeitos sociais e entender o texto como objeto de estudo e análise
linguística.
Desta forma, convidamo-lo(a) a enveredar neste estudo sobre o
trabalho de produção de texto como forma de melhorar a qualidade do
ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa na realidade da sala de aula.
Neste contexto, nosso estudo tem como objetivos:
• Analisar a escrita como interação entre sujeitos sociais, com o
intuito de compreender o seu desenvolvimento na sala de aula, bem como
o seu papel na constituição do sujeito;
• Compreender o fenômeno da produção de textos escritos para
entender suas características como unidade linguística comunicativa básica;
• Analisar a importância da coesão e da coerência como condição
de inteligibilidade do texto;
• Compreender o processo de escrita como produção de sentidos
na aprendizagem dos alunos.
• Analisar os diferentes gêneros textuais, compreender suas
características e produzir textos para um determinado meio social.
O estudo proposto nesta unidade encontra-se organizado da
seguinte forma: primeiro, abordaremos a escrita como interação entre
sujeitos sociais, quando estudaremos a escrita na sala de aula e o seu papel
na constituição do sujeito; segundo, discutiremos o texto como objeto de
estudo e análise linguística, quando estudaremos o papel da coerência e
coesão na compreensão do texto; terceiro, discutiremos o processo de
aquisição do texto escrito; quarto, apresentamos alguns textos e portadores
de textos, como os literários, os jornalísticos, os de informação científica,
os instrucionais, os humorísticos e os textos publicitários; quinto, e por fim,
trataremos da intertextualidade.

3.1 A ESCRITA COMO INTERAÇÃO ENTRE SUJEITOS SOCIAIS

Caro(a) estudante, a escrita é uma atividade tão interativa, tão


dialógica, dinâmica e negociável quanto a fala.
Para Antunes, “uma visão interacionista da escrita supõe encontro,
parceria, envolvimento entre sujeitos, para que aconteça a comunhão das
ideias, das informações e das intenções pretendidas” (ANTUNES, p. 45)

65
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Assim, podemos supor que numa situação de escrita alguém


seleciona alguma coisa que será dita a outra pessoa, com quem pretende
interagir, em vista de algum objetivo. E que devemos saber que o sujeito
que escreve o faz para outros sujeitos, apesar de não exigir a presença
do interlocutor na hora da produção do texto. Então, quem escreve está
em interação com outra pessoa. Essa outra pessoa é o parâmetro do que
devemos dizer, do quanto dizer e de como fazê-lo.
Geraldi afirma que “é próprio da linguagem seu caráter
interlocutivo. A língua é o meio privilegiado de interação entre os homens
e, em todas as circunstâncias em que fala ou escreve há um interlocutor”
(GERALDI, 2003, p.110).
Você deve lembrar que o interlocutor não é algo neutro, sem valor.
Ao contrário, está sempre interferindo no discurso do locutor. A ausência do
interlocutor na situação de produção de texto pode apresentar dificuldades
em relação à coesão e coerência.
Geraldi (2003) e Antunes (2003) descrevem sobre a dificuldade
dos alunos ao produzirem seus textos. Pois, nas práticas mais tradicionais de
produção de textos, estes escrevem sem identificar os interlocutores, sem
saber para quem escrevem. É uma tarefa ineficaz, pois falta a referência do
Você tem o hábito de outro, a quem todo texto deve adequar-se.
escrever? Que tanto escreve Ao discutir a necessidade da clara definição de um interlocutor
diariamente? O que escreve?
Para quem escreve? para a escrita, Bakhtin (1995) citado por Antunes (2003, p.47), afirma que:

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é de-


terminada tanto pelo fato de que procede de alguém como
pelo fato de que se dirige para alguém. (...) A palavra é uma
espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela
se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se
sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do
locutor e do interlocutor (Bakhtin, 1995 citado por ANTU-
NES, 2003, p.47).

Assim, concordamos com Antunes ao afirmar que “professor não


Para aperfeiçoar
conhecimentos sobre a pode, sob nenhum pretexto, insistir na prática de uma escrita escolar sem
escrita como interação entre leitor, sem destinatário; sem referência, portanto, para se decidir sobre o
sujeitos leia BAKHTIN,
Mikhail. Marxismo e Filosofia que vai ser escrito” (ANTUNES, 2003, p.47).
da Linguagem. São Paulo:
Hucitec, 1999.
Se compreendida pela lógica da interação, a produção
de textos na escola passa a ser desenvolvida como prática
social e não apenas uma atividade escolar desprovida de
objetivos e significados para os alunos. Isso significa dizer
que escrever é uma atividade que precisa ser organizada a
partir de situações didáticas que contribuam para o desen-
volvimento de competências e habilidades de escrita ade-
quada aos objetivos sociocomunicativos, aos interlocutores
e às situações de interlocução e interação. Essa forma de
compreender indica que a escrita precisa ser considerada

66
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

como prática social e inserir-se na escola como habilidade


de letramento, em que os alunos não apenas aprendem a
ler e escrever para fazerem frente às demandas que a socie-
dade lhes apresenta.

Nesse sentido, destacamos a importância do planejamento de aulas,


de forma que os professores não apenas mandem escrever, mas ensinem
como se escreve. Costa Val e Marcuschi (2005) consideram que proposta
de trabalho não orientada para os usos da escrita gera uma aprendizagem
cumulativa e não dialógica, que se caracteriza como redações endógenas,
ou seja, redações que se limitam ao espaço da sala de aula, desconsideram a
função social da escrita e as condições sociais de circulação dos textos, que
possuem um único interlocutor, que é o professor. Assim, o aluno somente
escreve sua redação pensando em agradar o professor e principalmente em
tirar boa nota. O professor por outro lado assume uma postura de “leitor-
avaliador” e não a de “leitor-interlocutor”.
Nessa direção, Marcuschi (2002) considera que a definição de um
gênero textual pelo qual se vai escrever é um processo importante, posto
que os gêneros textuais constituem-se como um fenômeno diretamente
relacionado às práticas sociais. Os gêneros textuais

surgem emparelhados às sociedades e atividades sócio-cul-


turais, bem como na relação com inovações tecnológicas, o
que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade
de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades
anteriores à escrita (MARCUSCHI, 2002, p.19).

Por essa visão, cabe à escola produzir situações didáticas que


favoreçam essa aprendizagem, de forma que os alunos não escrevam
apenas como um mero exercício escolar, mas como atividade significativa
e orientada por um objetivo e uma função social do texto. Por isso, os
alunos precisam planejar sua escrita, se preocupar com a legibilidade, a
objetividade e clareza dos textos, que devem ser escritos em função de
sua circulação social e dos possíveis leitores; também procurando ajustar a
escrita ao gênero textual mais adequado à situação de interlocução.
Em relação à atividade de escrita, o PCN da língua portuguesa
(BRASIL/MEC, 2001), indica ser importante que os alunos desenvolvam
habilidades para: redigir diferentes tipos de textos coesos e coerentes;
realizar escolhas léxicas, sintáticas, figurativas e ilustrativas, ajustando-as
as circunstâncias, formalidade e propósitos que orientam a atividade de
produção. O PCN ainda considera que os alunos precisam aprender a
utilizar diferentes padrões de escrita, ajustando sua produção em função

67
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

do gênero textual e das condições de produção; sendo ainda fundamental


analisar o que foi escrito, revisar e refazer os próprios textos.
Nesse sentido, os professores precisam identificar os fatores que
dificultam a atividade de escrita dos alunos, construindo estratégias e
recursos didáticos adequados no espaço escolar. Os professores precisam
orientar a prática da escrita, desenvolvendo atividades prévias e de
preparação para a produção, também realizando atividades posteriores ao
ato de escrever, de forma que os alunos possam revisar a sua escrita e
melhor ajustá-la aos objetivos pretendidos, não tornando o ato de escrever
apenas como culminância da aula.
Em outras palavras, para que o aluno produza textos mais
interativos, é necessário que o professor, que ensina, elabore propostas
coerentes, que respeite o conhecimento do aluno.

3.1.1 A Escrita na Sala de Aula

Iniciaremos este tópico questionando: o que se escreve na escola?


O que fica de fora? Os professores conseguem aproximar a escrita como
um trabalho educacional contínuo, motivado e motivador?

Figura 13: Elaboração de plano de trabalho.


Fonte: webradiobrasilindigena.wordpress.com. 2009. Acessado em 11 de outubro
de 2010.

Atualmente as escolas encontram muita dificuldade em trabalhar a


escrita. Como afirmam, Citelli e Geraldi (2004),

a escola tem a tendência de burocratizá-la, enrijecendo-a


nos rituais que tradicionalmente a domesticam: a cópia, o
ditado, a redação como atividade isolada ou quando mui-
to, produto final de um processo deslanchado pela leitura
(GERALDI e CITELLI, 2004, p.10).

68
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Essa constatação é confirmada pelos estudos realizados por Leal e


Morais (2006), quando apontam que se ensina na escola, desde as primeiras
aprendizagens, que o texto escrito é um objeto fechado em si mesmo.
Geraldi e Citelli (2004) observaram que a escrita produzida pelos
alunos,

na grande maioria, não passa de repostas predetermi-


nadas pelos conteúdos sistematizados, quer pelos li-
vros didáticos, quer pelos professores, conteúdos es-
tes que funcionam como eixo diretivo em sala de
aula, estabelecendo implícita ou explicitamente o que
deve ser registrado (GERALDI e CITELLI, 2004, p. 35).

Como você deve saber, os professores têm procurado inovar os


processos pedagógicos desenvolvidos na sala de aula, mas ainda é comum
que as aulas sejam processadas sem levar em conta as novas idéias, que
podem ser incorporadas ao conteúdo predeterminado pela instituição,
sistematizando o conhecimento para que possa ser reelaborado, permitindo
sua ampliação e o seu aprofundamento.
Para ilustrar essa situação de produção, em que os alunos
escrevem apenas para cumpriu uma obrigação escolar, para mostrarem
que aprenderam um determinado conteúdo trabalhado em sala de aula,
apresentamos abaixo uma piadinha do Menino Maluquinho.

A professora se zanga com o Maluquinho:


- Explique-se, Maluquinho. Todos os seus colegas fizeram uma
redação de mais de trinta linhas sobre o leite. Você só escreveu cinco
linhas...
E o Maluquinho:
- É que eu escrevi sobre o leite condensado, professora.

Fonte: (ZIRALDO, 2004, p. 88)

É claro que a piadinha, como gênero ficcional, não descreve uma situação
real de sala de aula, mas revela facetas dessa realidade, em que os alunos
escrevem sem objetivo definido, sem clareza acerca do gênero textual, sem
interlocutor para sua escrita. Esse é um tipo de atividade que serve apenas
como tarefa escolar, da qual os alunos procuram criar estratégias para se
livrar. Nessa mesma linha de trabalho tradicional e descontextualizado era
comum que a professora apresentasse uma gravura – normalmente uma
paisagem, um animal ou situação do cotidiano – e pedisse uma descrição

69
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

ou que os alunos inventassem uma história. No início do ano, todos os


alunos já sabiam que teriam que escrever sobre “As minhas férias”, no
dia das mães, dos pais, na primavera e em outras datas comemorativas
sempre ocorria o mesmo – o aluno escrevia uma redação sobre o tema. A
lembrança que os alunos têm dessas atividades de produção de texto é que
a escola não levava em consideração questões importante como: onde e
quando o texto é produzido, por quem, para quem e com que finalidades.
É claro que a piadinha, como gênero ficcional, não descreve uma
situação real de sala de aula, mas revela facetas dessa realidade, em que
os alunos escrevem sem objetivo definido, sem clareza acerca do gênero
textual, sem interlocutor para sua escrita. Esse é um tipo de atividade
que serve apenas como tarefa escolar, da qual os alunos procuram criar
estratégias para se livrar. Nessa mesma linha de trabalho tradicional e
descontextualizado era comum que a professora apresentasse uma gravura
– normalmente uma paisagem, um animal ou situação do cotidiano – e
pedisse uma descrição ou que os alunos inventassem uma história. No
início do ano, todos os alunos já sabiam que teriam que escrever sobre
“As minhas férias”, no dia das mães, dos pais, na primavera e em outras
Sugerimos que leia o livro datas comemorativas sempre ocorria o mesmo – o aluno escrevia uma
Minhas férias, pula um linha, redação sobre o tema. A lembrança que os alunos têm dessas atividades
parágrafo, de Christiane Gribel.
È a história de um garoto, o de produção de texto é que a escola não levava em consideração questões
Guilherme, que no primeiro importante como: onde e quando o texto é produzido, por quem, para
dia de aula de volta às aulas se
vê diante do castigo: fazer uma quem e com que finalidades.
redação de 30 linhas falando
sobre as férias. É um livro
muito divertido, que aborda a
questão da escrita escolar pela
perspectiva do aluno, posto
que todo o prazer vivido pelo
personagem Guilherme se
transforme em tortura. Leia o
livro! Você vai gostar muito!

Figura 14: Capa do Livro de Christiane Gribel


Fonte: http://thathiferreira.blogspot.com/2009/07/minhas-
-ferias-pula-uma-linha-paragrafo.html, 2010.Acessado em
15 de outubro de 2010.

Propostas de produção de texto nesta linha não favorecem


a formação. E ainda é possível encontrar como prática de sala de aula
atividades de produção de texto sem um trabalho prévio, sem nenhuma
razão aparente. São textos avulsos, soltos, sem vinculação com as atividades

70
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

desenvolvidas no processo de aprendizagem. Geralmente estes textos não


voltam para as mãos dos alunos que os produziram.
Mas, sabemos que existem nas escolas diferentes práticas com a
produção de texto. O professor trabalha com produções com atividade
prévia, a partir da necessidade de se registrar um trabalho como discussão,
pesquisa e trabalho em grupo desenvolvidos na sala de aula. Como
também, com o objetivo de finalizar um trabalho proposto. Este tipo de
atividade pode ser interessante e necessária na sala de aula, mas corre o
risco de entediar o aluno, que pode associar a tarefa de produzir um texto
como uma obrigação e não como registro do trabalho desenvolvido.
Sercundes (2004), ao pesquisar a escrita escolar, aponta a presença
de três tipos básicos de propostas desenvolvidas pelos professores. A
primeira, um tipo de trabalho bastante comum, foi a realização de “escrita
com atividades prévias”, como leitura de um texto, excursão, debate
acerca de um vídeo ou documentário assistido, visando à tarefa de escrita
dos alunos. Sercundes (2004) classifica esse tipo de metodologia didática
de “escrita como consequência”. Isso porque, no contexto da sala de aula,
a realização de uma atividade se constituía como pretexto para o aluno
escrever. A autora considera que, apesar de favorecer a abordagem do
tema e a construção do conteúdo a ser abordado, as atividades de escrita
organizadas por essa lógica não permitem que os alunos tenham tempo
para aprofundar conhecimentos e amadurecer as ideias, sendo que a
produção escrita encerra o trabalho com o tema em questão.
A segunda abordagem apontada pela autora refere-se a “escrita
como trabalho” – é um tipo de proposta em que o professor não sugere
a realização de nenhuma atividade prévia, que possa orientar e contribuir
para que os alunos escrevam. De modo geral é apresentado um título
ou tema, sobre o qual se espera que os alunos tenham conhecimentos e
informações que lhes permitam escrever. Você se lembra dos anos
iniciais de seu processo de
E a terceira refere-se “a escrita como trabalho” – esta atividade escolarização? Você gostava
de escrever na escola? Como
inscreve-se em um processo continuado de estudo de uma determinada era atividade de escrita nesse
questão, sendo que o ato de escrever não se constitui como culminância, período? As professoras se
preocupavam em propor
mas como parte de um projeto de trabalho, podendo gerar a necessidade atividades prévias de
de escrita de novos textos. Nessa abordagem, por possuir uma função orientação e preparação para
a escrita? Que tipo de textos
social e apresentar-se como uma necessidade dos alunos, que percebem você escrevia?
sua finalidade, a escrita não se circunscreve ao espaço da sala de aula.
É possível que, ao retomar a infância e o seu processo de
escolarização você se depare com lembranças não muito interessantes, em
que escrevia apenas para cumprir uma tarefa escolar, sem motivação ou
interesse, sem perceber a finalidade da escrita. Era comum o professor
solicitar que os alunos escrevessem 15 linhas sobre determinado assunto,
sem nenhuma atividade prévia ou orientação que contribuísse para
o processo de produção. Veja abaixo mais uma piadinha do Menino
Maluquinho.

71
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

O dever era escrever uma redação com trinta palavras.


Bocão foi o que entregou mais depressa.
Era assim a redação dele:
“Dona Maria tinha um gatinho. Quando ela queria chamar
o gatinho, falava assim: ‘Bichim, bichim, bichim, bichim,
bichim, bichim, bichim, bichim, bichim, bichim, bichim,
bichim, bichim, bichim, bichim, bichim, bichim, bichim,
bichim, bichim, bichim, bichim, bichim, bichim, bichim,
bichim, bichim’”. (ZIRALDO, 2004, p. 89).

Como você pode perceber, quando a proposta de escrita não tem


um significado ou uma verdadeira intencionalidade, o aluno pode utilizar
estratégias para driblar o professor, porque não percebe a sua finalidade.
O ato de escrever é complexo e exige que o professor oriente seus
alunos, no sentido de propor atividades que se aproximem das situações
concretas de uso social da escrita, de forma a conferir sentido para a
produção de textos. Espera-se que as escolas assumam a tarefa de ensinar
a produzir textos, para que os alunos construam habilidades de escrever
uma grande diversidade de gêneros, como cartas, bilhetes, histórias,
cartão, convite, notícias, relatórios, etc, sempre pensando nos usos sociais
da escrita.
Contudo, é importante compreender que os usos da leitura e da
escrita não são os mesmos no interior da escola e no contexto real de vida
das pessoas. Conforme Soares (2004, p. 100) se faz necessária a distinção
entre dois tipos básicos de letramento:

(...) o letramento escolar – as habilidades de leitura e de es-


crita desenvolvidas na e pela escola – e o letramento social
– as habilidades demandadas pelas práticas de letramento
que circulam na sociedade” (itálicos no original).

Isso porque, a autora considera que, mesmo quando a escola se


propõe a trabalhar os usos sociais da leitura e a escrita, as práticas daí
resultantes não se equivalem ao uso dessas habilidades leitoras nas situações
reais, em que estão imersos os sujeitos.
Por essa distinção, a atividade de produção de texto deve inserir-
se na escola como parte do letramento, em que os alunos não apenas
aprendem a ler e a escrever, mas desenvolvam habilidades de uso social
da leitura e da escrita. Por isso, mesmo não se equivalendo às situações
reais, a atividade de escrita deve remeter-se para os usos concretos das

72
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

habilidades letradas, não limitando a escrita ao processo de sua produção,


mas também se ocupando de sua circulação social e dos possíveis leitores,
de seus objetivos e finalidades.
Destacamos aqui, a proposta de atividade de produção de texto
integrado ao processo de aprendizagem, num movimento contínuo de
construção do conhecimento. Esta abordagem tem intuito de articular
as necessidades reais de comunicação dos alunos com a construção do
conhecimento. Por essa visão, a proposta de escrita surge a partir de ideias
concretas como escrever uma carta, um ofício, um convite etc. Nesta
proposta os alunos encontram uma situação real de interação, pois têm
o que, uma razão, e a quem escrever, e ainda um locutor que planeja as
estratégias para realizar a sua escrita.
Para Antunes “a realidade de nossas salas de aula mostra exatamente
o contrário, pois a falta de esforço, a improvisação e a pressa com que
nossos alunos escrevem parecem indicar que lhes sobra competência e
arte” (ANTUNES, 2003, p.57).
Assim, compreendemos Antunes (2003) quando afirma que
produzir um texto escrito não é uma tarefa que implica apenas o ato
de escrever, mas várias etapas, que cumprem uma função específica. A
condição final do texto vai depender de como se respeitou cada uma das
etapas e considerou as funções da escrita.

a) Primeira Etapa: Planejamento

• delimitar o tema do texto e aquilo que lhe dará unidade;


• eleger os objetivos;
• escolher o gênero;
• delimitar os critérios de ordenação das ideias, prever como a
informação será distribuída ao longo do texto, isto é, por onde vai começar,
que sequência vai adotar, como se vão dividir os tópicos em subtópicos e
em que ordem eles vão aparecer.
• prever as condições de seus leitores e a forma linguística (mais
formal ou menos formal) que o texto deve assumir.

b) Segunda Etapa: Escrita

• Registrar o que foi planejado e dar forma ao que foi projetado. É


quando o escritor toma as decisões de ordem lexical (a escolha das palavras)
e de ordem sintático-semântica (a escolha das estruturas das frases), em
conformidade com o que foi planejado, com as condições concretas da
condição de comunicação. Sempre atento, sempre em estado de reflexão,
para garantir sentido, coerência e relevância.

73
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

c) Terceira Etapa: Revisão e Reescrita

• Corresponde ao momento de análise do que foi escrito, para


aquele que escreve confirmar se os objetivos foram cumpridos, se conseguiu
concentrar o tema, se há coerência e clareza no desenvolvimento das ideias,
se há encadeamento entre os vários segmentos do texto, se há fidelidade às
normas da sintaxe e da semântica.
Os alunos encontram nas Nessas atividades tradicionais de escrita escolar os professores são
escolas, condições reais para
a realização da produção de os únicos leitores da escrita dos alunos, sendo possível perceber a ausência
texto. Ele tem a oportunidade de um “leitor público” ou “leitor externo”. Ou seja, ao propor a atividade
de planejar e rever os textos
escritos? O limite escasso de de escrita não há, por parte dos professores, uma preocupação com o
tempo, a falta de objetivos e destinatário real para a produção escrita dos alunos ou com o contexto
de planejamento prévio e a
falta de revisão são problemas social de circulação do texto. Conforme Costa Val e Marcuschi (2005), a
já superados nas nossas existência de um “leitor público externo” é um fator importante para a
escolas?
atividade de escrita no contexto escolar, por permitir a circulação dos textos
para além da sala de aula e do círculo de alunos. A presença de leitores
concretos para a produção escrita em sala de aula também favorece que os
textos cumpram uma função social e sejam avaliados por essa perspectiva.
Para as autoras, a ampliação do circuito de circulação dos textos, que inclua
leitores reais e não limita ao professor, permite que a produção escrita dos
alunos se insira em um circuito sócio-interacional efetivo. Isso porque o
“leitor público” ou “leitor externo” não é um leitor que lê para avaliar a
produção escrita, mas é:

[...] aquele leitor que não está interessado em aperfeiçoar


o texto, em saber, por exemplo, se uma determinada pro-
paganda, ou um artigo, ou uma reportagem preenche as
características do gênero propaganda, ou artigo, ou reporta-
gem, mas que, tendo em vista os efeitos de sentido provo-
cados pelo texto, seu próprio interesse como usuário, entre
outros fatores, era comprar ou não o produto anunciado,
concordar ou não com as posições defendidas, interessar-se
ou não pelos fatos relatados. (COSTA VAL e MARCUSCHI,
2005, p. 245 – grifos das autoras)

Ao discutir a prática de escrita escolar, Geraldi (2003) também


destaca a relevância da leitura dos textos dos alunos por outros leitores
e não apenas pelo professor que solicitou a produção e que assume o
lugar daquele que avalia. Por isso, o autor considera que há necessidade
de mudanças nas atividades propostas pelos professores. Para o autor, a
produção de textos na escola escapa ao sentido de uso da língua, pois
a situação de emprego da língua é artificial e os alunos escrevem para o
professor, único leitor desse tipo de produção escolar. Ou seja, essa prática
caracterizada pela ausência de um interlocutor produz o desinteresse dos
alunos pela escrita. “Afinal, qual é a graça em escrever um texto que não

74
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

será lido por ninguém ou que será lido apenas por uma pessoa (que por
sinal corrigirá o texto e dará nota para ele)?” (GERALDI, 2003, p. 65).
Nessa mesma direção, Britto (1999, p. 119) considera que a
maioria dos trabalhos que discute a escrita escolar não toque na questão
da interlocução ou aborde a ausência de um interlocutor para os textos dos
alunos, identificando aí uma das maiores dificuldades dos estudantes, que
precisam “falar para ninguém” ou “não saber a quem se fala”. Contudo,
para o autor, “parece não ser a ausência do interlocutor, mas exatamente
a forte presença de sua imagem que representa a dificuldade”. Ou seja,
os alunos compreendem que o interlocutor professor não é um leitor
qualquer, mas um leitor que avalia, atribui nota, classifica.
Na escola, a escrita não é uma prática social e o único sentido
que os alunos têm para escrever é a ideia de realizar uma tarefa escolar,
que se apresenta como atividade que será avaliada pelo professor. É
interessante perceber que, nas abordagens tradicionais de ensino, as
estratégias utilizadas pelos professores são bastante típicas e ilustrativas de
um modo de organização que tem o controle dos alunos e a avaliação de
sua aprendizagem como eixo da aula.
Sobre a necessidade de controle e avaliação, pesquisa realizada
por Batista (1997) indica uma correlação positiva entre o objeto de ensino
privilegiado na aula de Português e o grau em que esse objeto é passível
de ser ensinado de forma sistemática. Ou seja, para constituir-se em objeto
de ensino, é necessário que o conteúdo possa ser explicitamente exposto
e desenvolvido em sala de aula, por meio de exercícios. É preciso ainda
que, ao longo do período escolar, esse conteúdo possa ser explicitamente
sintetizado, retomado e avaliado pelo professor. Conforme o autor, ao
professor cabe fazer funcionar o ensino, gerenciando-o e adaptando-o aos
alunos e suas condições. “Ou seja, cabe a ele avaliar e corrigir o aprendizado
dos alunos” (BATISTA, 1997, p. 96 – grifos do autor).
Ao discutir o ensino da escrita na escola, Geraldi (2003) considera
que qualquer proposta metodológica deva se constituir como articulação
de uma concepção de mundo e de educação com uma concepção
epistemológica do objeto de reflexão. No trabalho com a escrita em
sala de aula são necessárias mudanças significativas. E, na concepção do
autor, “o primeiro deslocamento a fazer, de um lado, é o da função-aluno
que escreve e, e de outro, o próprio ato de produção escolar de textos”
(GERALDI, 2003, p. 128). Por isso, o autor considera que os professores
precisam apresentar-se como interlocutores, que respeitam a palavra dos
alunos e agem como reais parceiros no trabalho de escrita: concordando,
discordando, acrescentando, questionando, perguntando, etc. O papel de
mediador do professor é uma tarefa bem diferente do ensinar a escrever pela
lógica do controle e da avaliação, pois implica em orientar, acompanhar,
diagnosticar dificuldades, estabelecer diálogo e interação com o grupo de
alunos.

75
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

3.1.2 O Papel da Escrita na Constituição do Sujeito

Neste espaço, conversaremos sobre a significação que a escrita


tem para o contexto social ou para os sujeitos que dela fazem uso.
Gomes (2007, p.28) afirma que a escrita apresenta diferentes
contribuições para os diversos contextos sociais nos quais se faz presente,
como também interferem no processo de desenvolvimento mental dos
sujeitos. A autora cita Teberosky (1996), que discute sobre os diversos usos
da escrita e destaca os efeitos produzidos por essa prática ao afirmar que,
“o ato de escrever possui não só funções externas ao sujeito, mas também
o atinge, exercendo a função interna”. E que, ainda ressalta

Quando a mensagem não é somente um


meio, mas assume a qualidade de um objeto, quan-
do os usuários não só interpretam ou repetem a men-
sagem, mas também a produzem ou a contemplam,
então o ato de escrever assume novas funções. Estas
não são funções exteriores, voltadas para o mundo,
mas sim interiores: escrever e escrita melhoram, e o
produtor da escrita se vê afetado por seus próprios
produtos (TEBEROSKY, 1996 citado por GOMES,
2007, p. 28).

Assim, percebemos que a escrita produz a história do sujeito,


interferindo em sua maneira de escrever, de se relacionar com a linguagem
e com o conhecimento em geral.
Foucault (2004), citado por Gomes (2007, p.28), destaca a escrita
como atividade pessoal capaz de revelar a força que exerce no próprio
sujeito:

O papel da escrita é constituir, com tudo o


que a leitura constituiu, um ‘corpo’ [...]. E é preci-
so compreender esse corpo não como um corpo de
doutrina, mas sim [...] como o próprio corpo daquele
que, transcrevendo suas leituras, delas se apropriou e
fez sua verdade delas: a escrita transforma a coisa vis-
ta ou ouvida ‘em força e sangue’ [...]. Ela se torna no
próprio escritor um princípio de ação racional (FOU-
CAULT, 2004, citado por GOMES, 2007, p.152).

Para Gomes, o processo da escrita contribui para a formação da


identidade de quem dela se utiliza. “Por meio da escrita, o sujeito torna-se
capaz de produzir algo novo, ainda não dito” (GOMES, 2007, p.29). Enfim,
a escrita contribui com a formação do próprio sujeito.

76
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Soares (2001) descreve as experiências de alguns escritores


destacando o papel da escrita na sua constituição como sujeito. Como a
escrita serviu de instrumento para falar de si mesmo e para projetar suas
inspirações e angústias nas histórias criadas por eles.

Carlos Drummond de Andrade


Sou uma pessoa que gosta de escrever, que conseguiu talvez
exprimir algumas de suas inquietações, seus problemas
íntimos, que os projetou no papel, fazendo uma espécie de
psicanálise dos pobres, sem divã, sem nada. Mesmo porque
não havia analista no meu tempo, em Minas (ANDRADE,
Entrevista à Folha de São Paulo, 3/6/84, apud Soares, 2001,
p.68).

Monteiro Lobato
Sempre escrevi por exigência orgânica, isto é, quando
qualquer coisa, em meu organismo, exigia e impunha a
fixação do pensamento em palavras – para alívio interno
(LOBATO, apud SOARES, 2001, p.69).

Clarisse Lispector
Eu tive desde a infância vocações que me chamavam
ardentemente. Uma das vocações era escrever. E não sei
por que foi essa que segui. Talvez porque as outras vocações
eu precisaria de um longo aprendizado, enquanto que para
escrever, o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós
e ao redor de nós (LISPECTOR, apud SOARES, 2001, p.69).

Caro(a) estudante, tivemos a oportunidade de conhecer a


contribuição da escrita para o desenvolvimento de pessoas tão significativas
para a sociedade e exemplo para o trabalho em sala de aula. Assim,
questionamos: o que significa a escrita para você? Foi importante para o
seu desenvolvimento? É importante para o seu trabalho? O que a escrita
tem acrescentado na sua vida pessoal e social?

77
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

3.2 O TEXTO COMO OBJETO DE ESTUDO E ANÁLISE LINGUÍSTICA

Caro(a) estudante, você deve está se perguntando, afinal o que é


um texto? Como distingui-lo de palavras e de frases? Como compreender
a produção do texto escrito? Para respondê-lo nos reportamos a Costa Val
(1999), ao afirmar que para compreendermos o fenômeno da produção de
textos escritos ou orais é necessário entendermos o que os caracterizam.
Ora, essas características constituem a unidade linguística comunicativa
básica – o que as pessoas têm para dizer umas às outras não são palavras e
nem frases isoladas, são textos. Assim, não podemos esquecer que é o texto
que realiza a língua e que somente é possível estudá-la, através dos que são
produzidos em cada situação de interação.
Kaufman e Rodriguez (1995) citam a definição de Halliday e
Hassan (1976), que entendem como texto “qualquer passagem falada
ou escrita de qualquer extensão que funciona como um todo coerente”.
Nesse mesmo sentido, Costa Val (1999, p.3) define texto ou discurso “como
ocorrência linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de
unidade sociocomunicativa, semântica e formal”.
Então, é necessário entender que o texto tem a função
sociocomunicativa por ter papel de determinar a produção e a recepção
de uma série de fatores pragmáticos. Esses fatores contribuem para
a construção de seu sentido e possibilitam que seja reconhecido como
um emprego normal da língua, que tem a ver com seu funcionamento
enquanto atuação informal e comunicativa.
Costa Val (1999) ainda descreve como elementos do processo
de escrita as particularidades de cada ato comunicativo: as intenções do
produtor; o jogo de imagens mentais que cada um dos interlocutores faz
de si, do outro e do outro com relação a si mesmo e ao tema do discurso;
e o espaço de perceptibilidade visual e acústica comum na comunicação
face a face. Assim, o que é aceitável em uma situação pode não o ser em
outra.
Vamos agora buscar entender a unidade semântica, uma vez
que, uma ocorrência linguística para ser texto, precisa ser percebida pelo
recebedor como um todo significativo, isto é, com coerência.
Por fim, o texto se caracteriza por sua unidade formal, quando
seus constituintes linguísticos se apresentarem unidos de modo que seja
percebido como um todo coeso. Então, o texto é construído conforme as
intenções e as condições de produção do autor como, suas experiências,
sentimentos e o contexto em que produz.
Kaufman e Rodriguez (1995, p. 146-147) definem contexto como
“um conjunto de todos os elementos exteriores ao texto. É todo o conjunto
linguístico que cerca um dado elemento do texto, ou seja, as partes do
texto situadas antes e depois deste elemento”.

78
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Assim, para entendermos o processo de construção de um texto,


o significado e sua unidade formal, será necessário estudarmos um pouco
mais sobre coesão e coerência textual.

3.2.1 Coerência Textual

Caro(a) acadêmico(a), um simples conjunto de palavras ou frases


não produz obrigatoriamente um texto. É preciso que essa estrutura,
globalmente, encerre um sentido.
Você em algum momento já deve ter comentado ou pensado: Coerência: capacidade que
o texto tem de oferecer
“Fulano é coerente quando fala ou nossos alunos não escrevem “pistas” para estabelecermos
coerentemente”. Isto ocorre porque sempre buscamos ser coerentes a relação de sentidos entre
suas partes. Assim, a coerência
quando falamos ou quando escrevemos, mas nem sempre somos bem- não aparece explicitamente
sucedidos. Da mesma forma, quando lemos procuramos coerência nos no texto, mas como resultado
de um processo que envolve
textos lidos. uma complexa rede de fatores
linguísticos, cognitivos e
A coerência resulta da configuração que assumem os conceitos e interacionais.
relações subjacentes à superfície textual. É considerada o fator fundamental
da textualidade, por ser responsável pelo sentido do texto. É resultado da
possibilidade de combinação de palavras e ideias que tornem um texto
compreensível, estabelecendo-se a partir da associação de imagens, ideias
e sensações, com conjunções ou palavras de ligação entre as frases e os
parágrafos. Cabe ao leitor fazer a relação de sentido entre as sequências
linguísticas, de acordo com a sua percepção e do seu conhecimento de
mundo.
Kato (1995, p.55) classifica a coerência em três níveis diferentes:

a) A Coerência Global ou Princípio da Realidade: tem a


ver com a adequação do texto como um todo à nos-
sa visão de mundo, aos nossos esquemas prévios;
b) A Coerência Local ou Princípio da Consistên-
cia: tem a ver com a consistência interna. A fa-
lha neste princípio pode tornar o texto falso;
c) A Coerência Temática ou Princípio da Parcimônia: res-
ponde pela manutenção dos tópicos do discurso. Procura
diminuir o número de participantes no cenário mental que
o leitor constrói a partir do texto.

Nessa discussão, Kato (1995) ainda chama a atenção para a forma


do texto e não apenas para seu conteúdo.

A coerência pode ser também uma qualidade atribu-


ída à forma. Um texto que mistura níveis diferentes
de linguagem peca pela falta de coerência formal [...]
A obediência a umas e não a outras leva também a
uma incoerência formal, que pode dificultar a tarefa

79
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

do leitor, por desviar sua atenção do conteúdo para


a forma (KATO, 1995, p.55).

3.2.2 Coesão Textual

A coesão é a manifestação linguística da coerência. Ocorre


quando a interpretação de algum elemento do discurso depende de outro.
Um pressupõe o outro à medida que só pode ser compreendido se for
relacionado ao outro. Cada recurso de coesão textual chama-se laço ou
elo coesivo.
Coesão: conjunto de recursos Você deve saber que um texto será coeso se as suas diferentes
semânticos por meio dos
quais uma sentença se liga partes constitutivas estiverem articuladas e interligadas, garantindo a sua
à anterior, com o propósito unidade semântica. E, ainda, que a coesão textual pode ser assegurada
de criar sentido entre elas e
lhes assegurar continuidade. através de mecanismos gramaticais e lexicais.
É responsável pela unidade
formal do texto, constrói- Costa Val (1999) afirma que os mecanismos gramaticais relacionados
se através de mecanismos à coesão do texto são: os pronomes anafóricos, os artigos, a elipse, a
gramaticais e lexicais.
concordância, a correlação entre os tempos verbais e as conjunções. Todos
esses recursos expressam relações não só entre os elementos no interior
de uma frase, mas também entre frases e sequências de frase dentro de
um texto. E a coesão lexical se faz pela reiteração, pela substituição e pela
associação.
Para facilitar a compreensão vamos exemplificar cada mecanismo:
quando, num texto, há um ou vários elementos textuais sem referência
autônoma, a sua interpretação dependerá de outra expressão presente no
texto.
A Anáfora é a expressão cuja interpretação depende de uma outra
expressão presente no contexto verbal anterior.
Ex: Antônio foi ao teatro, mas ele não gostou da peça.
Comprei uma bicicleta nova que é vermelha.
A Catáfora é expressão cuja interpretação depende de outra
presente no contexto verbal que vem imediatamente depois.
Ex: Ele não gostou da peça, o Antônio.
Escute bem isto, não suporto mais vê-lo perto de mim.
A Elipse é a omissão de uma expressão recuperável pelo contexto,
evitando assim a repetição.
Ex: As meninas preferiram sorvete. Os meninos não.
Reiteração lexical: se dá pela simples repetição de um item léxico
e também por processo como a nominalização:
Ex: A mulher acusou o marido de crueldade mental. O juiz não
levou em consideração a acusação.

80
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Substituição lexical: para evitar repetições desnecessárias, pode


substituir-se uma unidade lexical por outras que com ela mantenham
relações semânticas de sinonímia, antonímia. Quando o termo substituído
representa uma parte ou um elemento e o substituidor representa o todo
ou a classe.
Ex. de Sinonímia: O torcedor referiu que gostou do jogo. Disse
ainda que, estava orgulhoso do seu time.
Ex. de antonímia: A maior parte das vítimas de violência doméstica
são mulheres. Os homens, quando agredidos, raramente denunciam a
situação.
Associação lexical: é o processo que permite relacionar itens do
vocabulário pertinente a um mesmo esquema cognitivo.
Ex: aniversário tem relação com bolo, velinha, presentes e são
termos que serão interpretados como alusivos ao mesmo evento.
Aqui, apresentaremos alguns critérios úteis para a análise da
coerência e da coesão definidos por Costa Val (1999) com base nos
estudos do lingüista francês Charolles (1978) que define um texto coerente
e coeso o que apresenta como requisitos continuidade, progressão, a não
contradição e a articulação.
Pensando em facilitar a sua compreensão, descrevemos cada um
desses critérios.
a) A continuidade
Diz respeito à necessária retomada de elementos no decorrer do
discurso. Tem a ver com sua unidade, pois um dos fatores que fazem com
que se perceba um texto como um todo único é a permanência, em seu
desenvolvimento, de elementos constantes.
Quanto à coerência, esse requisito se manifesta pela retomada de
conceitos, de idéias. Quanto à coesão, pelo emprego de recursos lingüísticos
específicos, tais como a repetição de palavras, o uso de artigos definidos
ou pronomes demonstrativos para determinar entidades já mencionadas,
entre outros mecanismos.
Portanto, avaliar a continuidade de um texto é verificar, no plano
conceitual, se há elementos que percorrem todo o seu desenvolvimento,
conferindo-lhe unidade; e no plano lingüístico, se esses elementos são
retomados convenientemente pelos recursos adequados.
b) A progressão
O texto deve retomar seus elementos conceituais e formais,
mas não pode se limitar a essa repetição. É necessário apresentar novas
informações a propósito dos elementos retomados, fazendo o sentido do
texto progredir.
No plano da coerência, percebe-se a progressão pela soma de
idéias novas e as que já vinham sendo tratadas. No plano da coesão, a

81
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

língua dispõe de mecanismos especiais para manifestar as relações entre


as idéias dadas e as novas. A progressão pode ser feita pelo acréscimo
de novos comentários a um mesmo tópico, ou pela transformação dos
comentários em novos tópicos.
c) A não contradição
Costa Val (1999) descreve que este requisito proposto por
Charolles (1978), para ser internamente coerente, o texto precisa respeitar
os princípios lógicos elementares. Suas idéias não podem se contradizer,
têm que ser compatíveis entre si, não só no que trazem explícito como
também no que delas se pode concluir por pressuposição ou inferência.
Isto é, para ser coerente o texto não pode contradizer o mundo a que se
refere. O mundo textual tem que ser compatível com o mundo que o texto
representa.
Costa Val (1999) lembra que muitas inadequações nas produções
de texto escolares referem-se ao vocabulário. O aluno emprega uma
palavra cujo significado não condiz com o significado pretendido no texto.
d) A articulação
Costa Val (1999) faz referencia à maneira como os fatos e conceitos
apresentados no texto se encadeiam, como se organizam, que papéis
exercem uns com relação aos outros, que valor assume uns em relação aos
outros. Para ela, avaliar a articulação das ideias significa verificar se elas têm
a ver umas com as outras e que tipo de relação se estabelece entre elas.
Pensando na construção da coerência Koch e Travaglia (1993)
esclarecem que, além da coesão, cuja ausência no texto pode ser problema
de coerência em determinadas situações, descrevem fatores que podem
influenciar na sua construção. Assim, apontam os principais fatores:
e) Conhecimento Linguístico
É condição inicial para se conseguir interpretar um texto, já
que sem conhecimento da estrutura morfológica, sintática, semântica e
pragmática da língua em que foi produzido o texto, sua interpretação é
impossível.
Koch e Travaglia (1993) afirmam que,

O estabelecimento do sentido de um texto depen-


de de grande parte do conhecimento de mundo dos
seus usuários, porque é só este conhecimento que
vai permitir a realização de processos cruciais para
a compreensão. (KOCH e TRAVAGLIA,1993,
p.60).

Para facilitar a compreensão Massini-Cagliari (2001) descreveu


estes processos, da seguinte forma:

82
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Construção de um mundo textual: para que a coe-


rência de um texto possa ser estabelecida, é preciso
haver correspondência, ao menos parcial, entre os
conhecimentos ativados a partir do texto e o conhe-
cimento de mundo do receptor, armazenado em sua
memória; Relacionamento de elementos do texto
com outros conhecimentos que permanecem implí-
citos, através da inferência; Estabelecimento da con-
tinuidade de sentido; Construção da superestrutura
(ou macroestrutura). A superestrutura é responsável
pela diferenciação tipológica entre os textos (narra-
tiva, dissertação etc) (MASSINI-CAGLIARI 2001,
p.49).

a) Conhecimento Partilhado
O emissor e o receptor têm conhecimentos de mundo similares.
É o conhecimento partilhado pelos interlocutores que possibilita a
ocorrência de maior ou menor grau de inferência na interpretação do texto
produzido. Ocorre na fala corrente, em que os interlocutores se entendem
perfeitamente bem, embora não explicitem todas as informações, porque
compartilham do conhecimento necessário para identificar os referentes
de as “coisas” e “lugar”.
Ex: _ As coisas chegaram.
_ Onde você pôs?
_ No lugar onde você mandou colocar.

b) Inferência
Entende-se, ser basicamente, “aquilo que se usa para estabelecer
uma relação, não explícita no texto, entre dois elementos desse texto”
(KOCH; TRAVAGLIA 1993, p.70).
Massini-Cagliari (2001) esclarece como sendo,

Quaisquer operações mentais envolvendo o estabe-


lecimento de relações entre elementos explícitos e
não explícitos que devem ser efetuadas para a com-
preensão de um texto, das mais simples às mais com-
plexas (MASSINI-CAGLIARI 2001, p.51).

Ex: A casa estava vazia. A porta estava quebrada.


Então, só é possível entender que “a porta” é a “porta da casa”
porque uma inferência, mesmo que simples, foi efetuada.

83
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

c) Fatores Pragmáticos
Para Massini-Cagliari (2001, p.52) os fatores pragmáticos são as
influências recebidas pelo tipo de fala, contexto ou situação, interação e
interlocução, intenção comunicativa, características e crenças do produtor
e do recebedor do texto etc.
Nos textos escritos, Marcuschi (2002) e Fávelo e Koch (2000)
destacam como fatores importantes transportados para o texto, os
contextualizadores, que podem ser contextualizadores propriamente ditos:
assinatura, local, data e outros elementos gráficos, e os perspectivos: título,
início do texto, autor, estilo de época, corrente científica, filosófica ou
religiosa a que pertence.

d) Situacionalidade
Segundo Massini-Cagliari (2001, p.53) refere-se ao conjunto de
fatores que tornam um texto relevante para dada situação de comunicação
corrente ou passível de ser reconstituída. São as palavras como hoje,
amanhã, agora, eu etc, que só podem ser encontrado na própria situação
de comunicação;

e) Intencionalidade e aceitabilidade
Para Massini-Cagliari (2001, p.54) intencionalidade diz respeito
à intenção do emissor de produzir uma manifestação lingüística coesa
e coerente, e aceitabilidade, à atitude dos receptores de aceitarem essa
manifestação lingüística como um texto coerente e coeso.

f) Informatividade
Para Massini-Cagliari (2001, p.54) é o grau de informação contida
num texto de acordo com o critério da previsibilidade: o texto será mais
informativo quanto menor a previsibilidade dos conteúdos.

g) Focalização
Massini-Cagliari (2001, p.55) afirma que, a focalização é a escolha
de centralizar ou privilegiar, no texto, algumas questões ou determinado
assunto. Koch e Travaglia (1993, p.87) afirmam que “a focalização vem
sendo, intuitivamente ou não, usada no ensino de produção de texto,
quando se fala de delimitação de assunto e objetivo”. Para eles essa noção
é como uma lente ou câmera através das quais os fatos são focalizados.
E, ainda, pode ser uma espécie de filtro, ao exercer papel importante na
construção e interpretação de descrições definidas.

84
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

h) Intertextualidade
Para Massini-Cagliari (2001, p.56) compreende as diversas
maneiras pelas quais a produção e a recepção de dado texto dependem
do conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores.

i) Relevância
Segundo Massini-Cagliari (2001, p.59) a relevância estabelece que
o emissor se esforce para produzir um texto relevante para o receptor e
este se esforça por reconhecer relevância no texto produzido pelo emissor.
Para Kato (1985, p.54) “o escritor deve ser informativo na medida
certa, sincero, relevante e claro”, garantido, assim, uma resposta coerente
do receptor.

3.3 PROCESSO DE PRODUÇÃO DO TEXTO ESCRITO

Caro(a) estudante, pensar o ensino de produção de texto requer


pensar, em primeiro lugar, que um texto produzido pelo aluno manifesta-
se como um produto de um sujeito que, a seu modo, através das diversas
possibilidades e formas de linguagem busca estabelecer um determinado
tipo de relação com o seu interlocutor.
Para compreendermos o sujeito que produz Geraldi (2004) retoma
práticas de redação escolar da década de 1960 e descreve duas concepções
de sujeito que, ainda, fazem parte do cotidiano escolar e que refletem na
prática pedagógica dos professores. Uma das concepções defende

O sujeito como fonte do seu dizer; aquele que


anuncia o que diz e tem consciência absoluta de seu di-
zer; aquele que anuncia o que diz. Trata-se de um sujeito
pronto que, apropriando-se da língua, atualiza-a no seu
dizer, organizando seus pensamentos (suas mensagens) e
transmitindo-os a outros sujeitos (GERALDI, 2004, p.19).

Aqui percebemos o sujeito autônomo, capaz de realizar-se como


cidadão, sujeito responsável, pronto para aprender e para ensinar a outros.
Em contrapartida Geraldi (2004) apresenta outro sujeito, que dificilmente
assumirá seu papel de cidadão autônomo e independente para realizar
responsabilidades e contribuir com o outro. Por essa segunda concepção
o autor fala de

85
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Um sujeito assujeitado às condições e limita-


ções históricas, produto do meio, da herança cultural
e das ideologias que, incorporadas ao longo de sua
historia, fazem do indivíduo desde sempre sujeito,
mero preenchimento de um lugar reservado pela
estrutura (ideológica) que define o dizível e como
exercer o papel neste lugar social previamente esta-
belecido (GERALDI, 2004, p.19).

Considerando essas concepções, o professor deve estar atento e


pronto para decidir que cidadão pretende educar. A qual concepção de
sujeito estará a serviço. Uma vez que, é consenso ser a escola, exatamente
a sala de aula o lugar de definição de que sujeito será formado: o livre,
autônomo, capaz de tomar decisões, ou o sujeito dependente, preso às
decisões de outros, sem iniciativa para tomar suas próprias decisões.
Para compreendermos o processo de aquisição do texto escrito
discutiremos uma outra questão: para que se escreve? Logo pensamos na
resposta: para ser lido e compreendido. Assim, entendemos ser a escrita
um momento de diálogo capaz de produzir sentido, de dizeres e trocas
significativas, entre aluno e professor, para que, posteriormente, o texto
possa ser lido e seu autor possa interagir com outros grupos sociais.
Desta forma o aluno quando escreve um texto espera que o
professor leia para compreendê-lo e não para ser corrigido. Uma vez que
a prática de sala de aula é ler o texto para corrigir, dar nota e arquivar no
caderno. O texto que o aluno escreve para o professor é para ser lido, e
não para obter conceito ou para verificar os erros ou os acertos.
Assim, caro(a) estudante, é responsabilidade do professor propiciar
um encontro adequado entre as crianças e os textos. Acreditamos ser dever
da escola que todos que ingressem nela sejam pessoas, capazes de escrever
com adequação, tranqüilidade e autonomia.
Rocha e Costa Val (2005, p.56) afirmam que, para compreender
um texto é necessário reconhecê-lo como um conjunto de ralações
significativas, produzidas por um sujeito marcado pela sua condição de
existência histórica e social, pela sua inserção em determinado mundo
cultural e simbólico.
Jolibert. (1994) sugere que para formar crianças produtoras de
textos é importante que o aluno, durante toda a sua escolaridade, faça
experiências com a escrita: 1) experiência com a sua utilidade e com as
diferentes funções da escrita: serve para qualquer coisa, corresponde às
intenções, subentende as propostas, difere de acordo com as situações,
permite comunicar, contar histórias, conserva traço, etc; 2) experiência do
poder que dá um domínio suficiente da escrita: dá o poder de divulgar,
aceitar, protestar, resolver conflitos, sonhar e rir, visitar etc; 3) a experiência
do prazer de inventar, de construir um texto, de compreender como ele
funciona, prazer de buscar palavras e de vencer as dificuldades encontradas.

86
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Caro(a) estudante, escrever não pode ser visto pelo aluno como
uma tarefa cansativa, de bloqueio e fracasso, mas deve ser oportunidade
de realizar projetos graça à escrita.

Figura 15: Escrevendo‑a‑minha‑historia.jpg


Fonte: www.faberludens.com.br Acessado em 11 de outubro de
2010.

Não podemos esquecer que o texto do aluno é o resultado de um


conjunto de saberes, de relações e de conhecimentos. Por isso devemos
entender que os conhecimentos linguísticos que os alunos possuem
influenciam fortemente os textos produzidos.
Caro(a) estudante, para Bernardez (1987) citado por Kaufman e
Rodriguez (1995,) não existe apenas um tipo de texto, ao contrário, existe
uma diversidade de classificações que levam em conta diferentes critérios:
funções da linguagem, intencionalidade do emissor, prosa de base, traços
linguísticos ou estruturais, efeitos pragmáticos, variedade da linguagem,
recursos estilísticos e retóricos, dependendo apenas da necessidade e a
intenção de facilitar a produção e a interpretação dos textos em circulação
em um determinado meio social.
Jolibert (1994) explana sobre a necessidade de a professora criar
diferentes situações de escrita para o aluno aprender a produzir um texto,
para que ele possa mobilizar suas competências de maneira autônoma,
transportando-as para novas situações. Ele afirma que,

Não se ensina a criança escrever, é ela quem ensina a


si mesma (com a nossa ajuda e a de seus pares). Cada
criança possui seu caminho próprio; é preciso que
ela viva as situações de aprendizagem que lhe per-
mitam ao mesmo tempo ter referenciais constantes
e construir suas próprias competências (JOLIBERT,
1994, p.36).

87
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Assim, o professor precisa propor situações didáticas para trabalhar


com textos no cotidiano escolar. Lembramos que os textos orais e escritos
são de uso frequente na comunidade e devem ser tratados na sala de aula
pela importância que tem para melhorar a competência comunicativa dos
alunos.
Caro(a) acadêmico(a), segundo Kaufman e Rodriguez (1995)
os gêneros textuais para facilitarem o ensino da leitura, da escrita e da
oralidade, ao longo do Ensino Básico podem ainda serem classificados de
acordo o objetivo que se propõe.
Assim, encontramos textos que têm o objetivo de expor, quando
está voltado à construção e transmissão de saberes, exige apresentação
textual para organização da ideias e dos conceitos. Objetivo de instruir,
quando refere-se às instruções e prescrições de ações voltadas à regulação
mútua de comportamento. O objetivo de narrar, quando está voltado à
cultura literária ficcional e à recriação da realidade, caracteriza-se pela
intriga no campo do verossímil e por fim objetivo de relatar quando o
texto refere-se à documentação e memorização de ações humanas que
representam pelo discurso de experiências vividas situadas no tempo e no
espaço.
Vale lembrar que na sala de aula, o trabalho com os gêneros
não deve ser reduzido aos aspectos formais, lembrando que eles são
determinados não só pela forma, mas também pela função, pelo suporte,
pelo contexto em que circulam e, sobretudo, pela ação de linguagem que
efetivam nos contextos sociais em que ocorrem.

3.4 TEXTOS E PORTADORES DE TEXTOS

Caro(a) estudante, sabemos que existem uma grande variedade de


gêneros textuais. Dada a especificidade desta unidade, que aborda a escrita
nas séries iniciais do Ensino Fundamental, apresentaremos características
linguísticas de alguns textos e de seus portadores, que podem ser objeto de
trabalho na escola.

3.4.1 Textos Literários

No processo de construção dos textos literários o escritor detém-


se na própria escrita, joga com os recursos linguísticos, transgredindo, com
frequência, as regras da linguagem para liberar sua imaginação e fantasia
na criação do mundo fictício.

88
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Você deve saber que, neste tipo de texto, o referente não é


explícito, é com vazios ou espaços em branco, indeterminados. É escrito
como um jogo, que leva o leitor a unir as sua peças: trama, personagens e
linguagem para preencher a informação que falta para construir o sentido
do texto.
Este tipo de texto exige do leitor a capacidade de imaginar e captar
o sentido de coisas não ditas, de ações inexplicáveis, de sentimentos não
expressos.

3.4.1.1 O Conto

É um relato em prosa de fatos fictícios. Na escrita de um conto


o escritor deve iniciar apresentando um estado de equilíbrio, segue com
a intervenção de uma força, um conflito, que dá origem a uma série de
episódios, finaliza com a resolução do conflito, recuperando o equilíbrio
perdido.
Como afirma Kaufman e Rodriguez (1995, p,21), “todo conto tem
ações centrais, núcleos narrativos, que estabelecem entre si uma relação
casual”. É característica do conto: suspense, personagens em ações num
determinado lugar e tempo, recursos descritivos, o diálogo e o narrador.

3.4.1.2 O Poema

Texto que se distingue dos demais por ser marcado por


características bem distintas: geralmente escrito em verso é estruturado em
estrofes que dão relevância aos espaços em branco, utilizada da linguagem
figurada.
O texto é marcado pelo ritmo, que é a sonorização das palavras
e às pausas para dar musicalidade ao poema. E, ainda, tem a rima, que é
uma característica distinta, mas não obrigatória dos versos, pois existem
versos sem rima.

3.4.2 Textos Jornalísticos

São assim, denominados em função de seus portadores, que são


os jornais, os periódicos e as revistas. Apresenta, fortemente, a função
informativa da linguagem. E para tanto são agrupados em diferentes seções
de informação: internacional, nacional, local, sociedade, economia,
cultura, esportes, etc.

89
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

O texto jornalístico é organizado em diferentes seções: notícias,


artigos de opinião, entrevistas, as reportagens, as crônicas, resenhas de
espetáculos, os anúncios e propagandas.
A estrutura dos textos, em qualquer uma das seções, exige
requisitos de apresentação, entre os quais destacamos: uma tipografia
legível, uma diagramação cuidada, fotografias adequadas que sirva para
complementar a informação linguística, inclusão de gráficos ilustrativos que
fundamentam as explicações do texto.
Para entender melhor a estrutura dos textos jornalísticos, você
deve ter um jornal ou revista e identificar cada texto que estaremos
apresentando neste espaço.

3.4.2.1 A Notícia

Transmite uma nova informação sobre acontecimentos, objetos


ou pessoas. São apresentadas de forma completa, com todos os dados
necessários para que o leitor compreenda a informação. Sempre redigida
na 3ª pessoa. O redator fica à margem do que conta, por isso não é
Como exercício, você vai parar
alguns minutos e escolher uma permitido o emprego da primeira pessoa do singular nem do plural. Você
revista ou jornal e analisar: O deve estar questionando: o que diferencia a notícia de outros textos?
redator apresentou os dados de
forma fidedigna? Comprovou Além de não empregar o “eu”, “nós” e os pronomes possessivos
os dados apresentado? Ou
indicou a fonte? “minha” ou “meu” a notícia tem a característica da objetividade e da
veridicidade: somente apresenta os dados.
O relator quando, não consegue comprovar a fonte, ele recorre a
fórmulas simples de linguagem para salvar sua responsabilidade: “parece,
não está descartado que”. Quando menciona que foi dito pela fonte,
recorre ao discurso direto: O delegado informou: “O assassino será preso
nas próximas horas”.
A progressão temática das notícias gira em torno das perguntas o
que? quem? como? quando? por quê? e para que?

3.4.2.2 O Artigo de Opinião

Você pode perceber que o Artigo de Opinião é diferente da


Notícia, ora, enquanto na Notícia o redator apenas informa sobre um fato
ocorrido, no Artigo de Opinião o redator tece comentários, avaliações,
expectativas sobre um tema da atualidade que por sua transcendência, no
plano nacional e internacional, já é considerado, ou merece ser, objeto de
debate. Kaufman e Rodriguez afirmam que,

90
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

O Texto é estruturado seguindo uma linha de argumentati-


va que se inicia com a identificação do tema em questão,
acompanhado de seus antecedentes e alcance, e que segue
[...] com a formulação de uma tese; depois, apresentam-
-se os diferentes argumentos de forma a justificar esta tese;
para encerrar, fazer-se uma reafirmação da posição adotada
no início do texto (KAUFMAN; RODRIGUEZ, 1995, p. 27).

Lembramos que o texto, além de argumentativo, utiliza estratégias


discursivas usadas para persuadir o leitor. As estratégias podem ser: as
acusações claras aos oponentes, as ironias, as insinuações, os subterfúgios,
as apelações à sensibilidade etc.

3.4.2.3 A Reportagem

O redator para informar sobre determinado tema, recorre ao


testemunho de uma figura-chave para o conhecimento do fato. Kaufman
e Rodriguez (1995) afirmam que na escrita da reportagem o relator inclui
uma resumida apresentação do entrevistado, realizada com recursos
descritivos, e, imediatamente, desenvolve o diálogo, as perguntas são
breves e concisas, à medida que estão orientadas para divulgar as opiniões
e ideias do entrevistado e não as do entrevistador.

3.4.2.4 Entrevista

Da mesma forma que a reportagem, a entrevista utiliza linguagem


argumentativa e descritiva. Segundo Kaufman e Rodriguez (1995) o
texto admite maior liberdade, uma vez que não se ajusta estritamente à
formula pergunta-resposta, mas utiliza comentários e descrições sobre o
entrevistado e transcreve apenas fragmentos do diálogo, indicando com
travessões a mudança de interlocutor. Permite apresentar uma introdução
extensa com os aspectos mais significativos da conversação mantida, e as
perguntas podem ser acompanhadas de comentários, confirmações ou
refutações sobre as declarações do entrevistado.

3.4.3 Textos de Informação Científica

São textos informativos, com orações enunciativas. Com frases


claras, em que não há ambiguidade sintática ou semântica, e levem em
consideração o significado mais conhecido, mais difundido das palavras. O
vocabulário é preciso. Geralmente estes textos não incluem vocábulos com
múltiplos significados.
Nesta seção apresentaremos alguns textos de informação
científica, lembrando que existem muitos outros que podem ser lidos pelos
alunos, mas que, necessariamente, não são trabalhados na escrita. Dentre

91
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

eles podemos citar: definição, verbete, artigo científico, monografia,


dissertação, tese, memorial.

3.4.3.1 Relato de Experimentos

São textos que descrevem experimentos, que é algo que se deseja


saber, mas que não se pode encontrar apenas observando. É necessário
estabelecer condições, criar situações para concluir a observação e extrair
conclusões.
O relato pode ser redigido de forma impessoal para enfatizar a
distância existente entre o experimentador e o experimento, enquanto
que a primeira pessoa do plural e do singular, enfatiza o compromisso de
ambos.

3.4.3.2 A Biografia

É uma narração feita por alguém acerca da vida de outras pessoas.


Quando o autor conta sua própria vida, considera-se uma autobiografia.
Texto muito utilizado na sala de aula, para apresentar a vida ou alguma
etapa decisiva da existência de personagens cuja existência foi considerada
relevante na história.
O texto é ordenado, em geral, cronologicamente, e na sua
construção predominam os recursos linguísticos que asseguram a
conectividade temporal: advérbios, construções de valor semântico
adverbial e proposições temporais. Para garantir a veracidade das
informações, o texto exige informações científicas organizadas através de
citações textuais das fontes dos dados apresentados.
A biografia não-autorizada é igual a autorizada. Mas, é fácil
perceber que na biografia não-autorizada é comum a intencionalidade de
revelar a personagem através de aspectos negativos, especialmente aqueles
que se relacionam a defeitos ou a vícios altamente reprovados pela opinião
pública.

3.4.3.3 O Relato Histórico

O texto é uma narração de informações acontecidas no passado.


As fontes são documentos reinterpretados pelo historiador, e que não são
incluídos na narração, para deixar que os fatos falem por si, criando, deste
modo, um efeito de realidade, pois o relato histórico evita a presença
explicita de elementos subjuntivos.
Os conteúdos do relato podem ser confrontados com a fonte. Pois
são regidos pelo princípio da veracidade.

92
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

3.4.4 Textos Instrucionais

São textos com objetivos de passar instruções sobre a realização


de atividades, como jogar, preparar uma comida, cuidar de planta,
animais, etc. Além das receitas e manuais, estão os regulamentos, estatutos,
contratos, instruções, etc. São descritivos com função apelativa. Kaufman e
Rodriguez descrevem que,

Em nossa comunidade, estão amplamente difundi-


dos os modelos de regulamento de co-propriedade;
então, qualquer pessoa que se encarrega da redação
de um texto deste tipo recorre ao modelo e somente
alteram os dados de identificação para introduzir, se
necessários, algumas modificações parciais nos di-
reitos e deveres das partes envolvidas. (KAUFMAN;
RODRIGUEZ, 1995, p.36).

Os textos instrucionais são facilmente encontrados no cotidiano,


justificando assim, ser trabalhados no ambiente escolar.

3.4.4.1 As Receitas e Instruções

São as receitas culinárias e os textos que trazem instruções para


organizar um jogo, um experimento, fabricar um móvel, consertar um
objeto, etc.
Os textos dão divididos em duas partes: uma lista contendo
os elementos que serão utilizados (a lista dos ingredientes das receitas,
materiais que serão manipulados no experimento, ferramentas para
consertar algo, diferentes partes de um aparelho, etc). A outra parte do
texto desenvolve as instruções, o como fazer.
As listas apresentam substantivos concretos acompanhados de
numerais cardinais, frações ou múltiplos.
As instruções com orações com verbos no imperativo (misture a
farinha), ou orações com verbos no infinitivo (misturar a farinha).

3.4.5 Textos Epistolares

Os textos epistolares estabelecem uma comunicação por


escrito com um destinatário ausente, identificando no texto por meio
do cabeçalho. Pode designar-se a um indivíduo ou de forma coletiva. A
característica contida no texto é que vai definir o portador, se carta, convite
ou solicitação.

93
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

O texto exige uma estrutura que se reflete claramente na


organização espacial:
• Cabeçalho, que estabelece o lugar e o tempo da produção, os
dados do(s) destinatário(s) e a forma de tratamento adequado ao estabelecer
o contato;
• O corpo do texto, que é a parte em que se desenvolve a mensagem;
• Despedida, que inclui a saudação e a assinatura, na qual inclui o
autor do texto.
• O texto pode ser estilo formal ou informal, o estilo será definido
pelo grau de familiaridade existente entre o emissor e o destinatário.

3.4.5.1 A Carta

Geralmente a carta é um meio particular de comunicação entre


pessoas conhecidas. Como se trata de um diálogo com um receptor
conhecido utiliza-se um estilo espontâneo e informal com fortes marca da
oralidade, com um destinatário capaz de extrair a dimensão expressiva da
mensagem.

Figura 16: escrever cartas… aquelas cartas escritas ... escrita.jpg


Fonte: educar.wordpress.com. Acessado em 10 de outubro de
2010.

Você estudante, pode observar que o gênero cartas apresenta


funções diferentes, dependendo da situação que será utilizada. Ela informa
sobre acontecimentos ou situações, manifestam a subjetividade do autor,
seus estados de ânimo, seus afetos e suas emoções. Observa-se uma
forte tendência a incluir palavras com significados afetivos e valorativos,
privilegiando a expressão de sentimentos ou de estado de ânimo e pode
ser apelativa, quando tratar-se de situações informais com objetivo de
solicitar algo e se argumenta para consegui-lo.

94
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

3.4.5.2 A Solicitação

É uma situação de comunicação estabelecida pela carta, diferente


da situação anterior. Por estar revestida de autoridade à medida que possui
algo ou tem a possibilidade de outorgar algo que é considerado valioso
pelo emissor: um emprego, uma vaga em uma escola, etc. O estilo formal
obriga o emissor recorrer ao uso de fórmulas de cortesia já estabelecidas
convencionalmente para a abertura e encerramento do texto.

3.4.6 Textos Humorísticos

Utilizam, frequentemente, recursos como a zombaria, a ironia, a


sátira, a caricatura e o sarcasmo para provocar o riso. Assim, alteram ou
quebram a ordem natural dos fatos ou acontecimentos ou deformam as
características das personagens.

3.4.6.1 A História de Quadrinho

Este texto combina a imagem plana com o texto escrito, e os


elementos verbais e icônicos integram-se a partir de um código específico.
Ainda, busca a participação ativa do leitor por via emocional, assistemática,
anedótica e concreta.

3.4.7 Textos Publicitários

Estes textos informam sobre o que se vende com intenção de criar


no receptor a necessidade de comprar. A informação segundo Kaufman
e Rodriguez (1995, p.41) é “parcial à medida que aproveita somente o
positivo, porque procura transformar aquilo que oferece em objeto de
desejo”. O texto é escrito utilizando a função apelativa da linguagem, pois
tem o objetivo de modificar comportamentos, manipulam a linguagem
com o propósito de convencer o receptor a aceitar o que a mensagem
propõe.

3.4.7.1 O Anúncio

Este texto aparece em jornais, revistas, cartazes, folhetos de


publicidades, outdoor, etc. Está sempre estruturado com frases imperativas,
que aparecem modificadas segundo Kaufman e Rodriguez (1995, p. 41)
“na superfície pelo ocultamento do verbo comprar, através do trabalho
retórico ideológico da prática publicitária”.

95
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

3.4.7.2 O Cartaz

É muito utilizado na vida cotidiana. É construído com o mínimo de


recursos expressivos para chamar a atenção. Tanto o espaço do texto sobre
o papel como as imagens, que nos cartazes mais elaborados, completam
a mensagem lingüística são importantes. Como também as cores, a
diagramação, a tipografia selecionada, o tamanho das letras que permita a
leitura à distância são extremamente importantes.

3.4.7.3 O Folheto

Tem o mesmo objetivo que o cartaz, criar no receptor a necessidade


de adquirir um produto, visitar um lugar etc., a partir da descrição dos
aspectos valorizados como positivos no texto. Pela característica de ser
um recurso economicamente expressivo, o folheto expande com maior
amplitude e rapidez sua base de informação.
Agora, que conheceu os
diferentes textos, você Muitas vezes faz uso da linguagem argumentativa, para chamar
consegue destacar os gêneros a atenção dos leitores, utilizando orações complexas, integradas por
mais utilizados no seu dia a
dia? proposições condicionais. Costuma ser impresso em várias cores e com
riqueza de imagens que complementam o texto.
Faça uma listagem e veja
como é variada a utilização
da escrita em nossas práticas 3.5 A INTERTEXTUALIDADE
cotidianas.

Caro(a) estudante, a intertextualidade já foi tratada no tópico


coesão textual como um dos fatores que influencia na construção de um
texto. Aqui falaremos um pouco mais, por acreditarmos ser importante
compreendê-la uma vez que é muito utilizada no nosso cotidiano.
Você já sabe que toda obra literária apresenta características que
permitem associá-la a um determinado gênero ou tipo de texto. São essas
características que nos levam a perceber a diferença entre uma carta, um
poema, uma notícia etc. A intertextualidade é uma forma de diálogo entre
textos, que pode se dar de forma mais implícita ou mais explícita e em
diversos gêneros textuais.
Pondé e Riche (2002) afirmam que todo texto, quer pela relação
que estabelece com textos anteriores ou com outros textos contemporâneos,
carrega em si fragmentos de sentidos já conhecidos pelo leitor, que vão desde
as citações diretas até as mais elaboradas reescritas. A intertextualidade
pode ocorrer de forma explícita, quando o autor transcreve palavras ou
imagens de discursos de outros. Temos como exemplo as citações dos
trabalhos científicos, normalmente muito utilizadas na escrita acadêmica.

96
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Você deve ter percebido que nos Cadernos Didáticos da UAB, o recurso
da citação é amplamente utilizado para fundamentar as ideias dos autores
que dialogam com a produção acadêmica no campo de conhecimento da
educação.
Ponde e Riche (2002) apresentam as múltiplas possibilidades da
intertextualidade, que são: manter o mesmo tema; acrescentar personagens
(história em quadrinho e charges); mudar espaço e cenário; subverter a
conclusão; jogar com diferentes linguagens: verbal e não verbal e manter
ou subverter as ideias do texto-matriz.
Você deve ter percebido, na unidade anterior, que o recurso da
intertextualidade foi explicitado quando apresentamos poema de Roseana
Murray, que foi utilizado por Neusa Sorrenti, como inspiração para a sua
produção.
Você pode observar o exemplo abaixo:

Figura 17: Chico Tirando Palha de Milho


Fonte: Disponível em intertextualidade.jpg infoescola.com, 2010. Acessado em 10 de
janeiro de 2011.

Caro(a) estudante, o intertexto serve para ilustrar a importância do


conhecimento de mundo e como este interfere no nível de compreensão
do texto. Ao relacionar um texto com outro, o leitor entenderá que a
intertextualidade é uma das estratégias utilizadas para a construção dos
mesmos.
No caso específico do anúncio publicitário, por exemplo, o
intertexto, quando usado, é uma forma diferente de persuasão, com o
objetivo de levar o leitor a consumir um produto e também difundir a
cultura.

97
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Figura 18: Intertextualidade: Paráfrase e Paródia


Fonte: Disponível em intertextualidade.jpg infoescola.
com, 2010. Acessado em 10 de janeiro de 2011

Como vimos nessa unidade, aprender a redigir textos é uma


habilidade importante para o cidadão imerso na sociedade grafocêntrica,
que organiza muitos de seus processos de interlocução pela via do texto
escrito. Isso significa que a escola precisa contribuir para que o aluno aprenda
a ler e a escrever textos nos mais diferentes gêneros, sendo que nos anos
iniciais do ensino fundamental essa preocupação deve ser focalizada nos
textos de maior circulação social. No entanto, não basta saber ler e escrever
de forma competente, posto que o uso da linguagem oral se apresente
como habilidade importante. Muitos de nossos processos de interlocução
se processam pela oralidade, que precisa ser compreendida como objeto
de estudo e reflexão na escola.
Na próxima unidade abordaremos essa temática e esperamos
contribuir para ampliar sua formação e sua compreensão sobre os diferentes
usos da oralidade no mundo social.

98
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontros e interação. São Paulo:


Parábola, 2003. 181p.

BATISTA, Antônio Augusto Gomes. A aula de português. São Paulo:


Martins Fontes, 1997.

BAKHTIN, Mikail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo:


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Brasília: MEC/SEF, 2001. p.38-67.

BRITTO, Luiz Percival Leme. Em terra de surdos-mudos (um estudo sobre


as condições de produção de textos escolares). In: COSTA VAL, M. G.
Redação e textualidade. SP: Martins Fontes, 1999.

COSTA VAL, Maria da Graça; MARCUSCHI, Beth (orgs). Livros didáticos


de língua portuguesa: letramento e cidadania. Belo Horizonte: Autêntica,
2005.

FÁVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Linguística


textual: introdução. São Paulo: Cortez, 2000. 105 p. (Gramática portuguesa
na pesquisa e no ensino 9)

FOUCAULT, Michael. A escrita de si.I983. In: ______. Ética, sexualidade,


política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 150-169.

GERALDI, João Wanderley (org). O texto na sala de aula. 3ª Ed. São Paulo:
Ática, 2003. p. 115-126.

GERALDI, J. Wanderley; CITELLI, Beatriz (Coord.). Aprender e ensinar


com textos de alunos. V.1. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2004. 182 p.

GOMES, Mariana Fonseca de Mendonça. A escrita e o diário reflexivo.


Presença Pedagógica. V. 13, n. 78, nov./dez. 2007. p. 27-33.

JOLIBERT, Josette. (Coord.). Formando crianças produtoras de textos.


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KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística.


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99
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

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LEAL, Telma Ferraz; MORAIS, Artur Gomes de. A argumentação em textos


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In: DIONÍSIO, Ângela, P. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro:
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MARCUSCHI, Luis Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade.


In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Ana Rachel; BEZERRA, Maria
Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna,
2002.

MASSINI-CAGLIARI, Gladis. O texto na alfabetização: coesão e coerência.


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PONDÉ, Glória; RICHE, Rosa Maria Cuba. In: SALADO, Umbelina Caiafa;
MIRANDA, Glaura Vasques (Org.). SEE-MG Veredas – Formação superior
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ROCHA, Gladys; COSTA VAL, Maria da Graça. (Org.) Reflexões sobre


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Autêntica/CEALE/FAE/UFMG, 2005. 208p. (Coleção Linguagem e
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SERCUNDES, Maria Madalena Iwamoto. Ensinando a escrever. In:


GERALDI, João Wanderley; CITELLI, Beatriz (orgs). Aprender e ensinar
com textos de alunos. São Paulo: Cortez, 2004.

SOARES, Magda. Para quem pesquisamos? Para quem escrevemos?


In: GARCIA, Regina Leite (Org.) Para quem pesquisamos: para quem
escrevemos: o impasse dos intelectuais. São Paulo: Cortez, 2001. p. 65-90.

SOARES, Magda. Letramento e escolarização. In. RIBEIRO, Vera Masagão


(org.) Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF. São Paulo: Global,
2004. p. 89- 114.

TEBEROSKY, Ana. Para que aprender escreve. In: TEBEROSKY, Ana;


TOLCHINSKY, Liliane 0rg.). Para além da alfabetização: aprendizagem
fonológica, ortográfica, textual e matemática. São Paulo: Ática, 1996. p.
18-34.

ZIRALDO (2004) O livro do riso do Menino Maluquinho: todas as


piadas que as crianças ouviram ou contaram no último século. São Paulo:
Melhoramentos, 2004, p. 88.

100
UNIDADE 4
A LINGUAGEM ORAL NA SALA DE AULA

Rose Mary Ribeiro

Introdução

Caro(a) estudante, apresentamos a você a 4ª unidade da disciplina


Fundamentos e Metodologia da Lingua Portuguesa I. O nosso objetivo
principal é oferecer elementos necessáríos à reflexão acerca da linguagem
oral como habilidade a ser desenvolvida na escola.
Queremos que você saiba que, ao ler os textos encontrados nessa
unidade, vamos dialogar a respeito de questões referentes às diferenças
lexicais, sintáticas e discursivas que caracterizam a fala formal e informal.
Nessa medida, o estudo proposto nesta unidade tem como
objetivos:
• Compreender o fenômeno da produção de textos escritos, a fim
de entender as suas características como unidade linguística comunicativa
básica;
• Analisar a importância da coesão e da coerência, para melhorar a
inteligibilidade do texto;
• Compreender o processo de produção do texto escrito, para
produzir sentidos numa situação de interação social;
• Analisar os diferentes tipos de textos, para facilitar a produção dos
que em circulam em um determinado meio social;
• Analisar orientações pedagógicas em relação ao trabalho da
oralidade, a fim de oferecer ao professor diferentes possibilidades de
intervir no desenvolvimento da comunicação na sala de aula.
Ao eleger o letramento como habilidade a ser desenvolvida pelos
alunos, a escola deve possibilitar o acesso a determinados ambientes e
situações sociais favoráveis ao desenvolvimento da leitura e da escrita, mas
não pode desconsiderar a oralidade. O trabalho com a linguagem oral é
importante, por possibilitar a ampliação da competência comunicativa dos
alunos, em especial naquelas situações públicas mais formais, em que se
exige do sujeito um maior planejamento da sua atividade discursiva. A
oralidade é prática social importante nos processos de interação social,
para a qual a escola também deve convergir atenção.
O estudo proposto nesta unidade encontra-se organizado da
seguinte forma: em primeiro lugar será tratado da linguagem oral na sala de
aula, quando estaremos abordando a fala na sala e as variações lingüísticas,
com o propósito de compreendermos melhor as dificuldades de nossos
alunos em compreender a necessidade de dominar a norma culta ou
dialeto padrão tão cobrados no meio social em que vivemos.

101
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

4.1 A FALA NA SALA DE AULA

Caro(a) estudante, sabemos que a escola é um espaço de


socialização, talvez o mais significativo para muitos que nela interagem
usando a linguagem oral. Os professores a utilizam de forma mais
sistematizada por meio do discurso necessário nas aulas expositivas, debates,
seminários, discussões, perguntas e respostas, comentários circunstanciais
dos alunos. Por sua vez, os alunos também utilizam a oralidade em seus
processos de interação, é comum, na sala de aula, os alunos manterem
um discurso paralelo ao do professor, quando trocam informações entre
si, fazem piadinhas, comentam assuntos particulares, enfim, usam a língua
segundo necessidades reais de comunicação.
No entanto, mesmo sendo instrumento fundamental de
interlocução, presente não apenas nas aulas de português, a oralidade
não tem recebido adequada atenção, não se constituindo como objeto
de estudo efetivo, visando à ampliação da competência comunicativa dos
alunos. É inclusive comum que a sala de aula considerada disciplina seja
aquela em que se valoriza o silêncio, em que os alunos não se sintam a
vontade para se expressar pela fala.
Abaixo, está transcrita uma piadinha, que revela bem essa situação
de desprestígio da fala do aluno no espaço da sala de aula.

O primeiro dia de aula

O menino voltou do seu primeiro dia de aula, e o pai lhe


perguntou como havia se saído.
- Não volto mais lá. - respondeu indignado.
- Mas por quê?
- Não sei ler. Não sei escrever... De jeito nenhum me
deixam falar... Então, o que é que vou fazer lá?

Fonte: http://sitededicas.uol.com.br/piadas1.htm, acessado


em 15 de outubro de 2010.

Além dessa ideia equivocada de organização compreendida como


silêncio, há outros problemas que precisam ser discutidos. Ao tratar da
importância da linguagem oral na sala de aula, Antunes (2003) esclarece
que, ainda se pode constatar uma equivocada visão da fala, como o lugar
privilegiado para a violação das regras da gramática. De acordo com essa

102
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

visão, tudo o que é “erro” na língua acontece na fala e tudo é permitido,


pois ela está acima das prescrições gramaticais; não se distinguem, portanto,
as situações sociais mais formais de interação que vão, inevitavelmente,
condicionar outros padrões de oralidade que não o coloquial.
Antunes (2003) ainda afirma que, no trabalho escolar, a oralidade
deve ser orientada para suas especificidades – com o devido cuidado
para não se criar a ideia falseada de que a fala se opõe à escrita. Assim, é
interessante que o professor saiba ressaltar os pontos formais e funcionais
em que os textos orais e os textos escritos são diferentes, mostrando que as
modalidades oral e escrita da língua guardam similaridades e apresentam
diferenças. Conforme a autora, o confronto entre uma e outra – desde que
se considerem os mesmos níveis de registro (fala formal e escrita formal,
por exemplo) – pode ser bastante produtivo para a compreensão daquelas
similaridades e diferenças e para o entendimento das mútuas influências
de uma sobre a outra (ANTUNES, 2003).
A autora fala, ainda, que numa concentração das atividades
em torno dos gêneros da oralidade informal, típicos das situações da
comunicação privada, predominam os registros coloquiais, como a
conversa, a troca de idéias, a explicação para o colega vizinho. Para a
autora, essa é uma situação limitadora da oralidade, pois, na verdade, o
trabalho do professor fica restrito à reprodução desses registros informais,
sem que se promova uma análise mais consistente de como a conversação
acontece.
Ou seja, não são aproveitadas as oportunidades de se explicar em
sala de aula os padrões gerais da conversação, de se abordar a realização dos
gêneros orais da comunicação pública, que pedem registros mais formais,
com escolhas lexicais mais especializadas e padrões textuais mais rígidos,
além do atendimento a certas convenções sociais exigidas quando falar em
público. Também não costumam ser produzidas situações para os alunos
vivenciarem situações de uso mais formal da linguagem, em entrevistas,
palestras, jornal falado, telejornal e outras possibilidades utilização da fala
pública.
Antunes (2003) concorda com Marcuschi (2002, p.19) ao afirmar
a quase omissão da fala como objeto de exploração no trabalho escolar e
que essa omissão pode ter como explicação a crença ingênua de que os
usos orais da língua estão tão ligados à vida de todos que nem precisam ser
matéria de sala de aula.
Caro(a) estudante, assim buscaremos compreender a linguagem
oral tomada como prática social e como objeto de estudo na escola. Travaglia
conceitua a linguagem oral quando afirma que “é uma prática discursiva
inserida numa prática social, envolvendo dois ou mais interlocutores, em
torno de um sentido e de uma intenção particular” (2003, p.99). O que nos
faz pensar ser a linguagem oral diferente da escrita.

103
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Essa especificidade da linguagem oral é confirmada por Kato


(1995) quando afirma que a diferença entre as duas modalidades, oral e
escrita, é determinada pelas diferentes condições de produção, tais como:
a dependência contextual, o grau de planejamento, a submissão consciente
às regras prescritivas convencionalizadas para a escrita. O que nos remete
a compreender que é a dependência contextual que determina o grau
de explicitação textual, isto é, o seu grau de autonomia. Como também,
planejamento que determina o nível de formalidade, que pode ser casual
ou informal e até mais o formal e gramatical.
Sempre pensamos que a linguagem humana tem a função de
comunicar informações. Mas Cagliari (2000) afirma que, quando as pessoas
falam, não pretendem sempre só transmitir informação, conhecimento
novo. Pois além de comunicar pode estabelecer direito e deveres entre os
interlocutores; às vezes é um exercício de poder de uns sobre os outros e
de convencer as pessoas, aliviar os problemas e traumas, condicionar as
pessoas; relatar histórias acrescentando ou omitindo fatos.
Devemos saber que numa situação de interação, através da
linguagem oral, sempre existirá a intencionalidade de quem fala e do
interlocutor. Sempre haverá uma intenção de influenciar o pensamento ou
mesmo o comportamento do outro. Assim, podemos persuadir, ordenar,
informar, questionar o interlocutor, mas podemos também pedir, solicitar,
agradecer, justificar e, ainda, mostrar quem somos e o que sentimos, impor
autoridade e mesmo subjugar as pessoas.
Você já reparou na linguagem usada por certos economistas e/
ou sociólogos e outros profissionais? Eles costumam usar vocabulário com
termos difíceis e construções adaptadas de línguas estrangeiras, que tornam
a fala incompreensível. Para exemplificar esta situação o Ziraldo criou um
texto incompreensível, para ironizar a postura arrogante destes indivíduos,
que pretendem demonstrar poder mais elevado que o seu interlocutor.

O economês e outros eses: como não se deve escrever

“A nível de ideologização (ainda que primariamente


dicotômica) há várias leituras para um discurso autoritário
enquanto proposta ele mesmo: há uma tríade de
condicionantes obsequentes para que se implante num
país e/ou nação uma impostura xenófoba caracterizada por
um ufanismo...”
(Ziraldo, Jornal do Brasil, “Caderno B”, 22/10/1985)

104
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Ao usar o vocabulário de difícil entendimento o economista tem


a intenção de demonstrar poder, de confundir o leitor, deixá-lo inseguro e
fazê-lo silenciar-se. E isto é o que acontece nas situações que o vocabulário
está acima da compreensão dos interlocutores.
Imagine esta situação
A linguagem autoritária procura impor um único sentido, evitando acontecendo na sala de aula,
entre professor e alunos. Será
a ambigüidade de interpretação. Tem a intenção de controlar as reações que os professores, sempre,
do interlocutor. utilizam uma linguagem
acessível aos alunos?
Por isto, nem sempre é bonita, às vezes pode ofender as pessoas,
manipular provas, dizer coisas nas entre linhas, uma vez que, uma frase
pode ter várias conotações dependendo do contexto em que ocorre. De
alguma forma estará a serviço dos interesses da pessoa que fala.
Ao discutir a oralidade como objeto de estudo na sala de aula,
o PCN da Língua Portuguesa considera que o ensino deve significar
a possibilidade de acesso a usos da linguagem mais formalizados e
convencionais. Não um ensino que venha a se constituir como ferramenta
para imposição de poder, mas de competências linguísticas que exijam do
aluno um controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em
vista a importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da
cidadania. Dessa forma:

Ensinar língua oral não significa a capacidade de falar em


geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros que
apoiam a aprendizagem escolar da língua portuguesa e de
outras áreas e, também, gêneros da vida pública no sentido
mais amplo do termo. (BRASIL/MEC, 2001, p.67)

Ou seja, é importante que a escola favoreça o ensino da linguagem


oral como processo de enunciação, não limitando os usos apenas à fala
cotidiana e informal. Assim, o professor deve identificar as dificuldades dos
alunos no uso da linguagem, sobretudo os usos que estão presentes nos
espaços públicos e favorecer condições para o seu desenvolvimento, por
constituir-se como ferramenta para exercício da cidadania plena.

4.2 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E O ENSINO DA ORALIDADE NA ESCOLA

Como explicitado anteriormente, a linguagem oral é instrumento


fundamental de interação humana, mas nem sempre a escola valoriza
adequadamente o falar coloquial dos alunos. Isso ocorre porque, muitas
vezes, na escola são estabelecidos processos de interlocução em que os
falantes de variantes não legitimadas socialmente são discriminados por
seus usos linguísticos e, nesse caso, resta-lhe a abstenção e o silêncio.
Também ocorre que a escola não ensina os alunos a utilizarem as formas
de linguagem que ainda não domina e organiza seus processos discursivos

105
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

pela lógica da correção da linguagem que considera errada. Como afirma


Batista (1997):

A natureza corretiva do ensino também não deixa muitas


dúvidas, no que diz respeito aos resultados desse ensino:
mais do que ensinar, ele busca disciplinar a relação do alu-
no com a língua e a atividade discursiva, levando-o a inter-
nalizar o olhar corretivo do professor; mais do que transmi-
tir um uso da língua, ele formaria uma relação tensa entre
o aluno e a atividade lingüística, fazendo-o reconhecer a
existência de uma língua correta em si mesma, mas, ao
mesmo tempo, negando-lhe o acesso a essa variedade de
prestígio, já que o ensino está centrado apenas na avaliação
e na correção do uso e transmissão de regras gramaticais
(BATISTA, 1997, p.118).

Quando a escola focaliza a correção da linguagem do aluno como


forma prioritária de trabalho, acaba por privilegiar a cultura dominante,
estabelecendo um confronto que desvaloriza os valores e conhecimentos
das classes populares. Assim a escola desconsidera as variantes linguísticas
utilizadas pelos alunos, criando um fosso entre eles e as práticas escolares,
tornando comum o aparecimento das dificuldades de aprendizagem, que
são atribuídas às deficiências linguísticas e culturais. Como aponta Magda
Soares, “a teoria da deficiência cultural afirma que as crianças das camadas
populares chegam à escola com uma linguagem deficiente, que as impede
de obter sucesso nas atividades e aprendizagem” (SOARES, 2001, p.20).
Mas você deve estar se perguntando, o que são variações
linguísticas? Como a questão precisa ser tratada na escola? Se não é para
corrigir a linguagem do aluno, qual é o papel da escola?
A variação linguística é um fenômeno que existe em todas as
línguas, pois elas não são usadas de modo homogêneo por todos os seus
falantes. Coletivamente, o uso de uma língua pode variar de época para
época, de região para região, de classe social para classe social, e assim
por diante. O uso individual também não é uniforme, pois dependendo
da situação de interlocução, uma pessoa pode usar diferentes variedades
da língua.
É preciso compreender que tais mudanças, como se pensava no
início, não se encerram somente no tempo (variação histórica), mas também
se manifestam no espaço (variação territorial, geográfica ou regional), nas
camadas sociais e nas representações estilísticas. Segundo Cagliari (2000)
existe fala diferente porque as línguas sofrem transformações e adquire
particularidades próprias no decorrer do tempo e em função do uso por
grupos específicos, pois os indivíduos aprendem a língua ou dialeto da
comunidade em que vive.
Kato (1995) afirma que, quando se fala em diferenças entre
linguagem oral e escrita, pensa-se em duas modalidades invariantes,

106
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

quando, na verdade, no interior de cada uma, há múltipla variação.


Desta forma descreve fatores determinantes na forma da linguagem que
são a variável social e psicológica, o grau de letramento, o estágio de
desenvolvimento lingüístico, o gênero, o registro e a modalidade.
Para explicar a importância da variável social e psicológica
na forma de linguagem, Kato (1995) cita Bernstein (1972) segundo sua
definição sociológica, os grupos sociais caracterizam-se por orientar
diferentemente suas escolhas lexicais e estruturais, que é o código
elaborado para a classe média e o código restrito para a classe operária,
escolhas essas que determinariam um maior ou menor desenvolvimento
cognitivo. Essa perspectiva é extremamente criticável, uma vez que
submete a capacidade cognitiva à classe social. Enquanto, na sua definição
psicológica o que determina a forma do “código elaborado” em oposição
do “código restrito” é a qualidade do planejamento verbal, que pode ser
empiricamente verificada através do fenômeno da hesitação. O nível mais
alto de organização estrutural e de seleção lexical do código elaborado
exige um planejamento mais cuidadoso, o que possibilita a preparação e a
transmissão de significados de forma mais explícita.
A autora descreve o fator do letramento com base na fala pré-
letramento e pós-letramento, buscando apoio no estudo de Brown (1981),
que distingue a fala em dois momentos distintos, uma antes e outra
após a experiência de escrita. Assim, apresenta sugestões de análise das
variáveis que podem determinar as diferenças da fala nos dois momentos:
características sintáticas para analisar a quantidade e tipo de estruturas,
extensão dos períodos e desvio em relação à norma culta; as características
lexicais, para análise da densidade lexical, limitação vocabular e desvio em
relação à norma culta; e por fim as características com intuito de analisar o
uso do tempo, tipos modais, uso de negação, concordância e o desvio da
norma-padrão. É de Brown (1981) a concepção de uma fala influenciada
pela escrita, que se contrapõe à visão de que a escrita é a transmissão da
fala ‘ideal’ ou ‘culta’. Kato (1995) concorda ao afirmar que a fala padrão
nada mais é do que a simulação da própria escrita.
O estágio de desenvolvimento lingüístico evolucionista tem base
na psicolingüística. Ochs (1972) citada por Kato (1995, p.24), aponta
diferenças entre o discurso relativamente não planejado (DRNP) e o discurso
planejado (DP) e constata também que “a forma lingüística na fala é função
do grau de planejamento verbal, e não apenas do estágio da aquisição”. As
características de discurso planejado não se restringem à linguagem escrita,
posto que o falante também pode planejar o seu discurso e produzir
uma fala formal. Logo, o discurso não planejado apresenta dependência
contextual, uso de estruturas morfo-sintáticas adquiridas cedo, uso de
repetição lexical e menor uso de variação de forma e conteúdo. Por sua
vez o discurso planejado apresenta menor dependência contextual, menos

107
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

uso de estruturas adquiridas cedo, mais estruturas adquiridas tardiamente,


menor uso de repetição lexical e maior uso de variação de forma e
conteúdo. Ela admite a presença de traços de discurso relativamente não-
planejado na linguagem escrita não-dissertativa.
Kato (1995) descreve a forma como uma função de gênero, citando
Tannen (1982), que afirma a linguagem oral é altamente dependente do
contexto, enquanto que a escrita é descontextualizada. Mas, para Kato, ela
é apenas relativamente descontextualizada, e que a coesão, na linguagem
oral, é estabelecida através de recursos paralinguísticos e suprassegmentais,
enquanto que, na linguagem escrita, ela é estabelecida através de meios
lexicais e de estruturas sintáticas complexas que usam conetivos explícitos.
Travaglia (2003) afirma que apesar de reconhecer a variedade
lingüística como um fato, a sociedade a considera em uma escala valorativa,
às vezes até moral, que as classifica como certos e errados, aceitáveis ou
inaceitáveis, pitorescos, cômicos etc.
Desta forma, caros(as) estudantes tanto Cagliari quanto Travaglia
chamam a atenção para o fato da necessidade do aluno dominar as
variações lingüísticas, inclusive o dialeto-padrão.
Assim, para facilitar a compreensão vamos estudar as dimensões
de variação dialetal registradas por Travaglia (2003), que são: variação
dialetal e variação de registro.

4.2.1 Variação Dialetal

O Dialeto territorial, geográfico ou regional acontece entre


pessoas de diferentes regiões em que se fala a mesma língua, que sofreu
influência durante a sua formação e/ou porque os falantes constituem
uma comunidade lingüística geograficamente limitada, atraídos em termos
políticos, econômicos e/ou culturais identificados por comportamento
lingüísticos comuns.
As diferenças entre a língua usada em uma região e outra, na
maioria das vezes, acontecem no plano fonético que são pronúncia,
entonação, timbre, etc., e no plano léxico que são as palavras diferentes
usadas para dizer a mesma coisa, as mesmas palavras com sentidos
diferentes em regiões diferentes.
No exemplo, abaixo, percebemos a fala típica do caipira do
interior de Minas Gerais.

108
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Figura 19: variantes linguísticas: dialeto


Fonte: disponível em 1.jpg prosaeletras.blogspot.com. Acessado em 10 de outubro de
2010.

Já neste exemplo percebemos um diálogo entre uma pessoa de


região diferente do típico caipira do interior de São Paulo.

Figura 20: caipira


Fonte: Disponível em: lblog.educacional.com.br. acessado em 10 de outubro de
2010.

109
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

O dialeto social ocorre de acordo com a classe social a que pertence


os usuários da língua. São os jargões profissionais ou de determinadas
classes sociais bem definidas como grupo, como professores, artistas,
médicos, mecânicos e gíria que define determinado grupo social etc.
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relacionados

Figura 20: O uso da linguagem.


Fonte: Disponível em blog.educacional.com.br. Acessado em 10 de outubro de 2010.

O dialeto de idade representa o modo de usar a língua de pessoas


com idades diferentes, normalmente em faixa etária. Durante a vida a
pessoa passa de um grupo para outro, adotando as formas de falar de um
grupo e abandonando as do outro.
O dialeto de sexo representa as variações de acordo com o sexo
de quem fala. Algumas diferenças são marcadas por razões gramaticais,
como certos fatos de concordância. Mas há diferenças mais sutis no que diz
respeito ao uso do léxico e de certas construções, considerando restrições
sociais quanto à imagem que se faz do comportamento apropriado para
homens e para mulheres.
Já o dialeto de geração ou variação histórica é difícil ser encontrado
na linguagem oral e é percebido mais facilmente na língua escrita, por
causa dos registros, que as faz permanecerem no tempo.
Por fim o dialeto de função representa as variações na língua
decorrente da função que o falante desempenha. É o uso do chamado
plural majestático, em que os governantes ou alta autoridades expressam
seus desejos ou intenções com o pronome “nós”, sinalizando sua posição
de representante do povo.

4.2.2 Variação de Registro

As variações de registro são variedades que ocorrem em


função do uso que se faz da língua, porque, para ser entendida, a
pessoa precisa estar em sintonia com o receptor, o que a leva a escolher
palavras e modos de dizer adequados para cada situação. Isso é
facilmente observável na maneira como nos dirigimos, por exemplo, a
uma criança, a um colega de trabalho, a uma autoridade. As variações

110
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

de registro podem ser de três tipos: grau de formalismo, modalidade e


sintonia, que não aparecem isolados, mas se correlacionam.
Grau de Formalismo: Apresenta uma escala de formalidade,
no sentido normativo e estético, no uso dos recursos da língua, como
recursos fonológico, morfológico, sintático ou das construções, do léxico,
uso estilísticos, etc, e também como uma maior variedade de recursos
utilizados, aproximando-se cada vez mais da língua padrão e culta nos
usos literários, obras científicas, etc.
Caro(a) estudante, imagino que você já pensou na linguagem
oral como informal e na escrita como formal. Caso isto tenha acontecido
é o momento de desfazer o engano. Uma vez que, podemos ter textos
altamente formais na linguagem oral e textos totalmente informais na
língua escrita.
Para facilitar a distinção dos graus de formalismo da linguagem oral
buscamos apoio em Travaglia (2003), que cita uma proposta de classificação
organizada por Bowen (1972):
a) Oratória: linguagem elaborada, intrincada, enfeitada,
inteiramente composta de períodos equilibrados e construções paralelas.
É usada na maioria das vezes por especialistas, tais como: advogados,
sacerdotes e outros oradores religiosos, políticos etc. e é sempre reconhecida
como apropriada para situação muito formal.
b) Formal ou Deliberativo: linguagem usada para falar a grupos
grandes ou médios, em que excluem as respostas informais. É preparado
previamente e mantém de propósito a distância entre falantes e ouvintes.
Este modo se caracteriza por sentenças que são rigorosamente definidas,
por um número reduzido de sentenças curtas, por vocabulário mais rico,
com muito sinônimos usados para evitar repetições léxicas desnecessárias,
com o falante preocupado com o estilo de expressão. Como exemplo,
podemos citar as Conferências científicas.
c) Coloquial: aparecem no diálogo entre duas pessoas, participantes
ativas, alternando-se no papel de falante e emitindo sinais de realimentação,
quando no papel de ouvinte. Sem necessidade de planejamento prévio,
mas sob controle. Este modo é caracterizado por construções gramaticais
soltas, repetições freqüentes, frases bem curtas e com conectivos simples,
léxico constituído de palavras de uso mais freqüente.
d) Casual: nesse nível percebe-se uma completa integração entre
falante e ouvinte, com o uso freqüente de gíria, que é um indicador do
relacionamento próprio de um grupo fechado com linguagem particular.
Este modo é caracterizado pela omissão de palavras e pouco cuidado em
sua pronuncia, que pode ocorrer com mudanças de sons, sem seus finais,
etc. Seriam exemplos desse nível as conversações descontraídas entre
amigos e colegas de trabalho.

111
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

f) Familiar: inteiramente particular, pessoal, usado na familiar


privada. Este grau de formalismo é a língua em que há a intimidade da
afeição. Aparecem, portanto muitos elementos da linguagem afetiva com
função emotiva.
Mesmo com esta classificação, organizada por Travaglia (1996), sabemos
ou até mesmo conhecemos pessoas que querem dominar o outro pela
linguagem. Pessoas que querem de alguma forma exercer um tipo de
poder sobre o interlocutor.
No cotidiano é muito comum o uso de linguagem apelativa ou
discurso apelativo para persuadir o outro a tomar decisões. Às vezes,
um pedido, uma sugestão encobre uma atitude de manipulação numa
tentativa de convencer o interlocutor, sem que ele perceba que está sendo
guiado pela sedução. Temos como exemplo a linguagem utilizada nas
propagandas que tem objetivos bem definidos de convencer o consumo
do produto anunciado.
Ramos (2002) afirma que o estilo de linguagem utilizado depende
da situação em que a interação lingüística se efetiva. Para a autora, nas
situações mais espontâneas, entre interlocutores mais íntimos, quer falando
ou escrevendo sobre assuntos do cotidiano, usamos o estilo coloquial. Já
em situações mais formais, com temas mais específicos buscamos também
um vocabulário mais elaborado.
Na realidade de sala de aula, pode ser a grande dificuldade da
maioria dos professores trabalharem com a linguagem oral de forma que
possa ser a base de uma escrita adequada. Esta dificuldade é mais visível no
grupo de alunos que não conhecem a língua considerada padrão ou culta.
Esta dificuldade é observada desde o período de alfabetização,
pois o aluno deve num só passo redigir textos no dialeto padrão, dominar
a escrita significativa, o que é sem dúvida alguma mais difícil para o aluno
falante de uma variante da língua do que para um aluno que domina este
dialeto. Assim, a escola deve estar preparada com professores capazes
de atender as necessidades dos alunos com maiores dificuldades. Deve
possibilitar que estes alunos dominem o dialeto do grupo familiar, como
também o dialeto padrão. Para que possa compreender a linguagem que
circula, principalmente, nos meios de comunicação e nos livros didáticos.

4.3 O TRABALHO COM A ORALIDADE NA SALA DE AULA

Pensando em contribuir com a prática na sala de aula, Ramos


(2002) propõe algumas atividades para serem desenvolvidas pelo professor
juntamente com seus alunos:
1. Selecionar diferentes poesias e distribuir entre os alunos para
lê-las individualmente.

112
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

• Gravar a leitura oral de cada aluno.


• Apresentar a gravação para cada aluno comparar o texto oral com
o texto escrito.
• Organizar um Sarau Poético para apresentação dos alunos.

2. Organizar entrevistas com os alunos.


• Cada aluno deve transcrever o seu texto e compará-lo com textos
escritos, ressaltando-se as diferenças, juntamente com o contato intenso
com a fala de usuários da norma culta, a leitura de textos de jornais, de
peças de teatro e livros em geral. Tais atividades devem se orientar por
uma abordagem reflexiva, para poderem contribuir para que os alunos
compreendam as diferenças entre a sua linguagem e a língua padrão, de
forma a se apropriarem da língua formal e poderem utiliza-la nas situações
sociais.

Ao pensar estas atividades a autora espera que os problemas


decorrentes com o trabalho da linguagem oral na escola sejam minimizados,
o que inclui audição, discussão, repetição, transcrição e “tradução” de textos
de diferentes estilos. Faz questão de lembrar aos professores a necessidade
de estarem atentos de modo a evitar a manifestação de atitudes de rejeição
das diferentes variedades lingüísticas. Esse posicionamento é confirmado
por Cagliari (2000), quando demonstra preocupação ao afirmar o dever
das escolas em respeitar os dialetos, entendê-los e ensinar a língua padrão
em condições de igualdade lingüística.
Antunes (2003) propõe que a escola deve desenvolver de
atividades para garantir aos alunos a compreensão de:
• Uma oralidade para a coerência global: Os textos são desenvolvidos
a partir de um determinado assunto ou dentro de um tema específico.
Então o aluno deve ser capaz reconhecer a sua unidade temática, inclusive
perceber suas características diferentes nas situações da conversação;
• Uma oralidade orientada para a articulação entre os diversos
tópicos ou subtópicos da interação: os textos orais não dispensam os
recursos de encadeamento dos tópicos. Analisar textos em sala de aula
para verificar o uso de elementos reiterativos ou de elementos conectores
como repetições, substituições pronominais, substituições por sinônimos,
por hiperônimos, associações semânticas entre palavras e conjunções;
• Uma oralidade orientada para as suas especificidades: os
professores devem ressaltar os pontos formais e funcionais em que os textos
orais e os textos escritos são diferentes. O confronto entre uma e outra
– desde que se considerem os mesmos níveis de registro (fala formal e
escrita formal) – pode ser bastante produtivo para a compreensão daquelas
similaridades e diferenças e para o entendimento das mútuas influências
de uma sobre a outra;

113
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

• Uma oralidade orientada para a variedade de tipos e de gêneros


de discursos orais: o professor precisa ajudar os alunos a desenvolver, para
que eles saibam adequar-se às condições e de recepção dos diferentes
eventos comunicativos (conversa coloquial, debate, a exposição de motivos
e idéias, a explicação, o elogio, a crítica, a advertência, o aviso, o convite, o
recado, a defesa de argumentos etc.). O aluno deve ser capaz de participar
cooperativamente, respeitando a vez de falar e de ouvir, de fazer exposições
orais sobre temas de interesse do grupo, de argumentar sobre uma idéia, de
dar instruções; de narrar experiências vividas, de descrever, com clareza,
ambientes, pessoas, objetos, fatos; enfim de ajustar-se à imensa variedade
de situações de interação verbal e de saber usar as distintas estratégias
argumentativas típicas dos discursos orais. O aluno deve exercitar, em suas
regularidades mais gerais, o “falar em público, pois tal discurso apresenta
traços especiais, diferentes do discurso informal, próprio de situações
coloquiais e privadas. O professor deve rejeitar, com firmeza, qualquer
atitude discriminatória, seja quem for, em relação às falas desprestigiadas;
• Uma oralidade orientada para facilitar o convívio social: Diz
respeito à questão dos interlocutores e de seus papeis na interação. O
falante e o ouvinte são os atores do drama da comunicação e, nesse drama,
cada um tem seu papel específico, que delimita suas possibilidades de
atenção. Quem fala primeiro, quem pode falar; quem pode interromper
e tantas outras restrições estão ligadas, intimamente, aos papeis sociais
vividos por todo interlocutor em cada situação comunicativa. O ouvinte de
uma conferência não se comporta da mesma maneira que o participante
de uma conversa entre parceiros. A escola não pode deixar de dar essas
orientações nem de explorar as expressões próprias de um comportamento
lingüístico polido se pretende desenvolver a competência comunicativa
dos alunos;
• Uma oralidade orientada para se reconhecer o papel da entonação,
das pausas e de outros recursos supra-segmentais na construção do
sentido do texto: o professor deve explorar a função de certas expressões
fisionômicas de certos gestos e outros recursos de representação cênica
(como levantar-se, movimentar-se), os quais funcionam, de forma muito
significativa, com o elemento complementar no processo da interação
verbal;
• Uma oralidade que inclua momentos de apreciação das realizações
estéticas próprias da literatura improvisada, dos cantadores e repentistas:
lamentavelmente, algumas vezes, essas produções aparecem na sala de
aula apenas como pretexto para que sejam convertidas na norma padrão
da língua. Perde-se assim o seu valor como forma de expressão oral dos
valores culturais de uma comunidade, além de se passar sutilmente a idéia
de que seu padrão lingüístico deve ser evitado;

114
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

• Uma oralidade orientada para desenvolver a habilidade de


escutar com atenção e respeito os mais diferentes tipos de interlocutores:
a atividade receptiva de quem escuta o discurso do outro é uma atividade
de participação, de cooperação em vista da própria natureza interativa da
linguagem. Nas atividades de sala de aula, o professor bem que poderia
desenvolver nos alunos a competência para saber ouvir o outro, escutar,
com atenção, o que ele tem a dizer. É uma competência socialmente tão
relevante e pouco estimulada.
O PCN da Língua Portuguesa também discute o problema do
preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais e
considera que ele deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo
educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Também
é abordado o equívoco da escola em considerar que existe apenas uma
linguagem correta e querer “consertar” a fala do aluno para evitar que ele
escreva errado.

Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação


cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do alu-
no, tratando sua comunidade como se fosse formada por
incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de
uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de
seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um
dado momento histórico (BRASIL/MEC, 2001, p. 26).

Por essa abordagem, o PCN sugere que a escola deva ensinar o


aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, em
especial nas mais formais. Como propostas de atividades adequadas a esse
ensino é sugerido o planejamento e realização de entrevistas, debates,
seminários, diálogos com autoridades, dramatizações, etc. Trata-se de
propor situações didáticas em que o uso da linguagem oral formal faça
sentido para o aluno, pois seria descabido “treinar” o uso mais formal da
fala. O PCN defende que ensinar a linguagem oral não é uma questão de
correção da forma, mas de adequação da fala às circunstâncias de uso,
pois, falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido. E a
aprendizagem de procedimentos eficazes de fala e de escuta, em contextos
mais formais, dificilmente ocorrerá se a escola não tomar para si a tarefa
de promovê-la.
.

115
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontros e interação. São Paulo:


Parábola, 2003. 181p.

BATISTA, A. A. G. Aula de Português: Discurso e saberes escolares. São


Paulo: Martins Fontes, 1997.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione,


2000.187p.

COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo: Martins


Fontes, 1999.

FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1993.

KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística.


São Paulo: Ática, 1995. 144p.

MARCUSHI, Luiz Antonio. Da fala para a escrita: atividades de


reestruturação. São Paulo: Cortez, 2005. 133 p.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade.


In: DIONÍSIO, Ângela, P. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna,
2002.

RAMOS, Jânia M. O espaço da oralidade na sala de aula. São Paulo:


Martins Fontes, 2002. 97p.

PONDÉ, Glória; RICHE, Rosa Maria Cuba. In: SALADO, Umbelina Caiafa;
MIRANDA, Glaura Vasques (Org.). SEE-MG Veredas – Formação superior
de professores. Mód. 1, Vol. 2 e 3. Belo Horizonte: SEE-MG, 2002.

SOARES, Magda. Para quem pesquisamos? para quem escrevemos?


In: GARCIA, Regina Leite (Org.) Para quem pesquisamos: para quem
escrevemos: o impasse dos intelectuais. São Paulo: Cortez, 2001, p. 65-
90.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo:


Ática, 1997.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o


ensino de gramática. São Paulo: Cortez. 2003, 245p.

116
UNIDADE 5
O ENSINO DE GRAMÁTICA NA ESCOLA

Geisa Magela Veloso

Introdução:

Caro(a) estudante;
Você viu nas unidades anteriores que o domínio da língua oral e
escrita é fundamental para as pessoas, posto que é por meio da linguagem
que o homem se comunica, recebe e emite informações, se expressa,
defende pontos de vista, partilha visões de mundo e produz conhecimentos.
Isso significa que falar, ler e escrever são habilidades básicas para o exercício
da cidadania e para a participação social efetiva, por possibilitar que as
pessoas resolvam inúmeras situações, em diferentes situações sociais.
Por isso o PCN da língua português aponta a responsabilidade da
escola em garantir a todos os seus alunos o acesso a esses saberes necessários
para o exercício da cidadania, que se constitui como direito inalienável
de todos (BRASIL/MEC, 1997). No entanto, para usar adequadamente a
língua oral e escrita, ajustando o seu discurso aos diferentes interlocutores
e às diferentes situações de interlocução é importante que se aprenda as
convenções da norma culta de língua.
Nesse sentido, com essa última unidade de estudo, esperamos
que você possa compreender o papel dos conhecimentos gramaticais no
processo de interação social. O objetivo dessa unidade é compreender o
ensino de gramática como estudo da estrutura dos textos, considerando
que a pontuação e ortografia devem se constituir como objetos de ensino
na escola, posto que são elementos que servem para organizar as ideias e
facilitar a leitura. Assim, esperamos que compreenda que a aprendizagem
de conteúdos gramaticais irá permitir ao aluno imprimir maior qualidade
ao uso da linguagem e essa habilidade justifica o seu ensino na escola.
Apesar de ser considerada como aprendizagem importante, a
gramática tem sido alvo de discussões intensas, que dividem os professores.
Em artigo fundamentado em pesquisa realizada com professoras, Moraes
(2001) descreve práticas de ensino de Português, evidenciando as
dificuldades docentes e confusão em relação ao tipo de trabalho que
deveria ser feito. Para algumas professoras, as mudanças propostas para
o ensino de gramática eram compreendidas como negação da gramática
normativa, em que as professoras deixavam de trabalhar os aspectos
gramaticais.
A autora entendia que as polêmicas em torno do ensino de
gramática dividiram os professores em dois grupos: os gramatiqueiros
ou tradicionais, que defendiam o ensino gramatical na sala de aula; e os
progressistas, que defendiam a modificação do ensino ou o abandono da
gramática (MORAES, 2001).

117
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

É partindo dessas incompreensões nos perguntamos sobre o tipo


de trabalho a ser realizado com a gramática, de forma a garantir que os
alunos se apropriem desses conteúdos como instrumentos para se atingir
Pensando nessa questão, o objetivo de se ensinar Português na escola – objetivo que, conforme
registre abaixo suas lembranças
e o que pensa sobre o ensino Travaglia (1996), deve ser o de ampliar a competência comunicativa.
de conteúdos gramaticais
Para discutir a questão do ensino dos conteúdos gramaticais e
na escola. Você se lembra
de como eram trabalhados ampliar a visão dos professores e da escola sobre esse ensino, nos reportamos
esses conteúdos na época
aos conceitos de gramática, para depois apresentarmos as propostas de
em que era estudante? Você
considera que os professores mudanças que têm sido defendidas pelos linguistas e pesquisadores da
da escola em que estudou
linguagem e da educação.
eram gramatiqueiros ou
progressistas?

5.1 CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA.

Ao discutir o ensino de conteúdos gramaticais na escola, Travaglia


(1996) considera importante definir o que seja gramática. Conformeo
autor, quanto às concepções, existem pelo menos três tipos de gramática:
normativa, descritiva e internalizada.
A) Gramática Normativa: é o conjunto de normas para bem
falar e escrever, estabelecida pelos especialistas, e que se tornou oficial.
Conforme Travaglia (1996), esse tipo de gramática é considerado como
gramática normativa, porque dita regras, estabelece a forma correta de
escrever e falar o idioma, ou seja, prescreve o que deve e o que não se
deve usar, funcionando como lei que regula o uso da língua na sociedade.
Para os especialistas, que trabalham com a gramática normativa,
a língua é compreendida como a variedade culta ou padrão, sendo que
todas as outras formas de uso são consideradas como desvios, erros,
deformações, degeneração da língua. Nesse caso, as normas de bom uso
da língua são baseadas no uso consagrado pelos bons escritores, sendo
ignoradas as características da linguagem oral e depreciadas as outras
variedades da língua. Assim, frases como “eu vi ele ontem”; “o homem
que eu saí com ele”; “o chefe pediu para mim dizer a vocês que está tudo
bem”, são consideradas erradas para a Gramática Normativa, apesar de
serem aceitas pela gramática de outras variedades não cultas da língua.
Isso porque os especialistas desconsideram os usos que os falantes fazem
da língua e baseiam-se, em geral, na língua escrita, considerando (de forma
consciente ou não) que a escrita e a fala são idênticas (TRAVAGLIA, 1996).
B) Gramática Descritiva: é um conjunto de regras que o estudioso
da língua encontra nos dados linguísticos que analisa. É um conjunto de
noções mediante as quais se analisam os fatos de uma língua, permitindo
descrever a sua estrutura e estabelecer as regras de uso. A gramática
descritiva trabalha com qualquer variedade da língua e não apenas com
a variedade culta, e dá preferência aos usos orais que são feitos por seus
usuários. Dessa forma, a gramática descritiva será o resultado do trabalho

118
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

do linguista a partir das observações que faz, procurando explicitar


o mecanismo de funcionamento da língua usada por determinadas
comunidades de falantes, construindo hipóteses que expliquem esse
funcionamento. (TRAVAGLIA, 1996).
C) Gramática Internalizada: é o conjunto de regras que o
falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar. Gramática, nessa
concepção, corresponde ao saber linguístico que o falante de uma língua
desenvolveu, dentro de certos limites impostos pela sua dotação genética
e pelas condições sociais e antropológicas em que vive. Considerando
a gramática internalizada, o linguista compreende que não haja erro
linguístico, mas inadequação do uso da língua por um determinando
usuário, em uma determinada situação de interação comunicativa. Por
ex: “meus cumprimentos porque a sua mãe bateu as botas”; “então, a
velha bateu as botas?!” não são construções erradas, mas construções
inadequadas desde que se esteja querendo demonstrar consideração e
apreço pelo morto e seus familiares na dor da perda. No entanto, essas
frases poderiam ser usadas em uma situação de humor (TRAVAGLIA, 1996).
Ainda discutindo concepções e ideias relacionadas ao ensino de
conteúdos gramaticais, Travaglia (1996) considera que, quanto à explicitação
da estrutura e funcionamento da gramática, existem pelo menos três tipos,
dentre os quais o autor destaca: gramática implícita, gramática explícita,
gramática reflexiva.
A) Gramática Implícita é a competência internalizada do falante
ao usar a língua, sendo considerada implícita porque o usuário utiliza um
determinado conjunto de regras de uma língua, mas não tem consciência
deles e, de modo geral, não sabe explicar o uso que está fazendo ao
construir determinadas frases.
B) Gramática Explícita ou Teórica é a explicitação consciente de
determinado conjunto de regras explicativas do funcionamento da língua,
é a produção de uma metalinguagem sobre a língua.
C) Gramática Reflexiva é a gramática em explicitação e representa
as atividades de observação e de reflexão sobre a língua, buscando detectar
e explicitar regras de funcionamento, partindo normalmente dos usos que
o falante faz.
Mas você deve estar se perguntando de que forma esses conceitos
de gramática interferem no ensino a ser organizado na escola. E a resposta
é simples: a partir dessas conceituações é possível definir uma proposta
de ensino dos conteúdos gramaticais nos primeiros anos do Ensino
Fundamental.
Para Possenti (2001), dentre a gramática normativa, a descritiva
e a internalizada, deve-se priorizar o conhecimento internalizado. Isso
implica em dizer que, antes de descrever qualquer regra da língua, deve-se
certificar de que o aluno a utiliza e a compreende. Assim, a escola deveria

119
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

acreditar que, em sua proposta de ensino, em primeiro lugar, deve estar


o acesso aos mais variados tipos de textos, ou seja, acreditar que a saída é
ler muito, aumentar o repertório do aluno, suas possibilidades de contatos
com mundos linguísticos que ele ainda não conhece, através dos livros. Em
segundo lugar, em termos de prioridade, entraria a gramática descritiva. Ou
seja, diante de um domínio linguístico efetivo da língua ou de problemas
que o aluno manifesta em suas atividades com a língua, deve-se aprender
a comparar ou propor diversas possibilidades de construção.
Essa defesa de Possenti (2001) significa dizer que, ao invés
de priorizar o ensino de regras da gramática normativa, a escola deve
favorecer condições para que os alunos internalizem a gramática, cujas
regras serão utilizadas nas suas produções orais e escritas. Para isso, a escola
deve trabalhar com a gramática reflexiva, pela lógica de um permanente
processo de análise e discussão sobre os usos linguísticos realizados pelos
alunos. Assim, poderão internalizar as normas da língua culta e as utilizar
nas situações sociais em que for necessário um padrão de linguagem mais
formal.

5.2 O ENSINO DE GRAMÁTICA NA ESCOLA.

Tradicionalmente a escola sempre ensinou conteúdos gramaticais


pela lógica da explicitação das regras da gramática normativa, que
deveriam ser memorizadas pelos alunos. Por essa abordagem a escola
prioriza os saberes prescritos pela gramática normativa, reduz a linguagem
à sua dimensão formal e desconsidera os usos linguísticos realizados pelos
falantes. O ensino parte da regra gramatical para se chegar ao uso – uma
inversão do processo de aprender a língua, pois, para aprender a falar se
parte dos usos efetivos da linguagem, para depois compreender as regras
que a organizam.
Conforme Antunes (2003), na abordagem tradicional duas
perspectivas de ensino podem ser identificadas: 1) o ensino da gramática
normativa, de forma fragmentada e descontextualizada (baseada no
reconhecimento, na classificação e na nomenclatura); 2) a utilização do
texto como pretexto para a identificação e a classificação de elementos
da gramática normativa, em que o texto não é objeto de estudo, mas de
ilustração e exemplificação de noções gramaticais.
Essa é uma abordagem conservadora, que trata o ensino dos
conteúdos gramaticais desarticulados de seus usos. Pesquisa realizada por
Batista (1997) aponta que a organização do trabalho na escola se articula
pelos processos de estratificação escolar e social, e que a correção é um
eixo da atividade do professor. Conforme o autor:

120
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

A natureza corretiva do ensino também não deixa muitas


dúvidas, no que diz respeito aos resultados desse ensino:
mais do que ensinar, ele [o professor] busca disciplinar a
relação do aluno com a língua e a atividade discursiva,
levando-o a internalizar o olhar corretivo do professor (BA-
TISTA, 1997, p.118).

Neste processo de ensino, a relação estabelecida com a língua


pode gerar o silenciamento dos alunos, pois a escola reconhece os usos
dominantes da linguagem, desconsiderando os demais usos realizados por
diferentes comunidades linguísticas.
Na direção dessas conclusões de Batista (1997), pesquisa realizada
por Albuquerque (2006) também indica, apesar do ensino de gramática ter
se constituído como objeto de reflexão e análise por parte de pesquisadores
e especialistas, mudanças significativas no ensino da linguagem ainda não
chegaram às escolas. Na concepção da autora, apesar de seus efeitos
negativos, do fracasso na aprendizagem e do desagrado dos alunos pelo
ensino da língua, antigas práticas continuam presentes nas salas de aula.
Assim, visando produzir modificações nessas práticas, as professoras têm
procurado adotar o texto como unidade linguística básica para o ensino
da língua, mas as frases e palavras isoladas ainda têm prioridade no ensino
dos conteúdos gramaticais. E as razões apontadas para a não mudança no
ensino estão associados à formação deficitária das professoras, à jornada
de trabalho triplicada, ao baixo poder aquisitivo ou desinteresse das
professoras, que não investem em sua formação e não adquirem livros
para estudo (ALBUQUERQUE, 2006).
Conforme sinaliza o PCN da Língua Portuguesa, a escola utiliza
uma forma descontextualizada para ensinar gramática. Considerando
a gramática como um conteúdo estritamente escolar, “do tipo que
só serve para ir bem na prova e passar de ano”, a escola produz uma
prática pedagógica que se baseia na exemplificação, nos exercícios de
reconhecimento e memorização de nomenclatura. “Em função disso,
tem-se discutido se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa
é uma falsa questão: a questão verdadeira é para que e como ensiná-la
(BRASIL/MEC, 1997, p. 31).
Ao discutir o ensino de Português na escola, Possenti (2001)
considera que o ensino de gramática pode sim ser um objetivo válido.
Contudo, sugere que a prioridade do ensino na escola deveria ser modificada,
para se seguir um caminho inverso ao que a escola tem adotado, não
colocando prioridade sobre as regras da gramática normativa. Para o autor,
o mais importante é que o aluno possa vir a dominar efetivamente o maior
número de regras possível, isto é, que ele se torne capaz de se expressar
nas mais diversas circunstâncias, segundo as exigências e convenções das
situações de comunicação. Essa abordagem proposta para o ensino de

121
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

gramática significa que o aluno não deva ser treinado a memorizar regras
da gramática normativa, mas ter oportunidades de vivenciar situações de
uso da língua padrão, de forma a compreendê-la e poder internalizar as
regras que a estruturam. É um direito elementar do aluno o acesso aos
bens culturais da sociedade, e é bom não esquecer que, para muitos, esse
acesso somente é possível através do que lhes for ensinado na escola.
Ao propor modificações no ensino da gramática na escola,
Possenti (2001) chama a atenção para o tipo de aprendizado que levou a
criança a aprender a falar e a dominar a variedade linguística utilizada em
sua comunidade, antes mesmo da experiência escolar. Ainda conforme
Possenti (2001), a aceitação de que o objetivo prioritário de escola é
permitir a internalização da gramática conduz ao compromisso da escola
com uma metodologia que passa pela exposição constante do aluno ao
maior número possível de experiências linguísticas na variedade padrão.
Para o autor, se nos atentarmos para a aprendizagem da oralidade,
poderemos aceitar sem discussão de detalhes que esse aprendizado não
ocorreu pelo ensino, mas se deu pela exposição e participação na fala dos
grupos com os quais conviveu. Essa é, para o autor, uma metodologia bem-
sucedida para o aprendizado de qualquer língua ou variedade: exposição
aos dados.
Em pesquisa realizada na rede pública de ensino, por meio de
questionários, observações de aula e análise de cadernos dos alunos,
Moraes (2001) constatou que as professoras têm procurado imprimir
modificações em suas práticas de ensino, explorando diferentes gêneros
e portadores textuais. As professoras integrantes da pesquisa trabalhavam
com uma série de textos interessantes, como charges, tirinhas, reportagens,
letras de música, textos dos alunos, contudo, o trabalho realizado não
favorecia condições adequadas para o domínio efetivo da língua.
Ao discutir as práticas pedagógicas desenvolvidas pelas professoras
integrantes da referida pesquisa, Moraes (2001) apontou alguns equívocos
produzidos por elas. Ao trabalhar com os alunos, a atividade de leitura
se restringia à análise do conteúdo dos textos, abordando aspectos de
natureza social, ambiental, econômica, cultural. No entanto, o trabalho
não favorecia a análise linguística e a apropriação de regras gramaticais
pelos alunos. Ainda conforme a autora, às vezes os textos utilizados
em sala de aula serviam de pretexto para o trabalho assistemático com
gramática, sem dar aos alunos condições para fazerem análise de recursos
linguísticos, semânticos, estilísticos utilizados pelo autor. Ao trabalhar os
textos, muitos professores ainda se atêm à ortografia, ao estudo de frases
soltas e vocábulos, não analisando o texto como um todo.
A autora ainda constatou que algumas professoras trabalhavam
com textos produzidos pelos alunos e não apenas com textos dos livros
didáticos, mas não apresentavam base teórica que permitisse aos alunos

122
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

compreender os usos da língua, a partir da discussão dos aspectos


linguísticos que apareciam nos textos. (MORAES, 2001).
A pesquisa de Moraes (2001) indica que as professoras sentem
necessidade de mudança no ensino de conteúdos gramaticais, mas ainda
não construíram conhecimentos que lhes permitissem realizar a mudança.
Isso porque, mesmo mudando o eixo do ensino e trabalhando com base nos
textos, as professoras limitam o ensino à compreensão dos significados, não
abordando aspectos gramaticais presentes nos usos linguísticos realizados
por seus autores.
Ao discutir a necessidade de se repensar a aula de português,
Antunes (2003) destaca que a mudança não está localizada nos métodos
ou nas técnicas a serem utilizadas pelo professor, mas na escolha do
objeto de ensino. Nesse sentido, a autora compreende que as estratégias
tradicionalmente utilizadas em aula devam ser substituídas, de forma que a
escola tenha por objetivo os usos sociais da língua.
Ao propor que o texto seja objeto de estudo nas aulas de Português,
Antunes (2003) propõe que se estude, se analise, se tente compreender o
texto, no todo e em cada uma de suas partes. No entanto, propõe um
segundo movimento de trabalho, que ultrapasse a compreensão do texto.
Para a autora, depois da compreensão do texto, o professor vai ativando
as noções, os saberes gramaticais e lexicais que são necessários para a
ampliação dos conhecimentos linguísticos dos alunos.
Ao discutir o modo como o texto tem sido utilizado na escola,
Albuquerque (2006) analisa alguns procedimentos identificados em
pesquisa realizada com professores da rede pública de ensino. Conforme a
autora, o trabalho com os textos era organizado pelas professoras a partir da
utilização de dois procedimentos básicos. No primeiro, o texto era utilizado
como pretexto para trabalhar conteúdos gramaticais e ortográficos. Apesar
de baseado no texto, o trabalho com gramática era tradicional, pois o texto
era utilizado para identificar classes de palavras e fazer sua classificação.
No segundo procedimento, as professoras abriam mão dos processos
tradicionais de ensino de gramática. No entanto, o trabalho com conteúdos
gramaticais perdia consistência, sendo realizado de forma não sistemática.
(ALBUQUERQUE, 2006)
Ao propor que o texto seja matéria prima para o estudo dos
conteúdos gramaticais, Antunes (2003) entende que o texto conduzirá a
análise a ser realizada pelos alunos (com a coordenação do professor), e é
em função da compreensão do texto que serão ativados os conhecimentos
gramaticais e linguísticos. Nesse sentido, a nomenclatura e a classificação
não têm muita importância, porque esse conhecimento não contribui para
a compreensão dos textos (ANTUNES, 2003).
Bagno (1999) discute o ensino de gramática na escola pelo
estabelecimento de analogia com a informática. Para o autor, hoje em

123
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

dia, cada vez mais pessoas estão usando o computador, sendo que a
maioria consegue fazer um bom uso da máquina conhecendo apenas os
programas e os softwares. No entanto, o hardware, isto é a parte mecânica
do computador, a estrutura física das placas, dos chips, das conexões, etc.
ficam para os especialistas e técnicos. E Bagno acrescenta: “E então? O que
pretendemos formar com nosso ensino: motoristas da língua ou mecânicos
da gramática?” (1999, p. 120)
Ao colocar a questão nesses termos, o autor explicita suas crenças:
da mesma forma que não precisamos ser especialistas em informática
para utilizar computadores, também não precisamos ser especialistas em
gramática normativa para fazermos bom uso da língua.
Você deve estar pensando que o ensino de gramática na escola
não é uma tarefa fácil. O rompimento com uma tradição de ensino baseado
na memorização de regras e na classificação de fatos linguísticos requer
Você já pensou sobre essa vontade do professor, mas também exige conhecimento teórico capaz de
questão? Registre abaixo alicerçar uma nova prática.
o que considera mais
importante: saber de cor Concordando com Cagliari (1997), que o objetivo mais geral
uma série de regras de
gramática e permanecer com
do ensino de português, para todas as séries, é mostrar como funciona
dificuldade de escrita, leitura a linguagem; quais os usos que tem e como os alunos devem fazer para
e compreensão de textos ou
internalizar uma gramática que
ampliar, ao máximo, as habilidades de uso da linguagem, o ensino de
de fato pode ser utilizada nas gramática precisa contribuir para melhor sua capacidade de produção de
diferentes situações de fala,
leitura e escrita em que estiver
textos, escritos e orais, em diferentes situações de vida. Em outras palavras,
inserido? estamos considerando que o professor de português deve ensinar aos
alunos o que é uma língua, quais as propriedades e usos que ela realmente
tem, qual é o comportamento da sociedade e dos indivíduos com relação
aos usos linguísticos, nas mais variadas situações de suas vidas. (CAGLIARI,
1997).
A seguir discutiremos propostas de ensino da gramática que não se
fundamenta na memorização de regras, mas no uso da língua pelos alunos.

5.3 COMO DEVE SE ESTRUTURAR O ENSINO DE GRAMÁTICA NA


ESCOLA?

O PCN considera que a prática de reflexão sobre a língua seja


atividade fundamental no ensino de Português, de forma a favorecer a
ampliação da capacidade de produzir, ler e interpretar textos. A prática
de análise linguística refere-se às atividades de reflexão voltada para o
uso que os alunos fazem da língua, sendo necessário o planejamento de
situações didáticas que possibilitem a reflexão sobre os recursos expressivos
utilizados pelo produtor/autor do texto. Esse processo de reflexão pode
referir-se a aspectos gramaticais ou a aspectos relacionados à estruturação
dos discursos, sendo que a preocupação não deve ser a categorização,
a classificação ou o levantamento de regularidades, mas a qualidade da
produção linguística dos alunos (BRASIL/MEC, 1997).

124
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Segundo Geraldi (1997), ao se propor a renovação do ensino


da língua, o uso da expressão prática de análise linguística não deve se
constituir como mero gosto por novas terminologias. A análise linguística
inclui tanto um trabalho sobre questões tradicionais da gramática, quanto
sobre questões amplas a propósito do texto, entre as quais vale a pena citar:
coesão e coerência internas do texto; adequação do texto aos objetivos
pretendidos; análise dos recursos expressivos utilizados (metáforas,
paráfrases, citações, discurso direto e indireto, etc); organização e inclusão
de informações; etc.
Na visão de Possenti (2001), a escola deve favorecer o amplo acesso
aos textos visando à compreensão sua compreensão e a internalização da
gramática pelos alunos. Trocando em miúdos, o autor considera que se
deve conferir prioridade absoluta para a leitura e a escrita, para a narrativa
oral, o debate e todas as formas interpretação (resumo, paráfrase etc.).
Essas é que são as boas estratégias de ensinar a língua e a gramática, e
nessas atividades não estão incluídas as lições de nomenclatura e de análise
sintática e morfológica, tão comuns na prática escolar.
As ideias defendidas por Possenti (2001) encontram-se com a
defesa feita por Bortoni (2006), que considera que o sistema básico da
língua não é adquirido pela simples exposição à linguagem veiculada nos
meios de comunicação de massa. Ou seja, para aprender as normas da
língua portuguesa, faz-se necessário criar situações em que o aluno participe
de práticas de uso dessa linguagem que se deseja que ele aprenda. Para
a autora, é preciso que o aluno seja exposto às atividades sistemáticas de
ensino, pois é no espaço da linguagem monitorada que a ação das agências
educativas encontra êxito.
Ao ensinar português para as camadas populares, o professor lida
com uma permanente contradição e disputa entre os saberes linguísticos
dos alunos e os conhecimentos da língua padrão, que devem ser ensinados
e aprendidos na escola. Por isso, o professor precisa construir uma prática
pedagógica fundamentada e que considere os saberes já adquiridos pelos
alunos como base para a aquisição dos conhecimentos escolares. Ou seja,
ao professor cabe a tarefa de partir da bagagem cultural já adquirida pelos
alunos e oportunizar a apropriação de novos conhecimentos linguísticos,
o que muitas vezes pode significar um rompimento com formas linguísticas
usadas no cotidiano. Por isso é importante que o professor esteja atento,
para que a sua ação não se apresente carregada de ideias pré-concebidas
e inibidoras da livre expressão dos alunos; que a atividade de ensino não
signifique uma negação de seus saberes linguísticos, da sua forma peculiar
de ver e de compreender o mundo. Negar o conhecimento dos alunos
significa negar a sua cultura, negar a sua própria identidade.

125
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

A escola é o espaço institucional responsável pelo ensino da norma


padrão e nesse espaço não podem ser reconhecidos como legítimos apenas
os usos dominantes da língua, pois isso leva a se desconsiderar os demais
usos que são feitos pelos alunos e por diferentes comunidades linguísticas.
Nessas condições, o espaço escolar torna-se lugar de intimidação, de
imposição e desrespeito aos valores e conhecimentos dos alunos das
camadas populares, o que pode gerar um sentimento de incompetência
e inadequação em relação ao uso da língua. Quando esses processos
se estabelecem na escola, aos falantes de variantes não legitimadas
socialmente, resta, segundo Bourdieu (1998), a fuga pela abstenção e pelo
silêncio, por não dispor de condições para impor um falar desenvolto. Para
o autor, essa situação é gerada pela relação entre a situação ou a pessoa
intimidante e a pessoa intimidada, entre as condições sociais de produção
linguística de uma e de outra. Esta relação apresenta-se como violência
simbólica, tão invisível quanto silenciosa que, na maioria das vezes, não é
percebida por aquele que a exerce (BOURDIEU, 1998, p.50).
Nessas condições escolares de ensino, os alunos falantes de
variantes dialetais tornam-se conscientes da verdade objetiva de seus
produtos linguísticos, da “inadequação” de sua linguagem, ao mesmo tempo
em que reconhecem a legitimidade da língua das classes dominantes, que
a escola valoriza e prestigia. Os alunos reconhecem a língua autorizada – a
língua oficial –, como também aquele que tem autoridade para ensiná-la
– o professor.
Nessa discussão relativa ao ensino da língua padrão, Possenti (2001)
considera que, não se trata de excluir das tarefas da escola a descrição da
estrutura da língua ou a explicitação de suas regras da norma padrão culta
da língua. O autor acredita que a escola deve considerar que essa atividade
somente faz sentido a partir dos usos da linguagem, da fala, da leitura e da
produção de textos. Trata-se de estabelecer prioridades, deixando claro
que não faz sentido descrever ou tentar sistematizar algo que o aluno não
tenha o domínio efetivo. Nessa discussão, o autor chama a atenção para o
ensino de línguas estrangeiras, em que se ensinavam as regras gramaticais
dessas línguas e o resultado era invariavelmente a incapacidade dos alunos
de as falarem. Por isso, o autor questiona: não teria sido mais proveitoso
ocorrer o inverso, isto é, que se aprendesse a falar essas línguas, ao invés de
falar sobre elas? Por essa lógica, o mesmo vale para o ensino da variedade
padrão da língua portuguesa: é mais importante saber falar e dominar o seu
uso do que saber descrevê-la e memorizar suas regras (POSSENTI, 2001).
Para Soares (1997), a solução para os conflitos funcionais,
identificados entre dialetos estruturalmente equivalentes, não é a
erradicação ou eliminação dos dialetos não padronizados, posto que as
variedades linguísticas tenham o mesmo valor como sistemas estruturados
e coerentes. Contudo, na perspectiva social, não se pode negar que uma

126
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

variedade é mais aceita que as demais, gozando de prestígio. Conforme


a autora, duas propostas de ensino podem ser identificadas em relação
à questão. A primeira e mais radical sugere a mudança de atitude dos
professores, e da população em geral, que deveriam ser educados para
compreender que todos os dialetos são igualmente válidos, corretos, e que
não há razões legítimas para a discriminação de falantes que usam dialetos
não padrão.
Segundo esta perspectiva, o ideal seria uma sociedade livre
de preconceitos linguísticos e uma escola que não interferisse no
comportamento linguístico dos alunos, onde cada um pudesse usar a
linguagem como desejasse, sem medo de censuras. Esta postura é criticada
como utópica e alienada da realidade social, o que ela propõe é inatingível,
somente uma transformação na estrutura social poderia tornar essa
mudança de atitude possível. A postura mais amplamente adotada é a do
bidialetalismo, em que falantes de dialetos não padrão devem aprender o
dialeto de prestígio – como acréscimo aos usos linguísticos que já dominam
– para usá-lo em situações sociais em que ele é requerido (SOARES, 1997).
Neste sentido, a língua não pode se restringir a um sistema de
normas a serem assimiladas pelos alunos, nem o seu ensino pode se pautar
por uma abordagem tradicional, em que se busca “a correção gramatical
e ortográfica em prejuízo da manifestação clara de sentimentos e ideias;
em prejuízo, portanto, da construção de significados” (KRAMER, 1993,
p.82). Assim, para a construção de atividades pedagógicas adequadas
às camadas populares é salutar que os professores, e todos aqueles
diretamente envolvidos com o trabalho em sala de aula, compreendam
que a postura que deprecia os saberes práticos e a linguagem popular não
é coerente com a escola que se pretende libertadora. É fundamental que
o professor assuma uma atitude crítico-reflexiva, livre de preconceitos.
Isso porque as ideias pré-fabricadas, nem sempre são justas e adequadas à
compreensão dos saberes e práticas que constituem o universo cultural de
alunos pertencentes às camadas populares – que apresentam um conjunto
de características peculiares e que não podem ser vistas com o olhar da
discriminação e da censura.
Nessa direção, Antunes (2003) considera que as aulas de português
devam se estruturar em torno do ouvir, do falar, do ler e do escrever textos
fluentes, adequados e socialmente relevantes. Assim, os conhecimentos
gramaticais serão explorados e sistematizados na medida em que
contribuírem para que os alunos se tornem melhores ouvintes, falantes,
escritores e leitores. Ou seja, o conhecimento gramatical será trabalhado
para que os alunos ampliem a sua competência comunicativa. Assim, a
gramática a ser focalizada é aquela que foi utilizada na produção dos textos
(orais e escritos), abandonando-se a escrita e a leitura vazia, de palavras
e frases soltas que não se remetem para os usos que as pessoas fazem da

127
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

linguagem. Compete à escola levar o aluno a perceber a multiplicidade de


usos e funções a que a língua se presta, identificar os elementos típicos de
cada gênero textual, desde suas diferenças de organização e sequenciação,
até suas particularidades linguísticas (lexicais e gramaticais).
Para a autora, não existe possibilidade de se produzir um texto
(falar ou escrever) sem utilizar as regras de gramática da língua.

Daí que explorando os sentidos do texto, estamos explo-


rando também os recursos da gramática da língua. Não há,
pois, razão para que se conceda primazia ao estudo das
classes gramaticais isoladas, de suas nomenclaturas e classi-
ficações (ANTUNES, 2003, p. 119).

Ao discutir essa nova proposta de ensino da gramática, Possenti


(2001) propõe a seguinte discussão: o aluno, numa de suas histórias,
escreve a frase “nós vai pescar”. Nessa situação, o que o professor deve
fazer? A partir de atitudes típicas de quem faz gramática descritiva, o
trabalho em aula deveria ser o de escrever essa sequência no quadro e
discutir com os alunos quem a utiliza tipicamente, se, e em que condições
pode ser utilizada na escrita, se é adequada e, finalmente, quais são as
maneiras alternativas de dizer a mesma coisa. De uma discussão como
essa, o autor considera que as construções mais comuns seriam: “nós vai
pescar”; “a gente foi pescar”; “a gente fomos pescar”; “nós fomos pescar”.
Nenhuma dessas formas pode ser condenada como errada, do ponto
de vista descritivo, mas elas podem ser ordenadas do ponto de vista de
Considerando essas sua aceitabilidade na escrita. E isso já seria a introdução de critérios da
proposições de Possenti gramática normativa. (POSSENTI, 2001).
(2001), ordene as frases acima
propostas, considerando a Essa proposição de Possenti (2001) é bastante ilustrativa do modo
aceitabilidade de cada uma
dela na escrita, buscando como o ensino da norma padrão deve ser organizado pela escola, para
justificar o porquê dessa que o aluno das camadas populares alcance eficácia e sucesso na trajetória
classificação.
estudantil, encontrando espaço para serem aceitos e reconhecidos, sem
( ) Nós vai pescar. que precisem negar sua língua e sua cultura. Nesse sentido, as frases acima
( ) A gente foi pescar.
( ) A gente fomos pescar. poderiam ser ordenadas da seguinte forma: 1) “nós vai pescar”; em que o
( ) Nós fomos pescar. falante desconsidera a necessidade de conjugação verbal e marcação do
plural; 2) “a gente fomos pescar, em que o falante tenta utilizar as regras
da gramática normativa e produz a conjugação verbal marcando o plural,
por considerar que a expressão “a gente” indica mais de uma pessoa; 3)“a
gente foi pescar” em que se faz adequadamente a conjugação verbal, mas
o falante utiliza a expressão “a gente”, que é menos formal; 4) “nós fomos
pescar”, que representa um uso mais formal da linguagem.
Para Possenti (2001), a escola precisa ensinar a norma padrão
analisando os usos que dela são feitos, levando em consideração a
linguagem dos alunos, de forma que o novo conhecimento constitua-se

128
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

como acréscimo ao saber já consolidado. Assim, para os seus discursos


terem valor no mercado de bens simbólicos, os alunos não precisam negar
sua linguagem, mas ajustar os usos aos interlocutores e as situações de
interlocução, sendo capazes de usar a norma padrão da língua, sempre que
for necessário. Nesse contexto, é essencial que o professor saiba respeitar
as diferenças dialetais presentes na sala de aula, para que os alunos possam
aprender a norma padrão da língua portuguesa, adequando seus discursos
às diferentes situações de interlocução e aos interlocutores.
Essa forma de compreender o ensino pressupõe evitar a imposição
de valores linguísticos, mas considerar os usos e “erros” dos alunos por
uma nova perspectiva, tomando-os como referência para as atividades de
ensino.

O erro oferece novas informações e formula novas per-


guntas sobre a dinâmica aprendizagem/ desenvolvimento,
individual e coletiva. O erro, muitas vezes mais do que o
acerto, revela o que a criança “sabe”, colocando este saber
numa perspectiva processual, indicando também aquilo
que ela “ainda não sabe”, portanto o que pode vir a saber.
(ESTEBAN, 2002, p. 21- grifos no original).

Com relação ao ensino de português, essa abordagem proposta


por Esteban (2002) indica que o trabalho escolar deve levar os alunos a
observar os usos linguísticos, as diferenças entre fala e escrita, as diferenças
entre o discurso formal e informa da linguagem, também identificando
os saberes linguísticos que precisam ser aprimorados. Ainda é importante
que não valorizar apenas os processos organizativos estruturados na
modalidade padrão da língua, mas levar os alunos à compreensão de que
os usos mais valorizados da linguagem se organizam por ela. Nesse sentido,
a apropriação da linguagem padrão se constitui como direito do aluno, que
deve utilizá-la nas situações em que houver necessidade.
Enfim, é importante que a escola garanta condições para a
aprendizagem da gramática padrão, sem desconsiderar os processos
linguísticos dos alunos. Assim, o professor deve ter claro que a sua tarefa é
fazer com que o ensino de português deixe de ser visto como a transmissão
de conteúdos prontos e passe a ser compreendido como uma tarefa de
construção de conhecimentos por parte dos alunos.

129
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

5.4 A ORTOGRAFIA COMO OBJETO DE ENSINO NOS ANOS INICIAIS


DO ENSINO FUNDAMENTAL

A palavra ortografia deriva das palavras gregas ortho (que significa


correto) e graphos (que quer dizer escrita). A ortografia é, portanto, a
parte da língua responsável pela grafia correta das palavras, sendo que a
grafia das palavras baseia-se no padrão culto da língua, é estabelecida de
forma arbitrária e assume caráter normatizador e prescritivo.
Utilizar a escrita correta das palavras não é tarefa simples e fácil.
No caso da língua portuguesa, a complexidade é grande, devido ao
seu processo de formação, que teve a influência de línguas indígenas,
latinas, africanas, entre outras. Essa característica da nossa língua faz com
que algumas palavras apresentem grafia incomum e nem sempre fácil
de ser aprendida. Por isso é comum, os erros ortográficos e também os
questionamentos sobre a necessidade da ortografia, sendo que muitas
pessoas pensam que seria mais fácil escrever da maneira como falamos.
Como aluna ou como Morais (2000) considera que abandonar a ortografia, para registrar
professora, você também já as palavras tal qual falamos produz, não simplifica a escrita, pois não é
pensou que seria mais fácil
desconsiderar as normas tarefa fácil notar (registrar) fielmente as palavras da língua falada. Além
da ortografia e escrever do disso, “se insistíssemos em ‘varrer’ a história para simplificar a ortografia
jeito como pronunciamos as
palavras? Escreva abaixo pelo do português, tendo por meta um ideal fonográfico, nos depararíamos
menos duas razões para que com um grande problema: qual forma de pronunciar tomaríamos como
a escola se preocupe com
ortografia e não permita que modelo?” (MORAIS, 2000, p. 12).
os alunos escrevam da forma Como são variadas as formas pelas quais os falantes pronunciam
como pronunciam as palavras.
as palavras seriam muitas as formas de se escrever uma mesma palavra se
fosse adotada a lógica da transcrição fonética e, dessa forma, conforme
Morais (2000), a identidade da palavra escrita se perderia em função das
variações de pronúncia dos usuários.
Em defesa de uma escrita ortográfica, o autor também
argumenta que a análise das palavras e compreensão das regularidades e
irregularidades na escrita fornecem informações importantes sobre a língua.
Para exemplificar, Morais (2000) toma as palavras “partisse” e “chatice”,
terminadas com o sufixo ISSE e ICE. Apesar dos sufixos apresentarem o
mesmo valor sonoro, no caso de “partisse”, o sufixo ISSE nos remete a uma
flexão verbal, enquanto que “chatice” indica um substantivo e nos remete
à qualidade de “chato”, como ocorre em “meninice” ou “velhice”. Isso
implica dizer que a percepção da classe gramatical produz um princípio
gerativo que se aplica a outras palavras da língua portuguesa.
Segundo Morais (2000), a ortografia reflete uma tentativa de
unificar a forma como escrevemos, sendo que a ideia de erro ortográfico,
com o sentido de infração, somente se estabeleceu a partir dessa unificação.
O autor ainda esclarece que a ortografia não existiu sempre. No caso do
Português, foram instituídas normas ortográficas somente em 1943 foi

130
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

quando a Academia Brasileira de Letras instituiu o Pequeno Dicionário


Ortográfico da Língua Portuguesa.
Ao discutir esse aprendizado, Morais (2000) nos lembra que ler e
escrever envolve dois momentos distintos. Inicialmente, em seu processo
de alfabetização, a criança elabora hipóteses e gradualmente constrói uma
compreensão sobre o modo como funciona a escrita alfabética, passando
a dominar as relações letra-som, pela percepção dos valores sonoros que
cada letra pode ter. Essa etapa de compreensão do sistema de notação
alfabética foi amplamente discutida por Ferreiro e Teberosky (1979), ao
descrever a psicogênese da língua escrita – do nível pré-silábico ao nível
alfabético –, se constituindo como etapa importante de aprendizagem, mas
que não leva a uma escrita ortográfica das palavras. Assim, num segundo
momento de aprendizagem, quando a criança já escreve alfabeticamente,
aparece a necessidade de trabalho com a escrita ortográfica, de forma que
a criança se aproprie das normas ortográficas de escrita.
Ainda conforme o autor, em línguas como o português e o espanhol,
as relações entre o sistema de notação alfabética e a norma ortográfica
tendem a ser bastante claras, em que as normas atuam sobre um sistema
de restrições já elaborado pela criança ao dominar a escrita alfabética.
Dessa forma, se o sistema alfabético estabelece que determinado som
pode ser escrito por mais de um grafema (R ou RR, por exemplo), a norma
ortográfica estabelece regras que definem em que contextos serão usados
um ou outro grafema. Por outro lado, nos casos em que a norma ortográfica
se orienta pela tradição de uso, a escrita é fixada sem seguir qualquer regra
ou princípio gerativo. Esse é o caso do som /s/, que pode ser grafado por
diferentes grafemas, como S, SS, C, X, etc, sendo que a norma ortográfica
estabelece a escrita de palavras como “seguro”, “assíduo”, “cidade”,
“auxílio” sem nenhuma regra que possa orientar o aluno (MORAIS, 2000).
Isso significa dizer que, para aprender a ortografia, o aluno deve
apropriar-se de formas de escrita regulares e irregulares e gerar a escrita
correta das palavras. E cabe ao professor acompanhar esse processo de
apropriação da escrita desenvolvido pela criança, realizando atividades
que auxiliam na compreensão das convenções gráficas. Por isso, é tarefa da
escola levar o aluno a perceber as regularidades (em que o conhecimento
de uma regra permite antecipar como a palavra deve ser escrita, até mesmo
sem conhecê-la) e as irregularidades (casos em que a escrita não segue
qualquer princípio explicativo).
Ao abordarem o ensino de ortografia, Leal e Roazzi (2000) afirmam
ser comum identificarmos a preocupação de pais, professores e alunos
manifestando com relação à escrita, sendo essa preocupação acompanhada
da ideia de que se aprende ortografia treinando as palavras corretas ou
lendo muito. Na primeira concepção está implícita a crença de que a escrita
ortográfica seja resultante do treino, enquanto que na segunda concepção

131
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

está subjacente a ideia da necessidade da exposição do aprendiz à grafia


correta, sendo que isso ocorre naturalmente em atividades contínuas de
acesso aos textos e leitura. Nessa discussão, Leal e Roazzi (2000) destaca
atividades escolares em que os alunos são colocados em situações de treino
de listas de palavras, ditado e cópia dos erros cometidos, não havendo
solicitação para pensarem o porquê da grafia das palavras.
Ao discutir a questão, o PCN da língua portuguesa apresenta
constatações semelhantes e também aponta práticas igualmente
equivocadas. Ou seja, o PCN indica que, de modo geral, o ensino da
ortografia tem sido realizado por meio da apresentação e repetição verbal
de regras, da correção que o professor faz de redações e ditados, seguida
de uma tarefa em que o aluno copia várias vezes as palavras que escreveu
errado. E, apesar do grande investimento feito nesse tipo de atividade, os
alunos se mostram capazes de “recitar” as regras, mas continuam a escrever
errado. (BRASIL/MEC, 1997).
Leal e Roazzi (2000) consideram que a memorização é uma
forma de abordagem marcante nas práticas escolares, e não descartam que
algumas palavras, sobretudo as mais frequentes, possam ser aprendidas
por estratégias de memorização. No entanto, destacam o caráter gerativo
da aprendizagem da ortografia, salientando a capacidade do aprendiz
construir conhecimentos e gerar a escrita convencional das palavras.
Conforme Morais, o ensino de ortografia precisa ser adequadamente
proposto pela escola, que normalmente falha nesse ensino, ou deixa de
fazê-lo. Para adequadamente ensinar ortografia é preciso sistematizar
o ensino e também considerar que os alunos não aprendem de forma
passiva, eles pensam sobre esse objeto de conhecimento, elaboram
hipóteses e constroem respostas para os problemas de escrita com os
quais se deparam. Conforme Leal e Roazzi (2000), quando escrevem, os
alunos não costumam fazê-lo de forma aleatória e, na maioria das vezes
que erram, possuem uma hipótese lógica para escrever diferentemente
da forma convencional. Dessa forma, seria necessário refletir sobre suas
hipóteses e oportunizar condições para compreensão da escrita alfabética.
Para o PCN, ainda que tenha um forte apelo à memória, a
aprendizagem da ortografia não é um processo passivo, pois se trata de
uma construção individual, para a qual a intervenção pedagógica tem
muito a contribuir. Nesse sentido, é importante que as estratégias didáticas
para o ensino da ortografia se articulem em torno de dois eixos básicos: 1)
A distinção entre o que é “produtivo” e o que é “reprodutivo” na notação
da ortografia da língua; 2) a distinção entre palavras de uso frequente e
infrequente na linguagem escrita impressa. Essa distinção permite que o
professor organize o ensino. No primeiro caso, os alunos podem descobrir as
regularidades da língua, explicitando regras geradoras de notações corretas,
ou mesmo a consciência da não existência de regras que justifiquem as

132
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

formas corretas fixadas pela norma, sendo necessária a consulta a fontes


autorizada e o esforço de memorização. No segundo caso, ao diagnosticar
os erros mais frequentes na escrita dos alunos, a escola pode iniciar um
trabalho que priorize essas ocorrências mais comuns. (BRASIL/MEC, 1997).
Discutindo o ensino de regras de ortografia, Morais (2000)
indica que há dois tipos de regularidade a serem consideradas na escola.
A primeira é a regularidade contextual, que engloba as palavras cuja
grafia se define por um contexto de ocorrência de determinado som na
palavra (saber, por exemplo, que “tempo” se escreve com M e não com
N, pois a letra seguinte é um P é uma regularidade contextual). A segunda
regularidade é a morfológico-gramatical, em que a grafia está relacionada
à sua natureza gramatical (como o uso do Z e não do S nos substantivos
“realeza” e “beleza”, que são derivados de adjetivos; ou do SS e não do S
ou do C em “falasse” e “partisse” por serem flexões de verbos no imperfeito
do subjuntivo).
O autor considera que aprender ortografia não e tarefa fácil, pois
mesmo nos casos de escrita considerados regulares há peculiaridades
inerentes à escrita: “ora o aprendiz precisa refletir sobre a categoria
gramatical da palavra, ora precisa atentar para a posição do segmento
sonoro dentro da palavra, ora precisa observar a tonicidade do segmento,
etc.” (2000, p. 15). Ou seja, a abordagem pressupõe o aprendiz como
sujeito que constrói conhecimento e não apenas memoriza a escrita de
palavras.
Leal e Roazzi (2000) consideram que essa dimensão criadora da
criança na aprendizagem da ortografia vem sendo subestimada pela escola.
Os autores consideram ainda que, por essa abordagem, os erros precisam
ser levados em conta, pois são reflexos do que a criança ainda não sabe,
mas também revelam o que já sabem sobre o sistema de escrita. Por isso,
o erro muda completamente de significado, e precisam ser vistos como
ferramentas privilegiadas para se compreender e conhecer as estratégias
de escrita da criança e as fontes de conhecimento utilizadas.
Nessa perspectiva, ao se pensar nas regularidades ortográficas, o
professor precisa orientar o trabalho escolar com dois tipos de regras –
contextual e morfológico-gramatical. Ou seja, pela perspectiva gerativa, o
professor deve seguir uma lógica comum de trabalho, orientada para a
reflexão e a construção de regras de escrita. Primeiro, é necessário que
sejam realizadas atividades de observação de um grupo de palavras, para
que os alunos observem as regularidades em sua escrita. Em seguida,
o professor orienta a discussão relativa ao que se observou e os alunos
explicitam as regularidades, produzindo regras de escrita. Com essa
explicitação coletiva das regras, é importante que se faça o registro da
regra construída, de forma que venha a ser consultada e utilizada. Nessa
perspectiva, as regras ortográficas são “elaboradas” pelos alunos, em sua
reflexiva e produtiva.

133
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Vale destacar que regra é um princípio gerativo que serve para


coordenar as ações e representações na execução de uma determinada
atividade. Sua elaboração está fundamentada no estabelecimento de uma
determinada lógica ou arbitrariedade do sistema de escrita, que precisa
ser percebida e cumprida pelos usuários em seu ato de realização. Por
essa compreensão, entre as atividades humanas há uma série, como jogos,
brincadeiras, linguagem verbal e não-verbal, que são regidas por regras,
que garantem certa previsibilidade e padronização na execução de tarefas
a serem desenvolvidas por sujeitos.
Quanto ao trabalho com as irregularidades, o princípio orientador
é diferente, já que grafia das palavras não se orienta por regra alguma e,
nesses casos, conforme Morais (2000), não há muito que compreender,
sendo preciso memorizar a escrita das palavras. A opção para saber a escrita
correta das palavras é consultar modelos, presentes nos textos e, sobretudo,
no dicionário – cuja consulta exige o conhecimento da ordenação das
palavras e como procurar um termo flexionado, por exemplo.
Conforme defesa do PCN de Língua Portuguesa,
independentemente de serem regulares ou irregulares, definidas ou não
por regras, as formas ortográficas mais frequentes na escrita devem ser
priorizadas no ensino. No entanto, não se trata de definir rigidamente um
conjunto de palavras a ensinar e desconsiderar todas as outras, mas de
tratar diferentemente, por exemplo, a escrita inadequada de “hoje” é mais
importante do que a palavra “homilia”, dada sua frequência de uso. Ou
seja, ao organizar o ensino, a escola precisa diferenciar o que deve estar
automatizado e aprendido o mais cedo possível e o que pode esperar um
pouco mais de tempo.
Em relação ao ensino da ortografia é importante lembrar que o
Brasil e demais países falantes do português estabeleceram um acordo
ortográfico, pelo qual foram definidas regras comuns de escrita. O Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa foi assinado em Lisboa, em 16 de
dezembro de 1990, por Portugal, Brasil, Angola, São Tomé e Príncipe,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e, posteriormente, por Timor
Leste. No Brasil, o Acordo foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 54, de
18 de abril de 1995. As novas regras ortográficas passaram a valer a partir
do dia 1º de janeiro de 2009, sendo que essas alterações serão exigidas
nos textos escritos a partir de 2012.
Apesar de ser obrigatória a partir de 2012, a reforma ortográfica é
considerada por muitos como um elemento complicador, pois aqueles que
já haviam aprendido as regras antigas terá que aprender novas regras de
escrita. Nas charges abaixo se encontram posicionamentos que apontam
a necessidade de reformas da estrutura física dos prédios escolares,
consideradas como mais necessárias do que a reforma ortográfica.

134
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Figura 22: Reforma ortográfica.


Fonte: disponível em http://irmaarcangela.blogspot.com/2010_05_01_archive.html. Aces-
sado em 25 de outubro de 2010.

Figura 23: Charge sobre a reforma ortográfica.


Fonte: disponível em http://www.geomundi.org/?m=200901, acessados em 13 de outu-
bro de 2010.

5.5 O ENSINO DA PONTUAÇÃO NA ESCOLA

A pontuação tem um papel fundamental na escrita por permitir


a construção de relações de sentido pretendidas por aquele que escreve,
também orientando o leitor durante o processo de leitura, posto que se
constitua como um dos elementos que contribui para a organização do
texto e para a coesão das ideias.
Apesar de bastante disseminada a ideia de se ensinar gramática
a partir dos textos, como vimos nas seções anteriores, em muitas escolas
ainda encontramos o ensino de pontuação realizado como um conteúdo
isolado, ensinado em frases soltas, como se a pontuação não dependesse
de questões relacionadas à textualidade e à discursividade. É ainda comum
que, ao tratar da pontuação, o professor focalize uma teorização em que
se explica a função dos sinais, cabendo aos alunos a memorização de

135
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

conceitos. Outra forma de trabalho é apresentar um texto em que são


omitidos os sinais de pontuação, deixando-se as letras maiúsculas no início
das frases e os espaços onde os pontos deveriam aparecer, ficando para o
aluno a tarefa de colocar os pontos que considerar adequados. Essa forma
de ensino produz uma situação em que o aluno não precisa refletir muito
para preencher as lacunas.
Por essa lógica, nas situações escolares, a pontuação é vista como
um conteúdo de ensino que possui vínculos com a oralidade, que serve
para marcar as paradas maiores e menores que o leitor faz ao ler um texto.
Você já ouviu algum professor Esta é uma forma equivocada de perceber a função dos sinais de pontuação,
comentar que não está cuja compreensão está relacionada com a própria história da escrita, em
conseguindo respirar durante
a leitura, dada à falta de um momento em que as pausas e o ritmo da leitura eram produzidos pelo
pontuação do texto do aluno? leitor, no momento que lia oralmente os textos para uma plateia.
Como você analisa essa
questão? Em seus estudos, Prestes (s/d) retoma historicamente a utilização
de sinais de pontuação nos textos escritos, destacando ideias discutidas
por Arnoux, Stefano e Pereira (2002) e em Mosterín (1993), que apontam
o caráter pouco funcional da escrita contínua, utilizada até o século X. Isso
porque os textos eram ditados por seus autores a escravos, ajudantes ou
secretários que escreviam o que ouviam sem preocupação com a separação
e a marcação de pontuação. Até esse período, cabia ao leitor colocar as
divisões entre palavras ou frases, realizando as pausas de acordo com o
que considerava útil à leitura em voz alta. Os sinais de pontuação eram,
então, colocados diretamente nos manuscritos pelo leitor, no momento
em que se preparava para fazer a leitura oral. É assim que, aos poucos,
a pontuação e o uso de diferentes marcas gráficas deixam de atender às
necessidades de declamação oral dos textos, passando a fundamentar-se
em novos princípios lógicos e gramaticais, dos quais derivam os usos atuais
(PRESTES, s/d).
Outro aspecto destacado pela autora é que esses esforços de
divisão das palavras e de colocação dos sinais de pontuação tornaram
os textos mais acessíveis e facilitaram a atividade de ler, sobretudo com
o advento da imprensa, que ampliou de forma significativa o acesso aos
textos e à leitura.
Para ilustrar a função da pontuação como elemento importante
para o estabelecimento da coerência e da coesão textual, apresentamos
abaixo um texto que tem circulado anonimamente em diferentes meios de
comunicação.

136
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Um homem rico estava muito doente e escreveu o seguinte


testamento:
DEIXO MEUS BENS À MINHA IRMÃ NÃO A MEU
SOBRINHO JAMAIS SERÁ PAGA A CONTA DO PADEIRO
NADA DOU AOS POBRES.
O homem morreu antes de fazer a pontuação do texto
e esse detalhe produziu a seguinte situação: A quem ele
deixava a fortuna? Eram quatro concorrentes.
1) O sobrinho fez a seguinte pontuação:
DEIXO MEUS BENS À MINHA IRMÃ? NÃO! A MEU
SOBRINHO. JAMAIS SERÁ PAGA A CONTA DO PADEIRO.
NADA DOU AOS POBRES.
2) A irmã chegou em seguida e pontuou assim o escrito:
DEIXO MEUS BENS À MINHA IRMÃ. NÃO A MEU
SOBRINHO. JAMAIS SERÁ PAGA A CONTA DO PADEIRO.
NADA DOU AOS POBRES.
3) O padeiro pediu cópia do original e puxou a brasa para
a sardinha dele:
DEIXO MEUS BENS À MINHA SOBRINHA? NÃO! AO
MEU SOBRINHO? JAMAIS! SERÁ PAGA A CONTA DO
PADEIRO. NADA DOU AOS POBRES.
4) Aí chegaram os descamisados da cidade e um deles,
sabido, fez esta pontuação:
DEIXO MEUS BENS À MINHA IRMÃ? NÃO! A MEU
SOBRINHO? JAMAIS! SERÁ PAGA A CONTA DO
PADEIRO? NADA! DOU AOS POBRES.

Como é possível perceber, no texto acima, a colocação da


pontuação não se relaciona com pausas para descansar a voz, mas com o
estabelecimento de relações de sentido. É possível perceber, ainda, que a
mudança na pontuação provoca modificações no sentido do texto. E é esse
o sentido que deve orientar o ensino da pontuação na escola. Para Silva
e Brandão (2000), essa forma de ensinar é equivocada, pois o argumento
da pontuação como “parada para respirar” leva o aluno a tentar transpor
as marcas da fala para a escrita, compreendendo os sinais como recurso
articulador do texto.
Antunes (2003) considera que o ensino da pontuação deve
ocorrer por uma abordagem que auxilie o aluno a compreender os sinais
como instruções necessárias à busca do significado, das intenções e dos
objetivos de um texto e de cada uma de suas partes. A pontuação deve ser
ensinada como algo ligado aos sentidos e a coesão do texto, como recurso

137
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

facilitador da compreensão. Por isso o ensino deve priorizar a análise dos


usos da pontuação, discutindo-se os efeitos de significação que produzem.
A autora também considera que, nesse processo de análise, o trabalho
com frases soltas e descontextualizadas não favorece o reconhecimento
dessa dependência entre a linguagem e seus contextos de uso. (ANTUNES,
2003).
Ao discutir o aprendizado da pontuação pelas crianças, Silva e
Brandão (2000) argumentam que, desde os primeiros anos de escolaridade,
a criança é exposta à leitura de textos que utilizam pontuação, mas isso
não é suficiente para que aprendam a pontuar seus próprios textos. Em
suas pesquisas, as autoras constataram que, no momento inicial de sua
escolarização, o aprendiz nem sempre se dá conta dos sinais de pontuação
e de sua função no interior do texto, ou seja, a pontuação não é observável
e, portanto, não aparece nos primeiros textos escritos.
Essa constatação nos indica a necessidade de ensino para que a
aprendizagem ocorra. Silva e Brandão (2000) afirmam a necessidade de
se produzir estratégias didáticas que transformem a pontuação em algo
observável para as crianças e que favoreçam a discussão relativa ao seu uso.
A ortografia é arbitrária, não se discute, por exemplo, se “casa” se escreve
com S ou Z. Porém, a pontuação pode ser discutida, pois sempre há mais
de uma possibilidade de uso dos sinais, sendo que cada possibilidade pode
produzir sentidos diferentes para o texto, como vimos no texto anterior,
relativo à pontuação do testamento.
Por essa lógica exposta é importante a leitura de textos para discutir
a função dos sinais de pontuação, levando os alunos a perceberem, por
exemplo: que os parágrafos são utilizados em algumas situações específicas:
para iniciar o texto, para marcar mudança de temporalidade ou mudanças
no tema tratado no texto; que no texto jornalístico os parágrafos são curtos,
sendo utilizada muita pontuação para atrair e despertar a atenção do leitor;
que os travessões são utilizados para indicar a fala de personagens em
diálogos, e que sua ocorrência indica mudança do sujeito que fala; que
os pontos e as vírgulas acompanham e clarificam a estrutura da frase e do
parágrafo e muitos outros usos, que aparecem nos textos lidos pelos alunos.
São inúmeras as situações que podem ser utilizadas para o trabalho
com pontuação, que visem dar visibilidade para os sinais, permitindo que
os alunos os percebam e os utilizem na estruturação de seus textos. Dentre
os muitos textos adequados para a percepção dos sinais de pontuação, as
histórias em quadrinho se constituem como material interessante, posto
que os utilizam em abundância e permitem a discussão de sua finalidade
na apresentação das ideias.

138
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

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139
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

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140
RESUMO

A presente disciplina foi organizada em quatro unidades de


estudo: abordando concepções e objetivos de se ensinar português, leitura,
escrita, conhecimentos gramaticais e linguagem oral, de forma separada,
apesar de compreender que, na escola esses são elementos imbricados e
inseparáveis.

UNIDADE I
Na primeira unidade foi discutido o sentido de se ensinar português
na escola, que deve ter como meta principal a ampliação da competência
comunicativa dos alunos, que precisam maximizar suas habilidades de uso
da língua, em sua modalidade oral e escrita. Também destacamos o fato de
que as concepções teóricas assumidas pelos professores interferem em sua
prática pedagógica, pois as pessoas orientam o seu fazer pelo conjunto de
crenças, valores e concepções aos quais fazem adesão. E nesse sentido, é
importante que os professores estudem e atualizem seus conhecimentos,
de forma a construírem condições para garantir aos alunos o seu direito à
aprendizagem da língua portuguesa.

UNIDADE II
Na segunda unidade, abordamos o conteúdo de leitura – uma
importante ferramenta de inserção social e cidadania, que se encontra
associada às práticas de escrita, são práticas sociais imbricadas, faces
de uma mesma realidade, pois os textos são escritos para serem lidos,
enquanto que a leitura favorece o desenvolvimento das habilidades de
leitura dos sujeitos. Abordamos a leitura como principal aprendizagem a
ser garantida pela escola, considerando que aprender a ler não pode se
constituir como mera decifração ou de identificação de informações nos
textos, ao contrário, a leitura precisa ser compreendida como diálogo entre
autor-texto-leitor. Por sua importância a leitura não pode ser considerada
apenas como atividade, em que o professor manda ler, mas como objeto
de estudo, que precisa ser efetivamente ensinado, de forma que os alunos
desenvolvam habilidades que serão utilizadas em diferentes situações
cotidianas. Discutimos a importância de ler diferentes gêneros textuais
na escola, mas destacamos a necessidade de compreender que os textos
literários são polissêmicos e permitem muitas interpretações, mas que
os textos informativos não devem ser objeto de produção de múltiplos
sentidos, posto que apresentam função diferenciada, por tratar-se da

141
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

realidade objetiva e apresentar finalidades distintas. Por fim, tratamos de


propor uma metodologia de ensino da leitura, que considere a diversidade
textual e a necessidade de ser trabalhar atividades antes de ler, durante
a e após a leitura, como forma de efetivamente desenvolver habilidades
leitoras e formar leitores.

UNIDADE III
Na unidade III discutimos o processo de produção de textos.
Podemos supor que numa situação de escrita alguém seleciona alguma
coisa que será dita a outra pessoa, com quem pretende interagir, em vista
de algum objetivo. E que devemos saber que o sujeito que escreve o faz
para outros sujeitos, apesar de não exigir a presença do interlocutor na
hora da produção do texto. Então, quem escreve está em interação com
outra pessoa. Essa outra pessoa é o parâmetro do que devemos dizer, do
quanto dizer e de como fazê-lo.
Você deve lembrar que o interlocutor não é algo neutro, sem valor.
Ao contrário, está sempre interferindo no discurso do locutor. A ausência do
interlocutor na situação de produção de texto pode apresentar dificuldades
em relação a coesão e coerência.
Acreditamos que cabe à escola produzir situações didáticas que
favoreçam essa aprendizagem, de forma que os alunos não escrevam
apenas como um mero exercício escolar, mas como atividade significativa
e orientada por um objetivo e uma função social do texto. Por isso, os
alunos planejar sua escrita, se preocupar com a legibilidade, a objetividade
e clareza dos textos, que devem ser escritos em função de sua circulação
social e dos possíveis leitores; também procurando ajustar a escrita ao
gênero textual mais adequado à situação de interlocução.
Propostas de produção de texto nesta linha não favorecem
a formação. E ainda é possível encontrar como prática de sala de aula
atividades de produção de texto sem um trabalho prévio, sem nenhuma
razão aparente. São textos avulsos, soltos, sem vinculação com as atividades
desenvolvidas no processo de aprendizagem. Geralmente estes textos não
voltam para as mãos dos alunos que os produziram.
Mas, sabemos que existem nas escolas diferentes práticas com a
produção de texto. O professor trabalha com produções com atividade
prévia, a partir da necessidade de se registrar um trabalho como discussão,
pesquisa e trabalho em grupo desenvolvidos na sala de aula. Como
também, com o objetivo de finalizar um trabalho proposto. Este tipo de
atividade pode ser interessante e necessária na sala de aula, mas corre o
risco de entediar o aluno, que pode associar a tarefa de produzir um texto
como uma obrigação e não como registro do trabalho desenvolvido.
A atividade de escrita é complexa e exige que o professor seja
o orientador das atividades do aluno, organizando atividades que se

142
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

aproximem das situações concretas de uso social da escrita, de forma a


conferir sentido para a produção de textos. Espera-se que as escolas
assumam a tarefa de ensinar a produzir textos, de forma que os alunos
construam habilidades de escrever uma grande diversidade de gêneros,
como cartas, bilhetes, histórias, cartão, convite, notícias, relatórios, etc,
sempre pensando nos usos sociais da escrita.
Destacamos aqui, a proposta de atividade de produção de texto
integrado ao processo de aprendizagem, num movimento contínuo de
construção do conhecimento. Esta abordagem tem intuito de articular
as necessidades reais de comunicação dos alunos com a construção do
conhecimento. Por essa visão, a proposta de escrita surge a partir de idéias
concretas como escrever uma carta, um ofício, um convite etc. Nesta
proposta os alunos encontram uma situação real de interação, pois têm
o que, uma razão, e a quem escrever, e ainda um locutor que planeja as
estratégias para realizar a sua escrita.
Na escola, a escrita não é uma prática social e o único sentido
que os alunos têm para escrever é a ideia de realizar uma tarefa escolar,
que se apresenta como atividade que será avaliada pelo professor. É
interessante perceber que, nas abordagens tradicionais de ensino, as
estratégias utilizadas pelos professores são bastante típicas e ilustrativas de
um modo de organização que tem o controle dos alunos e a avaliação de
sua aprendizagem como eixo da aula.
É necessário entender que o texto tem a função sociocomunicativa
por ter papel de determinar a produção e recepção de uma série de fatores
pragmáticos que contribuem para a construção de seu sentido e possibilitam
que seja reconhecido como um emprego normal da língua, que tem a ver
com seu funcionamento enquanto atuação informal e comunicativa.
A coerência resulta da configuração que assumem os conceitos e
relações subjacentes à superfície textual. É considerada o fator fundamental
da textualidade, por ser responsável pelo sentido do texto. É resultado da
possibilidade de combinação de palavras e idéias que tornem um texto
compreensível, estabelecendo-se a partir da associação de imagens, idéias
e sensações, com conjunções ou palavras de ligação entre as frases e os
parágrafos. Cabe ao leitor fazer a relação de sentido entre as seqüências
lingüísticas, de acordo com a sua percepção e do seu conhecimento de
mundo.
Pensar o ensino de produção de texto requer pensar, em primeiro
lugar, que um texto produzido pelo aluno manifesta-se como um produto
de um sujeito que, a seu modo, através das diversas possibilidades e
formas de linguagem busca estabelecer um determinado tipo de relação
com o seu interlocutor.
O professor precisa propor situações didáticas para trabalhar com
textos no cotidiano escolar. Lembramos que os textos orais e escritos são

143
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

de uso freqüente na comunidade e devem ser tratados na sala de aula


pela importância que tem para melhorar a competência comunicativa dos
alunos.

UNIDADE IV
Sabemos que a escola é um espaço de socialização, talvez o mais
significativo para muitos que nela interagem usando a linguagem oral. Os
professores a utilizam de forma mais sistematizada por meio do discurso
necessário nas aulas expositivas, debates, seminários, discussões, perguntas
e respostas, comentários circunstanciais dos alunos. Por sua vez, os alunos
também utilizam a oralidade em seus processos de interação, é comum,
na sala de aula, os alunos manterem um discurso paralelo ao do professor,
quando trocam informações entre si, fazem piadinhas, comentam
assuntos particulares, enfim, usam a língua segundo necessidades reais de
comunicação.
No entanto, mesmo sendo instrumento fundamental de
interlocução, presente não apenas nas aulas de português, a oralidade
não tem recebido adequada atenção, não se constituindo como objeto
de estudo efetivo, visando à ampliação da competência comunicativa dos
alunos. É inclusive comum que a sala de aula considerada disciplina seja
aquela em que se valoriza o silêncio, em que os alunos não se sintam a
vontade para se expressar pela fala.
Não são aproveitadas as oportunidades de se explicar em sala
de aula os padrões gerais da conversação, de se abordar a realização dos
gêneros orais da comunicação pública, que pedem registros mais formais,
com escolhas lexicais mais especializadas e padrões textuais mais rígidos,
além do atendimento a certas convenções sociais exigidas quando falar em
público. Também não costumam ser produzidas situações para os alunos
vivenciarem situações de uso mais formal da linguagem, em entrevistas,
palestras, jornal falado, telejornal e outras possibilidades utilização da fala
pública.
Devemos saber que numa situação de interação, através da
linguagem oral, sempre existirá a intencionalidade de quem fala e do
interlocutor. Sempre haverá uma intenção de influenciar o pensamento ou
mesmo o comportamento do outro. Assim, podemos persuadir, ordenar,
informar, questionar o interlocutor, mas podemos também pedir, solicitar,
agradecer, justificar e, ainda, mostrar quem somos e o que sentimos, impor
autoridade e mesmo subjugar as pessoas.
Na realidade de sala de aula, pode ser a grande dificuldade da
maioria dos professores trabalharem com a linguagem oral de forma que
possa ser a base de uma escrita adequada. Esta dificuldade é mais visível no
grupo de alunos que não conhecem a língua considerada padrão ou culta.

144
Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

Esta dificuldade é observada desde o período de alfabetização,


pois o aluno deve num só passo redigir textos no dialeto padrão, dominar
a escrita significativa, o que é sem dúvida alguma mais difícil para o aluno
falante de uma variante da língua do que para um aluno que domina este
dialeto. Assim, a escola deve estar preparada com professores capazes
de atender as necessidades dos alunos com maiores dificuldades. Deve
possibilitar que estes alunos dominem o dialeto do grupo familiar, como
também o dialeto padrão. Para que possa compreender a linguagem que
circula, principalmente, nos meios de comunicação e nos livros didáticos.

UNIDADE V
Na quinta unidade tratamos do ensino de gramática, considerando
a necessidade de superar abordagens tradicionais de ensino, que focalizam
a classificação, a nomenclatura, a identificação e a memorização de regras
da gramática normativa. Apresentamos a necessidade de considerar a
linguagem dos alunos como saber linguístico legítimo, que não deve ser
censurado, criticado, corrigido, substituído pela norma padrão da língua.
Ao contrário, o saber do aluno e seus usos linguísticos precisam ser a
base em torno da qual aprenderão novos conhecimentos, sendo que a
apropriação da norma culta se constitui como direito do aluno, que deverá
utiliza-la nas situações sociais que exigirem um padrão de linguagem mais
formal. Ainda pensando na superação das práticas memorísticas da escola
tradicional, apresentamos o ensino da gramática pela lógica da reflexão
sobre a língua, a partir dos usos linguísticos reais, fundamento no texto.

145
REFERÊNCIAS

BÁSICAS

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152
ATIVIDADES DE
APRENDIZAGEM
AA

1) Leia a piadinha abaixo, extraída do livro de Ziraldo, denominado “O livro


do riso do Menino Maluquinho: todas as piadas que as crianças ouviram
ou contaram no último século”, publicado pela editora Melhoramentos,
no ano 2004.

A supervisora vai a uma escola da Zona Rural para avaliar a


qualidade de aprendizagem dos alunos. Pede permissão à
professora e faz algumas perguntas aos alunos.
- Você, qual é o seu nome?
- Nerso.
- Nélson, por favor, diga-me um verbo.
- Azur.
- Não é azur, é azul! E azul não é um verbo, é adjetivo!
A supervisora chama um outro aluno.
- Você, fale-me um verbo.
- Biscreta.
- Não, isso não é verbo, e também não é biscreta, e, sim,
bicicleta, que é substantivo!
- Você aí no fundo, um verbo, por favor.
- Os pedar.
- Muito bem! Qual é o seu nome?
- João.
- Até que enfim, João, encontrei um que sabe! Forme uma
frase com o verbo hospedar.
- Sim, professora. “Os pedar da biscreta são azur!”

153
Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

Considerando os conteúdos discutidos na disciplina Metodologia da Língua


Portuguesa é possível perceber que Ziraldo, autor da piadinha tece críticas
ao ensino tradicional de gramática na escola.
Discuta essas críticas:
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2) Travaglia (1996) considera que a escola e os professores, mesmo de


forma inconsciente, adotam uma concepção de linguagem para orientar
o seu ensino.
Identifique as concepções de linguagem apontadas pelo autor e analise a
que melhor se adéqua ao ensino de português que vise à ampliação da
competência comunicativa dos alunos.
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3) A leitura e a escrita são habilidades importantes a serem ensinadas pela


escola, de forma que o aluno possa fazer frente a diferentes demandas
sociais. Discuta a afirmação, apontando o que deve ser priorizado na
escola:
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Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

4) Dado o lugar fundamental da leitura na escola é importante que o


professor não apenas mande ler, mas que ensine leitura.
Discuta uma metodologia de leitura adequada ao desenvolvimento das
habilidades dos alunos:
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5) Apesar das críticas em relação ao ensino da gramática na escola, esse é


um conteúdo que precisa ser trabalhado pelos professores e a aprendizagem
da língua padrão culta se constitui como direito do aluno. Discuta como
deve ser o ensino de gramática na escola.
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6) Para Antunes (2003), produzir um texto escrito não é uma tarefa que
implica apenas o ato de escrever. Mas, implica várias etapas, que cumpre,
assim, uma função específica, e a condição final do texto vai depender de
como se respeitou cada uma das funções.

Descreva uma atividade de produção de texto, respeitando as funções


da etapa de planejamento sugeridas por Antunes (2003) compatível com
conhecimentos de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental.
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Pedagogia Caderno Didático - 5º Período

7) No tópico que discute o papel da escrita na constituição do sujeito,


Soares (2001) descreve as experiências de alguns escritores destacando o
papel da escrita na sua constituição como sujeito. Como a escrita serviu
de instrumento para falar de si mesmo e para projetar suas inspirações e
angústias nas histórias criadas por eles.
Agora, é com você. Escreva em um parágrafo o papel da escrita na sua
constituição como sujeito.
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8) “Um sujeito assujeitado às condições e limitações históricas, produto do


meio, da herança cultural e das ideologias que, incorporadas ao longo de sua
historia, fazem do indivíduo desde sempre sujeito, mero preenchimento de
um lugar reservado pela estrutura (ideológica) que define o dizível e como
exercer o papel neste lugar social previamente estabelecido” (GERALDI,
2004, p.19).
Comente essa concepção de sujeito de Geraldi.
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9) Cagliari (2000) afirma que, quando as pessoas falam, não pretendem


sempre só transmitir informação, conhecimento novo. Pois além de
comunicar pode estabelecer direito e deveres entre os interlocutores; às
vezes é um exercício de poder de uns sobre os outros e de convencer
as pessoas, aliviar os problemas e traumas, condicionar as pessoas; relatar
histórias acrescentando ou omitindo fatos.
Comente a afirmação de Cagliari.
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Fundamentos e Metodologia da Língua Portuguesa I UAB/Unimontes

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10) Kato (1995) afirma que, quando se fala em diferenças entre linguagem
oral e escrita, pensa-se em duas modalidades invariantes, quando, na
verdade, no interior de cada uma, há múltipla variação. Desta forma
descreve fatores determinantes na forma da linguagem que são a variável
social e psicológica, o grau de letramento, o estágio de desenvolvimento
lingüístico, o gênero, o registro e a modalidade.
Descreva a sua compreensão sobre cada um desses fatores.
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