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PUC

DEPARTAMENTO DE DIREITO

O USO INDISCRIMINADO DA PRISÃO


PREVENTIVA DURANTE O CURSO DA
PERSECUÇÃO CRIMINAL

por

LUIZ BARAJAS CURY

ORIENTADOR: BRENO MELARAGNO COSTA

2021.1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

RUA MARQUÊS DE SÃO VICENTE, 225 - CEP 22453-900

RIO DE JANEIRO - BRASIL


O USO INDISCRIMINADO DA PRISÃO
PREVENTIVA DURANTE O CURSO DA
PERSECUÇÃO CRIMINAL

por

LUIZ BARAJAS CURY

Monografia apresentada ao
Departamento de Direito da
Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio) como
requisito parcial para a obtenção do
Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Breno Melaragno Costa

2021.1
“Se a história das penas é uma história dos
horrores, a história dos julgamentos é uma história
de erros; e não só de erros, mas também de
sofrimentos e abusos, todas as vezes que no
processo se fez uso de medidas instrutórias
diretamente aflitivas, da tortura até o moderno
abuso da prisão preventiva.” (Luigi Ferrajoli)
RESUMO

CURY, Luiz Barajas. O uso indiscriminado da prisão preventiva


durante o curso da persecução criminal. Rio de Janeiro: 2021: 76 p.
Monografia de final de curso. Departamento de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio.

O intuito do presente trabalho é o estudo do instituto da prisão


preventiva, que passou por diversas mudanças legislativas e culturais desde
que foi positivada no Direito brasileiro pela primeira vez, o que ocorreu no
Código de Processo Penal de 1941, tendo sua última alteração advinda da Lei
nº 13.964/2019, denominada Pacote Anticrime. Contudo, apesar de a prisão
preventiva ser exclusivamente de caráter cautelar, a fim de tutelar a aplicação
da lei penal, a investigação ou a instrução criminal, considerando sua
utilização excepcional, somente imperiosa quando outras medidas cautelares
não forem possíveis de ser aplicadas, a cultura judiciária utiliza-se dela
indiscriminadamente para fins diversos em flagrante afronta aos princípios
basilares da dignidade da pessoa humana, do princípio da presunção de
inocência e da liberdade provisória. Não obstante as flagrantes violações
legais e constitucionais, a banalização da prisão preventiva acarreta não
somente prejuízos aos indivíduos afetados diretamente por ela, mas também
a todo sistema penitenciário brasileiro, sendo determinante motivo para a sua
superlotação. Portanto, promove-se, no decurso do presente trabalho, o
entendimento do caráter excepcional da prisão preventiva pelo conhecimento
do Estado Democrático de Direito e dos dispositivos normativos,
compreendendo as razões do seu uso indiscriminado pela cultura judiciária
brasileira, suas consequências e como o advento da Lei nº 13.964/2019
poderá servir de mudança de paradigma das decisões judiciais que a
decretam.
Palavras-Chave
Prisão Preventiva. Banalização. Liberdade como regra. Processo
Penal.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................... 6

2. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – A


LIBERDADE COMO REGRA ........................................................ 8
2.1. LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória ............................................ 13
2.2. LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando
a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança .................... 16

3. A PRISÃO PREVENTIVA NO PROCESSO PENAL


BRASILEIRO ................................................................................... 21
3.1. Evolução histórica da prisão preventiva: do Decreto-Lei nº 3.689
à Lei nº 13.964 .................................................................................... 28
3.2. Uma análise aos fundamentos da prisão preventiva .......................... 41
3.2.1. Fumus Comissi Delicti e Periculum Libertatis ............................... 41
3.2.1.1. Da garantia da ordem pública....................................................... 44
3.2.1.2. Da garantia da ordem econômica ................................................. 46
3.2.1.3. Por conveniência da instrução criminal ....................................... 47
3.2.1.4. Para assegurar a aplicação da lei penal ........................................ 49
3.2.1.5. Do perigo gerado pelo estado de liberdade do indivíduo ............. 50
3.2.1.6. Existência concreta de fatos novos ou contemporâneos .............. 51

4. O USO INDISCRIMINADO DA PRISÃO PREVENTIVA


DURANTE A PERSECUÇÃO CRIMINAL ....................................... 54
4.1. Banalização da garantia da ordem pública ......................................... 56
4.2. Superlotação carcerária ...................................................................... 61
4.3. O advento da Lei nº 13.964 como mudança de paradigma das
decisões judiciais ............................................................................... 65

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 72

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................ 74


1. INTRODUÇÃO

O instituto da prisão preventiva desempenha fundamental função


dentro do processo penal brasileiro, resguardando a persecução criminal e a
efetividade da prestação jurisdicional. Por ser uma medida excepcional, seu
uso somente se dá em situações de imprescindibilidade, devendo estar
acompanhado dos seus fundamentos de legalidade e suas hipóteses de
admissão, respectivamente presentes nos artigos 312 e 313 do Código de
Processo Penal.

Contudo, embora apresente contornos bem delineados de sua


aplicação, a prisão preventiva vem sendo utilizada indiscriminadamente pelo
Judiciário brasileiro, que, distorcendo as normas dos seus fundamentos,
banaliza a sua aplicação e viola preceitos constitucionais inerentes aos
indivíduos ao utilizá-la como medida de segurança ou, mesmo, como
antecipação de pena.

Diante desse paradigma, o presente trabalho visa a discutir acerca do


uso indiscriminado da prisão preventiva, que, além de flagrante violação
legal e constitucional, traz graves consequências aos indivíduos e ao sistema
penitenciário brasileiro, apontando as principais causas para a sua
banalização, bem como, ainda, indicando o advento da Lei nº 13.964/2019
como possível fator de mudança da cultura judiciária ante o uso da prisão
preventiva, empregando, para tanto, pesquisa em artigos acadêmicos,
notícias, obras doutrinárias e na jurisprudência pátria.

Logo no primeiro capítulo do trabalho, para melhor compreensão


acerca do instituto da prisão preventiva, principalmente concernente ao seu
caráter excepcional, estudamos, ainda que superficialmente, o Estado
Democrático de direito, instituído pela Constituição da República Federativa
do Brasil, que foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988. Como
fundamento do Estado Democrático de Direito, surge o metaprincípio da
dignidade da pessoa humana, que rege os demais fundamentais individuais,
7

como o da presunção de inocência e o da liberdade provisória, essenciais à


compreensão da prisão preventiva.

Em seguida, compreendido que a liberdade é a regra e a prisão a


exceção, começamos o estudo da prisão preventiva conforme se encontra
vigente no ordenamento pátrio para, em seguida, estudarmos sua evolução
histórica, atestando todas as significativas mudanças sofridas ao longo de sua
primeira aparição no Código de 1941 até os dias atuais, com maior ênfase
àquelas decorrentes do advento da Lei nº 12.403/2011 – que reformou as
medidas cautelares privilegiando aquelas diversas da prisão – e da Lei nº
13.964.

No terceiro e último capítulo, procuramos abordar que, apesar dos


preceitos constitucionais e das limitações legais quanto à utilização da prisão
preventiva durante a persecução criminal, sua utilização é indiscriminada,
decorrente de certas lacunas legislativas e da cultura judiciária do
encarceramento, o que acaba por banalizar o instituto. Além disso,
salientamos que sua utilização indiscriminada, além do impacto sobre o
indivíduo, já que o submete às algúrias do cárcere, também afeta o sistema
penitenciário brasileiro, haja vista que, no ano de 2014, os presos provisórios
representavam 40% da população carcerária, sendo fundamental fato a
superlotação carcerária. Por fim, destacamos como o advento da Lei nº
13.964/2019 poderá representar uma mudança de paradigma quanto ao uso
indiscriminado da prisão preventiva, uma vez que sua vigência mitiga as
lacunas legislativas e cerceia a discricionariedade judiciária.
2. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – A LIBERDADE
COMO REGRA

No Estado Democrático de Direito, a liberdade é regra e a prisão é a


exceção.

Preliminarmente, antes de explorarmos a afirmação em epígrafe e para


melhor elucidação do que será desenvolvido ao longo do trabalho, é
necessário abordar, ainda que superficialmente, o que é o Estado
Democrático de Direito, pois sem ele a liberdade e seus valores intrínsecos
não passariam de mero fragmento de texto, ausente de qualquer valor legal e
imperativo, bem como destacar a sua íntima relação com o princípio da
dignidade da pessoa humana e, consequentemente, com os direitos
individuais.

Logo em seu artigo 1º, a Constituição da República Federativa do


Brasil, que foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988, estabelece que o país
é um Estado Democrático de Direito. Este, por seu turno, caracteriza-se pelo
uso dos dispositivos normativos positivados (princípio da legalidade),
sempre em respeito aos direitos e garantias individuais – intrínsecos ao
metaprincípio da dignidade humana1 – bem como por não dar margem a
arbitrariedades e abusos dos governantes sobre a população.

Sobre sua origem, Flávio Martins Alves Nunes Júnior explicitou que:

A Constituição brasileira inspirou-se na Constituição portuguesa


de 1976 para qualificar o Estado brasileiro como “Estado
Democrático de Direito” (embora o texto português preveja um
“Estado de Direito Democrático”). Primeiramente, o Brasil é um
“Estado de Direito”, expressão surgida na Alemanha
(Rechtsstaat) no início do século XIX. Portanto, é um país regido
pelo princípio da legalidade, seja para as pessoas, seja para (e
principalmente para) o Estado. Assim, enquanto as pessoas

1
A dignidade da pessoa humana seria classificada, por alguns doutrinadores, como sendo um
“sobreprincípio”, na medida em que atuaria “sobre” outros princípios. No RE 898060, julgado em
21 e 22.09.2016: “O Supremo Tribunal Federal afirmou que o sobreprincípio da dignidade humana,
na sua dimensão de tutela da felicidade e realização pessoal dos indivíduos a partir de suas próprias
configurações existenciais, impõe o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de modelos
familiares diversos da concepção tradicional.”
9

podem fazer o que a lei não proíbe, o Estado deve fazer aquilo
que a lei determina, o que a lei impõe. A própria Constituição
Federal prevê uma série de direitos e garantias fundamentais, nos
quais o Estado não só é obrigado a não interferir (liberdades
públicas), como também tem a obrigação de agir, cumprindo um
mínimo existencial de cada um desses direitos (“proibição da
proteção insuficiente”) (NUNES JÚNIOR, 2019)2.

No que tange ao Estado Democrático de Direito na Constituição


brasileira, Lênio Streck e José Luis Bolzan de Morais afirmaram:

“Desse modo, a noção de Estado Democrático de Direito –


normatizada no art. 1º da Constituição do Brasil – demanda a
existência de um núcleo (básico) que albergue as conquistas
civilizatórias assentadas no binômio democracia e direitos
humanos fundamentais-sociais. Esse núcleo derivado do
Estado Democrático de Direito faz parte, hoje, de um núcleo
básico geral-universal que comporta elementos que poderiam
confortar uma teoria (geral) da Constituição e do
constitucionalismo do Ocidente. Já os demais substratos
constitucionais aptos a confortar uma compreensão adequada do
conceito derivam das especificidades regionais e da identidade
nacional de cada Estado.” (CANOTILHO, MENDES, SARLET
& STRECK, 2018)3.

No mesmo sentido, porém com maior profundidade, o Ministro


Alexandre de Moraes esclareceu que o Estado Democrático de Direito:

“caracteriza-se por apresentar as seguintes premissas: (1)


primazia da lei; (2) sistema hierárquico de normas que preserva
a segurança jurídica e que se concretiza na diferente natureza das
distintas normas e em seu correspondente âmbito de validade; (3)
observância obrigatória da legalidade pela administração
pública; (4) separação de poderes como garantia da liberdade ou
controle de possíveis abusos; (5) reconhecimento da
personalidade jurídica do Estado, que mantém relações jurídicas
com os cidadãos; (6) reconhecimento e garantia dos direitos
fundamentais incorporados à ordem constitucional; (7) em
alguns casos, a existência de controle de constitucionalidade das
leis como garantia ante o despotismo do Legislativo.”
(MORAES, 2020)4.

2
NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2019. p. 532.
3
CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W. & STRECK, Lenio L.
(Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2018. p. 273
(grifos meus).
4
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 36. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 56 (grifos
meus).
10

Resta evidente a íntima relação entre o princípio da dignidade da


pessoa humana com o Estado Democrático de Direito, até porque, sem a
eficaz efetivação da dignidade humana, é impossível falarmos em um Estado
Democrático de Direito. Isso decorre do fato de o aludido metaprincípio ser
o responsável pela garantia total e plena aos direitos fundamentais e sociais
previstos nos artigos 5º e seguintes da Constituição Federal, dentre eles o da
liberdade, de maior ênfase no presente trabalho.

Ainda sobre a importância da dignidade da pessoa humana, Ingo


Wolfgang Scarlet explicou que:

“Ao consagrar a dignidade da pessoa humana como um dos


fundamentos do Estado Democrático (e social) de Direito (art. 1º,
III), a CF de 1988, além de ter tomado uma decisão fundamental
a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do próprio
Estado e do exercício do poder estatal, reconheceu
categoricamente que o Estado existe em função da pessoa
humana, e não o contrário. Da mesma forma, não foi por acidente
que a dignidade não constou do rol dos direitos e garantias
fundamentais, tendo sido consagrada em primeira linha como
princípio (e valor) fundamental, que, como tal, deve servir de
norte ao intérprete, ao qual incumbe a missão de assegurar-lhe a
necessária força normativa.” (CANOTILHO, MENDES,
SARLET & STRECK, 2018)5.

Também sobre essa íntima relação, Sarlet complementou:

Muito em função desta peculiar vinculação, a dignidade da


pessoa humana desempenha papel de destaque na condição de
critério para a construção de um conceito materialmente aberto
de direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira (...)
(CANOTILHO, MENDES, SARLET & STRECK, 2018)6.

Uma vez compreendida a relação do meta-princípio da dignidade da


pessoa humana com o Estado Democrático de Direito, é hora de adentrarmos
o conceito de direitos fundamentais e direitos individuais para, enfim,
abordar a afirmação inaugural do capítulo.

5
CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L.
(Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2018. p. 289.
6
CANOTILHO, José J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L.
ibidem, p. 292.
11

Para José Afonso da Silva, os direitos fundamentais do homem-


indivíduo são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares,
garantindo a iniciativa e a independência aos indivíduos diante dos demais
membros da sociedade política e do próprio Estado (SILVA, 1989)7. Importa
destacar que os direitos fundamentais, conforme explicita o artigo 5º da
Constituição, dividem-se em individuais e coletivos. Em outras palavras, os
direitos individuais nada mais são que direitos fundamentais inerentes ao
indivíduo, enquanto os coletivos são aqueles que pertencem a um grupo ou
categoria de pessoas.

Com exímia maestria e concisão, o Ministro do STF Luís Roberto


Barroso afirmou que:

“Os direitos individuais configuram uma espécie de direitos


constitucionais. Tais direitos, talhados no individualismo liberal,
protegem os valores ligados à vida, à liberdade, à igualdade
jurídica, à segurança e à propriedade. Destinam-se
prioritariamente a impor limitações ao poder político, traçando
uma esfera de proteção das pessoas em face do Estado. Deles
resultam, em essência, deveres de abstenção para a autoridade
pública e, como consequência, a preservação da iniciativa e da
autonomia privadas.” (BARROSO, 2020)8.

Dentre os mais variados direitos individuais existentes no artigo 5º da


Constituição Federal, é possível destacar como um dos primordiais e
basilares o direito à liberdade. Segundo a doutrina filosófica de Kant, a
liberdade constitui o maior direito do ser humano, sendo o único direito inato
do indivíduo. Aqui, liberdade é compreendida como autonomia (capacidade
de autodirigir sua vida e suas escolhas a partir da razão).

É bem verdade ser possível afirmar que existam vários tipos de


liberdade. A exemplo disso, José Afonso da Silva (2008) esclareceu que a
liberdade pode ser dividida em “cinco grandes grupos, a seguir enumerados.

7
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989.
8
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 184.
12

(1) Liberdade da pessoa física (liberdade de locomoção, de


circulação).
(2) Liberdade de pensamento, com todas as suas liberdades
(opinião, religião, informação, artística, comunicação do
conhecimento).
(3) Liberdade de expressão coletiva em suas várias formas (de
reunião, de associação).
(4) Liberdade de ação profissional (livre escolha e de exercício
de trabalho, ofício e profissão).
(5) Liberdade de conteúdo econômico e social9.

Para melhor compreensão do presente trabalho e do que será arguido


e defendido, entende-se como liberdade aquela associada à liberdade de
locomoção, circulação e de ir e vir.

A liberdade, como direito fundamental, não é um direito absoluto,


podendo ser relativizada em determinados casos e situações. De acordo com
Konrad Hesse (1998)10:

“A limitação de direitos fundamentais deve, por conseguinte, ser


adequada para produzir a proteção do bem jurídico, por cujo
motivo ela é efetuada. Ela deve ser necessária para isso, o que
não é o caso, quando um meio mais ameno bastaria. Ela deve,
finalmente, ser proporcional em sentido restrito, isto é, guardar
relação adequada com o peso e o significado do direito
fundamental.”

Dessa forma, em situações específicas previstas no ordenamento


pátrio, o indivíduo poderá ter sua liberdade cerceada em caráter preventivo,
temporário ou até como sanção por transgressão penal – por meio da prisão
– mediante decisão judicial devidamente fundamentada quanto à sua
necessidade no caso concreto e em conformidade aos dispositivos
normativos. Contudo, ainda nas hipóteses legais nas quais se admite o cárcere
do indivíduo, a liberdade é regra e a prisão é a exceção. Isso decorre de duas
normas constitucionais: a da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII,
da Constituição Federal de 1988) e a da liberdade provisória (artigo 5º, inciso

9
SILVA, José Afonso da. Op cit., 2008.
10
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha.
Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 256.
13

LXVI, da Constituição Federal de 1988), que serão mais bem desenvolvidas


a seguir.

2.1. LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em


julgado de sentença penal condenatória

Insculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988,


o princípio da presunção da inocência disciplina que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”.

O aludido princípio é um dos mais basilares e primordiais no Direito


Processual Penal brasileiro, guardando intrínseca relação com o Estado
Democrático de Direito e com a afirmativa de que a liberdade é a regra e a
prisão é a exceção, bem como desempenhando fundamental papel
constitucional. Em complemento a isso, o Ministro Celso de Mello, ao
proferir voto divergente no HC nº 126.292/SP, discordou da decisão de não
provimento proferida pelo Ministro Relator e dos fundamentos por ele
utilizados. Primeiramente, destacou o Ministro citado que o princípio da
presunção da inocência é uma conquista histórica fundamental,
legitimado pelos pilares da democracia e intrinsecamente ligado à
dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a Constituição da República
de 1988, enaltecendo os valores mais caros à democracia, consagrou uma das
mais importantes proteções ao indivíduo: "O direito do indivíduo de jamais
ser tratado, pelo Poder Público, como se culpado fosse."11

Acerca da origem do princípio da presunção de inocência, nos ensina


Nereu José Giacomolli:

O princípio da presunção de inocência surgiu em face das


práticas do Ancien Régime contra a liberdade das pessoas, em
razão das prisões arbitrárias e da consideração da pessoa como

STF – HC nº 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ: 17/02/2016. Voto do Min. Celso de
11

Mello, p. 4.
14

sendo culpada, mesmo antes de ser provada a sua culpabilidade


(GIACOMOLLI, 2018)12.

Dada a sua importância,

“esse princípio de viés processual guarda relação, dentre outros,


com a dignidade da pessoa humana. Temos que ele é consagrado
não apenas na Constituição da República de 1988, mas também
em documentos internacionais, como a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de 1948, e a Convenção Americana Sobre
os Direitos Humanos” (FERNANDES, 2020)13.

Contrário às práticas do Ancien Régime e anterior ao documento da


ONU14, já em 1764, Cesare Beccaria, em sua célebre obra Dos delitos e das
penas, advertia que “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença
do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido
que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”
(BECCARIA, 1997)15.

Desenvolvendo com maior profundidade o princípio da presunção da


inocência, o renomado Professor Aury Lopes Júnior afirmou:

A presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de


tratamento (na medida em que exige que o réu seja tratado como
inocente), que atua em duas dimensões: interna ao processo e
exterior a ele. Internamente, é a imposição – ao juiz – de tratar o
acusado efetivamente como inocente até que sobrevenha
eventual sentença penal condenatória transitada em julgado. Isso
terá reflexos, entre outros, no uso excepcional das prisões
cautelares, como explicaremos no capítulo específico. Na
dimensão externa ao processo, a presunção de inocência exige
uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização
(precoce) do réu. Significa dizer que a presunção de inocência (e
também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e
privacidade) deve ser utilizada como verdadeiro limite
democrático à abusiva exploração midiática em torno do fato
criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo
montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela
eficácia da presunção de inocência. Também na perspectiva de
norma de tratamento, a presunção de inocência repudia o uso

12
GIACOMOLLI, Nereu José. Comentário ao artigo 5º, LVII. In: CANOTILHO, José J. Gomes;
MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W. & STRECK Lenio L. (coords.). Comentários à
Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva: Almedina, 2018. p. 888.
13
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. rev., atual. e ampl.
Salvador: JusPodivm, 2020. p. 620.
14
Organização das Nações Unidas.
15
BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi de. Dos delitos e das penas. Tradução de Lucia
Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 69.
15

desnecessário de algemas e todas as formas de tratamento


análogo ao de culpado para alguém que ainda não foi condenado
definitivamente (LOPES JÚNIOR, 2020)16.

Consoante a afirmativa do Professor Aury Lopes Júnior,


complementou Eugênio Pacelli:

Afirma-se frequentemente em doutrina que o princípio da


inocência, ou estado ou situação jurídica de inocência, impõe ao
Poder Público a observância de duas regras específicas em
relação ao acusado: uma de tratamento, segundo a qual o réu, em
nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições
pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de
condenação, e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos
os ônus da prova relativa à existência do fato e à sua autoria
devem recair exclusivamente sobre a acusação. À defesa restaria
apenas demonstrar a eventual incidência de fato caracterizador
de excludente de ilicitude e culpabilidade, cuja presença fosse
por ela alegada.

No que se refere às regras de tratamento, o estado de inocência


encontra efetiva aplicabilidade, sobretudo no campo da prisão
provisória, isto é, na custódia anterior ao trânsito em julgado, e
no do instituto a que se convencionou chamar de “liberdade
provisória”, que nada mais é, atualmente (Lei nº 12.403/11), que
a explicitação das diversas medidas cautelares pessoais,
substitutivas da prisão (PACELLI, 2020)17.

Embora muito atrelado ao metaprincípio da dignidade humana e


intrínseco ao Estado Democrático de Direito, o princípio da presunção da
inocência não é, conforme já destacado na explanação sobre os direitos
fundamentais, absoluto, cabendo a sua relativização ante determinado caso
concreto e com o devido amparo legal.

Nesse mesmo entendimento, Pacelli esclareceu que:

Exceções ao princípio, é claro, até poderão ocorrer, sem qualquer


mácula ao pensamento garantista, como, de resto, comprova-o o
direito comparado, mundo afora. Em situações e contexto
absolutamente excepcionais. O Direito é regra, mas é, também,
exceção (PACELLI, 2020)18.

16
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p.
141.
17
PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 81-82.
18
ibidem, p. 83.
16

Dentre as formas de relativação da liberdade individual, a com maior


destaque no cenário brasileiro e foco de discussão do presente trabalho é a
prisão preventiva. Apesar de ser objeto de análise dos tópicos/capítulos a
seguir, importa brevemente destacar que a prisão preventiva é uma medida
excepcional de natureza cautelar durante o curso da persecução criminal,
sendo disciplinada no Código de Processo Penal após a nova redação dada
pela Lei nº 12.403/2011.

Novamente destaca-se que a regra é a liberdade e a prisão é a exceção.


Reforçando essa afirmativa, Renato Brasileiro de Lima expôs o seguinte:

O princípio da presunção de inocência não proíbe, todavia, a


prisão cautelar ditada por razões excepcionais e tendente a
garantir a efetividade do processo, cujo permissivo decorre
inclusive da própria Constituição (art. 5º, LXI), sendo possível se
conciliar os dois dispositivos constitucionais desde que a medida
cautelar não perca seu caráter excepcional, sua qualidade
instrumental, e se mostre necessária à luz do caso concreto
(LIMA, 2020)19.

Ante o que foi exposto acerca da presunção de inocência, destaca-se


como um postulado norteador, vedando qualquer forma de prejulgamento por
parte do aparato estatal e da própria sociedade, bem como dos órgãos do
Poder Judiciário, além de servir como égide para a manutenção do status
libertatis do indivíduo, somente podendo ser relativizada – como na
aplicação da prisão preventiva, por exemplo – em situações
excepcionalíssimas quando preenchidos todos os requisitos legais e for
realmente necessária ao caso concreto.

2.2. LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a


lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança

Outro fundamental postulado constitucional para a preservação da


liberdade individual é o da liberdade provisória. Em seu artigo 5º, LXVI, a

19
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Volume único. 8. ed. rev., ampl. e atual.
Salvador: JusPodivm, 2020. p. 49.
17

Constituição prescreve que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido


quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

Apesar do seu caráter constitucional, a liberdade provisória só tomou


os contornos atuais – de liberdade como regra e a prisão como exceção – com
o advento da Lei nº 12.403/2011, pois, dentre suas principais inovações,
destacam-se as medidas cautelares alternativas à prisão preventiva, prezando
pela liberdade do indivíduo sem que se prejudique o curso da persecução
criminal.

Sobre o desenvolvimento da liberdade provisória como fundamento


constitucional até seus contornos atuais, esclareceu o Ministro Gilmar
Mendes:

O artigo 5º, LXVI, da Constituição, prescreve que “ninguém será


levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança”. A liberdade provisória tem
caráter de uma medida cautelar prevista no texto constitucional,
cuja conformação substancial é deferida ao legislador. Assim, tal
como decorre da sistemática constitucional, esse poder
conformador há de ser exercido tendo em vista os princípios
constitucionais que balizam os direitos fundamentais e o próprio
direito de liberdade.

Antes mesmo do advento da Constituição, a Lei nº 6.416, de


1977, já havia consagrado que o juiz poderia conceder ao réu
liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos
os atos do processo, sempre que se verificasse pelo auto de prisão
em flagrante a inocorrência de qualquer das hipóteses que
autorizam a prisão preventiva. No regime anterior à Lei nº
6.416/77, só eram passíveis de liberdade provisória os crimes
afiançáveis. Nos crimes inafiançáveis, o réu haveria de
permanecer preso até o julgamento da causa. A referida lei
encerra esse ciclo, admitindo a liberdade provisória sempre que
não presentes razões que justifiquem a decretação da prisão
preventiva.

Por isso, observou Eugênio Pacelli que a Constituição de 1988


chegou desatualizada em tema de liberdade provisória ao
ressuscitar a antiga expressão inafiançabilidade.

A Lei nº 12.403/2011 alterou o CPP em relação à prisão


processual, fiança e liberdade provisória. A alteração reforçou
o caráter excepcional e subsidiário da prisão processual. A
prisão preventiva e a fiança passaram a integrar o rol de medidas
cautelares aplicáveis ao implicado, ao lado de comparecimento
periódico em juízo, proibição de frequentar determinados
18

lugares, proibição de manter contato com determinadas pessoas,


proibição de se ausentar da Comarca, recolhimento domiciliar
noturno e em dias de folga, suspensão do exercício de função
pública ou outra atividade econômica, internação provisória,
fiança e monitoração eletrônica (artigo 319). Com isso, passou-
se a contar com um rol de medidas menos gravosas do que o
encarceramento, reservando-se a prisão preventiva para as
hipóteses em que “não for cabível a sua substituição por
outra medida cautelar” (artigo 282, parágrafo 6º) (MENDES
& BRANCO, 2020)20.

Nesse mesmo diapasão, lecionou Eugênio Pacelli acerca da liberdade


provisória:

Depois de uma década de tramitação no Congresso Nacional,


aprovou-se o Projeto de Lei nº 4.208, de 2001, transformado na
Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, publicada no dia 5 do
mesmo mês de maio, embora com profundas modificações do
anteprojeto originário. A vigência da citada lei iniciou-se em 4
de julho de 2011 (60 dias após a sua publicação – Lei
Complementar nº 95/98).

A referida legislação trouxe relevantes alterações no trato das


prisões e da liberdade provisória, cuidando de inserir –
felizmente – inúmeras alternativas ao cárcere (artigo 319 do
CPP).

Em razão dessas significativas alterações, a promover verdadeira


revolução na matéria, optamos por unificar o seu exame,
abordando todas as questões a ela pertinentes em um único
capítulo.

E isso se explica facilmente. É que se assumiu em definitivo a


natureza cautelar de toda prisão antes do trânsito em julgado;
junto a isso, ampliou-se o leque de alternativas para a proteção
da regular tramitação do processo penal, com a instituição de
diversas outras modalidades de medidas cautelares.

E não temos o menor receio em afirmar que a expressão


liberdade provisória somente foi mantida em razão de seu
inadequado manejo no texto constitucional, conforme se vê no
artigo 5º, LXVI, a dizer que “ninguém será levado à prisão ou
nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou
sem fiança”.

Eis, então, a primeira crítica às atuais regras: não é porque o


constituinte de 1988, desavisado e desatualizado com a
legislação processual penal de sua época, tenha se referido à
liberdade provisória, com e sem fiança, que a nossa história deve
permanecer atrelada a este equívoco. O que é provisório é sempre

20
MENDES, Gilmar Ferreira & BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 15. ed.
São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 871-872. (grifos meus).
19

a prisão, assim como todas as demais medidas cautelares, que


sempre implicarão restrições a direitos subjetivos. A liberdade é
a regra; mesmo após a condenação passada em julgado, a prisão
eventualmente aplicada não será perpétua, isto é, será sempre
provisória.

Por isso, pensamos que se deveria varrer do mapa essa expressão,


limitando a lei a explicitar as medidas cautelares e as
modalidades de prisão. Todas elas provisórias. Obviamente.

Torna-se, pois, absolutamente inadiável a redefinição de diversos


institutos jurídicos pertinentes à matéria, para o fim de seu
realinhamento com o novo sistema de cautelares de índole
pessoal incorporado ao Código (PACELLI, 2020)21.

O desenvolvimento do postulado constitucional da liberdade


provisória em norma processual pela Lei nº 12.403/2011 trouxe maior
tangibilidade e aplicação prática da afirmação de que a liberdade é a regra e
a prisão a exceção, pois, como alternativa à prisão – tão gravosa ao indivíduo
–, surgem, como suficientemente adequadas à segurança jurídica almejada,
as medidas cautelares alternativas da prisão, insertas no artigo 319 do Código
de Processo Penal, in verbis:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições


fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares


quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado
ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco
de novas infrações;

III – proibição de manter contato com pessoa determinada


quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado
ou acusado dela permanecer distante;

IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência


seja conveniente ou necessária para a investigação ou
instrução;

V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de


folga quando o investigado ou acusado tenha residência e
trabalho fixos;

21
PACELLI, Eugênio. Op cit., p. 613.
20

VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de


natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de
sua utilização para a prática de infrações penais;

VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes


praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos
concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do
Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o


comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu
andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem
judicial;

IX – monitoração eletrônica.

§ 1o. (Revogado).

§ 2o. (Revogado).

§ 3o. (Revogado).

§ 4o. A fiança será aplicada de acordo com as disposições do


Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras
medidas cautelares.

O referido dispositivo processual traz um vasto rol exemplificativo de


medidas cautelares diversas da prisão, prezando pelo status libertatis do
indivíduo e servindo de uma alternativa eficiente e benéfica que a prisão
preventiva. Ocorre que, apesar da existência dessas medidas cautelares, o
sistema judiciário brasileiro vem se utilizando indiscriminada e
desnecessariamente da prisão preventiva como instrumento de segurança
jurídica, indo na contramão da regra da liberdade, do princípio da presunção
de inocência e do instituto da liberdade provisória.

Uma vez compreendida que a regra é a liberdade em atenção e respeito


ao Estado Democrático de Direito, ao metaprincípio da dignidade humana,
ao princípio da presunção de inocência e do instituto da liberdade provisória,
passaremos ao estudo da exceção; da prisão preventiva, analisando seus
requisitos, fundamentos e pressupostos, bem como as consequências do seu
uso indiscriminado na seara processual criminal brasileira.
3. A PRISÃO PREVENTIVA NO PROCESSO PENAL
BRASILEIRO

O instituto da prisão preventiva foi um dos que mais recebeu


alterações legislativas ao longo dos anos. Sua evolução histórica será mais
bem desenvolvida a seguir. Por ora, para conhecermos melhor suas
particularidades, atentaremos à sua vigência na atual conjuntura processual
penal brasileira após o advento da Lei nº 13.964/2019, denominado Pacote
Anticrime.

A prisão preventiva é uma medida cautelar de constrição da liberdade


individual, que, conforme asseverou Eugênio Paccelli, objetifica impedir
eventuais condutas praticadas pelo alegado autor e/ou terceiros, que possam
colocar em risco a efetividade da fase de investigação e do processo.

Complementando acerca da aplicação da prisão preventiva, Noberto


Avena explicou que a prisão preventiva “possui natureza cautelar, já que
tem por objetivo a tutela da sociedade, da investigação criminal/processo
penal e da aplicação da pena (AVENA, 2020)22”.

Além disso, retomando o que foi exaustivamente exposto em epígrafe,


conforme a inteligência do artigo 282, parágrafo 6º, do Código de Processo
Penal, a prisão preventiva é medida de caráter excepcional, podendo somente
ser aplicada quando as outras medidas cautelares diversas da prisão não se
inserirem ao caso concreto, devendo a decisão que decretar a prisão estar
devidamente fundamenta nos elementos do caso concreto. Vejamos o aludido
dispositivo:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão


ser aplicadas observando-se a:

(...)

§ 6º. A prisão preventiva somente será determinada quando não


for cabível a sua substituição por outra medida cautelar,
observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da

22
AVENA, Norberto. Processo penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020. p.
1.874.
22

substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de


forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto,
de forma individualizada.

Resta evidente a intenção do legislador em destacar a


excepcionalidade da prisão preventiva ao alterar a redação do referido
dispositivo, fazendo com que a aplicação da prisão só seja possível se
nenhuma das outras medidas cautelares do artigo 319 do Código de Processo
Penal, cujo rol de medidas é meramente exemplificativo, seja cabível no caso
concreto,

justificando-se somente nas excepcionais situações quais a


permanência do indivíduo em liberdade possa, efetivamente e
fundamentadamente, dificultar a realização da prestação
jurisdicional, a prisão preventiva não importa em violação à
garantia constitucional da presunção de inocência(AVENA,
2020)23.

Acerca da decisão que fundamentar pela decretação da prisão


preventiva, Gilmar Mendes esclareceu que:

(...) conter não só a demonstração dos elementos que justifiquem


a sua necessidade, como também a indicação dos motivos pelos
quais as medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art.
319 do CPP, são inadequadas ou insuficientes para o caso que se
tenha em mãos (MENDES & BRANCO, 2020)24.

Salientamos que não se trata de mero apontamento por parte do


magistrado que as medidas cautelares sejam inadequadas, devendo ele
discorrer o porquê de sua inaplicabilidade ante o caso.

Nesse sentido, é imperioso trazer à baila a redação do artigo 315 do


Código de Processo Penal, por ser taxativo quanto à fundamentação idônea
da decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva:

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão


preventiva será sempre motivada e fundamentada.
§ 1º. Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de
qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a

23
ibidem, p. 1.874.
24
MENDES, Gilmar Ferreira & BRANCO, Paulo Gonet. Op cit., p. 861.
23

existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a


aplicação da medida adotada.
§ 2º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,
seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato
normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão
decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o
motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra
decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que
o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento.

Observamos novamente o cuidado do legislador em aperfeiçoar a boa


prática processual, bem como reforçar o cuidado e a qualidade das decisões
que decretarem a prisão preventiva. Acerca da nova redação desse importante
dispositivo, esclareceu Aury Lopes Júnior:

Trata-se de um conjunto de exigências, da maior relevância, em


relação à qualidade da fundamentação necessária para decretação
de uma prisão cautelar. Um grande avanço ao exigir uma
fundamentação concreta, individualizada e com uma sanção,
na medida em que estabelece que não se considera
fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão. Então, todas essas
vedações, que exigem qualidade da decisão, ao não admitir que
ela se limite a indicar artigos da lei ou precedentes, enunciados,
sem fazer a adequação ao caso concreto; que empregue conceitos
jurídicos vagos e indeterminados, sem relacionar com o fato
concreto; a invocar motivos formulários, padronizados, que
servem para “qualquer” decisão; que não enfrente os argumentos
trazidos pelas partes e que se relacionem com a linha decisória
adotada; ou ainda, que deixe de seguir súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte e que diga respeito ao caso em
discussão, sem fazer o necessário distinguishing. Portanto, é
uma determinação legal da maior relevância e que busca
estabelecer um standard elevado de qualidade da
24

fundamentação das decisões e, ao mesmo tempo, prestigia as


partes e o contraditório (LOPES JÚNIOR, 2020)25.

Quanto à legitimidade, esclarece o artigo 311 do Código de Processo


Penal que somente caberá a decretação da prisão preventiva pelo magistrado
após requerimento do Ministério Público, do querelante, do assistente de
acusação ou de representação da autoridade policial. Assim, não poderia o
juiz de ofício decretar a prisão preventiva, devendo primeiro ser provocado
pelas partes legítimas.

Essa proibição da decretação de oficio pelo juiz foi mais uma novidade
da Lei nº 13.964/2019, visto que, antes de sua vigência, poderia o juiz
decretar a prisão independente de provocação, o que, para muitos juristas, era
uma grave violação ao sistema acusatório, uma vez que mitigava a
imparcialidade do magistrado. Um dos críticos à antiga redação foi Aury
Lopes Júnior, destacando que a:

(...) imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida


quando estamos diante de um juiz-instrutor (poderes
investigatórios) ou, pior, quando ele assume uma postura
inquisitória decretando – de ofício – a prisão preventiva. É um
contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e
atuante do inquisidor, contrastando com a inércia que caracteriza
o julgador. Um é sinônimo de atividade e o outro de inércia
(LOPES JÚNIOR, 2020)26.

Apenas a título de complementação, ainda que para a decretação da


prisão preventiva pelo juiz seja necessária a provocação pelas partes, no caso
da revogação da prisão, não é necessário qualquer tipo de requerimento –
apesar de sua possibilidade – podendo o magistrado revogá-la ou substituí-la
por medida cautelar diversa quando os motivos que ensejaram a decretação
não mais se fizerem presentes, conforme a inteligência do artigo 282,
parágrafo 5º, do Código de Processo Penal.

25
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p.
1.008-1.009 (grifos meus).
26
LOPES JÚNIOR, Aury. Op cit., p. 984.
25

Uma vez compreendidas algumas particularidades que rondam a


prisão preventiva, analisemos os casos em que se admite a sua aplicação,
cabendo o estudo dos pressupostos de legalidade da prisão preventiva,
presentes no artigo 312 do Código de Processo Penal, em tópico à parte.
Sobre sua admissibilidade, esclarece o artigo 313 do mesmo diploma, in
verbis:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a
decretação da prisão preventiva
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade
máxima superior a 4 (quatro) anos;
II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença
transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput
do art. 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal;
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a
mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de
urgência;
IV – (revogado).
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva
quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou
quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la,
devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após
a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção
da medida.
§ 2º. Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a
finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como
decorrência imediata de investigação criminal ou da
apresentação ou recebimento de denúncia.

De plano, resta asseverar que as hipóteses em epígrafe, quando


respeitados fundamentos do artigo 313, são alternativas, apenas necessitando
de uma para que possa ser decretada a prisão preventiva do indivíduo. Para
melhor ilustração, inserimos o seguinte exemplo: um indivíduo que responda
a um processo com pena máxima inferior a quatro anos, mas que é reincidente
em crime doloso, poderá ter sua prisão preventiva decretada.

Sobre a decretação da prisão preventiva, esclareceu Renato Brasileiro


de Lima:
26

Portanto, no caminho para a decretação de uma prisão


preventiva, cabe ao magistrado, inicialmente, verificar o tipo
penal cuja prática é atribuída ao agente, aferindo, a partir do art.
313 do CPP, se o crime em questão admite essa prisão cautelar.
Num segundo momento, incumbe ao magistrado analisar se há
elementos que apontem no sentido da presença simultânea de
prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria
(fumus comissi delicti). O terceiro passo é aferir a presença do
periculum libertatis, compreendido como o perigo concreto que
a permanência do investigado (ou acusado) em liberdade acarreta
para a investigação criminal, para o processo penal, para a
efetividade do direito penal ou para a segurança social.
Logicamente, esses fatos que justificam a prisão preventiva
devem ser contemporâneos à decisão que a decreta (princípio da
atualidade do periculum libertatis) (LIMA, 2020)27.

Quanto ao seu primeiro inciso, resta cristalino que é impossível a


aplicação da prisão preventiva nos crimes culposos, independentemente de
sua pena. No mesmo inciso, também fica claro que, nos crimes dolosos cuja
pena máxima é inferior a quatro anos, também não será possível a aplicação
da prisão – excetuando-se, quando presentes, em conjunto, as hipóteses dos
incisos II e/ou III.

O segundo inciso trata do instituto da reincidência presente nos artigos


63 e 64 do Código Penal. Assevera-se que o dispositivo destaca a
reincidência apenas para os crimes dolosos, ou seja, se o indivíduo tenha sido
condenado por delito culposo ou por contravenção penal, não poderá o
magistrado decretar a prisão preventiva exclusivamente nessa reincidência,
uma vez que ela não é de crime doloso. Ainda, anotações criminais e
procedimentos em curso não poderão ser utilizados como hipótese para
aplicação da prisão preventiva.

Já o terceiro inciso legislador trouxe uma maior tutela aos grupos


vulneráveis dentro da seara doméstica e familiar como garantia à execução
das medidas protetivas de urgência. Contudo, apesar de existir uma boa
intenção por parte do legislador, o dispositivo pode abrir margem para
decisões desproporcionais, visto que haverá a possibilidade de se prender

27
LIMA, Renato Brasileiro de. Op cit., p. 1.060 (grifos meus).
27

preventivamente indivíduo pela prática de crimes de baixa gravidade e


reprovação, mas que se inserem no contexto doméstico.

O segundo parágrafo do artigo 313, apesar de ser uma inovação


legislativa advinda da Lei nº 13.694/2019, não chegou a ser uma novidade na
prática forense, isso porque o STF já entendia que:

A Prisão Preventiva – Enquanto medida de natureza cautelar –


Não tem por objetivo infligir punição antecipada ao indiciado ou
ao réu. – A prisão preventiva não pode – e não deve – ser
utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição
antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito,
pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases
democráticas, prevalece o princípio da liberdade,
incompatível com punições sem processo e inconciliável com
condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva – que não
deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir
punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se,
considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em
benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.28

Dessa forma, conforme essa alteração legislativa, resta consolidado


que a prisão preventiva, por ser de natureza cautelar, não poderia ser utilizada
como instrumento de antecipação de pena, tampouco como decorrência
imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de
denúncia.

Para finalizar esse primeiro estudo acerca da prisão preventiva,


destaca-se a omissão legislativa quanto ao seu prazo de duração, sendo este
indeterminado. Contudo, ressaltamos novamente que, por ser de natureza
cautelar e vinculada a valores intrínsecos balizadores de legalidade, não
poderá esse prazo tornar-se ad aeternum nem ultrapassar os limites da
legalidade e da proporcionalidade, cabendo revogação ou substituição da
prisão preventiva, uma vez que findos os motivos que ensejaram a sua
decretação.

Ainda sobre essa indeterminação do prazo, o Desembargador


Guilherme Nucci complementou:

28
RTJ 180/262-264, Rel. Min. Celso de Mello (grifos meus.)
28

(...) inexiste um prazo determinado, como ocorre com a prisão


temporária, para a duração dessa modalidade de prisão cautelar.
A regra é perdurar até quando seja necessária, durante o curso do
processo, não podendo, é lógico, ultrapassar eventual decisão
absolutória – que faz cessar os motivos determinantes de sua
decretação – bem como o trânsito em julgado de decisão
condenatória, pois, a partir desse ponto, está-se diante de prisão-
pena (NUCCI, 2020)29.

Dessarte, uma vez compreendidos pontos fundamentais acerca da


prisão preventiva, estudemos a sua evolução histórica.

3.1. Evolução histórica da prisão preventiva: do Decreto-Lei nº 3.689 à


Lei nº 13.964

Os contornos da prisão preventiva conforme conhecemos hoje


advieram do Decreto-Lei nº 3.689, de 1941, mais conhecido como o Código
de Processo Penal. Contudo, impende destacar – a título de curiosidade – que
o aludido instituto, ainda que diferente dos moldes atuais, já era utilizado nas
Ordenações Manuelinas dos anos 1512 a 1605.

O Código de Processo Penal Brasileiro foi inspirado no código


italiano, de 19 de outubro de 1930, deixando claro, em sua exposição de
motivos, que a cautelaridade continuaria a fundamentar a privação da
liberdade, a bem do interesse da Justiça, que não poderia ficar refém de
formalidades. Inicialmente, previa a prisão preventiva obrigatória, nos
seguintes termos em seu artigo 312:

Art. 312. A prisão preventiva será decretada nos crimes a que for
cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou
superior a dez anos.

Já em seu artigo 313, o Código de 1941 trazia também uma prisão


preventiva facultativa:

Art. 313. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia


da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da lei penal:

29
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 19. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2020. p. 1.146.
29

I – nos crimes inafiançáveis, não compreendidos no artigo


anterior;
II – nos crimes afiançáveis, quando se apurar no processo que o
indiciado é vadio ou quando, havendo dúvida sobre sua
identidade, não fornecer ou indicar elementos suficientes para
esclarecê-la;
III – nos crimes dolosos, embora afiançáveis, quando o réu tiver
sido condenado por crime da mesma natureza, em sentença
transitada em julgado.

Apesar de a redação original não dispor das expressões “obrigatória”


e “facultativa”, o comando do dispositivo 312 deixa claro que, nos crimes
cuja pena máxima é igual ou superior a dez anos, deverá (obrigatoriedade)
ser decretada a prisão preventiva. Por outro lado, o artigo 313 é claro ao
apontar que a prisão preventiva poderia (facultatividade) ser decretada em
situações específicas não abarcadas pela hipótese do artigo 312.

Esse binômio da prisão preventiva perdurou até o advento da Lei nº


5.349, de 3 de novembro de 1967, que, após 26 anos, extinguiu a prisão
preventiva obrigatória. Eis as alterações do artigo 312 e 313, in verbis:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia


da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da
existência do crime e indícios suficientes da autoria.
Art. 313. A prisão preventiva poderá ser decretada:
I – nos crimes inafiançáveis;
II – nos crimes afiançáveis, quando se apurar no processo que o
indiciado é vadio ou quando, havendo dúvida sobre a sua
identidade, não fornecer ou indicar elementos suficientes para
esclarecê-la;
III – nos crimes dolosos, embora afiançáveis, quando o réu tiver
sido condenado por crime da mesma natureza, em sentença
transitada em julgado.

Com a extinção da prisão preventiva obrigatória pela Lei nº 5.349/67,


que deu nova redação ao artigo 312 do CPP, não há mais falar em prisão
preventiva obrigatória nem facultativa30.

30
LIMA, Renato Brasileiro de. Op cit., p. 1.054.
30

Após quase dez anos da última alteração legislativa concernente à


prisão preventiva, adveio a Lei nº 6.416, de 24 de maio de 1977, autorizando
a prisão preventiva, incondicionalmente, também nos crimes dolosos
afiançáveis, exigindo, tão somente, que estes fossem punidos com reclusão.
Além disso, nos crimes punidos com detenção, aplicar-se-á nas hipóteses
previstas nos incisos II e III do artigo 313. Eis sua nova redação:

Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo


anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos
crimes dolosos
I – punidos com reclusão;
II – punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é
vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou
não indicar elementos para esclarecê-la;
III – se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em
sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no
parágrafo único do art. 46 do Código Penal.

O Juiz Federal Marcelo Cardozo apontou que as alterações


decorrentes da Lei nº 6.416 significaram uma verdadeira mudança no sistema
normativo da prisão preventiva, sendo o ponto de partida para um sistema de
tutela cautelar por razões determinadas:

Primeiro, porque se deixou a tradição do Direito brasileiro que


autorizava a prisão preventiva apenas nos crimes em que não
tinha lugar a fiança. Os crimes inafiançáveis, por regra,
carregavam uma forte presunção de necessidade da medida de
segregação, como se pode ver, claramente, no período anterior
ao Código de Processo Penal de 1941, em que, na legislação
federal, nem mesmo havia referências a elementos de
cautelaridade (ordem pública, conveniência da instrução penal
ou garantia da aplicação da lei penal). Na prática,
independentemente do que apregoado pela doutrina, então
influenciada pela doutrina italiana, bastava para a sua decretação
que o crime fosse inafiançável, ainda mais porque não havia
parâmetros de cautelaridade disciplinados, resumindo-se, a
necessidade da prisão, à “conveniência e ao prudente arbítrio” do
juiz, que, desde sempre, eram criticados.
Segundo, porque desvinculou a impossibilidade da concessão da
fiança de qualquer presunção de necessidade de prisão. Ao
contrário, da necessidade da prisão é que decorria, agora,
independentemente da pena cominada, a impossibilidade da
concessão de fiança (artigo 324, IV, do Código de Processo
Penal). A necessidade da prisão é que passou a desempenhar
papel central no sistema normativo da fiança. Tanto isso é
31

verdade que, se antes da Lei 6.416/77, a prisão em flagrante, nos


crimes não sujeitos à fiança, submetia, por regra, o indiciado à
segregação por todo o processo, a partir de então a manutenção
da prisão imprescindiria da presença de todos os elementos da
prisão preventiva (em especial, aqueles referentes à
cautelaridade), sob pena da concessão da liberdade provisória.
Houve, na verdade, uma revolução do paradigma interpretativo.
Isso porque os elementos de cautelaridade, se agora postos na
ordem do dia, já se faziam presentes desde a edição do Código,
em 1941. É que, em 1977, retirou-se do requisito da
impossibilidade de fiança (e das presunções de necessidade
decorrentes) o papel preponderante que exercia, passando a vir
como elemento de primeiro plano, então, a própria análise
concreta da necessidade da segregação, que deveria restar
estampada na garantia da ordem pública, na conveniência da
instrução penal e na garantia da aplicação da lei penal. Mudou-
se muito sem que houvesse qualquer inserção da necessidade de
observância dos elementos de cautelaridade: ao tornar
irrelevante, para a decretação da prisão preventiva, a
impossibilidade de fiança, fortaleceu-se a prisão preventiva
justamente em seus requisitos intrínsecos de cautelaridade31.

Em seguida às alterações do ano de 1977, houve duas pequenas


mudanças quanto aos pressupostos de validade da prisão preventiva. A
primeira adveio da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, que define os crimes
contra o sistema financeiro nacional, acrescentando, em seu artigo 30, a
possibilidade de decretação da prisão preventiva em razão da magnitude da
lesão causada. In verbis:

Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de


Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei nº 3.689, de 3 de
outubro de 1941, a prisão preventiva do acusado da prática de
crime previsto nesta lei poderá ser decretada em razão da
magnitude da lesão causada.

Já a segunda se deu pelo advento da Lei nº 8.884, de 11 de novembro


de 1994, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a
ordem econômica, acrescentando ao artigo 312 do Código de Processo Penal,
como elemento de cautelaridade, a “garantia da ordem econômica”.

Com o advento da Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como a Lei


Maria da Penha, o legislador, buscando dar maior proteção e amparo às

31
Disponível em: <https://blogdomarcelocardozo.com/2016/06/18/uma-breve-historia-da-prisao-
preventiva-no-brasil/#:~:text=Em%201942%2C%20sob%20inspiração%20do,312>.
32

mulheres vítimas de violência doméstica, acrescendo o inciso IV ao artigo


312 do Código de Processo Penal, inaugurou a hipótese de prisão preventiva,
independentemente de se tratar de crime apenado com detenção, nos crimes
que envolverem “violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos
da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de
urgência”.

O ano de 2011 foi o responsável por trazer a Lei nº 12.403, de 4 de


maio de 2011, responsável por “tratar e introduzir diversas medidas
cautelares pessoais no Brasil, apresentando alternativas efetivas e concretas
às prisões cautelares” (PACELLI, 2020)32. É imperioso salientar, conforme
disciplinou Eugênio Pacelli, que o advento da aludida lei tornou indubitável,
em respeito e alinhando-se aos preceitos constitucionais, que as prisões
provisórias, como o caso da preventiva, são a exceção, devendo o magistrado
preferir as medidas cautelares diversas do cárcere (PACELLI, 2020)33.

Nesse mesmo sentido, o Professor Afrânio Silva Jardim corroborou


esse pensamento, quando disse: “Hoje, não pode restar a menor dúvida de
que a prisão em nosso direito tem a natureza acauteladora, destinada a
assegurar a eficácia da decisão a ser prolatada afinal, bem como a possibilitar
regular instrução probatória. Trata-se de tutelar os meios e os fins do processo
de conhecimento e, por isso mesmo, de tutela da tutela” (JARDIM, 1995)34.

Por se tratar de uma lei muito extensa, atentar-nos-emos somente às


alterações trazidas pela Lei nº 12.403 no que tange ao instituto da prisão
preventiva. De maneira muito precisa e sucinta, Noberto Avena destacou as
principais alterações trazidas pela aludida lei:

Com efeito, esta lei:


- Disciplinou, no art. 282, § 6º, a excepcionalidade da prisão
preventiva frente a outras medidas cautelares que não impliquem
privação da liberdade. Por conseguinte, antes de decretar a prisão
cautelar, cabe ao juiz verificar se, porventura, são cabíveis

32
PACELLI, Eugênio. Op cit., p. 26.
33
PACELLI, Eugênio. Op cit., p. 31.
34
JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 255.
33

quaisquer das medidas cautelares diversas da prisão arroladas no


Código de Processo Penal...
- Estabeleceu, no art. 282, § 3º, que, ressalvados os casos de
urgência ou de ineficácia da medida a ser imposta, será exigida a
observância do contraditório como condição prévia para que o
Juiz determine as medidas cautelares de natureza pessoal.
Evidentemente, a exigência desse contraditório requer
compatibilidade com a medida, não sendo razoável, por exemplo,
cogitá-lo diante da decretação de uma prisão preventiva ou
temporária...
- Possibilitou ao assistente de acusação o requerimento de
medidas cautelares de natureza pessoal. Tal faculdade encontra-
se revista, expressamente, no art. 311 do CPP, sendo extensiva,
também, às demais cautelares diversas da prisão por força do art.
282, § 2.º. Veja-se que, muito embora este dispositivo não
mencione, expressamente, a legitimidade do assistente para tanto
(refere-se às “partes”), o § 4.º do mesmo dispositivo é expresso
ao dispor que o assistente, no descumprimento das obrigações
impostas por ocasião da imposição das cautelares não privativas
da liberdade, pode requerer a sua substituição, cumulação ou
decretação da prisão preventiva (...)
- Modificou, embora não integralmente, o sistema adotado pelo
Código de Processo Penal no tocante às infrações que admitem a
prisão preventiva. Doravante, admite-se esta forma de
segregação:

• Nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade


máxima superior a 4 (quatro) anos (art. 313, I);
• Se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença
transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput
do art. 64 do Decreto-lei n.o2.848, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal (art. 313, II);
Se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a
mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de
urgência (art. 313, III);
• Também será admitida a prisão preventiva quando houver
dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não
fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso
ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação,
salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida (art.
313, § 1º);
• A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de
descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força
de outras medidas cautelares(art. 312, § 1º e 282, § 4.º).
• Estabeleceu a possibilidade de condicionamento da liberdade
provisória às medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP
(art. 321)35.

35
AVENA, Norberto. Op cit.p. 1.729-1.732.
34

De plano, é necessário apontar a adoção do modelo polimorfo, que


rompe com o binário reducionista de prisão cautelar ou liberdade provisória,
para oferecer ao juiz um rol de medidas alternativas à prisão preventiva
(LOPES JÚNIOR, 2017)36.

Para Noberto Avena, esse modelo polimorfo caracteriza-se pela


multicautela, submetendo o indivíduo a um terceiro e novo status, um que
não implica a prisão, bem como não importa em uma liberdade incondicional:
o da sujeição às medidas cautelares diversas da prisão, cujo rol,
exemplificativo, encontra-se listado nos artigos 319 e 320 do Código de
Processo Penal.

Por oportuno, vejamos novamente o rol exemplificativo do artigo 319,


trazido pelo advento da Lei nº 12.403/2011, cuja gama de medidas cautelares
são, em quase sua totalidade, suficientes alternativas à aplicação excepcional
da prisão preventiva:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão.


I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições
fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado
ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco
de novas infrações;
III – proibição de manter contato com pessoa determinada
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado
ou acusado dela permanecer distante;
IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência
seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de
folga quando o investigado ou acusado tenha residência e
trabalho fixos;
VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de
natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de
sua utilização para a prática de infrações penais;
VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes
praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos

36
LOPES JÚNIOR, Aury. Prisões cautelares. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2017. p.
13.
35

concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código


Penal) e houver risco de reiteração;
VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o
comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu
andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem
judicial;
IX – monitoração eletrônica.
§ 4º. A fiança será aplicada de acordo com as disposições do
Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras
medidas cautelares.

Fundamental mudança trazida pela Lei nº 12.403/2011 foi a previsão


do contraditório prévio antes da decretação de uma medida cautelar,
ressalvados os casos de urgência ou ineficácia da medida, cuja inteligência
encontra-se no artigo 282, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal,
executando maior eficácia aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Sobre o aludido dispositivo, esclareceu Renato Brasileiro de Lima:

Com a entrada em vigor da Lei nº 12.403/11, e na esteira da


moderna legislação europeia, o art. 282, § 3º, do CPP, passou a
prever o contraditório prévio à decretação da medida cautelar.
Em face desse preceito, pelo menos em regra, a parte contrária
deverá ser chamada para opinar e contra argumentar em face da
representação da autoridade policial, do requerimento do
Ministério Público, do querelante ou do assistente, confiando-se
ao juiz a ponderação plena e com visibilidade, em face da
presença de mais uma e justificada variável, de todos os aspectos
que tangenciam a extensão da medida, permitindo-lhe chegar a
um convencimento mais adequado sobre a necessidade (ou não)
de adoção da medida cautelar pleiteada. De fato, as razões
apresentadas pela defesa técnica podem levar o juiz a não adotar
a medida cautelar pretendida, não só em uma hipótese de
eventual erro quanto à qualificação do verdadeiro autor do delito,
como também na hipótese em que ele conseguir demonstrar a
desnecessidade do provimento cautelar, ou, ainda, a
possibilidade de adoção de medida menos gravosa (LIMA,
2020)37.

O artigo 311 do Código de Processo Penal também teve sua redação


alterada, o que tornou ainda mais claro que a prisão preventiva é uma prisão
processual de caráter cautelar, cuja aplicação poderá se dar em qualquer fase
do inquérito policial e do processo criminal, até mesmo após sentença

37
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Volume único. 8. ed. rev., ampl. e atual.
Salvador: JusPodivm, 2020. p. 950.
36

condenatória. No entanto, a principal mudança no dispositivo é referente ao


acréscimo do assistente de acusação como parte legítima para requerer a
decretação da prisão preventiva. Apenas salientamos que essa legitimidade
apenas ocorrerá durante o curso do processo, visto que a sua habilitação
somente se dá no processo, não na fase inquisitorial.

Outro fundamental dispositivo que sofreu significativas mudanças foi


o artigo 313, cuja redação ainda está em vigência mesmo após o advento do
Pacote Anticrime, que trata das hipóteses de admissibilidade da prisão
preventiva. Frisamos que esse tema já foi objeto de estudo no início desse
tópico, uma vez que a presente redação da norma adveio com a Lei nº 12.403.

Concernente à prisão preventiva, com a nova redação do artigo 310 do


Código de Processo Penal pela Lei nº 12.403, foi facultado ao magistrado,
após a chegada do auto de prisão em flagrante – à época não havia as
audiências de custódia – convertê-la em prisão preventiva se presentes os
requisitos do artigo 312, na impossibilidade de se aplicarem as medidas
cautelares diversas da prisão.

Findando os estudos da Lei nº 12.403 concernentes à prisão


preventiva, é preciso destacar novamente a omissão legislativa quanto ao seu
prazo, pois se acreditou que, por instituir o regime jurídico das medidas
cautelares pessoais, bem como trazer significativas mudanças quanto à prisão
preventiva, a lei traria também o seu prazo, o que cessaria com as
divergências acerca do seu prazo máximo de duração ao dispor de um critério
objetivo fixo, ao contrário do que se observa na prática forense.

Sobre essa omissão legislativa quanto ao prazo, esclareceu Aury


Lopes Júnior:

Voltando ao problema brasileiro, com a reforma operada pela Lei


n. 12.403/2011, perdeu-se uma grande oportunidade de resolver
o problema da falta de definição em lei da duração máxima da
prisão cautelar e também da previsão de uma sanção processual
em caso de excesso (imediata liberação do detido). O limite aos
37

excessos somente ocorrerá quando houver prazo com sanção. Do


contrário, os abusos continuarão (LOPES JÚNIOR, 2020)38.

O advento da Lei nº 13.964, famosamente denominada de Pacote


Anticrime, trouxe uma pequena revolução na seara criminal brasileira,
alterando diversos dispositivos do Código Penal, Código de Processo Penal,
Lei de Execução Criminal, bem como na legislação penal extravagante.

No que concerne à prisão preventiva, o Pacote Anticrime trouxe


diversas mudanças, alterando as redações dos artigos 282, 283, 310, 311, 312,
parágrafo 2º do 313, 315 e 316 do Código de Processo Penal.

À exceção dos artigos 310 e 316, que veremos agora, e do artigo 312
que fala dos pressupostos de legalidade da prisão preventiva, os demais
dispositivos já foram discorridos ao longo do presente trabalho, mais
precisamente na parte inaugural deste tópico.

Acerca da nova redação do artigo 310, trazida pelo Pacote Anticrime,


é necessário destacar a inteligência de seu parágrafo 2º, in verbis:

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo


máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da
prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a
presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da
Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa
audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:

(...)

§ 2º. Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra


organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de
fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com
ou sem medidas cautelares.

A redação do segundo parágrafo do referido dispositivo é


flagrantemente inconstitucional, pois, além de violar os princípios da
presunção de inocência, o da liberdade provisória e o da individualização da
pena, observamos violação de tese de repercussão geral reconhecida do STF.

38
LOPES JÚNIOR, Aury Op cit.p. 924.
38

Acerca desse tema, o Supremo Tribunal já se manifestou sobre a sua


inconstitucionalidade ao julgar dispositivo análogo. Vejamos:

Recurso extraordinário. 2. Constitucional. Processo Penal.


Tráfico de drogas. Vedação legal de liberdade provisória.
Interpretação dos incisos XLIII e LXVI do art. 5º da CF. 3.
Reafirmação de jurisprudência. 4. Proposta de fixação da
seguinte tese: É inconstitucional a expressão e liberdade
provisória, constante do caput do art. 44 da Lei n.11.343/2006. 5.
Negado provimento ao recurso extraordinário interposto pelo
Ministério Público Federal39.

Flagrante a inconstitucionalidade do presente dispositivo que


ensejaram diversas críticas dos juristas. Dentre eles, afirmou Eugênio Pacelli:

Se até então prestamos homenagens ao legislador, não há como


deixar de criticar o § 2º do art. 310, de clarividente
inconstitucionalidade, que determina que o juiz não poderá
conceder a liberdade (com ou sem medidas cautelares) diante de
três hipóteses: a) se o agente preso em flagrante é reincidente; ou
b) se integra organização criminosa armada ou milícia; ou c) se
portar arma de fogo de uso restrito. o juiz decretar
autonomamente a prisão preventiva de ofício, inclusive no bojo
de ação penal (PACELLI, 2020)40.

Quanto ao artigo 316, o Pacote Anticrime trouxe a seguinte redação:

Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar


a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo,
verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como
novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão


emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a
cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de
ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Em relação ao caput do dispositivo, não há nenhuma surpresa, estando


de acordo com a evolução da prisão preventiva, atentando-se à sua natureza
excepcional e cautelar, e perdurando somente enquanto existirem
fundamentos fáticos concretos ao caso para sua manutenção. Em caso de sua
ausência ou cessação, a requerimento das partes ou de ofício, poderá o

39
RE 1.038.925 RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, P, j. 18-8-2017, DJE de 19-9-2017, Tema 959.
40
PACELLI, Eugênio. Op cit.p. 1.321.
39

magistrado revogar a prisão preventiva, seja no curso do processo, seja no do


inquérito policial.

O que realmente merece destaque no dispositivo é o seu parágrafo


único, que emana o comando da revisão da prisão preventiva ante a sua
manutenção a cada 90 dias, de ofício, pelo órgão responsável por sua
decretação, mediante decisão fundamentada, sob pena de tornar a prisão
ilegal.

Houve a intenção, por parte do legislador, de prezar pelo caráter


excepcional da prisão preventiva ao exigir do magistrado que decretou a
prisão preventiva revisar sua manutenção, verificando se ainda persistem os
pressupostos legais que a ensejaram em um primeiro momento. Em caso de
ainda persistirem, deverá o juiz fundamentar por sua manutenção. Lado
outro, se pereceu o pressuposto legal, deverá haver a revogação dessa prisão,
podendo ou não recorrer às medidas cautelares do artigo 319 do Código de
Processo Penal.

Sobre o tema, complementou Aury Lopes Júnior:

Grande evolução que evita que o juiz simplesmente “esqueça” do


preso cautelar, bem como impõem o dever de verificar se
persistem os motivos que autorizaram a prisão preventiva ou já
desapareceram. Tal agir deverá ser de ofício, independente de
pedido, até porque se trata de controle da legalidade do ato, um
dever de ofício do juiz. Por fim, chamamos a atenção de que
finalmente temos o dever de revisar periodicamente a medida e,
também, de que esse é um prazo com sanção (não cumprido o
prazo e o reexame, a prisão será considerada ilegal) (LOPES
JÚNIOR, 2020)41.

Apesar do seu pouco tempo de vigência, o referido dispositivo já tem


sido alvo de embates acerca de sua aplicação, havendo quem discorra que, se
ultrapassado o prazo de 90 dias sem revisão da prisão preventiva por parte do
órgão que a decretou, a prisão passará automaticamente a ser ilegal, devendo
ser relaxada imediatamente.

41
LOPES JÚNIOR, Aury. Op cit. p. 925.
40

Sob esse argumento, o Ministro do STF Marco Aurélio concedeu a


liberdade a André do Rap, um dos principais traficantes a facção criminosa
PCC (Primeiro Comando da Capital). A ordem se deu após a impetração de
Habeas Corpus em favor de André, sob o argumento de que os magistrados
de piso nem o Ministério Público fizeram a revisão de sua prisão preventiva
no prazo de 90 dias, conforme a inteligência do parágrafo único do artigo 316
do Código de Processo Penal.

A título de informação, após a concessão da liberdade a André do Rap,


horas depois, o Ministro Luiz Fux revogou a decisão do Ministro Marco
Aurélio e solicitou a imediata prisão do acusado, contudo este já estava
liberto e teria fugido ao Paraguai.

Posteriormente à decisão do Ministro Marco Aurélio, como forma de


unificar o entendimento da corte quanto à aplicação do dispositivo em
epígrafe, o Supremo Tribunal Federal editou o Informativo 99542, afirmando
que o descumprimento da regra do parágrafo único do artigo 316 do Código
de Processo Penal não gera automaticamente ao preso o direito de ser posto
imediatamente em liberdade.

Em outras palavras, ao contrário do que foi compreendido pelo


Ministro Marco Aurélio e por muitos, que, em de caso de descumprimento
do prazo por 90 dias, a prisão passa a ser ilegal, à luz do referido informativo,
ultrapassado esse prazo, deverá o magistrado ser provocado a se manifestar
acerca da manutenção ou não da prisão preventiva.

Diante de todo exposto acerca da evolução da prisão preventiva no


Brasil até seus contornos atuais, vamos ao estudo dos seus fundamentos, seus
pressupostos de validade, que, por muitas vezes, foram utilizados de maneira
equivocada, temerária e obscura para decretação indiscriminada de prisões,
acarretando diversos impactos na sociedade brasileira.

42
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo995.htm>.
41

3.2. Uma análise aos fundamentos da prisão preventiva

Conforme já exaustivamente discorrido ao longo do presente trabalho,


a liberdade é a regra e a prisão é a exceção. Dessarte, para que haja a
decretação da prisão preventiva, é necessário que o ato praticado pelo
indivíduo esteja inserido nas hipóteses do artigo 313 e que essa hipótese
esteja presente nos pressupostos de legalidade (fundamentos) do artigo 312,
o que veremos agora.

O artigo 312 do Código de Processo Penal passou por diversas


mudanças ao longo dos anos, sendo a sua última modificação advinda da Lei
nº 13.964, que deixou o dispositivo com a seguinte redação:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia


da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da
instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal,
quando houver prova da existência do crime e indício suficiente
de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do
imputado.
Parágrafo Único. A prisão preventiva também poderá ser
decretada em caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art.
282, § 4º).
§ 1º. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso
de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por
força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º).
§ 2º. A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser
motivada e fundamentada em receio de perigo e existência
concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a
aplicação da medida adotada.

Não obstante a inteligência do dispositivo ao apresentar diversos


núcleos, é possível destacar como dois os pressupostos fundamentais para a
legalidade da prisão preventiva: o fumus commissi delicti e o periculum
libertatis.

3.2.1. Fumus Comissi Delicti e Periculum Libertatis

De plano, para melhor elucidação do estudo, é possível traduzir o


requisito do fumus comissi delicti como fumaça da prática de um delito ou
42

aparência do delito. Em outras palavras, é quando há prova da existência do


crime e indício suficiente de autoria.

Quanto à existência do crime, assevera Noberto Avena que:

trata-se da documentação que demonstra, nos autos, a efetiva


ocorrência da infração penal. A propósito, tenha-se em mente que
existência do crime e sua materialidade não são expressões que
possam ser usadas de forma indistinta, vale dizer, como
sinônimas. Com efeito, todo crime está sujeito a ter sua existência
atestada nos autos. Porém, apenas se deve falar em materialidade
quando se trata de infrações que deixam vestígios43.

Já em relação ao indício suficiente de autoria, o Desembargador Paulo


Rangel destacou como aquele situado no campo da probabilidade,

baseando-se e em fatores concretos indicativos de que o


indivíduo, efetivamente, possa ter praticado a infração penal sob
apuração. Além disso, não demandando, em juízo provisório,
prova plena de autoria, já que este é grau de certeza exigido por
ocasião do mérito da ação penal, quando se visa à condenação do
acusado44.

Desta forma, é possível comprimir o requisito do fumus comissi delicti


como a prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, “que não
significa juízo de certeza, mas de probabilidade razoável45”, suficientemente
capaz de ensejar uma eventual prisão cautelar do indivíduo.

Quanto ao segundo requisito, o periculum libertatis traduz-se como a


existência de perigo causado pela liberdade do sujeito ou perigo gerado pelo
estado de liberdade do indivíduo. Esse perigo não é abstrato, mas sim
objetivo, coadunando-se aos núcleos do artigo 312, caput, do Código de
Processo Penal: da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da
instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver
prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado
pelo estado de liberdade do imputado46.

43
AVENA, Norberto. Op cit. p. 1.883.
44
AVENA, Norberto. Op cit.
45
LOPES JÚNIOR, Aury Op cit. p. 986.
46
As expressões “garantia da ordem pública”, “ordem econômica”, “conveniência da instrução
criminal” e “assegurar a aplicação da lei penal” constituem o chamado periculum in mora (periculum
43

Portanto, não basta a mera existência de um perigo abstrato, fruto de


presunções ou ilações, sendo imperiosa para a decisão que decretar a prisão
preventiva uma verdadeira fundamentação, atentando-se ao acervo
probatório e fático, discorrendo sobre o porquê da aplicação da medida
cautelar e apontando o núcleo de sua motivação.

Nesse mesmo sentido, esclareceu Aury Lopes Júnior:

Assim, pode-se considerar que o periculum libertatis é o perigo


que decorre do estado de liberdade do sujeito passivo, previsto
no CPP como o risco para a ordem pública, ordem econômica,
conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação
da lei penal. Além disso, esse perigo de ser atual, contemporâneo
e não passado distante ou futuro (LOPES JÚNIOR, 2020)47.

Ademais, “para a decretação da prisão, são instrumentos alternativos,


e não cumulativos, de modo que basta um deles para justificar-se a medida
cautelar (idem)48”, ou seja, na hora de fundamentar a sua decisão, o
magistrado apontará apenas um dos núcleos – ainda que possa utilizar mais
de um – não necessitando que a prisão se dê pela garantia de todos eles.

Ponto de suma importância é a necessidade de que o periculum


libertatis seja presente, não passado e tampouco futuro e incerto. A
“atualidade do perigo” é elemento fundante da natureza cautelar (LOPES
JÚNIOR, 2020)49.

Por fim, antes de discorrermos acerca de todos os núcleos


compreendidos pelo periculum libertatis, é possível sintetizar de maneira
clara e objetiva o binômio fumus comissi delicti e periculum libertatis como:

Como qualquer medida cautelar, a preventiva pressupõe a


existência de periculum in mora (ou periculum libertatis) e fumus
boni iuris (ou fumus comissi delicti), o primeiro significando o
risco de que a liberdade do agente venha a causar prejuízo à
segurança social, à eficácia das investigações policiais/apuração

libertatis), ou seja, o perigo na demora da prestação jurisdicional, pois, quando for dada a sentença,
se a medida não for adotada, de nada valerá. Nesse caso, deve-se verificar se há necessidade e
urgência na adoção da medida. Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 27. ed. São Paulo:
Atlas, 2019. p. 1.241.
47
LOPES JÚNIOR, Aury. Op cit. p. 990.
48
Idem.
49
ibidem, p. 994.
44

criminal e à execução de eventual sentença condenatória, e o


segundo, consubstanciado na possibilidade de que tenha ele
praticado uma infração penal, em face dos indícios de autoria e
da prova da existência do crime verificados no caso concreto
(AVENA, 2020)50.

3.2.1.1. Da garantia da ordem pública

Inserida pela Lei nº 5.349, de 1967, o conceito da garantia da ordem


pública é tido como um dos mais controvertidos no que tange à prisão
preventiva, havendo aqueles que consideram a expressão vaga e imprecisa, e
aqueles que a consideram suficiente para seu propósito. De início, traremos
alguns juristas que defendem o uso de sua expressão ou que apenas a
consideram como eficaz.

O Desembargador Paulo Rangel explicou que a:

Ordem pública não é um conceito vago. A vagueza, muitas vezes,


está na decisão e não no conceito de ordem pública. Quando o
juiz diz que “decreta a prisão para garantia da ordem pública”, a
vagueza e a imprecisão não estão no conceito de ordem pública,
mas na decisão do magistrado que não demonstra onde a ordem
pública está ameaçada e agredida com a liberdade do acusado
(RANGEL, 2019)51.

Ademais, ilustrou seu conceito como:

(...) a paz e a tranquilidade social, que devem existir no seio da


comunidade, com todas as pessoas vivendo em perfeita
harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do
modus vivendi em sociedade. Assim, se o indiciado ou o acusado
em liberdade continuar a praticar ilícitos penais, haverá
perturbação da ordem pública, e a medida extrema é necessária
se estiverem presentes os demais requisitos legais (RANGEL,
2019)52.

Ao contrário do desembargador mencionado, Aury Lopes Júnior


assim expôs sua visão acerca do conceito:

Garantia da ordem pública: por ser um conceito vago,


indeterminado, presta-se a qualquer senhor, diante de uma

50
AVENA, Norberto. Op cit. p. 1.874.
51
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 1.241.
52
RANGEL, 2019. Op cit.
45

maleabilidade conceitual apavorante, como mostraremos no


próximo item, destinado à crítica. Não sem razão, por sua
vagueza e abertura, é o fundamento preferido, até porque
ninguém sabe ao certo o que quer dizer... Nessa linha, é
recorrente a definição de risco para ordem pública como
sinônimo de “clamor público”, de crime que gera um abalo
social, uma comoção na comunidade, que perturba a sua
“tranquilidade”. Alguns, fazendo uma confusão de conceitos
ainda mais grosseira, invocam a “gravidade” ou “brutalidade” do
delito como fundamento da prisão preventiva. Também há quem
recorra à “credibilidade das instituições” como fundamento
legitimante da segregação, no sentido de que se não houver a
prisão, o sistema de administração de justiça perderá
credibilidade. A prisão seria um antídoto para a omissão do Poder
Judiciário, Polícia e Ministério Público. É prender para reafirmar
a “crença” no aparelho estatal repressor (LOPES JÚNIOR,
2020)53.

Consoante Aury Lopes Júnior, Maria Ignez Lanzellotti Kato afirmou


que:

a prisão como garantia da ordem pública rompe com o princípio


da legalidade, uma vez que seu conceito é indefinido, subjetivo,
vago e amplo. E que diante do seu conteúdo ideológico que se
verifica a possibilidade do exercício arbitrário das prisões, em
flagrante desrespeito aos direitos fundamentais, tornando
legítimas decisões injustas e ilegais (KATO, 2005)54.

Não obstante essa divergência de entendimentos, bem como o seu


caráter subjetivo, a jurisprudência pátria tem optado,

conforme nos ensina Eugênio Pacceli, pelo entendimento da


noção de ordem pública como risco ponderável da repetição da
ação delituosa objeto do processo, sempre acompanhado do
exame acerca da gravidade do fato praticado e de sua repercussão
social (PACELLI, 2020)55.

De forma mais aprofundada, Guilherme Nucci, diante do estudo da


jurisprudência pátria, chegou à conclusão de que as prisões preventivas
decretadas com base no fundamento da garantia da ordem pública utilizaram-
se dos seguintes argumentos: (a) gravidade concreta do crime; (b)
envolvimento com o crime organizado; (c) reincidência(ou reiteração da

53
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p.
990-991.
54
KATO, Maria Ignez Lanzellotti Baldez. A (Des) razão da prisão provisória. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005. p. 117.
55
PACELLI, Eugênio. Op cit. p. 691.
46

prática delitiva) ou maus antecedentes do agente e periculosidade; (d)


particular e anormal modo de execução do delito; (e) repercussão efetiva em
sociedade, gerando real clamor público. Além disso, o próprio jurista
afirmou, ainda que não seja fundamental, que se associem dois desses fatores.

Finalizando o nosso estudo, por ora, acerca do conceito da garantia da


ordem pública, é inviável que seja utilizado para a decretação da prisão
preventiva quando essa ocorre após um longo decurso temporal após a prática
delitiva. Isso decorre por fugir da razoabilidade, pois uma vez que o indivíduo
que permaneceu muito tempo em liberdade sem repetir a prática delituosa,
cuja repercussão já cessou e sequer atrapalha a instrução, não haveria sentido
e fundamento para a decretação de seu cárcere.

3.2.1.2. Da garantia da ordem econômica

Conforme visualizado durante o estudo da evolução histórica da prisão


preventiva, o fundamento da garantia da ordem econômica foi inserido no
artigo 312 do Código de Processo Penal pela Lei nº 8.884, de 11 de novembro
de 1994, conhecida como Lei Antitruste, que dispõe sobre a prevenção e a
repressão às infrações contra a ordem econômica.

A sua inclusão por parte do legislador tentou trazer maior


tranquilidade e segurança ao sistema econômico, numa tentativa de conter o
risco de reiteração de práticas que gerem perdas financeiras vultosas, seja por
colocar em perigo a credibilidade e o funcionamento do sistema financeiro
ou mesmo o mercado de ações e valores (LOPES JÚNIOR, 2020)56.

Novamente, é importante frisar que sua utilização como fundamento


para a decretação da prisão preventiva não pode ser de forma genérica, sendo
imperiosa a gravidade da infração, a repercussão social causada e a

56
LOPES JÚNIOR, Aury. Op cit. p. 991-992.
47

probabilidade de reiteração da conduta criminosa imponham a medida como


fator de tranquilidade e restabelecimento da paz social (AVENA, 2020)57.

Ademais, muitos autores consideram a garantia da ordem econômica


como uma variável da garantia da ordem pública, só que de caráter
específico, voltado apenas para o sistema financeiro nacional. Dentre esses
autores, trazemos à baila a lição de Noberto Avena acerca da garantia da
ordem econômica:

Na realidade, trata-se de uma variável da garantia da ordem


pública, apenas um pouco mais específica do que esta, sendo
relacionada a uma determinada categoria de crimes, quais sejam,
aqueles que, de acordo com o art. 36, I a IV, da Lei nº
12.529/2011, tenham por objetivo limitar, falsear ou de qualquer
forma prejudicar a livre concorrência ou a livre-iniciativa,
dominar mercado relevante de bens ou serviços, aumentar
arbitrariamente os lucros ou exercer de forma abusiva posição
dominante (AVENA, 2020)58.

3.2.1.3. Por conveniência da instrução criminal

A decretação da prisão preventiva sob o fundamento da conveniência


da instrução criminal é intimamente relacionada com o princípio do devido
processo legal, principalmente no seu espectro procedimental. Compreende
como conveniência a realização de toda a persecução criminal de maneira
correta e idônea, prezando pela parcialidade do magistrado e em respeito ao
contraditório e ampla defesa das partes.

É nesse contexto que se visa a coibir, por meio da prisão preventiva,


qualquer atuação negativa por parte do acusado, que, atuando de maneira
inapropriada e, por vezes, ilegal, busca abalar e prejudicar a instrução
criminal. Para Guilherne Nucci:

Configuram condutas inaceitáveis a ameaça a testemunhas a


investida contra provas buscando desaparecer com evidências,
ameaças ao órgão acusatório, à vítima ou ao juiz do feito, a fuga
deliberada do local do crime, mudando de residência ou de

57
AVENA, Norberto. Op cit. p. 1.889-1.890.
58
Ibidem, p. 1.889.
48

cidade, para não ser reconhecido, nem fornecer sua qualificação,


dentre outras (NUCCI, 2020)59.

No mesmo sentido, Noberto Avena complementou que:

(...) a prisão preventiva decretada para conveniência da instrução


criminal é aquela que visa impedir que o agente, em liberdade,
alicie testemunhas, forje provas, destrua ou oculte elementos que
possam servir de base à futura condenação (AVENA, 2020)60.

Por sua vez, esclareceu Eugênio Pacelli:

Por conveniência da instrução criminal há de se entender a prisão


decretada em razão de perturbação ao regular andamento do
processo, o que ocorrerá, por exemplo, quando o acusado, ou
qualquer outra pessoa em seu nome, estiver intimidando
testemunhas, peritos ou o próprio ofendido, ou ainda provocando
qualquer incidente do qual resulte prejuízo manifesto para a
instrução criminal. Evidentemente, não estamos nos referindo à
eventual atuação do acusado e de seu defensor, cujo objetivo seja
a procrastinação da instrução, o que pode ser feito nos limites da
própria lei (PACELLI, 2020)61.

Apesar de seu conceito ser claro e estar devidamente sedimentado na


seara jurisprudencial e doutrinária, há autores que discordam acerca da
nomenclatura do fundamento, imputando que o termo “conveniência” – cujo
surgimento se deu no ano de 1967 – dá margem para discricionariedade e
para caprichos processuais, o que, para uma medida cautelar excepcional
como a da prisão preventiva, é inadmissível. Acerca da nomenclatura,
explicou Aury Lopes Júnior:

Conveniência da instrução criminal (tutela da prova): é


empregada quando houver risco efetivo para a instrução, ou seja,
“conveniência” é um termo aberto e relacionado com ampla
discricionariedade, incompatível com o instituto da prisão
preventiva, pautada pela excepcionalidade, necessidade e
proporcionalidade, sendo, portanto, um último instrumento a ser
utilizado (LOPES JÚNIOR, 2020)62.

59
NUCCI, Guilherme de Souza. Op cit. p. 1.164.
60
AVENA, Norberto. Op cit. p. 1.890.
61
PACELLI, Eugênio. Op cit. p. 689.
62
LOPES JÚNIOR, Aury. Op cit. p. 992.
49

3.2.1.4. Para assegurar a aplicação da lei penal

Destacamos agora o fundamento de assegurar a aplicação da lei penal.


O seu significado é intrínseco ao exercício de punir do Estado,
proporcionando a oportunidade de aplicar a sanção criminal – claro que isso
somente se dará em sentença condenatória. Guilherme Nucci (2020):

“esclareceu que não tem sentido o ajuizamento da ação penal,


buscando respeitar o devido processo legal para a aplicação da
lei penal ao caso concreto, se o réu age contra esse propósito,
tendo, nitidamente, a intenção de frustrar o respeito ao
ordenamento jurídico”63.

Paulo Rangel enumerou as práticas adotadas comumente pelos


acusados para se furtar da aplicação da lei penal:

Assegurar a aplicação da lei penal: a prisão preventiva deverá ser


decretada quando houver provas seguras de que o acusado, em
liberdade, irá se desfazer (ou está se desfazendo) de seus bens de
raiz, ou seja, tentando livrar-se de seu patrimônio com escopo de
evitar o ressarcimento dos prejuízos causados pela prática do
crime. Ou ainda, se há comprovação de que se encontra em lugar
incerto e não sabido com a intenção de se subtrair à aplicação da
lei, pois, uma vez em fuga, não se submeterá ao império da
Justiça (RANGEL, 2019)64.

Em entendimento semelhante, complementou Aury Lopes Júnior:

Assegurar a aplicação da lei penal: em última análise, é a prisão


para evitar que o imputado fuja, tornando inócua a sentença penal
por impossibilidade de aplicação da pena cominada. O risco de
fuga representa uma tutela tipicamente cautelar, pois busca
resguardar a eficácia da sentença (e, portanto, do próprio
processo). O risco de fuga não pode ser presumido; tem de estar
fundado em circunstâncias concretas (LOPES JÚNIOR, 2020)65.

Conforme já discorrido em outros pontos – nesse também não poderia


ser diferente –, a decisão que decretar a prisão preventiva sob o fundamento
de assegurar a aplicação da lei penal não poderá se valer de ilações e

63
NUCCI, Guilherme de Souza. Op cit. p. 1.168.
64
RANGEL, Paulo. Op cit. p. 1.423.
65
LOPES JÚNIOR, Aury. Op cit. p. 993.
50

suposições, devendo haver a demonstração concreta de que o acusado furta-


se da aplicação da norma penal.

Por fim, é importante destacar, conforme as lições de Paulo Rangel,


que o simples poder econômico do réu não é suficientemente robusto a
embasar a decretação da prisão preventiva, devendo, novamente, existir
elementos concretos que demonstrem o ímpeto do acusado em se furtar do
império da lei.

3.2.1.5. Do perigo gerado pelo estado de liberdade do indivíduo

O fundamento do perigo gerado pelo estado de liberdade do indivíduo,


apesar de ter sido inserido recentemente pela Lei nº 13.964/2019 ao artigo
312, caput, do Código de Processo Penal, não merece receber status de novo
fundamento para a decretação da prisão preventiva.

Se analisarmos com cuidado o seu conteúdo, perceberemos que nada


mais é “do que a versão em português da expressão latina periculum
libertatis” (AVENA, 2020)66. Por outro prisma, essa alteração legislativa em
nada alterou os requisitos para a decretação da prisão preventiva, pois ainda
permanecem como pressupostos fumus comissi delicti (prova da existência
do crime e indício suficiente de autoria) e o periculum in libertatis (ou o
perigo gerado pelo estado de liberdade do indivíduo em língua portuguesa).
E, englobados pelo perigo gerado pelo estado de liberdade do indivíduo,
inserem-se os fundamentos presentes no caput do artigo 312 do Código de
Processo Penal brasileiro.

Esse também é o entendimento adotado por Noberto Avena, que


argumentou:

(...) o que alguns vem interpretando como mais uma


condicionante da prisão preventiva: o perigo gerado pelo estado
de liberdade do imputado”. Não pensamos assim. Consideramos,
enfim, que essa previsão não importa em qualquer inovação,
tampouco podendo ser vista como um novo fundamento da

66
AVENA, Norberto. Op cit. p. 1.892.
51

custódia. Não passa, enfim, da explicitação do periculum


libertatis, atributo este que, como dito acima, abrange os três
fundamentos da prisão preventiva: garantia da ordem
pública e econômica, conveniência da instrução criminal e
segurança da aplicação da lei penal. Logo, absolutamente
inócua a inovação legislativa em exame, pois não se constitui
um novo fundamento da custódia, senão a versão englobante
dos três já presentes na parte inicial do dispositivo. E não se
diga que a menção legal à necessidade de prova do aludido perigo
(...prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e
de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado) implicou
em aumento do rigor legal para a decretação da custódia. Afinal,
o requisito da fundamentação sempre esteve presente na decisão
judicial que impõe a segregação cautelar, mesmo porque se trata
de medida que importa em restrição do direito constitucional à
liberdade. E tal fundamentação, por óbvio, apenas pode ocorrer
em cima de provas, apontando o julgador os elementos que nele
produzem a convicção quanto à presença das situações que
ensejam a segregação. Logo, também no enfoque relativo à
exigência de provas do periculum libertatis, não trouxe a Lei nº
13.964/2019 qualquer novidade (AVENA, 2020)67.

3.2.1.6. Existência concreta de fatos novos ou contemporâneos

Em sua mais recente alteração, o Pacote Anticrime trouxe um


novo parágrafo ao artigo 312 do Código de Processo Penal.
Vejamos:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia


da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da
instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal,
quando houver prova da existência do crime e indício suficiente
de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do
imputado.

§ 2º. A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser


motivada e fundamentada em receio de perigo e existência
concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem
a aplicação da medida adotada.”(grifos meus)

Ao estudarmos o pressuposto de validade do periculum libertatis, foi


discorrido acerca do Princípio da Atualidade do Perigo, que não mais é que
o estado de presença do risco quando for decretada a prisão preventiva, não
podendo se utilizar de um risco pretérito ou futuro, somente presente.

67
Ibidem, p. 1.885 (grifos meus).
52

Apesar de ser a primeira vez que o aludido princípio encontra-se


normatizado, ele não é novidade nos tribunais brasileiros, tendo sido
utilizado como argumento no RHC nº 67.534/RJ, quando o Ministro
Sebastião Reis Junior afirmou a necessidade de “atualidade e
contemporaneidade dos fatos” ou mesmo no HC nº 126.815/MG,
oportunidade em que o Ministro Marco Aurélio utilizou a necessidade de
“análise atual do risco que funda a medida gravosa”.

Acerca do Princípio da Atualidade do Perigo, ensinou Aury Lopes


Júnior:

É imprescindível um juízo sério, desapaixonado e, acima de tudo,


calcado na prova existente nos autos. A decisão que decreta a
prisão preventiva deve conter uma fundamentação de qualidade
e adequada ao caráter cautelar. Deve o juiz demonstrar, com base
na prova trazida aos autos, a probabilidade e atualidade do
periculum libertatis. Se não existe atualidade do risco, não existe
periculum libertatis e a prisão preventiva é despida de
fundamento (LOPES JÚNIOR, 2020)68.

No mesmo sentido, complementou Noberto Avena:

Também introduzido pela mencionada Lei nº 13.964/2019, § 2º


do art. 312, refere que “a decisão que decretar a prisão preventiva
deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e
existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que
justifiquem a aplicação da medida adotada”. Sem embargo de
algumas vozes já apregoarem que se trata a contemporaneidade
de um novo fundamento da prisão cautelar, parece-nos evidente
que não é esta a previsão legal. Por fundamentos da custódia
compreendem-se os seus motivos ensejadores, vale dizer, às
finalidades de sua decretação. Já a contemporaneidade não é
atributo vinculado à finalidade da segregação, dizendo respeito,
isto sim, à motivação da decisão judicial que decretar a custódia.
Tanto é assim, aliás, que o próprio texto legal refere a
necessidade de decisão fundamentada em receio de perigo e
existência concreta de fatos novos ou contemporâneos. A partir
do § 2º, infere-se, por exemplo, que não constitui fundamento
lícito e legítimo para ordenar a custódia a elevada gravidade e a
grande perturbação social provocada por um crime ocorrido dois
anos antes, muito embora apenas recentemente tenha sido
elucidada a autoria, sem que, da época da infração até agora,
tenham surgidos elementos novos apontando que a garantia da
ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou a

68
LOPES JÚNIOR, Op cit. p. 994-995.
53

efetividade da lei penal exigem a prisão provisória do indivíduo


(AVENA, 2020)69.

Diante de todo exposto no que refere à liberdade como uma regra, do


caráter excepcional da prisão preventiva, das suas hipóteses de cabimento e
seus pressupostos de validade, é possível expor sobre o uso indiscriminado
da prisão preventiva durante o curso da persecução criminal, apontando os
fatores que levaram a isso, suas consequências e como o advento da Lei nº
13.964 poderá servir de mudança de paradigma das decisões que decretam a
prisão preventiva.

69
AVENA, Norberto. Op cit. p. 1.886.
4. O USO INDISCRIMINADO DA PRISÃO PREVENTIVA
DURANTE A PERSECUÇÃO CRIMINAL

Uma vez superados os preceitos constitucionais da dignidade da


pessoa humana, da presunção de inocência e da liberdade provisória, bem
como o estudo aprofundado da prisão preventiva, sua excepcionalidade, suas
hipóteses de cabimento e seus fundamentos, temos como convalidada a
máxima: a liberdade é a regra e a prisão é a exceção.

Apesar de demonstrado, ao longo do corpo do presente trabalho, que


o uso da prisão preventiva deva ser excepcional, principalmente após o
advento da Lei nº 12.403/2011, que trouxe fundamental reforma da aplicação
das medidas cautelares, priorizando aquelas diversas da prisão, a prática
forense tem atuado em sentido completamente contrário, encarcerando
indiscriminadamente os indivíduos durante o curso do processo criminal.
Isso demonstra que o problema não se encontra na lei, nos dispositivos
normativos; pelo contrário, encontra-se enraizado na cultura inquisitória da
prática forense penal brasileira.

Acerca da real necessidade da mudança de paradigma a fim de acabar


com a banalização da prisão preventiva, esclareceu Aury Lopes Júnior:

Uma vez mais está comprovado que não adianta mudar a lei, é
preciso mudar a cultura judiciária. Esse é o grande desafio. A
banalização das prisões preventivas segue com a máxima
potência, ao arrepio do que se pretendia com a nova lei das
cautelares. Além do aumento do número de presos (ao invés da
pretendida redução), ampliou-se o espaço de controle penal.
Pessoas que antes eram beneficiadas com liberdade provisória
sem restrições ou fiança, agora somente são liberadas mediante
fiança e outras obrigações a titulo de medida cautelar diversa
(LOPES JÚNIOR, 2017)70.

O uso indiscriminado da prisão preventiva no Brasil é tão alarmante


que primeiro se prende para depois ir atrás do suporte probatório que legitime
a medida, em flagrante violação ao princípio da presunção de inocência.

70
LOPES JÚNIOR, Aury. Op cit. p. 12.
55

Além das violações constitucionais e processuais, o que por si só já deveriam


extinguir essa absurda prática, há o grande risco prender um inocente.

Em matéria do jornal Extra, em setembro de 202071, no estado do Rio


de Janeiro, constataram-se 78 acórdãos do Tribunal de Justiça (TJ-RJ) de
2015 até aquela presente data, que previam o pagamento de verbas
indenizatórias a pessoas que foram presas indevidamente, muitas delas foram
presas preventivamente por mais de um ano sem qualquer julgamento do
processo. Um dos casos mais absurdos constatados foi de um homem que
passou SETE anos preso preventivamente pela suposta prática do crime de
homicídio, do qual, aliás, no seu julgamento, foi absolvido.

Em outra matéria do mesmo jornal72, foi-nos narrada a vida do


vidraceiro Jamerson Gonçalves de Andrade, que foi preso preventivamente
por duas vezes por um delito que não cometeu. Na primeira vez, em 2017,
imputaram-lhe a prática do delito de homicídio de um policial militar. Ao
voltar para casa após um dia de trabalho, foi abordado por policiais militares
e levado à presença de outros que testemunharam a morte de outro PM horas
antes no bairro de Lins. Os agentes reconheceram Jamerson como um dos
atiradores que executaram o policial. Diante desse único e isolado relato, o
vidraceiro foi preso preventivamente.

De maneira contrária ao modelo acusatório vigente no Brasil, para sair


do cárcere, Jamerson necessitou provar a sua inocência, conseguindo
imagens de câmeras de segurança em um estabelecimento onde trabalhava
no dia do assassinato do PM, demonstrando que, no momento em que o
agente foi morto, ele estava trabalhando em uma adega em um shopping na
Barra da Tijuca, bairro da cidade do Rio de Janeiro.

A sua segunda prisão, em 2019, foi ainda mais absurda, pois, após ser
parado em uma blitz no bairro do Méier, foi constatado pela Polícia Militar

71
Disponível em: <https://extra.globo.com/casos-de-policia/em-cinco-anos-estado-do-rio-foi-
condenado-indenizar-78-pessoas-presas-injustamente-24636722.html>. Acesso em: 8 de junho.
72
Disponível em: <https://extra.globo.com/casos-de-policia/vidraceiro-foi-preso-injustamente-
duas-vezes-tenho-medo-que-aconteca-de-novo-24287081.html>. Acesso em: 8 de junho.
56

que havia um mandado de prisão em seu desfavor, encaminhando-o ao


plantão judiciário, onde o Juiz Ricardo Coimbra da Silva Starling Barcellos,
utilizando-se de argumento os depoimentos dos policiais militares que
ensejaram a primeira prisão de Jamerson ainda em 2017 e de um outro agente
pertencente à UPP do Lins, decretou a prisão preventiva do vidraceiro.

Além das supracitadas, há uma infinidade de notícias que demonstram


a cultura de “primeiro se prende para depois se investigar”. Não obstante,
outro fundamental fator para o uso indiscriminado da prisão preventiva em
detrimento das outras medidas cautelares é a abstração e banalização do
conceito da ordem pública, que, alicerçado com a cultura do encarceramento,
torna-se o instrumento hábil perfeito, uma vez que se molda à vontade do
julgador, tendo em vista que, conforme definiu Morais da Rosa, o artigo 312
contém uma “anemia semântica”,

bastando um pouco de conhecimento de estrutura linguística para


construir artificialmente esses requisitos, cuja “falsificação” é
inverificável. O grande problema é que, uma vez decretada a
prisão, os argumentos “falsificados” pela construção linguística
são inverificáveis e, portanto, irrefutáveis. Se alguém é preso
porque o juiz aponta a existência de risco de fuga, uma vez
efetivada a medida, desaparece o (pseudo) risco, sendo
impossível refutar, pois o argumento construído (ou falsificado)
desaparece. Para além disso, o preenchimento semântico (dos
requisitos) é completamente retórico (MORAIS DA ROSA,
2006)73.

4.1. Banalização da garantia da ordem pública

Conforme explanado em epígrafe, o uso indiscriminado da prisão


preventiva tem como um dos principais fatores a banalização do conceito da
garantia da ordem pública inserto no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Remontando ao tópico do estudo da garantia da ordem pública, diante da
omissão legislativa no tocante a sua definição, foi possível delimitar, ante o
estudo jurisprudencial do tema, que sua utilização se deu em razão de: (a)

73
MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006. p. 26.
57

gravidade concreta do crime; (b) envolvimento com o crime organizado; (c)


reincidência (ou reiteração da prática delitiva) ou maus antecedentes do
agente e periculosidade; (d) particular e anormal modo de execução do delito;
(e) repercussão efetiva em sociedade, gerando real clamor público.

Diante dessas definições acerca da garantia da ordem pública:

(...) percebe-se, de imediato, que a prisão para garantia de ordem


pública não se destina a proteger o processo penal, enquanto
instrumento de aplicação da lei penal. Dirige-se, ao contrário, à
proteção da própria comunidade, coletivamente considerada, no
pressuposto de que ela seria duramente atingida pelo não
aprisionamento de autores de crimes que causassem
intranquilidade social (PACELLI, 2020)74.

Ademais, se a prisão preventiva deixa de ser aplicada para a


necessidade da aplicação da lei penal, ela passa a ser flagrantemente ilegal,
por violar o artigo 282, I, do Código de Processo Penal, cuja redação é a
seguinte:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão


ser aplicadas observando-se a:

I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação


ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos,
para evitar a prática de infrações penais; (grifos meus)

Não obstante o fato de se tornar ilegal ao extrapolar a limitação que


lhe foi imposta pela lei, deixando de tutelar o processo, essa prisão com o
fundamento da garantia da ordem pública passa a ser também
inconstitucional, até porque, assevera Aury:

é imprescindível a estrita observância ao princípio da legalidade


e da taxatividade. Considerando a natureza dos direitos limitados
(liberdade e presunção de inocência), é absolutamente
inadmissível uma interpretação extensiva (in malan partem) que
amplie o conceito de cautelar até o ponto de transformá-la em
medida de segurança pública (LOPES JÚNIOR, 2017)75.

74
PACELLI, Eugênio. Op cit. p. 691.
75
LOPES JÚNIOR, Op cit. p. 76.
58

Nesse mesmo prisma:

as prisões preventivas para garantia da ordem pública ou da


ordem econômica não são cautelares, portanto, são
substancialmente inconstitucionais. Trata-se de grave
degeneração transformar uma medida processual em atividade
tipicamente de polícia, utilizando-a indevidamente como medida
de segurança pública (LOPES JÚNIOR, 2017)76.

Por oportuno, é necessário trazer à baila que a Lei nº 12.403, de 2011,


teve a oportunidade de substituir o fundamento da garantia da ordem pública,
pois se trata de um conceito vago, impreciso, indeterminado e despido de
qualquer referencial semântico, o que evidencia grave problema, e cuja
origem remonta à Alemanha da década de 1930, período em que o
nazifascismo buscava uma autorização geral e aberta para prender e cuja
inserção na legislação brasileira ocorreu em 1967, ano compreendido pela
Ditadura Militar.

No Projeto de Lei nº 4.208/2001 – que deu origem à Lei nº


12.403/2011 –, o artigo 312 originalmente previa a seguinte redação:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada quando


verificados a existência de crime e indícios suficientes de autoria
e ocorrerem fundadas razões de que o indiciado ou acusado
venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução
da sentença ou venha a praticar infrações penais relativas ao
crime organizado, à probidade administrativa ou à ordem
econômica ou financeira consideradas graves, ou mediante
violência ou grave ameaça à pessoa.

Tal redação proposta possuía natureza objetiva e clara, gerando


menores lacunas para decisões genéricas, abstratas e arbitrárias, o que
poderia ser determinante para acabar com uso indiscriminado e desnecessário
da prisão preventiva, cujo contorno atual:

tem servido a diferentes senhores, adeptos dos discursos


autoritários e utilitaristas, que tão “bem” sabem utilizar dessas
cláusulas genéricas e indeterminadas do Direito para fazer valer
seus atos prepotentes (LOPES JÚNIOR, 2017)77.

76
Ibidem, p. 74.
77
Ibidem, p. 74.
59

Ignorando o que poderia ser e se atendando ao que é, muito se utiliza


o fundamento da garantia da ordem pública para a decretação da prisão
preventiva quanto ao receio de que o agente pratique novas práticas delitivas
ou pelo fato de ser reincidente ou, até mesmo, pela gravidade abstrata do
crime. Tal anseio é evidentemente inconstitucional por violar o princípio da
presunção de inocência ao presumir que o agente solto vá cometer crimes e
por servir de pena ao segregar um indivíduo ante a sua suposta prática delito
grave.

Acerca desse desdobramento da garantia da ordem pública, explicou


Eugênio Pacelli:

Mas o argumento, quase incontornável, contrário a semelhante


modalidade de prisão, é no sentido de que estaria violado o
princípio da inocência, já que, quer se pretenda fundamentar a
prisão preventiva para garantia da ordem pública em razão do
risco de novas infrações penais, quer se sustente a sua
justificação em razão da intranquilidade causada pelo crime
(aqui, acrescido de sua gravidade), de uma maneira ou de outra,
estar-se-ia partindo de uma antecipação de culpabilidade. Como
se percebe, a questão é bastante complexa (PACELLI, 2020)78.

Outro argumento que erroneamente é utilizado com base no


fundamento da prisão preventiva, fugindo da seara da instrução do processo
penal, é o do ‘clamor público’. Sobre ele, discorreu com precisão Aury Lopes
Júnior:

O “clamor público”, tão usado para fundamentar a prisão


preventiva, acaba se confundindo com a opinião pública, ou
melhor, com a opinião “publicada”. Há que se atentar para uma
interessante manobra feita rotineiramente: explora-se,
midiaticamente, determinado fato (uma das muitas “operações”
com nomes sedutores, o que não deixa de ser uma interessante
manobra de marketing policial), muitas vezes com proposital
vazamento de informações, gravações telefônicas e outras provas
colhidas, para colocar o fato na pauta pública de discussão (a
conhecida teoria do agendamento) (LOPES JÚNIOR, 2019)79.

78
PACELLI, Eugênio. Op cit. p. 692.
79
LOPES JÚNIOR, Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 5. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2019.
60

Ilustrando o apontado por Lopes Júnior, recentemente tivemos em


nossa história a denominada Operação Lava Jato, cujo clamor popular
acendeu as chamas da justiça, recebendo forte apoio da população, que
conclamava os operadores do Ministério Público Federal e da Justiça Federal
como heróis nacionais, bastiões da justiça e da moralidade judiciária.
Ressaltamos, contudo, que, durante o período de sua atuação, foi
elevadíssimo o número de prisões preventivas e, apesar de algumas serem de
fato necessárias, as demais serviram apenas para saciar o clamor público e
transformar magistrados em celebridades.

Dessa forma, adotando-se a prisão preventiva sob fundamento do


clamor público, corre-se sempre o risco de manipulação das grandes massas
midiáticas, que clamam por vingança e justiça, o que, além de ser
inconstitucional, gera graves danos aos indivíduos que se encontram na
posição de acusados.

Com um posicionamento muito claro no tocante à


inconstitucionalidade do clamor público, discorreu Odone Sanguiné:

(...) quando se argumenta com razões de exemplaridade, de


eficácia da prisãopreventiva na luta contra a delinquência e para
restabelecer o sentimento de confiança dos cidadãos no
ordenamento jurídico, aplacar o clamor público criado pelo delito
etc. que evidentemente nada tem a ver com os fins puramente
cautelares e processuais que oficialmente se atribuem à
instituição, na realidade, se introduzem elementos estranhos à
natureza cautelar e processual que oficialmente se atribuem à
instituição, questionáveis tanto desde o ponto de vista
jurídico-constitucional como da perspectiva político-criminal.
Isso revela que a prisão preventiva cumpre funções reais
(preventivas gerais e especiais) de pena antecipada incompatíveis
com sua natureza” (SANGUINÉ, 2003)80.

Resta evidente a banalização do fundamento da garantia da ordem


pública para a decretação da prisão preventiva, uma vez que os argumentos
utilizados para tal são flagrantemente inconstitucionais ao violarem os
princípios da presunção de inocência, da legalidade e taxatividade, além de

80
SANGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão
preventiva. Revista de Estudos Criminais, v. 3, n. 10, p. 113-119, Porto Alegre, 2003, p. 114.
61

tornar uma medida cautelar, cujo fim é a tutela do processo penal, em medida
de segurança e em antecipação de pena.

Diante do exposto, em consequência ao uso indiscriminado da prisão


preventiva durante o curso do processo criminal, consubstanciada na
temerária utilização dos seus fundamentos, houve um aumento expressivo da
população carcerária no Brasil, principalmente daqueles que se encontram
presos provisoriamente, acarretando superlotações nos presídios brasileiros,
como veremos a seguir.

4.2. Superlotação carcerária

O fenômeno da superlotação carcerária no Brasil não é recente.


Contudo, ao longo das últimas décadas, a sua situação vem se agravando a
níveis alarmantes a ponto que, durante o curso do julgamento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347, o Supremo Tribunal
Federal reconheceu estado de coisas inconstitucional81 do sistema
penitenciário brasileiro. Há de se destacar que, por mais que o fenômeno da
superlotação carcerária seja complexo, decorrente de diversos fatores, é
seguro apontar que o uso indiscriminado da prisão preventiva foi um dos que
mais contribuiu para alcançar esse status.

Conforme dados do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do


Conselho Nacional de Justiça, o BNMP 2.082, visto no mês de junho de 2021,
o Brasil possui mais de 908 mil pessoas presas nos presídios brasileiros,
sendo 410 mil presos provisórios, ou seja, cautelarmente segregados

81
De acordo com a Corte Constitucional Colombiana, que passou a desenvolver essa teoria, desde
a Sentencia de Unificación (SU) 559, de 1997[1], esse estado de coisas existe quando um quadro
insuportável de violações de direitos fundamentais começam a ocorrer de forma
massiva/generalizada, decorrente da omissão ou comissão de diferentes autoridades públicas,
agravado pela inércia reiterada dessas mesmas autoridades, ou seja, a estrutura da ação estatal está
com sérios problemas e não consegue modificar a situação tida como inconstitucional. Disponível
em: <https://fabiomarques2006.jusbrasil.com.br/artigos/296134766/o-que-se-entende-por-estado-
de-coisas-inconstitucional>.
82
Disponível em: <https://portalbnmp.cnj.jus.br/#/estatisticas>.
62

enquanto o julgamento de seus processos criminais não ocorre, o que


corresponde a cerca de 45% da população carcerária brasileira.

Lado outro, analisando os últimos dados levantados pelo


Departamento Penitenciário Nacional por meio do Sisdepen83, plataforma de
estatísticas do sistema penitenciário nacional, o número de pessoas presas
corresponde a 702 mil, sendo 209 mil delas em caráter provisório, o que
corresponde a aproximadamente 30% da população carcerária.

Ainda de acordo com os dados do Sisdepen, o déficit de vagas no


sistema penitenciário brasileiro é 231.768, muito próximo daqueles 209 mil
dos presos provisórios. Claro que aqui não se defende a libertação imediata
de todos os que se encontram encarcerados privativamente, apenas
destacamos que, se o número de presos provisórios não fosse tão elevado, o
déficit de vagas não seria tão abrupto, evitando tantas violações aos preceitos
da dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais.

Concernente ao número de presos provisórios, no ano de 2000, eles


correspondiam a cerca de 34,7% da população carcerária. Já em 2014, após
o advento da Lei nº 12.403/2011, que trouxe, conforme exaustivamente
discorrido ao longo do presente estudo, uma verdadeira reforma das medidas
cautelares no processo penal, consagrando na seara processual – já era na
constitucional – a máxima de que a liberdade é a regra e a prisão a exceção,
o percentual de presos aumentou para 40,13%.

De acordo com o aumento do número de presos provisórios, Luiz


Flávio Gomes asseverou que:

Essa realidade era completamente diversa no ano de 1990.


Segundo os dados do DEPEN, do Ministério da Justiça,
aproximadamente 90 mil presos integravam o sistema carcerário
nacional em 1990, sendo que apenas 18% eram provisórios,
enquanto 82% correspondiam aos presos com decisão definitiva.
Enquanto o número de presos condenados cresceu 278%, entre

83
Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em:
<https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMTVlMWRiOWYtNDVkNi00N2NhLTk1MGEtM2FiY
jJmMmIwMDNmIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZ
ThlMSJ9>.
63

1990 a 200, o número de presos provisórios simplesmente


explodiu, aumentando 1.253% no mesmo período (GOMES,
2012)84.

Esse aumento porcentual, ao que tudo indica, reflete que,


independentemente da mudança legislativa, enquanto não mudar a cultura
judiciária do aprisionamento, ocorrerá uso indiscriminado e desnecessário da
excepcionalíssima prisão preventiva, quando se deveria dar maior privilégio
às demais medidas cautelares em conformidade com os preceitos
constitucionais e processuais.

Retomando o problema superlotação carcerária no Brasil, há de se


destacar a criação, em 2008, do Mutirão Carcerário pelo Conselho Nacional
de Justiça, que à época tinha como idealizador e presidente o Ministro Gilmar
Mendes. Dentre seus objetivos, sobressai-se a promoção dos direitos
fundamentais na área prisional. Conforme dados do CNJ85, até o ano de 2014,
o Mutirão Carcerário tinha analisado mais de 400 mil processos, concedendo
os benefícios a mais de 80 mil deles, como o da liberdade provisória.

Em um dos relatórios realizados pelo Mutirão no estado de Goiás86,


ainda em 2010, foi possível angariar decisões teratológicas que decretavam
a prisão preventiva nos casos mais triviais ou que simplesmente decretavam
a prisão preventiva e não davam prosseguimento à persecução criminal,
acarretando flagrante constrangimento ilegal. Vejamos, a seguir, alguns
desses casos.

• O réu Joselito Augusto dos Santos Filho ficou preso preventivamente


por mais de um ano e dois meses por conta de uma tentativa de furto
de R$ 12,00 em espécie.

84
GOMES, Luiz Flavio. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 04 de maio de
2011. São Paulo: RT, 2012. p. 28.
85
Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/mutirao-carcerario/>.
86
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/relatorio-mutirao-carcerario-per.pdf>.
64

• O réu Moacir Elédio de Melo Neto permaneceu preso


preventivamente por sete meses devido à posse de dez pedras de
crack.

• O réu Edmilson Alvez permaneceu preso preventivamente por mais


de dois anos sem que o processo tivesse qualquer movimentação.

• O réu Edilson Santos Mascarenhas permaneceu preso


preventivamente por cerca de três anos sem que seu processo tivesse
qualquer tipo de movimentação.

• Alcidézio Fernandes Viana permaneceu preso preventivamente por


sete meses, esperando a sua citação para apresentar a resposta à
denúncia.

• Tarciano Rodrigues do Nascimento permaneceu preso


preventivamente por mais de seis anos pelo suposto crime de porte de
arma de fogo, cuja pena máxima à época era de dois anos.

Trazendo mais um exemplo de casos mais contemporâneos após a


vigência da Lei nº 12.403/11, um homem no Ceará permaneceu preso
preventivamente por quatro anos por um crime que não cometeu. A decisão
que decretou a sua prisão pautou-se exclusivamente no depoimento de uma
menina de 11 anos. Frise-se que este homem de 1,59m e sem cicatrizes foi
confundido com o verdadeiro acusado dos crimes, que possui cerca de 1,80m
e apresenta cicatrizes na face87.

Em outro caso, também no estado do Ceará, um homem permaneceu


preso preventivamente por quatro anos por um crime cuja pena máxima é de
seis meses a três anos88.

Um homem permaneceu preso preventivamente pela prática do delito


de furto tentado. Na ocasião, o homem tentou furtar dois sacos com lixo

87
Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/07/30/no-ceara-homem-
preso-injustamente-por-cinco-anos-deixa-a-cadeia.ghtml>.
88
Disponível em <https://www.conjur.com.br/2020-ago-29/tj-ce-manda-soltar-homem-preso-
preventivamente-quatro-anos>.
65

reciclável, avaliados em R$ 30, de uma cooperativa de reciclagem com o


intuito de vendê-los para comprar alimentos para sua subsistência. Após a
decretação da sua prisão preventiva pelo juízo de primeira instância, foi
impetrado Habeas Corpus em seu favor junto ao Tribunal de Justiça, onde
foi negado, em seguida ante ao Superior Tribunal de Justiça, onde também
foi negado, até chegar ao Supremo Tribunal Federal, oportunidade em que a
Ministra Carmem Lúcia revogou a prisão preventiva sob o fundamento do
princípio da insignificância.

Diante de todo exposto, restou evidente que, por mais que o fenômeno
da superlotação carcerária não seja exclusivo do uso indiscriminado da prisão
preventiva, da banalização de seus pressupostos e da cultura do
encarceramento, é inegável que exercem intensa influência no sistema
penitenciário brasileiro, fomentando a lotação dos presídios e violando
direitos e garantias constitucionais.

Não obstante, ainda que tenhamos tecido o comentário de que não


adianta alterar a lei sem que se altere a cultura judiciária do encarceramento,
é oportuno destacar que o advento da Lei nº 13.964/2019 pode representar
uma mudança de paradigma, como veremos adiante.

4.3. O advento da Lei nº 13.964 como mudança de paradigma das


decisões judiciais

Ao longo do presente estudo, ficou demonstrado que o instituto da


prisão preventiva foi banalizado. O que era para ser uma medida cautelar
excepcionalíssima como instrumento a tutelar à persecução criminal, tornou-
se a ferramenta hábil de medida de segurança e antecipação de pena, saciando
a ânsia popular por justiça e fim da impunidade, o que, por consequência,
trouxe ainda mais injustiças ao criar um estado de coisas inconstitucionais
nos presídios brasileiros e por prender inocentes por anos.

Ademais, também restou asseverado que a culpa desse uso


indiscriminado da prisão preventiva não seria exclusivamente legislativo,
66

mas também cultural, por banalizar-se uma medida cautelar de caráter


excepcionalíssimo. É diante desses dois pontos, legislativo e cultural, que se
torna possível afirmar que o advento da Lei nº 13.964/2019 poderá – ainda é
muito recente para atestar com rigidez a certeza – servir como mudança de
paradigma das decisões judiciais concernente a prisão preventiva.

No que tange ao aspecto legislativo, o Pacote Anticrime, conforme


trabalhado ao longo do presente estudo, trouxe fundamentais mudanças
quanto à atuação do magistrado ao decretar a medida da prisão preventiva.

De plano, insta destacar a alteração legislativa que trouxe nova


redação ao parágrafo 6º do artigo 282 do Código de Processo Penal. Vejamos:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão


ser aplicadas observando-se a:

(...)

§ 6º. A prisão preventiva somente será determinada quando não


for cabível a sua substituição por outra medida cautelar,
observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da
substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de
forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto,
de forma individualizada. (grifos meus)

Percebe-se que o aludido dispositivo deixa específica de forma clara e


precisa a atuação do magistrado ao decretar a prisão do indivíduo,
determinando que ele fundamente o porquê da utilização da medida de prisão
em detrimento das outras, incumbindo a ele fundamentar a decisão nos
elementos concretos presentes no caso e de forma individualizada. O
comando legal presente neste parágrafo visa acertadamente a restringir as
decisões teratológicas que se pautavam em elementos externos – conforme
apontado neste capítulo – ao processo para a decretação da prisão preventiva,
impondo, agora, que o juiz fundamente exclusivamente com os elementos
intrínsecos ao processo.

Outra alteração que também merece destaque é a do artigo 311 do


Código de Processo Penal, responsável por acabar pela decretação da prisão
de ofício pelo magistrado. Atualmente, somente após o requerimento do
67

Ministério Público, assistente de acusação ou da autoridade policial é que o


juiz poderá decretar a prisão preventiva, sendo a sua provocação um critério
objetivo de legalidade da medida.

Quanto às alterações trazidas pelo artigo 312 do mesmo código, que


também já foram alvo de estudos no presente trabalho, apesar de não serem
novidades na práxis forense, uma vez que a atualidade e a contemporaneidade
dos fatos já eram fundamentos intrínsecos para a decretação da prisão
preventiva, conforme os julgamentos do RHC nº 67.34/RJ pelo STJ e do HC
nº 126.81/MG do STF89, foi importante a positivação desse critério no código
processual para dar maior evidência e para consolidar a posição dos tribunais
superiores. Além disso, quanto ao incremento do perigo gerado pelo estado
de liberdade do imputado no caput do artigo, nada mais é que a tradução do
requisito do periculum libertatis já consolidado na seara processual criminal.

A alteração do artigo 315 do Código de Processo Penal merece


destaque, pois acabou com o grau de abstração e generalidade de sua antiga
redação, trazendo de maneira objetiva as hipóteses em que uma decisão
judicial não será fundamentada. In verbis:

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão


preventiva será sempre motivada e fundamentada.
§ 1º. Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de
qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a
existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a
aplicação da medida adotada.
§ 2º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,
seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato
normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão
decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o
motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra
decisão;

89
No RHC 67.534/RJ, o Ministro Sebastião Reis Júnior afirmou a necessidade de “atualidade e
contemporaneidade dos fatos”. No HC 126.815/MG, o Ministro Marco Aurélio utilizou a
necessidade de “análise atual do risco que funda a medida gravosa”.
68

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo


capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que
o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento. (grifos meus)

Concernente à prisão preventiva, os dois incisos suprassublinhados


são os mais comuns de aparecer nas decisões de sua decretação, visto que,
por muitas vezes, os magistrados utilizam-se dos fundamentos do artigo 312,
deixando de discorrer sua relação aos elementos do caso concreto, apenas
limitando-se a apontar que a prisão preventiva é necessária para assegurar a
instrução criminal, por exemplo. Percebemos que o simples fato de apontar
a necessidade da aplicação da segregação para assegurar a instrução criminal,
à luz do artigo 315, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal, não constitui
fundamento idôneo de decisão judicial, por isso, nesses casos, deverá a prisão
ser relaxada.

Retomando ao problema da cultura judiciária do encarceramento, é


imperioso discorrer sobre dois pontos, cujos impactos, embora advenham de
alterações legislativas, extrapolam a esfera processual, afetando a cultura da
banalização da prisão preventiva.

A primeira alteração legislativa capaz de mudar a cultura judiciária é


a do parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal, cuja redação
se deu com o advento do Pacote Anticrime. Vejamos:

Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar


a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo,
verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como
novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão
emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a
cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de
ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal. (grifos meus)
69

É bem verdade que, em uma primeira leitura de sua inteligência, passe


a ideia de que, se for ultrapassado esse prazo de 90 dias e o juiz não tiver
revisado a necessidade da prisão preventiva, deverá o indivíduo livrar-se
solto.

Contudo, reafirmando o que foi dito no tópico específico, o STF


recentemente editou o Informativo 99590, declarando que a não nobservância
de tal prazo não gera para o preso o direito de ser posto imediatamente em
liberdade, cabendo ao juiz competente ser instado a reavaliar a legalidade e
a atualidade de seus fundamentos.

Apesar dessa limitação jurisprudencial, é necessário parabenizar a


intenção do legislador ao propor tal redação, que visa a acabar com a
situações em que pessoas permanecem presas preventivamente por anos, em
casos, conforme vistos, que ultrapassam a eventual pena máxima do delito
que praticaram.

Diante desse dispositivo, deverá haver por parte do magistrado e do


Ministério Público um dever de cuidado com a pessoa que se encontra presa
preventivamente, evitando-se que seja esquecida no sistema penitenciário
brasileiro.

Além do mais, esse dispositivo exige sua aplicação à sistemática das


demais normas do Código de Processo Penal, pois, no momento da revisão
da legalidade e atualidade da prisão preventiva, o magistrado deverá observar
a presença dos pressupostos de legalidade insertos no artigo 312 ante a
elementos inerentes ao caso concreto. Se, durante a revisão, for constatada a
ausência de elementos suficientes a ensejar a manutenção da prisão, deverá
o juiz revogá-la ou aplicar a liberdade provisória mediante aplicação das
medidas cautelares do artigo 319 do Código de Processo Penal.

Por outro prisma, ainda que aparente que o advento do Pacote


Anticrime não enseje a mudança de paradigma das decisões judiciais acerca

90
STF. Plenário. SL 1395 MC Ref/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14 e 15/10/2020 (Info 995).
70

da prisão preventiva, é necessário destacar como robusto fator a contribuir à


essa mudança a nova Lei de Abuso de Autoridade, cuja gama de crimes é
mais extensa e as penas são mais severas.

Logo, em seu artigo 9º, a nova Lei de Abuso de Autoridade – cujas


penas além das restritivas de liberdade podem também incluir reparação civil,
suspenção, inabilitação e até perda do cargo, do mandato ou da função
pública – descreve como crime:

Art. 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta


desconformidade com as hipóteses legais:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária
que, dentro de prazo razoável, deixar de:
I – relaxar a prisão manifestamente ilegal;
II – substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou
de conceder liberdade provisória, quando manifestamente
cabível;
III – deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando
manifestamente cabível.

Observa-se que, diante desse dispositivo, o magistrado que decretar a


prisão preventiva em manifesta desconformidade com as hipóteses legais do
Código de Processo Penal poderá responder pelo crime de abuso de
autoridade. Ainda, o juiz que não relaxar prisão manifestamente ilegal ou não
substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou deixar de
conceder a liberdade provisória quando manifestamente cabível também
responderá pela prática do crime de abuso de autoridade.

Regressando ao tópico onde foi discorrido acerca de alguns casos


absurdos de aplicação da prisão preventiva, é seguro afirmar que os
magistrados que ensejaram a prisão poderiam responder pela prática do delito
estampado em epígrafe, visto que as situações apontam prisões
manifestamente ilegais, quando o indivíduo permaneceu preso por mais
tempo do que a pena máxima do delito, ou decisões em desconformidade
com as hipóteses legais, quando há o mero apontamento dos pressupostos de
71

validade da prisão preventiva, sem se adequar aos elementos concretos do


caso.

Portanto, ante o exposto, é possível afirmar que o advento do Pacote


Anticrime poderá fomentar a mudança da cultura do encarceramento
judiciário, reduzindo o número de presos provisórios, tendo em vista que suas
alterações legislativas impactam a forma de atuação dos magistrados,
restringindo abstrações e arbitrariedades, impondo maior objetividade e zelo
ante ao indivíduo. Aliado a seu diploma legal, também é possível destacar,
como catalisador dessa mudança, o poder coercitivo do aparato estatal que,
por meio da Lei de Abuso de Autoridade, tornou como ilegais práticas
adotadas durante a cultura do encarceramento, o que desencadeará um maior
cuidado dos magistrados durante suas decisões para não incorrerem no crime
de abuso de autoridade.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente trabalho pautou-se por estudar a


concepção do instituto da prisão preventiva em sua totalidade, abarcando sua
evolução histórica até seus desdobramentos mais atuais. Além disso,
procuramos pontuar que, apesar de seu caráter excepcional e cautelar
intraprocessual, a prisão preventiva tem sido utilizada, indiscriminadamente,
para fins diversos ao da sua conceituação legal, deixando de ser uma medida
cautelar para se tornar uma antecipação de pena ou uma medida de segurança.

Salientamos que este estudo não pretende o fim da utilização da prisão


preventiva ou que a sua própria existência é contrária à Constituição; pelo
contrário, o instituto é fundamental medida para assegurar a aplicação da lei
penal e a ordem jurisdicional, evitando-se que haja obstruções à justiça ou a
possibilidade se furtar à aplicação da lei penal. Contudo, os casos que
ensejarem a necessidade da prisão preventiva, além de se inserirem nas
hipóteses de admissão, também necessitam guardar intrínseca relação com os
seus fundamentos de legalidade, evitando-se prisões ilegais e
desproporcionais.

Ocorre que a práxis forense está contaminada pela cultura judiciária


do encarceramento que, aproveitando-se de lacunas legislativas, utiliza a
prisão para fins diversos ao da cautela processual, principalmente como
antecipação da pena, medida de segurança ou apenas para apaziguar os
anseios da sociedade, em flagrante contradição aos preceitos constitucionais
da presunção de inocência, da liberdade provisória, da legalidade e da
taxatividade.

O fenômeno do encarceramento, além de temerário, acarretando a


superlotação dos presídios, submetendo a pessoa presa a condições
insalubres e degradantes, representa uma ameaça às garantias fundamentais
individuais, cerceando a capacidade de defesa individual e coletiva. Por outro
lado, a realidade brasileira está marcada por prisões ilegais, não somente no
plano normativo, mas também por se prenderem inocentes – pelos
73

fundamentos mais esdrúxulos e rasos possíveis – por períodos incalculáveis,


restando a eles pouquíssimas alternativas para se combaterem as injustiças
do Estado.

Em face dessa vulnerabilidade individual ante o Poder Judiciário,


surgiu a Lei nº 13.964/2019 como possível mudança de paradigma das
decisões judiciais. Os argumentos rasos, ambíguos, genéricos, desprovidos
de contemporaneidade ou desconexos com o caso concreto não poderão mais
ser utilizados como fundamento para a decretação da prisão preventiva, uma
vez que as alterações trazidas pelo Pacote Anticrime determinam a forma e a
matéria a ser discorrida na decisão segregadora, exigindo cada vez mais
critérios rígidos e objetivos. Ademais, ainda impõe-se um dever de cuidado
diante do preso provisório, exigindo que se revise a cada 90 dias a
necessidade da sua prisão. Determinante mudança legislativa, uma vez que,
a partir da sua aplicação, visa-se à extinção dos casos em que o indivíduo
permanece preso provisoriamente por tempo superior ao da pena máxima do
suposto crime cometido bem como regula-se a necessidade da prisão ante as
outras medidas alternativas.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAGÃO, João Moreira. A prisão preventiva no Direito brasileiro e no


Direito português. 2019. 181p. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)
– Departamento de Direito da Universidade Autônoma de Lisboa. Lisboa:
UAL.

AVENA, Norberto. Processo penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2020.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo:


os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 9. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2020.

BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi de. Dos delitos e das penas.


Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.

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