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Mestrado Integrado em Medicina

5º Ano 1º Semestre

Ano Lectivo 2014/2015

Unidade Curricular de Doenças Infecciosas

História Clínica

Assistente: Vítor Duque

Bárbara Almeida Marques


N.º de Estudante: 2010139720
Turma 9 Bloco 2
História Clínica – Doenças Infecciosas

Identificação
Nome: L.M.R.M.
Sexo: Masculino
Idade: 37 anos
Raça: Caucasóide
Naturalidade: Vila Nova de Poiares
Residência: Vila Nova de Poiares
Estado Civil: Divorciado
Profissão: Trabalhador em matadouro
Local e data da colheita da história: Cama 6 do Serviço de Doenças Infecciosas do
CHUC, no dia 25 de Novembro de 2014

Motivo de Internamento
Cefaleias intensas

História da Doença Actual


Doente do sexo masculino, de 37 anos, dirigiu-se ao Centro de Saúde de Vila Nova
de Poiares no dia 17/11/2014 (há 8 dias) por quadro de cefaleias holocranianas de
início súbito, com 12 horas de evolução, de intensidade 10/10, constantes, sem
factores de alívio, com agravamento às manobras de Valsava, que cediam
parcialmente ao paracetamol, sem fotofobia ou fonofobia. Foi encaminhado para o SU
dos CHUC nesse dia, onde ficou internado no Serviço de Doenças Infecciosas.
Associadamente, refere dificuldade de flexão da nuca, sugerindo rigidez da nuca, e
cervicalgia.
Iniciou quadro febril após entrada no SU com temperaturas entre 37.7ºC e 37.9ºC
e referiu anorexia e náuseas ligeiras. O doente nega arrepios, sudorese nocturna,
cansaço, astenia, perda de força muscular, mioartralgias ou adenopatias.
Nega dor abdominal, diarreia, vómitos ou outras alterações gastro-intestinais,
alterações respiratórias (dispneia, toracalgia). Nega ainda infecções ORL recentes.
O doente refere ainda ‘’sensação de descolamento da pele’’ (sic), mas sem lesões
cutâneas visíveis.
Cerca de 1 semana antes do início do quadro, refere um episódio traumático em
contexto laboral com osso de porco, resultando em solução de continuidade na mão
direita que evoluiu com sinais inflamatórios. Actualmente, já não apresenta sinais
inflamatórios, nem evidências da lesão.
Nega ter conhecimento de casos semelhantes no trabalho ou em casa e nega
contacto com crianças.
No momento da colheita da história, nega cefaleias ou outra sintomatologia e
mantém-se em apirexia desde o dia 19/11/2014, 2 dias depois de ter sido internado.

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Antecedentes Pessoais
Médico-Cirúrgicos:
 Pólipos nasais diagnosticados há 22 anos tendo sido submetido a cirurgia
correctiva há 10 anos, mas que recidivaram.

Hábitos:
 Alcoólicos: 80-100g/dL por dia
 Tabágicos: nega
 Toxicómanos: nega
 Alimentares: alimentação equilibrada, sem restrições. Nega consumo de
lacticínios não pasteurizados. Refere consumo de produtos agrícolas de cultivo
próprio.
 Sexuais: nega relações sexuais de risco

Medicação Habitual
 Inibidor da bomba de protões 1 id

Plano Nacional de Vacinação: actualizado.


Transfusões sanguíneas: nega.
Alergias medicamentosas: nega.
História recente de viagens ao estrangeiro ou a Vila Franca de Xira: nega.

Condições socio-económicas e contexto epidemiológico


Habitação própria em meio rural, com água potável canalizada, electricidade e
saneamento. Actualmente vive com a mulher e filha (apesar de divorciados).
Refere contacto frequente com suínos, caprinos, ovinos, coelhos, aves e cães em
contexto habitacional e laboral.
É caçador há 20 anos e refere consumo esporádico de carne de caça, mas nega
consumo no último ano. Não é pescador.

Antecedentes familiares
Mãe: tem artrite reumatóide.
Pai saudável.
Filha com 17 anos, saudável.

Exame Objectivo
Não foi realizado por indicação do professor assistente. Apenas de referir que o doente
se encontrava consciente, orientado e colaborante, bem-disposto. Era importante um
exame cuidadoso dos sinais vitais, pele e mucosas (pesquisa de exantemas),
adenopatias, sinais de rigidez da nuca e auscultação cárdio-pulmonar.

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Resumo
Doente do sexo masculino, de 37 anos, deu entrada no SU no dia 17/11/2014 por
quadro de cefaleias holocranianas intensas, de instalação súbita, agravadas às
manobras de Valsalva. Refere ainda dificuldade à flexão da nuca e cervicalgia,
sugerindo rigidez da nuca e quadro febril de 37,9ºC no SU. Nega sinais constitucionais,
fotofobia, alterações respiratórias ou gastro-intestinais. De referir, traumatismo uma
semana antes do início do quadro com osso de porco. Trata-se de um doente caçador,
em contacto com carnes frescas e animais (suínos, caprinos, ovinos, coelhos, aves e
cães), sem outro contexto epidemiológico.

Diagnóstico Diferencial
1. Meningite Infecciosa
a. Meningite Bacteriana
b. Meningite Vírica
c. Meningite Fúngica
2. Encefalite
3. Abcesso cerebral

1. A Meningite, tipicamente, cursa com a tríade cefaleias + febre + rigidez da


nuca, que o doente apresentava. No entanto, pode também estar associado
vómitos, fotofobia, sintomas que o doente não apresentava.

a. Cerca de 90% das Meningites Bacterianas são provocadas pelas


bactérias Neisseria meningitidis e pelo Streptococcus pneumoniae.
Normalmente, são caracterizadas por quadros graves, com clínica sugestiva de
septicémia, disfunção neurológica, além dos sinais meníngeos. Este doente aó
apresentava os sinais meníngeos, não apresentava uma clínica tão grave, a
febre não era muito alta, negava mialgias, vómitos, não apresentava défices
neurológicos nem sinais clínicos de septicémia.
Outro agente etiológico possível, era o Haemophilus influenza do tipo B,
que graças à vacina diminuiu muito a sua prevalência, no entanto, seria
importante verificar no Boletim das Vacinas a sua toma, pois foi uma vacina só
mais recentemente introduzida, pelo que o doente pode não ter sido
imunizado.
Outros agentes como Staphylococcus aureus ou Staphylococcus
epidermidis seriam também pouco prováveis, pois não há história de
neurocirurgias prévias ou traumatismo crânio-encefálico.
Tendo em conta a prevalência crescente das infecções por
Mycobacterium tuberculosis, seria importante também excluir a hipótese de
Meningite tuberculosa, no entanto, o doente não apresentava sintomas
respiratórios, como dispneia, tosse produtiva com expectoração, nem sinais

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constitucionais, como astenia, suores nocturnos ou emagrecimento, de


evolução prolongada.
Olhando ainda para o contacto frequente com animais e carnes frescas
que o doente tem, não seria de excluir a Brucelose, como causa de Meningite
bacteriana. No entanto, o doente não apresenta o quadro febril ondulante, as
mioartralgias e hipersudorese nocturna típica da Brucelose.

b. As Meningites Víricas são mais comuns em crianças e adolescentes.


Dentro dos agentes etiológicos mais prováveis estariam o Enterovirus, Virus
Varicela-Zoster, Herpes simplex e CMV.
Quanto ao Enterovirus, este é um vírus eliminado, muitas vezes de
forma assintomática pelas crianças, e o doente não tem contacto com crianças
pequenas.
Normalmente, uma reactivação do vírus varicela-zoster apresenta
vesículas umbilicadas cutâneas ao longo de um dermátomo que o doente
também não apresentava.
Além disso, o doente não apresentava sinais neurológicos focais, nem
convulsões típicas da meningoencefalite herpética.
No caso do CMV, este vírus tem particular importância em doentes
imunodeprimidos, e este doente não tinha história compatível com
imunodepressão.

c. A Meningite Fúngica, mais provavelmente por Cryptococos neoformans,


surge sobretudo em contexto de imunodepressão, que o doente desconhecia.
No entanto, há muitos doentes imunodeprimidos subdiagnosticados, era
importante despistar infecção HIV/SIDA ou doenças imunodepressoras
(doenças hematológicas linfoproliferativas ou mieloproliferativas) que
condicionassem um estado de imunodepressão e que dessem mais força à
hipótese de diagnóstico de Meningite fúngica.

2. A Encefalite normalmente é caracterizada por um quadro de alteração da


consciência, alterações do comportamento, agressividade e irritabilidade de
instalação súbita, sem presença de sinais meníngeos. O doente não apresenta
alterações da consciência nem comportamentais, pelo que esta hipótese
diagnóstica era pouco provável.
Existem vários agentes etiológicos capazes de provocar uma encefalite, mas
destaco o vírus Herpes Simplex 1, por ser o mais frequente. Normalmente, pode
cursar com convulsões tónico-clónicas generalizadas por reactivação e progressão
retrógrada até ao córtex fronto-temporal. O doente não apresentava défices
neurológicos, nem convulsões.

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3. O Abcesso cerebral cursa com um quadro de cefaleias intensas, sinais


neurológicos focais, por lesão ocupadora de espaço, e vómitos por hipertensão
intracraniana. Assim, era também uma hipótese de diagnóstico a considerar, visto
que o doente apresentava cefaleias intensas. No entanto, não apresentava outra
sintomatologia, o que é contra esta hipótese. Além disto, existem alguns factores
predisponentes para o abcesso cerebral, como sinusites, otites e mastoidites,
devido à infecção por continuidade. O doente negou infecções ORL recentes, o que
faria desta hipótese uma pouco provável.

ECD
 Hemograma, com fórmula leucocitária e contagem de plaquetas
 Provas da coagulação
 Bioquímica:
o PCR
o VS
o LDH
o Glicémia
o Provas hepáticas (TGO/ TGP, FA, γ-GT, BRB, albumina)
o Provas renais (creatinina e azoto ureico) e ionograma
 Serologias para Enterovirus, CMV, vírus Epstain Barr, Virus Varicela-Zoster,
Herpes simplex, HIV 1 e 2
 Teste de Rosa-Bengala e Teste de Wright
 Hemocultura, com cultura para bacilos ácido-álcool resistentes
 Teste de Mantoux
 Raio X tórax
 Tomografia computorizada crânio-encefálica
 Punção Lombar, com estudo citológico, bioquímico (proteínas, glicose), exame
directo (coloração de Gram) e cultura com teste sensível aos antibióticos

Diagnóstico mais provável


O exame directo com coloração Gram do LCE, após punção lombar era crucial para
estabelecer um diagnóstico mais provável. No entanto, pelos motivos já mencionados
e, devido, ao traumatismo que o doente referiu uma semana antes do quadro clínico,
sugere-se que o diagnóstico mais provável era Meningite Bacteriana.

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Terapêutica
Para aliviar as cefaleias, devia ser prescrito um analgésico forte e a cama do
doente devia ser colocada a 30º.
A par do analgésico, era também importante um anti-pirético e hidratação com
soros hidro-salinos.
Como colocámos a hipótese de ser uma Meningite Bacteriana e esta ser uma
infecção grave com potenciais complicações e sequelas a longo prazo, era muito
importante fazer Antibioterapia empírica, com uma Cefalosporina de 3ª Geração,
nomeadamente, Ceftriaxon, em doses meníngeas (3g 2id intra-venoso). Caso as
culturas fossem positivas, a antibioterapia deveria ser ajustada conforme o
Antibiograma ou se não se verificasse ser este o diagnóstico,podia ser interrompida.
O uso da corticoterapia é controverso, no entanto pode ser prescrita nos
primeiros 4-5 dias até o doente melhorar, na tentativa de diminuir potenciais sequelas
neurológicas. Pode-se usar a Dexametasona, na dose de 10mg de 6/6h.

Plano
A tratar-se realmente de uma Meningite Bacteriana a terapêutica deve ser
mantida por 10-14 dias, em ambiente hospitalar.
Caso o agente etiológico fosse a Neisseria meningitidis ou o Haemophylus
influenza devia ser ponderado a instituição de quimioprofilaxia nas pessoas com
contactos próximos ao doente.

Prognóstico
Nos adultos e quando instituída uma terapêutica precoce, o prognóstico é
geralmente favorável. No entanto, se o doente não evoluir de forma favorável, deve
ser ponderada a possibilidade de ocorrência de complicações.

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