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CAPÍTULO 1
PARALISIA CEREBRAL:
Revisão da literatura e discussão teórica
1. Histórico
Entre 1843 e 1853, um ortopedista inglês, William John Little, descre-
veu os primeiros casos de uma desordem médica intrigante que atingia crian-
ças nos primeiros anos de vida, causando espasticidade nos membros infe-
riores e, em menor grau, em membros superiores. Essas crianças tinham
dificuldade para agarrar objetos, engatinhar e andar. Little percebeu, que ao
contrário da maioria das outras doenças que afeta o cérebro, essa condição
não piorava a medida que as crianças cresciam, e que a deficiência motora
permanecia relativamente constante. Ele observou que muitas dessas crian-
ças nasciam após um parto prematuro ou complicado, e sugeriu, como pro-
vável causa, que a falta de oxigênio durante o parto prejudicava tecidos
sensíveis do cérebro responsáveis pelo controle dos movimentos. Esta enti-
dade foi denominada doença de Little, por vários anos1,2,3.
De acordo com Bax et al. (2005)4, somente em 1897, o termo Parali-
sia Cerebral foi empregado pela primeira vez por um neurologista austríaco,
Sigmund Schlomo Freud, após analisar os trabalhos de Little. Freud questio-
nava se as anormalidades do processo do nascimento eram fatores etiológicos
ou consequências de causas pré-natais. Além disso, ele afirmava que: “as
crianças com Paralisia Cerebral habitualmente tinham também retardo men-
tal, distúrbio visual e convulsões”. Apesar das observações de Freud, a ideia
de que as complicações no parto causavam a maioria dos casos de Paralisia
Cerebral difundiu-se entre os médicos, familiares e pesquisadores, perdu-
rando até recentemente2,3.
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
2. Definição
O termo Paralisia Cerebral é utilizado por diferentes autores de dife-
rentes nacionalidades. No entanto, muito se discute sobre uma interpretação
errônea que o nome pode causar. As discussões sempre recaem sobre o
significado das duas palavras separadamente: Paralisia e Cerebral, que
suscitam questões importantes sobre a terminologia. A palavra paralisia sig-
nifica: “Perda ou comprometimento da função motora em uma parte devido
à lesão do mecanismo neural ou muscular”5-7, enquanto que o termo cerebral
refere-se a apenas uma parte do encéfalo8-11.
O encéfalo apresenta seis divisões macroscópicas mais conhecidas:
três delas compõem o tronco encefálico: o mesencéfalo, a ponte e o bulbo ou
medula oblonga; o cerebelo; o diencéfalo, formado pelo tálamo, epitálamo,
subtálamo e hipotálamo; e, o telencéfalo, ou cérebro propriamente dito, cons-
tituído pelos hemisférios cerebrais: córtex cerebral e núcleos da base (subs-
tâncias cinzentas) e a substância branca8-11. A lesão do indivíduo com Paralisia
Cerebral pode ocorrer em qualquer estrutura do encéfalo, mas precisa apre-
sentar quadro clínico compatível com alteração do tônus muscular7,12,13.
Várias tentativas foram feitas para encontrar um termo mais apropria-
do e correto. Alguns autores preferem a terminologia Encefalopatia Crônica
Não Progressiva por designar de forma mais abrangente e ao mesmo tempo
mais específica. Há mais de um século, foi utilizado o termo Encefalopatia
Crônica Infantil (ECI), o qual significa lesão prolongada do encéfalo ocorrida
na infância. A terminologia “evolutiva” e “não-evolutiva”, que pode ser empre-
gada associada a ECI, refere-se a evolução da lesão anatomopatológica do
encéfalo ser ou não progressiva. As lesões não progressivas estão relaciona-
das às sequelas de injúrias ao encéfalo, enquanto que as progressivas às
doenças que cursam com a destruição progressiva do encéfalo2,3.
Apesar da contradição causada pelas palavras Paralisia e Cerebral,
sob esta denominação surgiram livros, atitudes e escolas reabilitacionistas,
justificando, desta forma, a utilização clássica do termo Paralisia Cere-
bral3,7,14,15. Schwartzman (1993)15 cita que levando em conta o uso extenso e
universal do termo Paralisia Cerebral, até mesmo como título de periódicos
importantes, e o reconhecimento por associações e congressos no mundo
inteiro, o melhor seria continuar a utilizá-lo. Sempre, porém, respeitando-se
as condições impostas pelas definições mais atuais. Feitas essas considera-
ções, manter-se-á, neste livro, o nome Paralisia Cerebral, o qual será abre-
viado com a sigla PC, por ser a mais utilizada e compreendida, principalmen-
te no ambiente acadêmico e clínico7,15,16.
Algumas definições foram propostas para PC. A primeira foi em 1958,
pelo Little Club1,17, citada por Diament e Cypel (2005)3 era bem simplificada:
“paralisia cerebral é um distúrbio motor quantitativo persistente, de início
antes da idade de três anos, devido a uma interferência não progressiva no
desenvolvimento do cérebro”1,17.
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3. Epidemiologia
Os estudos epidemiológicos sobre uma doença destinam-se a determi-
nar a incidência e a prevalência da referida entidade nosológica em região e
época específicas. A incidência, em termos técnicos de medicina, refere-se ao
número de casos novos da doença que surgiram durante um período de tem-
po em uma população. E prevalência é o número de casos da doença ou de
doentes, em uma dada população, sem distinção entre os casos novos e os
casos antigos, ou seja, o total de casos, somando-se os novos e antigos5,12.
Os dados epidemiologicos sobre PC variam no mundo, de acordo com
as condições socioeconômicas de cada região. O desenvolvimento do país
tem grande influência no atendimento médico oferecido à população, parti-
cularmente à gestante e ao bebê, portanto a incidência de PC em países do
terceiro mundo é maior, principalmente, por falta de prevenção e, especial-
mente, no período perinatal3,12,20,24.
Nas camadas sociais mais altas a assistencia médica pré e perinatais
são mais adequadas, o que tende a reduzir a mortalidade, porém observa-se
maior morbidade, principalmente, entre os prematuros extremos e de muito
baixo peso. Nas comunidades mais pobres, a falta de cuidados básicos com
a gestante no período pré-natal e o inadequado serviço de saúde favorecem
a alta taxas de mortalidade, menor sobrevida entre os RN de maior risco e
fatores de risco peri e pós natais para o desenvolvimento de PC, mesmo
entre os RN nascidos a termo3.
Nos países desenvolvidos, onde ocorreram avanços tecnológicos im-
portantes dos cuidados intensivos perinatais, acreditava-se que a incidência
de PC poderia diminuir, mas a maior sobrevida de recém-nascidos com muito
baixo peso e prematuros extremos tem aumentado a morbidade. Em algu-
mas regiões do ocidente, a incidência de PC permaneceu estável, entre 1,5 e
2,5 por 1000 nascidos vivos3,20,25,26. Em outros países, observou-se leve au-
mento na prevalência de PC variando de valores < 2,0 por 1000 nascidos
vivos em 1970 para > 2,0 por 1000 nascidos vivos nos anos 9027. Nos EUA
houve aumento de 20% na prevalência, variando de 1,9 para 2,3 por 1000
nascidos vivos entre 1960 e 198625,28.
É importante salientar que apesar da prematuridade ser o fator de
risco mais comum para o desenvolvimento de PC, a maioria das crianças que
são afetadas nasceram com idade gestacional adequada13,25,28. Bax et al.,
(2006)13, num trabalho recente com 431 crianças de diferentes países euro-
peus, verificaram que mais da metade das crianças com paralisia cerebral
(n = 235 [54,5%]) nasceram a termo (> 36 semanas). Dentre os prematu-
ros, 10,9% eram prematuros extremos (< 28 semanas), 16% nasceram
entre 28 e 31 semanas, e 18,3% entre 32 e 36 semanas de gestação. Como
o grupo de recém-nascidos prematuros extremos é muito pequeno, as varia-
ções não afetam tão drasticamente o número total de crianças com PC. Den-
tre as crianças estudadas, 19,1% eram pequenos para a idade gestacional
(peso nascimento < p10%), com taxas semelhantes ocorrendo em todas as
idades gestacionais.
Entre os recém-nascidos a termo, existe uma forte associação entre a
classe social, peso ao nascimento e a frequência dos casos de PC. Neste
grupo, a prevalência de PC é de 1,29 por 1000 nascidos vivos nas classes
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
sociais mais altas e 2,42 por 1000 nascidos vivos de classes sociais mais
baixas, tendo em vista que entre os mais pobres, o peso ao nascimento é
baixo ou muito baixo para a idade gestacional27.
A prevalência de PC entre crianças que nasceram com baixo peso é
maior do que entre as que nasceram com peso normal. No período de 1964
a 1993, a incidência de PC aumentou de 29,8 para 74,2 por 1000 neonatos
vivos pesando < 1500g, e de 3,9 para 11,5 por 1000 no grupo dos neonatos
pesando de 1500g a 2499g. Entre os nascidos abaixo de 1000g a possibilida-
de de um distúrbio neurológico chega a 50%, tanto na área motora quanto
na mental. Segundo Odding et al. (2006)27, a proporção de recém nascidos
de baixo peso entre todas as crianças com PC aumentou de 32%, em 1966,
para 50% em 1989. A taxa de incidência de PC entre prematuros pesando
abaixo de 1.500g é de 25 a 31 vezes maior do que entre os nascidos a
termo12,24,25,27.
Quando se fala em Brasil, não há dados epidemiológicos. Acreditamos
que no nosso país possamos encontar variações nas prevalências de PC,
tendo em vista a imensidão territorial, inclusive de difícil acesso e precárias
condições de saúde, como ocorre na região norte, bem como a grande desi-
gualdade social, às vezes, dentro de uma mesma região, como na sudeste.
Além disso, há dois pontos a serem considerados:
1 - A incidência de PC, provavelmente, deve ser elevada devido ao
fato de as condições de assistência médica no período pré e perinatal serem
insatisfatórias na grande parte da população, aumentando os riscos para o
desenvolvimento da paralisia cerebral;
2 - Em contra partida, a mortalidade infantil no Brasil, infelizmente,
ainda é grande, e portanto, a sobrevivência dos recém nascidos prematuros
e de baixo peso é menor, levando a uma diminuição na incidência de casos
com PC.
Seguindo tal raciocínio, provavelmente, no Brasil têm-se mais casos
de crianças com PC do que em países desenvolvidos, e que esta frequência
vem se mantendo estável, mesmo com melhorias nos cuidados intensivos
neonatais nos grandes centros urbanos e que não são acessíveis a todas as
classes sociais.
4. Fatores de Risco
A tarefa na identificação das causas e fisiopatologia das encefalopatias
crônicas não progressivas é árdua e realizada em etapas. A primeira consiste
numa anamnese bem minuciosa, em busca de informações sobre a gesta-
ção, período perinatal e pós-natal imediato, sobre os marcos do desenvolvi-
mento neuropsicomotor e enfermidades durante a infância precoce7,12,25. Vários
estudos que buscam determinar as etiologias da PC, ressaltam a existência
de fatores de risco que ocorrerem de forma associada12,25, como consequên-
cia de alguma outra doença de base, como por exemplo a doença hipertensiva
específica da gestação ou infecção materna, que podem predispor a prema-
turidade e baixo peso.
A tabela 2 apresenta os principais fatores de risco para PC, baseados
na frequência, e a correlação causa e efeito estudadas. Vale ressaltar, que
prematuridade e baixo peso ao nascimento são os fatores mais frequentes e
amplamente estudados, porém podem ser considerados como manifesta-
ções de sofrimento fetal ou retardo de crescimento intra-uterino, decorren-
tes de doenças maternas ou do próprio feto, como as cromossomopatias29-32.
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
Pre-natais
Genética
• Cromossomopatias
• Doenças gênicas
Materno
• Doença hipertensiva específica da gestação: pré-eclâmpsia/eclâmpsia
• Hipotensão arterial·Hemorragias durante a gestação
• Descolamento prematuro da placenta
• Placenta prévia33
• Posição inadequada ou prolapso do cordão umbilical34
• Distúrbios de coagulação: síndrome antifosfolípides
• Doenças vasculares: vasculites35,36
• Infecções congênitas: TORCHS
• Infecções intra-uterinas: corioamnionite37· Intoxicação materna
Perinatais
• Asfixia (hipóxia e isquemia)38-40
• Prematuridade
• Baixo peso
• Hemorragia intracraniana grau IV
• Icterícia grave
• Crises convulsivas neonatais41-44
• Infecção neonatal (< 30 dias de vida): sepse e/ou meningoencefalite
Pós-natais
• Infecção do sistema nervosa central
• Traumatismo crânio encefálico
• Acidentes vasculares cerebrais
• Encefalopatia hipóxico-isquêmica: cardiopatia grave, distúrbios respiratórios
graves associados a hipóxia, choque hipovolêmico, quase afogamento, parada
cardio-respiratória
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
Ritmo cardíaco Sem batimentos < 100 bpm > 100 bpm
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
5. Classificação Clínica
Atualmente, existem diferentes classificações utilizadas no estudo da
PC, que variam conforme a bibliografia consultada e demonstram controvér-
sia entre os autores. Esta falta de concordância decorre, dentre outras cau-
sas, da utilização de certas denominações sem obediência a uma conceitua-
ção uniforme. Concordamos com Diament e Cypel (2005) 3 quanto à
importância em tentar classificar a PC, valorizando três aspectos principais:
• Agrupar os indivíduos com características clínicas semelhantes;
• Favorecer uma linguagem comum, útil para a comunicação entre
todos os profissionais envolvidos com os pacientes com PC;
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
{
- Tetraplégica ou Quadriplégica
• Espástica - Diplégica
- Hemiplégica
• Discinética
• Atáxica
• Hipotônica
• Misto
5.1 Espástica
A espasticidade ou hipertonia elástica, ou seja, aumento do tonus
muscular decorrente de alteração encefálica, é a principal característica des-
te tipo de PC75. Nos casos de espasticidade, quando realizada a movimenta-
ção passiva de extensão e flexão do membro, observa-se uma resistência de
grupos musculares no início do movimento que cede após algum esforço10,75-
76
. Este fenômeno é denominado sinal do canivete. Esta hipertonia elástica
predomina nos grupos musculares flexores dos membros superiores e,
extensores dos membros inferiores. Na avaliação da espasticidade pode ser
aplicada a escala de Ashworth (Tabela 4), útil para documentar variações da
intensidade de uma forma mais objetiva, ao longo do tempo28,76.
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
5.2 Discinética
Existem divergências a respeito da denominação utilizada para definir
este grupo específico de paralisia cerebral. Nas referências bibliográficas
sobre o tema utilizam-se outros termos como sinônimos: atetóide,
coreoatetóide, distônico ou extrapiramidal. No entanto, neste livro optamos
por discinético, cuja terminologia da palavra refere-se a distúrbio cinético,
de movimento.
O diagnóstico de PC discinética é baseado na presença de movi-
mentos involuntários, que se sobrepõem aos atos motores voluntários, e
posturas anormais secundárias à incoordenação motora automática e al-
teração na regulação do tônus muscular, decorrente da ativação simultâ-
nea das musculaturas agonista e antagonista. Os movimentos involuntá-
rios predominantes são: coréia, atetose e distonia, sendo que os dois
primeiros podem ocorrer simultaneamente e são denominados de
coreoatetose55,76.
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
5.3 Atáxica
A PC atáxica é menos frequente do que as outras e, como o próprio
nome se refere, a característica clínica predominante é a ataxia, decorrente
de alterações cerebelares. O cerebelo, localizado na fossa posterior, está
envolvido nas funções de coordenação e equilíbrio, através das vias cere-
belares76,79.
As principais etiologias ocorrem no período pré-natal e estão relacio-
nadas às malformações cerebelares, decorrentes de insultos isquêmicos na
circulação posterior do encéfalo, o sistema vértebro basilar. Ou de origem
genética, como ocorre na malformação de Dandy-Walker ou síndrome de
Joubert55,74,79.
Nos primeiro meses de vida, o lactente pode apresentar hipotonia,
evolui com atraso nas aquisições motoras, principalmente em relação à
mudança de decúbito. A ataxia percebida como instabilidade e movimentos
oscilatórios da cabeça e do tronco, será mais evidente quando a criança
começa a se sentar. A dismetria, tremor de intenção, dificuldade em alcan-
çar o objeto e a incoordenação motora são identificadas ainda no primeiro
ano de vida. A marcha independente é difícil de ser alcançada, ocorre ge-
ralmente por volta dos 4 anos e é caracterizada por alargamento da base
de sustentação, instabilidade e dificuldade em conseguir andar em linha
reta, a chamada marcha atáxica. Quedas frequentes são comuns neste
grupo. A fala escandida, típica, é explosiva, depois lenta, fragmentada e
disártrica3,55,76,79.
Ao exame clínico, além das alterações cerebelares características,
observam-se hipotonia, reflexos miotáticos diminuídos ou pendulares e força
muscular adequada. A escrita e a motricidade fina são muito prejudicadas.
Nistagmo, movimentos rápidos, rítmicos, repetitivos dos olhos, percebido
principalmente na fixação ocular, pode ser sinal bem sugestivo de PC atáxica.
A forma atáxica corresponde a 4-13% dos casos de PC. Alterações
cognitivas e comportamentais podem estar presentes, mas são mais leves.
Algumas crianças cursam com crises epilépticas27,55.
5.4 Hipotônica
Esta forma é rara, correspondendo a 1% dos casos de PC, e alguns
pesquisadores não a reconhecem. A característica marcante é a persistência
da hipotonia ao longo do tempo, o que promove um atraso importante no
desenvolvimento motor, dificultando a manutenção da postura e, raramente,
a criança consegue deambular55.
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
5.5 Mista
Forma pouco frequente, responsável por 10 a 15% dos casos de PC,
mas também, não é reconhecida por alguns autores. É caracterizada por
manifestações clínicas sugestivas de duas ou mais das outras formas de
apresentação de PC, embora a semiologia seja complicada pela superposição
das manifestações que se confundem. As combinações mais frequentes são:
atetose com tetraparesia ou ataxia ou hipotonia, e tetraparesia com distonia3,55.
1 Diagnóstico:
O diagnóstico de paralisia cerebral baseia-se numa história clínica
bem minuciosa da gestação, do período perinatal e dos primeiros anos de
vida, questionando sobre os possíveis fatores de risco nos três períodos;
detalhamento do desenvolvimento neuropsicomotor; história familiar,
consanguinidade entre os genitores e casos semelhantes ou com o mesmo
diagnóstico na família; e um exame neurológico cuidadoso da criança.
Quando suspeitamos de um caso de PC, devemos ter em mente duas
características imprescindíveis para o diagnóstico: comprometimento motor
e a não progressão das manifestações clínicas que causaram a alteração
encefálica. História de doença neurológica neonatal grave ou presença de
múltiplos fatores de risco e déficits motores importantes ou distúrbios de
movimentos, não progressivos, são mais facilmente reconhecidos. No entanto,
quadros clínicos mais localizados e fraqueza discreta podem confundir o
diagnóstico, atrasando o diagnóstico e tratamento adequado.
Nos primeiros seis meses de vida, as manifestações clínicas, exceto
nos casos graves, são leves e dificultam o diagnóstico de PC. No entanto,
algumas características são muito sugestivas e devem ser observadas com
atenção (tabela 5). Lactentes com sinais de alerta devem ser acompanhados
regularmente, com intervalos menores, visando o diagnóstico e tratamento
precoces28, 55.
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
- Leucomalácia periventricular:
A lesão mais estudada, frequente entre os recém-nascidos pré-ter-
mos, consiste em necrose neuronal da substância branca adjacente aos
ventrículos laterais. Nos prematuros existem vários fatores de risco
fisiopatológicos envolvidos, como: imaturidade na auto-regulação e aumen-
to da fragilidade capilar dos vasos sanguíneos da matriz germinativa; maior
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
- Lesão parassagital:
O local mais comum de insulto no neonato a termo é o córtex cere-
bral. Este tipo de lesão ocorre nas faces súpero-laterais irrigadas por ramos
terminais das três principais artérias cerebrais, zonas limítrofes. Tende a ser
bilateral e pode comprometer as camadas corticais e subcortical adjacente,
principalmente, nas regiões parieto occipitais. Os infartos nestas áreas são
decorrentes de estase venosa ou arterial, trombose ou infarto hemorrágico
decorrente, secundário à reperfusão pós-isquemia. Pacientes com este tipo
de lesão desenvolvem PC quadriparética espástica55,56,57,70.
- Encefalomalácia multicística:
Consiste de lesões isquêmicas focais múltiplas secundárias a infartos
cerebrais em áreas irrigadas pelas principais artérias cerebrais. São decor-
rentes de distúrbios vasculares, tromboembolismo, hipotensão materna, as-
fixia perinatal e cardiopatias congênitas. Podem ser uni ou bilaterais, envol-
vendo a região cortical e subcortical adjacente, levando a PC espástica
hemiparética ou quadriparética55,56.
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
1.2 Comorbidades
Os insultos responsáveis pelas paralisias podem comprometer outras
áreas, além das responsáveis pelas funções motoras, ocorrendo frequente-
mente outras morbidades associadas, principalmente, deficiência intelectual
e epilepsia. A identificação precoce e o tratamento adequado das comorbi-
dades ajudam e orientam a conduta na reabilitação e, portanto, é um passo
importante para um melhor prognóstico para estas crianças.
- Alterações cognitivas:
Uma grande proporção de crianças com PC cursam com algum tipo de
comprometimento cognitivo. A deficiência intelectual (QI < 70) está presen-
te entre 23 a 44% dos casos de PC, mais frequente e grave entre os
tetraparéticos, e pouco observada entre os diparéticos e hemiparéticos. Os
fatores associados à gravidade são: presença de epilepsia e anormalidades
corticais na neuroimagem. Alterações comportamentais (25%) e transtorno
do déficit de atenção e hiperatividade são em crianças com PC27,28,80.
- Epilepsia:
A epilepsia ocorre em quase 40% dos casos de PC, destes, 70% tem
início das crises no primeiro ano de vida. É mais frequente entre os
hemiparéticos e quadriparéticos, sendo que entre os primeiros há predomí-
nio de crises focais (83%)27,28,80.
- Anormalidades oftalmológicas:
Estão presentes em 62% das crianças com PC, principalmente entre
os prematuros. Os recém-nascidos abaixo de 32 semanas de idade gestacio-
nal têm o maior risco de desenvolverem retinopatia da prematuridade, ce-
gueira cortical (lesão do córtex occipital) e estrabismo, este levando a perda
da visão monocular permanente (ambliopia). Além destas alterações, podem
cursar com miopia e glaucoma27,28.
- Deficiência auditiva:
A surdez atinge aproximadamente 25% dos casos de PC, é mais fre-
quente entre os PC discinéticos. Os fatores de risco associados são: rubéola
congênita, kernicterus e meningoencefalite pós-natal. É mandatório triagem
auditiva com audiometria comportamental, potencial evocado auditivo de
tronco cerebral (BERA) ou emissões otoacústicas evocadas em todos os neo-
natos após a alta hospitalar27,28,80.
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
- Distúrbios do sono:
Os distúrbios relacionados ao ciclo sono e vigília, caracterizados por
sono fragmentado e despertares noturnos são frequentes, principalmente
entre os pacientes com deficiência visual, ocorrendo em 50% dos casos. A
droga de escolha para o tratamento é a melatonina em doses baixas, com
eficácia em torno de 80%, porém não é comercializada no nosso país28.
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REFERÊNCIAS
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
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Capítulo 1 PARALISIA CEREBRAL: Revisão da literatura e discussão teórica
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