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Em crise de hegemonia, militares ameaçam a democracia

O governo Bolsonaro é um projeto gestado, parido e nutrido pelos comandantes das forças
armadas. O golpe de 1964, assim como o de 2016, guardam muitas semelhanças (como a
união de liberais, conservadores, reacionários, religiosos, a mídia e militares para retirar a
esquerda do poder), entre elas a predominância da chamada “tutela militar” sobre as demais
forças políticas ligadas aos golpes.

Se a partir de 1964 foi possível manter sucessivos governos presididos por generais, instalando
uma ditadura, o atual contexto geopolítico não aceitaria tal medida. De modo que a
legitimação eleitoral é condição necessária para que determinado grupo chegue, se mantenha
no poder e obtenha reconhecimento internacional. É neste ponto que entra Jair Bolsonaro e
sua ampla capacidade de mobilização popular.

A violência do bolsonarismo e consequente capilaridade social fundam-se em culturas políticas


conservadoras e autoritárias brasileiras que remontam há quase cem anos, quando a Ação
Integralista Brasileira (AIB) - os “camisas-verdes” de orientação fascista - tornou-se o primeiro
partido de massas do Brasil. Contando quase um milhão de integrantes, o lema mobilizado
pela AIB era (pasme!): “Deus, Pátria e Família”. Qualquer semelhança com o bolsonarismo não
é mera coincidência.

A presença de Oficiais das três forças nos cargos do atual governo mostra o apoio escancarado
das fileiras castrenses ao projeto de morte bolsonaristas que queimou nossas florestas,
entregou nossas riquezas e já vitimou milhões entre mortos, miseráveis e sequelados pela
peste. Para dissimular, a imprensa divulga informações e deixa transparecer uma ideia de
“divisão” nas fileiras militares, narrativa orientada pelos próprios Oficiais “vazadores”. No
episódio dos tanques em Brasília, o presidente da República aparece como o “tresloucado”
que utiliza as forças armadas para tentar dar um golpe, passando uma ideia de subordinação
inexistente. Bolsonaro é marmita de milico, fantoche dos generais e comandantes, estes sim,
os verdadeiros responsáveis pela atual destruição do país.

Em crise de hegemonia por conta do desgaste provocado pela tragédia da pandemia e o


avanço do “centrão” nos cargos de mando, os militares encenam o delírio belicoso do
apavorado do Alvorada. Para contornar o desgaste junto à opinião pública, manterem seus
benefícios econômicos e políticos – salários, pensões, orçamentos e cargos de poder – as
forças armadas tensionam permanentemente a democracia brasileira, criando situações e
temeridades golpistas para, em seguida, apresentarem-se como mediadoras e portadoras da
solução para os problemas que elas mesmas criaram. Não se espante se algum general da
reserva, na sequência do passeio dos blindados em Brasília, sair defendendo a democracia e as
instituições. Assim encenam os milicos.

As esquerdas precisam utilizar este propício momento político em que a correlação de forças
favorece o campo popular, devido às massivas manifestações, para dar conhecimento às
camadas mais amplas da sociedade a respeito do parasitismo das forças armadas,
principalmente do Exército, sobre o Estado e, consequentemente, sobre a sociedade brasileira.
É apontar o dedo e evidenciar que o rei está nu: as forças armadas não servem ao seu
propósito de proteger nosso território contra os inimigos externos. Então, para que elas
servem? A quem elas servem?

Seus atuais comandantes, ingressantes nas escolas militares durante os tenebrosos anos 1970
- a década mais violenta da Ditadura Militar -, foram (de)formados para verem a população e
as esquerdas como inimigas. Por não terem inteligência, imaginação e autonomia de produção
bélica - as armas utilizadas pelos militares chegam de outros países já obsoletas – praticam um
automático alinhamento geopolítico e militar com os interesses dos Estados Unidos.

Devido a deformação congênita, apontada pelo professor Manoel Domingos, de se


comportarem como polícia contra o “inimigo interno” (leia-se: a população civil), os Oficiais
bolsonaristas são traidores do povo; por aliarem-se aos piores interesses estrangeiros e
permitirem o saque das riquezas do Estado brasileiro, também traem a pátria. A esses
comandantes caberia lembrar a lei, em vigor no Brasil, que prevê para os crimes de traição,
genocídio e contra a humanidade - em situação de guerra (como a que vivemos contra o
coronavírus, por exemplo) -, a condenação máxima com a pena de morte. Executada por
fuzilamento.

Carla Teixeira – Doutoranda em História na UFMG.

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