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O pensamento social antes

da teoria social
Jean Jacques Rousseau
Sociologia I – Ciências Sociais - UFMG
Prof. Sílvio Salej Higgins
Percurso expositivo

1. Como ler um texto clássico do pensamento político?


2. J.J. Rousseau: mundo e contexto
3. O pretexto: L’Academie de Dijon (1725)
4. O texto e o seu mundo: “Discurso sobre a origem e os
fundamentos das desigualdades entre os homens”.

Filosofia Historiografia Sociologia


1. Como ler um texto clássico do pensamento político
do século XVIII?
 Ler um clássico é
como construir uma Passado
ponte no tempo. Presente

História
O ato de ler textos escritos

Contexto Contexto
Texto escrito
Mundo 2 Mundo 1
Mundo 3

Leitor
Autor - Escritor
Pretexto
Pretexto

Aqui estou trabalhando com as ferramentas da hermenêutica -


lembrem-se de Hermes o deus grego –, campo da filosofia que
trabalha junto às ciências da linguagem o problema da
interpretação. Seguimos o trabalho de Paul Ricoeur (1976),
importante hermeneuta francês do século XX.
2. J.J Rousseau: mundo e contexto
Mundo, pretexto e contexto

 Jean Jacques Rousseau. Genève


(1712) - Ermenonville (1778)

1750

1712-1778

1754 1762 1762


Contexto político da Europa: Séculos XVI e
XVII
As guerras de religião

João Calvino

Felipe II da Espanha
A guerra dos oitenta anos
A revolta Dutch (1560) e o tratado
de Westfalia (1648)
Contexto intelectual: Séculos XVI e XVII
O Jusnaturalismo

 A discussão sobre a natureza humana

A criação de Adão (Michelango,1511)


O que aperfeiçoa a condição humana?

Tomás de Aquino (1225-1274)

A escolástica cristã Locke Kant Spinoza

Racionalismo moderno

A condição natural é aperfeiçoada pelo


Houve a intervenção salvífica e criadora de Deus esclarecimento ou luz da razão universal
A lei natural (lex naturalis) é aperfeiçoada pela Sapere aude
revelação e graça divina (lex divina) (Kant)
Credo ut intelligam
(Santo Agostinho) A lei civil aperfeiçoa os costumes e garante o
convívio entre os seres humanos
A cidade de Deus é a perfeição desejada pelo
criador
A origem contratual da ordem social: o contratualismo político
Hobbes Locke
Rousseau
Associabilidade pela força das Sociabilidade pela força da
Sociabilidade circunstâncial
paixões Razão

• A piedade e a
• O estado de natureza é um
• A liberdade é entendida como o autoconservação são virtudes
estado de liberdade dentro dos
direito natural: não ter restrições naturais que se equilibram
limites da lei natural.
para buscar a autoconservação. mutuamente.
•A principal proibição da lei
• A lei natural é o impertativo de • Os seres humanos não são
natural: a destruição da
buscar autoconservação. A sua naturalmente inimigos, ao
propriedade (a pessoa e as
primeira consigna é a busca da viverem em sua primitiva
suas posses)
Estado de natureza paz. independencia , não mantem
ou pré-político • Como não há juiz comum, entre si, uma relação constante
todos possuem o poder para construir um estado de
• O estado natureza é uma
executivo da lei natural para paz ou guerra.
disposição constante de inveja,
castigar o transgressor e exigir
agressividade e cobiça que • A guerra é uma relação entre
que repare os danos e previr
conduz à guerra. O medo é a Estados. É fruto do poder de
assim danos futuros «Pode ser
paixão que disuade da guerra e atração que possuem as coisas
destruído como um animal
persuade a paz. e não pelas relações humanas
selvagem».
propriamente ditas.
Hobbes Locke Rousseau
Perspectiva da monarquia Perspectiva da monarquia Perspectiva do gobierno
absoluta moderada o parlamentarista republicano
• O estado civil é um remédio • O contrato social é a única
para os inconvenientes do alternativa do género
• O estado de natureza é um
estado de natureza: ignorancia, humano para superar os
estado de guerra permanente
ausencia de um juiz conhecido obstáculos crecentes que lhe
(bellum omnium contra omnes). A
e imparcial. impiden se manter no estado
instituição da civitas, tenta dar um
de natureza.
basta no estado de natureza.
Trata-se de uma ruptura radical • O pacto funda o corpo •Pelo contrato entre todos os
para superá-lo. político sem que os associados associados (povo) nasce o
percam os seus direitos próprios corpo moral (república). O
do estado de natureza. Dai que soberano é o povo e não o
• O pacto funda uma pessoa
Contrato Social ou possam insubordinar-se rei. Todo governante recebe a
(Estado) que pode usar a forla e os
estado civil legitimamente contra poderes sua autoridade do ato
recursos de todos para asegurar a
despóticos. O legislativo e o primário que originiou a
paz e a defesa comum. O
executivo não podem ser vontade geral (interesse
soberano, portador da pessoa
arbitrários com a vida e a comum), por tanto estará
política, concentra plenos poderes
fortuna (propriedade) das submetido aos limites da lei.
sobre os súbditos.
pessoas.
• O estado civil aperfeiçoa a
• O estado civil é corretivo da
• O estado civil é preventivo do liberdade natural, baseada
insustentavel guerra de todos
estado de guerra. Porém, o na força, convertido-a em
contra todos.
estado de natureza não liberdae civil, baseada na
sinónimo de guerra. obediencia à lei.
As crónicas de índias circulavam na Europa
(Francisco Miró Quesada)

Inca Garcilaso de la Vega (1539-1616)


3. O pretexto: L’Academie de Dijon
Uma sociedade científica: L’Academie de Dijon (1725)

 « Si le rétablissement des sciences et


des arts a contribué à épurer les
mœurs » (Questão do concurso
de1743)

 « Quelle est l'origine de l'inégalité


parmi les hommes, et si elle est
autorisée par la loi naturelle ? »
(Questão do concurso de1753) Hotel de L’Academie
4. O texto e o seu mundo: “Discurso sobre a origem e os
fundamentos das desigualdades entre os homens”.
A ordem expositiva
Primeira parte Segunda parte
A) Descrição do ser humano no estado de natureza A) O estado de natureza e os primeiros progressos
... 3) Crescimento populacional e dispersão geográfica
I. O ser humano físico
1) As suas qualidades: fisiologia perfeita, necessidades facilmente B) A idade de ouro
satisfeitas, adquire os instintos dos animais, robusto pela adaptação 1) Conquista da habitação: a constituição da família, a primeira
e seleção, nada lhe falta para sobreviver. forma de sociedade
2) As suas enfermidades naturais ...
3) Verificação da condição sadia 3) A estima e a consideração públicas surgem criando as primeiras
desigualdades e os primeiros deveres de civilidade.
II. O ser humano psicológico
1) O que possuímos em comum com os animais C) O primeiro progresso da desigualdade: a propriedade privada
2) Distinguimo-nos pela liberdade: “quer e não quer”, pela 1) Separa os ricos dos pobres, suscita as primeiras sociedades civis
faculdade de aperfeiçoar e degenerar baseadas em leis.
... a) Causas das desigualdades entre ricos e pobres: desenvolvimento
III) O ser humano moral da metalurgia e da agricultura, incremento da produção de trigo
... para trocar por ferro.
B) A existência e a importância da desigualdade num tal estado de b) Consequências: a cultura de terras leva à sua divisão, à posse
natureza contínua e à propriedade. O rendimento do trabalho multiplica os
1) Quase nula talentos morais. Os mais espertos e atilados tornam-se os mais ricos.
2) A maioria resulta do hábito e da educação A riqueza suscita a ambição, a concorrência, a rivalidade de
3) As desigualdades naturais são multiplicadas pela sociedade interesses, a herança, a dominação universal.
que aumenta os desejos. A beleza é inventada pelo amor D) O segundo progresso da desigualdade: os magistrados
mental. A servidão e a dominação são uma convenção de E) O despotismo: o irrespeito do pacto social fundado em leis
dependência mutua, decorrente da força e da riqueza
Tese central do discurso de Rousseau

Corrupção, degeneração, alienação


Natural ou física

Há duas espécies de desigualdades

Moral e política
Hipótese de leitura
 A teoria social não consegue
fugir do círculo
hermenêutico.

 Sempre há um pano de
fundo que é uma
extrapolação metafísica
sobre o um mundo social
desejado: um paraíso do
qual saímos ou um paraíso
que nos espera.

 O efeito da contra-luz opera:


vemos o que é problemático,
porque há um trasfondo de
luz que permite ver a
formiga.
Qual método emprega Rousseau: teoria ou reflexão?
Rousseau pensa (reflete) sobre a natureza e a origem das desigualdades

Parte de uma mistificação: “o bom selvagem”


Pretende alcançar o estado de natureza pelo raciocínio evitando atribuir aos
selvagens sentimentos dos civilizados. Para ele, a história é contrária à
natureza. Assume uma hipótese contrafactual: “o que teria acontecido ao
gênero humano se for abandonado a se mesmo?”

Não havia na época (século XVIII) meios para reconstruir formas


de pré-existência social, nem métodos para identificar os
mecanismos que geram e reproduzem as desigualdades. A
teoria da produção e da distribuição da riqueza ainda não
estão prontas.
Marco categorial para uma teoria social

Rousseau postula uma ordem natural do ser humano (inclinação pela piedade)
Apela para uma ficção teórica na qual define a boa e a justa sociedade

Rousseau descreve a ordem civil e institucional do ser humano


Identifica a propriedade privada como o primeiro passo na degradação da
ordem natural que abre passagem para os estamentos sociais e o despotismo
Marco categorial para uma teoria social

O bom selvagem

A desigualdade entre os seres humanos


John Locke: um caso diferente

O mau selvagem

A ameaça à propriedade privada

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