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Doenças biliopancreáticas
Doença calculosa biliar (colelitíase)
A litíase biliar é definida como a presença de concreçõ es calculosas na vesícula, nos ductos biliares ou em
ambos.
A) FISIOPATOLOGIA
Os cá lculos biliares sã o divididos em 2 grupos, de acordo com seu aspecto macroscó pico e composiçã o química.
1. CÁ LCULOS DE COLESTEROL (AMARELOS): Representam 80% dos casos, sendo compostos puramente por
colesterol ou tendo-o como principal constituinte (> 50%), associado a uma mistura de sais de cá lcio,
pigmentos da bile, proteínas e á cidos graxos. Resulta de alteraçõ es na homeostase do colesterol na bile
(saturaçã o maior que a capacidade de solubilizaçã o – bile supersaturada ou litogênica), seja por hiperproduçã o
de colesterol ou hipossecreçã o de fosfolipídeos e á cidos biliares, resultando em precipitaçã o e formaçã o de
cristais. A vesícula biliar exerce papel fundamental para a sua gênese, por proporcionar uma á rea de estase,
sobretudo em situaçõ es de hipomotilidade vesicular (que pode ser promovida pela pró pria supersaturaçã o de
colesterol, que se impregna nas células musculares lisas), e por produzir fatores pró -nucleaçã o, como a mucina.
2. CÁ LCULOS PIGMENTARES: Sã o formados pela precipitaçã o de sais de cá lcio e bilirrubina na bile, tendo
menos de 20% de colesterol em sua composiçã o. Sã o subdivididos em 2 categorias:
Cá lculos pretos Sã o compostos primariamente por bilirrubinato de cá lcio puro. Sã o formados na vesícula
biliar pelo aumento de bilirrubina indireta na bile, o que pode ocorrer por processos hemolíticos crô nicos, como
na anemia falciforme, ou na cirrose hepá tica, por lesã o hepatocelular ou também por hemó lise crô nica, na
vigê ncia de esplenomegalia por hipertensã o portal.
Cá lculos castanhos Sã o compostos de sais de cá lcio, bilirrubina indireta e quantidades variá veis de colesterol
e proteínas. Decorrem de infecçã o crô nica bacteriana na bile (especialmente por E. coli), cuja açã o das
glicuronidases leva à desconjugaçã o da bilirrubina, mas també m podem ocorrer por estenose ou doença
primá ria dos ductos (colangite esclerosante) ou infestaçã o parasitá ria. Diferentemente dos outros cá lculos, sã o
formados principalmente em ductos biliares intra ou extra-hepá ticos.
Diversos fatores de risco estã o atribuídos na formaçã o da
litíase biliar. Um mnemô nico comum é o do 5 “Fs”: fair
(caucasianos), female (mulheres), fat (obesos), forty (>
40 anos) e fertile (em idade fértil). Nas mulheres, o risco é
aumentado em multíparas, gestantes e em uso de ACO (o
estrogênio estimula a síntese de colesterol e a progesterona
reduz a contratilidade da vesícula).
Além disso, outros fatores importantes incluem histó ria
familiar positiva, hipertrigliceridemia, sedentarismo e dieta
pobre em fibras (que lentificam o trâ nsito intestinal,
favorecendo a absorçã o de colesterol e diminuindo o pool
de sais biliares) e rica em carboidratos refinados (que
aumentam a concentraçã o biliar de colesterol).
OBS: A lama biliar (líquido viscoso formado por precipitado de solutos e bile) é considerada uma alteraçã o pré-
litiá sica.
B) QUADRO CLÍNICO
A maioria dos casos de colelitíase é assintomá tica, sendo identificados acidentalmente por exames de imagem
ou laparotomias. Somente 20-30% dos casos passam a ser sintomá ticos, por ocasiã o de obstruçã o do ducto
cístico pelo cá lculo, de cará ter muitas vezes intermitente, provocando espasmos na vesícula, a cólica biliar (dor
em hipocô ndrio direito, podendo irradiar para escá pula ou dorso). Sintomas associados podem incluir ná useas
e vô mitos e sensaçã o de plenitude abdominal. Tipicamente, o quadro ocorre apó s refeiçõ es gordurosas ou
jejum prolongado, durando de 30 min a 5 horas e com melhora gradual. Nã o há quadro inflamató rio associado,
com febre ou massas palpá veis em HD, com o exame físico revelando somente dor à palpaçã o em HD e/ou
epigá strio.
C) DIAGNÓSTICO
A confirmaçã o da litíase biliar e de suas complicaçõ es é obtida por meio de exames de imagem, sendo a US de
abdome o exame mais utilizado e eficaz, com sensibilidade e especificidade > 95%. Outros exames incluem:
TC de abdome – ú til para a detecçã o de cá lculos nos ductos
Ultrassonografia endoscópica – ú til no diagnó stico de microlitíase
Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) – com
valor diagnó stico na avaliaçã o da á rvore biliar e terapêutico
Colangiografia por RNM (colangio-RM) – permite avaliaçã o da
á rvore biliar, substituindo a CPRE
O RX simples de abdome nã o é muito revelador, conseguindo revelar
apenas os cá lculos vesiculares radiopacos (10-15% dos cá lculos de
colesterol e 50% dos cá lculos pigmentares), mas pode revelar certas
complicaçõ es, como a vesícula em porcelana.
OBS: Pacientes com quadro típico de colelitíase podem ter 2 diagnó sticos
alternativos detectá veis à USG: a colesterolose (deposiçã o de gordura nos
macró fagos da mucosa na vesícula) e a adenomiomatose (hipertrofia de
mú sculo liso para dentro do lú men).
D) TRATAMENTO
Para a có lica biliar (tratamento sintomá tico), pode se lançar mã o de analgesia com AINEs e, em casos seletos,
opiá ceos, além de escopolamina, para mitigar a contraçã o da vesícula causada pela CCK. Somente o tratamento
cirú rgico (colecistectomia) é curativo, sendo indicado eletivamente em casos de:
Paciente que tenha apresentado dor biliar (colelitíase sintomá tica)
Complicaçõ es prévias da doença calculosa, independente da sintomatologia
Casos assintomá ticos, se: cá lculos > 3 cm; vesícula em porcelana; pó lipos na vesícula biliar com rá pido
crescimento ou > 1 cm; anomalias anatô micas do ó rgã o; candidatos à cirurgia bariá trica (obesos mó rbidos)
OBS: Em casos de có lica biliar recorrente associada, ao menos 2 vezes, com lama biliar documentada à USG, recomenda-se
a colecistectomia profilá tica.
A colecistectomia é feita preferencialmente por via laparoscó pica, pelo menor tempo de internaçã o e melhor
resultado estético. A indicaçã o de cirurgia aberta (com incisã o subcostal direita ou de Kocher) é feita somente em
casos de cirrose com hipertensã o portal, câ ncer de vesícula, gravidez em 3º trimestre ou doenças
cardiopulmonares em está gio avançado (ICC, DPOC). As principais complicaçõ es sã o as lesõ es inadvertidas de
vias biliares, mais comum na videolaparoscopia, e o coleperitô nio (vazamento de bile para a cavidade peritoneal).
Em pacientes que se recusam a operar ou com alto risco cirú rgico, pode-se optar por terapia de dissolução oral
com uso de ursodesoxicolato (combinada à litotripsia extracorpó rea em cá lculos > 5mm para quebrá -los e
facilitar a dissoluçã o). Todavia a taxa de recorrência é alta, e o tratamento nã o é eficaz para cá lculos
pigmentares, já que se baseia na solubilizaçã o do colesterol. Além disso, é contraindicado em gestantes cá lculos
> 15 mm.
E) COMPLICAÇÕES
As complicaçõ es da litíase biliar decorrem, quase sempre, de alguma forma de obstruçã o pelo cá lculo. Dentre
elas, as principais incluem a colecistite aguda, a coledocolitíase, a pancreatite biliar aguda e a colangite aguda.
Outras complicaçõ es menos comuns incluem:
Vesícula em porcelana Corresponde à calcificaçã o difusa da parede da
vesícula, facilmente diagnosticada no RX, com achado similar a uma
casca de ovo, sendo fator de risco para câ ncer de vesícula biliar.
Síndrome de Mirizzi Caracteriza-se pela obstruçã o do ducto hepá tico
comum por compressã o extrínseca de cá lculos grandes em infundíbulo
da vesícula biliar ou ducto cístico, podendo causar fístulas
colecistobiliares.
Íleo biliar Ocorre pela formaçã o de uma fístula colecistojejunal, com
passagem de cá lculo biliar, que se impacta no íleo terminal, gerando um
quadro de obstruçã o intestinal ao nível do delgado.
Síndrome de Bouveret Variante do íleo biliar, decorre de uma fístula
colecistoduodenal, com passagem de cá lculo biliar com impactaçã o do
bulbo duodenal, gerando um quadro de obstruçã o piló rica.
Colecistite aguda
A colecistite aguda constitui um processo inflamató rio da vesícula biliar, que resulta, na maioria absoluta das
vezes, da obstruçã o do ducto cístico por um cá lculo (colecistite aguda calculosa). Cerca de 25% dos pacientes
com colelitíase a desenvolverã o em algum momento de sua evoluçã o, geralmente apó s surtos repetidos de dor
biliar.
A) FISIOPATOLOGIA
Na colelitíase sintomá tica crô nica, a dor biliar resulta da obstruçã o intermitente do ducto cístico por um
cá lculo. Porém, a nã o resoluçã o da obstruçã o por impactaçã o do cá lculo do cístico leva à estase da bile, que
pode resultar em dano à mucosa vesicular. A teoria mais aceita da patogênese é a de que a irritaçã o da parede
da vesícula pelos cá lculos provoque a liberaçã o da enzima fosfolipase A2, que medeia a conversã o da lecitina
presente na bile em lisolecitina, um potente irritante químico que inicia a reaçã o inflamató ria da parede
vesicular.
Assim, há aumento da pressã o intraluminal pela obstruçã o associada à hemorragia subserosa e edema do ó rgã o
por obstruçã o venosa e linfá tica, podendo evoluir para isquemia e ulceraçã o da parede da vesícula. Isso
favorece a infecçã o bacteriana secundá ria (o que pode, inclusive, favorecer a formaçã o de um empiema, com a
vesícula cheia de pus, e levar à sepse) e a perfuraçã o, que geralmente ocorre no fundo da vesícula biliar, porçã o
menos perfundida (mais sensível à isquemia), podendo seguir 3 caminhos:
Coleperitô nio, com peritonite difusa
Bloqueio do processo inflamató rio (contido pelas aderê ncias) com formaçã o de abscesso pericolecístico
Extensã o da inflamaçã o para uma víscera pró xima, formando uma fístula bilioentérica (sobretudo no duodeno)
OBS: Alguns pacientes liberam menos fosfolipase A2; nestes, a obstruçã o do cístico pode levar à hidropsia de vesícula
(mucocele vesicular), na qual a mucosa consegue reabsorver o colesterol e os fosfolipídeos da bile estagnada, deixando a
vesícula distendida apenas pela retençã o de muco. Assim, nã o apresentam sinais de inflamaçã o, sendo assintomá ticos.
B) DIAGNÓSTICO
- QUADRO CLÍNICO: A inflamaçã o da vesícula se manifesta com dor abdominal e sensibilidade em hipocô ndrio
direito, inclusive com defesa à palpaçã o e, ocasionalmente, contratura involuntá ria local. A dor persiste por
mais de 6 horas, podendo irradiar para a regiã o infraescapular (sinal de Kehr) e estar associada a anorexia,
ná useas e vô mitos e febre baixa a moderada. O exame físico revela o sinal de Murphy (interrupçã o da inspiraçã o
profunda à palpaçã o da regiã o subcostal direita). Massa palpá vel, correspondente à vesícula distendida e
hipersensível, ocorre em 15% dos pacientes. Cerca de 10% apresenta icterícia, levando à suspeita de síndrome
de Mirizzi.
- EXAMES COMPLEMENTARES: Os exames laboratoriais costumam revelar
elevaçã o discreta de FA, AST (TGO) e bilirrubina, junto à leucocitose. Em
relaçã o aos exames de imagem, a US de abdome deve ser a 1ª escolha,
revelando cá lculos no colo da vesícula, espessamento da parede vesicular,
fluido pericolecístico e sinal de Murphy ultrassonográ fico. Outros exames
capazes de identificar a doença incluem:
Cintilografia das vias biliares (exame mais acurado para confirmaçã o,
embora, na maioria das vezes, nã o precise ser feita, pela acurá cia da US)
TC de abdome (comumente pedida em pacientes com dor abdominal aguda)
OBS: Em 1% dos pacientes, pode ocorrer a colecistite enfisematosa, caracterizada pela
presença de gá s na parede da vesícula biliar (pneumobilia), achado patognomô nico no RX simples de abdome. Está
associada à presença de bactérias (C. perfringens/welchii e E. coli), sendo mais comum em homens idosos e diabéticos.
As Diretrizes de Tóquio de 2018 definem critérios diagnó sticos e de gravidade para colecistite aguda:
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS – TQ18 CRITÉRIOS DE GRAVIDADE – TQ18
A. Sinais de inflamação local Grau III (Grave) – Pelo menos 1 dos seguintes:
- Sinal de Murphy - Disfunçã o cardiovascular: hipotensã o com qualquer dose de
- Massa, dor ou sensibilidade em QSD noradrenalina ou dopamina ≥ 5 ug/kg/min
B. Sinais sistêmicos de inflamação - Disfunçã o neuroló gica: rebaixamento do nível de consciência
- Febre - Disfunçã o respirató ria: PaO2/FiO2 < 300
- PCR elevado - Disfunçã o renal: oligú ria, creatinina sérica > 2,0 mg/dL
- Leucocitose - Disfunçã o hepá tica: INR > 1,5
C. Achados imaginológicos - Disfunçã o hematoló gica: plaquetas < 100,000/mm³
- Sinal de Murphy ecográ fico Grau II (Moderado) – Pelo menos 1 dos seguintes:
- Espessamento da parede vesicular - Leucocitose > 18.000/mm³
- Distensã o vesicular - Massa dolorosa palpá vel em QSD
- Cá lculo impactado - Duraçã o dos sintomas > 72 horas
- Coleçã o pericolecística - Marcador inflamató rio local (gangrena, colecistite enfisematosa, abscesso
- Edema de parede vesicular pericolecístico, abscesso hepá tico, coleperitô nio)
Suspeita: 1 item A + 1 item B Grau I (Leve)
Confirmação: 1 item A + 1 item B + C Nã o atende aos critérios do grau II ou III. Definida como colecistite aguda
em paciente hígido, sem disfunçã o orgâ nica ou com alteraçõ es leves da
C) TRATAMENTO vesícula.
O tratamento da colecistite aguda deve começar com reposiçã o volêmica, correçã o de DHE e monitorizaçã o de
sinais vitais, além de analgesia e
antibioticoterapia para os agentes
patogênicos mais frequentes
(cefalosporina de 3ª geraçã o ou
quinolona + metronidazol).
No entanto, o tratamento definitivo de
eleiçã o é a colecistectomia
laparoscó pica, no prazo ideal de até 72h
do quadro clínico, havendo, como
alternativa, a drenagem biliar por colecistostomia percutâ nea. O tratamento segue a indicaçã o da classificaçã o
de gravidade.
Coledocolitíase
A coledocolitíase refere-se à presença de cá lculos no ducto colédoco. A maioria dos casos (90%) resulta da
migraçã o de um cá lculo formado na vesícula (coledocolitíase secundária). O restante dos casos consiste na
formaçã o de cá lculos no pró prio colédoco (coledocolitíase primária), normalmente pigmentares castanhos,
precipitados por infecçõ es de repetiçã o da á rvore biliar, divertículos peripapilares e ductos biliares dilatados.
A) APRESENTAÇÃO DA DOENÇA
A maioria dos pacientes com coledocolitíase sã o sintomá ticos, com có lica biliar semelhante à colelitíase, com
cor maior duraçã o, associada à ná usea, epigastralgia e êmese. Pode haver resoluçã o espontâ nea do quadro caso
o cá lculo seja expelido. Além disso, pode haver quadro de icterícia leve a moderada, com colú ria e acolia fecal
(síndrome colestática). Os exames laboratoriais podem ser flutuantes: ALT e AST tipicamente se elevam cedo
em situaçã o de obstruçã o, mas de forma transitó ria, com inversã o do padrã o de enzimas e predominâ ncia de
FA (> 150 U/L) e GGT, além de bilirrubina normalmente entre 2-5 mg/dL.
B) DIAGNÓSTICO
Na suspeita clínica de coledocolitíase, seja em pacientes com síndrome colestá tica ou com colelitíase vigente,
devem-se combinar os exames de imagem (especialmente a US de abdome, como exame inicial) e os
laboratoriais, para estratificar o risco de coledocolitíase de acordo com preditores:
Cerca de 15% dos pacientes desenvolvem a forma mais grave da doença, a colangite tó xica, uma colangite
supurativa, na qual há pus nas vias biliares, que, sob pressã o, induzem à sepse. Ela é traduzida pela pêntade de
Reynolds: tríade de Charcot + hipotensã o + depressã o do SNC (manifestada com confusã o mental,
comportamento inadequado, desorientaçã o e coma). Ela é progressiva e fatal, exigindo terapia imediata.
B. fragilis.
As Diretrizes de Tóquio de 2018 definem critérios diagnó sticos e de gravidade para colangite aguda:
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS – TQ18
A. Inflamação sistêmica
- Febre e/ou calafrios
- Evidencia laboratorial de resposta
inflamató ria (leucocitose > 10.000/mm³ ou
leucopenia < 4.000/mm³, PCR reagente)
B. Colestase
- Icterícia
- Funçã o hepá tica alterada (FA, GGT,
TGO/TGP elevados)
C. Imagem
CRITÉRIOS DE GRAVIDADE – TQ18
Grau III (Grave) – Colangite com ≥ 1 disfunção orgânica:
- Choque manejado com catecolaminas
- Dilataçã o biliar - Alteraçã o do estado de consciência
- Evidência de etiologia na imagem (estenose, - Insuficiência respirató ria
cá lculo, pró tese, etc.) - Insuficiência renal
Suspeita: 1 item A + 1 item B ou C - Insuficiência hepá tica
Confirmação: 1 item A + 1 item B + 1 item - Coagulopatia
C Grau II (Moderado) – Evidência de ≥ 2 dos seguintes achados:
- Leucocitose > 12.000/mm³ ou leucopenia < 4.000/mm³
B) TRATAMENTO - Febre > 39°C
O tratamento envolve 3 pilares principais: - Idade > 75 anos
- Bilirrubina > 5 mg/dL
Monitoramento e tratamento de choque - Albumina < 25 g/L
sé ptico Se houver detecçã o de oligú ria, Grau I (Leve) – Colangite sem critérios para II e III
alteraçõ es do estado mental, hipotensã o,
acidose metabó lica e pele fria, o paciente deve receber cuidados de suporte, muitas vezes requerendo
tratamento agressivo, com intubaçã o orotraqueal e vasopressores.
Antibioticoterapia Deve cobrir as bactérias colô nicas, podendo utilizar um dos seguintes esquemas:
o Monoterapia com betalactâ mico/inibidor da betalactamase (1ª escolha) ou carbapenê micos (para
pacientes de alto risco ou com infecçõ es de organismos multirresistentes)
o Cefalosporina de 3ª geraçã o ou fluoroquinolonas + metronidazol
Drenagem biliar É feita geralmente com CPRE ou via percutâ nea, reservando a via cirú rgica (coledocotomia)
para casos restritos. Seu tempo de realizaçã o depende da gravidade do paciente:
o Grau I: A resposta aos ATB é suficiente e a drenagem biliar urgente nã o é requerida
o Grau II: A drenagem é indicada em um intervalo de 24-48h
o Grau III: A drenagem é de cará ter emergencial, assim que as condiçõ es hemodinâ micas permitirem
Pancreatite aguda
A pancreatite aguda é definida como uma inflamaçã o aguda do pâ ncreas, com acometimento variá vel das
estruturas peripancreá ticas e ó rgã os à distâ ncia, cuja gênese depende da autodigestã o tecidual pelas suas
pró prias enzimas. Nos casos mais graves, ela se comporta como uma doença multissistêmica e leva à síndrome
da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), com alta letalidade. Pode ser de 2 tipos:
Pancreatite edematosa (80-90%): Cursa apenas com edema do pâ ncreas, sem á reas extensas de necrose,
complicaçõ es locais ou sistêmicas e de curso autolimitado em 3-7 dias.
Pancreatite necrosante (10-20%): Cursa com extensa necrose parenquimatosa, hemorragia retroperitoneal,
quadro sistê mico grave e evoluçã o de 3-6 semanas.
A) FISIOPATOLOGIA
A pancreatite é um transtorno do pâ ncreas exó crino, associado à lesão das células acinares, que passam a
liberar enzimas pancreá ticas ativas para o interstício numa proporçã o maior que as linhas de defesa do
pâ ncreas suportam. O estímulo lesivo provoca a fusã o dos grâ nulos de zimogênio com as vesículas lisossomais,
que contêm a enzima catepsina B, capaz de converter o tripsinogênio em tripsina, que, por sua vez, ativa as
demais enzimas digestivas, que, liberadas no interstício pancreá tico, dã o início a um processo de autodigestão.
Dessa forma, ocorre lesã o tecidual e danos microcirculató rios, levando à isquemia, estase capilar e subsequente
maior permeabilidade vascular, edemaciando o ó rgã o e trazendo os mediadores inflamató rios. A inflamaçã o
pode se espalhar ainda a ó rgã os adjacentes, incluindo o có lon transverso (podendo haver translocaçã o
bacteriana).
As causas mais comuns da pancreatite aguda sã o a litíase biliar e o álcool, totalizando cerca de 75% dos casos.
Pancreatite alcoólica: O á lcool estimula diretamente a liberaçã o de grandes quantidades de enzimas
pancreá ticas ativadas, causa contraçã o transitó ria do esfíncter de Oddi, causa lesã o tó xica acinar por
metabó litos tó xicos e forma cilindros proteiná ceos que obstruem os ductos. É observada em 5-10% dos etilistas
e está associada à pancreatite crô nica.
Pancreatite biliar: A obstruçã o transitó ria da ampola de Vater por um cá lculo ou pelo edema gerado por sua
passagem aumenta a pressã o intraductal e estimula a fusã o lisossomal aos grâ nulos de zimogê nio, ativando a
tripsina e leve ao refluxo biliar para o ducto pancreá tico. Ao contrá rio da pancreatite alcoó lica, nã o se associa à
pancreatite crô nica. É mais comum em mulheres, obesos e na faixa entre 50-70 anos.
Outras causas incluem a hiperlipidemia (< 4% dos casos, decorrente da concentraçã o tó xica de á cidos graxos
livres derivados da degradaçã o de triglicerídeos nos capilares pancreá ticos pela lipase pancreá tica),
hipercalcemia, induzida por medicamentos (principalmente imunossupressores), trauma abdominal, fibrose
cística, infestaçõ es parasitá rias, vasculites e e picadas de escorpiã o.
OBS: A pancreatite aguda idiopática, que ocorre em 20% dos casos, decorre, em grande parte, de duas grandes entidades: a
microlitíase biliar e a disfunçã o do esfíncter de Oddi.
B) APRESENTAÇÃO DA DOENÇA
- QUADRO CLÍNICO: A maioria dos pacientes manifesta dor aguda e persistente/incessante em andar superior
de abdome, caracteristicamente em faixa e com irradiaçã o para o dorso, causando inquietaçã o e podendo
aliviar com a inclinaçã o do tó rax para frente. Ela é tipicamente acompanhada de ná useas e vô mitos
incoercíveis, que podem persistir por vá rias horas. O exame físico varia na dependência da gravidade da
doença. O abdome geralmente mostra achados nã o correspondentes ao quadro á lgico, podendo haver dor à
palpaçã o e distensã o abdominal, traduzindo íleo adinâ mico. Se houver pancreatite necrosante/hemorrá gica,
alguns achados inespecíficos de hemorragia retroperitoneal podem ocorrer, como o sinal de Cullen (equimose
periumbilical), sinal de Grey-Turner (equimose em flancos) e sinal de Fox (equimose em regiã o inguinal e base
do pênis).
OBS: Alguns achados dã o sugestõ es da etiologia da pancreatite: hepatomegalia sugere pancreatite alcoó lica; xantomas
sugerem pancreatite hiperlipidêmica; icterícia sugere pancreatite biliar secundá ria a coledocolitíase ou obstruçã o do
colédoco/ampola devido ao edema da cabeça do pâ ncreas.
Na pancreatite severa, pode haver taquipneia, hipoxemia, hipotensã o e febre. O comprometimento respirató rio
pode piorar apó s os primeiros dias, com instalaçã o de derrame pleural, atelectasia ou até síndrome do
desconforto respirató rio agudo (SDRA). O paciente pode evoluir com choque hipovolêmico ou distributivo, pela
resposta inflamató ria sistê mica que leva à vasodilataçã o. A insuficiência renal é comum na pancreatite grave, por
hipovolemia (causa pré-renal) ou necrose tubular aguda decorrente da SIRS.
- EXAMES LABORATORIAIS: Como há disfunçã o do armazenamento das enzimas, elas entram na circulaçã o
sistêmica, causando elevaçã o nos níveis de amilase e lipase sérica, com precisã o diagnó stica quando o valor
ultrapassa 3x o limite superior normal (160 e 140 U/L, respectivamente), sendo que a elevaçã o é mais precoce
que a da amilase e a meia-vida é maior. Outras alteraçõ es laboratoriais inespecíficas incluem leucocitose,
aumento da PCR e hiperglicemia, além de outros marcadores tidos como critérios de gravidade.
C) DIAGNÓSTICO
O diagnó stico definitivo requer a presença de 2 dos seguintes critérios:
Epigastralgia persistente, de alta intensidade, em faixa e/ou que irradia para dorso
Elevaçã o sérica de amilase ou lipase em 3 ou mais vezes o LSN
Achados característicos de pancreatite em exames de imagem (TC contrastada, RNM ou US de abdome)
A TC com contraste só é indicada quando há dú vida diagnó stica ou na vigência de pancreatite grave, idealmente
apó s 72h do início do quadro, quando as complicaçõ es, como a necrose, costumam estar bem estabelecidas. Os
achados incluem aumento do pâ ncreas (difuso ou local), borramento da gordura adjacente, presença de
coleçõ es peripancreá ticas, pseudocistos e á reas necró ticas. É contraindicada em casos de IRA, sendo feita a
RNM.
A US de abdome permite o diagnó stico de litíase biliar (possível fator etioló gico), bem como complicaçõ es
vasculares (ex.: trombose) e á reas de necrose (hipoecogênicas), além de poder afastar outras causas.
OBS: Na radiografia, nã o há evidências sensíveis para pancreatite aguda, mas o RX de abdome pode revelar alça sentinela
(íleo adinâ mico localizado, com distensã o de 1-2 alças) em QSD e sinal do có lon amputado (distensã o gasosa do có lon com
terminaçã o abrupta da presença de gá s, usualmente na flexura esplênica), enquanto o RX de tó rax pode evidenciar
derrame pleural, hemielevaçã o do diafragma, atelectasia e edema sugestivo de SDRA.
D) PROGNÓSTICO
Na abordagem da pancreatite aguda, é fundamental realizar uma avaliaçã o prognó stica, definindo a gravidade
(leve, moderada ou grave) da doença para guiar a conduta terapêutica. Os principais escores utilizados sã o:
- CRITÉ RIOS DE RANSON: Possui 5 fatores avaliados na admissã o, que refletem a gravidade e extensã o da
inflamaçã o e idade do paciente, e apó s as 48h iniciais, refletindo o desenvolvimento das complicaçõ es
sistêmicas e o grau de perda volêmica. A pontuaçã o ≥ 3 indica pancreatite grave.
- ESCORE DE ATLANTA: Um dos mais utilizados na prá tica clínica atual, preconiza que a pancreatite aguda pode
ser classificada em 3 tipos, de acordo com a gravidade da inflamaçã o sistêmica.
- ESCORE DE BALTHAZAR: Feito por achados tomográ ficos, que contempla a extensã o da inflamaçã o, a
presença de coleçõ es líquidas e a extensã o da á rea da necrose, com pontuaçã o ≥ 6 indicando mau prognó stico.
OBS: O BISAP é um escore de fá cil aplicaçã o, sendo uma boa alternativa quando nã o se pode aguardar as 48h. Ele consiste
em 5 parâ metros, sendo que a presença de 3 ou mais indica pancreatite grave:
(B) Blood urea – nitrogênio ureico sanguíneo > 25mg/dL ou ureia sérica > 50mg/dL
(I) Impaired mental status – alteraçã o de estado mental (Glasgow < 15)
(S) SIRS – evidências de inflamaçã o sistêmica (febre, taquicardia, taquipneia, leucocitose ou leucopenia)
(A) Age – idade > 60 anos
(P) Pleural effusion – derrame pleural confirmado por imagem
E) TRATAMENTO
- PANCREATITE LEVE: Nã o indica internaçã o em terapia intensiva. O paciente deve permanecer em dieta zero
até melhora do quadro clínico, que ocorre em geral, com 3-5 dias, sendo possível a realimentaçã o oral. O
tratamento de suporte se resume a: analgesia (meperidina ou outros opioides); hidrataçã o venosa para
reposiçã o volêmica; controle eletrolítico e á cido-bá sico. Nesses casos, como geralmente a pancreatite é
edematosa, a TC nã o é necessá ria, exceto se houver alguma complicaçã o tardia.
- PANCREATITE GRAVE: Os casos graves podem evoluir com complicaçõ es orgâ nicas sistêmicas importantes,
como choque, IRA, queda do sensó rio, ICC e SDRA, devendo ser agressivamente tratadas. As medidas de
suporte permanecem, com reposiçã o volêmica vigorosa para compensar a perda de fluidos para o
retroperitô nio, e suporte nutricional, pois muitas vezes ficam em dieta zero por períodos prolongados, sendo
preferível a nutriçã o enteral jejunal. Em casos de pancreatite necrosante, deve-se avaliar a presença de infecçã o:
A necrose esté ril deve ser tratada conservadoramente, sendo indicada intervençã o cirú rgica somente se houver
persistência de dor abdominal relevante que impeça a alimentaçã o oral e persistência de disfunçõ es orgâ nicas
importantes. A antibioticoprofilaxia nã o é recomendada.
A necrose infectada deve ser suspeitada em pacientes com piora clínica apó s melhora inicial ou surgimento de
quadro de febre, leucocitose ou qualquer outro sinal de sepse, devendo ser submetidos à investigaçã o por TC: se
houver gá s no pâ ncreas ou tecido pancreá tico (sinal da bolha de sabão), há forte indicativo de infecçã o; realiza-
se a punçã o do tecido necró tico e coleçõ es líquidas para cultura. Confirmada a infecçã o, o paciente deve iniciar
ATB e é indicada a necrosectomia, isto é , o desbridamento cirú rgico, feito por via aberta, com remoçã o do tecido
desvitalizado e drenagem externa.
OBS: Na pancreatite aguda biliar, a CPRE + papilotomia só deve ser empregada na presença de colangite e/ou icterícia
progressiva moderada a grave (BT > 5 mg/dL), sendo feita nas primeiras 72h de evoluçã o. A colecistectomia de urgência
deve ser evitada, sendo feita por via laparoscó pica de forma semieletiva, apó s resoluçã o do quadro agudo, antes da alta.
Os pseudocistos sã o coleçõ es líquidas intra ou peripancreá ticas nã o infectadas, envolvidas por cá psula de fibrose
e tecido de granulaçã o que se manteve ou se instalou apó s 4 semanas (as coleçõ es da fase aguda sã o chamadas
coleções líquidas agudas, de cará ter geralmente transitó rio). Eles complicam 10% das pancreatites agudas,
podendo causar obstruçã o intestinal ou biliar, hemorragia e pseudoaneurismas (hemossucus pancreaticus) ou se
infectar (abscesso pancreá tico). Se nã o houver complicaçã o, podem ser observados até as 6 semanas de evoluçã o,
pela chance de regressã o espontâ nea. As indicaçõ es para intervençã o sã o: (1) expansã o do pseudocisto; (2)
presença de sintomas, como dor e vô mitos; e (3) presença de complicaçõ es. A cirurgia de escolha é a drenagem
cirú rgica interna para o estô mago, duodeno ou jejuno. A drenagem externa é indicada nos pseudocistos
complicados, com risco de fistulizaçã o. A abordagem endoscó pica ou por CPRE també m vem ganhando espaço
como possível tratamento.