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PROBLEMA 07 SUBUNIDADE II – DOR ABDOMINAL

Doenças biliopancreáticas
Doença calculosa biliar (colelitíase)
A litíase biliar é definida como a presença de concreçõ es calculosas na vesícula, nos ductos biliares ou em
ambos.
A) FISIOPATOLOGIA
Os cá lculos biliares sã o divididos em 2 grupos, de acordo com seu aspecto macroscó pico e composiçã o química.
1. CÁ LCULOS DE COLESTEROL (AMARELOS): Representam 80% dos casos, sendo compostos puramente por
colesterol ou tendo-o como principal constituinte (> 50%), associado a uma mistura de sais de cá lcio,
pigmentos da bile, proteínas e á cidos graxos. Resulta de alteraçõ es na homeostase do colesterol na bile
(saturaçã o maior que a capacidade de solubilizaçã o – bile supersaturada ou litogênica), seja por hiperproduçã o
de colesterol ou hipossecreçã o de fosfolipídeos e á cidos biliares, resultando em precipitaçã o e formaçã o de
cristais. A vesícula biliar exerce papel fundamental para a sua gênese, por proporcionar uma á rea de estase,
sobretudo em situaçõ es de hipomotilidade vesicular (que pode ser promovida pela pró pria supersaturaçã o de
colesterol, que se impregna nas células musculares lisas), e por produzir fatores pró -nucleaçã o, como a mucina.
2. CÁ LCULOS PIGMENTARES: Sã o formados pela precipitaçã o de sais de cá lcio e bilirrubina na bile, tendo
menos de 20% de colesterol em sua composiçã o. Sã o subdivididos em 2 categorias:
 Cá lculos pretos  Sã o compostos primariamente por bilirrubinato de cá lcio puro. Sã o formados na vesícula
biliar pelo aumento de bilirrubina indireta na bile, o que pode ocorrer por processos hemolíticos crô nicos, como
na anemia falciforme, ou na cirrose hepá tica, por lesã o hepatocelular ou também por hemó lise crô nica, na
vigê ncia de esplenomegalia por hipertensã o portal.
 Cá lculos castanhos  Sã o compostos de sais de cá lcio, bilirrubina indireta e quantidades variá veis de colesterol
e proteínas. Decorrem de infecçã o crô nica bacteriana na bile (especialmente por E. coli), cuja açã o das
glicuronidases leva à desconjugaçã o da bilirrubina, mas també m podem ocorrer por estenose ou doença
primá ria dos ductos (colangite esclerosante) ou infestaçã o parasitá ria. Diferentemente dos outros cá lculos, sã o
formados principalmente em ductos biliares intra ou extra-hepá ticos.
Diversos fatores de risco estã o atribuídos na formaçã o da
litíase biliar. Um mnemô nico comum é o do 5 “Fs”: fair
(caucasianos), female (mulheres), fat (obesos), forty (>
40 anos) e fertile (em idade fértil). Nas mulheres, o risco é
aumentado em multíparas, gestantes e em uso de ACO (o
estrogênio estimula a síntese de colesterol e a progesterona
reduz a contratilidade da vesícula).
Além disso, outros fatores importantes incluem histó ria
familiar positiva, hipertrigliceridemia, sedentarismo e dieta
pobre em fibras (que lentificam o trâ nsito intestinal,
favorecendo a absorçã o de colesterol e diminuindo o pool
de sais biliares) e rica em carboidratos refinados (que
aumentam a concentraçã o biliar de colesterol).
OBS: A lama biliar (líquido viscoso formado por precipitado de solutos e bile) é considerada uma alteraçã o pré-
litiá sica.
B) QUADRO CLÍNICO
A maioria dos casos de colelitíase é assintomá tica, sendo identificados acidentalmente por exames de imagem
ou laparotomias. Somente 20-30% dos casos passam a ser sintomá ticos, por ocasiã o de obstruçã o do ducto
cístico pelo cá lculo, de cará ter muitas vezes intermitente, provocando espasmos na vesícula, a cólica biliar (dor
em hipocô ndrio direito, podendo irradiar para escá pula ou dorso). Sintomas associados podem incluir ná useas
e vô mitos e sensaçã o de plenitude abdominal. Tipicamente, o quadro ocorre apó s refeiçõ es gordurosas ou
jejum prolongado, durando de 30 min a 5 horas e com melhora gradual. Nã o há quadro inflamató rio associado,
com febre ou massas palpá veis em HD, com o exame físico revelando somente dor à palpaçã o em HD e/ou
epigá strio.
C) DIAGNÓSTICO
A confirmaçã o da litíase biliar e de suas complicaçõ es é obtida por meio de exames de imagem, sendo a US de
abdome o exame mais utilizado e eficaz, com sensibilidade e especificidade > 95%. Outros exames incluem:
 TC de abdome – ú til para a detecçã o de cá lculos nos ductos
 Ultrassonografia endoscópica – ú til no diagnó stico de microlitíase
 Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) – com
valor diagnó stico na avaliaçã o da á rvore biliar e terapêutico
 Colangiografia por RNM (colangio-RM) – permite avaliaçã o da
á rvore biliar, substituindo a CPRE
O RX simples de abdome nã o é muito revelador, conseguindo revelar
apenas os cá lculos vesiculares radiopacos (10-15% dos cá lculos de
colesterol e 50% dos cá lculos pigmentares), mas pode revelar certas
complicaçõ es, como a vesícula em porcelana.
OBS: Pacientes com quadro típico de colelitíase podem ter 2 diagnó sticos
alternativos detectá veis à USG: a colesterolose (deposiçã o de gordura nos
macró fagos da mucosa na vesícula) e a adenomiomatose (hipertrofia de
mú sculo liso para dentro do lú men).
D) TRATAMENTO
Para a có lica biliar (tratamento sintomá tico), pode se lançar mã o de analgesia com AINEs e, em casos seletos,
opiá ceos, além de escopolamina, para mitigar a contraçã o da vesícula causada pela CCK. Somente o tratamento
cirú rgico (colecistectomia) é curativo, sendo indicado eletivamente em casos de:
 Paciente que tenha apresentado dor biliar (colelitíase sintomá tica)
 Complicaçõ es prévias da doença calculosa, independente da sintomatologia
 Casos assintomá ticos, se: cá lculos > 3 cm; vesícula em porcelana; pó lipos na vesícula biliar com rá pido
crescimento ou > 1 cm; anomalias anatô micas do ó rgã o; candidatos à cirurgia bariá trica (obesos mó rbidos)
OBS: Em casos de có lica biliar recorrente associada, ao menos 2 vezes, com lama biliar documentada à USG, recomenda-se
a colecistectomia profilá tica.

A colecistectomia é feita preferencialmente por via laparoscó pica, pelo menor tempo de internaçã o e melhor
resultado estético. A indicaçã o de cirurgia aberta (com incisã o subcostal direita ou de Kocher) é feita somente em
casos de cirrose com hipertensã o portal, câ ncer de vesícula, gravidez em 3º trimestre ou doenças
cardiopulmonares em está gio avançado (ICC, DPOC). As principais complicaçõ es sã o as lesõ es inadvertidas de
vias biliares, mais comum na videolaparoscopia, e o coleperitô nio (vazamento de bile para a cavidade peritoneal).

Em pacientes que se recusam a operar ou com alto risco cirú rgico, pode-se optar por terapia de dissolução oral
com uso de ursodesoxicolato (combinada à litotripsia extracorpó rea em cá lculos > 5mm para quebrá -los e
facilitar a dissoluçã o). Todavia a taxa de recorrência é alta, e o tratamento nã o é eficaz para cá lculos
pigmentares, já que se baseia na solubilizaçã o do colesterol. Além disso, é contraindicado em gestantes cá lculos
> 15 mm.
E) COMPLICAÇÕES
As complicaçõ es da litíase biliar decorrem, quase sempre, de alguma forma de obstruçã o pelo cá lculo. Dentre
elas, as principais incluem a colecistite aguda, a coledocolitíase, a pancreatite biliar aguda e a colangite aguda.
Outras complicaçõ es menos comuns incluem:
 Vesícula em porcelana  Corresponde à calcificaçã o difusa da parede da
vesícula, facilmente diagnosticada no RX, com achado similar a uma
casca de ovo, sendo fator de risco para câ ncer de vesícula biliar.
 Síndrome de Mirizzi  Caracteriza-se pela obstruçã o do ducto hepá tico
comum por compressã o extrínseca de cá lculos grandes em infundíbulo
da vesícula biliar ou ducto cístico, podendo causar fístulas
colecistobiliares.
 Íleo biliar  Ocorre pela formaçã o de uma fístula colecistojejunal, com
passagem de cá lculo biliar, que se impacta no íleo terminal, gerando um
quadro de obstruçã o intestinal ao nível do delgado.
 Síndrome de Bouveret  Variante do íleo biliar, decorre de uma fístula
colecistoduodenal, com passagem de cá lculo biliar com impactaçã o do
bulbo duodenal, gerando um quadro de obstruçã o piló rica.
Colecistite aguda
A colecistite aguda constitui um processo inflamató rio da vesícula biliar, que resulta, na maioria absoluta das
vezes, da obstruçã o do ducto cístico por um cá lculo (colecistite aguda calculosa). Cerca de 25% dos pacientes
com colelitíase a desenvolverã o em algum momento de sua evoluçã o, geralmente apó s surtos repetidos de dor
biliar.
A) FISIOPATOLOGIA
Na colelitíase sintomá tica crô nica, a dor biliar resulta da obstruçã o intermitente do ducto cístico por um
cá lculo. Porém, a nã o resoluçã o da obstruçã o por impactaçã o do cá lculo do cístico leva à estase da bile, que
pode resultar em dano à mucosa vesicular. A teoria mais aceita da patogênese é a de que a irritaçã o da parede
da vesícula pelos cá lculos provoque a liberaçã o da enzima fosfolipase A2, que medeia a conversã o da lecitina
presente na bile em lisolecitina, um potente irritante químico que inicia a reaçã o inflamató ria da parede
vesicular.
Assim, há aumento da pressã o intraluminal pela obstruçã o associada à hemorragia subserosa e edema do ó rgã o
por obstruçã o venosa e linfá tica, podendo evoluir para isquemia e ulceraçã o da parede da vesícula. Isso
favorece a infecçã o bacteriana secundá ria (o que pode, inclusive, favorecer a formaçã o de um empiema, com a
vesícula cheia de pus, e levar à sepse) e a perfuraçã o, que geralmente ocorre no fundo da vesícula biliar, porçã o
menos perfundida (mais sensível à isquemia), podendo seguir 3 caminhos:
 Coleperitô nio, com peritonite difusa
 Bloqueio do processo inflamató rio (contido pelas aderê ncias) com formaçã o de abscesso pericolecístico
 Extensã o da inflamaçã o para uma víscera pró xima, formando uma fístula bilioentérica (sobretudo no duodeno)
OBS: Alguns pacientes liberam menos fosfolipase A2; nestes, a obstruçã o do cístico pode levar à hidropsia de vesícula
(mucocele vesicular), na qual a mucosa consegue reabsorver o colesterol e os fosfolipídeos da bile estagnada, deixando a
vesícula distendida apenas pela retençã o de muco. Assim, nã o apresentam sinais de inflamaçã o, sendo assintomá ticos.
B) DIAGNÓSTICO
- QUADRO CLÍNICO: A inflamaçã o da vesícula se manifesta com dor abdominal e sensibilidade em hipocô ndrio
direito, inclusive com defesa à palpaçã o e, ocasionalmente, contratura involuntá ria local. A dor persiste por
mais de 6 horas, podendo irradiar para a regiã o infraescapular (sinal de Kehr) e estar associada a anorexia,
ná useas e vô mitos e febre baixa a moderada. O exame físico revela o sinal de Murphy (interrupçã o da inspiraçã o
profunda à palpaçã o da regiã o subcostal direita). Massa palpá vel, correspondente à vesícula distendida e
hipersensível, ocorre em 15% dos pacientes. Cerca de 10% apresenta icterícia, levando à suspeita de síndrome
de Mirizzi.
- EXAMES COMPLEMENTARES: Os exames laboratoriais costumam revelar
elevaçã o discreta de FA, AST (TGO) e bilirrubina, junto à leucocitose. Em
relaçã o aos exames de imagem, a US de abdome deve ser a 1ª escolha,
revelando cá lculos no colo da vesícula, espessamento da parede vesicular,
fluido pericolecístico e sinal de Murphy ultrassonográ fico. Outros exames
capazes de identificar a doença incluem:
 Cintilografia das vias biliares (exame mais acurado para confirmaçã o,
embora, na maioria das vezes, nã o precise ser feita, pela acurá cia da US)
 TC de abdome (comumente pedida em pacientes com dor abdominal aguda)
OBS: Em 1% dos pacientes, pode ocorrer a colecistite enfisematosa, caracterizada pela
presença de gá s na parede da vesícula biliar (pneumobilia), achado patognomô nico no RX simples de abdome. Está
associada à presença de bactérias (C. perfringens/welchii e E. coli), sendo mais comum em homens idosos e diabéticos.
As Diretrizes de Tóquio de 2018 definem critérios diagnó sticos e de gravidade para colecistite aguda:
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS – TQ18 CRITÉRIOS DE GRAVIDADE – TQ18
A. Sinais de inflamação local Grau III (Grave) – Pelo menos 1 dos seguintes:
- Sinal de Murphy - Disfunçã o cardiovascular: hipotensã o com qualquer dose de
- Massa, dor ou sensibilidade em QSD noradrenalina ou dopamina ≥ 5 ug/kg/min
B. Sinais sistêmicos de inflamação - Disfunçã o neuroló gica: rebaixamento do nível de consciência
- Febre - Disfunçã o respirató ria: PaO2/FiO2 < 300
- PCR elevado - Disfunçã o renal: oligú ria, creatinina sérica > 2,0 mg/dL
- Leucocitose - Disfunçã o hepá tica: INR > 1,5
C. Achados imaginológicos - Disfunçã o hematoló gica: plaquetas < 100,000/mm³
- Sinal de Murphy ecográ fico Grau II (Moderado) – Pelo menos 1 dos seguintes:
- Espessamento da parede vesicular - Leucocitose > 18.000/mm³
- Distensã o vesicular - Massa dolorosa palpá vel em QSD
- Cá lculo impactado - Duraçã o dos sintomas > 72 horas
- Coleçã o pericolecística - Marcador inflamató rio local (gangrena, colecistite enfisematosa, abscesso
- Edema de parede vesicular pericolecístico, abscesso hepá tico, coleperitô nio)
Suspeita: 1 item A + 1 item B Grau I (Leve)
Confirmação: 1 item A + 1 item B + C Nã o atende aos critérios do grau II ou III. Definida como colecistite aguda
em paciente hígido, sem disfunçã o orgâ nica ou com alteraçõ es leves da
C) TRATAMENTO vesícula.

O tratamento da colecistite aguda deve começar com reposiçã o volêmica, correçã o de DHE e monitorizaçã o de
sinais vitais, além de analgesia e
antibioticoterapia para os agentes
patogênicos mais frequentes
(cefalosporina de 3ª geraçã o ou
quinolona + metronidazol).
No entanto, o tratamento definitivo de
eleiçã o é a colecistectomia
laparoscó pica, no prazo ideal de até 72h
do quadro clínico, havendo, como
alternativa, a drenagem biliar por colecistostomia percutâ nea. O tratamento segue a indicaçã o da classificaçã o
de gravidade.
Coledocolitíase
A coledocolitíase refere-se à presença de cá lculos no ducto colédoco. A maioria dos casos (90%) resulta da
migraçã o de um cá lculo formado na vesícula (coledocolitíase secundária). O restante dos casos consiste na
formaçã o de cá lculos no pró prio colédoco (coledocolitíase primária), normalmente pigmentares castanhos,
precipitados por infecçõ es de repetiçã o da á rvore biliar, divertículos peripapilares e ductos biliares dilatados.
A) APRESENTAÇÃO DA DOENÇA
A maioria dos pacientes com coledocolitíase sã o sintomá ticos, com có lica biliar semelhante à colelitíase, com
cor maior duraçã o, associada à ná usea, epigastralgia e êmese. Pode haver resoluçã o espontâ nea do quadro caso
o cá lculo seja expelido. Além disso, pode haver quadro de icterícia leve a moderada, com colú ria e acolia fecal
(síndrome colestática). Os exames laboratoriais podem ser flutuantes: ALT e AST tipicamente se elevam cedo
em situaçã o de obstruçã o, mas de forma transitó ria, com inversã o do padrã o de enzimas e predominâ ncia de
FA (> 150 U/L) e GGT, além de bilirrubina normalmente entre 2-5 mg/dL.
B) DIAGNÓSTICO
Na suspeita clínica de coledocolitíase, seja em pacientes com síndrome colestá tica ou com colelitíase vigente,
devem-se combinar os exames de imagem (especialmente a US de abdome, como exame inicial) e os
laboratoriais, para estratificar o risco de coledocolitíase de acordo com preditores:

 Nos pacientes de alto risco, deve-se proceder a


colangiografia retrógrada endoscópica (CPRE),
com retirada de cá lculos impactados, seguida de
colecistectomia eletiva.
 Nos pacientes de risco moderado, deve haver uma
investigaçã o para confirmar ou excluir a
coledocolitíase, optando pela colangio-RM. Se
houver visualizaçã o de cá lculos e o paciente
apresentar melhora clínica, procede-se à
colecistectomia. Caso nã o haja melhora e nã o se
visualizem cá lculos, pode-se abrir mã o da US
endoscópica, que pode ser convertida em CPRE, se
necessá rio.
 Nos pacientes de baixo risco, se houver lama biliar
ou cá lculos visualizados à US, procede-se à
colecistectomia sem exames de imagem no
intraoperató rio. Caso haja suspeita de migraçã o
de cá lculos na cirurgia, deve ser feita a exploraçã o
de vias biliares.
C) TRATAMENTO
A coledocolitíase deve sempre ser tratada com a retirada de todos os cá lculos, mesmo se assintomá tica, pelo
risco de complicaçõ es potencialmente graves, como colangite e pancreatite aguda.
 Durante a CPRE, é realizada a papilotomia endoscópica com extraçã o mecâ nica dos cá lculos com cateter-balã o
ou basket. Nã o há indicaçã o de antibioticoprofilaxia de rotina, exceto em casos de colangite associada ou
obstruçã o com drenagem incompleta. A falha terapêutica da CPRE é indicaçã o obrigató ria da cirurgia
explorató ria.
 A exploração das vias biliares pode ser laparoscó pica ou aberta, com coledocotomia e colocaçã o do dreno de
Kehr. Em casos muito severos, cá lculos impactados na ampola de Vater podem ser incapazes de serem retirados,
exigindo uma esfincterotomia transduodenal com derivaçõ es biliodigestivas (coledocoduodenostomia ou
coledocojejunostomia em Y de Roux) para restaurar a continuidade biliar.
OBS: Apó s as manipulaçõ es cirú rgicas, é possível o aparecimento de novos cá lculos, recorrentes (> 2 anos) ou residuais (<
2 anos). No caso de dreno de Kehr maduro (> 4 semanas), cá lculos residuais podem ser retirados com cateterizaçã o; caso
contrá rio, é feita e CPRE. Também pode ocorrer estenose cicatricial, com icterícia progressiva, confirmada com CPRE e
tratada com um stent de via biliar ou uma derivaçã o biliodigestiva, em casos mais graves.
Colangite aguda
A colangite aguda refere-se à infecçã o bacteriana do trato biliar (bacteriobilia), quase sempre associada a uma
síndrome obstrutiva, sendo a mais comum a coledocolitíase (60%).
- A teoria mais aceita é a de que algumas bactérias, vindas do intestino,
ascendem pelo duodeno ou ganham o sistema porta até o trato biliar.
Quando existe uma lesã o obstrutiva ou corpo estranho, a colonizaçã o e o
crescimento bacteriano sã o favorecidos. Quando as bactérias ganham a
circulaçã o sistêmica, o que ocorre quando a pressã o no trato biliar está
alta, as manifestaçõ es clínicas se tornam ainda mais evidentes.
A) DIAGNÓSTICO
A colangite aguda manifesta-se classicamente com a tríade de Charcot: febre com calafrios, icterícia e dor
abdominal (geralmente leve a moderada). Sinais de irritaçã o peritoneal estã o ausentes. Os achados
laboratoriais demonstram leucocitose com desvio, associada à hiperbilirrubinemia direta (em 90% dos casos) e
aumento das enzimas hepá ticas, com predomínio de FA e GGT (síndrome colestática). As hemoculturas
frequentemente sã o positivas, sendo os organismos mais encontrados: E. coli, Klebsiella, Enterococcus faecalis e

Cerca de 15% dos pacientes desenvolvem a forma mais grave da doença, a colangite tó xica, uma colangite
supurativa, na qual há pus nas vias biliares, que, sob pressã o, induzem à sepse. Ela é traduzida pela pêntade de
Reynolds: tríade de Charcot + hipotensã o + depressã o do SNC (manifestada com confusã o mental,
comportamento inadequado, desorientaçã o e coma). Ela é progressiva e fatal, exigindo terapia imediata.

B. fragilis.
As Diretrizes de Tóquio de 2018 definem critérios diagnó sticos e de gravidade para colangite aguda:
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS – TQ18
A. Inflamação sistêmica
- Febre e/ou calafrios
- Evidencia laboratorial de resposta
inflamató ria (leucocitose > 10.000/mm³ ou
leucopenia < 4.000/mm³, PCR reagente)
B. Colestase
- Icterícia
- Funçã o hepá tica alterada (FA, GGT,
TGO/TGP elevados)
C. Imagem
CRITÉRIOS DE GRAVIDADE – TQ18
Grau III (Grave) – Colangite com ≥ 1 disfunção orgânica:
- Choque manejado com catecolaminas
- Dilataçã o biliar - Alteraçã o do estado de consciência
- Evidência de etiologia na imagem (estenose, - Insuficiência respirató ria
cá lculo, pró tese, etc.) - Insuficiência renal
Suspeita: 1 item A + 1 item B ou C - Insuficiência hepá tica
Confirmação: 1 item A + 1 item B + 1 item - Coagulopatia
C Grau II (Moderado) – Evidência de ≥ 2 dos seguintes achados:
- Leucocitose > 12.000/mm³ ou leucopenia < 4.000/mm³
B) TRATAMENTO - Febre > 39°C
O tratamento envolve 3 pilares principais: - Idade > 75 anos
- Bilirrubina > 5 mg/dL
 Monitoramento e tratamento de choque - Albumina < 25 g/L
sé ptico  Se houver detecçã o de oligú ria, Grau I (Leve) – Colangite sem critérios para II e III
alteraçõ es do estado mental, hipotensã o,
acidose metabó lica e pele fria, o paciente deve receber cuidados de suporte, muitas vezes requerendo
tratamento agressivo, com intubaçã o orotraqueal e vasopressores.
 Antibioticoterapia  Deve cobrir as bactérias colô nicas, podendo utilizar um dos seguintes esquemas:
o Monoterapia com betalactâ mico/inibidor da betalactamase (1ª escolha) ou carbapenê micos (para
pacientes de alto risco ou com infecçõ es de organismos multirresistentes)
o Cefalosporina de 3ª geraçã o ou fluoroquinolonas + metronidazol
 Drenagem biliar  É feita geralmente com CPRE ou via percutâ nea, reservando a via cirú rgica (coledocotomia)
para casos restritos. Seu tempo de realizaçã o depende da gravidade do paciente:
o Grau I: A resposta aos ATB é suficiente e a drenagem biliar urgente nã o é requerida
o Grau II: A drenagem é indicada em um intervalo de 24-48h
o Grau III: A drenagem é de cará ter emergencial, assim que as condiçõ es hemodinâ micas permitirem
Pancreatite aguda
A pancreatite aguda é definida como uma inflamaçã o aguda do pâ ncreas, com acometimento variá vel das
estruturas peripancreá ticas e ó rgã os à distâ ncia, cuja gênese depende da autodigestã o tecidual pelas suas
pró prias enzimas. Nos casos mais graves, ela se comporta como uma doença multissistêmica e leva à síndrome
da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), com alta letalidade. Pode ser de 2 tipos:
 Pancreatite edematosa (80-90%): Cursa apenas com edema do pâ ncreas, sem á reas extensas de necrose,
complicaçõ es locais ou sistêmicas e de curso autolimitado em 3-7 dias.
 Pancreatite necrosante (10-20%): Cursa com extensa necrose parenquimatosa, hemorragia retroperitoneal,
quadro sistê mico grave e evoluçã o de 3-6 semanas.
A) FISIOPATOLOGIA
A pancreatite é um transtorno do pâ ncreas exó crino, associado à lesão das células acinares, que passam a
liberar enzimas pancreá ticas ativas para o interstício numa proporçã o maior que as linhas de defesa do
pâ ncreas suportam. O estímulo lesivo provoca a fusã o dos grâ nulos de zimogênio com as vesículas lisossomais,
que contêm a enzima catepsina B, capaz de converter o tripsinogênio em tripsina, que, por sua vez, ativa as
demais enzimas digestivas, que, liberadas no interstício pancreá tico, dã o início a um processo de autodigestão.
Dessa forma, ocorre lesã o tecidual e danos microcirculató rios, levando à isquemia, estase capilar e subsequente
maior permeabilidade vascular, edemaciando o ó rgã o e trazendo os mediadores inflamató rios. A inflamaçã o
pode se espalhar ainda a ó rgã os adjacentes, incluindo o có lon transverso (podendo haver translocaçã o
bacteriana).
As causas mais comuns da pancreatite aguda sã o a litíase biliar e o álcool, totalizando cerca de 75% dos casos.
 Pancreatite alcoólica: O á lcool estimula diretamente a liberaçã o de grandes quantidades de enzimas
pancreá ticas ativadas, causa contraçã o transitó ria do esfíncter de Oddi, causa lesã o tó xica acinar por
metabó litos tó xicos e forma cilindros proteiná ceos que obstruem os ductos. É observada em 5-10% dos etilistas
e está associada à pancreatite crô nica.
 Pancreatite biliar: A obstruçã o transitó ria da ampola de Vater por um cá lculo ou pelo edema gerado por sua
passagem aumenta a pressã o intraductal e estimula a fusã o lisossomal aos grâ nulos de zimogê nio, ativando a
tripsina e leve ao refluxo biliar para o ducto pancreá tico. Ao contrá rio da pancreatite alcoó lica, nã o se associa à
pancreatite crô nica. É mais comum em mulheres, obesos e na faixa entre 50-70 anos.
Outras causas incluem a hiperlipidemia (< 4% dos casos, decorrente da concentraçã o tó xica de á cidos graxos
livres derivados da degradaçã o de triglicerídeos nos capilares pancreá ticos pela lipase pancreá tica),
hipercalcemia, induzida por medicamentos (principalmente imunossupressores), trauma abdominal, fibrose
cística, infestaçõ es parasitá rias, vasculites e e picadas de escorpiã o.
OBS: A pancreatite aguda idiopática, que ocorre em 20% dos casos, decorre, em grande parte, de duas grandes entidades: a
microlitíase biliar e a disfunçã o do esfíncter de Oddi.
B) APRESENTAÇÃO DA DOENÇA
- QUADRO CLÍNICO: A maioria dos pacientes manifesta dor aguda e persistente/incessante em andar superior
de abdome, caracteristicamente em faixa e com irradiaçã o para o dorso, causando inquietaçã o e podendo
aliviar com a inclinaçã o do tó rax para frente. Ela é tipicamente acompanhada de ná useas e vô mitos
incoercíveis, que podem persistir por vá rias horas. O exame físico varia na dependência da gravidade da
doença. O abdome geralmente mostra achados nã o correspondentes ao quadro á lgico, podendo haver dor à
palpaçã o e distensã o abdominal, traduzindo íleo adinâ mico. Se houver pancreatite necrosante/hemorrá gica,
alguns achados inespecíficos de hemorragia retroperitoneal podem ocorrer, como o sinal de Cullen (equimose
periumbilical), sinal de Grey-Turner (equimose em flancos) e sinal de Fox (equimose em regiã o inguinal e base
do pênis).
OBS: Alguns achados dã o sugestõ es da etiologia da pancreatite: hepatomegalia sugere pancreatite alcoó lica; xantomas
sugerem pancreatite hiperlipidêmica; icterícia sugere pancreatite biliar secundá ria a coledocolitíase ou obstruçã o do
colédoco/ampola devido ao edema da cabeça do pâ ncreas.

Na pancreatite severa, pode haver taquipneia, hipoxemia, hipotensã o e febre. O comprometimento respirató rio
pode piorar apó s os primeiros dias, com instalaçã o de derrame pleural, atelectasia ou até síndrome do
desconforto respirató rio agudo (SDRA). O paciente pode evoluir com choque hipovolêmico ou distributivo, pela
resposta inflamató ria sistê mica que leva à vasodilataçã o. A insuficiência renal é comum na pancreatite grave, por
hipovolemia (causa pré-renal) ou necrose tubular aguda decorrente da SIRS.

- EXAMES LABORATORIAIS: Como há disfunçã o do armazenamento das enzimas, elas entram na circulaçã o
sistêmica, causando elevaçã o nos níveis de amilase e lipase sérica, com precisã o diagnó stica quando o valor
ultrapassa 3x o limite superior normal (160 e 140 U/L, respectivamente), sendo que a elevaçã o é mais precoce
que a da amilase e a meia-vida é maior. Outras alteraçõ es laboratoriais inespecíficas incluem leucocitose,
aumento da PCR e hiperglicemia, além de outros marcadores tidos como critérios de gravidade.
C) DIAGNÓSTICO
O diagnó stico definitivo requer a presença de 2 dos seguintes critérios:
 Epigastralgia persistente, de alta intensidade, em faixa e/ou que irradia para dorso
 Elevaçã o sérica de amilase ou lipase em 3 ou mais vezes o LSN
 Achados característicos de pancreatite em exames de imagem (TC contrastada, RNM ou US de abdome)
A TC com contraste só é indicada quando há dú vida diagnó stica ou na vigência de pancreatite grave, idealmente
apó s 72h do início do quadro, quando as complicaçõ es, como a necrose, costumam estar bem estabelecidas. Os
achados incluem aumento do pâ ncreas (difuso ou local), borramento da gordura adjacente, presença de
coleçõ es peripancreá ticas, pseudocistos e á reas necró ticas. É contraindicada em casos de IRA, sendo feita a
RNM.

A US de abdome permite o diagnó stico de litíase biliar (possível fator etioló gico), bem como complicaçõ es
vasculares (ex.: trombose) e á reas de necrose (hipoecogênicas), além de poder afastar outras causas.
OBS: Na radiografia, nã o há evidências sensíveis para pancreatite aguda, mas o RX de abdome pode revelar alça sentinela
(íleo adinâ mico localizado, com distensã o de 1-2 alças) em QSD e sinal do có lon amputado (distensã o gasosa do có lon com
terminaçã o abrupta da presença de gá s, usualmente na flexura esplênica), enquanto o RX de tó rax pode evidenciar
derrame pleural, hemielevaçã o do diafragma, atelectasia e edema sugestivo de SDRA.
D) PROGNÓSTICO
Na abordagem da pancreatite aguda, é fundamental realizar uma avaliaçã o prognó stica, definindo a gravidade
(leve, moderada ou grave) da doença para guiar a conduta terapêutica. Os principais escores utilizados sã o:
- CRITÉ RIOS DE RANSON: Possui 5 fatores avaliados na admissã o, que refletem a gravidade e extensã o da
inflamaçã o e idade do paciente, e apó s as 48h iniciais, refletindo o desenvolvimento das complicaçõ es
sistêmicas e o grau de perda volêmica. A pontuaçã o ≥ 3 indica pancreatite grave.
- ESCORE DE ATLANTA: Um dos mais utilizados na prá tica clínica atual, preconiza que a pancreatite aguda pode
ser classificada em 3 tipos, de acordo com a gravidade da inflamaçã o sistêmica.

- ESCORE DE BALTHAZAR: Feito por achados tomográ ficos, que contempla a extensã o da inflamaçã o, a
presença de coleçõ es líquidas e a extensã o da á rea da necrose, com pontuaçã o ≥ 6 indicando mau prognó stico.

OBS: O BISAP é um escore de fá cil aplicaçã o, sendo uma boa alternativa quando nã o se pode aguardar as 48h. Ele consiste
em 5 parâ metros, sendo que a presença de 3 ou mais indica pancreatite grave:
 (B) Blood urea – nitrogênio ureico sanguíneo > 25mg/dL ou ureia sérica > 50mg/dL
 (I) Impaired mental status – alteraçã o de estado mental (Glasgow < 15)
 (S) SIRS – evidências de inflamaçã o sistêmica (febre, taquicardia, taquipneia, leucocitose ou leucopenia)
 (A) Age – idade > 60 anos
 (P) Pleural effusion – derrame pleural confirmado por imagem
E) TRATAMENTO
- PANCREATITE LEVE: Nã o indica internaçã o em terapia intensiva. O paciente deve permanecer em dieta zero
até melhora do quadro clínico, que ocorre em geral, com 3-5 dias, sendo possível a realimentaçã o oral. O
tratamento de suporte se resume a: analgesia (meperidina ou outros opioides); hidrataçã o venosa para
reposiçã o volêmica; controle eletrolítico e á cido-bá sico. Nesses casos, como geralmente a pancreatite é
edematosa, a TC nã o é necessá ria, exceto se houver alguma complicaçã o tardia.
- PANCREATITE GRAVE: Os casos graves podem evoluir com complicaçõ es orgâ nicas sistêmicas importantes,
como choque, IRA, queda do sensó rio, ICC e SDRA, devendo ser agressivamente tratadas. As medidas de
suporte permanecem, com reposiçã o volêmica vigorosa para compensar a perda de fluidos para o
retroperitô nio, e suporte nutricional, pois muitas vezes ficam em dieta zero por períodos prolongados, sendo
preferível a nutriçã o enteral jejunal. Em casos de pancreatite necrosante, deve-se avaliar a presença de infecçã o:
 A necrose esté ril deve ser tratada conservadoramente, sendo indicada intervençã o cirú rgica somente se houver
persistência de dor abdominal relevante que impeça a alimentaçã o oral e persistência de disfunçõ es orgâ nicas
importantes. A antibioticoprofilaxia nã o é recomendada.
 A necrose infectada deve ser suspeitada em pacientes com piora clínica apó s melhora inicial ou surgimento de
quadro de febre, leucocitose ou qualquer outro sinal de sepse, devendo ser submetidos à investigaçã o por TC: se
houver gá s no pâ ncreas ou tecido pancreá tico (sinal da bolha de sabão), há forte indicativo de infecçã o; realiza-
se a punçã o do tecido necró tico e coleçõ es líquidas para cultura. Confirmada a infecçã o, o paciente deve iniciar
ATB e é indicada a necrosectomia, isto é , o desbridamento cirú rgico, feito por via aberta, com remoçã o do tecido
desvitalizado e drenagem externa.
OBS: Na pancreatite aguda biliar, a CPRE + papilotomia só deve ser empregada na presença de colangite e/ou icterícia
progressiva moderada a grave (BT > 5 mg/dL), sendo feita nas primeiras 72h de evoluçã o. A colecistectomia de urgência
deve ser evitada, sendo feita por via laparoscó pica de forma semieletiva, apó s resoluçã o do quadro agudo, antes da alta.

Os pseudocistos sã o coleçõ es líquidas intra ou peripancreá ticas nã o infectadas, envolvidas por cá psula de fibrose
e tecido de granulaçã o que se manteve ou se instalou apó s 4 semanas (as coleçõ es da fase aguda sã o chamadas
coleções líquidas agudas, de cará ter geralmente transitó rio). Eles complicam 10% das pancreatites agudas,
podendo causar obstruçã o intestinal ou biliar, hemorragia e pseudoaneurismas (hemossucus pancreaticus) ou se
infectar (abscesso pancreá tico). Se nã o houver complicaçã o, podem ser observados até as 6 semanas de evoluçã o,
pela chance de regressã o espontâ nea. As indicaçõ es para intervençã o sã o: (1) expansã o do pseudocisto; (2)
presença de sintomas, como dor e vô mitos; e (3) presença de complicaçõ es. A cirurgia de escolha é a drenagem
cirú rgica interna para o estô mago, duodeno ou jejuno. A drenagem externa é indicada nos pseudocistos
complicados, com risco de fistulizaçã o. A abordagem endoscó pica ou por CPRE també m vem ganhando espaço
como possível tratamento.

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