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DOENÇA DAS VIAS BILIARES

CLÍNICA CIRÚRGICA

DOENÇA CALCULOSA BILIAR

A litíase vesicular é das doenças mais comuns e de tratamento mais dispendioso do aparelho digestivo.
Afeta 10 a 15% dos adultos caucasianos, nos países desenvolvidos. Os custos relacionados com o
diagnóstico e o tratamento da litíase vesicular são significativos e têm tendência para aumentar, pois a
ecografia permite o diagnóstico de casos assintomáticos. Nos países ocidentais, 80% dos cálculos biliares
são de colesterol, puros ou mistos (pigmentado por bilirrubina). Os restantes 20% são de bilirrubina. Os
de bilirrubinato de cálcio, excecionais nos países Ocidentais, são de causa infeciosa (parasitas), sendo
mais comuns na Ásia.

A litíase vesicular é assintomática em 50% dos casos, mas 20 a 40% destes vêm a desenvolver uma
complicação ao fim de dez anos, sendo que em 80% a primeira complicação será uma cólica biliar e, os
restantes, um quadro mais grave como colecistite aguda, colangite ou pancreatite.

Relembrando brevemente a Fisiologia

A bílis é produzida pelos hepatócitos, que a excretam para os canais biliares. A secreção de sais biliares
para os canalículos é responsável pela maior parte do volume da bílis. O sódio e a água são segregados
passivamente para garantir a isoesmolalidade, enquanto a entrada da lecitina e do colesterol nos
canalículos está relacionada com as variações no balanço dos sais biliares. A bilirrubina e outros aniões
orgânicos são secretados ativamente pelo hepatócito. O potássio é secretado passivamente.

No intervalo das refeições a bílis é concentrada e armazenada na vesícula biliar e o sódio o bicarbonato
e os cloros são reabsorvidos ativamente pelas células da mucosa da vesícula promovendo a
concentração da bílis, do colesterol e da lecitina. A colecistoquinina (CCK) constitui o estímulo da
contração pós-prandial da vesícula e do relaxamento do esfíncter de Odd

 Cálculos de Colesterol (Amarelos)

Fisiopatologicamente, os cálculos de colesterol resultam da conjugação de três fatores: Saturação da


bílis por colesterol, aceleração da nucleação e hipomotilidade da vesícula.

O colesterol, sendo insolúvel na água, necessita de ácidos biliares e fosfolipídeos para se manter em
solução. Na bílis o colesterol encontra-se em micelas que também contêm ácidos biliares e lecitina, que
funcionam como emulsionantes. À medida que a concentração de colesterol aumenta, acumula-se sob a
forma de vesículas que se associam em vesículas multilamelares e ativam o crescimento de cristais de
colesterol à superfície. Esta saturação da bílis por colesterol é o principal mecanismo de formação de
cálculos.

A nucleação é o passo inicial para a formação de cálculos na bílis supersaturada e consiste no processo
de agregação que preside à génese dos cristais de colesterol. O principal fator que favorece a nucleação
é a mucina, uma glicoproteína que é produzida de forma crescente na vesícula, quando há
supersaturação da bílis. A absorção, pela parede da vesícula, do colesterol da bílis supersaturada, leva à
hipomotilidade vesicular. Esta hipomotilidade permite que microcristais de colesterol permaneçam mais
tempo dentro da vesícula se agreguem e formem cálculos.
Representam cerca de 75% dos casos. São amarelados, podem ser únicos ou múltiplos e geralmente
medem de 1 mm a 4 cm. A maioria é do tipo misto, apresentando mais de 70% de sua composição de
colesterol e quantidades variáveis de sais de cálcio, sais biliares, proteínas e fosfolipídeos.

Da mesma maneira, se pode ter apenas a lama biliar que representa uma mistura de mucina,
bilirrubinato de cálcio e cristais de colesterol, considerada um precursor da litíase, embora nem todo
portador de lama biliar desenvolva cálculos vesiculares

 Cálculos de Cálcio e Bilirrubina (Pigmentados)

Os cálculos pigmentares são constituídos principalmente por sais de cálcio e bilirrubina, tendo menos de
25% de colesterol em sua composição. São subdivididos em duas categorias: castanhos e pretos.

Os pretos são formados na vesícula e consistem basicamente de bilirrubinato de cálcio. Não costumam
ter mais de 1 cm. São os cálculos classicamente relacionados à hemólise crônica. A cirrose também
pode causar estes cálculos, pois, com a disfunção hepatocelular, pode haver aumento da secreção de
bilirrubina não conjugada.

Nos castanhos, o bilirrubinato de cálcio é alternado por camadas de colesterol e outros sais de cálcio. Na
maioria das vezes, os cálculos castanhos são formados no colédoco, anos após uma colecistectomia.
Também costumam se formar acima dos segmentos estenosados da colangite esclerosante e nos
segmentos biliares dilatados da doença de Caroli.

Fatores de Risco

 Predisposição Genética: Há relatos, também, de risco aumentado nas populações indígenas, o que
parece estar relacionado a mutações no gene LITH
 Dismotilidade Vesicular: A hipertrigliceridemia aumenta o risco de colelitíase justamente por ser um
dos fatores que reduz a motilidade da vesícula. Da mesma forma, os usuários de Nutrição Parenteral
Total (NPT), que, por não estarem recebendo alimentos pelo tubo digestivo, têm suas vesículas “em
repouso”, possuem risco elevado de cálculos. Também poderemos incluir neste grupo os diabéticos,
as gestantes e os pacientes com lesão de medula espinhal.
 Dieta: pobre em fibras, com lentificação do trânsito intestinal. Os carboidratos refinados aumentam
a concentração biliar de colesterol.
 Estrogênio e Progesterona: Receptores para estes hormônios já foram identificados na parede da
vesícula. Sabe-se que o estrogênio age no hepatócito estimulando a síntese de colesterol, e a
progesterona reduz a contratilidade da vesícula.
 Idade: A prevalência de litíase aumenta com a idade, principalmente após os 60 anos. A colelitíase é
rara na infância e adolescência.
 Obesidade: Na obesidade, costuma haver uma hipersecreção de colesterol, o que torna a bile
constantemente hipersaturada e aumenta a incidência de colelitíase em três vezes. Da mesma
maneira, um emagrecimento significativo, especialmente quando acelerado, aumenta o risco de
colelitíase por mobilizar rapidamente estoques corporais de colesterol, que acabam sendo
excretados em altas concentrações na bile
 Hiperlipidemias e Clofibrato: Os triglicerídeos séricos parecem ter maior influência do que os níveis
de colesterol. Na verdade, os níveis séricos de colesterol não parecem representar, isoladamente,
fator de risco para colelitíase. Também, está estabelecido que o clofibrato, usado no tratamento das
hiperlipemias, agrava o potencial litogênico da bile, já que a redução dos níveis séricos é feita através
de uma maior excreção biliar de colesterol.
 Ressecção Ileal e doença de Crohn: Os cálculos são geralmente de colesterol e resultam da
diminuição do pool de sais biliares pelo comprometimento da circulação êntero-hepática, já que a
reabsorção dos sais biliares acontece no íleo terminal.
 Anemia Hemolítica: Há grande incidência de litíase pigmentar nos estados hemolíticos, como a
anemia falciforme, talassemia e microesferocitose. Os cálculos resultam da precipitação da
bilirrubina não conjugada na árvore biliar e, quanto maior a hemólise, maior a chance de litíase
 Cirrose: Os cálculos são geralmente pigmentares pretos e parecem resultar de uma conjugação
deficiente de bilirrubina pelo hepatócito. Os que desenvolvem esplenomegalia por hipertensão porta
podem exibir hemólise crônica, que também contribui para formação destes cálculos.
 Infecções: A infecção biliar tem um papel importante na formação dos cálculos pigmentares
castanhos, pelo aumento da desconjugação da bilirrubina direta pelas glicuronidases secretadas por
enterobactérias, como a E. coli

Quadro Clínico

O principal sintoma relacionado à colelitíase é a dor aguda contínua (erroneamente referida como
“cólica biliar”) caracteristicamente localizada em hipocôndrio direito e/ou epigástrio, apresentando, às
vezes, irradiação para a escápula. A intensidade é maior no período de 30 minutos a 5 horas de seu
início, com melhora gradual ao longo de 24h. No início do quadro clínico, náuseas e vômitos podem
aparecer. Os episódios se repetem em intervalos de dias a meses.

A dor muitas vezes ocorre após refeição com alimentos gordurosos, após uma farta refeição que se
segue a jejum prolongado ou mesmo após uma refeição habitual. O motivo da dor é sempre a obstrução
(na maioria das vezes intermitente) do colo da vesícula por um cálculo.

Não ocorre febre ou outros sinais de reação inflamatória. O exame abdominal é pobre, com dor à
palpação em hipocôndrio direito e/ou epigástrio. Não há massa palpável nesta topografia, uma vez que
não existe processo inflamatório vesicular exuberante

Patologia

A vesícula está geralmente reduzida de volume, com a parede espessada e às vezes calcificada (vesícula
escleroatrófica), e contém em seu interior um ou mais cálculos além de, frequentemente, lama biliar. A
mucosa está comumente ulcerada, com cicatrizes, e pode haver aderências com as vísceras adjacentes.

Diagnóstico

A US abdominal é o melhor método diagnóstico na colelitíase, com sensibilidade e especificidade > 95%.
Entretanto, a precisão para o diagnóstico de coledocolitíase é menor (25%), fato que deriva da
dificuldade de avaliação de toda a extensão da via biliar principal (colédoco), já que esta é longa e passa
por trás do pâncreas e duodeno (o gás presente na luz intestinal reflete as ondas de ultrassom,
dificultando a visualização das porções mais distais do colédoco).

As desvantagens desse método, são:

 É operador dependente
 Em pacientes obesos há maior dificuldade na realização dos exames
 Cálculos biliares pequenos podem ser perdidos no exame
 Cálculos (3mm em diâmetro podem ser perdidos no exame
 Peristaltismo intenso e gases intestinais podem dificultar na visualização adequada da vesícula
biliar

Tratamento
A proposta mais aceita atualmente para analgesia na “cólica biliar” é o uso de AINEs. Em caso de dor
excruciante ou refratária aos AINEs, podemos utilizar opioides. Anticolinérgicos e antiespasmódicos
também são empregados com sucesso para alívio imediato, mas a grande verdade é que analgesia pura
e simples não altera a evolução da doença.

O único tratamento definitivo é o cirúrgico – colecistectomia e é indicado quando:

 Paciente que tenha apresentado dor biliar (ou seja, pacientes com litíase biliar SINTOMÁTICA);
 História de complicação prévia da doença calculosa independente do estado sintomático atual
(colecistite, pancreatite etc.).

Quando o paciente é sintomático, sem cálculo, mas com lama biliar:

Recomenda-se a colecistectomia profilática em todos os pacientes com episódios recorrentes de dor,


em que, ao menos duas vezes, se tenha conseguido documentar a presença de lama biliar na ocasião de
um episódio álgico.

Quando o paciente é assintomático, se recomenda a abordagem cirúrgica quando:

 Cálculos > 3 cm;


 Vesícula em porcelana;
 Anemia Falciforme
 Microcálculos (pelo risco aumentado de pancreatite biliar)
 Paciente que será submetido a transplante
 Presença de cálculo associado a pólipo de vesícula biliar
 Pacientes que irão a área isolada, sem atendimento médico por longos períodos
 História familiar de câncer de vesícula
 Pacientes que serão submetidos a by-pass gástrico ou gastrectomias

Tratamento Cirúrgico

Duas técnicas podem ser utilizadas para a colecistectomia: a técnica convencional (ou aberta) e a
videolaparoscópica. A via videolaparoscópica é preferida, existem, contudo, algumas situações em que é
preferível a aberta:

 Reserva cardiopulmonar ruim (ex.: DPOC avançada, ICC com FE < 20%);
 Câncer de vesícula suspeito ou confirmado;
 Cirrose com hipertensão portal (ascite);
 Gravidez no terceiro trimestre;
 Procedimentos combinados

A complicação cirúrgica mais comum (e mais temida) é a lesão de vias biliares extra-hepáticas, mais
corriqueira nos procedimentos laparoscópicos. Outra complicação específica da colecistectomia é o
coleperitônio (vazamento de bile para a cavidade peritoneal), que se manifesta de forma precoce, nos
primeiros dias de pós-operatório.

Obs: Colangiografia Intraoperatória

 Não deve ser realizada em todos os casos


 Caso haja dúvida da anatomia da via biliar
 Caso haja lesão da via biliar
 Caso haja suspeita de coledocolitíase que não pode ser avaliada previamente por outros
exames de imagem
Tratamento Clínico

Em pacientes que se recusam a operar e em situações de risco cirúrgico proibitivo, pode-se optar por
uma terapia conservadora com solventes de cálculo. O objetivo é tornar a bile menos saturada,
permitindo assim a absorção de colesterol a partir da superfície do cálculo.

O ursodesoxicolato (URSO), na dose de 8-13 mg/kg/dia, tem a propriedade de dissolver pequenos


cálculos. A terapia de dissolução é ineficaz para os cálculos pigmentados (radiopacos) e muito ruim para
cálculos com mais de 5 mm. O tratamento é contraindicado em grávidas, por ser teratogênico, e em
pacientes com cálculos maiores que 15 mm.

A fim de “quebrar” os cálculos maiores de 5 mm, tornando-os acessíveis ao URSO, vem sendo
empregada, com sucesso de 50% (ou até 90%, em centros com vasta experiência), a litotripsia
extracorpórea com ondas de choque. Apesar da eficácia satisfatória, o grande problema tanto do URSO
quanto da LECO é a elevada taxa de recidiva dos cálculos.

COLECISTITE AGUDA

Introdução e patogênese

Geralmente a colecistite aguda se inicia com a implantação de um cálculo no ducto cístico , que leva a
um aumento da pressão intraluminal da vesícula, obstrução venosa e linfática, edema, isquemia,
ulceração da sua parede e, finalmente, infecção bacteriana secundária. Todo esse processo pode
evoluir para perfuração da vesícula, mais comumente em seu fundo, uma vez que esta é a porção
fisiologicamente menos perfundida, portanto, mais sensível à isquemia. As perfurações podem seguir
três cursos: (1) coleperitônio, com peritonite difusa, ou (2) bloqueio do processo inflamatório com
formação de abscesso pericolecístico ou (3) extensão do processo inflamatório para uma víscera
próxima, formando uma fístula (especialmente o duodeno)

Porém, é válido pontuar que nem sempre a obstrução do ducto cístico por cálculo resultará em
colecistite. Aliás, na maioria das pessoas, ela não acontece e atualmente a teoria mais bem aceita pra
explicar a patogênese da colecistite aguda é a de que a irritação da parede da vesícula pelos cálculos
provoque a liberação de uma enzima, a fosfolipase A2. A fosfolipase medeia a conversão da lecitina
presente na bile em lisolecitina, um potente irritante químico que iniciará a reação inflamatória na
parede vesicular. A partir daí é que se desencadeia toda a cascata descrita.

Alguns pacientes, por motivos pouco compreendidos, liberam menos fosfolipase A2. Nestes, a
obstrução do cístico pode levar à hidropsia de vesícula (mucocele vesicular), uma condição em que a
mucosa consegue reabsorver o colesterol e os fosfolipídeos da bile estagnada, deixando a vesícula
distendida, mas com seu lúmen repleto apenas de muco. Estes pacientes são frequentemente
assintomáticos, não apresentando sinais de inflamação.

As mulheres são mais acometidas, com relação de 3:1 quando são considerados os pacientes com até 50
anos. A partir dessa idade a diferença diminui consideravelmente, com os casos em homens quase se
igualando ao observado em mulheres.

A bile nas vesículas normais é estéril, mas as bactérias são um achado comum quando os cálculos estão
presentes. A E. coli é a bactéria mais frequentemente isolada, seguida por Klebsiella, Enterococcus
faecalis, Proteus e Clostridium – ou seja, a “flora” microbiana típica de uma colecistite aguda consiste de
bastonetes Gram-negativos, enterococo e anaeróbios. Apesar da infecção ser um evento secundário,
uma complicação, ela acaba sendo responsável pelas sequelas mais sérias da colecistite aguda:

 Empiema;
 Perfuração;
 Abscesso pericolecístico;
 Fístula bilioentérica.

Manifestações Clínicas

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