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CONVULSÃO FEBRIL

PEDIATRIA

1. Definição e Epidemiologia

As crises febris (CF) são crises benignas que ocorrem em crianças acima de 1 mês de vida, geralmente
entre 6 e 60 meses de idade (5 anos), com temperatura  38 °C, não sendo resultado de infecção do
sistema nervoso central (SNC) ou de algum desequilíbrio metabólico, e ocorrem na ausência de uma
história de crises afebris anteriores. Possuem pico de ocorrência entre os 14-18 meses de vida e é a
forma mais comum de crises epilépticas na infância, acometendo até 5% dos menores de 5 anos de
idade. O primeiro episódio de CF ocorre, em 90% dos casos, entre 6 meses e 3 anos de idade.

Sua incidência é variável e, de acordo com a literatura, é relativamente maior nos países asiáticos, como
no Japão, onde se encontrou uma incidência de 7-8%, do que na Europa e EUA, com incidência entre 2 e
4%. Além disso, os meninos são afetados com mais frequência do que as meninas, e existe uma forte
predisposição familiar a este tipo de crise epiléptica. O primeiro episódio de CF ocorre, em 90% dos
casos, entre 6 meses e 3 anos de idade. Após a primeira crise febril, 2/3 destas crianças não terão mais
crises e apenas 13% do total terão mais de 2 episódios até os 7 anos de idade.

2. Classificação

As crises febris são classificadas em simples e complexas. Clinicamente, a apresentação inicial pode ser
de estado de mal epiléptico febril (EMEF). Entretanto, a grande maioria das CFs são simples,
correspondendo a 70-75% de todos os casos, enquanto as complexas respondem por 9-35% do total.

 Crise Febril Simples: Uma crise febril simples consiste em uma crise primária de apresentação
generalizada, usualmente tônico-clônica, associada a febre, com duração de no máximo 15 minutos e
não recorre em menos de 24 horas. Além disso, apresenta exame neurológico pós-ictal normal e sua
recuperação é espontânea e completa. As crises febris simples não apresentam risco aumentado de
mortalidade, embora sejam uma preocupação para os pais. Não são observados efeitos adversos em
longo prazo de se ter ≥1 crise febril simples. Especificamente, as crises febris simples recorrentes não
danificam o cérebro. Além disso, a ocorrência de crise febril simples na infância não aumenta o risco
de epilepsia no futuro.

 Crise Febril Complexa: Uma crise febril complexa é mais prolongada, com duração superior a 15
minutos e/ou apresenta uma ou mais recorrências nas primeiras 24 horas, podendo iniciar-se como
focal e/ ou apresentar exame neurológico pós-ictal alterado. É importante assinalar que a presença
de apenas um destes aspectos é suficiente para alterar a classificação de CF simples para complexa.
As crises febris complexas podem apresentar risco de mortalidade cerca de 2 vezes maior, a longo
prazo, em comparação à população geral ao longo de 2 anos subsequentes, provavelmente secundária
à patologia coexistente.

 Estado de Mal Epiléptico Febril: O estado do mal epilético febril (EMEF) é uma crise febril que dura > 30
min, sendo definido como uma crise epiléptica prolongada, capaz de tornar-se uma condição
duradoura e invariável e suplantar os mecanismos orgânicos de manutenção da homeostase. O EMEF
pode se caracterizar por uma única crise prolongada, ou, então, crises subentrantes, ou seja, crises
recorrentes entre as quais não há recuperação completa do nível de consciência. Corresponde a 5% de
todas as CFs e é a condição mais comum de estado de mal epiléptico na infância.
3. Etiologia

Embora muito discutido, não parece haver diferença no prognóstico das crises febris quando se
relaciona à etiologia. Porém, é válido pontuar que a CF ocorre no chamado período crítico, quando há
uma maior excitabilidade cerebral. Este período ocorre do 3º mês ao 5º ano de vida e está ligado
provavelmente à facilitação dos processos de aprendizagem. A febre é o fator desencadeante da crise
febril, porém não é o único fator causal. Ao lado das alterações estruturais e dos neurotransmissores
próprios da idade, outros fatores, como hereditariedade, rede de citocinas ou o tipo de infecção, podem
estar relacionados. Dessa forma, a etiologia da CF é considerada multifatorial, associando fatores
ambientais e genéticos, determinando suscetibilidade à ocorrência de CFs. O padrão de herança
genética é variável, e em 25- 40% dos casos há história familiar positiva. De uma forma geral, a etiologia
da CF compreende:

 Idade – a imaturidade do SNC torna-o mais vulnerável à febre, motivo pelo qual a maioria dos
casos ocorre em crianças com menos de 2 anos de idade e a doença raramente surge em maiores
de 5 anos.
 Febre – a CF só costuma ocorrer com quadros de febre acima de 38ºC (apesar de cada criança
possuir um limiar diferente para o desencadeamento da crise). Conforme a criança cresce, o limiar
pode se alterar.
 Histórico Familiar – 95% das crianças não fazem crise convulsiva quando têm febre alta. Somente
aquelas 5% que são geneticamente suscetíveis é que desenvolvem o quadro.
 Infecções Virais – a febre pode ser causada tanto por vírus quanto por bactérias, porém as
infecções virais parecem ser as que mais trazem risco.
 Vacinas – o risco de convulsão febril parece estar aumentado após a administração de certas
vacinas, incluindo a tríplice bacteriana (DTP), contra difteria, tétano e coqueluche, e a tríplice viral
(MMR), contra sarampo, caxumba e rubéola. É descrito um maior risco de crise febril relacionado
ao dia da vacina DTP celular e após 8 a 14 dias da vacina MMR, mas estes riscos não estão
associados à evolução em longo prazo.

Fatores Ambientais: Geralmente, a crise febril ocorre em associação com infecções das vias aéreas
superiores, pulmonares, intestinais e do trato urinário, assim como associada à febre decorrente de
vacinação. As infecções mais encontradas são as das vias aéreas superiores, como amigdalites e otites.
Do ponto de vista etiológico, 4% são bacterianas e 86% são virais, frequentemente associadas à roséola
ou exantema súbito (herpes vírus 6), que teria efeito deflagrador das crises, enquanto as gastroenterites
parecem ter efeito protetor. A CF ocorre geralmente nas primeiras 24 horas do episódio febril, no
período de ascensão rápida da temperatura.

A interação entre citocinas, interleucinas, agente infeccioso e crise febril ainda é controversa, mas o
balanço entre as citocinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias podem influenciar o nível da febre e,
por conseguinte, a crise febril. Recentemente, foram encontrados níveis elevados de citocinas no
plasma e níveis detectáveis no LCR de crianças com crise febril, mas eles podem estar relacionados tanto
à causa como ao efeito da crise febril. Além disso, bebês de mães que fumaram durante a gravidez
apresentam maior risco de terem crise febril. A causa parece ser a ação da nicotina sobre o sistema
nervoso do feto ainda em desenvolvimento

Fatores Genéticos: A ocorrência de epilepsia ou de CF em familiares de pacientes com CF, bem como a
constatação de CF em pacientes com formas idiopáticas de epilepsia demonstram o caráter genético da
CF. A história familiar de CF em parentes de 1º grau é comum, e observa-se uma porcentagem bem
maior de concordância de CF entre gêmeos monozigóticos (31 a 70%) que dizigóticos (14 a 18%).
Existem estudos da ligação de CF com vários cromossomos, como 2q, 5q, 5, 8q e 19, que parecem
alterar o funcionamento de canais de sódio neuronais. (herança autossômica dominante)

4. Fisiopatologia

A febre ou pirexia é a elevação da temperatura corporal como resultado de uma alteração ao nível do
centro termorregulador hipotalâmico. É a alteração no set point. A febre expressa-se por meio da
ativação dos mecanismos de ganho de calor e inibição dos mecanismos de perda de calor, além de uma
resposta comportamental adequada pela procura de um ambiente mais quente, quando este está
disponível. Ou seja, há certa região do hipotálamo que funciona como termostato, controlando, assim, a
nossa temperatura interna. Em algumas situações, como na presença de patógenos ou liberação de suas
toxinas, ocorre a liberação de pirógenos endógenos (IL-1, IL-6, TNF-α), os quais são responsáveis pelo
aumento do ponto de reajuste hipotalâmico. A interação das citocinas com seus respectivos receptores
desencadeia um processo de sinalização intracelular que acabam por ativar a atividade de três enzimas:
a fosfolipase A2, responsável por hidrolisar fosfolipídios da membrana (fosfatidilcolina e
fosfatidiletanolamina), liberando ácido araquidônico; e as COX-1 e 2 que são responsáveis pela
conversão do ácido araquidônico em prostaglandinas e tromboxanos. Nesse sentido a síntese de
prostaglandina E2 ocorre. A PGE2 interage com o receptor EP 3 presente nos pés-vasculares dos astrócitos
(barreira hematoencefálica) que é um receptor acoplado a proteína G. O AMPc gerado ocasiona uma
sinalização nos neurônios termorreguladores da APO. Dessa forma o set point é alterado. Logo, todos os
mecanismos para a elevação da temperatura corporal começam a atuar.

Mas isso por si só não causa o aumento da temperatura corporal. O hipotálamo estimula o centro
vasomotor a provocar vasoconstrição, desviando o sangue periférico, o que reduz a perda de calor ao
ambiente e ainda aumenta a temperatura interna. Ela se comporta basicamente como se o indivíduo
estivesse em um ambiente frio, ou seja, ela eleva o ponto de ajuste hipotalâmico, então o corpo passa a
entender que a temperatura normal dele é 38°C, dessa forma, tudo o que está abaixo dessa
temperatura é considerado como frio. Além da vasoconstrição, o corpo aumenta a produção de energia
através do ciclo de Krebs e consequente fosforilação oxidativa, principalmente em órgãos como fígado e
músculos esqueléticos. Isso atua no aumento da temperatura, porque parte dessa energia é dissipada
na forma de calor. Quando a temperatura central atingir os 38°C a informação vai até o hipotálamo que
entende que atingiu o set point, por isso os sintomas de frio acabam. Dessa forma, o fator pirogênico
diminui e o set point cai progressivamente. Logo, o organismo vai querer perder o calor e começam os
sintomas de vasodilatação e sudorese.

Acredita-se que o desencadeamento da crise epiléptica pela febre esteja associado à imaturidade
natural do cérebro, que apresenta um limiar mais baixo de resistência à hipertermia e excitabilidade
neuronal elevada. Dessa forma, a fisiopatologia das crises febris decorre da combinação do baixo limiar
do córtex cerebral em desenvolvimento, da suscetibilidade da criança frente a infecções, da propensão
em ter febre alta e do componente genético afetando o limiar convulsivo. Isso justifica o porquê de a
convulsão febril ser um fenômeno da primeira infância, que com o crescimento deixa de ocorrer. O
cérebro imaturo, segundo estudos, apresenta maior suscetibilidade a infecções devido a uma
combinação de excitação aumentada e inibição diminuída, além de diferenças maturacionais nos
circuitos corticais.

Com relação à patogênese da crise epiléptica, sabe-se que durante a convulsão ocorre um elevado
consumo da glicose e do oxigênio, com uma produção em altas doses de lactato e dióxido de carbono.
Sendo assim, crises curtas não geram dano neuronal, visto que o organismo compensa tal consumo com
uma descarga adrenérgica, gerando taquicardia hipertensão e hiperglicemia. Por outro lado, uma crise
mais prolongada, de duração maior que 5 minutos, possui um elevado risco para falha dos mecanismos
compensatórios, bem como para a falha na manutenção da via aérea pérvia, evoluindo com hipoxemia,
acidemia, hipoglicemia, hipotensão, hipertermia, rabdomiólise, mioglobinúria e insuficiência renal
aguda.

5. Fatores de Risco

 Ocorrência: Estudos populacionais evidenciaram importantes fatores de risco para a primeira CF. Foi
observado que, em crianças que apresentassem 2 desses fatores, o risco da ocorrência de CF seria de
30%. Dessa forma, os FR para o desenvolvimento da primeira CF são:

 História de crise febril em parentes de 1º e 2º graus;


 Internação hospitalar no período neonatal;
 Atraso do desenvolvimento neuropsicomotor; e
 Atendimento frequente em hospital-dia.

 Recorrência: As crises febris recorrem em aproximadamente 30% daqueles que experimentam o primeiro
episódio e em 50% após dois ou mais episódios. Ainda, se observa que 50% dos lactentes que iniciaram
crise febril com < 1 ano terão recorrência, comparadas com 20% daquelas abaixo de 3 anos, e 50%
apresentam a segunda crise em período de 6 meses após a primeira CF, 75% após 1 ano e 90% 2 anos.
Diversos fatores afetam o risco de recorrência. Os fatores mais importantes para recorrência são:

 Idade precoce da primeira CF;


 História familiar de CF;
 Grau de elevação da temperatura (o risco de recorrência é inversamente proporcional ao grau
da temperatura); e
 Duração do período febril (quanto menor a duração da febre, maior a chance de recorrência).

A curta duração da febre antes da crise febril e a baixa temperatura são associadas a um aumento do risco
de recorrência. Além disso, um estudo mostrou que, em 21% das crianças afetadas, a crise febril
desenvolve-se uma hora após o início da febre, em 57% em um intervalo de 1 a 24 horas, e, em 22%,
acima de 24 horas. Dessa forma, tem-se que o período de maior risco para ocorrência da CF corresponde
às primeiras 24 horas de doença febril

Se não houver fator de risco, a chance de recorrência é de 12%; na presença de um fator de risco, 25-50%;
dois fatores de risco, 50- 59%; e três ou mais fatores de risco, a recorrência é de 73-100%.
 Epilepsia Subsequente: o risco de epilepsia futura nas crianças com crise febril é similar àquele
encontrado na população geral, ou seja, em torno de 1%. Entretanto, alguns fatores de risco, quando
associados à crise febril, podem aumentar a probabilidade de epilepsia

6. Manifestações Clínicas

Como já mencionado anteriormente, as infecções mais comumente associadas às crises febris são as de
vias aéreas superiores, otites, pneumonias, gastroenterites e infecções do trato urinário, sendo os
quadros virais mais comuns que os bacterianos. Isto provavelmente reflete a frequência geral destas
doenças na infância como geradoras de febre. Salienta-se, mais uma vez, a associação com o herpes
vírus tipo 6 (HPV 6), causador do exantema súbito.

A crise febril costuma ocorrer durante o 1º dia de febre, algumas vezes após elevação súbita da
temperatura e usualmente associada à febre alta. Considerando-se o provável tempo do início do
processo febril até o aparecimento da crise febril, tem-se que, em 21% das crianças, a crise costuma
ocorrer em torno de 1 hora após o início da febre; em 57% das crises febris, de 1 a 24 horas do início da
febre e em 22% das crianças, ocorre após 24 horas. Quando a convulsão ocorre após o 1º dia de
doença febril, deve-se atentar para outras hipóteses diagnósticas.

Como em alguns casos, a velocidade da elevação da febre é considerada um fator mais instigante do
que o grau a que a temperatura realmente chegou. O quadro clínico típico é aquele em que os
responsáveis pela criança não notam a febre antes do evento. Não há consenso sobre o nível que a
temperatura deve chegar para se considerar como crise febril, mas, em geral, a temperatura deve ser
maior ou igual a 38°C.

A crise usualmente é generalizada tônico-clônicas com duração de alguns segundos até 15 minutos. O
período pós-ictal é marcado por sonolência passageira. O exame neurológico da criança é inteiramente
normal após a crise. Em geral, a recuperação é imediata. Caso a criança continue sonolenta, com exame
neurológico anormal, deve-se atentar para uma doença de base com possível comprometimento
neurológico. As crises mioclônicas e os espasmos infantis não são considerados como manifestações das
crises febris. A duração costuma ser menor que 15 minutos (CF simples), ultrapassando este valor em
8% dos casos (CF complexa). Outras crises, como “olhar parado”, olhar para cima, enrijecimento ou
amolecimento do corpo ou abalos clônicos, podem ser observadas. A convulsão geralmente cessa antes
que a criança chegue à emergência.

7. Diagnóstico:

Em muitos casos, a convulsão cessa


após alguns minutos e a criança acorda
após um breve período pós-ictal. Como
a maioria das crianças com crise febril
não está com convulsões ativas quando
chega ao serviço de emergência, uma
história detalhada deve ser obtida, enfatizando-se antecedentes familiares de crises febris e de
epilepsia. Deve-se descrever completamente o episódio e excluir outros diagnósticos, como
intoxicações exógenas.

O pediatra deve fazer a suspeita de crise febril nos casos em que há relato de febre e disfunção
neurológica aguda. A febre (temperatura axilar superior ou igual a 37,8°C) deve ser comprovada. Por
vezes, pode haver dúvida, pela presença de hipertermia no período pós-crítico decorrentes das
contrações musculares. Por meio do interrogatório, deve-se verificar se a manifestação neurológica teve
início durante a elevação da temperatura ou na vigência de febre alta.

O diagnóstico de convulsão febril só pode ser confirmado após exclusão de uma doença cerebral aguda
e o principal diagnóstico diferencial é a infecção do sistema nervoso central (SNC), portanto, o exame
físico deve ser direcionado a encontrar a causa da febre e excluir qualquer possibilidade de infecção do
SNC. Ao exame, deve-se avaliar sinais de falência circulatória, atenção ao nível de consciência,
presença de meningismo, alteração do tônus, tensão da fontanela e força muscular. Atentar também
para evidência de infecção do SNC, alterações neurológicas, sinais de doença metabólica
(hepatoesplenomegalia, falência de crescimento, regressão de DNPM) ou de síndromes neurocutâneas
e para o tamanho do perímetro cefálico.

A maioria das crianças com meningites ou encefalites, e com mais de 6 a 18 meses de idade,
apresentam outros sinais, além de convulsão e febre. Pacientes com menos de 18 meses de idade e
infecção do SNC, eventualmente não apresentam sinais clássicos, como rigidez de nuca ou Kernig, e esta
possibilidade determina certa ansiedade no médico diante de crianças, nesta faixa etária, com febre,
que apresentam uma primeira convulsão. Assim sendo, caso não seja identificada a causa infecciosa
responsável pelo quadro, ou se a criança entrar em estado de mal epilético (crise com duração superior
a 30 minutos ou várias crises reentrantes sem recuperação da consciência entre elas), ou se observar
qualquer sinal de alerta (ex.: toxemia, crise complexa, nível de consciência muito reduzido após a crise),
é FUNDAMENTAL A REALIZAÇÃO DE PUNÇÃO LOMBAR com avaliação de bioquímica, celularidade,
testes antigênicos e cultura do liquor.

 Exames Complementares:

Em geral, os exames laboratoriais são desnecessários, com exceção dos exames solicitados para
investigar a causa da febre, por exemplo em crianças com febre sem sinais localizatórios (FSSL). A FSSL é
a ocorrência de febre com menos de 7 dias de duração em uma criança, cujos história e exame físico
cuidadosos não revelam a causa da febre. Exames como hemograma, urina I, culturas de sangue e urina
e radiografia de tórax devem ser feitos de acordo com a indicação do processo clínico, contudo não
auxiliam no processo na crise febril em si. Além da determinação da glicemia, deverão ser pedidos
eletrólitos séricos e triagem toxicológica com base em circunstâncias clínicas individuais, como
evidências de desidratação. Da mesma forma, eletroencefalograma (EEG), mapeamento cerebral,
tomografia computorizada (TC) de crânio e RM cerebral também não devem ser realizados
rotineiramente, uma vez que não contribuem para o diagnóstico nem para o tratamento.

Punção Lombar: A punção lombar é recomendada em crianças < 6 meses de idade, após a primeira
crise febril, para excluir meningite. É especialmente importante considerar se a criança recebeu antes
antibióticos que possam mascarar os sintomas clínicos de meningite; se sim, é motivo de indicação para
PL. A presença de uma fonte identificada de febre, como otite média, não elimina a possibilidade de
meningite. Acima de 6 meses a punção lombar só deve ser realizada na presença de sintomatologia de
infecção do sistema nervoso central (SNC) ou naquelas com recuperação lenta ou alteração neurológica
pós-ictal.
São raras as anormalidades do LCR induzidas por crises em crianças, e todos os pacientes com LCR
alterado depois de uma crise deverão ser minuciosamente avaliados para pesquisa de outras causas,
que não a crise epilética. Também se deve ter em mente a possibilidade de uma meningoencefalite viral,
especialmente aquela causada pelo vírus do herpes simples. Portanto, a punção lombar deve ser
fortemente considerada quando houver uso prévio de antibióticos (pode mascarar os sintomas), pós-
ictal com alteração neurológica prolongada, nas crises (complicadas) focais, múltiplas e prolongadas, e
quando houver história de irritabilidade ou toxemia ao exame. Deve ficar claro que, sempre que se
optar pela não coleta do LCR em paciente com primeira convulsão febril simples, este deverá ser
observado atentamente nas primeiras 6 a 12 horas antes da alta hospitalar.

Indicações segundo a SBP:

 Menos de 6 meses de vida;


 Sintomatologia de infecção do SNC;
 Recuperação lenta ou alteração neurológica pós-ictal;
 Uso de antibióticos (lembrar que os sintomas de meningite podem ser mascarados)
 Crianças com vacinação incompleta para H. influenzae B, meningococo e pneumococo

Indicações segundo a AAP:

 Lactentes < 1 ano de idade, porque outros sinais de infecção podem não estar presentes.
 Uma criança entre 12 e 18 meses de idade deve também ser considerada para a punção
lombar, pois os sintomas clínicos de meningite podem ser sutis neste grupo etário. Para
crianças com bom aspecto após uma crise febril, a positividade da punção lombar é muito baixa
 Para crianças > 18 meses de idade, é indicada uma punção lombar apenas na presença de sinais
e sintomas clínicos de meningite (p. ex., rigidez da nuca, sinal de Kernig, sinal de Brudzinski) ou
caso a história e/ou o exame físico sugiram infecção intracraniana.

Eletroencefalograma: Caso a criança apresente-se com sua primeira crise febril simples e esteja
neurologicamente saudável, normalmente não é necessário um EEG como parte da avaliação. Isso
porque o EEG pode não predizer a recorrência futura de crises febris ou epilepsia, mesmo com resultado
anormal.

Espículas durante a sonolência são observadas com frequência em crianças com crises febris,
particularmente aquelas > 4 anos de idade, não predizendo epilepsia posterior. EEG realizados dentro de
2 semanas após uma crise febril com frequência apresentam lentificação não específica, usualmente
posterior. Assim, em diversos casos, se for indicado um EEG, ele é postergado até ou repetido após
passarem > 2 semanas. O EEG deve ser restrito a casos especiais nos quais exista forte suspeita de
epilepsia, devendo ser utilizado para delinear o tipo de epilepsia, mais do que para prever sua
ocorrência.

Caso seja realizado um EEG, ele deve ser feito por no mínimo 30 minutos em vigília e em sono,
conforme as diretrizes internacionais, para evitar erros de interpretação e conclusões errôneas.
Eventualmente, caso o paciente não se recupere imediatamente de uma crise, então o EEG pode
auxiliar na distinção entre atividade crítica em evolução e um prolongado período pós-ictal
eventualmente denominado estado crepuscular não epilético (ECNE).

Neuroimagem: Exames de neuroimagem não são indicações de rotina nas crises febris simples, mas
podem ser considerados para crianças com crises que apresentam características atípicas, incluindo
sinais neurológicos focais ou déficits neurológicos preexistentes. Devem ser considerados nos seguintes
casos:
 Micro ou macrocefalia
 Suspeita de síndrome neurocutânea
 Deficiência neurológica pregressa não esclarecida ou investigada
 Pós-ictal com alterações neurológicas persistentes
 Crises complexas recorrentes;
 Suspeita de hipertensão intracraniana.

A ressonância magnética (RMN) é superior à tomografia computadorizada de crânio (TAC),


especialmente se houver um quadro inflamatório ou estrutural subjacente.

Estudo no sangue: Os estudos no sangue (eletrólitos séricos, cálcio, fósforo, magnésio e contagem
sanguínea completa) não são recomendados rotineiramente no acompanhamento de uma criança com
uma primeira crise febril simples. A glicose no sangue pode ser determinada apenas em crianças com
obnubilação pós-ictal prolongada, ou para aquelas com ingestão oral inadequada (jejum prolongado). Os
valores eletrolíticos séricos podem-se apresentar anormais após uma crise febril, mas esta deve ser
sugerida por condições precipitantes ou predisponentes obtidas na história e refletidas nas
anormalidades do exame físico. Caso exista indicação clínica (p. ex., história ou exame físico que sugira
desidratação), estes testes são indicados

8. Tratamento:

O tratamento da CF é baseado em três aspectos fundamentais: tratamento da fase aguda, profilaxia da


recorrência das crises e orientação familiar

 Tratamento da Fase Aguda: A maioria das crianças já chega ao pronto-socorro no período pós-ictal. Nos
casos em que a criança está em convulsão, o tratamento agudo é igual a qualquer crise epiléptica,
independentemente de sua etiologia, inclusive no
que se refere a medidas gerais.

Deve-se realizar as medidas básicas de suporte de


vida (ABCDE) e tratar simultaneamente a febre e a
convulsão. No momento da admissão no setor do
pronto-socorro, a temperatura deve ser
imediatamente aferida, sendo indicado controle
da febre por meios físicos (compressas frias) e
antitérmicos.
O tratamento da CF simples consiste
primariamente na manutenção das vias aéreas
pérvias para facilitar a oxigenação, fornecimento
de O2 em alto fluxo, podendo ser realizado através
de máscara não reinalante, monitorização,
estabelecimento de acesso venoso periférico e
realização de hemoglicoteste. A maioria das CFs
tem duração limitada e não ultrapassa 5 minutos,
portanto, nenhuma intervenção medicamentosa
deve ser realizada nesse primeiro momento. Caso ultrapasse 5 minutos, as drogas anticonvulsivantes de
escolha são os benzodiazepínicos, sendo que esses podem ser utilizados até 3 vezes enquanto durar a
crise, seguindo para o tratamento de segunda linha. Caso a criança não responda o tratamento
instituída na segunda linha, considera-se o quadro como um mal epiléptico refratário.
 Primeira Linha: Benzodiazepínicos (Diazepam EV/VR ou Midazolam EV/IM/IN), podendo ser
utilizados até 03 vezes enquanto a crise permanecer. Os benzodiazepínicos são drogas seguras,
mas, que podem, eventualmente, apresentar efeitos colaterais no SNC quando usados em altas
doses ou rapidamente por via IV, como parada respiratória (presente em 6% dos pacientes com
estado de mal epiléptico febril tratados via IV) ou efeitos colaterais menores, como sedação,
ataxia, hipercinesia e agitação. Todavia, a administração das doses preconizadas e a via retal
raramente culminam em efeitos colaterais.
 Segunda Linha: Fenitoína (dose de ataque EV) ou Fenobarbital (dose de ataque EV ou IM) ou Ácido
Valproico (dose de ataque EV). Ambos com administração lenta devido aos potenciais efeitos
colaterais, como parada cardiorrespiratória

Caso não haja resposta, o ideal é que a criança seja intubada e transferida para uma unidade de terapia
intensiva para utilização de medicações anticonvulsivantes de forma contínua, por exemplo, o tiopental
sódico, midazolam ou propofol com controle eletrográfico das convulsões.

 Orientação Familiar: Entretanto, como já citado, a maioria das crianças comparece a emergência já no
período pós-ictal. Nesse caso, deve-se realizar a orientação aos familiares, de forma a tranquiliza-los
sobre a crise, que usualmente não recorre. Deve ser citado:

 A crise febril tem um caráter benigno, não tendo sido observado, até os dias atuais, nenhum estudo
em que houvesse morte causada pela CF, pois a crise para os pais está associada à ideia de morte.
 O controle rigoroso da febre é o aspecto mais importante do tratamento, com o uso de antitérmicos
e/ou banhos típicos. As compressas frias podem ser postergadas para os casos em que a
temperatura não diminui com o uso das medidas anteriores.
 O risco de um novo episódio convulsivo durante o mesmo quadro febril é raro, embora possa
ocorrer
 Uma vez que as convulsões febris são associadas a elevações rápidas de temperatura corporal acima
de 38°C, a crise pode ser o primeiro sinal de um processo infeccioso, não havendo tempo para a
administração de antitérmicos antes que ela ocorra.
 É importante proteger a criança durante a crise; porém, sem restringir seus movimentos.
 Não se deve introduzir nada em sua boca.
 Não se deve tentar respiração boca a boca ou massagem cardíaca em casa.
 Se a criança tiver nova crise, os pais devem manter a calma, posicionar a criança em uma superfície
confortável, em decúbito lateral direito, para evitar o acúmulo de saliva na cavidade oral e prevenir a
broncoaspiração no caso de vômitos.
 Após o término das crises, não se deve administrar qualquer medicação ou líquidos por via oral até
que a criança esteja bem desperta.
 É necessário prestar atenção à duração da convulsão. No caso de tempo maior que 5 minutos, deve-
se dirigir à emergência mais próxima ou chamar uma ambulância.
 É preciso avaliar a temperatura com termômetro e não agasalhar demais a criança.

 Profilaxia da Recorrência: A necessidade de tratamento profilático é controversa. As crises febris são, na


sua grande maioria, benignas e de curta duração, questionando-se a necessidade de um tratamento
profilático contínuo com anticonvulsivantes. Trata-se, na realidade, de uma das chamadas “controvérsias
em Medicina”: uns preconizam o tratamento profilático em todos os casos baseando-se nos remotos, mas
possíveis efeitos deletérios de uma eventual convulsão complicada. Outros preconizam a quase completa
abstenção terapêutica, levando em conta os possíveis efeitos colaterais dos anticonvulsivantes
administrados a longo prazo em crianças nesta faixa etária.
Em diversos estudos, não foi demonstrado benefício da profilaxia secundária para redução do risco de
uma crise convulsiva afebril após uma convulsão febril simples. Portanto, em nenhuma criança cuja
apresentação tenha sido uma convulsão febril simples será realizada a profilaxia secundária. Em apenas
alguns casos será necessária avaliação do neuropediatra e instituição da profilaxia secundária, ou seja, a
prescrição de um medicamento para evitar a ocorrência de novas crises. O tratamento é indicado em
casos em que há 2 ou mais fatores de risco para recorrência. Nesses casos, a recorrência diminui em 1/3
com o tratamento. Os FR para recorrência são:
A profilaxia secundária pode ser realizada de forma contínua ou intermitente.

 Tratamento Contínuo: De forma geral, o tratamento contínuo é realizado com fenobarbital ou ácido
valproico. O fenobarbital, em relação ao placebo, é eficaz, porém, associa-se a efeitos colaterais, por
exemplo, distúrbios de sono, hiperatividade, irritabilidade e letargia. Além disso, está também
relacionado a diminuição da função cognitiva das crianças. O ácido valproico também é efetivo em uso
contínuo, seu uso não costuma determinar alterações comportamentais, mas pode provocar elevação
das transaminases até quadro de hepatite fulminante, principalmente nas crianças com menos de 2
anos de idade e, por isso, tem sido reservado para situações específicas. Além disso, pode acarretar
ganho importante de peso corpóreo, queda de cabelo e, mais raramente, pancreatite. Drogas
antiepiléticas como a fenitoína e a carbamazepina não previnem crises febris. A carbamazepina e a
fenitoína não são efetivas para prevenir recorrência de CF e são contraindicadas. O tratamento é
mantido por um período mínimo de 12 meses, podendo estender-se até os 5 anos de idade. A
retirada da medicação deverá ser lenta e gradual, realizada num período de 3 a 6 meses. Em relação à
CF complexa, estudos demonstraram eficácia do uso do fenobarbital e ácido valproico, de forma
contínua, na diminuição do risco de recidiva. Por outro lado, a carbamazepina aumentou esse risco.

 Tratamento Intermitente: É a utilização de drogas na vigência de febre ou no início de doenças que


possivelmente serão febris. Se a ansiedade dos pais for muito alta, pode ser utilizado o diazepam oral
como método eficaz e seguro de reduzir o risco de recorrência das crises febris. No início de cada
doença febril, administra-se diazepam via oral 0,3 mg/kg/dose a cada 8 horas ou retal (0,5 mg/kg) ou
clobazam via oral 1 mg/kg/dia (até máximo de 20 mg/dia) por toda a duração da doença (geralmente  2
a 3 dias). Os benzodiazepínicos intermitentes podem provocar sonolência, letargia, ataxia e
hiporresponsividade durante eventos febris, o que pode atrapalhar a avaliação médica. Os efeitos
colaterais geralmente são discretos e podem ser reduzidos pelo ajuste da dose. Esta conduta
geralmente interrompe a crise e impede a recorrência durante o período de 12 horas. Deve ser
considerada nos casos de aparente limiar convulsivo baixo e de crises muito recorrentes e
prolongadas. Levar em conta que a possibilidade de recorrência gera tensão e problemas familiares,
bem como pode provocar traumas e evoluir para mal convulsivo, fatores que devem ser discutidos em
consulta, “caso a caso”

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