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Causas Justificantes: do Exercício Regular de Direito e do Estrito Cumprimento do Dever

Legal
Conceito, fundamentos e natureza

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Publicado por Deric Gonçalves
há 4 anos
A dogmática brasileira tem adotado um conceito tripartido de crime, ou seja, o crime é uma
ação típica, antijurídica e culpável. Nessa toada, a antijuridicidade ou ilicitude é um juízo
valorativo, no qual se atesta a desconformidade entre a conduta tipificada praticada pelo
agente no caso concreto e o Direito.

Dentre as causas genéricas excludentes da ilicitude, este trabalho destaca as mencionadas


no Art. 23, III do Código Penal, a saber, exercício regular de direito e e estrito cumprimento
do dever legal. Apesar da inexistência de um dispositivo conceituando-os - ao contrário
daquilo que ocorre com a legítima defesa e o estado de necessidade - é possível afirmar que
eles possuem enquanto semelhança, dois fundamentos comuns: (1) a necessidade de
coerência do ordenamento jurídico aliada ao (2) caráter subsidiário do Direito Penal no
Estado Democrático de Direito
Assim, não é possível que se penalize uma ação autorizada por outro ramo do ordenamento
jurídico, tratando-se, in casu, do exercício regular de um direito. Outrossim, se determinada
conduta é exigida por uma ordem legal, não seria admissível sua punição pelo Direito Penal,
caracterizando-se o estrito cumprimento do dever legal.
Então, reside nestes aspectos conceituais uma importante diferença entre tais institutos. No
exercício regular de um direito, agir ou não está facultado ao agente, mas agindo, estará
acobertado pela respectiva excludente. Por outro lado, no estrito cumprimento do dever legal,
o agente atua em um dever, sendo-lhe vedado não agir. Em ambos os casos, o excesso é
punível, nos termos do parágrafo único do Art. 23 do Código Penal.
Ademais, o estrito cumprimento do dever legal comporta em sua estrutura 3 requisitos.
Primeiro, é necessário que o dever seja derivado direta ou indiretamente da lei em sentido
amplo, ou seja, admite-se que ele seja fundado em lei, decreto, decisão judicial ou outras
formas de regulamento jurídico. Segundo, o cumprimento deve ser estritamente dentro da lei,
sendo válido restritamente tanto aos agentes públicos e aos particulares no exercício de
função pública. Por fim, o agente precisa saber que está agindo segundo uma ordem legal.
Diferente é o caso do exercício regular de um direito, posto que nem todo direito incorpora-se
ao patrimônio jurídico por força direta ou indireta da lei, sendo mais adequado que se
considerem os direitos como resultantes do direito positivo ou da norma jurídica. Dessa
forma, há direitos positivos que são resultado de construções jurisprudenciais, por exemplo,
ou normas jurídicas que não possuem um dispositivo legal direta ou indiretamente
relacionado. Tampouco há restrições quanto aos atores sobre os quais recai essa causa
justificante, posto que eles podem estar na condição de agentes públicos ou particulares,
sendo os limites do indivíduo iguais aos limites de seu direito no caso concreto.

Portanto, dentre as situações pertinentes a essas duas excludentes, pode-se citar o médico
ou o esportista, que ao ofender a integridade corporal de alguém durante uma intervenção
cirúrgica ou na prática de atividade esportiva que isso pressuponha, como uma luta de boxe,
não incidem no crime de lesão corporal tipificado no Art. 129 posto seu acobertamento pelo
exercício regular de um direito.
Situação similar é a do proprietário que dispõe de ofendículos em sua propriedade a fim de a
resguardar, conforme a lição de Aníbal Bruno. Contudo, Nelson Hungria discorda desse
posicionamento, considerando o ofendículo como uma legítima defesa pré-ordenada. Por
outro lado, o policial ou o oficial de justiça que destrói, inutiliza ou deteriora coisa alheia na
execução de um mandato judicial está acobertado pelo estrito cumprimento do dever legal,
não cometendo o crime de dano.

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