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W.W. TARN, The Greeks in Bactria and India, p. 376 (tradução minha)
Há alguns meses, li, um após o outro, dois livros importantes sobre os macedônios e os
gregos na Índia: The Greek Experience of India, de Richard Stoneman, e o clássico de
W.W. Tarn The Greeks in Bactria and India. As duas obras são excelentes, embora algo
enfadonhas em alguns pontos, principalmente nas discussões acerca da identificação de
rios e de cidades. Meu interesse na leitura era entender melhor os contatos culturais
entre gregos e indianos e a fundação de reinos helenísticos naquela região, algo que me
fascinava desde a leitura do Milindapanha.
Não farei aqui resenha desses livros, mas tão somente apontarei algumas curiosidades e
questões que me chamaram a atenção. Não são necessariamente os temas mais
importantes abordados pelas obras e, talvez, nem mesmo os mais interessantes. São
somente alguns pontos selecionados entre tudo aquilo de que tomei nota.
:
Alexandre Magno invadiu a Ásia em 334 A.C. e em 331, em Gaugamela, venceu
definitivamente o Grande Rei Darius III, encerrando assim a dinastia persa dos
Aquemênidas que havia iniciado no século VI antes de Cristo. Alexandre prosseguiu em
suas conquistas, chegando à Báctria (Afeganistão) e Índia. Às margens do rio Hydaspes,
o rei macedônio enfrentou e venceu o raja indiano Porus e avançou até o rio Hyphasis,
onde suas tropas recusaram-se a avançar mais e exigiram o retorno à Macedônia.
A maior parte das informações que sobre a Índia da época de Alexandre e de seus
sucessores (século IV A.C.) vêm do livro Indika (Ἰνδικά) de Megasthenes, filósofo e
embaixador grego do rei selêucida Seleuco I Nicator em Pataliputra, capital do império do
grande rei indiano Chandragupta Maurya, fundador da dinastia Maurya (320–180 A.C.).
Todavia, o livro só existe em fragmentos citados por autores posteriores como Arrian e
Strabon (Estrabão). Assim como no caso dos pré-socráticos (séculos VI/V A.C.) cujos
testemunhos, citações e fragmentos aparecem em Platão, Aristóteles e Teofrasto (IV
A.C.) e em autores posteriores (séculos I, II, III D.C. em diante) como Plutarco, Sextus
Empiricus, Diogenes Laertio, Stobeus, etc, os relatos de Nearchus, Onesicritus e
Megasthenes sobre os gregos na Índia (sec. IV B.C.), sobreviveram parcialmente em
Strabon (I A.C.) e Arrian (II D.C.), e em autores ainda posteriores.
Povos fantásticos
O livro de Megasthenes é famoso por suas histórias sobre povos e animais fantásticos da
Índia. Richard Stoneman, em seu The Greek Experience of India, tratando dos relatos de
Megasthenes sobre a Índia, destaca dois desses povos fantásticos: os sem-boca e os
cabeça-de-cachorro. Os sem-boca seriam homens sem boca que se alimentariam de
perfumes inalados! O mais curioso é que os fragmentos de Megasthenes parecem
afirmar que ele viu esses sem-boca serem chamados à presença do rei Chandragupta
Maurya. Megasthenes não estaria repassando um relato proveniente dos povos nativos,
mas seria uma testemunha ocular da existência desse povo.
Sobre a questão acerca da possível influência mútua entre gregos e indianos, Richard
Stoneman afirma que, aparentemente, os reinos gregos (Norte) estiveram, em geral,
associados ao budismo (ex. Menandro) e jamais alcançaram influência substantiva sobre
os povos védicos indianos que os desprezavam como inferiores (mleccha). O historiador
W.W. Tarn, em seu clássico The Greeks in Bactria and India, afirma que os gregos eram
considerados pelos brâhmanes indianos como membros da varna dos Ksatryias
(guerreiros), embora de uma extração inferior.
A conclusão de Tarn sobre os reinos gregos na Índia é que nenhum dos povos, indiano e
grego, teve muita influência sobre o outro, apesar de uma convivência em “bons termos”.
A troca cultural e filosófica entre os dois povos simplesmente não aconteceu. Houve
alguma influência, como nomes de reis gregos no Mahabharata, conversão de reis
gregos ao budismo ou ao vaishnava, algumas palavras gregas entrando no sânscrito e
trocas científicas. Mas, no cômputo geral, a troca foi muito pequena.
Houve grandes reis gregos na Índia no século II A.C. como Demetrius na Báctria e
Menandro em Gandhara. Menandro é mais conhecido como Milinda por conta de sua
aparição no texto budista Milindapanha. Composto em páli, a obra trata das perguntas do
rei yonaka (jônio, grego) Milinda ao sábio budista Nagasena acerca do Dhamma. Tarn, no
entanto, considera que o texto não tem influência grega e que seu autor escreveria as
mesmas coisas se jamais houvesse existido um grego na Índia.
:
Arte greco-budista
A hipótese de Tarn é que artistas gregos foram contratados para fazer esculturas e, só
sabendo como esculpir deuses e heróis, eles tomaram o deus Apolo como modelo. Tarn
ainda afirma que a arte budista de Mathura foi uma reação indiana à escola de
Gandhara, pois os Buddhas gregos eram pouco fiéis à grandeza espiritual do Buddha.
Nesse ponto Tarn discorda frontalmente da opinião de Ananda Coomaraswamy, para
quem a escola de Mathura nasceu independentemente da escola de Gandhara. E
mesmo no caso do Buddha de Gandhara, ele foi aos poucos desaparecendo e tornando-
se plenamente asiático. Aliás, tornar-se asiático e desaparecer foi o destino dos gregos
que sobreviveram às invasões nômades que extinguiram os últimos reinos gregos na
Índia e na Báctria.
Buddha de Mathura
:
Buddha de Gandhara
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