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Introdução

O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO|

Cada época tem suus ncuroscs c CdLLl lcmpo prccisa dc sua p'~.icotcrupia.
De falo, hojc não nus defmnlalnns mais, comn nm lcmpns dc Frcud. cnm
uma frustração sexuaL mas, sinL com unm fruslmçàu cx1's.lcncx'ul. li o paciemc
típico de nossos dias nào snfre talm›, como nm tcmpos dc Adlcn dc um scntimcn~
to de 1'nferioridadc, mus dc um svmimcmo abismnl dc fuha dc scnlidm quc cx.ta'
associado a um sentimcmo dc vnzio intcrior, mmo pclu quul lcndo u fdhr dc um
vazio existcnciaL
!
g 'lo'memus uma carla quc mc c.scrcvcu um csludunlc umcricuno c da qu.11 mc
( contentarci em cilar duas frascsz “líncnnlr07mc uquL nm lísladus Unld0s., ccrcadn
T
por jovens de minhzl 1'dadc, que buscum dcscspcmdumcnw um scmidn p.1m sun
emslêncim Um dc mcus mulhorcs amigm lhlucu rcucnlcmcnlc purquc nàu c011s:c-
guia cncomrur cste sentiddÍ li minhu c.\'pcriónci.1' cm univcrs.|'d.1'dcs. .'unerican.1'.s* -

' O le.\l0 quc sc scguc corrcspondc a confcrúlmias. Lleds cm \'.1rsu\id. .I mnvnc d.1 Suucdadc
Poloncsa du Psiqlualrim na Aula dJ Um'\'cr.sldadc dc /'.unquc. .\ cnnvilc d.\ l-und.|ç.|'n lilnnmh c
em Munlque, n cnnvnc dn líundaçam Carl |~ricdridrvun Slcmcnx l)cmm d rsLl inlroduçím n lilulu
de "0 sofrlmcnln Llc umu vlda scm scmuln" purquc h(›.1 purlc dclu rupmdul pmugcm LIC dum
cnnlLTéncias com cssc mcsmo lilulu DU lcxlu d.1 pruncmL pl'u|n1ml.\d.1 n.¡ Auld d.l Unlvcrudddc
dc /,'un'quc. u hmdaçàu I.Imm.¡l (Rnwl1bll|xl~kra›sc ÂL (III-X(I~H, /'.lllIL|llL') dixpàc dc xUPldh cm
Íorma dc vídco c a'udu›. Quanln à scgundm a l-'un(›lcc.1 Auslr¡'.n-.n (\'\'chL,›'.¡ssc 2'. ›.\ |U(~(). \'Icn.1) ~
um inslilutu dn \.1inislúrlodc('.i'-u)c'ms ~ utcrccc rcpruduçücs vm mn mssclu Adcxu.\ls. .I Pundaçàn
Limmal I.Inçou s.cpam(a.s dc um nmgn pubhudo nn Srlnv :crl\.(hm .-\kudvmíkcr› umi Snulmlvn
vamg cnm u lilulo “() sufrinwnlu dc uma v1d.1 scm xcnliduÍ lonmndu pur hnsu wm Inudlhkdçócsn
a gravaçâo cm ñlu magnéncm
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alé o momcmo devu lcr proferido 129 confbréncias somente nos Estados Unidos, o Emcrging Africa › Logothcrupy in 'I.¡"n/.'an|'n'2 pódc coníirmar quc n VMÍO cxislcn-
que me otbreceu ocasiãn pmpícia para entrar em comato com os estudantcs - corro- ciul sc fa'1.' moslrar clurnmcntc c sc infundc no 'l'crccir0 Mund0. sobrctudo - c pclo
bora que as partes da citadu carta sâo represemativa5, à medida que retlctem o estado menos ~ entre os jovcns univcrsitzirinsz Uma 1'ndic.1'ç.\"o análnga dcvemm a Io:~.cph
de ânimo e 0 semimemo dc vida predominames na juvemude acadêmica aluaL L. Phílbríck (“A Cmss-Cultural Study of I'<r.111kl's Thcory nf Mcaning-in-Lifc").
No emnnm, não someme entre os jovens. A respcito da geração dos adul- Quando mc perguntum como cxplicar 0 advenm dcssc vazio cxislemíaL
¡(›s. limitar-mc-eí a apontar o resultado das pesquisas levadas a cabo por Rolfvon cuido então de otbrcccr a seguimc tórmula abrcviada: cm conlrapoüçào an ani~
Ecknnsbcrg jumo aos alunos lbrmados da Universidade Harvardz vime anos após maL os instimos não dizem ao homcm 0 quc clc tcm dc thzcr c. ditbrcnlcnwntc do
a conclusãu de sua graduaçãq uma porcemagem considerável desscs estudantes - homcm do passada 0 homem dc huje nào lcm mais a tradição quc lhc diga u quc
que, cnlrcmentes, tinham feito carreira em suas respectivas árcas c, além disso, deve fazen Não sabendo 0 que tcm c lampuuco 0 que dcve tàzcn muilas vczcs já
aparcntemcnte lcvavam uma vida digna e feliz - queixavam-se de um sentimento nào sabe mais 0 que. no fund(›, qucn AssinL sú qucr 0 quc US outros fazcm - con~
abismal c dcñnitivo de auséncia de sentidcx formismo! Ou sÓ thz o quc os oulros qucrcm que fuçn - lotalilarisnmx2
E nmltipHcam-5e os indícios de que o scntimcnto de absurdo e falta de No cntant0, esses dois sinmmas não dcvcm induzir-nm: u omilir uu csquc-
sentido granjeia uma crescentc propagaçàa Sua presença é hoje constatada tam- cer um lerceir0, nomeadnmcntc um ncurolicismo c*s.pcciñco « a prcscnça daquilo
bém pclos colcgas de orientação puramentc p51'canalítica, bem como por aqueles que tenho designado como ncurosc naogôniaL Ao cnmrárin da neumse no seu
do campo marxism Assim, num reccnte cncnntro internacional de discípulos de sentido estrito. que constitui, pcr dtjfínitiwmm umn afetação psícogêln'ca. a ncum-
Frcud. lodos estiveram de acordo em .s'alientar que se confrontam cada vez mais se noogênica não se reportu a Complexos e cnnílilos nn scntido cl:1's.s'ico. mas de›
com paciemes cujos achaques consistem essencialmente em um sentimento dc riva de contlítos de consciênc1'a, de colisóes de valores c. Iust but not IeusL dc uma
completo vazio a afctar suas vidas. Mais aindaz CSSCS nossos colegas chegaram frustração existenciaL a quaL uma vez ou oulrm pndc c'›\pre~.;sar-sc e nmnitbstarse
inclusive a presumir que, em não poucos casos das chamadas análises incomple- sob a forma dc uma simomatologia llellrÓtÍCiL E é gmças a Jzunes C. CrumbauglL
tas, 0 lraiamcnlu pbicanalítico enquanto lal acabava por tornar-sc - por assim diretnr de um laboralório de psicologm cm Miss sipL que já dispnmos de um
dizer,_cfmte dc micux [na falla dc uma deñniçào mclhorJ -, o u'nico conteúdo na teste (0 PIL ou Purpose in LI_'/e'-7L'›sl). elaborado pelo própriu Crumbnugln com 0
vida dos pacienles. objetivo especíñco de difbrcnciur o diagnósüm da ncurose noogénica duquele da
No quc diz respeito ao Círculo marx1'sla, mencionaremos tão somcntc o p51'c0¡g,ênic.1'.I Após avaliar os dados com zl ajudu de um computadou clc chcgou à
nnmc VymetaL antigo diretor da Clínica Psiquiátrim da Universidade de Olmütz conclusão de que a neurose noogênica constitui uma nova patnlog¡.-1, que supem o
(Tchecoslováquia), o qual ~ em consonância com outros autores da Tchecoslo-
va'an'a, bem como da República Democrática Alemã - chamou expressamente a
" Como 1)iam Yuung. uma dnutorundd pcl.\ Ulúvcrsidddc dc liurkulcyg púdc dcnmmlmr cnm \c~tcs
atenção para a presença da frustraçâo cxistencial nos países comunistas e, a ñm c cstulíhticasz U scnlimcmo dc vuio sc cnconlm signitimummcmc nmix difundidu cnlrc os imcns dn
de lidar com esse fenómeno de maneíra adequada, salientou a exigéncia de novos quc enlrc os adullust Ancormsc nisso um nrgumcntu n lavnr de nossa lcuria du perdn da lmdiçào como
uma dus duas causas pam o udvcmo dn mmimcnlu dc \'.1¡in. l)c l'-.zln, scgundo casa lerL d scmeçào
princípios e novas formas de intervenções terapêuticas.
da lradl'çà1), lãn c.'1r.x'clcri.xlica cnlrc us jn\'cn_s. lrm mlcnsilimdo u scntuncnln dc Jusüncid dc bcnlth
Finalmente, dever-se-á aqui também mencinnar Klitzke, profeAssor ame-
\ Disponivcl cm Psyrlwnwlrir Ajfilíumx Pnsl Uliicc Hox 31(›7. Munslcn Indiann 4632L US.›\.
ricano visitante em uma universidade afr1'cana, que num estudo recentemente lDisponívcl on line cmz hltp://|hcuhyfurtlcwi.s'.cdu/burkc_h/|'cr~.'on'.1|¡l_\'/PlLpdíl .›\ccssn cm 18 de
publicado no Amerícan Iournal of Humanistic Psycholagy. chamado “Students in junho dc 2015.]
IJ U \7()|-1U.'\1L-\.'I(Y Dl l'\.l.n\ \'I[)A Sl.\.1\|\'l›ll)0 l\' HHHH (V \n l 1

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v .
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Isso nos mostra, alia's, que é pcrfeilamentc possível provan de uma perspec- o leilciro no musical Um violinistu no tclhado). No cnlanlo. é incgávcl quc ambm
tiva mcramentc cmpír1'ca, 0 conceito de vontade dc sentid0. Limitar-me-ei aqui desejam conduzir a vida ao scu scnlid(›, para podcr rualizar o .w¡1tidode suas vidasl
a rcte'r1'r-me an trabulho de Crumbaugh e Maholick5 bem como ao de Elisabeth Bastante conhecidu é a distinção que Maslow tbz cmrc as neccszsidadcs inteW

?qu_m- r- rw
SA l.ukas. que desenvolveu testes cuidadosamente elaborados a Íim de quantiñcar riores e superioresz a sutisíílçào das ncccssidauies intkriores é n condiçào indispcn~
a vontade de scnt1'do. Ademaís, cxistem dezenas de dissertações, príncipalmente sável para sc poderem satíslhzer as supcriorcs. Enlre as ncccssidadcs supcriurcs clc

5°"W
com auxílio dcsses testes, que podem validar a teoria da motívação da logoterapia. inclui também a vontadc de sentid0. E não npenas íssm clc a qualiñca dc “molivaçàn
Nâo é possível aquí, dentro do tempo disponíveL uma análise de todos esses primária do homcnfÍ Isso equivale a dizcr que ao homem só é dado conhccer a
estudos. Nào posso, conludo, privar-me de trazer ao debale os 1'es_ultados de pes› exigência de um scntido dc \'ida quando elc está bcm (“primcir0 vcm u esto'nmg0,
quisas concluídas por aqueles que não são alunos meus. Quem podcría, portanto, depois a moral”). Entretanto, comrariamemc a issq tcmos - c não somcnte no's.
duvidar da vontadc de scntido - note~se bem: nada mais, nada menos do que a os psiquiatras - a oportunidade de ubservnn repclidas vc¡.'cs. que a nccussidadc c a
motivação especiñcamemc humana - ao ter em mãos 0 relalório do American questão de um sentido de vida irmmpcm justamcnte quando as coisas beiram 0 dc-
Council on Education, segundo o qual o intcresse primárío de 73,7% de 189.733 sespero. É o que podem testemunhan enlrc nossos pacicmcm os moribund0s, bcm
cstudantcs de 360 universidades rcsidc em “conseguir uma concepção de mundo como os sobreviventes dos campos dc concemmção e os prisioneirus dc gucrra!

. WMUTÍÁTVNW1&ÍÇ
n partír da qual a vída cncomra um sentido"? Ou considcremos 0 relatório do Na- Por outm lado, a questào do sentido da vida evoca nâo só a frustração das
tional Institute of Mental Healthz entrc 7.948 estudantes de escolas superiores, 0 necessídades inferíores, mas também. evidememcnle, a satistàção das ncccssi~
grupo dos mclhorcs (78%) qucria “encomrar um sentido cm suas vidas°Í dades ínferiores, no âmbito, por excmplo, da "a_[fluvnl x.*oa'cty" (\'cr p. 28). Claru
O mesmo se pode dizer de adultos. e não apcnas de jovens. O University que não estaremos em erro sc disscrmos que ncssa aparcntc contradíção avista~
of Michigan Survey Research Center te'z uma pesquisa entre 1.533 trabalhadores mos uma conñrmação de nossa hipo'tesc. segundo a quzll a vomadc de semido é
a respeito do valor que davam ao próprio trabalho. A pesquisa constatou que 0 uma motivaçào sui generi$, que não pode rcduzirse a outras neccs.~;idades nem
intercsse por uma boa remuneração ocupava 0 quinto lugar na escala de valores. pode deduzir-sc delas (conforme empirícamentc demonslmdo por Crumbuugh e
A comraprova, do citado exemplo, tbi conduzida pelo psiquiatra Robert Coles: os Maholick e também por Kratochvil e Plamova).
trabalhadores com os quais teve a oportunidade de conversar queixavam~se, aci- Deparamo-nos aqui com um tknómeno humano quc considero fundamem
ma de tudo, de um semímento de vazio. Assim, pode~se compreender aquilo que Ialdo ponto de vista anlropológícoz a '.1ul0lranscendénCia da cxisléncia humanal
Ioseph Katz, da State University of New York, profetizouz a próxima leva dc pesso- O que pretendo descrcver com isso é o futo de que o scr humano scmpre upunta
as que entrar na indústria só tem interesse por proñssões que não apenas rendam para algo além de si mesmo. para algn que não é cle mesmo - para algo (›u para
bom sala'rio. mas que também deem um sentido à vida. alguémz para um sentido que se deve cumpn'r, ou para um oulro ser hL1n1ano,
Ev1'dentememe, o que mais deseja 0 d()enle, em primeiro lugar e antes de a cujo encontro nos dirigimus com amur. Em scrvíço a umu causa ou no amor
tudo. é recuperar a saúde; e o pobre, ter um bom dínheiro (“se eu fosse rico',' canta a uma pessoa, realiza~se 0 homcm a sí mesm0. Quamo mais se absorvc em sua
tarefa, quamo mais se entrcga à pessoa que ama, tanto mais ele é humem c lanto
mais é si mesmo. Por conseguinte, só pode realizar a si mcsmo à mcdida que se
' Iamcs C. (Irumbaugh; I.conard T. Maholíckz “Eín psychometrischer Ansalz zu Viktor Franlds
csquece de si mesmo, que não rcpara em si mcsmo. Não é issu que acontcce com
Kumcpl dcr 'noogcncn Neurose".' lnz Nikolaus Pctrilowitsch, Die Simflmge in der Psychoterap1'e.
DarmsladL 1972. o 01ho, cuja capacidade ótica depcnde dc quc não veju u si mcsnm? Quando u
0 SOFRIMIÊNTO DE UMA VIDA SEM SFNTllJO IN l RODUÇÀO 2|
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as tendéncias neurotizantes. A desintegração da sexualidade - o “seu romper“ da uma provisão de libido insat1'ste'ilaf.' Pessoalmcnla não posso acrcdilar nisso.
totalidade transexual pcssoal c interpcssoal - sígníñca uma regressão. Julgo que não só é algo espcciñcamcnle humanu pcrguntarsc pclo scmido da
No entantq por trás dessas tendências regressivas pressente a indústriu do vida, senão que é também próprio do homem colocar cssc scntido em qucslã0.

T'n,w._ (
prazcrsvxmzl sua chance u'm'ca, um negócio singulan Põe em jogo a dança ao redar É um privílégio partícularmente dos jovcns dar provas de scu amadurccimcnto

: v-,.
do porco de ouroA Visto, novamente, a partir de uma perspectiva da proñlaxia das ao considerar em primeim lugar o sentido da vida e. dcsle privi1égi0. fazcr bas-
neuroses sexuais, 0 grave nisso tudo é a waçüo uo consumo sexual que procede da tante uso (ver nota na p. ll).
indústria da ir_1fo'rmaça'o. No's, psiquíatras, conhecemos de nossos pacientes como Einstein añrmou uma vez que quem scnte quc sua vida não lcm .~;entid0.

zvcw uva
eles se scntem ao se verem coagidos, por uma opinião pública manipulada pela in- não apenas é infeliz senão também pouco capaz de viven Dc fato, pcrlencc à von-
dústria da íníbrmaçã0, a interessar-se pelo sexual em si mesmo. ou scja, no sentido tade de semido algo daquílo quc a psícologia amcricann qualiñca como "survival
de uma sexualidade despersonali1.'ada e desumanizadzL Mas sabemos igualmente value'Í Não tbí essa, añnal de contas, a lição que pude Icvar comigo dc Auschwitz c

< ,
quanlo ísso se preslou para enfraquecer a poténcia e 0 orgasmu E quem, por c0n- Dachau: que os quc se mostraram mais aptos u sobrcviven ainda maís em tais situ-

-.:~>-:-n:,.c
seguinte, pondera que sua salvação está no rcñnamentn de uma técnica do amor, ações limites, foram aqueles que, rcañrmo, estavnm orientadm pura o futuro, paru

.¡.,-.¡:,:_.
nâo faz mais do que matar 0 resto daquela cspontaneidade, daquilo que é direto, uma tarelh que os esperava maís ad1'.'111te. para um scmido quc dcsejuvam realizan
daquela naturalidade e duquela ingenuidadc que são a condíção e o pressuposto E os psiquiatras americanos puderam conñrmar muis tarde csta expcriência com
de um funcionamento sexual normal de que tanto precisam os neuróticos sexuais. os campos de prisioneiros de guerra japoneses, nortc-v¡'etn.1'mitas e norte~c0rea-
Isso não quer dizer dc modo algum que pretendemos manter qualquer tabu ou nos. Ag()ra. o que vale para os indivíduos não pode valcr iguulmente para a huma~

,¡.¡ w._,vmq:~.,w :.
que nos posicionamos contra a liberdade da vida sexuaL Mas a ll'berdade, defen- nidade imeira? E nào deveríamos tambénL no âmbito da denuminada investigação
dida por aqueles que a têm sempre na ponta da língua, é, em última instáncia, a da paz, colocar a questão de que talvez a única oportunidade de sobrcvivéncía da

P
liberdade de fazer bons negócios com ajuda da assim chamada informaçãa Na humanidade se encontre numa vontadc geral para com um scntido colclívo?
realidade, é nada mais do que alimentar os psícopatas sexuais e os voyeurs com Essa questão não pode ser resulvida someme por nós psiquiatras. Ela deve

v vyrhrv rz
material para suas fantasias. Informação, tudo bem. Mas devemos perguntar-nos1 manter-se aberta, ou ao menos prccísa ser lcvamadu. E ser lcvantada, cumo já
informação para quem? E temos de esclarecer, antes de tudo, a opiníão pública dissemos, no plano humano, o único no qual podemos encontrar a vomadc de
acerca do fato de que, não faz muito tempo, 0 proprietário de um cincma que pas- scntído e sua frustração. E isso valc também parn a patologia do cspírito du épom,

w(›N-¡
sava princípalmente os chamados ñlmes de ínformação declarou numa entrevista assim como a conhecemos pela teoria das neuroses c da p.s'icmerapia do indivíduo:
à televisàoz com raras exceço'es, 0 seu público sequioso compunha-se de pessoas prec1'samos, contra as tendéncias despcrsonalizantcs c dcsumanizuntes, quc por

AÍÇHVZ§~W

udkw.
com idade emre seus 50 e 80 anos... Contra a hípocrisia na vida sexual somos toda parte se amplíam, de uma psicolerapia reunuznizndLL

nm

uk
todos; mas é preciso também proceder contra aquela hipocrísia dos que dízem O que dissemos anteriormente? Cada época tcm suas neuroscs, e cada épo~

mr
i
ca precisa de sua psicolerap1'a. Agora sabemos maisz somcntc a psícotempia reu~

m
“liberdade" pensando, contudo, no lucro.

M
Retornemos ao vazio existenciaL ao sentímento de vazio. Certa vez, Freud manizada pode compreender os síntomas da época - e rcagir às neccssid.1'de.s* de
escreveu numa carta o seguintez “N0 momento em que alguém se pergunta pelo nosso temp0.
sentido e valor da vida, este alguém eslá doente, porque os dois problemas nâo No entant0, retomando agora o sentímcnlo de vazi0. perguntemos: pode-
exislem de forma objetíva; a única coisa que se pode reconhecer é que se tem mos por acaso dar um sentido ao homem de hoje, existencialmcnte frustrad0?
1\.'1RunUL,Au H
0 SOFRIMENTO IJF UMA VIDA SEM SENTIDO

Podcmos sentir-nos satisfcitos sc não já foi arrancado ao homem de hoje esse semido cada vcz mais difuso, crie arbitmriamcntc scnlidos subjclims ou conlras~
sentido em conscquéncia de uma doutrinação reducioni.'sta. Devcria 0 Scntidu sentidosz enquanto aqucle acomece num palco - tcnlro do ub~.urdo! -. cste se dá na
scr factívcl? embriaguey., no êxlase, cspecialmentc naquele cstímulado pclo LSI). No enlant0,
É possível reanimarmos as tradiçóes perdidas ou mesmo os instinlos per- nessa embriaguez corre-se U risco dc passar longc do vcrdadeiro sentido. da mi5-

,mw›sw-
5

didos? Ou ainda vigoram as palavras de Novalis segundo as quais não há volta à são autêmica que nos espera lá fora. no mundo (em conlraposiçãn às vivéncias de
ingenuidade e que a escada pela qual ascendemos veío abaixo?
Dar sentido implica uma ñnalidade moralizante. E a moraL no semído anli-
g sentido meramente subjetivas, em si mcsmas). lsso mc la'/,' lembrar os animais
de laburatório que tivcram elctmdos plantados em scu hipotálamo pur pesquisa-
i
go. ebgolar-se-á em breve. Mais dia menos dia. deixaremos de moralizar, passando, LJ dores c.1'lifornianos. Sempre quc a corrcmc era conectmla. os animais cxperimcn-
l
contrar1'a1n1entc, a ontologizar a moral ~ o bem e o mal não serão mais dcñnidos
no senlido dc algo que dcvemos ou não devemos fazer. AssinL 0 bem é aquilo que
g tavam um sensaçào de contentamenlo. quer dc impulso sexuaL qucr dc impulso
uo alimcnto. Por ñnL cles própríos aprenderam a conectar a correnle, ¡'gnornndo,
promove o cumprimento de um sentido aplicado e exigido a um ser, e o mal aquilo contudo, n parceiro sexual e o alimento verdadciro que lhes eram otbrecidos.
que ímpede esse Cumprimenla O sentido mio só dcvc, mas padu scr cnmntrudu, c a co¡1.sc¡'énc1'a conduz o
O smtido nâo pode ser dado; rmtes, tem de ser cncomrada E esse processo de homem em sua busca. Em .s*íntesc. a con.«:iéncia é um órgào do senlida Podemos
encontro do sentido tem como ñnalidadc a percepção dc uma Gestall, uma ñgura. deñm'-la, entâo, como u capacídade íntuítiva dc descobrir o rastro do sentido -
Os fundadorcs da psicologia da Gestalt, Lewin e Wertheímer, já falavam de um único e singular - escondido cm cadu situ.'\ç.1-'0. ¡ll
al
caráter de ex1'gência, que vem ao nosso encontro em cada uma das situações com A consciênciu é um dos fcnómcnos muis espcciñcamente humanos; mas
1
as quais confrontamos a realidade Wertheimer chcgou ao ponto de atribuir a cada nào apenas humano. É também dcmasiadamente humano. e de ml' maneira que
exigência (“reqzu'rcdncss"), ímplicada cm cada situação, uma qualidade objetiva participa na condition hunwinc, e portanto c' marcudn por sua ñnitudc. Só assim í
k
(“olj›'ective quulity"). A pmp0'51't0, diz também Adorno: “O conceito de sentido en- se compreende como a consciência pode, às ve/.'us, cng.'m.1'r-s›c. e lambém desvínr o 1.

volve a objctividade além dc lodo agir'Í homem. Mais do que issoz até o derradciro moment0, até o último suspiro, n ho~
O que distingue 0 encontro de semido, em comparaçâo com a percepção mem não sabe se realmeme cumpriu u senlido da vida ou nntcs somente acreditou

mwvacprw
gcstáltica, é, no meu entender, o seguintez o que se percebe nâo é simplesmen- té-lo cumprid0: ignommus ct ignombinms. Desde Peter WusL “incerte7._1 e risco"

vv.--
Ie uma figura, que nos salta ante os olhos a parlir de um “fundo).' Mas sim› na penencem ao mesmo grupo. Por muis que a coustiéncm possa deixur o homcm na
pcrcepção-de-sentido, a descoberta de uma possibilidade a partir do fundo da re- incerteza quamo à questão de sabcr se comprccndeu e capturou o scmido de sua

Mc
alidade. E essa possibilídade é sempre únic.1'. Efémera. Contud0, somente ela é vida, essa “incerteza” não o desmuiná do “risco" de obcdecer à sua constiéncia ou.
efêmera. Sc essa possibilidade de sentído se realiza, se 0 sentido é cumprido, então em prímeiro lugur, de escutar n sua vo7..

zwqurr
se cumprirá de uma vez por todas. Mas não só o “risco” pcrtcncc àquclu “inccrteza',' senão igualmcnte a hu-
O scntidv devc scr cncontrada mas náo pode ser produzido. O que se deixa mildade. O fato de que nem em nosso leito de morte chcgaremos a saher se 0
produzir ó um sentido subjctiv0, um mero sentimento de sentído, ou de absolu- Órgão-d0›sentido, nossu consciénc1'a, tbi ou nào subjugado a um cngano-du-
ta falta de sentído. E ísso é naturalmente compreensível se pensarmos que 0 h0- -sentido. signiñca igualmeme que é a consciéncm dm outros aquela que pode ter

¡› ›~ rsozxuausr
mcm, que não é mais capaz de encontrar um seutido em sua vida, ncm tampouco razão. Isso não quer dizer quc não existe ncnhuma verdadc Só pode cxístir uma

a
de inventá-lo, a ñm de -cvad1'r-se do sentimento de vazi0, de absurdo ou de falta de verdade; mas ninguém pode sabcr se é ele e não um outro que a lem. Humildade
lú O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO IN |'R()|)UÇÀ()

s¡'gniñca, portant0, tolerância. Tolerância, contudo, não quer dizer indiferença. e não há nenhuma pessoa para qucm a vida não coloque à dísposição um dcven
porque respeítar a fé dos que pensam diferente não signiñca necessariameme A poswsibilidadc dc realízução dc um sentido é, em cada caso. u'm'ca, e a pcrsonah'-
identiñcar-se com esta. dade que pode realizar~sc é ígualmcnte .s*ingular em cada caso. Na Iitcralum Iogotc-
Vivemos numa era em que o scntimento de vazio se propaga ímensamente. rapêutica encontram-se os traballms publicados dc CnscíanL Crumbaugh, Dansart,

mm
Nesta nossa época, a educação tem de cuidar não só de transmitir o conhecimento, Durlak, KratochviL Lukas. Mason, Mc¡'er, Murphy, Planova, Popiclski. Richmond.

_
mas também de reñnar a consciéncia, de modo que o homem aguce 0 ouvido a Ruch, Sallee, Smith, Yarnell e Young, dos quais sc conclui que a possibilidadc de sc
ñm de perceber as exigências e desaños ineremes a cada situaçãa Em um tempo encontrar um sentido na vida é independeme dn sex0, do coeticiente de ínteligén-

m
no qual os Dez Mandamentos parecem perdcr 0 seu valor para tantos e muitos, cia, do nível de formaçãm é independente de scrmos religiosos ou não." e, se somos
o homem tcm de estar preparado para perceber os dez mü mandamemos cifra- religiosos, de que profcssemos esta ou aquela conñssão. Pur h'm, demonstrou-se
dos em dez mil situaçóes com as quais ele confronta sua vida. Porque isso não que a descoberla de um sentido é indcpcndcnle do carátcr e do ambieme.
Nenhum ps¡'qu1'atra, nenhum psicoterapeuta - também nenhum logotera~

cwm
só faz com que sua vida se apreseme novamente plena de sentido, senâo que ele
próprio também se imunize contra o conformismo e o totalítarísmo - essas duas peuta - pode dizer a um paciente qual é o sentído; comudo, podc muito bem ah'r-

: -4.: ,.n
consequências do vazio exislencial; pois somente uma consciência dcsperta 0 tor« mar que a vida tem um sent1'do. Sim, e maisz que cste sc conscnm sob quaisquer
na “resistentemenlewapazí de modo que ele nem se sujeile ao conformismo nem
n condições e circunstância5. graças à possibilídade de encontrar um sentido tam-
se curve ao totalitarisma bém no sofrimenm Uma análisc fenomen0lógica da vivéncia in1ediata, aute'ntíca,
De um modo ou de outroz mais do que nunca a educação é, hoje em dia, uma tal como podemos experimentar no despretcnsioso e simples “homcm da rua',' e
educação para a responsab1'lidade. E ser responsável signiñca ser seletívo, ser mai- que precisa apenas ser traduzida para uma tcrminologia cientíñcau propriamcnte
culoso. Vivemos no Ventre de uma ajluent sociery, vívemos inundados de estímulos revelaria que o homem não só - em virtudc de sua vontade de sentido - procuru
provenientes dos mass media e vivemos na era da pílulzL Se não quisermos at0'gar- um sentíd0, senão que igualmente 0 encontra, por três cam1'nlms. Em primeim
-nos numa torrente de estímulos, e nem perecer numa promiscuidade completa, lugar, vê um sentido no que faz ou crizL A par disso, descobre um senlido nas ex-
enlão devemos aprender a distinguir emre 0 que é essencial e 0 que não é, entre o períências que víve ou em amar alguém. Mas também descobrc, evcntu.'llmenle,
que tem sentido e o que não tem, entre 0 que é responsável e 0 que não é. um sentido em uma situação desesperadora com a quaL desampa1'ado, se defronta.
Sentido é, por consegu1'nte, o sentido concreto em uma situação concreta. O que realmente conta é a firmeza e a atitude com que ele vai ao encontro de um
É sempre “a exigência do momento'.' Esta, por seu turno, encontra~se sempre dire- destino inevitável e irrevogáveL Somente a ñrmeza e a atítudc pcrmitcm que o
cionada a uma pessoa concreta. E assim como cada sítuação tem sua singularídade, homem dê testemunho de algo daquilo que só ele é capazz transthrmar e rcmodc-
F'" 7r'."f, m "rí':"t~

de igual modo cada pessoa tem algo de singular. lar o sofrimento no nível humano para lomá-lo uma realização. Um estudanle de
Cada dia, cada hora, atende, pois, com um novo sentido, e a cada homem medicína dos Estados Unídos me escreveuz
. rtw

espera um semido distint0. Existe, portanto, um sentido para cada um, e para cada
um existe um sentído especiaL
' Algo de que nâo precisamus admirarmu~nos, visto que considcnunos que alguénn tcnhn consciéncia
De tudo isso resulta o fato de que o sentído, de que aqui se trata, deve mudar
religiosa ou nn'u, pode muíto bcm ser rcligioso dc mnncira incunsciente, ainda que 0 seja no scnlido
de situação para situação e de pessoa para pessoa. Ele é, contud0, onipresente. Não lato do tcrmo, tal como o fomm. por exemplo. Alhen Einstein, Paul Tillich c Ludwig ngcnhlcín
há nenhuma situação na qual a vida cesse de oferecer uma possíbilidade de sentido, (vcr p. 88-89).
ZE 0 SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO INTRODUCÃO 20

“qugbsñ
W~”
Recentemente. ta'|eceu um de meus mclhores amigos porque não con- A técnica poupou-nus dc emprcgar lodas as nnssas cnpacidadcs cm

4~W
scguia cnconlrar um scmida Hojc. contudo, eu sei que pudcria muilo bem prol da lula pela existência'. Criamos. purlamol um Estado dc hcm-csmr

- ~.z»;-
té-lu ajudado, graçns à lugoterap1'a, se ele cstivcsse Vivo. A sua mone. to- social quc garanle quc sc possu enfrcnmr a v1d.1 scm csfurço pcsan

› yz 4
davia. me scrvirá para ajudnr aqueles que sofrcm Acrcdito não haver um Quando se chcgar ao ponm cm quv. grnças à lécnicn. 1590 da populaçáo

awmȟ-~
molivo mais profundo. Apcsar da tristeza pela mortc de meu amigo. apesar americana scrá sulkicmc pura atcndcr .15 ncccxaidadcs dc Imla a naçâo.
dc minha corrcsponsabilidade pela sua morte, sua existência - c scu não- enlão se apresemarão n nós dois prohlcmag qucm furá parte dcsscs l5%

.A ,_. ._-
-mais-acr - é algo excepcíonalmenlc carrcgado de scntidu Se algum dia eu que irão lrabalhar c o quc dcvcrâo fazcr 05 dcmm'.s com acu Icmpo Iwrc -

._; -,\ v'a.~o.;~:_


tiver tbrças para trahalhar Como médíco e mc encontrar à allura de minha e com a pcrda du wnlido da vida? Pode scr quc a Ingotcrapia Icnha nmis
rcsponsabilidadc, cnlão cle não tcrá morrido cm vão. Mais do quc qualquer o quc dizcr ans Estudos Unidns dn próximn século do quc jà lcnha dadn
outru coisa no mundo. qucro rcalizar istoz impcdir quc uma tragédia como aos Estndos Unidos dcstc sécula
csta acontcça novumcnte - que não acomcça a mais ninguénL
lnfeh'21nenle. a problem:itica. nqui c .'|g()r.'l, é outnu frcqucnlcmcnte é 0
Não há nenhuma situaçâo dc vida que seja realmeme sem sentido. Isso desemprego que conduz à abumiáncíu dc tcmpo livrc, c já cm 1933 dcscrcvi u
ocorre porquc os aspcctos aparentemente ncgativos da cxisténcia humana, espe- patologia de uma “neurose dc dcscmprcgnfÍ Scm lmbnlho. a vida parccia às pes-
cialmente aquela tríade trágica na qual convergem 0 sofrimento, a culpa e a morte soas um absurdo - elas mesnms semium-.s'c imilcisx 0 muis oprcssivo nào em 0
também podem plasmar-se cm algn positivo. numa realizaçãa Mas, é clar0, me- desemprego em si, mas o scmimenlo dc vulxio cxistcnciaL 0 homcm nào vivc 56
diante uma atitude e ñrmeza adequadas. dc seguro~descmprcgu
E ainda há um vazio existenciaL E isso no meio de uma “ajlucnt socicryÍ Em contraposição aos anos l930. a crisc cconómica hoje é de ordcm
que nào deveria deixar insaxisfeita ncnhuma das neces.s'idades que Maslow deno› energét1'ca. Pura nosso cspantm tivcmus dc dcacobrir quc us fomcs de encrgiu
mínou fundamcnlais. Isso se deve ao fato de que essa sociedade só satisfaz neces~ não são perenes. Espero que nàn se tnmc pur uma frívulidadc a .\'ñrnmç.1'-u quc
sidades, mas não a vontadc de sentida “Tenho 22 anos',' escreveu~me certa vez ouso fazer de que a crisc energética c scu impedimcnlo incrcmc ao crcscimcnlo
um estudante amerícano. “Tenho uma formaçào um'versita'ria. tenho um carro de econômíco oferecan no quc di7. rcspeilo à nussa vuntndc dc scntidu frustruda.
lux0, usufruo de uma completa indepcndéncia ñnanceíra c tenho à minha disp0- uma oportunidade u'nica e grandiosu. Tcmos u oporlunidadc dc rccupcmr 0
sição mais sexo e prestígio do que sou capaz de suporlan Mas 0 que me pergunto “sen-ti-d0'.' À época do bcm-estar sociaL u muiuriu das pcswus tinha o suli-
é qual 0 sentido de tudo isso." ciente para viver. Mas muitas não sabinm para quc vivcr. Donwunlc podc muilu
A sociedade do bem~cstur traz consigo uma profusão de tempo livre que bem acontecer uma transposição dc énfusc nos mcins dc vidu puru um objctivo
oferece. é verdade, ocasião para se conñgurar uma vida plena de sentido, mas que, de vida, para 0 sentidu da vida. E, ao comrário dns fontes dc cnergl'a, o scntido
na realidade, não faz senão aflorar o vazio exislenciaL tal como podem observar é inesgntável e 0nipresente.
os psiquiatrzls nos casos da chamada “neurose dominicaPÍ E esta, ao que parece, Com quc direito, porém, arrismmomos u dizcr que u vida ccssa dc ler um
encontra-se a aumentar. Quanto a isso, enquanto 0 Institut für Demoskopie de sentído para algue'n1? lsso se devc ao fato dc quc n homcm ó capaz de convcrtcr uma
AllensbaclL em l952, comprovava que a quantidade de pessoas que considerava situação que, humanamentc consl'derada. nào lcm saídu cm ncnhuma rcalização.
o domingo um dia dcmasiadamente longo perfazia os 26%, hoje a cífra chega aos É por isso que existe no sofrimcnto uma pnssibílidadc dc semidu Evidcntcmcmn
37%. E toma compreensível 0 que añrma Jcrry Mandelz cslamos a falar de situaçõcs insolúveis c incvitáwis quc não sc dcixam mudiñcan
F
70
72
74 0 SÚFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO “ (› \I-N I Ilm hu sol RIMI NYU ".'\

disposiçâo com que lida contra essa doença. Em uma palavraz o que imeressa é Com esse par de calegorias, contudo. o Homo puliens colnca~sc vcrlicalmemc
a atitude adequada, o sofrimento sinccro de um destino auténtico. O modo de na linha da ética do êxim, uma vez que a realimçào c o duscspem pcrlcnccm a uma
suportar o sofrimento neccssário encerra um pnssivel sentido. É o que nos faz re- outra dimensào. Dessa dikrença dimensinnal rcsulla uma superioridadc igualmcn-
cordar aquele poema de Iulius Sturm, que Hugo Wolftão bem musicouz te dimensionaL porque 0 Homo paticns podc realiln'r-5c. ainda. nu mais agudo in~
sucesso ou fr.1-casso. A expcriôncia então mostra que a realização e o insuccsso sáo
Naite após Iwitc vêm a alegria c a d0r.
perfeitamente compall'vci.s", não dilbrcnlc llO éxito em rclaçào ao descspem Mas
E untcs que se perccbu aband0nun1-nus as duas
isso não deve ser comprecndido apenus a purtir da diíbrcnça dimcnsional dos duis
E vãn conlara Dcus
pares de categorias. Sem diwidaz sc pmjctá.sscmos o lriunfo do lwmo puücns. seu
Como as suportamos ao dizer-Ihcs adeus.
cumprimento de sentído e sun autorrca1izaç.1"o no sofrinlenlo. na linha da ética do
Porque assim é, efetivamentez o que importa é como se suporta o destíno logo êxito, ler-se-ia então de represcnlá~lo puntualmcntc sobrc a busc da dilbrença d1'-
que nos escapa das mãos. Em outras palavrasz quando não é mais possível moldar mensionaL quer dizer, semelhante a um nad¡1,a um absurdo 1'mponc¡1te. L"m outras
0 destino. então se faz necessário ír ao encontrp desle destino com a atitude certa. palavrasz aos olhos do Homojàbcr o triunfo do Homo paticns é loucura e cscândala
Fica clam agora com que direito Goelhe póde añrmar: “Nã0 existe nenhu-
ma siluação que não possa ser enobrecida seja agínd0, seja aceitanddÍ SÓ que po- Rcal imção

demus completá-lo: a aceitação, ao menos no sentido de que csta nos faz suportar
um s.'ofr1'mento de forma correta e leal a um destíno autêmico, é por si mesma uma Êxito + Frncasso
ação - maís do que isso, a maís elevada ação c a mais elevada realí'/,aça'o permiti~
da a um h0mem. E compreendemos igualmente as palavras de Hermann Cohen: Dcscspcm
“A“ suprema dignidade do homem é o sofrimentdÍ
Tentemos agora responder à seguinte perguntaz por que o sentido que 0 ho- Em tudo isso, ñca~nos claro quc a possibilidndc dc rcalimr valorcs crinlivos.

mem pode encontrar no sofrimento é o mais elevado de quantos podemos conce- ou seja, de lomarmos as rédeas du deslinu por mcio dc umu uçào corrcla. assegu-

ber? Bem, os valores de atítude m03tram~se aqui mais excelentes do que os valores ra a primazia sobrc a nccessidadc de accitar 0 dcslinn com u miludc correla. ou

de criação e de vívêncía, enquanto o sentído do sofrímento é superior, dimensio- seja, de realizar os valores dc at1'tudc. Iãm sumaz mesmo quando a possibilidade dc

nalmente, ao sentido do trabalho e ao sentido do amor. E por que é ass¡m? Parta- sentido que sc encerra no sofrimenlo c'. scgundo uma cscala dc vulorcs. supcrior

mos da ideia de que 0 Homo sapiens se articula no Homofaber, que cumprc seu à possibilidade de sentiducn'.'1d0r,qucr di7.er, por mais que a primnzia corrcspom

semido existencial ao criar; no Homo amans, que enriquece o sentido de sua vída da ao sentido do sofr1'ment0, a prioridade recai sobre 0 sentido criudor: dc íhta

ao experimenlar, ao encontral o outro e ao amar, e no Homo patiens, 0 homem aceitar um sofrimento que vem neccssariamentc murcudo pclo dcsn'no, um sofri-

que sofre e rende serviço ao sofrimenta O Homojàber é aquele que podemos com mento desnecessár1'0, não scria nenhum scrviço, scnão atrevimento. O sofrimcnto
desnecessário é - para usarmos uma exprcssào de Max Brod - uma desgraçn “or-
razão chamar de um homem de éx1't0; conhece somente duas categorias, e só nelas
pensaz 0 sucesso e 0 fracassa Sua vída agita-se então entre esses dois extremos, na dínária” e não uma "nobre" infe11'cidade.

linha de uma ética do êxito, ao contrário do Homo patíensz as categorias deste não Como se rctletem então essus relaçócs no quadro da prática médicaf ch,
o que aqui foi dilo equivaleria a añrman por cxempkn quc um carcinumn passível
são o sucesso 0u 0 fracassa mas a realização c o desespem
lb 0 SOFRIMENTO DE UMA \'IDA SFM SE\.'Tll)() ' u xl NTIDU Dn SOPRIMENTo

de uma intervcnção cirúrgica não é uma doença cujo sofrimento lenha sentido. Não podín ncm um pouco mudur o dcslinm mns tinha mudadn dc ntiludc! 0 dcs~
Pclo contr;1'rí0, lratar-se-ia de um sofrimento inúliL O adoentado leria que recor- tino lhc linha retirado a possibilidadc dc cumprir um scnndo alravés du nmon Mas
rer à coragem de submeter~se à 0pcração. enquanto aquele quc se defroma cego lhe reservara a possibilidade dc adolar, dianle dcssc dcsnna a atiludc adc~quada.
de fúría com um carcínoma incurável a ser operado deveria recorrcr à humll'dade. Ou poderia citm a carla quc mc cscrevcrmn os prcsidiários da pcnilenciária
E tampouco são as dores, em geraL um sofrimento supe'rf1u0, uma necessidade da Flóridaz “Enc0mrei 0 scntido de minha vida .'lg(›m. aqui na prisào. c só lenho de
irremediável do dcstinu. De fato, é scmprc possível dentm dc limites mais amplos esperar algum tcmpo até ter a oportunidadc dc rcpurar tudo n quc ñL c de fazcr
atenuá-las. A renúncia hcroica à narcose ou à anestesia locaL ou também, no caso tudo melhorÍ O 11L'1n1er00-19246 c.s'creveu›me: “Aqui, na prisãa não faltam oportu~
de uma doença impossível de operar, a renúncia a um medicamento sedativo, nidades de se fazer alguma coisa e dc se crcscer além dc si mcsmo. Tenho dc dizcr
não é para qualquer um, ainda que estivessc ao alcance de Sigmund Freud. Ele que de algum modo sou mais feliz como nuncu fui'.' IE u númcro 552›022 escrcvcuz
se permitiu renunciar, de modo heroico e até o ñm, a lodo tipo de analgésicos -
Prezado duulor! Nos últimus mcws um grupo dc prc.~.(›s \'cm lcndo scus
literalmente "pcrmitiu-se” renunciar (como é sábio o idioma!). No entanto. não
livros e tem esculado suas gravaço'cs. Quc verdaldc csl.1: quc sc possa lnm~
é a qualquer um que se pode exigir tal renúncia. Náo cumpro nenhuma renúncia
bém cnconlrar no sofrimcntn um .scmido... De ulguma muncira posso dizcr
válida, se renuncio por capr1'cho, a tudo aquilo que poderia .'mes.'tesiar a dor.
que a minhn vida comcçou agurn ~ quc scnlimcntu cspléndidnl É cnlcrnc~
O médico tcm frequememente oportunidade de observar como um pa-
cedor vcr comu mcus irmàos, cm n0.sso grup(›. cnchcm ns olhos dc lágrimas
cientc faz uma mudança de rumoz passando da possibilidade de dar um sentido
ao pcrceber quc sua vida, aqui c agnrm ganhou um scmídn quc anlcs c0n~
a própria vida com a atividade - po.s*sibilidade que está em primeiro plano na
sidcravam impossích 0 quc aconlccc aqui chcga a scr quasc um milagru
consciência habituaL na exísléncia quolidiana - à necessidade de realizar 0 sen~
Homens quc ames sc scntiam dcaamparados c dcscqwrados vccm agora um
tido da própria cxisténcia através do sofrinmnto. a aceitação de um dcslino dolo~
novo semido em suas vidas. AquL ncsta prisãm govcrnada pchs nmis rígidas
roso. Dispomos aqui de um caso concreto quc nos permite mostrar como não só
mcdidas de segurança de loda Flúridu - aqui, a somcnlc um ccm mctms da
a renúncia ao trabalho e à possibilidade de sentido nele existente mas também a cadeira clétrica -, prccisnmente aqui us nossus sonhos turnamm-sc vcrdu~
renúncía ao amor pode levar o ser humano a perceber que esse empobrecimento dciros. Estamos à véspcm dc Nulak nms, pma nós. a logotcrapin .s'ignih1*n a
também nas possibilidadcs de sentido imposlo pelo destino traz em si ainda PáscmL Sobre 0 Gólgmu dc Auschwitz lcvunla-sc. ncsta nmnhà dc Páscuau U
possibílídades mais altas de sentídoz soL Que novo dia se aproxima de nós!
Recorreu a mim um médíco idoso. que. por muito tempo. exercem as fun›
çócs de clínico geraL Um ano ames falecera sua esposa, a pcssoa que amava mais
do que tud0. e não conseguia, no entant0, afastar a dor da perda. Perguntei a esse
meu paciente, fortemente deprímíd0, se já havia refletido sobre o quc poderia ter
acomecido se tivesse falecido antes da esposa. "Nem pensar',' respondeu. "minha
mulher teria ñcado totaJmente desesperada'.' Só precisei então chamar-lhc a aten-
çãoz "Veja 0 senhor, tudo isso acabou por poupar a sua esposa, ainda que ao preço,
sem du'vida, de que seja o senhor quem deve agora suportar a saudadeÊ Seu sofrí-
mento adquiriu um semído naquele mesmo instantez o sentido de um sacrifício.
8
Pastoral me'dica

Podemos qualíñcar aquclcs casos untcs citados como uma pastoml médica.
uma pastoral com que se confronta o médico dialrmmentc em suas consulta~›, c quc
represema um dever legítimo no âmbito das atividades médicas. "Pasloml médica" é
0 objeto do proñssional que tem de lidar com doenças incura~'vc¡'s, do genatra quc sc
dedíca aos idosos enfermos. do dermatologism quc sc ocupa dc pcssoas desñgum-
das. do ortopedisla que cuida de pessoas com deformidndcs locomotoras ou até do
cirurgião, obrigado muitas vezes a mulilar um pacicnte pur causa dc uma intervem
ção cirúrgica. Enñm, todos aqucles que trubalham com pacicntcs quc se encommm
diame de um destino que não se pode allcrar ou que é, talveL ineviláveL L~' nessas
situaçóes, naquelas que não se pode mais~ curar e ncm sequer mitigan resta-nos so-
mente o recurso ao consolo. Que isso vem a propósito du ofício médico pode ser
testemunhado pela inscrição que ostema a entrada pn'ncipal do Hnspital Gernl de
Viena, e com a qual o impcrador Iosé ll dcdicou ao público cssa instituiçáo hospitn~
lar: saluti et solatio aegrorum - não apenas curar, mas mmbém consolar os cnfcrnms.
Encontramos também uma indicação semelhanle na disposição regulamentar da
American Medical Associationz “O médico deve igualmente conforlar u alma. lsto
não é de modo algum uma tarcfa só do psiquiatraL É, muito 51'mp1esmenle. tarctà de
todo médico que pratique a sua proñssão'.' Ev1'dentemente. é possível ser médico sem
se preocupar com i550; mas aqui valc entào 0 que dixs;e. num comexto ana'log0, Paul
Dubois: a única coisa, a saber, que os dite'rencia de um veterinário. é a clicnlela.
0 que diz o psiquiatra a respeito da
literatura moderna?1

Quando me convidaram a pronunciar, neslu reunião, uma conferéncía, mi-


nha primeira reaçào foi de hcsitaçãa Vede, scnh()res, são tantos os represemantes
da litcratura conlcmporânca que sc ocupam por goslo dos ramos da psiquialria -
ainda que de uma forma antiquada de psiquiatriu ›, que não mc via tentado a
aumentar o número de taís diletantcs, 1'ntr01nctcndo-1ne, como p51'quiatra, no ter-
reno da literatura conlcmporâncax
A isso vem juntar-se 0 falo, ainda não delnonstrad0, de quc a psiquialria
esteja autorizada a adotar uma posição sobrc o assunto. Não vos deixcis lcvar pela
ideín dc que a psiquiatria sc encontrc apta a solucionar lodos os problemas. Até
os dias dc hoje, nÓs, psíquiatras, não sabemos sequcr, por exemplo, qual é a rcal
causa da esquizofrcnia - quanto ma¡s. como bem já sabcmos, os meios de curá~la.
Nós, os psiqu1'atras, não somos ncm oniscimtes, ncm onipotentcs; 0 único atributo
divino que se podc a nós conccdcr é 0 da oniprescnçaz em todo simpósio vedes um
p51'quiatr.1', em Koda discussão estutais sua voz e o encontrais uté nestu rcuniãom
Penso, contudo, c para falar a sério, que é prcciso que se deixe ñnalmemc
de superestíman de idolatrar a psiquia1riu, e que se faria muílo melhon e mais,
se passássemos a humanizá-la. Deveríamos, de início, evitar colocar no mesmo

' Conferência pmnunciada cm língua 1'ng|esn, em 18 de novembro de 1975, com 0 lítulo “A Psychiatrist
Looks al l.i|cralur<.",' n convite do PL"N-Club ImernalionaL
104 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO

í ANEXO > 0 QUE DIZ 0 PSIQUIATRA A RESPEITO DA LITERATURA MODERNM IOS

saco 0 que existe de humano no homem e o que existe de doente nele. Em outras
palavras, o que se nos pede é um diagnóstico diferencial entre um estado psíquico
adoentado e um estado de necessidade espirítual - aquela necessidade espiritual
que resulta, por exemplo, do desespero de um homem diante da apareme ausência › Tornou~se moda em nosso tempo avaliar a literatura não só a partir de
uma perspectíva psiquiátrica, senão, em particular, a partir de uma psicodinâmi~
ca ínconsciente, na qual supostamente se fundamenta. Em consequéncia, a assim
chamada psicologia profunda considera que sua príncipal tarefa consiste em des~

1
de sentído em sua existência ~, e quem poderia negar que estamos a tratar aqui de mascarar as motivaçóes secretas ou reprimidas no inconscieme. O mesmo vale.
um dos temas favoritos da literatura contemporânea? evidememente, para a produção literária. O que disso resulta. quando a obra de
Pois bem, assim se manifestou Sigmund Freud numa carta à princesa Bona- um poela é estendida sobre um “leito de Procusto',' podeis julgar pela crílica literá«
partez uNo instanle em que alguém se pergunta sobre o senlido ou valor da Vida, ria escrita por um dos mais ilustres psicanalistas e publicada numa revista amerí-
está doente. Nesses casos, simplesmeme a pessoa mostra que tem uma carga de cana em uma obra de dois volumes sobre Goelhe2
libido 1'nsatisfeita'Í Entretamo, pessoalmeme. inclino-me a pensar que é justamen-
Ao longo de l.538 páginas. 0 autor retrala um gênío com sinais parti-
lc neste momento que o homem evidencia uma única coísa, a saberz que é um

f
cularcs de perlurbação maníaco-deprcssiva, paranuica c epileptoidc, dc hOA
homem verdadeirameme auténtico. Nenhum animaL porlanto. jamaís se colocou
n1(»*sexualid.1'de, incesta voyeurisnm, exibicionisnw. fetichismo, impmén-
a questão do sentido de sua existéncia. Nem sequer um dos gansos de Konrad Lo-
cia, narcisisn10, ncurosc obsessivu, hlslcr1'a, n¡cg.'\lomanía, elc.
renz. Mas é 0 homem que se aflíge com essa questã0. Não 0bstante, não se deve ver

1<
nela o sinloma de uma neurose; pelo comrário, considero uma realização humana. O autor parece tbcalizar quase exclusivameme a dinámica instintiva que
uma vez que é próprio do homem não apenas perguntar-se pelo sentido da vida, servc de aliccrce à obra artística. Ele nos quer fazcr crcr quc a obra dc Goethe não
mas também questionar tal sentido. é mais do que 0 resultado de ñxações pré-genitais. Sua luta c esforço não seriam
Mesmo se em algum caso particular sc Concluísse que 0 autor de uma obra por um ideaL pela belcza ou por oulros valorcs, mas. na rca11'dade, pretenderiam
literária estava realmente doeme - que talvez até sofresse de uma psicose e não superar o problema de uma ejaculação precocc Como Freud foi sábio ao añrmar,
apenas de uma neurose -, isso implicaria uma objeçã0, ainda que mínima, contra certa vez, que nem sempre se deve imerpretar um charuto como um símbolo fálico
0 valor e a verdade de sua obra? Creio que na'0. Dois mais dois sâo quatro, aindu - às Vezes, um charuto pode signiñcar simplcsmcntc um charuta

1I
que seja um esquizojrfnico quc o ajirme. E, de maneira similar, creio que em nada Diria que há um ponto no qual o desmascarumento deve paran isto é, exa-
avilta a poesia de Hõlderlin e a Verdade da ñlosoña de Nictzschc 0 fato dc que o tamente ali onde o psicólogo depara com um tewnómeno em que simplesmeme não
primeiro sofria de esqui7.ofrenia, e o segundo, de pamlisia cerebraL Pelo contra'rio, há por que desmascarar, porque é autêntico. Se 0 psiaãlogo seguc adianle com seu
estou Convencido de que as obras de Hõlderlin c Nietzsche conlinuam sendo lidas, trabalho de desmaxaramcnm acaba, é verdadc. por revelar algo, o seu próprio
enquamo o nome dos psiquiatras que escreveram volumes inteiros a rcspeito des- motivo inconsciemez desvalorizar 0 que há dc humano no human
ses “casos" há muito tbi esquecid0. Perguntemomos então o quc torna esse desmascaramento lão alrativu

1I
Todavia, embora seja verdade que a patologia está longe dc dizcr algo contra Bem, parcce que aos medíocrcs causa prazer ouvir diler que Goethe era, afmal
o valor de uma 0bra, não é menos verdade que diga algo a favor. Mesmo no caso de contas, um neurótico, um ncurótico como tu e eu, sc é quc posso expressar-me
de um escritor que seja um doeme psíquico, veriñcamos que uma obra importante assim. (E quem estiver 100% livre de neurose, que atire a primeira pedra.) Apa~
sua jamais surgiu por causa dc uma psicose, mas apesar dela. A doença nunca é. rentemente, e por alguma razão estra'nha, agrada-lhcs quando alguém añrma que
por si só, criativa. 0 homem não é nada mais que um simples macacm 0 campo de batalha do id. do
106 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO ANEXO - O QUE DIZ O PSIQUIATRA A RESPEITO DA LlTERATURA MODERNA? IO 1

ego e do superego, o joguete de instintos, o produto de processos de aprendizagem, Emretanto, a linguagem do homem normal é e permanece, sempre, uma
vítima de condições e circunstâncias socioeconómicas Ou de pretensos comple- reíêréncia a um objeto, isto é, aponta para algo além de si mesma. Numa palavra,
xos. Apesar desse determinismo e desse fatalismo, lão amplameme difundidos, a linguagem se distíngue pela autotranscendénc1'a. E o mesmo se pode dizer, de
escreveu-me uma vez uma leitora do Alabamaz “O único complexo que me afeta é modo geraL da existéncia humnmL O ser humano está sempre voltado para algo
o pensamento de que eu devería ter com efeíto algum complexo. De1x'ei para trás que não é ele mesmo - para algo ou para alguém, para um sentido que o homem
uma infância medonha e, contudo, estou convencida de que do terrível pode tam- cumpre, ou para outro ser humano que venha a encontran
bém resultar algo posilivdÍ Essa autolranscendência da cxistência humana pode ser mais bem exph'«
A mim parece que esse desmascarament0, que antecipadamente põe em cada se recorremos ao exemplo do olh0. Haveis alguma vez vos dado conta do
prática 0 reducionismo, com sua frase estereotipada do unada mais que',' pro- paradoxo de que a capacidade do olho de apreender o mundo depende de sua
porciona a muitas pessoas uma pronunciada alegría masoquista. Acrescentese a incapacidade de ver a si mesmo? Quando 0 olho vé a si mesmo uu algo de si mes-
isso o que disse o psiquíatra londrino Brian Goodwim 'A(s pessoas se semem bem mo? Só quando adoece. Se sofro dc catarata, percebo-0 sob a forma de uma nu-
quando são levadas a crer que não são mais do que (1'sto' ou (aquilo,' do mesmo vem; vejo então, em volta das fontes luminosas, uma auréola de cores do arco-ín's.
modo quc muitas são aquelas que acrcditam que um remédio, para ter efeit0, deve De um modo ou de outro, à medida quc o olho vê algo de si mesmo, nessa mesma
ter gosto amargdÍ proporção perturbmse a visa'o. O olho devc ter a capacidade de não reparar em
Retomando, contud0, o tema do desmascaramento literári0, diremos o se- si mesmo. E o mesmo acontece ao homem. Quamo menos repara em si mesmo.
guintez seja qual for 0 fenómeno ao qual 0 reducionismo atribui a produção 1iterá- quanto mais esquece a si mesm0, ao emregar-se a uma causa ou a outras pessoas,
ría - seja um fenômeno normal ou anormaL consciente ou inconsciente -, tende-se mais ele é 0 próprio homem, mais se realiza a si mesmo. SÓ 0 esquecimento de si
hoje em dia a interpretar a produção literária como um ato de autoexpressa'o. Em conduz à scnsibilidude e só a enlrcga de si amplia a cr1'atividadc.
contrapart1'da, defendo a opinião de que o escrever nasce do 'fdlar e todo falar, por O homem é, em virtude dc sua autotranscendência, um ser em busca de
seu turno, do pensar. E não existe pensamemo sem algo pensado, sem algo a que sentida No fundo, é dominado por uma vontade de sentid0. No entanto, hoje
se referir, sem síntese, sem um objeto. E o mesmo se pode dizer do escrever e do em dia essa vontade de semido encontra-se em larga medida frustrada. São cada
falar, uma vez que ambos estão ligados a um sentido - 0 semido justameme de vez mais numerosos os pacientes que recorrem a nós, os psiquiatras, acometidos
querer comunicar algo. E se a linguagem nào tem um sentído, se não tem nenhu- de um semimento de vazio. Esse semimcnto de vazio tornou~sc, em nossos dias.
ma mensagem para comun1'car, então não é de modo algum h'nguagem. É um erro uma neurose de massa. Hoje o homcm não sofre muis tanto. como nos tempos de
enorme a añrmação (contida no título de um livro bastante conhecido): “O meio Freud, de uma frustraçào sexuaL mas sim de uma frustração existenciaL E hoje
é (em si) a mensagenfÍ Pelo contrári0, penso que é a mensagem que transforma 0 náo 0 anguslia tamo, como na época de Alfred Adler, um semimento de 1'nte'-
meio transmissor da mensagem em verdadeiro meio. rior1'dade, sena'o, bem mais, um senlimcmo dc faltu de sentido, acompanhado
Para todos os efeitos, a linguagem é a expressão de uma realidade; é algo de um sentimento de vazio, dc um vazio existenciaL Se me pergumais como eu
mais que mera autoexpressã0. Com uma exceção. Faz parte da verdadeira es- explico a génese desse sentimento de vazio, só posso dizer que. ao contrário do
séncía da línguagem dos esquizofrênicos, como pude demonstrar anos atrás, animaL o homem não tem ncnhum instimo que lhe diga o que tem dc ser, e. ao
a não referência a um 0bjet0. De fato, ela é sempre, e tão somente, a expressão contrário do homem de tempos anteriores, não há mais uma tradiçào que lhe diga
de um estad0. 0 que dcve ser - e, aparentemente, não sabe sequer 0 que quer ser de verdade.
108 O SOFRIMENTO DE UMA VIDA SEM SENTIDO ANEXO - 0 QUE DIZ O PSIQUIATRA A RESPEITO DA LlTERATURA MODERNA! 109

Por conseguinte, cle só quer 0 que os outros fazem - e então nos encontramos pelo sofrimenta de uma vida sem sentido - a supera'›lo, mesmo que seja para mos-
diante do conformismo -, ou só faz o que os outros querem dele - e emão nos trar~lhe que não se encontra só. Em outras palavras, ajudá-lo a lransformar o sen-
encontramos diame do totalitarismo. timento de absurdidade em sentimento de soliduríedude. Nesse caso. a alternativa
E se não soar tão frívolo, diria que esse sentimento de vazio tem algo que não é mais “sintoma ou terapia',' senão que o síntoma é uma terapia!
ver com o tema geral deste encontro, e com o fato de que justameme as três dé- Sem du'vida. se a literatura deve exercer essa função terapéutica ~ ou seja.
cadas de paz que se tem concedído ao homem de hoje possib¡'h'tam-lhe o luxo realizar seu potencial terapêutico -, deve renunciar a entregar-se, numa prálica
de elevar-se acima da luta pela sobrcvívência, acima da mera subsistência, para sadomasoqu1'sta, ao niilismo e ao cinismo. Ainda que o escritor possa provocar
pergumar-se pelo “para que” da sobrevivência, pelo derradeiro sentido da exis- no leitor - ao comunicar e compartilhar com ele seu sentimento de auséncia dc
lêncía. Em outras palavras, quanto a esses trima anos, deixemos que nos fale sentido - uma reação catártica, não deixa, contudo, de agir irresponsavelmente

Ernst Bloch: 'A'os homens são concedidas preocupações que antcs só o confron- quando lhe prega tão somente o absurdo da existéncia. Se o escritor não for capaz
tavam na hora da morteÍ de imunizar o leitor contra 0 desespero. deveria ao menos evitar infectá~lo com seu

Seja como for, o sentimemo de vazio é também 0 pano de fundo do aumen- próprio niilism0.

to generalizado de fenómenos como a agressividade, a críminalídadcx a dependén- Mínhas senhoras e meus senhores, amanhã terei a honra de fazer o pro~

cia de drogas e o suicídio - particularmente emre a juvemude uníversitária. nunciamento de abertura da Semana Austríaca do Livro. O título que escolhi éz
“O livro como terapia'Í Nesse context0, comunicarei aos meus ouvintes alguns ca-
Parte das obras da literatura contemporànea também pode ser interpretada
como sintoma da neurose de massa. Precisamente quando o escritor se limíta a sos nos quais um livro mudou de maneira decísiva a vida do leitor. díssuadind0-

uma mera autoexpressão ou se contenta com um expressar de si - um exibicionís- -o de cometer suicídia Como médíco, conheço alguns casos nos quais um livro
ajudou homens no leito de morte ou no cárcere. E contar-vos-ei agora a história
mo Iiterário que não díz nada - é que traz à tona a expressão de seu sentimento de
de Aaron MitchelL O diretor da mal afamada colónia penal de San Quentin, que
vazio e falta de sentido. Maís do que íssoz nào apenas traz à tona, senão que põe em
se encontra nas proximidades de San Francisco, convidou-me para proferir uma
cena o absurdo, o contrassrznsa E ísso é completamente compreensíveL De fato,
palestra aos presos - todos réus de delitos graves. Ao ñm de mínhas palavras,
o senlído autémico precisa ser descoberto, pois não pode ser inventado. Sentido
aproximou~se de mim um dos ouvintes e me disse que haviam impedido os con-
nâo pode ser produzido. Não é tecnicamente exequível. No entanto, o absurdo e
denados ao death row, retidos em sua cela à espera da execução, de assistir à pa~
o contrassenso podem ser criados, e deles fazem uso generoso alguns escritores.
lestra. Perguntou-me então se eu não poderia dizer algumas palavras, ao menos
Tomados pelo sentimento de auséncia de semido, expostos c entrcgues a um vazio
pelo m1'crofone, a um delcs, o Sr. MitchelL que seria executado na câmara de gás
completo de sentído, atiram-se sem hesitar à aventura de prcencher 0 vazio com o
dentro de poucos dias. Senti-me impotente. Mas não podería furtar~me àquele
contrassenso e o absurdo.
pedido. lmprovisei, portamoz
A literalura, porém, tem uma escolha. Não precisa conlinuar sendo um sin-
toma da atual neurose de massa, mas pode muilo bem contribuir para o seu tra- Acredite em mim, Sn MitchelL dc alguma maneira posw entender a sua

tament0. Com efeíto, os homens que passaram pelo inferno do desespero, através s¡'tuaçào. Añnal de comas. eu também tive de viver, durante algum tempo, à

da aparente falla de sentido da existéncia, são precisamente aqucles que podem sombra de uma câmara dc gás. Mas, acred1'te-me, Sr. MitchelL nem sequer

oferecer aos outms homens, como um sacrifíc1'o, seus sofrimcntosx justameme emâo renunciei por um só momento à minha convicção de que scjam quaís

a autoexpressão de seu desespem que podc ajudar o leitor - igualmente atingido forem as condições e as c1'rcunstan'c¡'as, a Vida tem um sentido. Porque ou a

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