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12/11/2023 11:28 Plataforma A :: Plataforma A

CONCEITUALIZAÇÃO COGNITIVA
Professora Dra. Angela Donato

Caro(a) estudante, apresentaremos, a seguir, um caso clínico, a fim de aprofundar ainda mais seu

conhecimento acerca da Conceitualização Cognitiva, que oferecerá um importante horizonte de


aprendizados dentro do que estamos estudando. Vamos lá?

CASO CLÍNICO
Observação — os nomes são fictícios e algumas informações do caso foram modificadas.

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO:

Nome: Renata Antônia dos Santos Gomes.

Profissão: empresária.

Situação socioeconômica: atualmente, muito boa.

Grau de instrução: segundo grau incompleto.

Idade: 36 anos.

Estado civil: solteira.

Nacionalidade: brasileira.

Orientação sexual: heterossexual.

Herança cultural: família do interior de Minas Gerais, valores tradicionais e conservadores fortes nos
ambientes familiar, escolar e social.

Orientação religiosa/espiritual: atualmente, nenhuma.

Data de início: 04/06/2020.

Apresentação: bonita, roupas largas, bem acima do peso, relata ter ataques de pânicos e medo de
morrer. Tensa, ansiosa, fala de forma articulada, se emociona em muitos momentos e diz que deu
certo profissionalmente, mas não nas relações interpessoais. Mora sozinha, tem medo do futuro e
de ficar sozinha.

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Queixas: sente-se preocupada o tempo todo. Está acima do peso; teve três episódios de
taquicardia; não lida bem com as pessoas; tem ficado em casa; briga muito com a mãe,
porque se irrita com ela, e, depois, se sente culpada por isso. Relata ter humor deprimido
e só tem vontade de ficar em casa, trancada no quarto. Tem preocupação com a saúde e
com aspectos da vida em geral. Não aceita que os outros comandem a vida dela, não se
sente amada por ninguém. Sente-se um lixo e tem tomado medicação por conta própria,
para diminuir o peso, mas não tem tido sucesso. Tem medo de um futuro sombrio, pois
não vislumbra meios de melhorar a partir do que vive atualmente.
Aspectos emocionais: tristeza, medo, desânimo, raiva e culpa.
Aspectos cognitivos: não lida bem com as pessoas, se preocupa com a saúde e com a
vida em geral, não aceita que pessoas comandem a vida dela, não se sente amada por
ninguém, se sente um lixo e não vislumbra meios de melhorar.
Aspectos comportamentais: isola-se, se tranca no quarto, briga com a mãe, toma
medicação para diminuir peso.
Aspectos fisiológicos: três episódios de taquicardia.

HISTÓRIA DE VIDA:
O casamento dos pais sempre foi conflituoso. Até a separação, o pai tinha uma condição financeira
boa, mas ele não ajudou os filhos depois que saiu de casa. Renata teve que mudar de escola e

passou a ajudar a mãe no salão. Renata sentiu que os irmãos foram poupados e não foram tão

cobrados. Eles continuaram estudando e se formaram. Renata não concluiu o ensino médio e fez
cursos técnicos para melhorar a atuação no salão. Ela e a mãe passaram a viver de maneira mais

modesta, mas, com os anos e com o espírito empreendedor de Renata, as coisas foram melhorando.

Renata diz que sempre trabalhou a vida toda, se sente cansada e gostaria de parar. Ela conseguiu
comprar um apartamento para a família aos 28 anos. Aos 24, estava com dois salões. A mãe ainda

ajuda no salão, mas a ajuda é cada vez menor. Renata sabe que não pode contar muito com a mãe,

que diz que está cansada. Os irmãos são sustentados, em parte, por ela. O irmão mora há quatro
anos em outra cidade, mas depende de uma mesada que Renata dá para ele. A irmã está casada,

mas o marido ganha mal e ela faz pequenas tarefas (irregulares) no salão para “justificar” a mesada.

A mãe mora com o padrasto e faz retiradas mensais do salão, pois se julga sócia com mais direitos
do que deveres.

Crenças: “Sou um lixo.”

Pressupostos: “Se eu sair de casa, as pessoas vão me desprezar porque estou acima do peso; se eu

não me controlar, eu sou ruim.”

Estratégias de enfrentamento: “Me isolo, fico no quarto, brigo com minha mãe para afastá-la de

mim.”

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Pensamentos automáticos: “As pessoas mudam de assunto quando eu chego. As pessoas ficam me

olhando de um jeito estranho. Ninguém gosta de gordo. Eu não aguento mais, estou cansada,
desanimada. Acho que vou morrer. Devo ter algum problema de saúde.”

Emoção: tristeza, raiva, medo de morrer.

Pontos fortes: “Sou disciplinada, trabalho duro, sei fazer planejamento profissional de sucesso.”

Crenças positivas sobre si própria: “Eu dei certo na vida profissional, então, sou boa empresária, e
isso significa que tomei boas decisões no trabalho.”

Fragmento de sessão clínica: construindo a conceitualização inicial com a cliente Renata.

TERAPEUTA: Obrigada por responder às minhas perguntas, Renata. Fiz algumas anotações e

gostaria que me ajudasse a fazer algumas conexões entre os problemas que você descreveu para

mim. Essas conexões podem nos indicar uma compreensão de aspectos de sua vida que estão
causando algum sofrimento e vão ajudar a indicar uma direção de intervenção (de minha parte), para

que você possa começar a se sentir melhor. Está bem assim para você?

RENATA: Eu não sei se entendi direito.

TERAPEUTA: Vou mostrar o que anotei até agora. Tentei escrever alguns dos tópicos principais que

você apresentou hoje. Por exemplo, você começou me contando sobre as suas dificuldades de
relacionamento familiar. Que sua mãe age no trabalho de um modo que você não acha correto e

ainda diz que você não é uma pessoa generosa com a família. Você se sente cansada e tem se
afastado das pessoas de um modo geral. Você mora sozinha e parece que isso ajuda no seu

isolamento social. Você se desentende, constantemente, com sua mãe, pois responde com

impaciência e grosseria ao que ela fala sobre você em relação ao modo como atua na família, no

trabalho e em relação à comida. Sua mãe repete, constantemente, que, se você não mudar, vai ficar

sozinha, e isso faz você ficar preocupada e sofrer ainda mais.

RENATA: Sim, isso me preocupa muito.

TERAPEUTA: Ok. Vamos escrever “Preocupações” aqui. Você me falou dos tipos de preocupação

que você tem: você está preocupada com o seu futuro, com o relacionamento com sua mãe, com a

sua saúde. Há mais alguma coisa?

RENATA: Sim. Eu me preocupo com a minha aparência e tenho medo de acabar sozinha e de não
voltar a ser como eu era.

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TERAPEUTA: (Escreve isso na folha). O seu relacionamento com sua mãe e sua preocupação com a

saúde são os pontos que fazem com que você se preocupe com seu futuro?

RENATA: Eu me preocupo porque brigo muito com ela. Isso me deixa triste e compenso comendo;

estou acima do peso. As pessoas se afastam de quem é gordo. Eu tenho vergonha de ser gorda e sei

que isso afeta a minha saúde e comprometo meu futuro: vou ficar sozinha, gorda e doente.

TERAPEUTA: Que experiências você já teve que confirmam essas ideias?

RENATA: As pessoas no shopping me olham, e eu acho que é de um jeito estranho. Acho que elas

pensam “Que pena, uma moça tão bonita e toda estragada”. No trabalho, eu percebo que as pessoas

param de falar em certos assuntos de roupa, beleza e moda quando eu chego.

TERAPEUTA: Então, parece que as pessoas podem ter algum preconceito contra você por estar

acima do peso. Isso a preocupa porque tem medo de que as pessoas se afastem de você?

RENATA: Com certeza. Eu sinto vergonha de mim, as pessoas sentem vergonha de estarem com

alguém fora dos padrões sociais. Elas têm preconceito, não tem jeito.

TERAPEUTA: Vamos acrescentar aqui as suas preocupações sobre o preconceito das outras

pessoas.

RENATA: Ok.

TERAPEUTA: Você me falou que fica acordada durante a noite, perde o sono pensando nas suas

preocupações.

RENATA: Sim, é isso mesmo.

TERAPEUTA: Vou escrever isso aqui, abaixo de “Reações físicas”. Você consegue pensar em outra
reação física que você teve ultimamente?

RENATA: Eu estou muito cansada e tive três episódios de pânico.

TERAPEUTA: (Escreve: “Cansada”). Me fale sobre esses episódios de pânico.

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RENATA: À noite, bem tarde, estava deitada, pensando nas coisas da minha vida e, do nada, senti

uma palpitação, o coração parecia querer sair pela boca, me senti muito mal e fiquei achando que ia

morrer. Fui para o hospital. Lá, eles fizeram muitos exames e não constataram nada. Disseram que

era psicológico e me mandaram para casa. Na segunda vez em que isso aconteceu, foi a mesma

coisa. Meses depois, tive mais uma vez e voltei para o hospital. Estou com medo de voltar a

acontecer novamente. É muito ruim ter essas sensações.

TERAPEUTA: Deixe ver se eu entendi. Em três episódios, quando você estava deitada à noite, sem

conseguir dormir, pensando nas preocupações da vida, começou a sentir essas sensações e correu

para o hospital com medo de ser algo grave. Você estava sozinha nessas ocasiões?

RENATA: Na primeira vez, minha irmã estava dormindo lá em casa e foi comigo para o hospital. Na

segunda vez e na terceira vez, eu estava sozinha. Foi horrível, não gosto nem de lembrar.

TERAPEUTA: E quando você está nervosa, triste, cansada, com essas preocupações sobre ficar

sozinha no futuro, o que você observa no seu comportamento?

RENATA: Eu me tranco no quarto, fico ali sem querer ver ninguém, e penso que eu sou um lixo, que

não sirvo para nada.

TERAPEUTA: Vou escrever isso aqui, abaixo de “Comportamento”: “Me tranco no quarto, fico sem

querer ver ninguém”. E vou colocar estas ideias: “Sou um lixo" e "Eu não sirvo para nada” aqui abaixo

de “Pensamentos”. Você acha que essas listas captam as coisas mais importantes que você me

contou hoje?

RENATA: Sim.

TERAPEUTA: O motivo pelo qual eu listei as coisas nessas categorias (apontando para cada uma) é

que cada uma dessas áreas é importante para a compreensão das suas dificuldades. Seus

pensamentos, suas reações físicas, suas emoções e seu comportamento afetam e trazem

consequências para sua vida em geral.

RENATA: Entendo.

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Figura 1 — Conceitualização descritiva de Renata


Fonte: [1] Adaptação de Kuyken et al. (2010)

TERAPEUTA: Estou desenhando setas, ligando essas quatro partes. O que você entende com isso?

RENATA: É porque elas se afetam mutuamente?


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TERAPEUTA: Sim, geralmente, é assim. Você consegue pensar em algum momento em que uma

dessas partes afetou a outra?

RENATA: No dia em que eu fiquei acordada à noite, preocupada, e senti a taquicardia?

TERAPEUTA: Sim, pode ser. Quando fica acordada, você se preocupa, e isso pode ter levado a uma
elevação de batimentos cardíacos. E qual emoção você sentiu com essa reação fisiológica?

RENATA: Na hora, eu senti medo de morrer, fiquei muito nervosa e fora do controle. Agora, fico triste,

porque eu acho que nunca vou ficar boa.

TERAPEUTA: Entendo como isso deve estar sendo difícil... (Terapeuta procura mostrar acolhimento

e empatia). Quando você está triste, pode surgir o pensamento: “Eu nunca vou ficar boa”. Vamos
escrever esse pensamento no círculo dos “Pensamentos”. (Acrescenta essas palavras.)

O terapeuta apresenta um resumo e uma sugestão do plano de tratamento:

TERAPEUTA: Como mostram as setas, cada uma das partes afeta outras. Isso ajuda a entender

como você entrou nessa situação difícil, Renata. As demandas exigiram que trabalhasse muito, você

ficou com a responsabilidade de trabalhar junto com sua mãe para sustentar a casa. Deixou os
estudos e usou sua disciplina para se dedicar ao trabalho. Sente-se cansada, sua mãe cobra

resultados e não contribui tanto. Você acaba buscando prazer na comida, mas acabou engordando, e

isso a afastou das pessoas. Se isola cada vez mais, vai ficando mais triste e compensa isso

comendo. Você está preocupada e não consegue dormir. Quando você não dorme, fica mais

cansada e desmotivada. Quando não faz nada, quando come excessivamente, quando se lembra das

palavras da mãe, dizendo que você não é generosa e que vai ficar sozinha, começa a pensar: “Eu não

sirvo para nada”. E, assim, fica dando voltas. Depois de algum tempo, você fica mal, e as coisas

podem começar a parecer ainda piores, sem esperança. E há momentos em que isso desencadeia

taquicardia.

RENATA: Sim, é assim que as coisas parecem para mim atualmente.

TERAPEUTA: Vendo esse quadro, podemos enxergar caminhos para mudanças positivas.

RENATA: Existem? Eu, realmente, não consigo ver isso.

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TERAPEUTA: Vimos que as áreas interferem umas nas outras. Se aplicarmos essa lógica a

conteúdos positivos, podemos esperar mudanças positivas em uma área se conseguirmos

mudanças positivas em outras áreas. Assim como as coisas negativas trouxeram para você

desesperança, mudanças positivas em uma área podem ajudá-la a sair desse lugar de sofrimento.
Talvez eu possa ajudá-la a pensar em pequenas mudanças que você pode fazer e conseguir algum

progresso. O que acha?

RENATA: Bem, seria ótimo se isso funcionasse.

TERAPEUTA: Vamos olhar juntas para esta figura, Renata. Se você tivesse que escolher uma dessas

áreas para fazer uma pequena mudança, por onde você acha que começaria? Qual pequena

mudança poderia ajudar uma ou mais dessas áreas também?

RENATA: (Olha para a figura por um minuto, em silêncio.) Bem, acho que, se eu não pensasse tanto

nas coisas à noite, poderia me sentir melhor, e isso também ajudaria no meu sono. Mas não sei

como fazer isso, pois os pensamentos entram na minha cabeça.

TERAPEUTA: Essa é uma ideia interessante, Renata. Você lembra de, em algum momento, ter

dormido sem ficar ruminando pensamentos de preocupação?

RENATA: Acho que poucas vezes na vida.

TERAPEUTA: Já temos um ponto por onde começar. Você consegue se lembrar como foi isso?

A terapia progride em um nível descritivo, e Renata vai apresentando melhoras.

Avançando em um nível explicativo da conceitualização

No nível transversal da conceitualização, vão sendo identificados quais são os fatores

desencadeantes e os fatores de manutenção das dificuldades apresentadas por Renata.

Ressalta-se que, em um modelo da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), aqui utilizado, parte-se


da suposição que, diante de situações, sejam ativados mecanismos subjacentes (regras, crenças,

significados, pensamentos, emoções e comportamentos) como fatores desencadeantes do

problema. Outros modelos podem não considerar tais mecanismos como desencadeantes.

Coletando mais dados da história de vida de Renata

Com o decorrer das sessões, mais informações foram sendo acrescentadas ao esboço de

diagramação inicial. Isso foi permitindo identificar fatores desencadeantes e mantenedores em um

nível mais explicativo.

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História de vida (complementação)

O pai de Renata teve vários relacionamentos extraconjugais, e ela lembra que, aos 7 anos, quando

ele ia buscá-la na escola, frequentemente, estava acompanhado de uma “amiga”. Isso deixava

Renata envergonhada junto às amigas, que comentavam que o pai tinha uma namorada. A mãe, por

sua vez, pedia que Renata vigiasse o pai. Quando ela contou para a mãe que o pai levava uma

“amiga” na saída da escola, os pais brigaram muito. Muitas vezes, Renata não contava que ficava

tomando sorvete sozinha na padaria enquanto o pai e a “amiga” iam para os fundos do
estabelecimento conversar com adultos.

A mãe não poupava Renata e desabafava com ela os conflitos do casamento. Renata
sofria com isso. As brigas recorrentes deixavam Renata se sentir, em parte, culpada,
porque, às vezes, contava sobre essa “amiga” do pai; quando não contava, também se
sentia mal por não fazer o que a mãe pedia. Ela sentia grande desconforto, e isso foi se
tornando motivo de preocupação. Renata sentia que não podia relaxar, tinha que ficar
vigilante para saber se poderia contar ou não, mas nada saía como previa.

Renata falou de um episódio quando tinha 10 anos. O pai, embriagado, teve uma briga feia com a

mãe. Ela presenciou, houve agressão física, e Renata pediu socorro para uma vizinha. Ela sempre se

manteve alerta para evitar que uma briga como essa voltasse a acontecer. Ela se sentiu mais

responsável por tudo andar bem a partir desse dia, e passou a tomar conta dos momentos em que o

pai voltava para casa. Vivia em estado de alerta, não descansava com medo das brigas. Achava que

poderia evitar o pior, pois o pai era muito violento quando estava bêbado.

Renata destacou que o pai e a mãe não cuidavam do bem-estar da filha, pois se via envolvida nas

brigas (não com os dois irmãos, que são menores). No dia em que o pai saiu, definitivamente, de

casa, a mãe se machucou, e Renata (com quase 13 anos) cuidou da mãe e dos irmãos.

O pai, desde então, nunca ajudou os três filhos, nem financeiramente nem emocionalmente. Na

verdade, Renata disse que ele nunca esteve presente na vida deles. Esse pai perdeu o que tinha

amealhado em vida desregrada, sem pensar na família. Renata nunca foi próxima do pai, acha que

ele é uma pessoa ruim, um parasita que pede dinheiro para ela. “Justo ele, que deixou de cumprir

com as responsabilidades financeiras em casa quando os filhos eram pequenos. Nos momentos em
que eu mais precisei, ele disse que tinha outra família”.

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Renata nunca se sentiu segura com os pais porque “eles não dão conta da própria vida, nem da vida

dos filhos. Eu passei a resolver tudo desde cedo”. A mãe sempre “delegou” para ela
responsabilidades. Apesar de a mãe ser amorosa verbalmente, ela dava castigos desproporcionais

se Renata ficasse na rua brincando depois de certa hora e ofendia a filha com xingamentos diante

dos colegas. Renata relatou que não teve uma adolescência feliz, e as poucas lembranças alegres da

infância são dos momentos em que ficava na casa da avó. Sentia-se e, ainda se sente, oprimida, sem

valor, culpada e cobrada pela mãe o tempo todo, e nunca conseguiu lidar bem com isso.

A mãe, com a ajuda do avô, abriu um salão quando Renata tinha cerca de 14 anos. Renata lembra

que ajudou a limpar o local, varrendo, pintando e ajeitando as coisas, e que a mãe dava broncas nela,

dizendo que “não era daquele jeito”. Renata começou a trabalhar cedo com a mãe e foi se

envolvendo com as atividades do salão e assumindo (com a mãe) as despesas da casa, mas sempre

havia críticas e reclamações. Renata abandonou os estudos aos 17 anos, para permitir que os

irmãos estudassem e para tentar dar o melhor no salão, para tentar diminuir as críticas. A mãe diz

que abriu mão da própria vida para cuidar de Renata e dos irmãos, que sempre fez tudo pelos filhos.

Renata reconhece essa dedicação da mãe, mas destaca que foi a parceria das duas que permitiu

que fosse comprado um primeiro salão e que parou de estudar cedo para se dedicar e tentar se

aprimorar nessa atividade.

A mãe, trabalhando no salão, ficava muito ausente de casa e, após a separação, teve diversos

relacionamentos e namoros. No início, a avó materna cuidava um pouco mais de Renata e dos

irmãos.

Como os desentendimentos com a mãe nunca diminuíram, assim que amealhou um pequeno capital,

Renata começou a trabalhar sozinha. Ela se dedicou, inteiramente, ao trabalho e, atualmente, graças

ao próprio esforço, construiu uma franquia própria de salões de beleza e comprou a unidade que

tinha em sociedade com a mãe. A mãe, praticamente, não trabalha mais, e Renata a sustenta.

Isso é motivo para insatisfação e tristeza, pois Renata é responsável, financeiramente, pela família

(com exceção do pai) e sabe que o negócio cresceu porque ela se dedicou a isso intensamente. A

mãe acha natural que Renata sustente a família.

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Renata destacou que a mãe, de maneira geral, não vibrava com as conquistas profissionais da filha,

mas havia sempre uma palavra crítica. A mãe tinha ciúmes de Renata e achava que a filha se

insinuava para um dos namorados. Renata disse que nunca fez isso e que foi assediada aos 14 anos

por esse namorado da mãe, mas ela conseguiu fugir. Contou para a mãe, que não acreditou na filha,

e se lembra disso com raiva e mágoa. Renata não se sente confortável quando as pessoas elogiam a

beleza física dela. Acha, inclusive, que ser considerada bonita contribuiu para desentendimentos

com a mãe. Por volta dos 14 ou 15 anos, Renata disse que engordou um pouco e passou a usar

roupas largas, pois, assim, disfarçava o corpo.

Renata teve poucos namorados, mas nenhum deles deu certo. Ela percebe que faz coisas para

magoar o outro, principalmente, se desconfia que há algo de errado na relação. O último

relacionamento que teve, aos 30 anos, foi com um rapaz viciado em drogas, com alguns

comportamentos de agressividade verbal e bastante impulsividade. Chegaram a morar juntos no

apartamento dela por quase dois anos, mas ambos eram ciumentos e brigavam diariamente. Houve

dois episódios em que ocorreu agressão física por parte dela, que, depois, se sentiu arrependida e

culpada. Ela o criticava em tudo, achava que ele não fazia nada direito. Sempre foi muito intensa nos

relacionamentos, sente que isso sufoca o outro e que sempre “perde” as pessoas que ama. Tem

medo de ficar sozinha, como ouve a mãe falar o tempo todo.

Aos 34 anos, teve o primeiro episódio de pânico (os batimentos cardíacos ficaram elevados) e ela foi

parar no hospital, levada pela irmã. Duas outras ocorrências semelhantes aconteceram aos 35 anos.

Ela relata que a sensação é assustadora. Toma remédio para evitar sentir isso novamente. Acabou

de completar 36 anos e acha que outro ataque semelhante pode ocorrer a qualquer instante. Renata

também passou a comer, compulsivamente, nos últimos quatro anos e está com sobrepeso de mais

de 30 quilos.

Em relação à vida profissional, acha que foi exitosa. Ela é dedicada, toma boas decisões e foi

crescendo aos poucos. Aos 22 anos, já tinha adquirido duas pequenas lojas, que as transformou em

salão. Aos 24, comprou um apartamento simples para a família e o mobiliou inteiramente. Aos 28

anos, adquiriu um apartamento para ela, e a mãe a criticou. A mãe não a elogia pelos feitos, mas

sempre ressalta os aspectos negativos de Renata. A mãe, a irmã e o irmão têm carros comprados

por ela. Ela não possui automóvel. Trabalha 14 horas por dia, incluindo sábados. É quase

uma workaholic. Não deixa de trabalhar mesmo quando está muito doente. Trabalha on-line nos dias

em que não quer sair do quarto.


Sintomas físicos e emocionais: desânimo, cansaço, tristeza, raiva, ansiedade, preocupação com a
saúde, preocupação em geral, compulsão alimentar, ataques de pânico (forte taquicardia).

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Crenças: é responsável pela família, se sente uma pessoa sem valor no plano interpessoal. Vê a
mãe como alguém que se sacrificou pelos filhos, mas, ao mesmo tempo, é muito dura com
Renata e exige dela mais do que seria razoável. Sente que a mãe prefere os irmãos. Renata dá
uma mesada, para que não falte nada para eles. Apesar disso, a mãe diz que Renata é egoísta e
que faz pouco pelos outros. Renata, ao ouvir isso, se sente péssima e não consegue se aproximar
das pessoas em geral. Quer agradar as pessoas, pois tem receio de ser abandonada. À exceção
da avó, acha que não é amada, verdadeiramente, por ninguém, porque não tem valor. Tem boa
ligação afetiva com a avó materna.

PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS:
“Eu acabo resolvendo tudo na minha família e bancando, financeiramente, tudo”.

Quando penso em não fazer algo, me sinto muito egoísta e acabo pensando que não custa nada”.
"Acho que vou morrer quando tiver um ataque de pânico".

"Eu não vou conseguir parar de comer, isso parece um monstro dentro de mim".

SITUAÇÕES INTERPESSOAIS:
“Se deito para descansar um pouco, minha mãe logo critica. Ela tem uma expressão de sofrimento

que me paralisa, me faz perder o prazer de fazer qualquer coisa, e eu acabo fazendo o que ela quer.
Me preocupo muito com o que irão pensar de mim”.

Envolvimento com todos os problemas de todas as pessoas da família. Dificuldade de individuação

em relação à mãe.

"Eu nunca percebo que estou passando dos limites, só percebo o excesso quando meu corpo não

aguenta mais, e eu adoeço".

"Tenho vergonha do meu corpo e sei que as pessoas me olham com pena, não querem se aproximar

de mim. Eu também quero me afastar delas. Não lido bem com pessoas querendo 'pautar' minha
vida".

COMPORTAMENTO DE RESIGNAÇÃO:

Mantém, financeiramente, a casa da mãe com os irmãos.


Muda de ideia ou comportamento conforme a pressão da mãe.
Assume dívidas da família.
Assume a função da mãe no trabalho quando esta quer sair.
Permitiu, duas vezes, que a mãe fizesse retiradas de valores elevados na empresa.
Trabalha excessivamente.
Trabalha mesmo estando doente.

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A seguir, veremos outros tipos de comportamento:

COMPORTAMENTOS DE EVITAÇÃO:
1. Evita julgar o comportamento da mãe.
2. Evita pensar e falar sobre o pai.
3. Evita intimidade com familiares e amigos.
4. Evita determinar o próprio pró-labore na empresa.

COMPORTAMENTOS DE HIPERCOMPENSAÇÃO:

1. Ela não chora, não entra em contato com sentimento.


2. Ela desconta a ansiedade na comida.

RELAÇÃO TERAPÊUTICA:
Tem preocupação com o que a terapeuta pode pensar a respeito dela e da família. Está sempre
preocupada em não ultrapassar o horário por causa do próximo cliente. Busca cumprir as tarefas

solicitadas, mas, quando não consegue, sente-se culpada e tenta esconder. “Acho que meu caso não

tem solução e que dou muito trabalho à terapeuta”.

HIPÓTESES TERAPÊUTICAS:
Renata apresenta queixa de humor deprimido e busca se isolar em casa, sem querer ver ninguém. A
mãe é muito crítica. Renata parece ser exigente com ela mesma, impõe a si uma disciplina de
trabalho e assume responsabilidades financeiras familiares. Quando criança, tentava evitar brigas
entre os pais e se sentia culpada quando não conseguia. Considera que precisa ser a provedora
material da família na atualidade, mesmo que isso gere um cansaço extremo nela. Não quer
desapontar a família, receia que as pessoas se afastem e trabalhem exageradamente. Cortou o pai
da vida dela.

Preocupa-se com a própria saúde, com o futuro, tem medo de ficar sozinha e fica ruminando esses
pensamentos à noite.

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Renata, ao se isolar, evita a ansiedade social e o julgamento que os outros podem fazer da própria
aparência. Inicialmente, essa descrição se aproxima de um humor deprimido, com uma visão
negativa de si mesma, traço característico da depressão (CLARK et al., 1999). Sendo esse o caso,
uma possibilidade de intervenção é buscar promover um pensamento mais equilibrado, por meio de
registros de pensamentos, reestruturações cognitivas e ativações comportamentais, para que
Renata possa ter respostas mais funcionais para lidar com a maneira como vê as próprias relações
interpessoais. Embora essas intervenções, inicialmente, tenham trazido pequena melhora no humor
de Renata, os resultados não se mostraram tão efetivos.

Com o avanço da compreensão do caso, a preocupação de Renata de ser avaliada, negativamente,


pelos outros sugere a existência de um transtorno depressivo maior:

a. porque ela seria uma pessoa que faz coisas passíveis de crítica (a mãe ressalta
isso o tempo todo);
b. por ficar ansiosa quando avaliada pela aparência física atual.
Quando o medo de avaliação negativa devido à obesidade é excessivo, um diagnóstico de transtorno
de ansiedade social deve ser considerado. O transtorno de ansiedade social é, com frequência,
comórbido com outros transtornos de ansiedade, como o transtorno depressivo maior. Renata tem
forte preocupação com a aparência atual e considera que as pessoas a ridicularizam ou apresentam
preconceitos velados sobre a obesidade. Ela evita comer em público. Tem um quadro de compulsão
alimentar. Renata sabe que é uma mulher muito bonita e gostaria de voltar a ter um peso saudável. O
que a incomoda, particularmente, é o medo de ser avaliada, negativamente, pelas pessoas após o
sobrepeso. Ela não consegue lidar com a ansiedade que isso gera e usa a estratégia de evitação.

FATORES DE VULNERABILIDADE:
Renata parece ter crenças nucleares no âmbito familiar sobre não ser aceita ou ser rejeitada. Quanto
à briga dos pais, sente que fracassou como filha (quando não conseguiu proteger a mãe das

agressões do pai). Renata também teme ter alguma doença ou não ser saudável.

A vulnerabilidade cognitiva se baseia nas crenças que vão sendo construídas ao longo do

desenvolvimento, em um processo interativo entre ambiente e características individuais. Embora

seja uma resposta adaptativa do indivíduo a situações ambientais específicas, quando ela se torna

inflexível, rígida, extrema e imperativa, pode se manifestar como algum tipo de transtorno

psicológico.

A natureza dela é interativa, ou seja, o que somos resulta de um amálgama entre genética e cultura.

As pessoas apresentam graus diferentes de necessidades básicas de afeto, de cuidados e de

recursos materiais; os ambientes de criação cultural são variados. Os indivíduos se esforçam para

satisfazer essas necessidades, mas isso pode levar a estratégias superdesenvolvidas que
aumentam a vulnerabilidade a transtornos psicológicos específicos.

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Renata vê a si mesma, desde criança, como, socialmente, inepta e vulnerável à depreciação e à

rejeição. Vê a mãe (e, atualmente, os outros na esfera social) como críticos e que a julgam de

maneira depreciativa em relação à aparência. O pai sempre esteve ausente e nunca se preocupou

com ela, que lida com isso ignorando-o completamente, evitando entrar em contato com essa

emoção — diz que não sente nada por ele.

Outra vulnerabilidade subjacente de Renata é que se julgava incompetente por não corresponder às

expectativas da mãe. Essa vulnerabilidade foi se desenvolvendo como resultado de interações

negativas com a mãe, desde pequena. A mãe sempre foi muito severa com Renata, dizendo que ela

fazia tudo errado. Renata parece ter uma vulnerabilidade específica à rejeição e ao medo de ser

abandonada, que foram se estabelecendo cedo no desenvolvimento e apareceram com a obesidade.

Um fator que intensifica a vulnerabilidade de Renata é que desenvolveu fortes valores de

responsabilidade e de produtividade desde cedo. A mãe a criticava bastante e Renata se via como

incompetente.

Um aspecto a ser destacado é o de que, em ambas as famílias, há quadros de bipolaridade (do pai e

da avó paterna) e de depressão (mãe e familiares), indicando risco genético. Renata sempre viu as

próprias experiências no âmbito interpessoal de forma negativa. Para ela, essas relações não eram

boas. Como tem forte autocrítica, rumina pensamentos sobre como as pessoas julgam o sobrepeso,

o que mantém a preocupação de ficar sozinha no futuro.

CRENÇAS DE RENATA:
Considera que a rejeição é algo muito ruim. Isso pode se intensificar quando Renata interpreta
algumas situações de interação social como sinal de rejeição (pessoas olhando para ela de maneira
estranha). Essa sensibilidade à rejeição a faz se sentir ansiosa com as pessoas, aumentando a
vulnerabilidade. Renata lê sinais de não aceitação à atual aparência, o que a deixa mal, e, assim, se
isola mais.

A crença de incompetência ficou mais forte à medida que Renata não conseguia ter relacionamentos
duradouros, e isso foi um fator de vulnerabilidade quando se separou e começou a engordar.

Renata apresentava muitos pensamentos de que ficaria sozinha, o que a deixava mais triste,
agravando a depressão. Uma estratégia para aliviar o sofrimento de não conseguir se relacionar com
pessoas foi a de ter prazer com a comida.

Pressupostos e crenças subjacentes (regras e suposições) de Renata: “Se eu estiver próxima das
pessoas, então, elas irão perceber como sou fraca em relação à comida”; “Não sou capaz de tolerar
ou suportar os sentimentos desagradáveis das interações sociais”; “Se uma pessoa me criticar, é
porque não gosta de mim”; “Se não for amada, então, serei infeliz”.

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Estratégias de Renata para lidar com a ansiedade: evitação é a principal estratégia utilizada por
Renata. Ao evitar relacionamentos, as crenças de que “se eu estiver próxima das pessoas, então,
elas irão perceber como sou fraca em relação à comida” vão ficando reforçadas. Renata também
acredita que “não sou capaz de tolerar ou suportar os sentimentos desagradáveis das interações
sociais”. Opta, portanto, pela estratégia de evitação. Renata passa a evitar situações em que seja
avaliada pela aparência e, assim, consegue se proteger da avaliação negativa dos outros.

Outra estratégia que Renata parece ter usado para não sofrer em determinadas situações da infância
e da adolescência foi a de “se enfeiar” para não despertar a rejeição na mãe. Uma hipótese
terapêutica a ser investigada é a de que ela pode ter começado a compulsão alimentar como uma
forma de “se enfeiar” e não ter que lidar com novos relacionamentos: como não está em forma, eles
nem irão começar (o que não deixa de ser uma estratégia evitativa). Ela usa essa estratégia para não
sofrer, ou como forma de reduzir a ansiedade ou aquilo que teme (ser rejeitada por alguém). Ao
mesmo tempo, compensa o sofrimento com o prazer que aufere comendo. Tudo isso contribuiu para
evitar contato social e se afastar das pessoas.

Uma conceitualização das crenças e estratégias básicas de Renata:

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Figura 2 — Conceitualização de Renata incluindo os pontos fortes


Fonte: Adaptação de Kuyken et al. (2010)

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