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Direito do Consumo

O grande tema é o direito dos contratos de consumo (teoria geral do contrato de consumo – formação,
conteúdo do contrato.

As cláusulas contratuais gerais são uma matéria muito importante em contratos de consumo (são raros os
contratos de consumo que não as incluem).

Quanto aos períodos de fidelização, vamos ver se são ou não abusivos.

Direito de arrependimento: a regra real é a da “não devolução”, exceto nos contratos celebrados à distância.
Em regra, em loja física, não há direito de arrependimento.

Existe a ideia geral de que podemos ir à loja passado uma semana e devolver o que compramos. Mas o
princípio geral é o do pacta sunt servanda, e o direito de arrependimento é a exceção:

➢ Só é possível nos casos em que a lei o impõe (contrato de crédito ao consumo; contratos celebrados
à distância; contratos de viagem organizada – conjunto de situações em que legalmente existe
direito de arrependimento.
➢ Ou as partes o acordam (regra geral em sede de CCG’s – direito de arrependimento de fonte
contratual).
➢ Não há direito de arrependimento em todos os contratos de consumo, e o direito de arrependimento
caracteriza-se pela ausência de justificação/motivo – se o bem tiver um defeito já será problema de
cumprimento defeituoso.

Há regimes específicos aplicáveis a tipos de contratos de consumo (contratos de consumo em especial):

✓ Contratos para serviços públicos essenciais, como telecomunicações, eletricidade, transportes


públicos (estes últimos só foram incluídos mais recentemente), água e saneamento, gás, etc.
✓ A saúde não é considerado serviço público essencial (aqui o Estado age como Estado porque é
tarefa estadual fundamental. Não é relação de consumo.
✓ Este regime (serviços públicos essenciais) está pensado para contratos celebrados que se
consideram no direito privado.

Compra-e-venda de bens de consumo (tema fundamental) – regime de CV de bens de consumo é muito


importante – DL 67/2003, regime anterior ao DL 84/2021 (com maior foco neste último). O diploma anterior
aplica-se a todos os contratos celebrados até dia 31 de dezembro de 2021. Aplica-se ultra-ativamente.

Por fim, temos o crédito ao consumo. É muito provável num contrato e consumo termos de aplicar muitos
diplomas simultaneamente (ex: CV + serviços digitais).

Legislação principal (Moodle): nos testes a consulta pode ser física (imprimir a legislação). Não é
necessário a Lei dos Julgados de Paz. Quanto à CV de bens de consumo vale a pena ter o diploma antigo
impresso (DL 67/2003).

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Objetivos de Direito do Consumo:

❖ Regular as relações entre consumidor e vendedor – estas normas servem para nivelar e atenuar
a desigualdade entre consumidores e profissionais.
➢ Diferenciais de informação – em regra, o profissional sabe tudo sobre os bens (à partida).
Exemplo: CEO da Sonae vai à mercearia da esquina, sabe mais? Até pode saber, mas não
deixa, por isso, de ser consumidor no caso concreto.
O conceito de consumidor prescinde de uma análise concreta desigualdade – consumidor
pode saber mais que o profissional e, ainda assim, aplicar-se a legislação do consumo.
➢ Desigualdade patrimonial – em princípio, o profissional tem mais património e liquidez que o
consumidor (mas a ideia de que se prescinde da análise no caso concreto mantém-se aqui).
Por outro lado, o Direito do Consumo surge nos EUA, nos anos 60, num contexto de
crescimento económico exponencial, muito significativo nas classes médias – capitalismo no
seu auge.
o Crescimento económico à custa do consumo e ajudado por algo relacionado – o
crédito, em especial o crédito ao consumo.
Mais pessoas passam a viver melhor, nestes contextos geográficos.
Não é por acaso que, em Portugal, o Direito do Consumo nasce apenas nos anos 80,
altura em que se deu este crescimento económico – é um instrumento utilizado pelos
entes públicos para garantir o crescimento económico, pela via do dar confiança ao
consumidor – se eu me sentir mais protegido, é mais provável que eu consuma mais
(mais consumo leva a mais crescimento).
O Direito do Consumo é um direito muito ligado a um determinado sistema
económico, às classes médias.
Nos últimos 20/30 anos houve algumas derivações para um “Direito dos Pobres” algo
particularmente visível em momentos de crise – em 2011/12, em Portugal, foram
aplicadas novas normas que incentivavam ao consumo da população mais pobre,
nomeadamente, em contexto de pandemia. Exemplo: durante a pandemia sai uma
norma que visa proteger o profissional de espetáculos artísticos; a haver
cancelamento, o profissional não tem de devolver o valor.

Em suma, o Direito do Consumo não foi pensado como um conjunto de regras para proteger os mais fracos
– existe, sim, uma desigualdade tendencial nas relações de consumo, mas o objetivo essencial é
incrementar o consumo. Isto leva a uma proteção tanto dos consumidores como dos profissionais (até
mesmo entre profissionais).

As normas de Direito do Consumo têm custos, sobretudo para as empresas. Exemplo: redução dos tempos
de fidelização numa operadora televisiva/normas que estabelecem um prolongar de prazos de garantia –
durante esse período adicional, a reparação do bem corre por risco do vendedor, o que tem custos.

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Logo, estas novas regras podem, igualmente, afetar a possibilidade de alguns profissionais se manterem no
mercado. Não é por acaso que nas pequenas lojas é mais difícil exercer direitos, enquanto consumidor, que
em grandes superfícies.

Se falarmos de cláusulas abusivas ou práticas desleais também é importante para quem cumpre que as
empresas que não cumpram não continuem a fazê-lo – se não forem sancionadas é uma vantagem que
têm, injustificadamente. Todas as empresas, tanto as maiores como as menores fazem uma análise custo-
benefício do cumprimento e incumprimento da legislação – em muitos casos a decisão é mesmo incumprir
a norma, se a consequência for pouco gravosa ou onerosa ou pouco provável de surgir.

É importante, aqui, para dificultar estes resultados da análise é haver uma maior e melhor fiscalização. Por
outro lado, seria as sanções serem mais significativas.

O Direito Contraordenacional do Consumo é muito importante para o cumprimento das normas de


consumo. É muito raro haver casos de litígios de consumo a chegar aos tribunais. É muito importante a ação
das entidades reguladoras e fiscalizadoras (ERSAR, ANACOM, ASA, Banco de Portugal – nos seus
domínios) – fiscalização e sanções adequadas ao incumprimento das normas.

RESOLUÇÃO DE CASOS PRÁTICOS

CASO 1: Anacleto é carpinteiro e comprou um carro com vários objetivos, entre os quais ir a entrevistas de
emprego, passear ao fim de semana e ir visitar os seus clientes. Anacleto é consumidor para efeito do DL
84/2021?

Resposta: a definição tradicional de consumidor é a da Lei da Defesa do Consumidor, em Portugal,


resultando outro do DUE (DL 84/2021).

O conceito de consumidor varia de diploma para diploma, temos de ir ao DL 84/2021.

Quatro elementos no conceito de consumidor, presente no artigo 2º/2 do DL 84/2021 – nesta definição, estão
apenas 3.

1) Elemento subjetivo: está no princípio “pessoa singular”, individual. Estão excluídas, desde logo,
pessoas coletivas como as empresas, associações, fundações, institutos públicos, entre outros. É,
neste caso está verificado que Anacleto é uma pessoa singular.
2) Elemento objetivo: contratos abrangidos pelo DL. Que negócio está em causa? O que é que aquela
pessoa singular faz? Temos de ir ao âmbito de aplicação de legislação. Artigo 3º/1 a) – contrato de
CV está abrangido.
3) Elemento teleológico: é o fim – para que é que esta pessoa está a contratar? O prof acha que a
atuação com fins profissionais chega para não ser consumidora, não estando verificado este
requisito.
SE A PESSOA NÃO ATUAR COM FINS PROFISSIONAIS, É CONSUMIDORA.

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Anacleto utiliza o veículo para fins maioritariamente profissionais – visitar os clientes é uma utilização
profissional do carro.
Ir a entrevistas de emprego, por outro lado, é pessoal e algo privado enquanto função, assim como
a questão de ir de casa para o trabalho.
Aqui temos finalidades mistas na utilização do carro.
4) Elemento relacional: está na alínea o) do artigo 2º/2 – conceito profissional. Do outro lado tem que
estar alguém que exerça uma atividade profissional. Exemplo: se o prof vender o telemóvel a alguém
não há relação de consumo, uma vez que o prof não é profissional: a sua profissão não é vender
telemóveis.
Neste caso, com base nos factos que temos, não sabemos se o Anacleto será consumidor, pois não
sabemos se se verifica o elemento relacional.
Aqui, a prova caberá ao pretenso profissional. Só ele saberá dos factos afetos a si.
Em muitos casos é obvio – numa loja ou num site não há dúvida alguma – o problema coloca-se
especialmente nas plataformas digitais (exemplo: numa plataforma como o OLX não tenho forma de
saber enquanto comprador se no outro lado está um profissional). Faz sentido que seja o vendedor
a fazer prova deste elemento.

Assim sendo, está abrangido Anacleto pelo DL 84/2021 enquanto consumidor?

Pela primeira vez no nosso OJ temos uma norma concreta para resolver casos:

Numa disposição complementar e final – art. 49º - temos de identificar, precisamente, qual é o uso
predominante – critério do uso predominante:

▪ Se for profissional, excluímos a relação de consumo.


▪ Se for pessoal, aplica-se o DL 84/2021.

QUANDO É QUE SE VERIFICA O USO?

Primeiramente o prof entendia que seria no momento da celebração do contrato.

Atualmente, entende que não pode ser, pelo menos apenas, neste momento – só em concreto posso
responder à questão de saber qual o momento relevante. Exemplo: deveres de informação pré-contratuais.
Será definido o momento em que é prestado essa informação pré-contratual – naquele momento, para
efeitos de verificação do cumprimento daquela legislação, é que interessa saber se a pessoa queria utilizar
aquele bem para fins pessoais – no momento da celebração do contrato. Exemplo: consumidor quer utilizar
uma garantia num automóvel. Automóvel era, primeiramente, usado com fim pessoal, mas entretanto (dois
anos e meio depois) a pessoa fica desempregada e começa a dar uma utilização profissional (TVDE) – tem
de se averiguar naquele momento – data do problema que causa o acionamento da garantia – não pode,
depois, vir invocar a sua qualidade de consumidor de há dois anos e meio atrás. Exemplo: resolução de
litígios. Releva o momento em que a ação é intentada – só nesse momento a pessoa for consumidora é que
ainda se aplica o regime.

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Este caso dificilmente não poderá ficar em aberto. Permite sempre fazer a gestão em função daquilo que
nos serve mais – avaliação global, muito difícil do ponto de vista da prova.

Quem tem de provar estes três elementos é o consumidor – ser consumidor é uma qualificação jurídica que
não é passível de prova – tem de provar factos dos quais resulte a verificação destes três elementos. A sua
qualificação, ou não, enquanto consumidor depende da avaliação e decisão do juiz.

CASO 2: Bernardo é o sócio-gerente de um restaurante e comprou papel higiénico numa grande superfície
comercial para colocar na casa de banho do restaurante. Bernardo é consumidor para efeito da Lei de
Defesa do Consumidor?

Resposta: Primeira coisa a fazer é ver a Lei da Defesa do Consumidor – é importante, em cada caso ver o
âmbito de aplicação dos diplomas em causa – artigo 2º nº1.

• Elemento subjetivo
Na primeira parte – “todo aquele” – é mais amplo do que “pessoas singulares” – elemento subjetivo
engloba, também, pessoas coletivas.
Atenção! Abrange pessoas coletivas, mas tem uma restrição enormíssima com base no elemento
teleológico, depois na prática este grande alargamento do conceito do consumidor é apenas
aparente, não sendo tão significativo.
Na prática, as únicas pessoas coletivas que incluímos neste conceito (e que não estão no DL
84/2021) são fundações e associações – nenhuma sociedade comercial ou entidade empresarial ou
comercial, em nenhuma situação estatutariamente atua para fins não-profissionais. O objetivo é
sempre, no final, o lucro que não é um fim privado – mesmo caridade está no âmbito do negócio –
nunca atuam fora do âmbito do negócio.
• Elemento objetivo
“Fornecimento de bens, prestação de serviços e transmissão de direitos” – abrange, praticamente
todas as relações contratuais que possam existir.
• Elemento teleológico
“Destinados a uso não-profissional” – quais são as pessoas coletivas que podem adquirir bens para
um uso não profissional?
Papel higiénico, aqui, é para uso profissional? Sim, porque é utilizado por clientes e empregados – é
um bem com um uso privado, mas é utilizado com fins profissionais, pois é incluído no âmbito da
atividade profissional do restaurante.
• Elemento relacional
Aqui, está na norma.
“Por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de
benefícios”.
Verifica-se porque bernardo adquire o papel numa grande superfície comercial.

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Assim, Bernardo não será consumidor para efeitos da aplicação da Lei de Defesa do Consumidor porque
apesar de se verificarem os elementos objetivo, subjetivo e relacional, não preenche o elemento teleológico.

Exemplo: se alguém se apresenta como profissional ou compra algo em nome de uma empresa, não pode,
depois, vir invocar direitos de consumidor porque não usou o bem no âmbito da sua profissão.

❖ No limite isto seria abuso de direito.


❖ A forma de apresentação serve, muitas vezes, para o profissional vendedor identificar a qualidade
do comprador.
❖ Esta questão surge, maioritariamente, com profissionais liberais ou pessoas singulares que não
estão a utilizar os bens para fins profissionais. À partida quem trabalha por conta de outrem identifica-
se como tal (se o bem for adquirido para fins profissionais vai dar o nome e o NIPC da sua empresa).
❖ Não existe um único conceito de consumidor. O critério em Portugal é o do uso profissional ou não.
❖ No caso de dois entes de diferente nacionalidade usaremos normas especificas de Direito
Internacional Privado. Então, isto não é relevante para efeitos desta cadeira.

CASO 3: Carlos adquiriu um imóvel a Domingos e aí passou a residir. Carlos é consumidor para efeito do
DL 84/2021?

Resposta: Em primeiro lugar ir ao DL 84/2021 para saber se à luz desse diploma Carlos é consumidor.

Artigo 2º alínea g). Olhando para os elementos: Carlos é pessoa singular (elemento subjetivo).

Quanto ao elemento objetivo temos de estar sempre perante um contrato que se inclua no âmbito deste
DL. Olhando para o artigo 1º nº2 alínea a) o DL é aplicável à CV de imóveis. Por sua vez, o artigo 3º nº1
alínea a) não distingue entre bens móveis e imóveis, por isso seria aplicável a este caso. O regime específico
relativo à CV de imóveis está nos artigos 22º e seguintes.

Depois temos o elemento teleológico residir numa casa é uso não-profissional e por isso Carlos é
consumidor.

Por fim, resta o elemento relacional – artigo 2º alínea o) - definição de “profissional”. Temos de ter de um
lado um consumidor e do outro lado um profissional. Neste caso, não sabemos se Domingos é ou não
profissional.

Quanto ao elemento relacional os factos têm de ser provados e apresentados pelo suposto profissional:

❖ No DL 84/2021 o elemento relacional está definição de “profissional”. Mesmo que esteja tudo
preenchido no conceito de consumidor, o diploma não se vai aplicar se não tivermos do outro lado
um profissional.
❖ Aqui, o diploma só se aplicaria se Domingos tivesse um negócio de imobiliário e isso estivesse
expresso.

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CASO 4: Eunice é afinadora de pianos e comprou um automóvel para se deslocar a casa dos clientes, que
a contactam por telefone quando precisam de afinar um piano. Eunice é consumidora para efeito do DL
84/2021?

Resposta: é uma pessoa singular, não há dúvida.


Elemento objetivo: não coloca problemas.
Elemento relacional encontra-se em aberto - não sabemos a quem comprou o automóvel. Aqui o nosso
objetivo vai ser discutir o elemento teleológico - atua no âmbito da sua atividade profissional?
Esta situação encontra-se mais perto do caso 1 do que do caso 5. Um afinador precisa de carro para a sua
atividade, não somente enquanto meio de transporte para o seu local de trabalho.
O professor entende que não se preenche o elemento teleológico pelo que ela não deve ser considerada
consumidora.
Não temos dúvidas quanto aos elementos subjetivo e objetivo;
A nível do elemento relacional tínhamos de ir ver a quem comprou o automóvel;
A grande dúvida reside no elemento teleológico: este caso está mais perto do caso do carpinteiro do que
do caso da empregada doméstica:
Um afinador de pianos precisa do carro para a sua atividade; não como meio de transporte para o local de
trabalho;
Logo, não se verifica o elemento teleológico – o uso é profissional e não é consumidora.
Um dos critérios seria saber se o profissional transporta as coisas no carro: por exemplo, o carpinteiro
utiliza o carro para transportar as suas ferramentas; o afinador também transporta certos instrumentos para
o exercício da sua profissão. O uso do veículo é eminentemente profissional;
Já no caso da empregada os instrumentos já estão nas casas nas quais trabalha;
O critério é saber se o bem é ou não utilizado para aquela atividade, se é parte inerente da atividade;
Atenção que podemos ser confrontados com casos em que não nos dizem expressamente qual o
diploma aplicável: aí temos de perceber quais os diplomas a aplicar, olhar para o conceito de consumidor
à luz de cada um deles, e resolver o caso.

CASO 5: Felismina é empregada doméstica e trabalha em seis casas diferentes. Teve de comprar um carro
para se deslocar às várias casas. Felismina é consumidora para efeito do Decreto-Lei n.º 84/2021?

Resposta:
É consumidora?
É inerente ao emprego deslocar-se à casa para limpar;
A atividade dela é limpar a casa, e ela tem de trabalhar em seis sítios diferentes – é diferente do
carpinteiro, cuja função é, realmente, prestar serviços a várias pessoas, profissão que implica deslocar-se a
vários sítios;

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A empregada doméstica tem 6 empregos, e é diferente – a empregada doméstica, em princípio, apenas tem
de se deslocar para o trabalho, coisa que qualquer pessoa faz e para o qual muitos utilizam um carro
enquanto meio de transporte – estas deslocações casa-trabalho fazem parte do exercício da profissão?
A diferença, em relação ao caso 1, é que não há uso misto: há um uso, apenas discutimos se este uso é
profissional ou não;
Prof. Jorge considera que este uso não é profissional – uma coisa é visitar casas de clientes, e aqui
trabalha em casas de clientes, coisa bastante diferente – mais próximo da “viagem para o local do
trabalho”, só que a pessoa tem seis locais de trabalho e tem de se deslocar para cada um, não
havendo, portanto, um fim profissional – para o Prof., Felismina é consumidora;
Até porque quando começamos a trabalhar mais longe, claramente compramos um carro para irmos
trabalhar, mas não deixamos de ser consumidores;
Prof. entende que, aqui, certamente se verificam os elementos subjetivo (é singular), subjetivo (compra
o carro) e teleológico (prof. entende que sim, mas aceita que digam que não – pode depender de outros
elementos que acresçam – com a informação disponível, tendemos a considerar consumidora);
Elemento relacional verifica-se? Não fazemos a mínima ideia, uma vez que não sabemos a quem ela
comprou o carro – se foi ao vizinho da frente, não está verificado o elemento relacional.

CASO 6: Gonçalo tem um estabelecimento de alojamento local. Os contratos de alojamento celebrados por
Filomena são contratos de consumo?

Resposta: Aqui temos de saber se os contratos são de consumo por referência à pessoa com quem o
Gonçalo celebra os contratos (G seguramente não será consumidor porque é profissional). Aqui temos então
duas questões fundamentais:
1) Elemento relacional: G é profissional? Para ser profissional não tem de ser a única atividade da
pessoa nem a sua atividade principal. Pode ser até uma atividade secundária desde que seja
profissional e haja alguma intenção de benefício e lucro. Desde que tenha o mínimo de continuidade
(ex: alguém que só tem uma casa e a vende nunca é profissional). O regime de alojamento local é
de tal forma exigente que é impossível alguém não ser profissional se quiser por a casa a arrendar.
A celebração de contratos de alojamento local já pressupõe um conjunto de requisitos em relação ao
estabelecimento que fazem do G um profissional. O OJ português fecha a porta a que estes tipos de
contratos sejam celebrados por não-profissionais. À partida o elemento relacional estará verificado
nos contratos celebrados pelo Gonçalo.
2) Vamos aplicar a Lei da Defesa do Consumidor (contratos de consumo no geral): Aqui, a grande
questão reside em saber se do outro lado do contrato está um consumidor. Ou seja, se a outra parte
não pretende utilizar o alojamento para usos profissionais temos um contrato de consumo (em
acréscimo dos restantes elementos, claro).

CASO 7: Hélder comprou uma pen drive para poder transportar documentos do computador do trabalho
para casa. Hélder é consumidor à luz da Lei da Defesa do Consumidor?
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Resposta:
Elemento subjetivo não levanta problemas (e à luz da Lei de Defesa do Consumidor o conceito é mais
amplo).
Quanto ao elemento objetivo também não temos problemas.
Elemento relacional – vamos partir do pressuposto de que comprou a pen numa loja.
Quanto ao elemento teleológico: os documentos são trabalho, é profissional - são documentos de trabalho
independentemente de ele querer ou não trabalhar em casa. A pen drive foi comprada para trabalhar, logo
é uso profissional – para o professor, aqui a utilização é unicamente profissional.

CASO 8: A Junta de Freguesia de Roliça tem uma dívida com mais de dois anos relativa ao fornecimento
de eletricidade. O advogado informou o Presidente da Junta de que, nos termos da Lei n.º 23/96, a dívida já
prescreveu. Esta Lei aplica-se a uma Junta de Freguesia?

Resposta:
A Lei n.º 23/96 – Art.º 10.º/1, se se aplicar este regime a dívida prescreveu;
Mas aplica-se este diploma?
Este diploma não visa proteger consumidores, mas sim utentes;
Este conceito não é igual ao de consumidor: art.º 1.º, n.º 3 – o elemento teleológico não existe no
conceito de utente; o fim é irrelevante, logo esta norma aplica-se a uma Junta como se aplica a uma
Empresa (ex.: quando a ERSAR contrata com a EDP para ter eletricidade nos escritórios, por muito que o
uso seja profissional, pode na mesma ser utente porque não se exige uso profissional);
Aqui, a nível do elemento subjetivo, a Junta pode ser considerada utente (porque é a pessoa coletiva a
quem o prestador do serviço se obriga a prestar).

CASO 9: Hélder vendeu uma bicicleta a uma loja que se dedica à compra-e-venda de bens usados, que por
sua vez vendeu a bicicleta a Isabel. Quantos consumidores há nesta história?

Resposta:
Aqui temos dois contratos, celebrados respetivamente entre H e a loja, e a loja e a I;
Comecemos pelo contrato entre a loja e a Isabel: não podemos dizer, desde logo, que a Isabel é
consumidora porque não sabemos o fim (Isabel pode trabalhar na Uber, ou entregar jornais, e aí o uso é
profissional):
Partindo do pressuposto de que utiliza para passear ou assim, seria consumidora (temos elemento
subjetivo, objetivo, teleológico e relacional – quanto ao último, a loja é profissional);
Temos a certeza de que a loja não é consumidora: falha o elemento subjetivo se aplicarmos o DL 84/2021,
e o teleológico (compra no âmbito do seu negócio). Falha também o relacional, porque contrata com o Hélder,
que não é profissional.

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Quanto a saber se o Hélder é consumidor: temos elemento subjetivo, relacional e a grande questão é
saber se podemos ser consumidores quando estamos a vender (à luz do DL 84/2021 nunca poderia,
porque aqui quem compra não é consumidor, é profissional – a loja);
Ora, mas consumidor é apenas aquele a quem são fornecidos bens, e não quem os fornece. Logo, o
Hélder não é consumidor – o DL visa proteger o comprador consumidor, e por isso é afastado;
O prof. Menezes Leitão falava em relações de consumo invertidas, em que é o consumidor que está
a vender; quem está mais desprotegido é quem está a vender:
Nestas situações, não deixa de ser verdade que essa pessoa continua a merecer proteção contra práticas
comerciais desleais;
Por exemplo, se a loja sabe perfeitamente que a bicicleta tem um valor mais elevado, aqui faz sentido
proteger o Hélder.
Aqui, não conseguimos aplicar diretamente estes diplomas a um caso em que a parte que merece
proteção está a vender. Temos de interpretar estas normas de forma compatível com a situação.

CASO 10: Leonor, lojista, mas desempregada há vários meses, vendeu a Mário, através do Custo Justo, um
colchão que tinha na sua arrecadação, que Mário passou a utilizar na sua cama. Mário é consumidor?

Resposta: À luz do DL 24/2014 (contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, mais
concretamente o artigo 3º alíneas e) e h)).
Elemento subjetivo: Mário está abrangido enquanto pessoa singular (alínea e) – consumidores são apenas
as “pessoas singulares”).
Elemento objetivo: alínea f) – trata-se de um contrato celebrado à distância através da plataforma Custo
Justo (enquanto plataforma de venda organizada para o comércio à distância).
Elemento teleológico: vertido na última parte da alínea e)l. Mário claramente atua com fins não profissionais
já que compra o colchão para o colocar na sua casa.
Elemento relacional: há relação de consumo, isto é, do outro lado está um profissional.
Leonor é uma pessoa singular privada, mas que no contrato celebrado com Mário não autuou no âmbito da
sua atividade profissional: sobretudo porque se trata de uma venda esporádica e singular de um colchão
que tinha na arrecadação e não de uma atividade com índole de continuidade e frequência. Por isso, não
podemos concluir que Leonor atue no âmbito da sua atividade profissional.
Nota: irrelevância de Leonor estar desempregada – mesmo assim pode exercer atividade profissionalmente
– não é o facto de ter sido lojista que faz com que tudo o que venda seja profissionalmente!

A primeira pergunta a fazer é porque queremos verificar se o Mário é ou não consumidor?

Para saber se aplicamos o DL 84/2021 ou o DL relativo aos contratos celebrados à distância, o que acarreta
um conjunto de direito muito específico para o Mário. Também é importante para saber se Mário, perante
um determinado litígio com o profissional pode recorrer à RALC.
À luz da LDC, temos verificado o elemento subjetivo (“todo aquele”), objetivo (“fornecidos bens” – aqui a
compra do colchão corresponde ao fornecimento de um bem), teleológico (M compra para usar na sua cama,
não é uso profissional);

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Quanto ao relacional, L é profissional? É preciso alguma continuidade no exercício da atividade; não é
necessário que seja a única atividade da pessoa em casa. Isto não é um critério único, mas é importante. O
TJUE já se pronunciou sobre esta questão no ac. Karmenova: era uma pessoa que tinha colocado um bem
à venda numa plataforma de comércio online, e a questão era saber se era ou não relação de consumo;
Aqui o TJUE veio enunciar alguns critérios – não cumulativos – que indiciam a relação de consumo:
declaração de atividade (se a pessoa abrir a atividade nas Finanças para esse efeito é provável que seja
profissional); os bens serem adquiridos para revenda (ex. – a L adquire o colchão já a pensar vender na
CustoJusto);
Neste caso, a L não é profissional. Não temos relação de consumo! M não é consumidor;
Aos olhos da LDC não posso ter consumidor sem ter do outro lado um profissional; nos restantes diplomas
posso ter consumidor, mas não um profissional (porque o elemento está separado);
Porém, não podemos aplicar o regime porque não há relação de consumo na mesma;
O Direito do Consumo português não se aplica a contratos entre consumidores, tem de haver sempre um
profissional.

CASO 11: Nuno, advogado, comprou na Worten a série toda da Suits para passar na sala de espera do seu
escritório. Nuno é consumidor?

Resposta: a lei aplicável é o DL 84/2021 relativo à compra e venda de bens de consumo.


Independentemente de a série ter sido comprada em formato digital, o diploma aplica-se mesmo assim
(artigo 1º nº1 b) e artigo 3º nº1 c)).
Elemento subjetivo: Nuno está abrangido enquanto pessoa singular (artigo 2º g)).
Elemento objetivo: trata-se de um contrato de compra e venda celebrado entre Nuno e a Worten abrangido
pelo artigo 3º nº1 a) ou artigo 3º nº1 c).
Elemento relacional: nos termos da alínea o) do art. 2º está verificado visto que a Worten é profissional.
Elemento teleológico: contido na última parte da alínea g) do artigo 2º é o elemento mais controverso.
Porém, neste caso, podemos concluir e que o Nuno atua com fins que se incluem no âmbito da sua atividade
profissional, na medida em que a série é adquirida com intuito de entreter os clientes (caso semelhante à
compra do papel higiénico pelo restaurante). Não deixa de ser um serviço prestado por Nuno aos clientes.
Elemento subjetivo e objetivo não causam problemas.
Relacional não é relevante – é a Worten que vende e não há dúvidas de que é um profissional.
Elemento teleológico é o mais problemático – pensemos no diploma 84/2021.
❖ Não deixa de ter um fim profissional subjacente, é para entreter clientes.
❖ Está, por isso, dentro do âmbito da sua atividade profissional.
❖ Não são serviços que ele presta, mas é para a sala de espera do escritório – integra, sem dúvidas, a
atividade profissional.

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CASO 12: Olívia compra relógios por todo o país, arranja-os e vende-os através da plataforma OLX. Paulo
comprou um relógio para o seu filho mas, quando este chegou, constatou que não estava a funcionar. Aplica-
se o DL 84/2021?

Resposta: para saber se aplicamos o DL 84/2021 no caso apresentado temos de perceber se estamos
perante uma relação de consumo nos termos deste diploma.
Elemento subjetivo: Paulo é pessoa singular;
Elemento relacional: Olívia é uma pessoa singular que atua com fins relacionados com a sua atividade
profissional, já que se dedica à compra, arranjo e venda de relógios no OLX. Estamos claramente perante
uma atividade exercida de forma profissional, pela frequência e continuidade com que é exercida,
independentemente de ser ou não a única atividade que Olívia tem;
O facto de a Olívia comprar relógios por todo o país, ou seja, o esforço que coloca no exercício dessa
atividade, demonstra claramente o seu cariz profissional neste caso;
Elemento teleológico: Paulo não compra o relógio para fins profissionais, na medida em que o compra para
oferecer ao filho. Logo, o uso é pessoal, e o elemento teleológico é aplicável;
Quanto ao elemento objetivo, é verdade que o DL 84/2021 se aplica a “contratos de compra-e-venda
celebrados entre consumidores e profissionais” [art. 3.º/1/a), sem especificar que tais contratos devam ser
celebrados com a presença física de ambos]. Porém, existe um diploma específico aplicável a contratos
celebrados à distância – o DL n.º 24/2014.
Assim sendo, deve aplicar-se o regime especial previsto para estas situações (até porque prevê um conjunto
de direitos para o consumidor mais alargado, o que se justifica pelos contratos serem celebrados à
distância);
Temos de verificar novamente os elementos;
Elemento subjetivo: Paulo é pessoa singular. Coloca-se aqui uma questão: a quem devemos perguntar se
preenche o elemento subjetivo?
Devemos verificar em relação à pessoa que adquire o bem? Nem sempre;
Pode ser em relação ao filho, se houver a transmissão para ele (terceiro)? – pelo DL 84/2021 (tem norma a
dizer que os direitos se transmitem a terceiro adquirente do bem) ou se houver uma cláusula entre as partes
– filho do Paulo não poderia exercer direitos a menos que lhe sejam transmitidos pela lei ou por contrato;
Só através do instituto da representação: Paulo, se quiser, pode dizer que age em representação do seu
filho (“não sou eu que estou a comprar”) – a parte será o representado (filho) – aí, sim, teríamos de analisar
os pressupostos face ao filho:

❖ Ex. típico: agência imobiliária tem poderes de representação de um possível comprador de casa –
não interessa que esteja a agir aquela agência imobiliária – interessa se representa alguém que pode
ser considerado consumidor – mesmo que haja um representante profissional;
• Art.º 15.º, n.º 10 do DL n.º 84/2021.

Mesmo que se transmita a terceiro o bem, quem compra é que é parte do contrato;

12
Este diploma tem norma específica que diz que os direitos se transmitem para terceiro adquirente (art.º 15.º,
n.º 10); logo, se o filho do Paulo, mesmo não sendo parte do contrato com Olívia, tiver um problema e tendo
o bem sido transmitido para a sua esfera pode servir-se dos remédios consagrados. Este é o artigo essencial
que permite ao filho reclamar junto de Olívia, mesmo não sendo parte do contrato, caso o relógio tenha
algum problema;
O que poderíamos ter seria uma representação, só aí o filho do P seria parte: aí a parte é o representado,
por muito que na prática seja o P a celebrar o contrato. Aí seria em relação ao representado que verificamos
os vários elementos (subjetivo, objetivo, etc...);
Isto acontece nos contratos celebrados com agências imobiliárias, que se fazem representar nos contratos:
é sempre em relação ao representado que se verificam os elementos.

Hipótese: Imagine-se que o filho do P é nadador profissional, e aquilo é um relógio para usar na natação.
Apenas verificamos os elementos de que depende a relação de consumo em relação ao P? Mesmo que o
fim último a dar ao relógio seja profissional?
É relevante saber qual é o uso que a pessoa para quem vai o bem vai dar ao mesmo, mesmo que não seja
parte do contrato;
Se compro já para dar a alguém, é fundamental discutir o elemento teleológico em relação à pessoa a quem
o bem vai ser dado.
Este caso visa essencialmente testar o elemento relacional: Olívia é profissional. Tendo em conta que
O compra já para revender os relógios, parece tratar-se de atividade contínua e profissional.

CASO 13: Orlando tinha 200 fatos no seu armário e decidiu que era um exagero tendo começado a enunciá-
los na Vinted, cada um deles pelo valor de 100€. Orlando é profissional?

Resposta: quer a Lei de Defesa do Consumidor, quer o DL 84/2021, quer o DL 24/2014 exigem um
elemento relacional para que haja uma relação de consumo. Por sua vez, isso pressupõe que o consumidor
esteja a contratar com alguém que exerce aquela atividade com caráter profissional.
Ora aqui tal não parece verificar-se. A Vinted é destinada em grande parte a compras e vendas não
profissionais, entre particulares, ainda que possam haver vendedores profissionais. Com os dados que
temos e, independentemente do número de itens vendidos, não podemos considerar que Orlando é
profissional, apenas decidiu vender os seus 200 fatos de que não precisava.
Orlando é profissional? A circunstância de ser plataforma para economia circular não implica que não haja
negócios por trás.
E se Orlando decidisse que a partir de agora iria passar a vender fatos caros para fazer muito
dinheiro?
Neste caso, o professor diz que Orlando não é profissional. Se a quantidade vendida com grau de
continuidade fosse muito elevada, a partir de certo ponto talvez estivéssemos perante um profissional.
O critério numérico simples não é suficiente. Podemos vender 20 fatos e ser-se profissional e vender 200
mas não ser profissional.

13
Na diretiva 2161/2019 um dos problemas mais discutidos foi o das plataformas digitais. Artigo 4º-A do DL
sobre contratos celebrados à distância – requisitos adicionais para contratos celebrados em mercados
em linha (como é o caso da Vinted). Aqui interessa-nos a alínea d) que diz que o operador do Marketplace
tem de dizer em cada oferta se é ou não profissional, ou seja, se aplicamos a legislação de consumo.
❖ Quem diz ao mercado em linha se é ou não profissional é o próprio prestador do serviço;
❖ Ora, estes podem mentir, mas há quem diga que isto não é verdadeiramente um problema, porque
os profissionais vão querer vender a consumidores. Ninguém que seja profissional vai dizer que não
é: um consumidor vai querer sempre contratar com profissional quando comparado a não-
profissionais. Confiamos mais em profissionais do que em não-profissionais, dão mais segurança ao
consumidor.
❖ O prof discorda: isto porque a nível de responsabilidades por problemas com os bens, os
profissionais têm mais responsabilidades e por isso mantém-se o incentivo para não dizer que se é
profissional à plataforma. Ser profissional tem mais responsabilidades, mais requisitos fiscais, mais
burocracia e, por isso, o prestador pode não querer ser qualificado como profissional na mesma.
Acórdão Whatelet:
A loja de compra-e-venda de automóveis usados defende-se dizendo que o carro estava a ser vendido pelo
sujeito X e que por isso era esse sujeito X que respondia. O Tribunal veio dizer que se não há nenhuma
informação a dizer que é aquela pessoa que está a vender então quem está a vender é a loja.
Logo, se no mercado em linha não temos informação explícita de que é aquela pessoa que está a vender,
então é a plataforma que é vendedora que responde.

Em cada caso para ver se temos consumidor temos de ver se se encontra preenchido o elemento subjetivo
à luz de cada diploma (no DL 84/2021 é menos amplo quando comparado à Lei da Defesa do Consumidor):
❖ Elemento objetivo explica que relações/situações se aplica aquele diploma: o âmbito de aplicação
objetivo, os contratos a que se aplica. Mas não tem de ser contrato – há regimes de Consumo
relativos à responsabilidade do produtor, por exemplo. Não é necessária a existência de contrato
para que estejamos perante relação de Consumo.
❖ Elemento teleológico – razão de atuação daquela pessoa: está atuar para fins profissionais ou não
profissionais. Se atuar para fins profissionais não pode ser considerado consumidor. Isto é verdade
para todo e qualquer diploma que se refira ao conceito de “consumidor” (diferente de regime de
prestação de serviços essenciais que se refere ao “utente”).
❖ Elemento relacional – na LDC o conceito está na própria definição de consumidor, nos restantes
diplomas é destacado do conceito de consumidor. O conceito de consumidor têm os outros três
elementos (subjetivo, objetivo e teleológico), enquanto que o conceito de profissional está separado
(exemplo: DL 84/2021 em que temos um conceito especifico de “profissional”).

Caso do prof: condomínio compra sistema de videovigilância e estraga-se 3 meses depois. Podemos
aplicar o DL 84/2021?

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Existe o problema de, no elemento subjetivo termos de estar perante uma pessoa singular, tendo em conta
que o condomínio não é uma pessoa singular. Mas também não é uma pessoa coletiva sempre: pode ser
um conjunto de pessoas singulares ou um conjunto de pessoas coletivas (podemos ter no mesmo
condomínio escritórios de advogados, alguns pisos com lojas, etc).
O condomínio não tem personalidade jurídica, mas apenas judiciária: pode propor ações ou contra ele serem
propostas ações.
Para o prof o condomínio deve poder ser considerado consumidor mesmo para efeitos do DL 84/2021.
Temos 4 hipóteses para resolver esta questão:
1) É preciso que todos os condóminos sejam classificados como consumidores para que o condomínio
o seja.
2) Nunca é consumidor.
3) Se a maioria dos condóminos forem consumidores, o condomínio também o será.
4) Basta que um dos condóminos seja consumidor.
O condomínio não é separável das pessoas que o integram.
Decisão do STJ de 10 de dezembro de 2019: basta que um dos condóminos seja consumidor para que o
condomínio seja considerados consumidor.

RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS DE CONSUMO


Antes, tratava-se do segundo grande ponto da matéria. Ainda assim, continua a ser um tema bastante
relevante. Está em causa saber como é que as regras de direito substantivo do consumo podem ser postas
em prática.
O livro de reclamações é uma forma de resolver litígios. Qual é o seu objetivo? Serve fundamentalmente
para que a entidade reguladora e fiscalizadora venha analisar a situação impondo eventualmente sanções
contraordenacionais. Logo, este livro só cumpre a sua função quando temos ilícito contraoerdenacional. Mas
na generalidade das matérias contratuais não temos ilícitos contraordenacionais. Posso na mesma escrever
no livro de reclamações? Sim, mas a entidade reguladora diz que não é matéria da sua competência e diz
para o consumidor resolver a questão de outra forma. Mas o direito de reclamar existe sempre.
Quando as partes não estão de acordo – Tribunal Judicial – Direito do Consumo é muito à base de “as
pessoas não se querem chatear muito com isso”. Porque é que não há muitos casos de Consumo em
Tribunal?
➢ Custo – só a taxa de justiça, para iniciar um litígio é 150€ ou 200€.
➢ Limite temporal de decisão – precisamos das soluções mais rapidamente – uma ação num
Tribunal Judicial, em média, demora 36 meses a concluir-se.
➢ Falta de literatura legal e judicial – desconhecimento da burocracia – os custos do
advogado.
➢ Complexidade do procedimento – não é o Direito per se, mas o Processo Civil é
particularmente complexo – alegação dos factos, inserção dos elementos de prova, entre
outros, na petição inicial.

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Caso de pagar 15€ por uma bebida e querer o dinheiro de volta:
Manda um email ou chama o gerente.
Negociação: meio de resolução de litígios – negoceio e tento chegar a acordo com a outra parte:
▪ Livro de reclamações pode ter um papel importante de pressão neste momento de negociação.
Exemplo: escrevo no livro de reclamações da MEO para ver se o meu litígio chega à pessoa certa
dentro da empresa que pode resolver o assunto.
▪ Empresas privadas ligadas à avaliação por consumidores por meios ou serviços (como o TripAdvisor
ou o Portal da Queixa) podem revelar para a tal pressão de que falamos.
Forma inflexíveis ou não responderam depois de tentarmos a negociação. Não sendo o Tribunal a solução
(há estudos a nível europeu que indicam que abaixo de um determinado valor, cerca de mil euros, não
compensa recorrer a Tribunal – a maioria dos litígios de consumo não é acima dos mil euros), que opções
temos? Além dos Tribunais Judiciais (artigo 209º CRP) existem Julgados de Paz:
❖ Tribunais públicos, estaduais, que não estão na organização dos Tribunais Judiciais, mas relevantes
do ponto de vista do Consumo.
❖ Servem para litígios de menor valor (competentes até 15 000€) e têm competência em matéria de
litígios de consumo em regra – alínea a) do nº1 do artigo 9º da Lei dos Julgados de Paz – visa evitar
que Julgados de paz sejam usados pelas empresas para cobrar dívidas de consumidores.
❖ Competência em razão de território – artigo 12º nº1 da Lei dos Julgados de Paz. O consumidor
tem duas opções:
1. Ou no Julgado de Paz do município do domicílio do demandado – pode propor a ação no local
da sede da empresa.
2. Ou no Julgado de Paz em que a obrigação deve ser cumprida – no local onde adquiri o bem.
Problema: não há Julgados de Paz em todo o território nacional – de facto, não há nem na
maioria.
❖ São baratos: 35€ por parte para iniciar ação. O processo é simplificado e próximo: tenta-se,
inicialmente, a mediação (se as partes acordarem) – depois, o Juiz de Paz tenta a reconciliação,
também, num primeiro momento – a dita “justiça de proximidade”.
Injunções:
Havemos de falar delas em processo executivo – embora não sejam nem processo, nem executivo, têm
função de ajudar o processo executivo.
É relevante para consumo, na lógica de ser um meio de cobrança de dívidas muito utilizado pelas
empresas.
Exemplo: não paguei a factura da MEO, da GALP ou da Iberdrola. Além de me cortarem o fornecimento
ao fim de algum tempo, o que é necessário para me cobrarem a factura? Em última análise, vai-se
executar o património do devedor. Penhoram-se os bens, para vender, para satisfazer a dívida – para
iniciar ação executivo, é necessário um título executivo (o principal é a ação declarativa condenatória).
➢ A MEO teria de propor ação declarativa em Tribunal (daí não poderem recorrer nestes casos aos
Julgados de Paz).
➢ O procedimento de injunção (não-judicial) serve para obter títulos executivos mais rapidamente.

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➢ Fórmula executória – o requerimento de injunção sede resposta é título executivo – a pessoa
responder a dizer que não deve nada é o suficiente para não se ter ente carimbo.

CIAC’s (Centros Autárquicos de Informação ao Consumidor)


As competências destes centros são muito diversificadas – passam, em regra por informar os consumidores.
Noutros casos, podem mesmo contactar diretamente com as empresas para tentar a mediação – mediação
informal.
Competência em função da residência – consumidor pode dirigir-se a um CIAC se residir num município que
o tenha.
É um serviço prestado munícipe.

Centros de arbitragem – entidade de resolução alternativa


Há uma diretiva europeia (Diretiva 2013/11 UE, transposta para a lei nº144/2015, que regula a resolução
alternativa de litígios de consumo) – impõe que todos os litígios de consumo, nos EM’s, possam ser
resolvidos por meios alternativos de resolução de litígios.
A forma portuguesa, a par da espanhola, é um sistema que centra fundamentalmente a resolução alternativa
de litígios na arbitragem (na generalidade dos países, o meio preferencial para a resolução alternativa de
litígios de consumo é a mediação).
Temos 9 centros de arbitragem em Portugal, dos quais 8 têm competência territorialmente definida e um
tem tem competência residual (CNIACC). Criado em 2009 - até 2019 esteve na Faculdade – no final do
funcionamento deste centro, fazia-se a Mediação (feita por estudantes da Faculdade, após a licenciatura) e
a Arbitragem.
São entidades privadas, associações de Direito Privado, que têm como associados representantes de
consumidores ou de profissionais.
Na prática, a generalidade dos centros custa 0 para as partes – a lei impõe que seja tendencialmente gratuito
ou com custos reduzidos.

Competência genérica: competência para todos os litígios de consumo.


Centros de Arbitragem de Consumo:
✓ CAACL – Lisboa
✓ CICAP – Porto
✓ CIAB – Braga/Viana
✓ TRIAVE – Guimarães
✓ CIMAAL – Algarve
✓ CACCDC – Coimbra
✓ CNIACC – Residual (para o resto)
✓ CASA – competência no setor automóvel
✓ CIMPAS – competência em matéria de seguros.

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Todo o sistema de arbitragem de consumo funciona em rede, tendo a sua competência definida no
regulamento do próprio centro. Encontramos a competência territorial ou regulamento de cada centro de
arbitragem.
Foi feita uma tentativa de harmonização dos regulamentos, adotada pela generalidade dos centros, salvo a
Madeira. O CASA e o CIMPAS também não o seguem.
Praticamente todos seguem o regulamento harmonizado, menos os de competência específica – artigo 5º
nº1 – regra geral temos o critério da territorialidade – local de celebração do contrato é o critério relevante
para aferir a competência territorial dos Centros de Arbitragem de Consumo.
Outros critérios para definir a competência dos Centros de Arbitragem:
➢ Valor do litígio
➢ A matéria do litígio
➢ Se o contrato for celebrado à distância o critério é o da residência do consumidor (artigo 5º nº2).

Processos nos Centros de Arbitragem


Imaginemos que queremos fazer uma reclamação em Lisboa – meio mais eficaz e simples, em todos os
centros de arbitragem, é preencher o formulário (que é obrigatório estar nos sites dos centros) – começa-se
sempre pela abertura de um processo de reclamação – consumidor deve fazer 3 declarações necessária
para fazer a reclamação:
1. Dever tentar a negociação com a empresa – só se não for possível deve recorrer ao centro de
arbitragem – e, aí, declara que o tentou fazer junto da empresa/reclamado.
2. Quando coloca um “sim” neste ponto (no caso de não ser resolvido por mediação, pretende que seja
resolvido por arbitragem), lembrar as convenções de arbitragem (necessárias, em regra, para que o
Tribunal tenha competência) e o mecanismo de arbitragem necessária – aqui, ao colocar “sim”,
exerce o direito potestativo à arbitragem.
Se se tratar de serviço público essencial, nos termos do artigo 15º da Lei 23/96, o consumidor dispõe
sempre deste direito potestativo, sem limite de qualquer valor.
Se não houver mecanismo da arbitragem necessária, ainda é preciso obter o consentimento da
empresa.
É enviado para o centro, e em princípio juristas ou administrativos do centro que recebem a
reclamação – a primeira coisa que fazem é analisar o requerimento, vendo desde logo se tem
competência territorial para o litígio (se o contrato foi celebrado em Santa Comba Dão, o centro
de Lisboa não tem competência).
Se for competente, tipicamente, há mais uma análise que é feita – será que segue de imediato para
a demandada? Não, primeiro vamos verificar se há o mínimo de fundamento naquele pedido.
Exemplo: o consumidor compra telemóvel na Worten do Colombo e indica como reclamado o Centro
Comercial do Colombo. Ora, aqui, a reclamada servia claramente a Worten, logo o Centro nem
sequer vai notificar a demandada porque não faz sentido. O Centro notifica o consumidor dizendo
que tem de demandar o profissional X) – normalmente há uma análise sumária do caso.

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Quando é manifesto, evidente e claro que o consumidor NÃO tem razão, nem se avança com o processo.
Existe então notificação da empresa/profissional, ao mesmo tempo que se comunica à empresa quais as
consequências e diplomas aplicáveis no caso dos factos alegados pelo consumidor serem dados por
aprovados. A partir daqui já estamos em processo de mediação no próprio centro, consoante a colaboração
da empresa. É feito à distância, através do contacto de Centro (como terceiro mediador) com ambas as
partes.
E, aqui, já estamos num momento que, em litígios de consumo, se chama mediação (quando a empresa,
notificada, disser algo que não seja “não vou negociar soluções, passem para a arbitragem”).
Depois, depende do que a empresa disser – notifica-se o consumidor da resposta da empresa e, em função
da resposta do consumidor, decide-se o que se faz ao caso.
✓ Ou o consumidor concorda e resolve-se por acordo.
✓ Ou o consumidor nega ou faz contraproposta, sendo a empresa contactada e por aí vai.
✓ Normalmente isto é feito à distância através de contacto do centro a cada uma das partes.
A maioria dos litígios resolve-se, com sucesso, nesta fase de mediação (mais de 50%). Quando se conclui
que não é possível o acordo, o processo passa (ou pode passar) para arbitragem.
Aí é designado um árbitro e, tipicamente, é marcada uma audiência arbitral – participam as partes, é
produzida a prova necessária e, após a audiência, em regra, o árbitro decide (tipicamente, centros têm
período de 10 dias). Pelo meio podem haver outros problemas – elementos de prova que resultem da
audiência, prazos para envio de novos documentos, tentativa de conciliação entre as parte pelo árbitro
(árbitro homologa o acordo), processo processuais…

Mediação VS Conciliação
Na perspectiva do prof, na conciliação, o terceiro (conciliador) tem poderes para resolver o litígio no caso de
as partes não chegarem a acordo, coisa que a mediação não possui – relevância de o terceiro poder vir a
decidir o litígio faz com que as partes sejam mais competitivas e mais cuidadosas com o que se diz, ao
contrário do que acontece na mediação.
Não havendo acordo, o árbitro decide e a sua decisão tem valor superior às decisões dos Julgados de Paz
com força equivalente à de um Tribunal de 1ª Instância (recorrível para o Tribunal da Relação nos termos
da LAV).
➢ Não havendo recurso de uma decisão arbitral (que em regra não acontece, pois para haver recurso
tem de ser um valor superior a 5000€) e isto significa que a decisão do árbitro relativamente àquele
litígio, é definitiva.
➢ A única forma de por em causa uma decisão arbitral quando não há cabimento a recurso é através
de uma ação de anulação.
Pretende-se, com ela, anular a sentença, sendo que os fundamentos de anulação estão previstos,
de forma taxativa, no artigo 46º da LAV e passam por anomalias no processo.
Violação de princípios fundamentais do processo civil (com relevância para a decisão),
incumprimento de trâmites processuais, irregularidades formais (como a incompetência), entre
outros.

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NÃO É FUNDAMENTO PARA AÇÃO DE ANULAÇÃO A APLICAÇÃO INCORRETA DO DIREITO.
Exemplo: árbitro ainda aplica a leio de 1985, antiga, sobre o direito ao arrependimento, cujo prazo é
7 dias, em vez dos autuais 15, e o consumidor exerceu em 10. Árbitro indefere – há uma má aplicação
do Direito, pelo que não há fundamento para a ação de anulação, mas pode ser fundamento de
recurso (se o valor for superior a 5000€).
A ação de anulação é proposta ao Tribunal da Relação.
O processo chega então ao fim com a sentença arbitral – aí, o Centro deixa, então de ter competência.

CASO 14: Joaquim mora em Lisboa e deslocou-se ao Algarve de férias tendo comprado um telemóvel no
Fórum Algarve. Que Centro de Arbitragem terá competência para o tratamento dos litígios eventualmente
resultantes do contrato de compra e venda do telemóvel? Joaquim poderá também recorrer a algum CIAC?
E Julgado de Paz?

Resposta: neste caso, o centro com competência para a resolução de eventuais litígios será o CIMAAL,
com base no critério do local de celebração do contrato, nos termos do artigo 5º do regulamento harmonizado
no mesmo centro.
Casos nos contratos celebrados à distância: artigo 5º nº2 do mesmo regulamento.
Competência em razão do valor: artigo 6º (até 30 000€).
CIAC: não há em Lisboa. Portanto não pode ser.
Pode recorrer a julgados de paz por força do artigo 9º nº1 a) ponto i).
Artigo 12º nº1: artigo especial relativo ao cumprimento/não cumprimento de obrigações. No entanto, é
relevante mencionar que NÃO há Julgados de paz no Algarve. Portanto, o Joaquim não poderá recorrer à
partida aos Julgados de Paz. Não pode também recorrer ao CIAC podendo apenas recorrer a um centro de
arbitragem.

CASO 15: Qual o centro de arbitragem competente se o valor de um litígio resultante de contrato de consumo
celebrado em Lisboa for de € 8.000? O consumidor poderá também recorrer a algum CIAC? E julgado de
paz?

Resposta:
Não poderá recorrer a Centro de Arbitragem porque está ultrapassado o limite do valor presente no artigo
6.º do regulamento do CACCL.
CNIACC pode, o valor do artigo 6.º não foi ultrapassado;
CIAC: não há em Lisboa;
Se o valor for superior a €30.000, nenhum dos centros é competente. Obriga-se a ir a um tribunal dito
“normal”;
Se o consumidor for de Lisboa não poderá recorrer a CIAC;
Julgados de paz: não sabemos nem a sede, nem a matéria do litígio;
Se olharmos exclusivamente para o valor, os Julgados de Paz possuem competência.

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CASO 16: Isabel, residente no Porto, celebrou um contrato de compra e venda de um presunto vegan
através da Internet com a empresa Jamones Veganos, sedeada em Espanha. O presunto, enviado
diretamente da sede da empresa, em Barcelona, não foi entregue e Isabel pretende recorrer a um centro de
arbitragem. Pode recorrer a algum centro?

Resposta:

Competência territorial do CICAP;


Contrato à distância – artigo 5.º, n.º 2: pode ser utilizado para definir a competência deste centro no caso
concreto;
Caso Isabel tivesse comprado presencialmente, não estaria protegida pela legislação portuguesa –
“não viajo nem com a minha lei, nem com os meus tribunais”;
Diferente é o caso em que alguém que está em Portugal é contactado por alguém de fora;
NOTA SOBRE OS TRIBUNAIS ARBITRAIS

Ao atribuir-se competência a um tribunal arbitral está a dar-se competência jurisdicional a privados, e a


limitar-se, de certa forma o acesso à justiça (justiça estadual, pelo menos).

Assim sendo, a atribuição de poderes jurisdicionais aos árbitros, tem origem nas partes, tem fonte contratual.
A arbitragem em geral é de fonte contratual;
A arbitragem surge em 2 vertentes:

✓ Nos contratos de maior valor – em especial contratos internacionais (derivado das vantagens da
arbitragem) – a arbitragem de consumo encontra-se no exato polo oposto – litígios de consumo de
pequeno valor.

A existência destes centros de arbitragem por via legal, impede que as empresas “obriguem” o consumidor
a recorrer a um tribunal judicial normal (tendo em conta que a arbitragem surge por acordo);
Figura da adesão plena: os centros eram ativos a tentar fazer com que as empresas aderissem aos centros
de arbitragem;
A informação de que uma empresa adere ao centro tem que estar disponível ao público nos termos do
artigo 18.º da Lei da RALC;
As cláusulas de resolução de litígios em geral não vinculam o consumidor, permitindo a este optar pela
escolha do método de resolução. No entanto, vinculam apenas a empresa;
Desde 2011, no regime dos serviços públicos essenciais, lei n.º 23/96, e desde 2019 na lei de defesa do
consumidor, existe um mecanismo que se chama “arbitragem necessária” – artigo 14.º da lei de defesa do
consumidor:
✓ N.º 3: “alçada de primeira instância” = €5.000;
✓ Temos um Direito Potestativo do consumidor de iniciar um processo arbitral num destes centros;
✓ Assim, a empresa está vinculada a arbitragem até €5.000, o que corresponde à esmagadora maioria
dos litígios;

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✓ Se estiver em causa um serviço público essencial temos o artigo 15.º da lei dos serviços públicos
essenciais – no que respeita a estes serviços, este Direito existe independentemente do valor.

CASO 17: Manuel celebrou um contrato de compra e venda de um automóvel usado por € 4.500 e um
contrato de crédito ao consumo com a Créditos Lindos, S.A., devendo este crédito ser considerado coligado
ao contrato de compra e venda. Manuel poderá propor uma ação arbitral no CASA, ao abrigo da modalidade
de arbitragem prevista no art.º 14.º da Lei de Defesa do Consumidor, contra a Créditos Lindos, S.A., para
que este reconheça a resolução do contrato de crédito, na sequência da resolução do contrato de compra e
venda?

Resposta:
Analisando o valor, é possível concluir que sim.
Competência material: estamos no âmbito de um contrato de consumo do setor automóvel;
Regulamento CASA – artigo 1.º, alínea d). Não podemos interpretar estas normas extensivamente pois
estamos a lidar com princípios/valores fundamentais.
Portanto, o CASA não tem competência, pois ainda que o crédito tenha ligação com um contrato de Compra
e Venda automobilístico, o CASA não tem competência nessa matéria.

CASO 18: A empresa HJK tem um autocolante colado no seu estabelecimento com a seguinte indicação:
“Resolva o seu litígio no Centro de Arbitragem de Consumo CCC. Nós estamos lá!”. O centro não recebeu
qualquer informação de adesão relativa a esta empresa. Sara tem um litígio com a HJK, no valor de € 7.000,
e iniciou um processo de arbitragem no centro CCC. A empresa respondeu dizendo que não aceitava
resolver aquele litígio por arbitragem, pretendendo resolver a questão num tribunal judicial. O que lhe
parece?

Resposta:
Não existe a arbitragem necessária nos termos do artigo 14.º da Lei de Defesa do Consumidor;
Também não parece estarmos perante serviços públicos essenciais;
O artigo 18.º da Lei n.º 144/2015 estabelece que as empresas têm que informar quando aderem a centros
de consumo:
✓ Na redação original tiveram que informar sempre, quer estivessem quer não, com a adesão feita a
um dos centros;
✓ Entretanto este artigo foi alterado e só se deve informar quando estejam vinculados;
✓ Em 2019 a lei é alterada, introduzindo o mecanismo presente no artigo 14.º: este mecanismo,
conjugado com o artigo 18.º, significa que voltou a ser obrigatório a todas as empresas informar,
porque todas as empresas estão vinculadas em litígios até €5.000;
✓ Portanto, o artigo 18.º, em termos práticos, voltou ao seu efeito original.
Neste caso estamos perante uma cláusula arbitral:
Aqui, estamos perante uma adesão plena que deve ser interpretada nos termos do artigo 236.º CC;

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Uma pessoa média olha para esta mensagem e pensa que poderá recorrer a este centro de arbitragem
qualquer que seja o litígio.
Assim, podemos concluir que é uma proposta contratual de adesão a arbitragem.
O mais importante aqui é que a empresa não pode vir dizer que não aceita a jurisdição do centro de
arbitragem, porque se vinculou a participar nos processos.

CASO 19: Belmiro celebrou um contrato com uma empresa, que incluía a seguinte cláusula: “Para a
resolução de todos os litígios emergentes do presente contrato, as partes atribuem competência ao Tribunal
Judicial da Comarca de Portimão, com renúncia expressa a qualquer outro”. Se houver um litígio entre as
partes, Belmiro pode impor à empresa a sua resolução por arbitragem num centro de arbitragem de
consumo?

Resposta:
Se for um litígio com causa inferior a €5.000, o consumidor tem o direito potestativo de ir para a
arbitragem – pode, quando celebra contrato com uma empresa, incluir nele uma cláusula que estabeleça
que abdica de arbitragem e vai para o Tribunal Judicial de Portimão – liberdade contratual (princípio
fundamental do nosso OJ) abrange, em regra, a competência de decidir qual a autoridade competente
para decidir – o foro;
Quanto aos centros de arbitragem, não há liberdade contratual – spoiler alert;
Mesmo quanto aos Tribunais Judiciais, não há sempre liberdade;
Princípio da Liberdade Contratual:
✓ Partes são livres, à partida;
✓ Princípio nunca é afastado? Podem as partes fazer sempre o que quiserem, por acordo? Art.º 405.º,
n.º 2 do CC. Há outra norma que enquadra todas as exceções (tirando a boa-fé) à liberdade
contratual – art.º 280.º, números 1 e 2 do CC, sobre a nulidade:
Nulo o NJ com objeto contrário à lei – lei pode limitar a liberdade contratual – se estiver em causa o
conteúdo do NJ (elementos externos são com o art.º 294.º) – nem contrário à Ordem Pública e aos
bons costumes – pode qualquer lei limitar a liberdade contratual? Assim, o princípio não seria tão
relevante...
Resolução Bica:
Se for litígio de valor inferior a €5.000, à partida temos direito potestativo do consumidor de iniciar arbitragem,
contrariamente à vontade da empresa;
As partes nem sempre podem fazer tudo o que querem por acordo, ou seja, a liberdade contratual não é
absoluta – temos o art.º 280.º, n.º 2 do CC: nulidade do negócio cujo objeto seja contrário à ordem pública,
lei, bons costumes, etc…; para o prof., esta é a norma que estabelece o limite mais importante à liberdade
contratual, a propósito do conteúdo contratual;

Qualquer lei pode limitar a liberdade contratual?

23
Para o prof. só devem haver normas imperativas na medida em que se vise salvaguardar outros interesses
(de ambas as partes; de terceiros – normas para proteção de concorrentes, por ex.; interesse geral; proteção
de uma das partes do contrato contra a outra, como é o que acontece no consumo – aqui a liberdade
contratual é algo ficcionada, tendo em conta a desigualdade entre as partes);
Logo, se concluímos que não existe nenhuma vantagem substancial inerente à imperatividade das normas,
a norma não pode ser imperativa.

O regime das CCG’s proíbe que através de CCG’s se imponha ao consumidor um fórum que seja prejudicial;
As normas do art.º 14.º da Lei de Defesa do Consumidor e do art.º 15.º do regime dos Serviços Públicos
Essenciais são imperativas:
❖ O consumidor não pode renunciar a esse direito potestativo a iniciar processo de Arbitragem;
❖ Se assim não fosse, quase todas as CCG’s (muito comuns em contratos de consumo) poderiam
incluir cláusulas de renúncia deste direito (mas atenção que o regime das CCG’s já o proíbe).

Art.º 13.º/1 Lei n.º 144/2015 + Art.º 16.º da Lei de Defesa do Consumidor + normas relativas ao direito
potestativo que assiste aos consumidores de recorrer à Arbitragem:
❖ Qualquer cláusula incluída num contrato que limite os direitos dos consumidores no que respeita à
resolução de litígios é nula – o que não obsta a que as opções de que dispõe o consumidor se vão
reduzindo consoante as suas decisões (se escolhe iniciar processo de arbitragem, não pode depois
querer ir a um tribunal judicial).

Logo, a empresa não pode impor cláusula nos termos da qual o consumidor só pode intentar ação num
Tribunal judicial;
O consumidor tem sempre de poder escolher o que fazer perante litígio – qualquer cláusula em sentido
contrário não vincula o consumidor.

Regime Geral do Contrato de Consumo


Formação do contrato:
Não há regras especiais – de direito do consumo, relativas à forma do contrato – nenhuma norma estabelece
que os contratos de consumo estejam sujeitos a forma especial.
Forma – regra geral é a da liberdade de forma – autonomia privada, liberdade contratual – art. 219º CC.
Na prática, a esmagadora maioria dos contratos de consumo não está sujeita nem adota (ou se convenciona)
forma especial.
Ressurgimento do formalismo:
▪ É indiscutível que a esmagadora maioria não está sujeita a forma especial.
▪ Celebro contrato de consumo na maquina de café e não adoto forma especial na celebração deste
contrato.

CASO 20: (contratos sujeitos a forma especial)

24
Um dos seguintes contratos de consumo não está sujeito a forma especial. Qual?
a) Contrato de compra e venda de um terreno no valor de € 10.000;
b) Contrato de compra e venda de um verniz para as unhas celebrado na sequência de contacto telefónico
promovido pelo profissional, valor de €2,20;
c) Contrato de compra e venda de um automóvel no valor de € 175.000.
d) Contrato de crédito ao consumo no valor de €250,00.

Resposta:
Alínea a):
Está sujeito a forma especial – não havendo regra específica, vamos à regra geral do art.º 875.º do CC –
CCV de bens imóveis devem ser celebrados por documento escrito autenticado ou por escritura pública –
esta forma especial, por resultar do CC, não é uma norma do Direito do Consumo, é uma norma geral para
a CV de bens imóveis.

Alínea b):
Temos de ir ver o regime – contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento – neste caso, é um
contrato celebrado à distância – DL n.º 24/2014 – diretiva foi transposta na sexta-feira – lei n.º 10/2023
(alterações não são muito significativas);
Regras relativas à forma – art.º 5.º:

✓ Regra é a liberdade de forma;


✓ No entanto, existe uma exceção – n.º 8: quando celebrado por telefone, o consumidor só fica
vinculado depois de assinar a oferta ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor de bens
ou prestador de serviços, exceto nos casos em que o primeiro contacto telefónico seja efetuado pelo
próprio consumidor;
✓ Quando o contrato for celebrado por telefone, o consumidor só fica vinculado depois de entregar o
seu consentimento por escrito – requisito de forma de que uma das declarações tem de ser por
escrito (ex.: envio de mensagem SMS – responda SIM – o SIM é o acordo por escrito);
Em suma, neste caso está, sim, sujeito a forma especial – a declaração do consumidor tem de ser por
escrito.

Alínea c):
Não há qualquer regra sobre forma no regime de compra-e-venda de bens de consumo;
Não está sujeito, portanto, a forma especial – partindo do pressuposto que se aplica este diploma;
Código, em 1966, tinha uma lógica – o que é valioso são os imóveis – tudo o resto, phoda-se;
Segue-se a regra geral do art.º 219.º do CC.

Alínea d):
Art.º 14.º da lei n.º 133/2009 – estão sujeitos a um requisito de forma;

25
N.º 2 fala até do momento de assinatura do contrato de crédito – apesar do n.º 1 abrir a possibilidade de não
haver assinatura – n.º 2 impõe, aliás, o documento escrito e assinado;
Está sujeito a forma especial, independentemente do valor;
Atenção que é necessário ter em conta o âmbito do regime do crédito ao consumo – se virmos o art.º 2.º,
n.º 1, al. c), estão excluídos do âmbito deste regime os contratos abaixo de €200 e acima de €175.000 –
prof. não percebe o porquê deste teto máximo, pois deve-se proteger o consumidor, tanto mais quanto maior
for o valor do crédito.
Outro contrato sujeito a forma especial é o contrato celebrado fora de estabelecimento comercial:
▪ DL n.º 24/2014;
▪ Se a regra no contrato à distância é não exigir forma especial,o contrato deve ser redigido a escrito
(art.º 9.º) e deve cumprir, sob forma de nulidade, os requisitos do art.º 4.º:
Na perspetiva do prof., a ideia de redução a escrito e assinatura das partes, inclusão de determinados
elementos e pena de nulidade implicam uma exigência de forma especial.

CASO 21: Susana, consumidora, resolveu aceitar a proposta feita por um funcionário de uma instituição de
crédito para a celebração de um contrato de crédito pessoal, no valor de €5.000, com um juro relativamente
baixo. O valor foi entregue, mas Susana não assinou nem ficou com qualquer documento. A instituição de
crédito pretende agora declarar a nulidade do contrato. Pode fazê-lo?

Resposta:
Regime dos contratos de crédito ao consumo – DL n.º 133/2009 – é consumidora;
Saber se é contrato de crédito ao consumo abrangido pelo diploma – parece ser, sim, pois celebrou um
contrato de crédito;
A questão a discutir, aqui, é a questão da forma – art.º 12.º, está sujeito a forma especial;
Consequência do incumprimento – art.º 13.º, n.º 1 – o contrato de crédito é nulo se não for celebrado por
escrito, assinado pelas partes, com exemplar entregue ao consumidor;

Pode o Banco pôr em causa este contrato?


Invalidade só pode ser invocada pelo consumidor – art.º 13.º, n.º 5, pelo que a empresa, a instituição de
crédito, o credor, o profissional, não podem invocar a invalidade;
Prof. acha que também deve ser assim interpretado o regime dos contratos celebrados fora do
estabelecimento comercial – este requisito de forma serve para proteger o consumidor, limitando a
autonomia privada;
Norma é muito problemática:
✓ Não em casos como este;
✓ Regra geral do CC é que todo e qualquer interessado pode arguir a nulidade – não apenas, mas
também os tribunais, oficiosamente – o problema desta norma do regime do crédito ao consumo é
precisamente esta parte – limite à nulidade é o abuso de direito e as inalegabilidades formais;

26
✓ Imaginemos que o consumidor quer a resolução do contrato, quer-se desvincular – Tribunal conclui
que não havia nada, nem incumprimento nem direito ao arrependimento, mas que o contrato não
cumpriu a forma exigida, mas o consumidor não invocou a falta de forma (que, supostamente, tinha
de ser invocada por ele) – pode o Tribunal conhecer oficiosamente? A maioria da jurisprudência
entende que não:
O prof. entende que, para além de poder, deve – quando neste regime se estabelece que a nulidade
só pode ser invocada pelo consumidor, só há um objetivo para se estabelecer esta regra especial –
proteger o consumidor, impedindo que a outra parte, o credor, venha arguir a invalidade;
Assim, a norma não deve ser interpretada no sentido de desproteger o consumidor – só pode ser
invocada pelo consumidor, leia-se “não pode ser invocada pelo profissional” – deve ser de
conhecimento oficioso, mas Tribunal deve, pelo menos, poder inserir a questão no processo, pedir
ao consumidor que se pronuncie sobre essa questão;
Relevância prática – tipicamente, temos casos de contratos de crédito que não foram cumpridos
pelos consumidores – ação proposta pelo profissional, que vem exigir pagamento do montante do
crédito (+juros):
Juiz percebe que não foi cumprido o requisito formal, ou que não foi entregue o exemplar, pelos
dados do processo;
Qual a diferença para o consumidor, neste caso, entre o juiz considerar que é nulo ou não?
Tem de devolver o montante mutuado, mas não terá de pagar os juros;
São muitos os processos que chegam a Tribunal com este objeto, daí a relevância prática de o
Tribunal conhecer oficiosamente ou, pelo menos, chamar a atenção do consumidor para este aspeto.
Que problema prático teria o consumidor se este contrato pudesse ser declarado nulo por exigência do
Banco?
❖ Não ter o dinheiro para restituir – se o contrato é nulo, teria de restituir os €5.000, que provavelmente
já não tem – mesmo o consumidor tem de ponderar se quer a nulidade do contrato;
❖ Daí a questão se colocar já em contratos incumpridos, para saber quanto é que o consumidor tem
de pagar ou devolver ao profissional/credor.

Não há limite de tempo, quanto ao art.º 13.º, n.º 5, para invocar a nulidade:
✓ Porém, temos o limite geral imposto pelo instituto do abuso de direito;
✓ Quando impõe que os contratos sejam celebrados por escrito, a lei impõe ao profissional, à instituição
de crédito, que faça o necessário para que estes requisitos sejam cumpridos – se falta um requisito
de forma ou uma formalidade no contrato de crédito, esta é imputável ao profissional, pois não agiu
da forma que deveria agir – e se não agiu como devia no momento da celebração, não pode,
posteriormente, vir invocar a má-fé do consumidor;
✓ Claro que o abuso de direito só se pode aferir no caso concreto – pode haver casos diferentes, em
que, por exemplo, o consumidor se recuse a aceitar;
✓ Regra geral, o profissional não está de boa-fé, e por isso não pode posteriormente vir invocar a má-
fé do consumidor para se opor à arguição de nulidade (um dos requisitos para o abuso do direito é o

27
tu quoque (“tu também não agiste corretamente”): logo que a falta de forma é imputável ao credor
este não pode opor-se ao direito do consumidor de arguição da nulidade com base em abuso de
direito;
✓ Tu quoque: tu também não agiste corretamente, forma de paralisar a aplicação do abuso de direito
– consumidor pode contra-atacar – é o que sucede, em regra, na perspetiva do prof., em casos de
contratos de crédito;
Jurisprudência muito dividida nesta matéria.

CASO 22: Úrsula, representante de uma empresa de alarmes, deslocou-se a casa de Tiago para apresentar
o novo e muito eficaz alarme FIXE. Tiago gostou, ficou com o alarme e pagou o preço (€ 3000), sem assinar
qualquer documento e tendo ficado apenas com um recibo. Seis meses depois, Tiago perde o emprego e
quer saber se pode desvincular-se do contrato e pedir a devolução do dinheiro.

Resposta:
Contrato celebrado fora do estabelecimento comercial – art.º 9.º do DL n.º 24/2014, está sujeito a forma
especial;
Não foi adotada forma especial – consequência é a nulidade;
Questão que se coloca é: Tiago quer arguir a nulidade do contrato. Pode fazê-lo?
É o consumidor que quer invocar a nulidade – não temos informação sobre se a falta de forma é imputável
ao profissional?
Temos de saber se o requisito de forma não é exigido ao profissional – deixou o profissional de agir como
deveria agir, empregando os meios necessários para celebrar o contrato por escrito e entregar a cópia do
contrato ao consumidor?
Circunstância de perder o emprego é irrelevante para o caso – não é por terem passado 6 meses que Tiago
deixa de ter direito a arguir a nulidade, que pode ser arguida a todo o tempo – a razão que o leva a perceber
a nulidade (consumidores, em regra, não fazem a mínima ideia dos requisitos de forma do art.º 9.º) – o
consumidor em regra não sabe que os contratos têm de ser celebrados com determinada forma especial –
nos casos dos contratos celebrados à distância, a pressão sobre o consumidor é maior e por isso o
profissional deve ter um dever acrescido de cumprir com as suas obrigações legais, como o de comunicação
de que há forma especial;
Figura do abuso de direito tem de ter em conta que é um caso de nulidade e não de anulabilidade (se fosse
anulabilidade, tinha um prazo de 1 ano a partir do conhecimento, podendo também haver abuso de direito);
O que faz da conduta do Tiago potencialmente abusiva é o facto de ele ter perdido o emprego;
Prof. tenderia a dizer que se pode desvincular do contrato – quer-se que olhemos para o contrato e lembrar-
nos que:
Arguição da nulidade pode ser abusiva – abuso de direito nestas circunstâncias é limitado na sua invocação.

CASO 23: Vanessa entrou no supermercado e viu numa prateleira as panelas que procurava há mais de
dois anos. Não continham a indicação do preço. Perguntou a um funcionário, que lhe disse, lamentando a
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situação, que não podia vender as panelas, porque não sabia qual era o seu preço. Vanessa quer
desesperadamente as panelas. Pode fazer alguma coisa?

Resposta:
Exposição de panelas, num supermercado, numa prateleira, sem preço – é uma proposta – o preço é
essencial (é prestação principal), mas pode não estar determinado;
É uma proposta contratual:
✓ Adequação formal – não há forma especial;
✓ Firmeza;
✓ Precisão;
✓ Completude – é completa sem preço?
Depende da situação, mas pode ser completa sem preço;
Há uma norma do CC que prevê a celebração de CCV sem determinação do preço – art. 883º (preço
normalmente praticado pelo profissional, sendo que em última análise o Tribunal decide segundo regras de
equidade);
Há normas de consumo, no entanto, (nomeadamente art. 8º da lei de defesa do consumidor, ou o regime
do art. 9º e 10º do regime das práticas desleais) que obrigam à indicação do preço – a não-indicação é ilícita,
e está sujeita a contraordenações;
Não é, no entanto, por isso que deixa de ser uma proposta contratual, apesar de obrigatório.
Juridicamente, tendo o contrato sido celebrado, a Vanessa pode aceitar a proposta, ficando celebrado o
contrato, e exigir a entrega e comprometer-se a pagar o preço (não se sabendo o habitualmente praticado,
terá de decidir um Tribunal por juízos de equidade);
Na prática, vai ser difícil resolver este litígio.

CASO 24: Vítor precisava de comprar uma poltrona e foi ao AKEA. Perguntou o preço de um dos artigos
em exposição ao funcionário, que lhe respondeu com as seguintes palavras: “não sei bem, mas nessa
secção só tem coisas baratas”. Vítor pode exigir comprar a poltrona por €15,00?
Resposta:
O facto de não ter indicação de preço é um problema – há várias normas no OJ que impõem a indicação do
preço em relações de consumo – art. 8º da Lei de Defesa do Consumidor – tem sempre de ser indicado
incluindo taxas e impostos.
Outros exemplos:
✓ DL nº 138/90 – regime da indicação de preços;
✓ Assim como o diploma que regula as práticas comerciais desleais (que considera a omissão do
preço, assim como das taxas e impostos, uma prática desleal).
AKEA não indicou o preço, incumprindo estes regimes – estão previstas sanções
contraordenacionais;
Infelizmente, não se aproveitou para introduzir regime sancionatório na lei de defesa do consumidor –
Portugal continua a incumprir o Direito Europeu, que impõe sanções contraordenacionais neste âmbito.
29
Não confundir regras que impõem sanções contraordenacionais com regras relativas à determinação do
preço – a omissão do preço é um ilícito contraordenacional, mas não quer dizer que não seja uma declaração
contratual qualificável enquanto proposta (relembrar caso anterior da Vanessa – art. 883º do CC – sendo
determinável, não afeta a realização do contrato):

Claro que se disser, de forma clara, €100+IVA, é uma infração contraordenacional, mas o preço é
efetivamente superior a €100 do ponto de vista contratual.

Nos termos do art. 883º tem de se ver qual o preço habitualmente praticado, ou deve ser fixado em Tribunal
segundo juízos de equidade – “só coisas baratas” não tem nada que justificar pagar apenas 15€;
Sobre o comportamento do profissional – incumpre deveres de informação – eventualmente, pode ser
qualificada como prática comercial desleal:
✓ Omissão enganosa – artigos 9.º e 10.º do regime das práticas comerciais desleais;
✓ Prática comercial por ação – não na parte da indicação do preço, mas na parte do “só tem coisas
baratas”, que pode enganar o cliente.
O que tenho de fazer para saber o conteúdo de um contrato? Interpretar as declarações das partes, o que
vale para contratos no geral e, por isso, também para contratos de consumo – art. 236º do CC, o critério do
declaratário normal (ser claro para um declaratário normal, p.ex., o preço do bem, ser claro para um
consumidor normal que entre numa loja de 1,5€ que existem bens que custam mais do que 1,5€):
Imaginemos que temos uma loja que é a loja do 1,5€, e não tem nenhum preço afixado – um declaratário
normal entende que tudo custa 1,5€, e nesse caso a loja não pode cobrar mais;
A frase "nesta secção só tem coisas baratas" tem, na opinião do Prof., um forte potencial para
constituir uma declaração não séria e, neste caso, não vale;
Se puder ter algum conteúdo, se houver alguma coisa que dê relevância a esta declaração, e a poltrona
custar, depois, 200€ ou 300€ (for cara), nesse caso poderá haver uma prática comercial desleal.

Práticas comerciais desleais – consequências:


✓ Sanção contraordenacional pela entidade reguladora;
✓ Consumidor pode, se celebrar o contrato neste âmbito, resolver o contrato ou pedir uma redução do
preço e, ainda, pedir uma indemnização civil, nos termos gerais;
✓ Pode ser proposta ação inibitória – qualquer interessado pode obrigar a empresa a cessar a prática
em causa;
Neste curso, interessam-nos sobretudo as consequências contratuais de direito privado – resolução do
contrato e redução do preço.

NOTA – legislação de consumo – art.º 4.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 24/2014 – dever de informação (alterações
da passada sexta-feira à legislação):

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Lei n.º 10/2023 eliminou as palavras “caso existam” – isto significa que é obrigatório haver o endereço
eletrónico e o número de telefone – até agora, quem contratava à distância só tinha de os indicar se os
tivesse, e agora é obrigado a ter – quem contrata à distância tem de ter um e-mail e um n.º de telefone para
contacto pelo consumidor.
Esta alteração resulta da Diretiva 2019/2161, transposta em dezembro de 2021, pelo DL 109-G de 2021,
mas só se corrigiu agora este problema.
Depois, há alterações nos regimes sancionatórios de cinco diplomas, mas não são tão relevantes para a
nossa cadeira.

CASO 25: Xénia, consumidora, entrou numa conhecida loja de roupa e retirou uma camisola de uma caixa
que continha a indicação “Tudo a €10,00”. Quando chegou à caixa percebeu que a camisola estava naquela
caixa por engano, custando €23,00, tal como indicado na etiqueta. Xénia ficou sem saber o que fazer. O que
lhe diria?

Resposta:
Primeiro, temos de saber se há contrato e quais são os termos do contrato.
Há ou não proposta?
❖ Proposta ao público;
❖ Completude, firmeza, precisão e adequação formal;
❖ Não está sujeito a forma especial – art.º 219.º;
❖ Parece completa, precisa e firme – os bens expostos, em estabelecimento comercial, são para
venda, à partida, se não houver indicação em contrário.

Preço incluído na proposta contratual – conteúdo, cláusulas, relativas ao preço – proposta de venda
da camisola por €23,00 ou €10,00?
O que entenderia o declaratário normal em relação à declaração do vendedor? Que seria tudo a €10,00,
porque nem veria a etiqueta.
Pode ter sido uma pessoa sem querer a deixar lá a camisola, não tem necessariamente de ser o
empregado...
Temos de ver a caixa – se estão na caixa camisolas iguais dobradinhas como esta, mesmo vendo a etiqueta,
um declaratário normal entenderia que estava tudo a €10,00.
Agora se, na caixa, estão cintos, e há uma camisola toda amolgada lá para o meio – um declaratário normal,
provavelmente, já não consideraria que a camisola devia estar naquela caixa;

Temos de ir lá pelo contexto:


✓ Se parecer que aquele bem é um dos bens que deveria estar na caixa, cujo preço eram €10,00,
então será esse preço;

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✓ Se, por outro lado, resultar evidente de que aquela camisola não deveria estar ali, então devemos
entender que o declaratário normal deveria entender que a proposta era de €23,00 – manifestamente
fora do sítio.

Consumidor não deve aproveitar-se do sistema para contrariar as regras aplicáveis:


Art.º 236.º, n.º 2: vontade real do declarante – se o declaratário conhecer a vontade real, é essa última que
prevalece.
Quando coloca na caixa é o ato de celebração do contrato – ato material de dar à pessoa da caixa para
passar no scanner;
Imaginemos que entrego a camisola ao funcionário, convencido de que o preço são €10,00, mas um
declaratário normal entenderia que são €23,00 – há figuras que nos permitem resolver esta situação,
nomeadamente o erro (arts. 247.º e ss. do CC) – a invocação do erro, na prática, é de imediato
operacionalizada, e o contrato é anulado;
Imaginemos que chego à loja, entrego a camisola ao funcionário mas, no fim, verifico que me esqueci da
carteira, e não tenho dinheiro para pagar – há resolução, há uma cláusula tácita incluída no contrato e
considera-se que o contrato é resolvido. Pedindo o consumidor para reservar o bem, podemos ter uma
dilação do pagamento do preço, um acordo quanto ao momento do pagamento do preço (em regra funciona
quase como um contrato de reserva do bem, apesar de este apenas vincular o profissional, mas vai depender
do que tiver sido acordado).

CASO 26: Manuel, de 14 anos, foi com a mãe ao supermercado Insular. Enquanto a mãe selecionava
cuidadosamente as hortaliças que traria para casa, Manuel atirou 20 caixas de bolachas para dentro do
carrinho. A mãe disse que não compraria tamanha quantidade de bolachas e começou a devolver os itens
à prateleira. Manuel, que tem aulas de consumo na escola, disse-lhe que não o podia fazer, pois uma vez
introduzido o artigo no carrinho, já não se podia arrepender. Manuel tem razão?

Resposta:
Proposta contratual relativa às bolachas? A aceitação só se dá, em princípio, até ao momento em que o
bem é entregue na caixa – Manel é grande burro porque ainda não há contrato nenhum.
Há alguns casos, no entanto, em que se justifica que a celebração possa ser em momento anterior:
➢ Exemplo: vou a um talho e peço 250g de costeletas daquela forma, especificamente para mim –
obviamente, nesse momento, aceitei a proposta contratual relativa à compra-e-venda das costeletas
– manifestação clara da vontade;
➢ Exemplo: se Manuel tivesse comido as bolachas, ou as estragasse, ou as atirasse às pessoas... – a
parte, no entanto, neste contrato, seria o Manuel (enquadra-se nas exceções à incapacidade de
exercício).

32
CASO 27: Anacleto viu uma loja com a designação “Viva o Fisco!” e ficou muito curioso, pelo que decidiu
entrar. Quando se preparava para pagar as suas compras, leu uma indicação no balcão: “Não aceitamos
pagamentos em numerário”. Anacleto não usa cartão multibanco. Se reclamar, tem razão?

Resposta:
Problemas de CCG’s? Talvez. Neste caso, para além de ver se há contrato, temos de ver se as cláusulas
estão validamente incluídas – mas não é isso que nos interessa, neste caso;
Aqui, a questão é saber se se pode proibir o pagamento em notas e moedas?

✓ Nenhum estabelecimento é obrigado a aceitar pagamentos através de cartões bancários, desde que
seja claro, pelo que se fosse a situação contrária, estava tudo ok;
✓ Também pode, livremente, definir um limite (“a partir de determinado valor”, ou “só para este tipo de
produtos”);
✓ Esta cláusula, no caso, é mais problemática – porque as notas e moedas têm curso legal em Portugal,
e limitar o pagamento em notas e moedas é mais questionável. Para o prof., só segundo certos
fundamentos se deve admitir esta hipótese:
Razões de segurança – sítio isolado ou na rua, que possa ter fundamento para não andar com
dinheiro.

Regime jurídico TVDE – prevê, expressamente, que o pagamento tem de ser feito através de cartão de
crédito – seguiu-se a prática da empresa UBER – a própria lei proíbe, em contratos TVDE, que o pagamento
seja feito em dinheiro – caso de situação excecional, extraordinária.
É difícil dar uma resposta de “sim” ou “não”, aqui – temos é ferramentas para responder à questão – seria
necessário ir analisar com mais pormenor legislação sobre dinheiro físico, nomeadamente a regulamentação
do Banco de Portugal.

CASO 28: Mónica sentou-se numa esplanada e pediu uma tosta mista e uma meia de leite. O empregado
trouxe-lhe a conta, a qual incluía uma taxa de esplanada de €2,50, conforme indicado num placard bem
visível à entrada do estabelecimento. Entretanto, chegou Narcisa, com quem Mónica tinha combinado
encontrar-se, que pediu um café. Quando pediu a conta, além do preço do café, foi cobrada a taxa de
esplanada de €2,50. Mónica pretende agora saber se pode ser cobrado um valor pela utilização da
esplanada e se esse valor pode ser cobrado várias vezes. O que lhe diria?

Resposta:

Resolver pela interpretação – temos contrato?


✓ Proposta – neste caso, é feita pelo café – consubstancia-se no menu ou lista dos bens que vende –
mesmo sem menu, quando entro numa pastelaria peço as coisas, mesmo sem saber o preço (em
momento anterior) – um café com as portas abertas é suficiente para um declaratário normal
entender que há proposta para celebração do contrato de meia de leite e tosta;

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✓ Não há objeto – é completa, dando uma série de opções – objeto vai ser determinado no momento
da aceitação – sim aceito tosta mista comer – aceito a proposta, especificando na aceitação o objeto
do contrato.

E a taxa de esplanada? Faz parte da proposta?


É uma CCG – só faz parte da proposta se tiver sido publicitada e esclarecida no regime das CCG’s, artigos
5.º e 6.º. Digamos que sim, que faz parte da proposta.

Imaginemos que diz à porta do café – “Taxa de esplanada - €2,50” – como é que um declaratário normal
entende esta declaração?
Esta taxa é pelo serviço de o empregado ir à esplanada ou por eu utilizar a esplanada? A razão é para
utilização da esplanada, à partida. Eu sento-me com outra pessoa, e não faz sentido cada um pagar
individualmente ou pagar-se por cada vez que vem alguém dar comida.
Temos de ver as circunstâncias, claro.
Por mesa? Por pessoa?
➢ A Mónica já pagou em momento anterior – Narcisa chega depois. Se chegar um amigo duas horas
depois? Uma pessoa pode ficar na esplanada o dia todo, vai pedindo coisas de hora a hora ou pede
só uma garrafa de água e paga apenas uma taxa de esplanada, ficando lá a tarde toda – aqui haveria
abuso de direito;
➢ Taxa de utilização deve ser por esplanada, e por mesa – se forem chegando sucessivamente,
não faz sentido que seja por mesa, em especial se já tiverem caso – se a Mónica e a Narcisa tivessem
chegado ao mesmo tempo, teria sido apenas dois euros e meio. Se depois de pago e consumido por
Mónica, chega Narcisa e pede um café, é mais dúbio se se pode cobrar a taxa de esplanada – é
sempre importante a questão do tempo (pode ser abusivo cobrar a taxa se o meu amigo chegarem
logo, da parte do café / ou da parte dos consumidores, se Mónica e Narcisa nem se conhecem mas
se sentam juntas para não pagar a taxa).

CASO 29: Anacleto levou a sua viatura à oficina da Reparamos Tudo, Lda., para diagnóstico de avaria. O
veículo apresentava uma anomalia que fazia com que, depois de estar ao sol prolongadamente, não
pegasse. Anacleto não foi informado pela funcionária que o atendeu que teria de pagar um valor pelo
diagnóstico. Na receção da Reparamos há uma folha com a indicação do valor hora da mão de obra e do
valor mínimo para o diagnóstico. Essa folha, de tamanho A4, encontra-se na parte interior do balcão, no
meio de diversas outras folhas com informações variadas. À data dos factos em discussão, o valor hora da
mão de obra era de €44,30. Anacleto recebeu e assinou uma folha de reparação da qual consta um tempo
estimado para a realização dos testes de 3h. Terminados os testes, Anacleto foi informado de que a
reparação do automóvel custaria €2.200,00. Anacleto informou que, tendo em conta o orçamento, não queria
que fizessem a reparação. Nessa sequência, foi informado de que o valor do diagnóstico, que teria de pagar
para levantar o carro, era de € 533,99. Anacleto tem de pagar este valor?

34
Resposta:
Art. 1211º – em matéria de empreitada, o CC remete para o regime da CV (art.º 883.º);
O prof. não tem a certeza de que isto seja uma empreitada, mas aquela norma do art.º 1211.º deve também
aplicar-se à prestação de serviços. Logo, o preço é €44,30 por hora, já que é o preço que o profissional
habitualmente pratica;

Imagine-se que algo que estava estimado durar 3 horas acabou por durar 12. O A tem de pagar os €533,99
ou tem apenas de pagar os €44,30?
Se o profissional diz “tempo estimado de 3 horas”, quando o profissional percebe que o tempo necessário
será superior a essas três horas tem de informar o consumidor e perguntar se está disposto a continuar;
Se o A não está disposto a pagar €2.200,00 pelo reparo, também (à partida) não estará disposto a pagar
500 e tal euros pelo diagnóstico – isso já ultrapassa o valor esperado por uma pessoa normal colocada na
posição do consumidor, para o diagnóstico.
Um declaratário normal entenderia que o serviço de diagnóstico seria oneroso, por muito que o A não tivesse
sido informado em momento algum que iria pagar por esse serviço. O problema está no tempo estimado e
na discrepância do valor esperado.

NÃO HÁ CASO PRÁTICO 30

CASO 31: Gilda é ativista e só compra peças de roupa que não sejam de fast-fashion. No outro dia, dirigiu-
se à Puríssima para adquirir umas luvas, pois a marca apregoa as suas virtualidades em matéria de
sustentabilidade. Por diversão, procurou a etiqueta antes de pagar. Ficou espantada ao ler “Made in
Bangladesh”. O que pode Gilda fazer?

Resposta:
Para o prof., podemos ter aqui dois problemas:
❖ Um problema de falta de informação sobre as características principais dos bens – aqui, o
consumidor está a ser enganado – art.º 8.º da Lei de Defesa do Consumidor + artigos 9.º e 10.º das
práticas comerciais desleais:
Art.º 5.º do regime das práticas comerciais desleais – de acordo com este artigo, temos dois
requisitos para que haja uma prática comercial desleal:
1. Desconformidade à diligência profissional;
2. Essa desconformidade distorce ou é suscetível de distorcer de forma substancial o comportamento
económico do consumidor destinatário desta prática.
❖ Pode haver ainda problema de falta de conformidade – se resultar do contrato que o bem foi
produzido de forma sustentável e depois afinal não foi então temos falta de conformidade, logo, o
consumidor poderá exercer os direitos previstos no DL n.º 84/2021:
Poderíamos aplicar o art. 7º/1, al. d) (a ideia de “declarações públicas feitas pelo profissional”) e
provar que há falta de conformidade;

35
Mas como a Gilda nem celebrou o contrato, e sendo ativista, ela deve é querer que se sancione em
sede de coimas aquela empresa por infrações contraordenacionais.

CASO 32 (não tem enunciado): este caso vai introduzir as matérias das práticas comerciais com
redução dos preços.
Regra geral o preço é livre. O preço à partida é livremente fixado pelo profissional. As exceções à regra são
muito poucas. Quanto aos livros, por exemplo, temos uma regra que proíbe que seja cobrado um preço
inferior a 90% do preço fixado pelo editor.
Mas, não podemos confundir a liberdade de determinação do preço com a liberdade de anunciar
desconto:
Se uma empresa reduzir o preço de um dia para o outro e não anunciar a redução, não há qualquer
problema e não vamos sequer ao regime das práticas comerciais com redução de preço.
Este regime aplica-se apenas ao anúncio da redução de preços e não à redução de preços não
publicitada ou anunciada.
O grande cerne deste regime é a ideia de transparência – garantir que o preço é mais baixo do que o
anterior; garantir mesmo que temos uma redução de preços.
Um dos principais problemas é o aumento de preços anteriores ao desconto para depois o desconto
não fazer grande diferença e aí o desconto é meramente ilusório:
Exemplo: o professor vai vender o telefone por 1300€, mas com 50% de desconto. Qual é o problema
de se vender o telemóvel e dizer que está com 50% de desconto? Basta o prof dizer que está com
50% mais barato para estar? Não, é necessária prova de preço anterior em relação ao qual o preço
é aplicado.
Neste caso estamos perante um problema: inexistência de preço anterior ao indicado pela Cintos &
Cintos.
Temos o conceito legal de promoções – artigo 3º nº1 b):
Aqui cabem casos em que o bem estava a ser comercializado anteriormente, mas também os casos
em que o bem não estava a ser comercializado anteriormente.
É possível ter promoção de lançamento de um produto originariamente e depois o produto vir a ser
mais caro.

Temos três práticas comerciais com redução de preço nos termos da lei (tipicidade):
1. Saldos – a lei considera que a palavra “saldos” é ainda mais apelativa que promoções e por isso a
sua utilização é mais limitada – temos conceito na alínea a) do nº1 do artigo 3º.
Até há pouco tempo (2015) só era permitido fazer saldos em fins de estação. Mas nos termos do
art. 10º nº1 que diz que os saldos se podem realizar em qualquer período do ano.
Se serve para escoar produtos em excesso NÃO é permitido comprar diretamente apenas para
fazer saldos (art. 10º nº2) – tudo o resto tem de ser classificado como uma promoção.
A realização se saldos permite vender abaixo de custo, precisamente porque é excecional – saldos
têm mais impacto que promoções, do ponto de vista do consumidor.

36
Logo, só pode haver saldos por 124 dias por ano – artigo 10 nº1 última parte.
2. Promoções – inclui quase tudo, é um conceito tão amplo que permitem quase tudo desde que sejam
classificados como tal.
3. Liquidação – serve para os casos em que o estabelecimento vai fechar temporária ou
definitivamente – não podemos fazer a liquidação se o estabelecimento não for fechado a seguir.

Requisitos de concorrência leal na venda com redução de preço – artigo 4º nº1 – deve ser indicada de
modo inequívoco a modalidade de venda (liquidação, saldos, promoção, etc), o tipo de produtos, o preço
mais baixo anteriormente praticado, a data do início da promoção e o período de duração.

Preço de referência – artigo 5º


A norma, em 2007, dizia que o que constava era o preço mais baixo nos últimos X dias.
Se o profissional quiser anunciar determinado desconto tem de ter como referência o preço mais baixo a
que o produto esteve num determinado friso cronológico.
Depois de 2015, começou a interessar o preço anterior e não o mais baixo (o que permitia aos profissionais
aumentar o preço imediatamente após o dia da campanha para na verdade faturar mais com o desconto) –
neste momento temos o artigo 5º nº1 que o que conta é o preço mais baixo anteriormente praticado para o
mesmo produto.
Temos definição de “preço mais baixo anteriormente praticado” – artigo 3º nº2 a) – preço mais baixo a
que o produto foi vendido nos últimos 30 dias:
Isto, à partida, parece ser um retorno ao regime que tínhamos antes de 2015. Mas existe o artigo
4º nº5 em que se permite que vá havendo redução do preço e não se tenha em conta o preço mais
baixo dos últimos 30 dias efetivamente, mas sim o preço praticado antes da aplicação da primeira
redução do preço.
Desde que o profissional não aumento o preço uma vez interrompendo o “aumento gradual e
ininterrupto da redução do preço”, o profissional pode fazer isto – vai fazendo descontos e o preço
de referencia é sempre o primeiro, o do início.

ATENÇÃO: nos termos do artigo 8º da Lei da Defesa do Consumidor, por exemplo, tem de estar sempre
indicado o preço a pagar, e não apenas o preço anteriormente praticado.
Não pode apenas dizer “desconto de X%” – tem de especificar o preço atual a pagar com o desconto e o
preço anterior. O consumidor tem sempre de saber o preço a pagar.

CASO 33: Gervásio estava a navegar na página da Maravilhas da Tecnologia quando se deparou com uma
promoção irresistível. Na compra de um computador, a empresa oferecia um tinteiro. Celebrado o contrato,
a empresa enviou o computador, mas informa Gervásio de que já só têm tinteiros de cor branca, alegando
a existência de uma cláusula de limitação ao stock existente dos tinteiros de cor preta. O que pode Gervásio
fazer?

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Resposta:
Podemos ter problema de transparência na transmissão da informação – não havendo informação de
que se trata de tinteiro de tinta branca, à partida uma pessoa normal acharia que se trata de tinteiro preto.
Mas vamos imaginar que tudo isto estava claro – a cláusula de limitação ao stock existente era claramente
indicada sem qualquer possibilidade de dúvida;
Qual é o objeto deste contrato? Temos dois contratos – um de compra-e-venda do PC e outro de doação
do tinteiro – ou um só contrato de CV que inclui tudo?
Prof. considera que há um contrato apenas: é óbvio que não é gratuito quanto ao tinteiro – eu estou
a pagar pelo todo!
Eu pago um valor, logo não é gratuito;
Isto é relevante porque se fossemos encarar o contrato de doação do tinteiro como um contrato autónomo
teríamos de aplicar o regime da doação do CC, não o DL n.º 84/2021;
Não é oferta de um tinteiro! É compra de PC e tinteiro!

A cláusula de limitação ao stock existente é válida – é uma cláusula que limita o género;
O G só quer o computador e o tinteiro; não quer só o computador. Não lhe interessa o tinteiro.
Ora, o contrato tem dois objetos, e um deles não vai ser prestado – temos incumprimento parcial da
obrigação, o que temos de ver é se isso permite a resolução total do contrato;
Temos de ver se o incumprimento é culposo ou não – à partida, se há esta cláusula de limitação do
género e este simplesmente deixa de estar disponível não parece haver culpa do devedor (afastamos a
presunção de culpa).

Aula Prof. Martim Farinha

Novas tendências e desafios para o Direito do Consumo na atualidade:


❖ Relações com tecnologia;
❖ Relações com sustentabilidade;
❖ Vulnerabilidade;
❖ Desafios de multidisciplinariedade ou de fundações e princípios fundamentais e ratio do Direito do
Consumo;
❖ Estes temas têm surgido nas várias comunicações da UE, nomeadamente na Agenda do
Consumidor.

Direito do Consumo c/ tecnologia:


❖ Contratos digitais – contraprestação sui generis dos dados pessoais – modelos de negócio.
Reconhecimento de que não são gratuitos, e há extensão da aplicabilidade do DL 84/2021 a este
tipo de contratos;
❖ Questão da inteligência artificial – atualmente veem-se muitos memes, por exemplo – mas pode
ser usado para desinformação política e para práticas desleais de consumo:

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▪ Joe Rogan já veio dizer que há deep fakes dele a fazer publicidade a suplementos,
entre muitos outros – táticas dissimuladas.
A diretiva das práticas comerciais desleais (DL 57/2008) tenta controlar estas práticas, mas é de difícil
aplicabilidade;
Recentemente, saiu o Regulamento dos Serviços Digitais (Digital Service Act) – aprovado em finais de
novembro/inícios de dezembro de 2022 -> Questão de regulação e manutenção de servidores – ideia do
safe hardware – plataformas digitais têm muitos conteúdos de pessoas, profissionais, empresas – isto
levanta muitos problemas de Responsabilidade Civil para a plataforma:

✓ Se alguém, sem autorização, dá upload ao filme inteiro do Jurassic Park – a plataforma pode nem
saber se está a violar direitos de terceiros;
✓ Quem é que o estúdio vai processar? O utilizador anónimo, que pode até estar noutro país? Ou que
pode ser uma criança sem posses? Vai ser a plataforma, obviamente;
✓ Grave problema para as plataformas, já nos finais dos anos 90, porque recebem milhares de
toneladas de conteúdo – inspecionar um a um, para ver se há violação de direitos de propriedade,
se são ilegais (terrorismo, droga, pornografia infantil, contrafação...), se há ofensas ao bom nome...
– plataformas têm, por regra, imunidade a este tipo de questões, mas devem tomar medidas para,
se forem identificados em violação de direito de terceiro, mandarem abaixo a partilha e tomar as
medidas técnicas para prevenir que o mesmo conteúdo seja partilhado, sancionar e tomar medidas
para pararem de o fazer, fornecer os dados dos utilizadores para processo ou entregar às
autoridades;
• Grande questão da moderação dos conteúdos.
✓ Consumidores podem acabar por ver a sua liberdade de expressão afetada – para além dos que são
profissionais ou utilizam a plataforma nesse âmbito (youtubers, infleuncers...).

Formação do contrato:
Tomamos decisões, na Amazon, por exemplo – estas informações não são prestadas pelo profissional nem
pelo produtor – mas por terceiros – influenciam decisivamente a decisão de contratar – isto é facilmente
manipulável, quer pelo profissional, quer pelos terceiros;
Falsificação por interesses comerciais, cancel culture, campanhas porque um filme foi cancelado e querem
que o realizador faça o filme porque foi despedido, questões puramente geopolíticas.
Consumidor acredita nestas classificações;
Plataformas têm de tomar medidas profissionais e razoáveis para certificar que as informações são de
consumidores verdadeiros (1. Pessoas reais; 2. Que adquiriram e utilizaram realmente aquele produto) – e
devem abster-se de as manipular ou instruir terceiros a manipulá-las.

Bens virtuais:

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➢ Bens em ambientes virtuais (videojogos ou VR), em que se adquirem roupas, armas, moeda desse
serviço, propriedades... e estas plataformas fornecem estes bens, lucrando com a venda, e na
maioria delas permitem o surgimento de um mercado secundário – uma verdadeira economia em
que os utilizadores compram e vendem bens virtuais – há criminalidade associada, publicidade
enganosa...
➢ Bens virtuais contam com a ideia de propriedade, que são coisas adquiridas – isto não são coisas –
são dados num programa de uma empresa associados a um perfil – o próprio contrato prevê que
não há relação de propriedade – é uma linha de código protegida pela propriedade intelectual da
plataforma – e isto é um contrato de licença de utilização de software – está sempre lá um disclosure
de que os consumidores não adquirem qualquer direito, e que a plataforma pode alterar as
propriedades ou retirar os bens, discricionariamente;
➢ Ideia de propriedade virtual criada, mas que não é nada, na verdade;
➢ Isto pode acontecer? Coisas a ser discutidas e tratadas pelo DL 84/2021 no âmbito de contratos e
serviços e conteúdos digitais;
➢ Crypto é o passo seguinte – os NFT’s, por exemplo, são linhas de código – todas as aplicações de
Crypto levantam problemas em legislação financeira, mas também levantam problemas para os
consumidores, nomeadamente ao nível do desequilíbrio e da vulnerabilidade.

Metaverso:
É pegar nos bens virtuais, Crypto, juntar tudo às táticas das redes sociais e criar um “Bolo de Internet” –
ideia de que as pessoas estão em realidades virtuais e já não querem saber da vida real.
Levanta as mesmas questões de consumo – como a publicidade subliminar, a recolha e tratamento de dados
biométricos – já há regulamentos de proteção de dados, práticas comerciais desleais;
O hype não é real, e por trás da discussão jurídica vem o facto de isto ser absolutamente tenebroso – se
isto acontecer, eu vou-me matar.

Direito do Consumo c./ sustentabilidade:


Coloca em causa muitas das coisas que damos por adquiridas no consumo, como alguns direitos como o
de arrependimento ou outros direitos relacionados com a falta de conformidade dos produtos que adquirimos
– veremos mais à frente;
Primeiro problema é a obsolescência programada:
➢ Tenho equipamento eletrónico, há atualizações e ele vai ficando pior – profissionais utilizam as
atualizações como técnicas para piorar o funcionamento dos produtos para, dissimuladamente,
“empurrar” os consumidores para adquirem novos produtos – várias empresas foram apanhadas
nisto, nomeadamente a Apple;
➢ Viola completamente a boa-fé da prestação do contrato – profissional piora o produto que já foi
adquirido;
➢ Sustentabilidade – estes bens têm muitos componentes como materiais pesados e tóxicos que não
são fáceis de reciclar e normalmente acabam em aterros que poluem águas, terras, e entram ainda

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questões de direitos humanos (são desmantelados por populações locais com recurso a mão-de-
obra infantil);
➢ Diretiva Omnibus – n.º 2019/2161:
Transposição – DL n.º 109-G/2021 – inserir na LdC uma proibição técnica deste tipo de práticas –
não resolveu a questão, porque a LdC não tem um regime sancionatório – os consumidores
individuais têm direito a indemnizações, mas cada um tem custos grandes individuais para iniciar
uma ação (valor proibitivo – custa mais colocar a ação do que receber a indemnização), para além
de que os consumidores não têm a noção de que estão a ser manipulados;
Há ainda a opção das indemnizações coletivas – é uma boa forma, mas não tem muita prática em
Portugal – custos de investigação e de denúncia são substanciais e há dificuldades práticas na
aplicabilidade deste regime.

Conceito de durabilidade:
Diretiva 2019/…
1, transposta no DL n.º 84/2021, tem estes critérios de conformidade – mas não tem muito valor substancial
– é um conceito, existe, os bens devem ter X durabilidade – mas há um prazo para a responsabilidade do
profissional para exercício dos direitos (3 anos – 2 com inversão do ónus da prova – a chamada garantia
legal);
O próprio conceito é pouco desenvolvido e preenchido para as situações concretas e singulares – há bens
que, por natureza, duram muito mais que outros.

Direito ao arrependimento:
Livre resolução do contrato, à distância e fora do estabelecimento comercial – tenho 14 dias para me
arrepender – sem qualquer justificação, recebemos o que pagamos e devolvemos o produto – é ótimo,
eficiente e excelente num mundo com cada vez mais comércio eletrónico;
Problema: se as pessoas se estão sempre a arrepender, há muitos produtos que são deitados fora,
ou têm de ser reembalados para revenda, e incentiva modelos de negócios como fast fashion
(produtos vendidos a preço muito baixo – pessoas compram, usa e deitam fora) – este direito ao
arrependimento incentiva os consumidores a realizar estas escolhas mais económicas;
Pode levar a muito desperdício, o que causa impactos ambientais;
Atualmente, discute-se se se deve manter o direito ao arrependimento, retirá-lo, limitá-lo...

Vulnerabilidade:
Como sabemos, o Direito do Consumo baseia-se no desequilíbrio entre consumidor e profissional, seja
através do diferencial da informação (principalmente nos serviços digitais, a nível de literacia digital – a maior
parte das pessoas não sabe bem o que é que se está a passar); das restrições económicas (fragilidade
económica que leva os consumidores a contratar); ou do poder negocial (o profissional dá as condições, o
consumidor aceita);

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Os consumidores são todos diferentes – somos todos nós – se um sapateiro for comprar sapatos apanha
muito mais facilmente defeitos do que a pessoa comum / advogados e juristas podem-se aperceber com
mais facilidade de práticas mais agressivas que nos são impostas, que o consumidor comum ignora;
E depois, há consumidores com dificuldades económicas e consumidores para os quais a inflação pouco
importa – tema muito discutido na atualidade;
Conceito de vulnerabilidade é desenvolvido no decreto n.º 57/2008 – práticas enganosas e agressivas –
substrato do “consumidor médio” a que prestamos atenção:

É considerado vulnerável em função da idade, possíveis deficiências físicas e mentais e credulidade;


O consumidor médio tem muitos requisitos – é muito difícil enganar o consumidor médio (lê
diligentemente todas as informações, toma com cuidado a decisão de contratar... – muitos requisitos
taxativos) – mas isto não corresponde à realidade – tem-se tentado alargar o conceito de
vulnerabilidade.

Questão do sobre-endividamento:
Aconteceu muito em 2008, pessoas que tinham créditos e não os conseguiam pagar – créditos à habitação,
alimentação, carro...
Às vezes são pessoas que eram de classe média, e alguém perde emprego, sofre acidente, o rendimento
reduz-se, e tem créditos cujas taxas de juro subiram substancialmente acima do esperado, vendo-se
confrontadas com esta situação;
Renegoceiam-se créditos, vêem-se soluções...
Temos de repensar o modelo que temos, e o ideal seria termos um modelo dinâmico de
vulnerabilidade.

CASO 34: Beatriz, consumidora, celebrou um contrato de crédito com uma empresa de crédito rápido, no
valor de € 1000, tendo acordado com o funcionário que a taxa de juro aplicável era de 9%. Assinou o
documento contratual, sem ler, ficando com uma cópia. O documento refere-se a uma taxa de 10%. Beatriz
pode apenas pagar os 9%?

Resposta:
Art.º 7.º do DL n.º 446/85 (regime das CCG’s) determina que prevalecem as cláusulas especificamente
acordadas entre as partes sobre quaisquer cláusulas, ainda que estas últimas tenham sido subscritas pelo
aderente.
Porque é que estamos perante CCG’s?
Cláusulas predispostas unilateralmente pelas partes sem que uma delas tenha tido oportunidade de
negociar;
Trata-se de uma empresa de crédito – utiliza, regra geral, contratos-modelo.
Beatriz está salvaguardada, mas há algum problema? Está ela em posição confortável relativamente ao seu
pedido? Que dificuldades poderá ter?

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1. Provar o acordo – difícil provar que foi dito, efetivamente, que a taxa era de 10% – e é ela que tem
de provar que houve acordo em sentido diferente ao texto.
2. Declaração oral prevalece sobre documento escrito e assinado, mas ela tem de provar que essa
declaração existiu e está, portanto, inserida no contrato.

CASO 35: Vitória entrou na universidade e decidiu arrendar um T0 por uma pechincha (200 euros). No
momento da assinatura do contrato, a agente imobiliária disse-lhe que bastava ler as primeiras páginas, pois
as restantes não continham informação relevante. Vitória assim fez e assinou o contrato. Vitória não concluiu
nenhuma cadeira no primeiro semestre e a imobiliária transmitiu-lhe que teria de abandonar a casa, pois,
conforme consta na página 15 do contrato, para beneficiar daquele valor simbólico tinha pelo menos de
completar 12 créditos em cada semestre.

Resposta:
Se viessem a seguir, consideravam-se não escritas – art.º 8.º, al. d) do DL n.º 446/85 – não é o caso.
Seria possível o caminho do regime geral da responsabilidade civil, até porque parte dos factos aponta para
uma violação evidente dos princípios mais básicos do OJ relativamente à forma como se comunicou a
cláusula inserida no contrato.
Mas o regime das CCG’s é mais favorável – art.º 5.º, n.º 2, é bastante exigente:
Há violação do ónus de comunicação imposto ao profissional – de acordo com o n.º 2, a pergunta
seria: “quem use de comum diligência teria tomado conhecimento desta cláusula?”
Ser um negócio importante para a Vitória teria apontado neste sentido, mas há elementos
neste caso que nos fazem crer que um declaratário normal não teria conhecimento desta
cláusula;
Um declaratário normal não costuma ler CCG’s, e menos exigível seria se o próprio
predisponente diz que não é preciso nem relevante ler;
Se ele diz que não precisa de ler porque não é relevante ainda aponta mais no sentido de
não ser conhecido por um declaratário normal, pela pessoa de comum diligência.

Podíamos também seguir o caminho do erro-vício pelo dolo, para que a Vitória pudesse anular o contrato.
Porém, o regime das CCG’s é mais favorável ao consumidor e de mais simples aplicação (ela não teria de
provar nada, por exemplo);
Não tendo sido comunicado, a cláusula não está inserida no contrato – art.º 8.º, al. a) do DL n.º 446/85.

CASO 36: Nuno, eletricista, aceitou ser fiador do seu irmão relativamente a um contrato de crédito que este
celebrou para a compra de um carro. O documento que lhe foi dado para ler no balcão da instituição de
crédito antes de assinar continha, entre muitas outras cláusulas, esta: “O fiador renuncia ao benefício da
excussão prévia”. Após ter lido esta cláusula, já desesperado, desistiu de ler e assinou. Esta cláusula integra
o contrato?

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Resposta:
Excussão prévia é uma situação jurídica específica – exceção – permite paralisar o exercício de um direito
por outrem.
Cláusula que não passa o crivo do art.º 6.º, n.º 1 do regime das CCG’s – alguém que não seja jurista
não faz ideia do que significa renunciar ao benefício da excussão prévia, algo com um impacto enormíssimo
na situação do fiador – dever de esclarecimento incumprido.
Dever de explicar o que está em causa naquelas cláusulas, independentemente de ser pedido (porque em
regra as pessoas não perguntam) – algo que, neste caso, o predisponente não fez.
Exemplo do dever ex oficio do próprio predisponente, porque é uma cláusula que justifica isso, dada a sua
tecnicidade, nos termos do n.º 1 – independentemente de pedido de esclarecimento do consumidor;
Tendo em conta a inserção sistemática desta cláusula, poderíamos também ir pelo art.º 8.º, al. c), mas
para isso seria preciso mais informações.
Não é pelo facto de o consumidor ter lido que deixa de haver problema – a lei exige mais que a leitura
efetiva e gramatical da cláusula – se a cláusula for complexa, exige-se clarificação.

CASO 37: Manuel, representante da empresa de telecomunicações TEO, deslocou-se a casa de Francisco
e tentou convencê-lo a aderir a um novo pacote de televisão, telefone e Internet. Francisco não estava muito
interessado, pelo que Manuel começou a chorar, dizendo-lhe que se não conseguisse celebrar aquele
contrato perderia o seu emprego. Francisco acabou por aceitar, vinculando-se àquele novo pacote,
associado a um período de fidelização de dois anos. Dois dias depois, Francisco poderia desvincular-se do
contrato sem o pagamento de qualquer valor relativo à fidelização?

PRÁTICAS COMERCIAIS DESLEAIS

Resposta:
Aplica-se, novamente, o regime das Práticas Comerciais Desleais (DL n.º 57/2008) – art.º 12.º, al. g)
resolve esta questão sem qualquer dúvida – prática comercial agressiva em qualquer circunstância;
Temos três níveis de análise do regime das práticas comerciais desleais:
✓ Nível mais geral – artigos 4.º e 5.º – práticas comerciais desleais em geral, com os seus critérios –
mais casos;
✓ Nível intermédio de análise – práticas comerciais desleais em especial:
Práticas enganosas:
Ações enganosas – reguladas ainda numa perspetiva geral, de cláusula geral – art.º 7.º;
Omissões enganosas – artigos 9.º e 10.º do regime;
“Enganoso” – práticas que induzem o consumidor em erro – engana-se o consumidor
dizendo alguma coisa que não está certa (ação) ou não dizendo uma coisa que, se fosse dita,
teria impacto naquele negócio, no comportamento do consumidor (omissão);

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Neste exemplo, estaríamos perante uma prática enganosa por ação se M estivesse a mentir
quanto a perder o emprego – mas isto é irrelevante, porque sabemos seguramente que é uma
prática agressiva, nos termos do art.º 12.º, al. g) do regime.

Práticas agressivas:
Art.º 11.º: assédio, coação ou influência indevida que condicionem o comportamento do consumidor;
Não significa que haja engano – significa que há uma pressão psicológica inadequada para a
celebração do negócio

✓ Terceiro nível – práticas comerciais desleais em qualquer circunstância:


Duas listas (artigos 8.º e 12.º) que são práticas, respetivamente, sempre consideradas enganosas e
agressivas;
Se eu estiver na dúvida, devo começar pelo nível mais específico – se for um destes casos, não
tenho de fazer nem analisar mais nada.

A cláusula geral das práticas comerciais desleais tem uma série de requisitos (art.º 5.º) – onde temos
dois requisitos fundamentais:

 Prática desconforme à diligência profissional;


 Prática que distorça ou seja suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento
económico do consumidor.

O art.º 6.º pressupõe que a prática comercial se dirija a um grupo especial de consumidores mais
desfavoráveis:
Segundo requisito mencionado anteriormente, mas não é necessária a desconformidade com a diligência
profissional – este requisito é substituído pelo outro: “se o profissional pudesse ter previsto que a sua conduta
era suscetível de provocar essa distorção”;
Este artigo é menos exigente quanto à verificação dos requisitos para maior proteção de certos grupos de
consumidores – não é necessário que haja verdadeira desconformidade em relação à diligência profissional
– basta que o profissional pudesse razoavelmente prever que a sua conduta teria aqueles efeitos de
distorção.
Sendo prática comercial desleal, já sabemos que é proibida;

DIREITOS DO CONSUMIDOR PERANTE UMA PRÁTICA COMERCIAL DESLEAL


Que direitos tem o consumidor face a uma prática comercial desleal?
 Pode resolver o contrato – art.º 14.º;
 Até 2022, a consequência era a anulabilidade – Direito Europeu veio impor que a consequência
seja mais forte;

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 Outra possibilidade, em alternativa, no mesmo artigo, é a redução adequada do preço (se fizer
sentido, dependendo das circunstâncias);
 Além disso, poderia haver a aplicação de sanções contraordenacionais (art.º 21.º) – aqui, seria a
TEO a praticar o ilícito, já que M atua em representação da empresa.

Havia uma via ainda mais fácil – direito de arrependimento:


→ Aplica-se o DL n.º 24/2014 – fora de estabelecimento comercial;
→ Art.º 3.º, al. i), subal. ii) – contrato celebrado no domicílio do consumidor;
→ Art.º 10.º, n.º 1: consumidor pode resolver o contrato de prestação de serviços no prazo de 30 dias
– alínea a) – a contar da data de celebração do contrato.
→ Exercício imotivado – não é necessário sustentar um motivo, ao contrário do que se passa nas
práticas comerciais desleais (em que tenho de provar que houve prática comercial desleal) – daí que
o exercício do direito de arrependimento seja mais simples.

CASO 38: Matilde queria passar uns dias espontâneos no Algarve. Assim que chegou, seguiu uma placa
que dizia “Hotel”. Estacionou o carro e dirigiu-se ao estabelecimento. Qual não foi o seu espanto quando leu,
na porta do hotel, a indicação “fechado para férias”. Há aqui uma prática comercial desleal?

Resposta:
Aqui, não temos qualquer prática comercial desleal – consumidor normal não vai para um hotel sem ter
previamente reservado – aponta claramente neste sentido;
Na classificação que vimos, havia a possibilidade de haver omissão enganosa – não há agressividade –
mais problemático, aqui, será a falta de alguma informação de que o hotel está fechado, para que a
consumidora não perdesse tempo.
Aqui, vamos começar pela lista do art.º 8.º (nível intermédio): à partida, não se enquadra;
Vamos ao artigo da omissão (art.º 9.º), que também não pode verdadeiramente ser aplicado – não há
omissão enganosa;

Imaginemos, agora, que a pessoa vai a Vilamoura e encontra o Hotel Maravilhas, que tem uma placa
enorme a dizer “QUARTOS A PARTIR DE €15”. A pessoa segue as placas todas e, em chegando ao Hotel,
não há já quartos a €15, apenas havendo os de €150. Quid juris?

“A partir” dá para tudo? Imaginem um hotel com 500 quartos – tem um quarto disponível por €10, e o segundo
quarto mais barato começa nos €250 – o hotel pode dizer “desde €10”?
Mesmo que, efetivamente, fosse verdade que não haviam quartos àquele valor disponíveis, não deixa de
ser enganoso e de induzir o consumidor em erro – art.º 7.º, n.º 1 do regime das práticas comerciais
desleais;
! NOTA: além da resolução do contrato ou da redução do preço, há sempre lugar/direito à
indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil.
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Tivemos meio a ouvir o Ricardo Araújo Pereira a gozar com marcas e práticas enganosas.
Em relação ao exemplo das marcas que reduzem a quantidade mas mantém o mesmo preço (ex.:
Planta, Nesquick, etc...).
Estamos perante uma situação em que o requisito relevante é o da suscetibilidade de distorcer o
comportamento do consumidor, nos termos do art.º 5.º do regime das Práticas Comerciais Desleais.

Não é um simples aumento de preço – se fosse, não seria tão grave.


Porém, o prof. também considera que isto é desconforme à diligência profissional (ter a mesma
embalagem só que com menos quantidade e um preço superior) – porque faz parecer que tudo se mantém
igual – podemos falar em omissão enganosa, mas não agressiva – falta informação, um elemento, mais
do que estar um elemento enganador, apesar de as fronteiras serem fluídas.

CASO 39: Narcisa comprou uma camisola na SuperFastFashion por € 15. Estava afixada no balcão, de
forma bem visível, uma folha com a seguinte frase: “Trocas e devoluções no prazo de 10 dias, desde que o
cliente não retire as etiquetas da roupa”. Três dias depois, já depois de retirar a etiqueta, Narcisa pretende
devolver a camisola e receber o dinheiro de volta. Tem esse direito?

Resposta:
Não há direito de arrependimento de fonte legal, neste caso, pois é um contrato celebrado dentro do
estabelecimento – regra supletiva legal – contratos devem ser pontualmente cumpridos (pacta sunt
servanda) dentro do estabelecimento;
Se fosse contrato à distância, a cláusula seria inválida – prazo é de 14 dias (pode-se estabelecer um
período superior, mas não inferior) + a cláusula do retirar a etiqueta seria uma limitação ao exercício do
direito ao arrependimento;
Direito de arrependimento de fonte contratual (cláusulas inseridas em contratos de consumo, pelo
profissional, aceite pelo consumidor quando celebra o contrato), neste caso – podia ser qualquer prazo
(que é mais do que a lei prevê nestes casos, que é nada) – do ponto de vista do conteúdo, é válida – resta
saber se foi bem comunicada;
A questão de não retirar as etiquetas da roupa também é uma cláusula válida, à partida;
Atenção que, sendo uma CCG, tem de ser comunicada – no mesmo lugar em que se fala do prazo – não
há problema ao nível da comunicação desta cláusula;
A questão não é, então, saber se o conteúdo do contrato é ou não válido (dentro dos limites), mas sim se
aquela CCG foi ou não devidamente comunicada e inserida no contrato;
Logo, Narcisa não poderá receber o dinheiro de volta e devolver a camisola;
Devolver significa destruir o contrato e determinar repetição das prestações – já a troca é ficar com o
produto semelhante. Assim, se só dissesse “troca”, o consumidor não poderia devolver, e não deixava de
ser um direito atribuído contratualmente pelo profissional.

47
CASO 40: Nuno vive com a namorada em casa dos sogros. Desconfiada de que pudesse estar grávida, a
namorada pediu a Nuno que encomendasse online um teste de gravidez, para que o pudesse fazer
discretamente em casa. Nuno assim o fez. No dia seguinte, um enorme camião com o slogan “Chegou a
Cegonha” estacionou em frente à porta e tocou à campainha. O pai da namorada ficou em êxtase quando
abriu a porta. Nuno, zangado com a situação, quer saber se pode fazer alguma coisa.

Resposta:
A única questão que se pode colocar, muito abstratamente, por ser uma situação verdadeiramente
dramática, é a via da Responsabilidade Civil;
Situação-limite, não é um caso de práticas comerciais desleais, não fazendo sentido enquadrar neste regime.

CASO 41: Gonçalo estava a passear por uma loja e viu um casaco que lhe agradou muito. Quando foi efetuar
o pagamento verificou que o preço marcado no casaco (€ 50) não estava correto (€ 75). A funcionária da loja
prontificou-se a fazer a correção e Gonçalo pagou € 50 pelo casaco. A loja tem afixada a informação de que
aceita trocas no prazo de 7 dias. Dois dias depois, Gonçalo verifica que o casaco lhe está um pouco apertado
e resolve ir trocá-lo por um tamanho maior. A funcionária informa Gonçalo de que para fazer a troca Gonçalo
tem de pagar a diferença de preço (€ 25). O que diria a Gonçalo se este o contactasse com um pedido de
aconselhamento?

Resposta:
O profissional não é obrigado por lei a dar ao consumidor o direito de arrependimento ou de troca
(aqui estamos perante contrato celebrado no espaço comercial, em loja);

O que é o direito de troca? O que significa poder trocar?


• Não significa seguramente devolver o bem e receber o dinheiro de volta;
• Será que inclui apenas trocar o mesmo bem por outro igual, de tamanho ou cor diferente, ou então também
trocar por outro qualquer bem existente na loja?
• A última ideia parece ser a mais correta de acordo com o declaratário normal;
• Tem de ser troca por bem com exatamente o mesmo valor? Ou pode ser com valor inferior ou superior
(ficando com o remanescente em crédito de loja ou pagando a diferença, respetivamente)?
Para o prof., se a cláusula for de troca o consumidor não tem de pagar o valor de diferença, e tem até
dúvidas se tem de haver um crédito de volta (no caso de troca de bem por outro com valor inferior) –
sobretudo quando a diferença de valor é bastante reduzida;
Se o novo bem for mais caro, ele tem de pagar o valor da diferença – e é isso que a loja vai argumentar.

48
A questão é: quando troco um bem qual o preço que interessa? O preço a que o bem estava na proposta
ou então o preço efetivamente pago pelo consumidor?

Pensando no exemplo dos descontos – o preço referência é o que foi efetivamente pago ou o
que o bem tem à data em que o consumidor quer exercer o direito à troca?
Ex.: A compra camisola a 50 euros, e quando vai trocar a camisola está em desconto a 25 euros.
Pode trocar por duas camisolas com o valor dos 50 euros que pagou? Isto poderá ser abusivo,
poderá ser abuso de direito e contrariar o fim económico-social do direito em causa;
É abusivo trocar algo pela mesma coisa + outra coisa, com base no preço inicial superior que
se pagou – o direito de troca não é pensado para beneficiar desta forma o consumidor;
Permitir que todas as compras feitas antes de redução de preço – havendo direito de troca –
possam ser compensadas não parece fazer sentido;
Para o prof., quer neste caso (em que o consumidor pagou valor inferior ao valor que o bem tem à
data em que se quer trocar) quer na situação inversa (situação em que se comprou a um preço
superior e depois à data da troca o preço é mais baixo) não há créditos ou valores adicionais a pagar,
mas apenas no caso de ser troca direta, por um bem exatamente igual;
Para o prof., se for troca direta as variações de preço não são relevantes – quer o preço tenha
subido, quer baixado (assim, o preço que foi pago é o que conta – não me é devolvida diferença e
não pago diferença);
Se a troca puder ser feita por outros bens ou coisas, vou trocar quer para bem quer para mal
com base no preço que paguei (preço do crédito que tenho naquela troca), e no que respeita aos
bens com os quais eu vou ficar interessa o valor a que estão naquele momento – porque o
preço é livremente fixado pelo profissional— e aí já poderei ter de pagar diferenças caso à data da
troca o bem que quero para mim tenha valor superior ao que paguei pelo outro.
O que conta é sempre o preço pago! A troca é feita pelo valor pago sempre! Se não for troca direta (pelo
mesmo bem com variações);
Se for por outro bem, o que importa é o valor que o bem tem à data da troca, e não o valor que tinha
quando foi comprado o primeiro bem.

CASO 42: Gustavo fez uma encomenda online de um frigorífico, tendo a loja enviado um e-mail a indicar
que, quando a expedição fosse feita, enviariam um novo e-mail. Assim aconteceu, tendo Gustavo recebido
ontem um e-mail a indicar que a entrega seria feita hoje, entre as 10h e as 11h da manhã. Gustavo faltou ao
emprego para receber a encomenda, pois precisava mesmo do frigorífico. São 18h e a encomenda ainda
não chegou. O que pode Gustavo fazer?

Resposta:
Temos um contrato celebrado à distância: contrato de CV de frigorífico com prestação de serviços
associada – serviço de entrega;
Art.º 11.º do DL 84/2021;

49
Foi definida contratualmente data para a entrega? Podemos aplicar o n.º 4 do art.º 11.º?

Será que eles tinham mesmo de cumprir com esta data, com este prazo? Só se esta declaração
fosse vinculativa é que haveria problema;
Este mail a indicar que a entrega seria feita à hora X é relevante, produz efeitos jurídicos – para
o prof. é especificação de elemento do contrato, nomeadamente a determinação do momento de
cumprimento da obrigação de entrega do frigorífico.

Temos assim obrigação de entrega que foi incumprida – neste caso ainda podem entregar, logo temos
mora – aqui não há perda definitiva de interesse como resultado de não ter sido cumprido naquele
momento:
Logo, tudo aponta para que estejamos ainda perante situação de mora nos termos do CC.

E quanto ao DL 84/2021?
Art.º 11.º, n.º 6 – interpelação admonitória – o G vai dar prazo adicional para o cumprimento,
para depois colocar o devedor numa situação de incumprimento definitivo;
Mas se o G quiser mesmo o frigorífico, esta regra não é suficientemente garantística.
G poderia ainda recorrer a Tribunal e propor uma ação para sanção pecuniária compulsória – o tribunal
obriga o profissional a pagar X por cada dia em que não entrega o frigorífico;
O G tem assim de dar prazo adicional para que a entrega seja feita e, caso o cumprimento não ocorra
dentro desse prazo, poderia resolver o contrato;
Porém, o G quer mesmo o bem – para além de dar o prazo, só poderia recorrer à responsabilidade civil
e ao direito à indemnização (seria responsabilidade civil contratual, havendo presunção de culpa;
quanto aos danos – se ele tiver que perder dias de férias por causa disto, serão danos não-patrimoniais).

CASO 43: Carlos e Carla contrataram uma empresa de transporte para levar todos os seus pertences para
a Dinamarca, uma vez que iriam para lá morar. Sabendo que apenas voariam para Copenhaga no dia 1 de
setembro, combinaram com a transportadora que a entrega deveria ser feita no dia 2 de setembro. Assim,
entraram no avião com uns calções e uma t-shirt vestidos, na expectativa de que, no dia seguinte, todas as
suas coisas chegariam a casa. Hoje, dia 30 de setembro, ainda não receberam nada, tendo tido de adquirir
quase tudo em duplicado (móveis, roupas, artigos de higiene, etc.). O que pode o casal fazer?

Resposta:
Não temos indicação ou informação que permita determinar se foi ou não um contrato celebrado à distância;
Havia aqui uma exclusão à luz do DL n.º 24/2014, do direito de arrependimento, nos termos do art.º 17.º,
n.º 1, al. k) – nos contratos para transporte de bens não há direito de arrependimento;
Temos um incumprimento. Que incumprimento é este?
Caso de incumprimento definitivo (por perda de interesse objetivo dos credores), isto pressuporia
a possibilidade de resolução do contrato – é essa a consequência que o casal quer? Isto levantaria
50
problemas, desde logo, quanto à repetição ou devolução da prestação da entrega dos bens
adquiridos – se já não têm casa em Portugal, como é que devolvem os bens que compraram? Isto
levantaria problemas;
Eles querem a entrega das coisas, algum dia – a resolução do contrato não serve, à partida – têm
a expetativa de vir a receber, e querem recebê-las – não haveria grande interesse da parte dos C’s
em resolver, porque querem exigir o cumprimento;
Exigir o cumprimento é a solução mais adequada – art.º 11.º, n.º 6 do DL n.º 84/2021 (corresponde
ao art.º similar do Código Civil).
Outro problema que se coloca é saber se eles teriam direito a ser indemnizados em sede de
Responsabilidade Civil Contratual, por danos claramente resultantes do incumprimento temporário ou
definitivo do contrato celebrado (nomeadamente o dinheiro gasto a comprar tudo em duplicado), a data
estipulada – parece ser claro existir no caso, sobretudo em relação aos bens essenciais de que se viram
privados durante tanto tempo.

CASO 44: Dado o enorme sucesso de uma coleção de cromos, a Banini resolveu, num determinado
momento, passar a cobrar o dobro pelos cromos dessa coleção. Podia fazê-lo?

Resposta:
À partida, o preço é livremente fixado pelo profissional – a Banini está à vontade para cobrar o preço que
quiser por cada caderneta;
Porém, há determinada confiança gerada no consumidor de que o preço, podendo variar, não irá duplicar;
Partindo do pressuposto de que, aqui, o aumento do preço ocorreu já durante a campanha, faria, talvez,
sentido exigir que a Banini avisasse logo no início que o preço inicial não ficaria igual e que poderia
aumentar mais tarde – ou seja, poderiam aumentar mais tarde se tiverem informado de que iria aumentar.

Temos, então, três alternativas:


1. Podem aumentar livremente o preço;
2. Não podem aumentar o preço;
3. Podem aumentar o preço se tiverem informado que iriam aumentar (ou que esse momento era
possível).

Há, aqui, a questão de não haver grande alternativa em relação aos cromos da Banini – se as crianças
já tiverem comprado a caderneta (com o aumento do preço a ser possível em qualquer altura a meio da
campanha, depois de já se ter investido uma certa quantia na caderneta), houve incentivo para que a pessoa
comprasse, para em momento posterior explorar essa situação, aumentando o preço – assim, o prof.
considera que a alternativa 1 não é totalmente honesta ou comercialmente leal – num caso como este, há
uma prática comercial desleal – art.º 5.º, n.º 1 do Dl n.º 57/2008 (Práticas Comerciais Desleais) – como
se pode entender que se dirige essencialmente a menores (consumidores particularmente vulneráveis),
temos a alínea a) do art.º 6.º, diretamente, sem passar pela cláusula geral do art.º 5.º;
Entre a 2 e a 3, há algumas dúvidas;
51
Em relação à hipótese 3, pode ter havido aumento dos custos de produção – se houver informação, o
preço pode aumentar com certo fundamento – é um fundamento admissível para aumentar o preço – porém,
o aumento sem razão aparente é abusivo.

CASO 45: Joaquim fez uma encomenda no supermercado online do Mercaditos e, entre outros produtos,
chegou uma embalagem de fiambre com o prazo de validade a terminar dois dias depois da data da entrega.
Joaquim pode exigir a troca do fiambre por outro com um prazo de validade mais alargado?

Resposta:
Contrato celebrado à distância – não controlo o prazo de validade quando o bem me é entregue –
normalmente, um fiambre terá um prazo de validade de cerca de 10 dias – num supermercado, eu poderia
escolher em função do prazo, mas à distância não controlo o que me trazem;
Não é um caso de entrega ao domicílio – estamos a falar de encomenda no site do supermercado – o
regime do DL n.º 24/2014 aplica-se aqui? Não está verificada a exceção do n.º 2 do art.º 2.º:
Por muito que seja um contrato de fornecimento de bens alimentícios à distância, não é um caso de
entrega ao domicílio.

Ainda assim, é um caso de exceção ao direito de arrependimento previsto no art.º 10.º: à partida,
estamos perante um caso da alínea d) do n.º 1 do art.º 17.º – esta alínea aplica-se a fiambre, já que o prazo
de validade do fiambre nem é compatível com o prazo de exercício deste direito (14 dias);

Para o prof., isto é uma questão de interpretação:


Se o contrato à distância pressupõe o envio de bens alimentares, estes terão o prazo de validade
médio que deve ser esperado, deste género alimentício, por qualquer pessoa;

Abaixo desse prazo médio, até certo ponto, podemos ter uma frustração das expetativas do
consumidor;
Por sua vez, tentar escoar bens que já estão quase fora do prazo de validade pode ser abusivo,
sendo que se o consumidor soubesse que aquela seria a validade do fiambre, provavelmente não o
teria adquirido.

CASO 46: Sexo. Jaime precisava urgentemente de comprar sal dos Himalaias para sua casa. Qual não foi o seu espanto
quando, ao olhar para a embalagem, no supermercado, reparou que o sal tinha prazo de validade de 1 ano. Jaime
ficou tão surpreso que não conseguia parar de rir, pois não compreende como pode o sal, um mineral com
séculos de existência, ter validade. Jaime quer saber se existe aqui uma prática comercial desleal.

Resposta:
Aqui, podemos ter um problema de práticas comerciais desleais – determinar um prazo de validade mais
curto para incentivar os consumidores a comprar mais sal passado um ano, sem o gastar todo;
Isto levanta, também, um problema de desperdício alimentar;

52
Por outro lado, um consumidor minimamente diligente não se deixaria enganar pelo prazo, sabendo que se
trata de um bem que aguenta bastante tempo.

CASO 47: Francisca dirigiu-se a um centro de cópias para imprimir e encadernar alguns documentos. O
funcionário do estabelecimento perguntou a Francisca se esta tinha conta no Facebook, dizendo-lhe que, se
fizesse uma crítica positiva na página do Facebook da loja, ser-lhe-ia oferecida uma encadernação. Na
página do Facebook não é indicada esta prática, mas há uma longa lista de críticas positivas. Avalie
criticamente a prática descrita à luz da legislação vigente.

Resposta:
Aqui, estamos perante uma página de Facebook do profissional a enganar potenciais consumidores só com
comentários positivos;
É uma prática contra a diligência profissional e leva claramente os consumidores a tomar decisões
de transação que dificilmente tomariam de outra forma;
Alínea dd) do art.º 8.º do regime das práticas comerciais desleais – é uma prática considerada sempre
enganosa nestes termos – não está diretamente na letra da alínea, mas sendo o serviço muito bom, de
qualquer forma, cabe no espírito da norma – é impossível saber se é muito bom ou não, se a pessoa recebe
alguma coisa para fazer a avaliação.

CASO 48:A Gabriela segue no Instagram A Pipoca Mais Salgada. A influencer é muito conhecida pelas suas
campanhas de publicidade no hotel Chereton, publicando múltiplas stories ao longo do ano com esse
conteúdo e incentivando os seus seguidores a pernoitarem e tomarem um brunch no mesmo. No entanto,
todos os fins de semana dorme no Five Seasons, publicando o conteúdo dos seus pequenos-almoços, mas
não identificando o hotel. Gabriela indigna-se todas as vezes que vê este tipo de publicações, pois sabe
muito bem que não é no Chereton. Pode fazer alguma coisa, de um ponto de vista jurídico?

Resposta:
Como qualquer pessoa, tem de ter vida privada – mas há uma diferença entre o Ronaldo fazer um anúncio
para a Linic e este caso – o champô que o Ronaldo utiliza é indiferente para este efeito – nesta vertente da
publicidade, nem sequer é influencer – aí, é preciso mais cuidado com a análise que é feita da situação;
Se foi o Chereton que disse para ela fazer publicidade aos seus hotéis mas ir tirar fotos de outros e dizer
que está no deles, é obviamente uma prática comercial desleal, cujo infrator é o Hotel.
Relação entre a influencer e o consumidor:
Há um contrato ou não, entre mim e uma influencer, quando abro a página de uma figura
pública no Facebook ou no Instagram? É discutível, assim como saber se se celebra um contrato

53
quando abro uma página na internet (ex.: quando abro o site do Público, e carrego em “concordo”,
estou a fornecer os meus dados – algo que pode ser considerado uma contraprestação).
Para o prof., à partida, não tem problema que durante o fim-de-semana ela vá para outro Hotel – o problema
está em passar-se a mensagem de que esse é o mesmo Hotel a que ela faz publicidade – se eu estou
a ser pago e nem estive nesse Hotel, nesse dia, há um problema – e a prática desleal seria do Hotel;
Em suma, tudo se resume, nestes casos, a informação: se esta for clara e transparente em princípio não
haverá problema – o problema é quando essa informação não existe, ou existe e não é clara.

Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial:


CASO 49: A qual das seguintes situações não é aplicável o Decreto-Lei n.º 24/2014?
a) Contrato de fornecimento de água celebrado na sequência de contacto telefónico.

Resposta:
Requisito de forma adicional – contrato celebrado à distância – não é celebrado por telefone, mas sim na
sequência de contacto telefónico (consumidor tem de manifestar o seu consentimento por escrito – art.º 5.º,
n.º 8 do DL n.º 24/2014);
Quando a chamada é feita por profissional sem o consentimento escrito do consumidor, não temos contacto
celebrado por telefone.

b) Contrato em que a proposta seja emitida por carta e a aceitação por telefone.

Resposta:
É um contrato celebrado à distância, nos termos da alínea h) do art.º 3.º: não pode ser fora do
estabelecimento comercial, uma vez que não há presença física simultânea do consumidor e do profissional.

c) Contrato celebrado nas bancadas de um estádio de futebol.

Resposta: É contrato celebrado fora do estabelecimento comercial.

d) Contrato em que a proposta seja emitida no estabelecimento comercial e a aceitação tenha lugar por e-
mail.

Resposta:
Aqui, não foram exclusivamente utilizados meios de comunicação à distância (porque a proposta foi emitida
no estabelecimento comercial);
Logo, nos termos do art.º 3.º, n.º 3, última parte da alínea h), não é contrato celebrado à distância;

Contrato celebrado à distância é uma categoria contratual – podemos ter diferentes tipos de contrato
celebrado à distância, ou contratos atípicos celebrados à distância:

54
1. O que a caracteriza enquanto categoria? O modo de transmissão das declarações negociais –
aqui, estas são transmitidas à distância;
2. A definição consta do art.º 3.º, al. h) – requisitos para estarmos perante um contrato celebrado
à distância:

“Sem presença física simultânea de ambos”;

“Integrado num sistema de venda ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância”
– o que significa organizar um sistema de contratação à distância?
Se o profissional tem um site para vendas, não há dúvida;
Mas, no caso em que o site é meramente informativo (não permite a celebração de
compras), tendo uma morada e um contacto telefónico – aqui, em princípio, não haverá
sistema de contratação à distância – para isso, não basta anunciar um contacto telefónico –
teria de haver alguma organização pelo profissional para celebrar contactos à distância, logo,
seria necessário indicar especificamente que aquele contacto seria para contratar à distância,
e não em geral para obter qualquer informação sobre bens ou serviços.

“Utilização exclusiva de meios de comunicação à distância” – website, telefone, serviços postais...

Depois temos uma categoria completamente diferente – contratos celebrados fora de


estabelecimento comercial:
Isto porque o requisito fundamental destes – alínea i) do mesmo artigo – é de que haja presença física
e simultânea de ambas as partes + FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL DAQUELE;

É totalmente inesperado, num cenário destes, existir comercialização de bens e serviços (além do fator
pressão – a liberdade do consumidor estaria de certa forma condicionada) – é essa a razão para a existência
de um regime deste género;
Ex.: bancadas do Estádio, compro um gelado / compro algo num comboio;
Ora, no contrato celebrado à distância o requisito é não haver essa presença física e simultânea – os
contratos celebrados à distância não se confundem com os contratos celebrados fora do estabelecimento
comercial;

Casos de contratos fora do estabelecimento comercial:


Temos sete casos em que podemos ter contrato celebrado fora do estabelecimento comercial:
1. Temos a categoria geral da alínea i) – os dois requisitos que vimos;
2. E depois temos as subalíneas que se seguem, que se referem a subcategorias de contratos
celebrados fora do estabelecimento comercial – outros casos que podem não se incluir nos requisitos
da alínea i):
Aqui, podem até incluir-se os contratos que se celebram fisicamente dentro do
estabelecimento comercial – desde que – subalínea i) – o consumidor seja pessoal e

55
individualmente contactado num local que não seja o estabelecimento comercial do
fornecedor de bens ou prestador de serviços;
Subalínea v): é fora do estabelecimento, anyway, não seria necessário [assim como as
subalíneas i) e ii), por exemplo].

Para ver se se aplica o DL n.º 24/2014, temos de ir ao regime legal e ver o âmbito de aplicação:
Âmbito de aplicação subjetivo (partes): aplica-se a relações de consumo – um consumidor (mais restrito
– apenas pessoa singular) e um profissional.

CASO 50: Antonieta adquiriu uma máquina de lavar roupa à “Eletrodomésticos & Irmãos”. O contrato foi
celebrado por telefone, na sequência de um contacto de Antonieta após ter encontrado o nome e o número
de telefone da empresa nas páginas amarelas que tinha em casa. O Decreto-Lei n.º 24/2014 aplica-se à
situação descrita?

Resposta:
A questão aqui é o requisito de sistema organizado de contratação à distância (para os contratos
celebrados à distância) – logo, não basta ter o contacto telefónico nas páginas amarelas para se ter
contrato celebrado à distância.

CASO 51: Na semana passada, Berenice recebeu um telefonema no qual lhe transmitiram que, caso
respondesse corretamente a uma questão, receberia um prémio. Berenice acertou na resposta e foi-lhe
transmitido que poderia levantar o prémio no Hotel Miragens. Quando chegou ao hotel, Berenice foi
conduzida a uma sala onde dois representantes da empresa que a tinha contactado lhe apresentaram uma
nova linha de panelas e frigideiras antiaderentes. Caso Berenice celebre um contrato com esta empresa, o
Decreto-Lei n.º 24/2014 será aplicável?

Resposta:
Não é celebrado à distância – é fisicamente celebrado no Hotel, e as partes estão fisicamente presentes –
representante da empresa e Berenice;
É contrato celebrado fora do estabelecimento – subalínea vi) da alínea i) do art.º 3.º do DL n.º 24/2014
(caberia no proémio, mas encaixa melhor aqui) – é irrelevante se o local indicado, no qual é celebrado o
contrato, é ou não o estabelecimento (pode até corresponder ao do estabelecimento).

CASO 52: No intervalo de um programa televisivo, Clotilde deparou-se com uma publicidade da operadora
“Canais Ilimitados” que anunciava a chegada à sua grelha de um canal com mais de 600 filmes. O anúncio
concluía da seguinte forma: “Para mais informações, ligue 00000, dirija-se ao nosso site ou a uma das
nossas lojas físicas”. Clotilde contactou a linha telefónica indicada, tendo-se seguido uma breve conversa

56
na qual aceitou subscrever os serviços da “Canais Ilimitados”. Clotilde pretende agora saber se celebrou
algum contrato com a operadora.

Resposta:
Não esquecer de verificar sempre se há consumidor e profissional – se há relação de consumo;
O não-cumprimento dos deveres de informação pré-contratual previstos no art.º 4.º não gera invalidade do
contrato – pode ter sanção contraordenacional;
A proposta é emitida à distância, e a aceitação também – temos contrato celebrado à distância – pode
estar relacionado com o n.º 8 do art.º 5.º;
Questão – a forma – nos contratos celebrados por via telefónica exige-se consentimento escrito do
consumidor – exceção: nos casos em que a chamada telefónica é realizada pelo consumidor;
Se fosse o profissional a ligar e a surpreender o consumidor, a lei diz que este não se vincula – teria de dar
consentimento escrito;
Neste caso, foi a Clotilde que iniciou o contacto telefónico – podemos argumentar que a empresa está
a incitar ao contacto pelo consumidor para se ultrapassar a necessidade de consentimento escrito, e aí talvez
seja necessária uma interpretação restritiva desta exceção;
Exemplo: alguém telefona para o consumidor – “tenho oferta fantástica, imperdível. Só preciso que
me ligue já de seguida para o 214374242” – a pessoa liga logo a seguir – caso em que parece
evidente que não se deve aplicar a exceção – interpretação restritiva teleológica – a situação de
pressão, se não é igual, é muito parecida;
Aqui, o incentivo não é de tal forma forte que leve a pessoa a ver limitada a sua liberdade de ação – apesar
do incentivo para ligar, é à distância, não há relação com ninguém – não se justifica a interpretação restritiva
da exceção;
Ao falar-se, na exceção, em 1.º contacto telefónico do consumidor, a própria lei prevê uma sucessão de
contactos telefónicos – o que interessa é que o 1.º tenha sido do profissional, como no exemplo que vimos
– a letra da lei já inclui diretamente a situação em causa;
Aqui, o contrato foi celebrado.

CASO 53: Joana celebrou no dia 12 de janeiro um contrato de compra e venda de um livro na loja online na
Flac. Devido a um problema no stock, o livro foi entregue apenas no dia 28 de janeiro. No dia 4 de fevereiro,
Joana poderia devolver o livro e exigir a devolução do valor pago?

Resposta:
Questão relativa ao direito de arrependimento – contrato celebrado à distância;
Há direito de arrependimento nestes contratos – art.º 10.º do DL n.º 24/2014 – 14 dias a contar de
quando? Da aquisição da posse física dos bens – alínea b), se o contrato incidir sobre bens – receção ou
traditio – conta-se a partir da entrega;
Neste caso, os 14 dias começam a contar a partir de 28 de janeiro – a 4 de fevereiro, podia arrepender-
se;

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Devemos ter atenção ao âmbito de aplicação do diploma – pode haver exceções (como o caso que vimos
dos contratos de transporte) – e devemos analisar o art.º 17.º (exceções ao direito de arrependimento –
não é um caso de um livro em suporte físico);
E se a Joana tinha exame no dia 31 de janeiro, e isto era uma legislação que ela quis comprar porque o prof.
da disciplina gostava de ver os alunos a usar a sua legislação, e ela comprou o livro para levar para o exame,
não o chegou a abrir e quer devolver no dia 4 – pode fazê-lo? Sim? Ela tem apenas de provar que celebrou
o contrato – a questão aqui podia ser a existência de abuso de direito (art.º 334.º do CC – seria abusivo se
contrário à boa-fé exercer o direito, ou contrário ao fim económico-social do direito em causa – o direito de
arrependimento tem um fim – se ela compra um bem com a intenção de se arrepender, ela tem uma
contrariedade ao fim económico-social).

CASO 54: Joaquim comprou um tinteiro à Tinteiros & Tinteiro, Lda., através do site desta empresa, tendo
desembolsado € 25 (€ 20 pelo tinteiro e € 5 pelos serviços de transporte e entrega). A empresa procedeu ao
envio da encomenda através de uma transportadora. Joaquim rejeitou a entrega, indicando já não estar
interessado no tinteiro. No mesmo dia, enviou um e-mail à empresa, comunicando a situação ocorrida e
exigindo a devolução dos € 25 pagos. A empresa teve de pagar mais € 5 à transportadora pela devolução
da encomenda. Joaquim tem direito à devolução da totalidade do valor pago?

Resposta:
Começa a complicar o caminho a percorrer;
Contrato celebrado à distância – não há dúvidas – há direito de arrependimento (à partida, se não tivermos
a exceção ao art.º 17.º) – 14 dias a contar da data da entrega – naturalmente, por maioria de razão, pode
ser exercido antes de se começar a contagem desses 14 dias (art.º 10.º) – neste caso, teria poupado uma
quantia à empresa se o tivesse feito antes;

Por conta de quem correm as despesas de entrega [em caso de exercício do Direito de
Arrependimento]?
Consumidor tem direito ao valor da devolução do bem, mas tem direito à devolução dos custos da
entrega?

Art.º 12.º, n.º 1 – “todos os pagamentos recebidos, incluindo os custos de entrega do bem” – riscar,
aqui, o n.º 2 do art.º 13.º (o legislador é burro e tal – custos de devolução e de entrega são coisas
diferentes);
Em termos de regime-base – tinha direito a receber os €25.

Há direito de arrependimento no caso de CCV de tinteiro?

Abrir o tinteiro, regra geral, ainda que não seja utilizado, implicaria inutilizar o tinteiro – podia-se
aplicar a alínea d) do n.º 1 do art.º 17.º ao tinteiro – pois a partir do momento em que é aberto, não
sendo colocado de imediato numa impressora, estraga-se.

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A empresa teve mais €5 de despesa com a devolução do bem – as despesas de devolução correm por
conta de quem?
Art.º 13.º, n.º 2 – norma que deve ser interpretada tendo em conta o que aqui está;

A regra é a de que se nada for indicado, os custos correm por conta do profissional;
Alínea b) – se o profissional quiser que os custos corram pelo consumidor, deve ser incluída uma
cláusula no contrato nesse sentido;
Aqui, foi incluído no contrato? Se sim, os €5 devem ser pagos pelo consumidor. Se não, correm por
conta do profissional.
Aqui, mesmo nada tendo sido incluído no contrato, seria abusivo o consumidor vir exigir a devolução dos €5
da devolução, e também há dúvidas em relação aos €5 da entrega – devia ter avisado que não queria o
tinteiro umas horas antes, evitava-se a entrega – empresa não teria esse custo se o consumidor tivesse um
comportamento correto e conforme à situação (sempre nos termos do abuso de direito – art.º 334.º CC
e 9.º da LdC) – se se aplicasse o abuso de direito, a empresa só deveria devolver €15 – consumidor
tem direito aos €5 da devolução e aos €5 da entrega – mas o seu comportamento faz com que não possa
exercer este direito.

CASO 55: Leonardo encomendou sushi através do site da Home Salty Sushi, tendo dado a indicação, nas
observações, de que a campainha de casa estava avariada. O estafeta telefonou-lhe quando chegou e
Leonardo foi lá fora recolher a encomenda. Quando abriu a porta, não estava lá ninguém e recebeu
imediatamente um e-mail anunciando a cobrança. Leonardo tem fome e está muito arrependido de ter feito
esta encomenda. O que pode fazer?

Resposta:
Há incumprimento – pode haver incumprimento e haver direito de arrependimento, neste caso? A vantagem
do último é que não precisa de justificação (o incumprimento tem sempre de ser fundamentado);
Art.º 17.º, n.º 1, alínea d) – bens que se deterioram ou que ficam rapidamente fora de prazo (pratos feitos
duram umas horas) – não há direito de arrependimento ab initio – desde que a comida começa a ser
confecionada, já não há volta a dar;
Havendo incumprimento, haverá direito à resolução do contrato com base no regime geral do CC –
possibilidade de RC contratual.

CASO 56: António comprou um telefone no valor de € 34,50 à Belos Telefones, Lda., através da Internet.
Nas compras de valor inferior a € 50, a entrega tem um custo acrescido de € 5,5. António pagou, assim, €
40 pelo telefone. No dia seguinte, António devolveu o telefone. A Belos Telefones, Lda., pretende devolver a
António os € 34,50 relativos ao valor pago pelo telefone. António pretende receber os € 40 que pagou. Quem
tem razão?

Resposta:
O que o profissional quer descontar são os custos de entrega, e não os custos de devolução;

59
Resolvemos tudo com o art.º 12.º, n.º 1 – António tem direito a receber os €40 – riscar remissão para o art.º
13.º (argumento da interpretação conforme à diretiva europeia – se não, interpretação corretiva da norma –
fala dos custos de devolução quando estamos a falar dos custos de entrega);
A Belos Telefones deve restituir “todos is pagamentos recebidos”, isto é, os €40.

CASO 58: Inês celebrou, através da Internet, um contrato para a assistência a um jogo de futebol entre o
Benfica e o Real Madrid, que se vai realizar três meses depois. No dia seguinte, recebeu a notícia de que
tinha uma conferência em Tóquio no dia do jogo, não podendo por isso marcar presença. Inês pode
arrepender-se e exigir a devolução do valor pago?

Resposta:
Temos de ir ver 1. As exceções ao regime – nada no art.º 2.º exclui a aplicação do diploma a este caso;
E 2. As exceções ao direito de arrependimento – art.º 17.º, n.º 1, alínea k) – um jogo de futebol cabe
claramente no conceito de “atividade de lazer” – tem data e período específico – não há direito de
arrependimento.

CASO 59: Gonçalo adquiriu um livro do seu escritor favorito através do Kobo. O ficheiro com o livro foi
descarregado no dispositivo no dia 17 de fevereiro. Gonçalo leu o livro e não gostou. Pode exercer o direito
de arrependimento?

Resposta:
Art.º 17.º, n.º 1, al. l) – E-book é conteúdo digital – consumidor tem que ter sido informado que perde o
direito de arrependimento quando recebe o e-book (para perder o direito ao arrependimento).
A sua resposta seria a mesma se o livro tivesse sido adquirido numa versão física, à distância?

Em princípio, haverá direito de arrependimento;


Se a pessoa tiver comprado o livro para ler e depois devolver, não esquecer a questão do abuso de direito
– regra importante do art.º 14.º, que estabelece que, no essencial, o consumidor recebe o bem e é
proprietário do bem a partir desse momento, podendo utilizá-lo à vontade e, mesmo depois disso, exercer o
direito de arrependimento. Mas – art.º 14.º, n.º 2 – o consumidor pode ser responsabilizado pela deterioração
do bem, se for de – pode exercer o direito de arrependimento, mas pode ter de indemnizar o profissional na
medida da perda de valor do bem.

CASO 60: Hugo adquiriu na loja online da “Tudo ao Granel” um robot de cozinha e uma camisola da sua
série favorita. Na primeira utilização do robot, Hugo constatou que a potência deste era incompatível com o
quadro elétrico da sua casa. Acresce que, depois de ter utilizado a camisola numa convenção de fãs da série
em questão, Hugo já não tem qualquer utilidade para a mesma. Caso Hugo exerça o direito de
arrependimento, terá de pagar algum valor pelos bens?

60
Resposta:
Camisola – seria abusivo – já sabia que se ia arrepender, comprou com a intenção de usar na ocasião e
depois devolver;
No caso do robô – podia experimentá-lo – no estabelecimento comercial, a pessoa não experimenta
eletrodomésticos, mas estão lá – mas ligar à corrente e ver se funciona é normal – à partida, ligar, carregar
e ver se funciona... é admissível, e pode arrepender-se sem ter de indemnizar e pagar qualquer valor ao
profissional por isso;
Mesmo que já tivesse usado bastante – sem abuso de direito – podia arrepender-se, mas teria de
indemnizar o estabelecimento (art.º 14.º, n.º 2) por essa utilização e deterioração excessivas do bem, para
lá da mera experiência.

CASO 61: Igor celebrou um contrato com a operadora de comunicações eletrónicas “Voz” no dia 2 de
fevereiro, tendo as partes acordado que a 1.ª mensalidade seria de € 86 e as restantes no valor de € 62. O
contrato tem um período de fidelização de 24 meses e o serviço foi instalado no próprio dia, na sequência
de pedido expresso de Igor. Caso este exerça o direito de arrependimento no dia 10 de fevereiro, qual o
valor que deverá pagar à “Voz”?

Resposta:
14 dias contam-se, na prestação de serviços, a partir da data de celebração do contrato;
Pode ser exercido o direito de arrependimento, mesmo que dentro do período de fidelização, sem ter de
pagar qualquer valor;
Vamos pressupor que é contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento;
Logo, há direito de arrependimento (art.º 10.º do regime) – nos CCV, o prazo para se arrepender conta a
partir da entrega do bem; na prestação de serviços conta a partir da data da celebração do contrato;
Para que o I possa usufruir daqueles serviços, precisa de uma box, etc….. e aqui não há só prestação
de serviço; é um contrato misto, porque em relação à box temos alguns elementos de compra e venda ou
locação (se a box tiver sido alugada);

O que acontece nestes casos em que é prestado um serviço e, para além disso, é fornecido um bem?
Aplicamos a alínea do art. 10º que trata dos bens fornecidos (começamos a contar a partir da
entrega), ou privilegiamos a parte da prestação de serviço (e o que conta é a data da celebração
do contrato)?

Temos um argumento aqui: temos de dar ao consumidor o tempo para avaliar o bem para decidir
se exerce ou não o direito depois;
É por isso que o prazo começa a contar a partir da data da entrega, para que a pessoa veja, teste e
saiba se gosta ou não. Assim, deverá o prazo contar a partir da entrega física da box ou do router?

Mas qual é o problema que tem este argumento?

61
Quando estiver em causa um serviço, a lei não permite isso – daí que o prazo conte a partir do
momento de celebração do contrato;

A lei não prevê a possibilidade de testar o serviço, sendo que este pode até começar a ser
prestado mais de 14 dias depois;
Logo, na prestação de serviço a lei não atribui este direito a pensar que o consumidor deve testar o
serviço para formular a sua opinião e tomar uma decisão;
Ou seja, como a lei não atribui esta faculdade em relação aos serviços (já que o prazo começa
a contar a partir da data da celebração do contrato) não podemos aplicar a ideia da pessoa poder
experimentar que se verifica em relação à compra-e-venda.

Para o prof., a box e o router são instrumentais em relação ao serviço – daí que normalmente não sejam
adquiridos em definitivo pelo consumidor, regra geral são alugados;
Assim, neste caso predomina o elemento serviço e, por isso, devemos cair na alínea a) do n.º 2 do art.º
10.º do DL 24/2014;
No prazo de 14 dias, a contar da data da celebração do contrato, o I pode arrepender-se; aqui passaram
apenas 8 dias, por isso não há problema;
Quanto aos efeitos do Direito ao Arrependimento, temos regime específico no que toca à prestação
de serviços e à compra-e-venda;
Na Compra-e-venda, o arrependimento produz efeitos retroativos, o consumidor tem de devolver o bem
e do outro lado o profissional tem de devolver o preço (arts. 11.º, 12.º e 13.º);
Já na prestação de serviços depende se produziu ou não efeitos durante o período para o direito de
arrependimento:
Nos casos em que o serviço começou a logo ser prestado, o exercício do direito de
arrependimento não produz efeitos retroativos – o consumidor pode exercer arrependimento, mas
tem de pagar pelos serviços que já foram prestados.

Logo aqui o I teria de pagar pelos 8 dias em que teve acesso aos serviços da “Voz”.

Como se calcula este valor?


O valor de referência é o do primeiro mês, ou o valor dos restantes meses?

Aqui, nunca poderia ser o valor de 86 euros precisamente porque o profissional está a colocar um
valor mais elevado na 1ª mensalidade para que o consumidor pague mais se se quiser desvincular;
Para o prof., vamos ver o valor seria calculado somando o valor a pagar durante os 24 meses
(62 x 23 + 86) e, depois, fazendo a respetiva proporção para os 8 dias em que o serviço foi
prestado.
O que é importante é perceber que se o serviço tiver começado a ser prestado no decurso do prazo,
para se arrepender, o consumidor tem de pagar um valor para o tempo em que o serviço foi prestado
até então.

62
SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS

Lei n.º 23/96 – uma lei antes da Lei de Defesa do Consumidor – leis aprovadas em simultâneo na AR;É uma
péssima designação – são essenciais, mas “públicos” é uma palavra terrível – serviços não são “públicos”
no sentido de “prestados pelo Estado”, a aceção que utilizamos – na sua maioria, os que aqui estão não são
prestados pelo Estado – se virmos a lista do art.º 1.º, n.º 2, a maioria destes serviços não são fornecidos por
entidades públicas, nem pelo tecido empresarial do Estado (fornecimento de água ainda é essencialmente
municipal, ainda que através de empresas, pelo que é exceção):

 Energia elétrica, gás natural, comunicações eletrónicas, serviços postais, transporte de passageiros..
tudo privado.
 Recolha e tratamento de águas e de resíduos urbanos ainda são públicos, na maioria;
 Não são prestados necessariamente pelo Estado (direta ou indiretamente) – podem ser empresas
privadas a prestá-los!

Serviços sempre contratualizados com o utente – quando falamos de serviços públicos essenciais das
atribuições do Estado, não falamos neste sentido:

+ Não são, também, relações de consumo, as que se estabelecem entre o cidadão e o Hospital ou a
escola pública.

Esta lista é taxativa – todos os serviços aos quais este regime é aplicável encontram-se no n.º 2 do art.º 1.º.
Se os tivéssemos de agrupar, o que diríamos sobre eles?

♦ “Implicam uma espécie de rede” – o único aqui que não implica necessariamente uma rede, ou cuja
rede é menos evidente, é o serviço de transporte (pode ser celebrado uma vez apenas – um contrato
para um transporte, e não é por acaso que foi incluído em 2019 nesta lista);
♦ Fornecimento de água nem é um serviço – água é uma coisa corpórea – este contrato de
fornecimento de água é essencialmente um CCV de água – aqui há a mais, em relação a um simples
CCV, o tratamento de água, o elemento da prestação de serviços, prestação contínua (garantia de que
há um sistema organizado para que, quando abro a torneira, saia água, em condições – implica o
tratamento e a manutenção);
♦ Mesmo os serviços postais têm uma rede – quando envio uma carta, celebro um contrato, sem
dúvida – têm, no entanto, uma rede que garante que todos os dias chega à casa de cada pessoa a
correspondência que lhe é endereçada – é essa a parte de rede essencial dos serviços postais.

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CASO 62: A TAP é credora de António, uma vez que se verificou um problema com o pagamento do preço
relativo a uma viagem contratada em junho de 2019. Aplica-se a este caso o regime dos serviços públicos
essenciais?

Resposta:
Temos que ir ver quais são os Serviços Públicos Essenciais – aqui, é um contrato, não é rede – viagem
de uma vez – não é fornecimento de um serviço em rede;
O serviço de transporte de passageiros está previsto na alínea h) do n.º 2 do art.º 1.º do DL n.º 23/96;
António é o utente (conceito mais amplo, nesta lei, que “consumidor” – qualquer pessoa a quem tenha sido
prestado um serviço público essencial);
N.º 4 – prestadores de serviços – toda a entidade pública ou privada que preste os serviços do n.º 2 –
TAP parece ser um prestador de serviços;
Parece, portanto, haver uma relação de consumo nos termos dos números 3 e 4 do art.º 1.º do DL –
o prazo de prescrição do regime deste diploma é muito vantajoso para o utente, portanto a aplicação deste
DL é essencial para a proteção do utente – 6 meses (art.º 10.º/1);
Depois de concluirmos que está incluído no elenco do n.º 2, não vamos analisar in casu se o serviço
que a pessoa utilizava no momento era ou não essencial – se considerarmos que este serviço de
transportes está incluído, aplicamos o regime – na perspetiva do prof., onde a lei não distingue, não faz
sentido limitar – logo, faz sentido aplicar-se este regime;
“Transporte coletivo ou individual” – parece incluir transporte individual Táxi ou TVDE:
Não está incluído o transporte de mercadorias – não tem base na alínea h), por muito essencial
que seja.
Não é em rede, é contrato singular, mas está incluído no âmbito de aplicação do diploma.

CASO 63: Jacinta mora no 14.º andar de um prédio sem elevador e sofre de dores musculares sempre que
tem de levar garrafões de água para casa. Como tem uma amiga que é proprietária de uma mercearia em
frente a sua casa, no ano passado pediu-lhe se, por favor, a partir de janeiro de 2022, poderia passar a
entregar-lhe 3 garrafões de água por semana à porta. Cinco meses depois de repetidas entregas pontuais,
Jacinta não recebeu os seus três garrafões esta semana, tendo tido de beber refrigerantes todos os dias.
Aplica-se o regime dos serviços públicos essenciais?

Resposta:
Não. Porquê? Na verdade, até há serviço próximo do fornecimento de água, mas o regime não está
realmente pensado para água engarrafada – inexistindo essa relação de fornecimento contínuo, no caso da
água, não se aplica a lei n.º 23/96.

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CASO 64: Será legalmente admissível a prática de uma sociedade fornecedora de eletricidade e de gás
que, alegando que a contratação conjunta dos dois serviços é o motivo para a cobrança de um valor mais
baixo por ambos, recuse a possibilidade de os utentes pagarem apenas um deles?

Resposta:
Situação bastante comum: celebro contrato com a GALP ou com a EDP – fornecimento de energia elétrica
e gás natural, e pago X pelo que consumo, o que tiver sido acordado. Posso pedir à empresa que me presta
o serviço para pagar apenas a eletricidade (ou apenas o gás)?
Qual é a consequência do incumprimento? Suspende-se o fornecimento do serviço que não foi
pago – não pagando apenas um, apenas se suspende a prestação desse serviço – interesse
atendível de uma pessoa que não conseguiu pagar, para não ficar com tudo cortado.

Art.º 5.º, n.º 4 e, ainda, o art.º 6.º – uma das proteções que o utente tem em relação a serviços públicos
essenciais é esta – o regime geral não é este – se tem uma dívida, continuaria a existir – mas em relação a
SPE’s o consumidor tem o direito a pagar apenas um serviço essencial, se estiver em causa mais que um
serviço essencial (ou se estiver em causa um serviço essencial e outros associados que não sejam
essenciais);

Depois, segundo o n.º 4 do art.º 5.º, só pode ser suspenso o serviço que não foi pago e não tudo o
que é prestado, se o consumidor houver pago por um dos serviços:
Temos de ver a parte final do n.º 4 – funcionalmente indissociáveis – não é “contratualmente
indissociáveis” – excetuam-se os casos em que os serviços são funcionalmente indissociáveis
– o que não se verifica aqui: eletricidade e gás natural são dissociáveis.

CASO 65: Manuel, de 18 anos, foi viver sozinho pela primeira vez para uma casa que o seu avô lhe
disponibilizou. A casa está toda mobilada e equipada à antiga, o que Manuel aprecia bastante, especialmente
porque as contas estão todas em nome do avô. No outro dia, ouviu um barulho estranhíssimo vindo do
escritório e qual não foi o seu espanto quando percebeu que havia uma folha a sair de uma espécie de
impressora com números, que continha um aviso de suspensão do serviço de eletricidade a ocorrer em 30
dias, supostamente porque a eletricidade não era paga há mais de um ano. Este pré-aviso pode ser
considerado adequado?

Resposta:
Para já, está em causa um serviço público essencial – energia elétrica;
Há incumprimento por parte do utente, que não paga o valor das faturas há um ano – o utente é o avô de
Miguel;
Este “barulho estranho” é um fax – com este fax, a empresa está a dar o pré-aviso – art.º 5.º, n.º 1 e 2 –
por escrito, com antecedência de 20 dias:
− Força maior – cortar a energia;
− Caso fortuito – animal bate contra o poste e a suspensão do fornecimento vai com o baralho;
− O prazo é superior, pelo que não levanta problemas;
65
− Quanto à forma, o fax vem por escrito, pelo que parece não haver problema;
− Se fosse por telefone, não cumpria a forma escrita;
− Por SMS, à partida cumpre a forma escrita;
− Atentar que deve cumprir os requisitos do n.º 3 do art.º 5.º.

CASO 66: Clotilde tem uma filha de 2 anos que gosta de brincar com o comando da televisão. Num desses
momentos, em março, sem que Clotilde se apercebesse, a filha clicou em vários botões, originando a
contratação do canal Cat TV. A fatura do mês de abril apresentou um valor de €6,00 a mais do que o habitual.
Não reconhecendo tal serviço, Natália limitou-se a subtrair os €6,00 e pagou apenas o valor normal, no prazo
limite (30 de abril). Hoje, Natália recebeu um e-mail com a indicação de que dispõe de 30 dias para proceder
ao pagamento do remanescente da fatura de abril. O que aconselharia Natália a fazer?

Resposta:
Questão de difícil prova – comprovar de que foi a criança a subscrever o canal por engano;
Há relação de consumo ao abrigo do DL n.º 23/96 – há utente, prestador de serviços e, em princípio,
estamos perante um serviço essencial;
Pode ser interessante o n.º 4 do art.º 5.º: claro que é um serviço separável – não é possível a suspensão
da prestação do serviço essencial eletrónico da internet, telemóvel e televisão por causa da falta de
pagamento do canal dos gatos;
É anulável esta alteração ao contrato?
É um contrato celebrado à distância;

Pode ser caso da alínea l) do art.º 17.º do DL n.º 24/2014 – mas teria de ter sido comunicado
previamente;
Mesmo que houvesse a possibilidade do direito de arrependimento, teria de se pagar pelo
tempo em que a pessoa beneficiou do serviço – o mais provável, aqui, até seria já terem passado
os 14 dias – se não houve informação, são mais 12 meses – art.º 10.º, n.º 2;
Para invalidar o ato de subscrição, só mesmo pela via geral do Código Civil relativamente aos
contratos por menores.

CASO 67: A fatura da eletricidade relativa ao período de 25 de abril de 2022 a 24 de maio de 2022 foi
remetida à empresa Botões e Botões, S.A., no dia 20 de julho de 2022. A dívida prescreve em que dia?

Resposta:
Principal direito do utente – art.º 10.º, com prazo de prescrição curtíssimo relativo ao direito de crédito –
6 meses é curtíssimo para prescrever a obrigação de pagamento do preço pelo utente;
Estes 6 meses começam a ser contados após a prestação do serviço:

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Quando é que se considera prestado? 24 de maio, já que a fatura se refere ao período de faturação
– é a única solução lógica para esta norma – deve-se considerar que o serviço concluiu a prestação
relativa àquele período de faturação no dia 24 de maio – conta-se tudo em função do final do
período de faturação;

O envio da fatura dia 20 de julho é irrelevante – problema do fornecedor, que terá menos tempo
para cobrar;
Aplica-se o art.º 279.º do Código Civil, por via da remissão do art.º 296.º:
Norma interpretativa;
Regra para os prazos em meses – alínea c) – termina às 24h do dia a que corresponda dentro
do último mês – seria 24 de novembro de 2022, às 24:00 o prazo limite para o profissional
cobrar a dívida, iniciando processo em Tribunal ou iniciando procedimento de injunção;
Lembrar que a prescrição tem de ser invocada na contestação – a partir de dia 25 de
novembro, o utente passa a ter direito de a invocar – se está prescrito o crédito, deixa de ser
sindicável, e concludentemente deixa de ser exigível o cumprimento.

CASO 68: Imaginemos que o utente recebeu aviso de corte no dia 25 de novembro de 2022 (ou mais tarde),
vindo invocar a prescrição como fundamento para incumprir. Três semanas depois, tem nova carta onde se
avisa o corte na semana seguinte, em caso de não-pagamento. O utente paga, pois não quer que seja
cortado o fornecimento. Pode exigir a devolução do que pagou?

Resposta:
Obrigação natural – art.º 402.º do Código Civil – mesmo prescrita e sem obrigatoriedade judicial, se for
cumprida não se pode exigir a restituição da prestação, livre de toda a coação – art.º 403.º;
Pagamento foi ou não espontâneo? Não, porque há ameaça de corte;
Também há hipótese de a pessoa ter pago sob reserva – para evitar a consequência – “pago, mas depois
vou resolver isto, cambada de chulos”;
Aqui, pensámos no caso em que a pessoa não sabia do direito – “assédio seria o receio ilícito de um
mal” – não podem ameaçar com corte pelo não-pagamento de uma fatura prescrita, pelo menos se tiver sido
invocada a prescrição (só produz efeitos com a invocação – muito discutível[1]);
Porque se considera a obrigação natural? A pessoa pode não querer ficar com o rótulo de devedor para
futuro;
Se não se tiver invocado a prescrição, é mais discutível – a maioria dos autores e Tribunais vai considerar
esta prática admissível. Prof. discorda, pois acha que existe sempre prescrição, mesmo que não invocada,
sendo a invocação apenas um requisito de eficácia.

CASO 69: Olga é uma empresária muito atarefada e sem nenhum jeito para as lidas domésticas. Na hora
de pagar as contas a situação só piora, pois esquece-se sempre de as pagar. Não querendo a opção de
débito direto, pois sabe muito bem que iriam tirar-lhe mais dinheiro do que o devido, acordou com a Águas

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da Sua Santa Terra que a sua fatura de água viria ter a casa anualmente, especificamente em agosto, que
é quando recebe o subsídio de férias e tem muito dinheiro para pagar essas coisas. No último verão recebeu
uma fatura com o valor de €600,00 e quer reclamar apenas porque sim. Conhece algum argumento que
possa ser útil a Olga?

Resposta:
Art.º 12.º do DL n.º 23/96 – pode argumentar que foi cobrado mais do que aquilo que efetivamente consumiu
– se for verdade, sem dúvida;
Vamos admitir que ela consumiu aqueles valores;
A fatura anual é um problema, uma vez que há prescrição ao fim de 6 meses – posso emitir fatura anual?
Perco automaticamente o meu direito de crédito relativo aos primeiros 6 meses;
O art.º 9.º, n.º 2, refere que a fatura deve ter uma periodicidade mensal, por muito que se considere que isto
é uma norma supletiva – a ratio dos prazos deste regime é precisamente evitar faturas exorbitantes
(daí os prazos mais curtos);
Se assim não fosse, e as faturas pudessem ser cobradas passado tanto tempo, os valores seriam muito
superiores e lesivos para os utentes (sobretudo porque para muitos destes serviços os preços se
determinam em função do consumo);
Para o prof., aqui, Olga pode reclamar com fundamento na ilicitude das faturas anuais, exceto se tiver
sido ela a sugerir essa periodicidade, porque aí pode ser abusivo (e.g. se tiverem convencionado afastar
este prazo por o considerarem supletivo)
→ Outra hipótese:
A utente paga €20,00 todos os meses, durante 1 ano, com base em estimativa, mas depois
promove-se a contagem e chega-se à conclusão de que o valor para aquele ano era de mais
€350,00. Quid juris?

R: É um caso do n.º 2 do art.º 10.º da LSPE – aqui, à partida, o consumo dos primeiros meses
do ano já tinha prescrito, e por isso só é exigível o pagamento dos restantes 6 meses;

Porém, daquele valor de €350,00 total, não sabemos, ao certo, quanto é que foi gasto nos
primeiros 6 meses, logo teremos de ficcionar um consumo igual em todos os meses;
Atenção: a norma do art.º 10.º/2 deve ser interpretada de forma corretiva, para que contem
não os seis meses após pagamento, mas sim os 6 meses após a prestação do serviço, na
medida em que se o utente só tivesse pago x meses, depois do vencimento da fatura, então
aí o prazo seria estendido excessivamente a favor do prestador.

CASO 70: Pedro recebeu um e-mail da GASOSA no dia 15 de fevereiro com uma fatura no valor 1.500 euros
referente ao consumo de gás natural, cujo período de faturação remonta a 2003. Como não gosta de dever
nada a ninguém, deslocou-se a uma PayShop para pagar imediatamente. A funcionária da loja disse que o
Pedro estava mas era doido, pois essa dívida já há muito tinha prescrito. Pedro insistiu em pagar. Muito

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orgulhoso da sua atitude sensata, contou à sua esposa quando chegou a casa, que tratou imediatamente de
telefonar para a GASOSA, invocando a prescrição de tal dívida. Pode fazê-lo?

Resposta:
Obrigação natural – o que for pago espontaneamente não pode ser repetido, no sentido de ser devolvido;
Única hipótese seria o contrato não estar em nome do Pedro – até aí, seria difícil não se permitir o
cumprimento da obrigação por terceiro..

Compra-e-venda e Fornecimento de Conteúdos Digitais


Princípio basilar: conformidade;
Este regime é muito mais favorável ao consumidor – diferença significativa de regime em relação ao da
compra-e-venda de coisa defeituosa do CC (que se aplica genericamente a CCV’s de coisa específica, e
não de coisa genérica, por via de uma exceção do regime);
O regime de consumo – DL n.º 84/2021 – aplica-se independentemente de a compra-e-venda ser de coisa
genérica ou específica;
No fundo, a ideia é, no regime de compra-e-venda de coisa defeituosa específica: vendo este telemóvel
no estado em que está – se há algum problema, o regime remete para o regime do erro – é preciso que os
seus requisitos estejam verificados;
O regime do cumprimento e incumprimento das obrigações (aplicável à CV de coisa genérica) e o regime de
consumo, tal como na CV de coisa genérica, é sempre “um” telemóvel, e não o telemóvel concreto, do ponto
de vista do consumidor – e o regime do CC é completamente diferente nestes casos – na coisa específica
aplica-se o regime da coisa defeituosa, e no caso de se comprar uma coisa genérica aplica-se outro regime
– e isto não faz sentido;
É irrelevante se é específico ou genérico – aquilo que temos são as características que o bem deve ter
com base nos critérios de conformidade que iremos estudar;
Este regime revogou um regime anterior (o do DL n.º 67/2003), sendo que no ano passado, nesta cadeira,
os estudantes estudaram ambos os diplomas – agora, podem-se fazer algumas referências, mas o mais
importante é o DL n.º 84/2021, mas em muitos casos ainda é aplicado o DL n.º 67/2003;
O DL n.º 84/2021 aplica-se somente a contratos celebrados a partir de 01/01/2022, pelo que contratos
anteriores se regem ainda segundo o DL n.º 67/2003;
Se celebrar CCV de automóvel em dezembro de 2021, mas o automóvel só for entregue um ano depois
(final de 2022), aplica-se o DL n.º 67/2003 – o critério não é o do momento da entrega, mas sim o do
momento da celebração do contrato;

Imaginemos que comprámos uma casa há dois anos, mas ainda não tinha iniciado a construção
(2021), sendo que esta só fica pronta e é entregue em 2025 – o regime aplicável é o do DL n.º
67/2003, se o contrato já tiver sido celebrado anteriormente – aspeto muito importante – maioria dos
problemas que hoje se colocam dizem ainda respeito ao DL n.º 67/2003;

Este regime resultava da Diretiva 1999-44-CE, transposta pelo DL n.º 67/2003;

69
Atualmente, temos a diretiva 2019-771-CE, transposta pelo DL n.º 84/2021, que também transpõe a Diretiva
2019-770, que regula o fornecimento de conteúdos e serviços digitais – regime pensado para a compra-
e-venda, mas também (separado) regulando o fornecimento de conteúdos e serviços digitais – DL n.º
84/2021 aplica-se a um conjunto alargado de contratos;
É um regime que se aplica a relações de consumo – entre consumidores e profissionais;
Art.º 2.º: conceito mais restrito de “consumidor” – aplica-se apenas a pessoas singulares – pela primeira
vez, há uma norma que expressamente vem resolver o caso do uso misto – art.º 49.º (uso predominante);
Conceito de profissional não traz qualquer novidade;
Prevê não só a responsabilidade do vendedor, mas também do produtor – à semelhança do DL n.º
67/2003 – embora, em primeira linha, a responsabilidade seja do vendedor;
De forma bastante inovadora (único país da UE que o fez) prevê-se também a responsabilização direta
das plataformas digitais:
☺ Se eu comprar no Marketplace da FNAC a um profissional;
☺ Além de poder responsabilizar, em traços gerais, a empresa que vende no Marketplace, eu posso
responsabilizar o produtor (Apple, no caso) e posso responsabilizar o mercado em linha
(Marketplace) – novidade do regime;
☺ Responsabilidade de pessoas que não tiveram relação contratual direta, naquele negócio,
com o consumidor;
☺ Tenho relação contratual com a FNAC para usar o Marketplace, mas na compra-e-venda do bem
a minha contraparte é a empresa que lá vende, e não a FNAC.

Âmbito de aplicação objetivo – a que contratos se aplica o regime?

CASO 71: Qualifique os seguintes contratos e indique a quais se aplica o DL 84/2021:


a) Contrato de compra-e-venda de uma bateria de telemóvel celebrado numa loja chinesa;

b) Contrato de fornecimento de uma aplicação celebrado através da App Store;

c) Contrato para aquisição de um smartwatch;

d) Contrato para a lavagem de um automóvel;

e) Contrato de fornecimento de energia elétrica;

f) Contrato de compra e venda de um cavalo de corridas.

Resposta:

a) Loja “dos chineses”, e não noutro país – é um contrato de compra-e-venda. O regime aplica-se a estes
contratos – art.º 3.º, n.º 1, al. a):

70
Podiam levantar-se duas questões – a primeira é ser uma loja chinesa:

▫ Quando pensamos em loja chinesa, pensamos em quê? Pensamos numa loja que tenha tudo, sem
marca própria (produtos de marca branca ou marcas variadas) – mais barato que o normal;
▫ Aplica-se a qualquer estabelecimento comercial, sendo absolutamente irrelevante a natureza da loja,
se os bens são mais baratos ou mais caros, se a loja vende tudo ou, de forma mais especializada,
alguns produtos – o regime e o período de responsabilidade aplicam-se, à partida, a qualquer bem
(tirando uma ou outra exceção);
▫ Do ponto de vista de responsabilidade do profissional (ou seu período) – é completamente indiferente
comprar no chinês ou na Louis Vouitton.

Segunda questão – bateria de telemóvel:

▫ É um bem que pode ser comprado autonomamente – profissionais podem vir dizer que é um
“bem de desgaste rápido”, pelo que não tem garantia, ou esta é menor – isto não tem base legal;
▫ É uma coisa móvel corpórea – parte do regime que se aplica às coisas móveis corpóreas – art.º 2.º,
al. c), subalínea i) – obviamente que o conceito de bens inclui isto – sem dúvida que se aplica o
regime à bateria.

b) Contrato de licença, em princípio, mas além disso cabe numa categoria de contratos – fornecimento de
conteúdo digital, no caso específico – a app é um conteúdo digital, que pode ter serviços digitais
associados:

Se não tiver pago nada pela aplicação, o contrato é gratuito?

Os dados pessoais são avaliados economicamente, têm valor económico – acabam por ser uma
contraprestação, uma vez que são tratados para efeitos que vão além do mero cumprimento do
contrato;

Aqui entram as várias alíneas do n.º 3 do art.º 3.º:


Aplica-se ao fornecimento de conteúdos digitais;

Subalínea b) – mesmo sem pagamento, pode ser oneroso;

Subalínea d) – se eu comprar um CD com músicas, o contrato é de compra-e-venda, mas para


efeitos deste regime não se aplica o regime de compra-e-venda, mas sim o regime de compra-e-
venda de conteúdos digitais, porque o mais preponderante não é a CV do bem físico, mas sim os
conteúdos digitais.

Não se aplicam as mesmas normas:

Art. 5.º e ss. tratam da compra-e-venda de bens;

Art.º 26.º e ss. tratam da compra-e-venda de conteúdos e serviços digitais;

71
A partir do capítulo IV, temos normas gerais que se aplicam a ambos (responsabilidades do produtor,
plataforma, etc...), a todas as categorias contratuais.

c) Que características distinguem o smartwatch? É que pode ter incorporados conteúdos ou serviços
digitais:

CCV com conteúdos digitais incorporados – novidade deste regime é a introdução do conceito de “bem
com elementos digitais”, definido no art.º 2.º, al. c), subalínea ii) do regime;

Se virmos o art.º 3.º, n.º 1, al. c), este esclarece que o DL é aplicável a estes casos – ler artigo – na
verdade, é aplicável o capítulo II, afeto à compra-e-venda – um dos regimes teria de ser aplicável, e o da CV
sobrepõe-se ao regime do fornecimento de conteúdos e serviços;
Podemos ter casos de dúvidas:
Estamos perante um contrato de bem com elementos digitais?

Ou perante dois contratos – contrato de CV do bem + contrato de fornecimento de conteúdos ou


serviços digitais?
O critério é funcional, e não contratual – como entenderam as partes? Incluía os conteúdos digitais
no bem ou eram comprados à parte?
Exemplo: compro carro e este vem com GPS – GPS é um conteúdo digital (a aplicação) –
estamos perante um bem com elementos digitais;
Exemplo: além disso, há associado um serviço de atualização constante dos mapas do GPS,
e o carro é vendido com a possibilidade de atualização durante um ano – à partida, ainda está
incluído no contrato;
Exemplo: mesmo exemplo, mas o consumidor tem de subscrever o serviço de atualização
dos mapas – nesse caso, são dois contratos separados – é um serviço digital, pelo que se
aplica o regime do fornecimento de serviços digitais, e não o da compra-e-venda.

d) é um contrato de empreitada [é retirada a sujidade] – caso da prestação de serviços:

Não é uma compra-e-venda, nem é um serviço digital;

Alínea b), n.º 1 – regime estende-se a bens fornecidos no âmbito de contrato de empreitada ou de outra
prestação de serviços – não se aplica, porque não há aqui um bem – não se aplica a contratos de
empreitada ou prestação de serviços em que não seja fornecido um bem;
Exemplo: se, numa reparação automóvel, se substituem as pastilhas e os travões – aqui, aplica-se
à compra-e-venda das pastilhas, mas também ao serviço de reparação prestado, como veremos mais
à frente;
Na verdade, aplica-se – regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e
restauração, que tem um âmbito bastante alargado e inclui estes serviços, e este regime tem uma norma –
art.º 34.º, que estabelece que no caso de desconformidade do bem com o contrato, faz uma remissão para

72
o DL n.º 84/2021, por força da remissão para o DL n.º 67/2003 – aplicando-se à prestação de serviços, com
as devidas adaptações – podemos aplicar a contratos de prestação de serviços abrangidos por este
DL, com adaptações, o DL n.º 84/2021;
Ou seja: não se aplica diretamente, mas com adaptações, a muitos casos de prestação de serviços, por
força do regime referido supra – DL n.º 10/2015 estende a aplicação do DL n.º 84/2021 aos serviços que
abrange.

e) não, porque vemos a definição de bem móvel corpórea – subalínea i) do 2.º, alínea c) não cabe aqui:
É um contrato misto – compra-e-venda da eletricidade + prestação dos serviços (SPE);

Poderia ser energia elétrica, mas em casos em que determinado ou em volume limitado;
Nota: falámos do regime dos SPE’s – regime geral de direitos e proteção do utente – mas cada um dos
SPE’s tem um conjunto de legislação avulsa muito alargado, um regime especial de proteção do consumidor.

f) art.º 4.º, n.º 1, al. b) – não se aplica à compra-e-venda de animais:


Contrato de compra-e-venda;

Protege o profissional – o cavalo é vendido, aplicamos regras do Código Civil da compra-e-venda de coisa
defeituosa, ainda que o cavalo seja para consumo;
Não protege efetivamente o animal;
Prof. é bastante crítico desta norma – até se poderia querer limitar os CCV’s de animais para consumo
(relações de consumo ≠ para comer) – mas esta norma protege o profissional, porque o regime da CV de
coisa defeituosa do CC é muito desequilibrado a favor do vendedor – e o regime do DL n.º 84/2021 é muito
protetor do comprador;
Interpretação corretiva à luz da Diretiva – a Diretiva permite que seja excluída a aplicação do regime no
caso de animais vivos – e a norma do DL fala em animais – não pode haver uma exclusão em caso de
animais mortos (alimentos, por exemplo).

CASO 72: Qualifique os seguintes contratos e indique a quais se aplica o DL 84/2021:


a) Contrato de compra e venda de um imóvel no valor de € 3 000 000;

b) Contrato de locação financeira;

c) Contrato para a assistência a um espetáculo desportivo;

d) Contrato para a disponibilização de espaço de armazenamento em rede;

e) Contrato para a revisão do carro, incluindo a mudança do óleo e a colocação de novas pastilhas nos
travões.

Resposta:

a) aplica-se o regime – é CCV – regime aplica-se a estes contratos:


73
Dentro do capítulo II, a secção III é aplicada à CV de bens imóveis – artigos 22.º e ss. – maior novidade
em relação ao DL n.º 67/2003, que tinha regime único para móveis e imóveis (embora com diferenças a nível
de prazos e responsabilidade);
Na verdade, as regras materiais do DL n.º 67/2003 mantém-se para imóveis.

b) contrato de leasing:
Contrato com função de financiamento, mas que, como o nome indica (“locação financeira”) permite ao
locatário financeiro dispor do bem (aproxima-se da locação) durante um determinado período de
tempo – pode, ou não, ter opção de compra no final, estando pagas as prestações (que não são
prestações, porque é locação para financiamento) – ser transmitida a propriedade com pagamento do último
valor previsto no contrato;

Alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º: aplica-se (“... bem como à locação de bens”) – tem uma função semelhante
à locação (e, até, à compra-e-venda, no final), apesar de não ser mera locação:

− Aplica-se a qualquer contrato de locação – é regime de compra-e-venda, mas são poucos os


contratos a que não se aplica – quer-se introduzir o conceito de conformidade em todas as relações
de consumo.

c) é um contrato de prestação de serviços – espetáculo desportivo é o elemento essencial:


Ao serviço, não se aplica o regime – uma vez que não há nenhum bem que seja fornecido no contexto do
contrato de prestação de serviços;

* Exemplo: compro bilhete para o Inter v. Benfica na bancada atrás da baliza – fui impedido de aceder
ao Estádio, ou cheguei lá e o lugar estava ocupado – houve incumprimento – a minha entrada é
principal – há um elemento de acesso importante – se não conseguir aceder ou sentar-me, há um
aspeto anterior à prestação do serviço que falha;
* Exemplo: se a cadeira – bem imóvel no estádio – se partir? É um bem imóvel – posso utilizar bem
imóvel durante 90 minutos – contrato de arrendamento – se houver problema na cadeira, há
desconformidade, e é um bem corpóreo – podem haver elementos a que se aplique o regime.

▪ d) contrato com o Google Drive ou com a Dropbox – contrato de acesso a espaço (virtual) – contrato de
fornecimento de serviço digital – aplica-se o DL n.º 84/2021;
▪ e) contrato misto – elementos de prestação de serviços (avaliação do carro) + elemento de compra-e-venda
– óleo + pastilhas – aplica-se o regime a essas coisas.

CASO 73: Eduarda foi informada pelo Carros Lindos, Lda., de que o automóvel (usado) que pretendia
comprar custava € 10.000,00 com garantia de um ano e meio e € 3.000,00 sem garantia. Eduarda optou por
comprar o automóvel sem garantia, pagando €3.000,00. Uma semana depois, este deixou de funcionar.
Eduarda tem algum direito resultante da falta de conformidade do automóvel?

74
Resposta:
▪ Sim – tem direitos;
▪ A garantia legal não está na disponibilidade das partes – não é por não se ter contratado garantia que
estas são excluídas;
▪ CCV – período geral de responsabilidade do profissional é três anos e no caso de CV de bens usados pode
ser, por acordo, reduzido para 18 meses;
▪ O regime da garantia legal é imperativo, não pode ser afastado;
▪ Qual a consequência de desconformidade com a lei? A cláusula tem-se por não escrita – logo, o
profissional continua a ser responsável por três anos (art.º 51.º DL 84/2021);
▪ Se as partes tivessem contratado garantia inferior [até 18 meses] era essa que valeria – em caso de
bens móveis usados, há esta exceção – art.º 12.º, n.º 3 diz que bens recondicionados são considerados
novos, pelo que não se aplica a exceção;
▪ Claro que as partes podem contratar período de resp. do profissional superior aos três anos, isto é, as
normas só são injuntivas em caso de redução dos direitos do consumidor – podem as partes sempre
convencionar em aumentá-los;
▪ Pode-se estabelecer um período superior aos 3 anos previstos no DL para responsabilidade do profissional;
▪ À partida, nada impede a redução de responsabilidade para um ano e meio;
▪ É nulo o negócio celebrado com a cláusula que exclua a garantia – é afastada do contrato que, em
princípio, se mantém sem a cláusula afetada, nos termos do n.º 2 do art.º 51.º, que remete
expressamente para o 16.º da LdC – n.º 2 estabelece que apenas o consumidor pode invocar a nulidade e
o n.º 3 estabelece que o consumidor pode optar pela manutenção do contrato quando uma cláusula for nula
– pode ficar com o carro por €3.000,00 e gozar do período geral de 3 anos de responsabilidade do art.º 13,º,
n.º 1 do DL n.º 84/2021;
▪ Se fosse celebrado antes de 2022, o período de responsabilidade de bens móveis era de dois anos e
admitia-se, por acordo, que se reduzisse o período de responsabilidade para um ano – isto à luz do
DL n.º 67/2003;
▪ Aqui há nulidade porque vender o bem com uma cláusula de acordo com a qual é “sem garantia” implica
afastar a garantia legal, o que não pode acontecer. Quanto muito o profissional teria de dizer “com garantia
de 1,5 anos”, agora dizer “sem garantia” é prescindir de direitos imperativos atribuídos pela lei ao profissional.

CASO 74: Emanuel comprou um aparelho de ar condicionado através da Internet, tendo ficado acordado
que a empresa enviaria o aparelho para casa de Emanuel, procedendo também à sua instalação. O aparelho
foi entregue no dia 1 de fevereiro de 2022, mas apenas foi instalado pela empresa no dia 15 de fevereiro de
2022. Quando começa a contar o período de responsabilidade do vendedor?

Resposta:
▪ Há relação de consumo;
▪ É possível que este caso se resolva com base, ainda, no DL n.º 67/2003, se o contrato tiver sido celebrado
antes de 31 de dezembro de 2021 – sabemos que foi entregue no dia 1 de fevereiro;

75
▪ Prazo de 3 anos começa a contar da data de entrega do bem – art.º 12.º, n.º 1, do DL n.º 84/2021;
▪ Bem só foi instalado dia 15, apesar de ter sido entregue dia 1 de fevereiro – questão diferente ao do DL n.º
67/2023 – art.º 11.º, n.º 2 vem estabelecer que o bem se considera entregue quando a instalação se
encontrar concluída – para isto se aplicar, as partes tinham de ter acordado a instalação do bem [1] –
porque, em princípio, o consumidor só consegue perceber a falta de conformidade quando este está a
funcionar;
▪ “Garantia” é uma assunção de responsabilidade do profissional ou do produtor, e ao contrário da ideia
de garantia, este período de responsabilidade tem por referência o período de entrega do bem – o que está
em causa não é o bom funcionamento do bem, mas o período dentro do qual o consumidor tem direitos se
se manifestar uma falta de conformidade – a ideia deve ser conservar a ideia de “garantia” enquanto
aquilo que é prometido além da responsabilidade resultante da lei – a expressão “garantia” não é a mais
adequada, mas é à garantia legal que nos referimos quando falamos de “período de responsabilidade” – o
ideal é reservar a expressão “garantia” para aquilo que é prometido além da responsabilidade resultante da
lei.

CASO 75: Felisberta comprou um smartwatch de uma marca de luxo, com a indicação de que era compatível
com iOS 13.1. O aparelho começou por funcionar perfeitamente, mas, após a atualização do software do
iPhone para o iOS 13.2, aquele deixou de funcionar com o telefone, apesar de ainda permitir ver as horas.
Felisberta pretende saber se pode fazer alguma coisa contra a empresa que lhe vendeu o smartwatch. O
que lhe diria?

Resposta:
▪ Como qualificamos o smartwatch? É um bem com elementos digitais – a principal questão é saber se
existe ou não desconformidade;
▪ Aplica-se o regime da compra-e-venda de bens móveis, e não o de compra-e-venda de bens e serviços
digitais – artigos 5.º a 7.º, com distinção entre requisitos subjetivos (resultam do acordo entre as partes,
relação direta entre vendedor e consumidor) e requisitos objetivos[2] (expetativas razoáveis de um
consumidor, mesmo que o vendedor nada tenha dito sobre as características do bem) de conformidade;
▪ Conformidade: o bem, quando é entregue, tem todas as características que foram acordadas pelas partes
– expressa ou tacitamente – quando o bem entregue é uma comparação entre as características que o bem
devia ter (contrato – tem de ter as características A, B, C, D... / entrega – tem de ter as características A, B,
C, D... – se não tiver B, há desconformidade) e as características que efetivamente tem;
▪ É irrelevante se a coisa é específica ou genérica (maior diferença para o CC) – é vendida tendo em conta
as suas características – há conformidade se tiver todas as características negociadas expressa ou
tacitamente, e temos os artigos 6.º e 7.º que nos ajudam – elementos exemplificativos (podemos ter
outros fundamentos para considerar se há ou não conformidade);
▪ Depois, temos no art.º 8.º requisitos adicionais de conformidade sobre bens com elementos digitais
– temos que distinguir o conceito “aplica-se a conteúdos ou serviços digitais” – temos alguns de fornecimento

76
contínuo[3], um único fornecimento[4] e série de atos individuais de fornecimento[5] (distinção relativa aos
conteúdos e serviços digitais que importa para bens com conteúdos digitais);
▪ Art.º 7.º:
N.º 2 – estas exceções não estavam previstas no diploma anterior:

Logo, no DL 84/2021 temos diminuição do nível de proteção do consumidor;

A alínea d) permite que um terceiro em relação ao contrato (o produtor) faça declarações


que fiquem incluídas naquele e vinculem o profissional quanto à conformidade;
Ao fazer declarações sobre o bem, estas ficam intrinsecamente ligadas ao bem, mesmo
que tenham vindo do produtor – logo, o vendedor não as pode corrigir, sobretudo se forem
declarações que digam respeito a elementos de funcionalidade objetiva do bem.

N.º 3 – ex.: compro uma TV. A TV não funciona. Temos desconformidade [art.º 7.º, n.º 1, alíneas
a) e d)]. Como é que aqui não haveria desconformidade?
Se o vendedor disser “atenção que a TV não funciona” e o consumidor quer comprar
na mesma, isto seria à partida o caso deste n.º 3;
Porém, o professor acha que é preciso mais alguma coisa para poder aplicar este n.º 3
– nomeadamente se o vendedor disser que o objeto não é suposto funcionar, mas trata-se
apenas de objeto de decoração, por exemplo;
Outro exemplo – compro bilhete para jogo do mundial em que o Messi rasga a camisola ao
CR7; essa camisola é depois posta à venda; uma camisola rasgada não é à partida
conforme, mas esta não tem uma finalidade esperada dos bens daquela natureza –
quanto muito, aqui, se ela não estivesse rasgada é que haveria desconformidade.

Conformidade – o bem quando é entregue (momento relevante) tem todas as características


acordadas pelas partes, expressa ou tacitamente:
É uma comparação – que características é que o bem deveria ter (com base no contrato e na sua
natureza objetiva), e que características é que o bem tem à data da entrega? É uma comparação;

É irrelevante se a coisa é específica ou genérica (≠ regime do CC) – quer a coisa vendida como
específica quer a coisa vendida como genérica tem de ter aquelas características, expressas ou
subjetivas e objetivas (que o professor considera ser tácitas).
Art.º 32.º: profissional é responsável nos termos dos artigos 28.º a 30.º, por qualquer falta de conformidade
que exista no momento do fornecimento (ato único ou série de atos individuais) no prazo de dois anos
[n.º 2, alínea a)], – quanto ao fornecimento contínuo, o período de responsabilidade conta durante
todo o período do contrato – depende da duração do contrato de fornecimento contínuo [7] – em cada
momento em que quero que seja fornecido continuamente, há um novo ato de fornecimento, que se está a
renovar;

77
Quanto ao smartwatch, há um fornecimento individual – não foram convencionadas atualizações além
das que a lei prevê para se considerar em conformidade;
A atualização aqui em causa tem de ser feita ou não?
Argumento adicional: apesar de tudo, se calhar se houvesse uma mudança para um 14 já poderia implicar
mudança significativa de sistema operativo que implicasse dificuldade para o profissional;
Porém, de 13.1 para 13.2 aponta para uma pequena mudança;
Sendo uma marca de luxo poderá ser elemento auxiliar na interpretação do negócio – n.º 1 do art.º
8.º: as expectativas razoáveis do consumidor são diferentes consoante seja um bem de luxo ou não.

CASO 76: Marcelo dedica-se à remodelação de imóveis para venda a particulares, incluindo a instalação de
todos os eletrodomésticos de cozinha, adquiridos a outro profissional.
Narciso comprou um imóvel a Marcelo, tendo-lhe sido entregue a chave no dia 20 de janeiro de 2023. O
frigorífico, adquirido por Marcelo à BaixaMarket no dia 29 de dezembro de 2022, está a deitar por fora desde
o início de fevereiro de 2023.

Verifica-se alguma desconformidade? O vendedor é responsável por essa desconformidade?


Em caso de resposta afirmativa, qual o período de responsabilidade do vendedor? Quando se inicia a
contagem desse período?

Resposta:
É um contrato de compra-e-venda de um imóvel, mas também dos eletrodomésticos;
Temos vários objetos aqui – o imóvel e os eletrodomésticos;
Neste caso, o frigorífico é um bem móvel, e é aí que se verificam os problemas de conformidade;
Aqui o vendedor do frigorífico é o M – não é a BaixaMarket – o M é que vendeu ao N – logo, o N nem
sequer pode ir à BaixaMarket exigir nada, tem de se dirigir à pessoa de quem comprou o frigorífico;
Aqui o período de responsabilidade do vendedor é de 3 anos a partir da data de entrega da chave, não
da data de aquisição do frigorífico pelo M;
Aqui temos problema de conformidade em relação ao frigorífico, em termos objetivos – art.º 7.º, n.º 1,
al. d);
Atenção que também o art.º 24.º/4 prevê a transmissão de direitos do consumidor – porém, M nunca
chegou a ter esses direitos porque nunca foi consumidor na relação com a BaixaMarket dado que atua com
fins profissionais.

CASO 77: Juliana comprou um vestido de noiva na loja Noivirtudes. Foi, entretanto, informada de que a loja
iria encerrar três dias depois, devendo levantar o vestido até esse dia, apesar de este ainda não estar
ajustado como tinha sido convencionado. Juliana já pagou o preço. Juliana pode resolver o contrato?

Resposta:
Temos de verificar aqui qual é o diploma aplicável;

78
Partindo do pressuposto de que contrato foi celebrado depois do dia 01/01/2022, então o diploma aplicável
é o DL n.º 84/2021 – temos elemento subjetivo e relacional da relação de consumo, e em termos do elemento
objetivo temos contrato misto de compra-e-venda e empreitada – aplica-se a ambos, já que é fornecido bem
– art.º 3.º, n.º 1, al. b);
Aqui estaríamos perante uma falta de conformidade subjetiva, já que é desconformidade do vestido em
relação ao tamanho convencionado – quais os remédios que assistem ao consumidor?
Num primeiro nível temos reposição da conformidade (art. 15º/1), através de reparação ou
substituição:
Neste caso ela não quer nem a reparação nem a substituição;
O n.º 2 estabelece que o consumidor é que escolhe, mas só pode escolher se o meio
escolhido não for, em comparação com o outro, desproporcionado – se for desproporcionado,
o que conta é o mais eficaz;
O n.º 3 diz outra coisa – a regra anterior era a de que o profissional tinha sempre que reparar
ou substituir o bem mesmo que fosse desproporcionado (isto é, a reparação ou substituição
são desproporcionais em relação ao valor do bem) se o consumidor assim o exigisse:
A nova regra é a de que o profissional pode recusar repor a conformidade dos bens
se a reparação ou substituição forem impossíveis ou impuserem custos que
sejam desproporcionados.
Num segundo momento temos a redução do preço ou resolução do contrato, com base
no n.º 4.
Este caso cabe no n.º 4, al. a), subalínea iv) – como o profissional vai fechar dentro de 3 dias dá indicações
claras de que não vai repor a conformidade dentro de prazo razoável;
Assim sendo, a J pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato;
Art.º 16.º do DL 84/2021 – nos primeiros trinta dias pode-se exigir de imediato a resolução do contrato
independentemente dos fundamentos do n.º 4, ou então a substituição do bem.

CASO 78: Justino comprou um computador caríssimo na Rato Popular para as suas atividades de gamer.
Quando chegou a casa, preparando-se para uma competição que tinha nessa noite, detetou que o
computador não permitia utilizar a câmara nem dava som. Assim como entrou, voltou a sair de casa e dirigiu-
se à loja. Já na Rato Popular, o funcionário disse-lhe que tinha de deixar ficar o computador para que a
marca pudesse ver se havia algum problema. Justino ligou o computador e disse-lhe: “Está a ver, não se
ouve som! Que vai a marca ver que não possa o senhor ver já?”. O funcionário recusou-se a dar um novo
computador a Justino. Justino não compareceu na competição. Além de um computador novo, Justino quer
uma compensação, uma vez que era provável que ganhasse cerca de €10.000,00 nessa noite, caso
ganhasse a competição. Como decidiria este caso?

Resposta:
Poderá não ser uma relação de consumo, tendo em conta o elemento teleológico – isto porque ele é
gamer e poderia vir a ganhar 10 mil euros com esta atividade;

79
Aqui, não temos informação toda para saber se é ou não um uso profissional do computador;
Vamos partir do pressuposto de que há relação de consumo, e que o DL 84/2021 é aplicável;
A questão aqui é se haveria ou não direito de rejeição do art.º 16.º – estando nos primeiros trinta dias,
teria de ser feita a substituição imediata do bem:
Atenção que o regime do art.º 16.º é bastante exigente para o profissional, que vai ter de
satisfazer determinados direitos do consumidor sem conseguir fazer avaliação total da situação;

Claro que, se depois se provar que não havia desconformidade, o consumidor terá de devolver o bem
novo e eventualmente pagar indemnização ao profissional.
Pode o J ser indemnizado pelos 10 mil euros que diz ser provável ganhar na competição?

Temos ilícito (recusa em fazer a substituição e violação do direito de rejeição do consumidor) e


temos culpa – o problema, aqui, seria ao nível dos danos, nomeadamente porque estamos
perante um problema de perda de chance;
À partida, não poderia ser indemnizado pela totalidade do valor que ganharia se ganhasse a
competição.
A falta de conformidade não afasta a possibilidade de indemnização – porém essa indemnização é nos
termos gerais, e por isso vai pressupor culpa (sendo que o regime de responsabilidade do DL 84/2021 é
objetivo, basta-se com a falta de conformidade mesmo que o vendedor não tenha culpa nenhuma);
Art.º 18.º – requisitos relativos à reparação ou substituição do bem:
 N.º 2 – al. b) tem de ser conjugada com o n.º 3, que introduz um prazo máximo limite de trinta dias;
 Porém a última parte deste n.º permite ao profissional invocar quase sempre uma destas
circunstâncias para que seja prazo superior aos trinta dias;
 Para o professor, dizer que não deve exceder os 30 dias, mas que tem de ser em prazo razoável,
é muito questionável;
 Alínea c) – “sem grave inconveniente para o consumidor” – mesmo que o prazo razoável para a
reparação de um telemóvel seja 20 dias, isso causa grave inconveniente para o consumidor estar
sem telefone por tanto tempo;
 Como compatibilizar o prazo razoável com o grave inconveniente? A reparação pode ser feita
dentro daquele prazo razoável, mas o profissional deve entregar um bem em substituição para aquele
período;
 Ou seja, não tenho sempre o direito a que me seja entregue bem substituto durante a reparação
do meu bem; mas terei esse direito quando o prazo razoável para fazer aquela reparação me causar
grave inconveniente enquanto consumidor.

CASO 79: João comprou um frigorífico na Torten, tendo as partes convencionado que a empresa instalaria
o bem. Dois meses depois, o frigorífico avariou e João pretende a substituição. A empresa exige que João
entregue o bem para verificação numa loja, enquanto João diz não ter condições para levar o frigorífico para
a loja. Quem tem razão? E se fossem uns cortinados?

80
Resposta:
A questão aqui é: cabe ou não ao consumidor disponibilizar os bens ao profissional, e por quem é que
correm as despesas relativas a essa disponibilização?
Temos o n.º 5 do art. 18.º – aqui não é necessário acordo para a instalação;
Aqui é o profissional que tem de remover o bem a suas expensas;
Se não houver instalação propriamente dita, então aplica-se o n.º 1 – tem de ser o consumidor a
disponibilizar os bens, mas as expensas correm pelo profissional;
A reparação ou substituição do bem é efetuada a título gratuito, que por sua vez é definido nos termos
do art.º 2.º/a) como sendo “livre de custos de (...) transporte”;
Se o J decidir ele próprio levar o bem, depois poderá exigir os custos que teve ao profissional, na
medida em que a reparação ou substituição é sempre a título gratuito e esta é definida como livre de
custos de transporte, etc…
O TJUE já veio dizer que a circunstância de, nos termos do n.º 1, o consumidor ter de disponibilizar
os bens para a sua reparação ou substituição, não deve constituir obstáculo ao exercício dos seus
direitos.

CASO 80: Adriel, consumidor, comprou um computador. Dois meses depois, o disco rígido ficou danificado,
tendo o vendedor procedido à substituição do disco. Qual o período de responsabilidade do vendedor por
qualquer falta de conformidade que se manifeste no novo disco? Compare as soluções do DL 67/2003 e do
DL 84/2021.

Resposta:
A conformidade, neste caso, foi reposta a partir da reparação de um dos componentes do bem, ou
então através de substituição?
Substituição significa entregar o bem comprado e receber um novo bem, algo que não
aconteceu aqui – temos reparação do bem que pode implicar a reparação de peças;

Temos reparação, e não substituição.


No DL 67/2003:
Tínhamos regra que estabelecia que, em caso de substituição, o bem sucedâneo gozava de
novo período de responsabilidade (que eram dois anos);
Já na reparação não havia novo período de responsabilidade – apenas suspensão de contagem
do prazo durante aquele tempo em que o consumidor não teve o bem.
No DL 84/2021 temos um regime próprio para reparação e outro para substituição – art.º 18.º, n.º 6:

Para substituição temos a mesma regra – havendo substituição, novo período de


responsabilidade;

No caso de resolução – n.º 4, 6 meses adicionais;

81
Sendo isto reparação, aplica-se o n.º 4 do art.º 18.º – o período de responsabilidade do profissional
passa a ser três anos e 6 meses;
Se tivéssemos o entendimento de que era uma substituição do disco rígido, então aplicar-se-
ia a regra do n.º 6 e o profissional responderia por três anos em relação a esse disco
novamente (aplicação do prazo geral de responsabilidade pelo produtor ao bem sucedâneo).
Quem responde em primeira linha é o vendedor ou, no caso dos conteúdos e serviços digitais, o
fornecedor;

No Direito português, o consumidor, além de ter direitos perante o vendedor, pode também dirigir-se
ao produtor – esta é uma possibilidade conferida na lei portuguesa, e eventualmente noutros direitos
europeus, mas que não resulta diretamente da Diretiva, que prevê apenas a responsabilização do
vendedor (isto também já resultava do DL 67/2003) – a responsabilidade direta do produtor retira-se do
art.º 40.º (onde profissional significa vendedor); esta norma está no capítulo IV, das disposições comuns,
pelo que se aplica tanto à compra-e-venda como ao fornecimento de conteúdos e serviços digitais.

CASO 81: Qual dos seguintes direitos não pode ser exercido pelo consumidor perante o produtor da coisa
em caso de desconformidade: reparação da coisa, substituição da coisa, indemnização ou resolução do
contrato?

Resposta:
Tem direito a indemnização, nos termos gerais – se o produtor cometer um ilícito, havendo culpa e danos,
o direito a indemnização pode ser também exercido perante do produtor;
Reparação e substituição estão previstas no art.º 40.º;
Não pode ser exigida a resolução do contrato, nem a redução do preço:
→ Porque é que não pode? Porque não há contrato entre o consumidor e o produtor – que contrato
vai resolver, o contrato celebrado com outra pessoa? Do ponto de vista lógico, não faz sentido;
→ Quanto à redução do preço, não foi pago um preço ao produtor, também porque o contrato não foi
celebrado com ele, pelo que não faz sentido exigir a redução ao produtor.

Ou seja, é certo que o consumidor se pode dirigir tanto ao produtor como ao vendedor, mas perante
o produtor tem menos direitos;

É importante perceber que, no n.º 2, há alguns casos em que o produtor não responde perante o
consumidor – o Prof. destacaria a alínea a):
O vendedor também não responde pela má utilização do bem, pelo que interessa mais a
primeira parte – se a desconformidade resultar da relação direta entre o vendedor e o consumidor,
obviamente que o produtor não responde, ou seja, na relação subjetiva, o produtor não responde
(não responde por aquilo que o vendedor disse, não há qualquer desconformidade objetiva); mais
uma vez, aqui, a responsabilidade do produtor é mais limitada do que a responsabilidade do
vendedor;

82
A formulação "bem, conteúdo e serviço digital" é desastrosa, porque parece que digital qualifica tudo,
e não apenas conteúdo e serviço – por isso, atenção, que quando se fala em bem, conteúdo e
serviço digital é bem – conteúdo digital e serviço digital.

Também é interessante ver o n.º 4, que estende a responsabilidade ao representante do produtor na


zona de domicílio do consumidor – ou seja, o representante da Apple em Portugal, responde;

Igualmente importante na distinção que é feita no regime, é vermos o conceito de produtor constante
da alínea p) do art. 2.º:
¥ Importador responde como produtor, tal como responde quem se apresente como produtor
através da indicação nos bens, do seu nome, marca ou outro sinal distintivo;
¥ Isto poderá ser relevante para efeitos do regime da responsabilidade objetiva do produtor: um
bem, um produto desconforme ou com defeito – há um dano, desde logo, que é o do próprio
produto desconforme;
¥ O DL 84/2021 visa ressarcir esse dano – está em causa o dano relativo à própria coisa
desconforme, é disso que trata o DL 84/2021, e prevê também um regime de responsabilidade
objetiva, uma vez que o vendedor ou o produtor não podem vir dizer não ter culpa;
¥ Mas, podemos ter outros danos resultantes de uma coisa defeituosa, como danos corporais
(p.ex., comprei um telemóvel que rebentou na minha mão), ou danos patrimoniais (o telemóvel
rebentou e estragou o computador);
¥ O regime da responsabilidade objetiva do produtor (DL n.º 383/89) vem, precisamente, tratar
desses danos, resolver os danos em coisa diversa da coisa defeituosa e danos pessoais:

O DL prevê um regime de responsabilidade objetiva, ou seja, que é independente de culpa,


pelo que o produtor não tem, p.ex., de ter culpa no facto de o telemóvel ter rebentado, este é
um risco da produção de bens – o consumidor tem, ainda assim, de provar o defeito;

Este diploma tem algumas limitações no que respeita aos danos ressarcíveis com base
nele – se virmos o art.º 8.º percebemos que são ressarcíveis os danos corporais (morte
ou lesão pessoal), e os danos em coisa diversa da coisa defeituosa, mas com duas
limitações nestes últimos:
Ao abrigo do diploma, só são ressarcíveis os danos em coisa diversa da coisa
defeituosa, se essa coisa diversa for utilizada para o consumo;
Temos um segundo limite, que está no art.º 9.º, que estabelece que só são
indemnizáveis danos superiores a €500,00.
Este regime não serve para o dano relativo à própria coisa – se for essa que está em causa, é o DL
84/2021 que trata da questão:

Os diplomas tratam de danos diferentes, pelo que não serão concorrentes, em princípio;

Serão, eventualmente, concorrentes com a indemnização em termos gerais, tendo o


consumidor a possibilidade de escolha – será vantajoso escolher a responsabilidade objetiva,
onde não tem de provar culpa.
83
A diretiva é de 1985, e desde aí houve uma evolução muito relevante nos bens, em especial tendo em
conta o digital, que pode não ser abrangido por este diploma.

CASO 82: Margarida tem 22 anos, teve a sua primeira filha há pouco tempo e sempre sonhou em oferecer-
lhe todas as suas Barbies de infância, das quais fazia coleção. Quando abriu o baú das Barbies de 2013,
notou que faltava um braço a uma delas. Contactou imediatamente o produtor, pedindo o envio de um novo
braço esquerdo, “fosse qual fosse o valor”. A marca respondeu-lhe que já não fabricava braços de Barbies
como em 2013, pois os padrões de beleza haviam mudado e, além disso, já passara o seu período de
responsabilidade. Margarida tem algum direito?

Resposta:
Há uma desconformidade – uma Barbie tem de ter o braço esquerdo (a não ser que seja a Barbie sem
braço);
É muito provável que haja, aqui, um mau uso;
Mas, além disso, invocam que já passou o período de responsabilidade – têm razão?
Este contrato foi celebrado, no máximo, em 2013, portanto o período de responsabilidade era
apenas de 2 anos, nos termos do DL 67/2003, onde já se previa a possibilidade de responsabilidade
do produtor – este período de dois anos já passou;

Mesmo que o consumidor prove que a desconformidade é originária, já passou o prazo – o


período de responsabilidade significa isto mesmo: mesmo que o consumidor prove, passado o
período de responsabilidade, que o defeito era de origem, não tem qualquer direito.
Mas será que é o direito a reparação ou substituição da Barbie que ela quer exercer?

Parece que não, ela não quer o direito a título gratuito de reparação ou substituição da Barbie
– ela quer celebrar um contrato de compra-e-venda de uma braço esquerdo;

Do ponto de vista prático (e não jurídico), ela não quer mandar fora a Barbie – o que está aqui em
causa é saber se o produtor tem ou não o dever de disponibilizar peças para os bens durante
um determinado período – e aqui estamos a falar de disponibilizar peças para que os bens não vão
para o lixo passado algum tempo, e não para reparação ou substituição a título gratuito;
Isto está relacionado com o problema da sustentabilidade, de tentar-se que os bens sejam cada
vez mais duráveis, o que significa necessariamente haver peças para se houver algum problema com
o bem;
Já tínhamos uma regra na LDC sobre esta matéria – n.º 5 do art.º 9.º, estabelece que o
consumidor tem direito à assistência após a venda, com incidência no fornecimento de peças e
acessórios, pelo período de duração média normal dos produtos fornecidos;
Qual é o período de duração média normal de uma Barbie?
Diria o Prof. que não podemos ter nenhum bem no mercado que se espere ter um período
de duração média inferior ao período de responsabilidade (a não ser que se gaste pela
utilização).

84
Esta regra é mais favorável, na perspetiva do Prof., do que o regime muito mais claro e que vai
ser mais aplicável que encontramos no DL n.º 84/2021, no art.º 21.º:
"Sem prejuízo do cumprimento dos deveres inerentes à responsabilidade do profissional ou
do produtor pela falta de conformidade dos bens" – em caso de desconformidade no
período previsto, tem de se reparar e substituir na mesma;
Esta norma é melhor do que a outra, na medida em que diz 10 anos – não a partir da
compra do consumidor, mas da colocação no mercado da última unidade do bem – o que
temos de ver é quando foi colocada no mercado a última unidade desta Barbie, e contar
10 anos a partir daí:
Se o período de duração normal for superior a 10 anos, não esquecer que temos a norma da
LDC, que pode proteger adicionalmente em alguns casos, porque protege além dos 10 anos.
Numa sociedade em que há um artigo como este, e em que as relações de consumo são cada
vez mais balizadas pela sustentabilidade, tem de se vender em separado o braço
(eventualmente, práticas comerciais desleais, com recusa de venda);
Nota do n.º 3, que fala em 10 anos sujeitos a registo – "esta norma é para rir", está pensada
para carros e motas, não faz sentido não dizer o que está em causa:
Além de garantir que existem as peças, tem de garantir o que é necessário para
aplicação das peças;
Mas, aqui, só se estiver em causa, no fundo, automóveis e motociclos – não tem
de garantir que coloca o braço esquerdo na Barbie.
Esta norma pode ser relevante, apesar de não ser inovadora (apesar de ter sido
introduzido no diploma da CV como algo inovador), poderá ter algum impacto no mercado,
em especial naquele em que são mais relevantes as peças – automóveis, motociclos, bens
de eletrónica (computadores, p.ex.), eletrodomésticos (no fundo, bens que pensamos que
podem ter um período de vida até 10 anos, ou mesmo superior);
Pode ter sido o consumidor a estragar, e ainda assim ter direito a peças: o direito a
assistência após a venda é um direito que não pressupõe a falta de conformidade, é o direito
do consumidor a ter peças.

Neste sentido, que direito tem Margarida?


Direito à disponibilização onerosa (atenção, não é gratuita), mas a custo razoável (o direito só
faz sentido nesse pressuposto, apesar de não constar; a um custo de mercado), de qualquer peça
de um bem.

Querendo defender o profissional/produtor/empresa vendedora da Barbie: o Prof. diria que o braço


da Barbie não é uma peça; não há braços de Barbie vendidos em separado, não se vendem membros
de Barbie em separado ("está a ficar estranha, esta aula");

Depois disse que como o braço encaixa, se calhar é difícil considerar que não é uma peça:

85
Quando entrou em vigor o diploma, discutiu-se muito o que é uma peça – até que ponto vamos
em considerar que são peças? Tem de haver uma análise casuística daquilo que é uma peça;

O que significa “obrigado a disponibilizar as peças necessárias”? O produtor tem de as


produzir? Prof. acha que não, tem de garantir é que existem no mercado, nem que as vá buscar a
outro produtor.

CASO 83: Mariana comprou, em janeiro de 2023, um carro com matrícula de 2014 num stand de automóveis
usados. Após o ter utilizado durante três meses, o motor do carro avariou. Mariana pode dirigir-se à marca
e solicitar a reparação?

Resposta:
Aqui, diz-se muitas vezes "ir à marca" – pretende dizer-se produtor – a marca não é uma pessoa jurídica,
DL n.º 84/2021 – período de responsabilidade 3 anos, a não ser que tenha sido reduzido para 18 meses
por acordo (de qualquer forma, passaram três meses, pelo que é irrelevante);
Pode dirigir-se ao produtor, nos termos do art. 40.º, que prevê a possibilidade de pedir a reparação ao
produtor, que pode afastar a sua responsabilidade em alguns casos previstos no n.º 2:
Chama-se à atenção para a al. e) do n.º 2: foi colocado no mercado em 2014, em princípio, pelo que
ainda está dentro do período em que não pode afastar a sua responsabilidade;

Isto é bastante exigente para o produtor:


O carro foi vendido em 2014 a um qualquer vendedor, durante 2 anos (DL n.º 67/2003), o produtor
podia ser responsabilizado;

Entretanto, este não faz a mínima ideia de onde o carro anda – a única informação que tem é
quando lhe vêm dizer em abril de 2023 que compararam o carro há três meses, pelo que o produtor
poderá ser responsabilizado sem ter qualquer controlo sobre a situação – isto é bastante
exigente (claro que é um risco do negócio, mas não deixa de o ser).
Pode dirigir-se ao produtor e invocar a reparação; o produtor pode alegar a má utilização, mas aí tem
que a provar (e não vale dizer que o motor tem vestígios de areia, p.ex. – mais uma falta de conformidade,
não comprei o motor com areia, tem é de provar o facto que levou a que o motor tivesse areia).

CASO 84: No início de setembro de 2022, Agostinho comprou uma série de peças para o seu automóvel na
Rodovipeças, as quais foram montadas por um mecânico da sua confiança. Dois meses depois, o automóvel
começou a ter problemas de funcionamento (sobreaquecimento de uma embraiagem e volante de motor),
os quais podem, segundo um perito que avaliou a situação, dever-se a três causas diferentes: defeito de
fabrico de alguma das peças, condução desadequada ou instalação incorreta das peças. Agostinho exigiu
de imediato à Rodovipeças a substituição das peças. Em março de 2023, face à ausência de resposta por
parte da Rodovipeças, Agostinho comprou novas peças para a sua viatura noutro estabelecimento comercial
e pretende agora que a Rodovipeças lhe pague o valor das peças. Tem razão?

86
Resposta:
Contrato posterior a 2022, aplica-se o DL n.º 84/2021, em termos de aplicação no tempo;
Há relação de consumo? É o “seu” automóvel – A podia não ser um consumidor, mas partindo desta
informação parece ser possível que o seja. Âmbito objetivo – aplica-se – compra-e-venda de coisa corpórea
– peças para o automóvel [art.º 3.º, n.º 1, alínea a)];
Rodovipeças, à partida, é vendedor (e não produtor);
Existe falta de conformidade, que tem de ser provada por A (ónus da prova é do consumidor, já que são
os factos constitutivos do seu direito):
Imaginando que a peça estava estragada, em si – aqui, não haveria dúvida nenhuma de que existia
falta de conformidade na peça;

O nosso problema só existe porque não sabemos que a própria peça tenha um problema – claro
que o sobreaquecimento da embraiagem e o volante do motor estão relacionados com as peças, mas
não é uma relação direta e identificável.

Temos aqui dois problemas (a provar):

1. A falta de conformidade – que tem de ser provada pelo consumidor;


2. Saber se a falta de conformidade já existia à data da entrega do bem – presume-se, caso o
consumidor prove a falta de conformidade (1.º requisito – ao consumidor basta provar a falta de
conformidade) – art.º 13.º:

Profissional pode ilidir a presunção, provando que não havia falta de conformidade no momento
da entrega – afirmando que resultou de algum facto posterior à entrega que não lhe seja
imputável (sendo imputável a consumidor – má condução – ou terceiro – má instalação);

Ou seja:
Consumidor – prova da falta de conformidade (que se presume originária, existir no momento da
entrega);

Profissional – ilidir a presunção de que a desconformidade é originária, provando que resulta de


facto superveniente não imputável ao profissional.
Assim, na verdade, a questão de saber se a desconformidade é ou não originária é um problema
do produtor, porque ao consumidor basta apenas a prova da falta de conformidade;

Prof. considera que não considerar que aqui há desconformidade é desproteger


excessivamente o consumidor, sobretudo tendo em conta os resultados da peritagem, em que pelo
menos duas das possíveis causas de desconformidade estão do lado do profissional (ou seja, não
são imputáveis ao consumidor), quer o revendedor, quer o mecânico que faz a instalação.
Assim, a questão central é saber se há, ou não, conformidade:

1. Não existe desconformidade porque não sabemos se há problema nas peças;

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2. O consumidor conseguiu demonstrar o suficiente para que se possa concluir que há
problema nas peças – assim, cabe ao profissional afastar a sua responsabilidade, provando
que [pelo menos] um de dois factos posteriores (má instalação e/ou má condução) está na origem
da desconformidade, e não factos a si imputáveis.

Suponhamos que há desconformidade – segundo problema – face à ausência de resposta, A


comprou novas peças noutra loja, passado uns meses, e queria pedir o reembolso à Rodovipeças:

✓ Pediu, primeiro, a substituição – podia pedir (art.º 15.º, n.º 1), sendo a substituição o primeiro
grau hierárquico das soluções – pode pedir substituição das peças se estas estão desconformes
(à partida, até seria mais fácil substituir de que reparar);
✓ Depois – art.º 18.º (números 2 e 3 – prazo razoável para resolver o problema em causa, limitado
pelos 30 dias máximos) – o prazo para a substituição não deve exceder os 30 dias, e ele esteve
meses sem resposta para o pedido de substituição;
✓ Ele, aqui, não pede a devolução do preço ou a resolução do contrato – pede a devolução do
que pagou ao outro profissional (não é um direito previsto no diploma);
✓ Direito a indemnização (?) – responsabilidade civil contratual por violação de entrega de um
bem em conformidade com o contrato – mas, para exercer este direito a ser indemnizado com
fundamento na violação da conformidade, ele teria de notificar o profissional antes de simplesmente
ir comprar peças a outro profissional – num primeiro momento, o consumidor não pode comprar as
peças e exigir o preço ao profissional com quem contratou (isto não está previsto no DL n.º 84/2021);
✓ A reparação, regra geral, não pode ser feita por terceiro – o profissional tem o direito a que o
consumidor não recorra a terceiro (tem o dever de reparar, mas um direito a que o consumidor o
procure);
✓ No máximo, em sede de responsabilidade civil, o incumprimento (ilícito) que se poderia arguir
era o incumprimento da obrigação subsequente de reposição de conformidade, por parte do
profissional, e não a falta de conformidade (per se) inicial, para que o consumidor possa recorrer a
terceiro para fazer a reparação à custa do vendedor;
✓ Só depois de utilizar os remédios do DL n.º 84/2021 e o profissional não colaborar é que o
consumidor pode fazer o que o A fez.

CASO 85: Miguel comprou um cofre muito caro. Quando foi entregue, vinha uma indicação nos documentos
que dizia “garantia vitalícia”. Miguel quer saber se os filhos poderão reclamar sobre o cofre quando morrer,
se houver algum problema.

Resposta:
Garantia vitalícia – a palavra “garantia” significa que alguém se está a responsabilizar, mas é a
mesma responsabilidade do DL 84/2021?
Sim, estende o período de responsabilidade, sendo uma figura que se designa no diploma como
garantia comercial.

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Saber o que significa “vitalícia” depende de interpretação das declarações: é uma promessa
pública, ainda assim um negócio jurídico a ser interpretado segundo as regras gerais do CC;

“Vitalício” deve ser interpretado no sentido de que só vale enquanto Miguel for vivo. Isto é
interessante, porque se se disser garantia de 10 anos, em princípio os herdeiros vão beneficiar, são
terceiros adquirentes.

Uma garantia comercial não pode, naturalmente, limitar a responsabilidade nos termos da lei;

Se for anunciado como especial, também não pode limitar-se ao que a lei já prevê – nesse caso temos
uma prática comercial desleal, na modalidade de prática enganosa.

CASO 86: No dia 30 de dezembro de 2021, André celebrou um contrato de compra e venda de um
automóvel com o Stand Carros Lindos.
Em maio de 2022, André apercebeu-se de que a viatura fazia alguns ruídos, tendo-se dirigido à Carros
Lindos para dar conta da situação. Esta fez intervenções na viatura, que permitiram corrigir as situações
apresentadas, com exceção de uma: a viatura continuou sempre a fazer e faz até hoje um ruído forte de
pancada seca quando se trava pela primeira vez depois de se inverter o sentido da marcha, passando da
marcha para a frente para a marcha atrás. André já se deslocou cinco vezes à Carros Lindos.
O ruído descrito encontra-se identificado na documentação da viatura elaborada pela marca na lista dos
“sons normais do veículo que podem ser percebidos pelo cliente com anomalias, mas que correspondem a
sons que estão em conformidade com a definição do veículo”. Nem todos os veículos da mesma marca e
modelo evidenciam este ruído.
O ruído em apreço não coloca em causa a segurança do veículo ou dos seus passageiros ou a durabilidade
dos componentes do veículo.
A Carros Lindos tentou eliminar o ruído, seguindo as indicações apresentadas pela marca, designadamente
aplicando cola nas pastilhas, o que não resultou.
André pode exercer algum direito contra a Carros Lindos?

Resposta:
As questões de conformidade são sempre aferidas no momento da entrega, porque tem de se
verificar no momento da entrega (não esquecer a presunção legal) para haver responsabilização do
profissional;
Art.º 53.º do DL n.º 84/2021 – o que conta é a data de celebração do contrato – logo, aqui, mesmo que
os problemas só se verifiquem em 2022, o contrato foi celebrado a 30 de dezembro de 2021, pelo que
o diploma aplicável é o DL n.º 67/2003;

Há desconformidade?

89
Na documentação relativa ao carro, diz que pode haver sons normais do veículo que podem ser
percebidos pelo cliente com anomalias, mas que correspondem a sons que estão em conformidade
com a definição do veículo, um aviso quanto a estes sonos – que valor tem esta declaração?

É uma CCG – deve ser comunicada e esclarecida no momento da celebração do contrato – se


à partida dissessem estamos a vender o carro e faz este ruído – e o consumidor dissesse “eu aceito,
compro”, estava tudo bem – aqui, não vale remeter para um documento que está não sei onde e
que não está incluído no contrato – a lei estabelece que qualquer desvio aos requisitos
objetivos de conformidade (não é espectável que um bem deste tipo faça estes ruídos) tem de ser
comunicado – qualquer elemento que afaste esta realidade tem de ser indicado de forma expressa
(e não vale dizer ”ah e tal estas anomalias podem aparecer e salvaguardam-nos de tudo” – tem de
ser em concreto – e não é “pode fazer este ruído”, porque isto não é normal – tem de ser “este veículo
faz este ruído, quer ou não?”);

Pode ser uma prática comercial desleal;


Aqui parece haver desconformidade – a declaração do profissional, por um lado, não terá sido
comunicada de forma adequada (não pode ser usada contra o consumidor) e, mesmo tendo sido
comunicada, não pode ser considerada válida, pois é demasiado genérica e eventual – não é
suficiente para afastar a falta de conformidade – art.º 2.º, n.º 2, al. d) do DL 67/2003 [conexão direta
com o art.º 7.º, n.º 1, al. d) do DL n.º 84/2021, relativo aos requisitos objetivos de conformidade].

Aqui (DL n.º 67/2003) não havia hierarquia entre remédios – havia apenas uma limitação pelo abuso
de direito (art.º 334.º do CC) – que remédios/direitos se podem usar/exercer?

☺ Reparação – já foi tentada pela Carros Lindos – não serve;


☺ Substituição – podia ser uma solução (desde que fosse entregue um carro que não faz este ruído)
– se fosse entregue outro carro que fazia os mesmos ruídos ou tivesse problemas análogos, podia
haver perda de confiança que justificaria, de imediato, a possibilidade de resolução;
☺ Resolução – é adequada?

Não temos a certeza absoluta de que A queira ficar sem o carro, tendo em conta que o valor dos
carros aumentou bastante – por isso, talvez a resolução não fosse o ideal.

☺ Redução de preço – nunca é desproporcionada, tem sempre uma proporção total com o valor do
bem e a desconformidade (“pode ir de 0,5% a 99,5%”) – haverá sempre algum valor, havendo
desconformidade, menor para o bem:

Compara-se o valor de mercado do bem tal como foi contratado (e não o valor pago) e o
valor do bem com a desconformidade;

Se o carro valesse €50.000,00 (valor de mercado) – suponhamos que a desvalorização com


o ruído é de 10% – €5.000,00, aqui;

90
Se ele pagou €45.000,00, 10% deste valor são €4.500,00, que o A teria de receber de volta
– valor total reduzido seria de €40.500,00;
Claro que isto pressupõe que ele queria ficar com o carro.

CASO 87: Alice dirigiu-se a uma casa funerária depois da morte da sua bisavó, tendo em vista selecionar
um caixão para o enterro. Escolheu um de cor branca, tendo pago um valor adicional de € 1.000,00 para o
personalizar, pois sabia ser essa a preferência da bisavó.
No dia do enterro, verificou que o caixão onde colocaram a bisavó era de cor negra, uma verdadeira desfeita
para a família, que sabia que a avó detestava a cor, sobretudo nesta ocasião.
Um par de dias depois, mais recomposta da situação, Alice quer que a funerária assuma alguma
responsabilidade, não estando, em todo o caso, disponível para que a solução seja trocar a avó de caixão.
O que diria a Alice?

Resposta:
Relação de consumo:
 Alice é consumidora, e está em causa a compra-e-venda de coisa móvel corpórea (ao nível do
elemento objetivo do DL n.º 84/2021);
 Quanto ao elemento teleológico, a Alice utiliza este bem para fins não-profissionais, e do outro lado
temos um profissional – casa funerária;
 Para o prof., num contrato desta natureza, o consumidor está particularmente vulnerável, tendo
em conta a situação em que se encontra.

Aplicando o DL n.º 84/2021, temos desconformidade?

Sim, é desconformidade quanto à cor específica escolhida pelo consumidor – desconformidade subjetiva
(art.º 6.º);
Perante a desconformidade, o consumidor pode exigir a substituição – mas a Alice não quer substituir;
Depois do dia do enterro, será que ainda é possível repor a conformidade (substituir ou reparar) –
aplicamos a alínea a), i) do n.º 4 do art. 15.º? É fisicamente possível, sim;
Poderíamos apelar à alínea a), iv), do n.º 4 do art.º 15.º – já que, aqui, a reposição da conformidade
traz graves inconvenientes para o consumidor;
Para o prof., isto é um caso em que não é razoável ao consumidor seguir a hierarquia de remédios do
diploma.
O bem em si tem uma utilidade para aquele momento e tem um caráter específico – é isso que deve
ser tido em conta:

Ora, resolver o contrato não faz sentido – isso implicaria retirar o corpo da bisavó do caixão para devolver
o bem;

Logo, temos de olhar para a redução do preço – como se opera a redução do preço (art.º 19.º)?

91
¥ O bem aqui, provavelmente, não poderá ser utilizado por terceiro, porque a personalização é
específica àquele consumidor;
¥ A Alice pagou mais de 1000 euros para personalizar o caixão, sendo que a personalização não foi
feita – logo, a A tem direito a descontar esses 1000 euros (tem direito à redução do preço em pelo
menos 1000 euros) – porque, se estivesse conforme, ela teria pago esses 1000 euros e teria
sido cumprida a conformidade;
¥ Mas isto é partir do pressuposto de que a personalização se refere apenas à cor branca;
¥ E se a personalização tiver sido feita, havendo apenas o problema da cor?
Aqui, não seria possível a redução do preço porque, lá está, o caixão não vale menos
apenas por ser preto em vez de branco (sendo que, neste cenário, os 1000 e tal euros
referem-se ao valor pago pela cor e pelas demais personalizações, havendo apenas um
problema com a cor);

Apenas por uma questão de cor não podemos reduzir o preço;


Seria, quanto muito, um problema de responsabilidade civil – contratual, por danos
morais, eventualmente.

CASO 88: Firmino, amante de desporto, decidiu comprar uns sapatos que fossem suficientemente
confortáveis para as mais variadas situações.
Dirigiu-se à ZportZone e ficou encantado com umas botas da Zimberland, que tinham uma etiqueta com
umas imagens fabulosas de montanhas, onde constava a seguinte mensagem: “Connosco? Sobes até ao
Evereste!”. Comprou-as de imediato.
No dia seguinte, durante os seus afazeres, a sola descolou toda, razão que levou Firmino a apresentar uma
denúncia na ASAE onde escreveu, entre o mais, que lhe “prometeram que subiria ao Evereste, mas nem ao
cimo da 31 de janeiro do Porto cheguei!”.
Explore as várias possibilidades de Firmino para resolver este problema.

Resposta:
Desde logo temos de verificar se estamos perante uma relação de consumo – neste caso não há dúvida;
O DL n.º 84/2021 também se aplica – está em causa um contrato de compra e venda de bem móvel
(art.º 3.º, n.º 1, alínea a) - aplica-se o regime geral relativo à compra e venda de coisa móvel corpórea.

Há desconformidade?

Não há dúvida que sim – a sola descolar-se é claramente uma falta de conformidade – o bem não
tem as qualidades expectáveis dos bens do mesmo tipo – art.º 7.º, al. d);

O que o profissional vai ter que fazer neste caso é vir afastar a presunção de que a falta de
conformidade já existia à data da entrega (art.º 13.º, n.º 1) – o profissional vai alegar um facto que
demonstre isso, e neste caso isso equivale a provar que o bem foi mal utilizado, e por isso é que
a falta de conformidade se manifestou; não por mau uso do bem;
92
Dizer que a sola se descolou não é minimamente indicativo de mau uso – não temos indicação
de que o consumidor estivesse a fazer alguma atividade anormal que pudesse levar àquilo;
Atenção que aqui não basta o profissional alegar, é necessário fazer prova do facto.
O período de responsabilidade do profissional é de três anos – art.º 12.º:
Os bens têm que ser feitos para funcionar pelo menos três anos, que é o período de
responsabilidade legal.
Quanto aos direitos que assistem ao consumidor – art.º 16.º:
Pedir a substituição imediata ou resolução, porque estamos nos primeiros 30 dias após a entrega
do bem;
Aqui, no que toca à reparação, o prof. considera que não é razoável neste caso que o profissional
possa opor ao consumidor a reparação;
A substituição também é problemática, porque nada garante que um bem igual novo não tenha os
mesmos problemas de durabilidade.
“Connosco? Sobes até ao Evereste!” – isto seria prática comercial desleal, neste caso, uma prática
comercial enganosa:
Isso também poderia dar ao consumidor o direito a resolver nos termos desse regime;

O quão vinculativa é esta declaração?


O consumidor que compra os sapatos para subir o Evereste, e aqueles descolam-se ou
estragam-se, pode alegar a falta de conformidade com base nesta declaração?

Ou será que aí o profissional não deixa de poder alegar o mau uso?


O prof. considera, que neste caso, dizer que dá para subir ao Evereste quando
depois não dá é potencial prática comercial desleal;
Mesmo que isto seja prática comum no mercado e que o consumidor saiba que
provavelmente não dá para subir ao Evereste, mesmo assim temos de interpretar
aquela declaração de acordo com o que uma pessoa honesta diria ou
pretenderia dizer.

Hipótese: “o melhor bolo do mundo”:

Para o prof. isto está na fronteira da relevância contratual das declarações feitas pelo
profissional;

Para o prof. quando se anuncia isto então o profissional fica vinculado a um produto com
determinada qualidade; tem de haver alguma coisa que justifique a apresentação daquele bem
como sendo o melhor do mundo;
Art.º 7.º, n.º 1, al. d), última parte!

93
CASO 89: Eduardo adquiriu um ebook na página da Fnoc. Pretende agora, passados dois meses, vender
esse ebook, uma vez que já não precisa dele. A indicação constante do site é a de que os ebooks não são
transmissíveis, a título gratuito ou oneroso. O que diria a Eduardo?

Resposta:
É, desde logo, um contrato à distância, pelo que o DL n.º 24/2014 é importante – aqui, é relevante a
exceção ao direito de arrependimento (art.º 17.º) – se nestes casos tiver sido comunicado ao consumidor
que está a renunciar a esse direito após receber o conteúdo digital;
Que tipo de contrato é este?
# É um contrato de fornecimento de conteúdo digital;
# Atenção que o direito europeu e português utilizam o termo “fornecimento de serviços e
conteúdos digitais” para se referir a uma realidade muito heterogénea de contratos;
# Em princípio temos um contrato de licença – utilização em termos indefinidos do conteúdo digital
em causa.

Atualmente quando compramos Ebooks vemos os nossos direitos sobre o bem jurídico limitados –
é um contrato de licença, “dão-nos licença” para utilizarmos aquele bem nos termos definidos no respetivo
contrato. - Isto não acontece quando compramos um livro em loja física.
A questão aqui é saber se esta limitação é ou não admissível:
Ou seja, dizer que o consumidor não pode vender os direitos que tem sobre o Ebook a terceiro
é ou não válido?
O E pode ou não fazê-lo?
Será que aquela CCG é ou não válida, ao abrigo do DL 446/85?

Além da questão do conteúdo, podemos ter outro problema de comunicação – a informação no


site em geral é suficiente para que esta cláusula se inclua no contrato?

Não podemos ser indiferentes perante a circunstância de que os Ebooks são suscetíveis de se
multiplicar, e no que toca a conteúdos digitais a probabilidade de cópias ilegais e pirataria é muito maior –
é uma possível via para justificar este tipo de restrições;
Contratos de fornecimento de conteúdos digitais são em princípio contratos de licença;
Muitas vezes celebram-se dois contratos neste âmbito – um contrato quanto ao ficheiro que incorpora o
conteúdo protegido por direitos de autor (aqui o contrato celebrado com a “Fnoc”), e depois um contrato para
aceder ao conteúdo desse ficheiro (que é regra geral um end-user license agreement – um EULA).

CASO 90: A Raquel dirigiu-se à Rádio Impopular para adquirir um micro-ondas que grelhava bifes
malpassados, pois tinha visto na televisão por um excelente preço.
Quando chegou à loja, o funcionário advertiu Raquel de que tinha estado numa palestra privada de
apresentação do micro-ondas e que aí tinham sido informados de que o micro-ondas grelhava bifes, sim,
mas só de atum, pois não tinha potência para grelhar carne.

94
Raquel não acreditou, pois se deu na televisão, devia ser verdade. Ficou muito desiludida quando chegou a
casa e percebeu que o funcionário tinha razão.
Raquel pode exigir a resolução do contrato?

Resposta:
Existe, desde logo, a questão de saber se o retalhista/funcionário está vinculado pelas declarações
feitas pelo produtor. A resposta é sim, está – art.º 7.º, n.º 1, al. d), última parte:
A questão é essencialmente a do n.º 3 do art.º 7.º – será que o consumidor aceitou de forma
expressa e inequívoca o desvio de conformidade? Sabemos que se respondermos que sim, então
não há falta de conformidade.
Será que não temos uma distinção entre estes casos e aqueles em que o consumidor diz “sem
problema, eu não me importo do desvio”, neste caso “eu só quero mesmo para grelhar bifes de atum
logo não há problema”?
Nos termos do art.º 40.º, não temos responsabilidade autónoma do produtor – este responde,
apenas, perante o vendedor;
Atenção que está previsto direito de regresso a favor do vendedor contra o produtor – art.º
41.º: logo, aqui, se o vendedor responder por causa completamente imputável ao produtor teria direito
de regresso.
Para o prof., não podemos aceitar ter mercado em que o produtor diz para comprar porque tem
característica X e depois o vendedor diz que afinal não tem a característica X – se o vendedor escolhe
vender o bem então responsabiliza-se pelos problemas.
Aqui o prof. entende que se deve afastar o n.º 3 do art.º 7.º, na resposta à questão que foi feita
anteriormente – aqui não houve acordo das partes quanto a possível desvio, quanto à falta de
conformidade;
Aqui o vendedor é diligente, porém vende um bem em relação ao qual há prática enganosa
pelo produtor (a qual também deve responsabilizar o vendedor que é quem ao vender o bem).
O prof. é crítico deste n.º 3:
Na sua perspetiva, isto não é não existir falta de conformidade, mas antes uma definição pelas
partes do objeto do contrato;
Neste caso, se concluíssemos pela aplicação do n.º 3 do art.º 7.º, o objeto do contrato seria a
compra de um micro-ondas que não grelhava bifes sem ser de atum;
Ou seja, o consumidor aceitaria que o objeto tinha aquele problema e contratava na mesma –
o objeto do contrato inclui aquele problema/defeito, logo se não houvesse aquele defeito é que
haveria desconformidade.

A Raquel está convencida de que grelha bifes; compra convencida de que grelha bifes – não há aceitação
expressa e inequívoca à parte da desconformidade;
A grande questão aqui é saber se podemos, por via do n.º 3, afastar a al. d) do n.º 1 do art.º 7.º, isto é
– afastar a vinculatividade da declaração do produtor:
95
Se concluirmos que sim, então não há falta de conformidade: há alteração do objeto do contrato;
Para o prof., não está verificado o n.º 3 do art.º 7.º e, por isso, aplica-se o n.º 1, al. d) e há falta
de conformidade, respondendo tanto o vendedor como o produtor.
Raquel neste caso, concluindo que há desconformidade, terá que direitos?
! Reparação e substituição não seriam possíveis;
! Resolução e redução do preço seriam as opções, sobretudo a primeira.

CASO 91: Violeta comprou um candeeiro com 5 metros de altura na Loja do Rato Preto para colocar no seu
jardim. Após uma noite de chuva, Violeta reparou que o candeeiro tinha ardido, uma vez que a lâmpada tinha
explodido com a água. O incêndio destruiu por completo o carro de Violeta, comprado 2 anos antes por €
3.000, uma guitarra elétrica que estava no porta-bagagens, no valor de € 700, e alguns outros bens de pouco
valor.
Enviou um e-mail para o contacto indicado na caixa do candeeiro, denunciando a perigosidade do bem,
tendo recebido, 3 dias depois, uma resposta por parte do produtor com a indicação de que, naquele caso,
não se tratava de um produto perigoso. Além disso, disseram-lhe que perigosa tinha sido a sua atitude de
deixar o candeeiro à chuva.
Violeta pode fazer alguma coisa?

Resposta:
O que temos de perceber num primeiro momento é se há desconformidade no candeeiro, e mais tarde
perceber se há defeito no bem que causa danos em coisa diversa do próprio bem – ao nível do regime
da responsabilidade do produtor (diploma avulso);
Ora, quanto a saber se há má utilização, a questão de se tratar de um candeeiro com 5 metros de
altura é relevante:
É indicativo de que se trata de um bem para o exterior, ou seja, um candeeiro próprio para o jardim;
O candeeiro já vinha com lâmpada incorporada, pelo que não se coloca um problema de saber se o
consumidor comprou a lâmpada a outro profissional e este é que deve responder.
Vamos imaginar que não há nenhuma indicação no candeeiro quanto a saber se pode ou não ser
colocado no exterior:

Não é evidente que seja um candeeiro para exterior, mas sim para interior;
O consumidor não foi especificamente advertido de que é apenas para utilização específica, ou que
não pode ser utilizado naquelas circunstâncias (sobretudo tratando-se de um bem com 5 metros).

Mesmo que seja apenas para espaços interiores, parece ser normal que um candeeiro que apanhe
água rebente e causa todos aqueles danos?

Aqui temos de fazer uma análise bipartida – ao nível do DL n.º 84/2021, em relação à falta de
conformidade; e por outro lado ao nível da responsabilidade do produtor pelos demais danos
diversos da falta de conformidade (DL n.º 383/89):

96
Em relação à primeira questão, alegar a má utilização com base na circunstância de que
o candeeiro foi colocado no espaço exterior (quando se destinava apenas a uso interior)
poderá não ser suficiente para afastar a presunção do art.º 13.º/1 do DL 84/2021 e,
consequentemente, a responsabilidade do vendedor (o mau uso não afasta automaticamente
toda a responsabilidade do vendedor);

O prof. tem dúvidas que aqui haja risco anormal e inaceitável resultante do bem, mesmo
tendo sido mal utilizado;
Aliás, o art.º 4.º/1 diz que o produto é defeituoso quando “não oferece a segurança com que
legitimamente se pode contar”, sendo que à partida aquilo com que se poderia contar é o
candeeiro deixar de funcionar, não a ocorrência de uma explosão ao nível do que aconteceu:
Aliás, quanto muito, ao nível do art.º 7.º, temos concurso entre lesado e produtor
(se partirmos do pressuposto de que houve má utilização).

O DL 84/2021 trata do dano da própria coisa; o DL 383/89 remete para os outros danos
causados pela coisa defeituosa (referidos no art.º 8.º – danos de morte ou lesão pessoal;
danos em coisa diversa para consumo, sendo que quanto a estes é necessário que excedam
o valor de 500 euros por coisa);
Relativamente aos danos relevantes para o DL 84/2021, a questão relevante seria a má
utilização:
A má utilização já não é relevante para a questão dos danos em coisa diversa, mesmo
que a Violeta tenha concorrido para o agravamento dos danos, havendo
responsabilidade objetiva do produtor (independentemente de culpa).
Temos danos no carro, na guitarra elétrica, e em outros bens de pequeno valor – partindo do
pressuposto de que o carro vale 2000 euros hoje, a V pode pedir uma indemnização no
valor de 1.500 euros, quanto à guitarra pode ser ressarcida no valor de 700 euros e
quanto às outras coisas não parece que o seu valor ultrapasse os 500 euros;
Para o resto dos montantes poderá ainda atender ao regime da resp. civil nos termos
gerais, que não é tão favorável tendo em conta que o consumidor tem de provar a culpa do
produtor.

CASO 92: Anabela estava a navegar na Internet à procura da prenda ideal para oferecer à sua namorada
(Beatriz), que celebrava o seu aniversário na semana seguinte, no dia 6 de dezembro. Descobriu o site
Aquilo, e ficou encantada com o conceito de roupa sustentável associado à marca. Além de a roupa ser
produzida em Portugal, o site indica com grande destaque que se trata de roupa de excecional qualidade,
privilegiando-se esta em detrimento da quantidade. Alega ainda a empresa que, vivendo livres das restrições
da indústria e das ideias dos investidores, o resultado final é uma coleção feita à base de materiais orgânicos
e naturais que é feita para ser linda e durar mais tempo.

97
Anabela decidiu então encomendar uma camisola (€ 95), tendo indicado o endereço de Beatriz. A empresa
oferecia também a possibilidade de elaborar um cartão personalizado, possibilidade que Anabela aproveitou,
tendo escrito uma mensagem romântica para a sua amada, que deveria acompanhar a prenda.

Após ter confirmado a encomenda, Anabela recebeu a indicação de que a mesma seria entregue na morada
indicada no dia 5 de dezembro.

No dia 6 de dezembro, Anabela ficou tristíssima ao perceber que a camisola não tinha sido entregue e foi a
correr a uma loja (Xara) comprar uma outra camisola, que lhe custou € 120. Ofereceu-a a Beatriz, mas o dia
foi de grande stress e não conseguiu aproveitar convenientemente o aniversário da namorada.

No dia seguinte, a camisola chegou a casa de Beatriz, que a recebeu, abrindo de imediato a caixa. Começou
logo a ler o lindo cartão que estava dentro da caixa: “Querida e amada Gabriela, espero que encontres nesta
camisola o conforto e o aconchego do meu amor por ti. Da tua amada Anabela”.

Beatriz ficou furiosa ao imaginar Anabela com a sua amiga Gabriela e atirou a camisola violentamente para
o chão, não voltando a pegar-lhe. Ligou para Anabela e contou-lhe o que tinha acontecido, acabando de
imediato com a relação.

Anabela ligou de imediato para a loja e foi informada de que tinha havido um lapso com o nome, uma vez
que o funcionário que escreveu a carta tinha confundido o nome das destinatárias em duas cartas relativas
a encomendas enviadas nesse dia.

Furiosa, Anabela quer resolver a situação, exigindo à Aquilo a devolução do valor pago pela camisola, o
valor pago pela outra camisola que comprou na Xara e uma indemnização. 1) O que diria a Anabela se ela
o/a consultasse?

Beatriz voltou a pegar na camisola da Aquilo e apercebeu-se de que a qualidade não era a melhor, sendo
feita com um tecido muito sensível e pouco resistente. Além disso, leu numa revista que a empresa utilizava
tecidos preparados em países asiáticos por crianças.

Não fosse já suficiente tudo isto, percebeu que Anabela comprara a camisola na Black Friday, sendo
inacreditável que uma loja sustentável se sujeitasse a tal. Beatriz quer, por tudo isto, devolver as duas
camisolas e receber o dinheiro pago por estas. 2) O que diria a Beatriz se ela o/a consultasse?

Resposta:
Problemas:
1. Indicação de que a encomenda chegaria a 5/12 e só chegou dia 7/12.
Temos desde logo o art.º 11.º do DL 84/2021 – se a A tivesse informação depois de fazer a
encomenda que o bem só seria entregue no dia 7 de dezembro (depois do aniversário de B), esta
poderia arrepender-se ao abrigo do DL 24/2014;

Aqui, a declaração do profissional de que vai entregar no dia 5 é vinculativa: o profissional vincula-
se a entregar no dia 5. Se disserem “estimativa de entrega no dia 5” poderia ser problemático;

98
Dia 5 era vinculativo, mas não foi entregue nessa data. E agora? Não se trata de prazo
absolutamente fixo, e por isso temos mora;
A situação de mora dá direito a indemnização – aqui, o que é necessário verificar é se o valor
pago pela nova camisola é um dano, por um lado, e se há nexo de causalidade entre a não entrega
na data e a existência desse dano;
Há ilícito, a culpa presume-se;
Aqui temos um problema de causalidade – é previsível para o lesante que por efeito de um atraso
num dia em efetuar a entrega do bem o consumidor vá comprar outro, tendo despesas associadas a
isso?

2. Direito de arrependimento para receber o valor pago pela camisola:

A, aqui, não pode exercer o direito de arrependimento neste caso porque já deu a camisola a
B – a camisola já não é dela – logo não se pode arrepender;

Aliás: ao se indicar desde logo o nome de B para fazer o cartão personalizado, seria um
contrato a favor de terceiro;
Na perspetiva do prof., a alienação da coisa a título gratuito ou oneroso implica uma renúncia
tácita ao direito de arrependimento.
3. O problema do cartão
É uma empreitada, mas essa empreitada fica materializada num bem;

Aplicando o DL 84/2021, aqui a desconformidade faz-se apenas sentir ao nível do cartão – os


remédios de reposição da conformidade são tardios aqui – a redução do preço e a resolução são
opções (mas em relação à resolução temos de discutir se é problema grave o suficiente para justificar
a resolução do contrato como um todo);
Temos eventualmente direito de indemnização – sobretudo por danos patrimoniais (engano no
nome).

4. O problema referido no 2) – temos uma prática comercial enganosa e um problema de


conformidade:
A lei das práticas comerciais desleais não estende o direito de resolução a terceiros;

Mas o prof. tem dúvidas de que não se possa transmitir os direitos para efeitos deste diploma, e diz
que não é aceitável um argumento teleológico que exclua essa possibilidade (à luz da teleologia do
diploma das PCD’s).
Já no que respeita ao DL 84/2021, e sabendo que aqui há desconformidade, temos norma expressa
que prevê comunicabilidade de direitos – art.º 15.º, n.º 10:

O prof. considera que, na inexistência desta norma, não poderia haver comunicabilidade tendo em
conta o princípio da relatividade dos contratos.

99
Atenção que, aqui, teríamos de articular duas coisas: se concluímos que a A tem direito de resolução
então, à partida, a B já não o terá – não podemos ter duas pessoas a resolver o mesmo contrato;

Quanto à questão de saber se a B poderia devolver a camisola à XARA:


O que seria preciso haver é um direito de arrependimento contrato entre a XARA e a A e que este
fosse transmissível a terceiros;

Não tendo informação específica, concluímos que não há direito de arrependimento (regra geral
contrato celebrado fora do estabelecimento comercial).

CASO 93: Para garantir que podia participar em todas as suas reuniões de trabalho e em todos os eventos
familiares através do Zoom e navegar na Internet à procura de notícias sobre a sua equipa de futebol, Pedro
comprou um novo computador através do marketplace da Amazon.
No perfil do vendedor na Amazon, a empresa, com sede em Lisboa, tinha uma classificação de 9,8 (em 10)
em 3450 classificações e muitos comentários positivos.

Quando o computador chegou à sua casa, Pedro percebeu que (i) o teclado era alemão, não tendo as teclas
habituais em Espanha, (ii) a versão Office não era a mais recente e (iii) o ecrã estava ligeiramente partido.

Ao pesquisar num website de queixas, descobriu que a empresa já tinha sido acusada em vários países de
comprar revisões e comentários falsos.

Contactada por Pedro, a Amazon defende-se, dizendo que não tem qualquer responsabilidade no caso,
sendo um mero intermediário sem participação no contrato de compra-e-venda. O vendedor não responde
a Pedro, o que parece ser uma prática corrente, dadas as queixas visíveis online.

Indique que direitos tem Pedro e contra quem.

Resposta:
Temos o problema de saber qual a lei aplicável ao caso, porque ao que parece o Pedro é residente
em Espanha:
Neste âmbito existe um Regulamento – o Regulamento Roma I – que regula a lei aplicável em
matéria contratual;
Em regra, o critério principal definido neste Regulamento é o acordo entre as partes: as partes
podem escolher, por contrato, a lei aplicável;
Se as partes não tiverem escolhido, em regra, a lei que regula a questão é a lei do domicílio do
devedor;
Mas o art.º 6.º visa proteger os consumidores, garantir que estes em alguns casos consigam
que seja aplicada a lei do seu domicílio – quando este é consumidor passivo – está no país da
sua residência atual e é contactado por profissional que está fora do seu país de residência
habitual;[1]

100
Pode ser aplicada a lei do país da residência habitual do consumidor, na medida em que esta
seja mais favorável ao consumidor quando comparada às leis resultantes das restantes regras: ou a
escolha das partes ou o domicílio do devedor.

Aqui tínhamos desde logo de começar por ver se estamos perante uma relação de consumo –
sobretudo o elemento teleológico:
O critério do uso predominante entende-se ser o melhor critério para resolver estes casos, mesmo
não havendo norma expressa a dizê-lo em todos estes diplomas;[2]
O prof. entende que devemos, mesmo assim, ver se há relação de consumo ao abrigo dos demais
diplomas, mas que este continua a ser o melhor critério.
Temos problemas de práticas comerciais desleais, direito de arrependimento, desconformidade,
responsabilidade do MarketPlace, etc…
Começando com o problema do Direito ao Arrependimento:
• Temos um contrato celebrado à distância pelo que se aplica o DL n.º 24/2014;
• Ainda está dentro do prazo – 14 dias a contar da entrega do bem?
Não temos dados, mas vamos partir do pressuposto que ainda poderia exercer o direito
de arrependimento;
O direito de arrependimento é exercido, à partida perante o vendedor, porque foi com esta
parte que o consumidor contratou.
✓ É preciso uma norma que responsabilize a plataforma aqui – a qual existe no DL 84/2021, mas
não no DL 24/2014;
✓ Acórdão Wathelet:
Stand que comprava e vendia carros usados;
Pessoa comprou neste stand e houve desconformidade;
O stand defendeu-se, dizendo que era mero intermediário;
O TJUE veio dizer que, na aparência, era o stand que estava a vender, deu a entender ao
comprador de aquele é que era o vendedor, logo responde como vendedor.
Logo, no nosso caso poderíamos dizer, eventualmente, que não era nada claro que não fosse a
Amazon a vender – assim, poderíamos argumentar que a Amazon responde;
Mas vamos partir do pressuposto de que a Amazon é só intermediário – direito de arrependimento pode
apenas ser exercido perante o vendedor;
Porém, o vendedor está incontactável, desapareceu; logo, o direito de arrependimento é difícil de exercer
aqui.
Temos prática comercial desleal:
→ Ação enganosa em todas as circunstâncias – art.º 8.º, alínea dd) do RPCD;
→ Consequências – resolução do contrato ou redução adequada do preço;
→ O autor da prática comercial desleal é o vendedor, por muito que o MarketPlace pudesse ser
pouco diligente ao permitir este tipo de coisas no site – logo, mais uma vez o direito tem de ser
exercido perante o vendedor.

101
Vamos ao DL n.º 84/2021 – concluímos que é relação de consumo:
Art.º 3.º, n.º 1, al. a) – o diploma é aplicável.

Temos desconformidade:
Desde logo, falham os requisitos objetivos de conformidade, nos termos do art.º 7.º, n.º 1, alínea d),
quanto ao ecrã rachado;
Quanto ao teclado – tinha um teclado em alemão, sem se dizer em lado nenhum qual era o teclado – aqui,
poderia haver uma omissão enganosa:

Qual é a expectativa do declaratário normal?


 Se uma empresa vende os bens para pessoas naquele país, tem, desde logo, de informar, esse é
o primeiro dever a cumprir.
Aqui, temos de definir, relativamente ao teclado, se este teria de ser português – foi isso que foi
implicitamente acordado pelas partes?
Esta característica está ou não incluída no contrato?
O prof. considera que, no limite, se o profissional ou o vendedor fosse alemão, era expectável um
teclado alemão;
Nada sendo dito, a expectativa razoável do consumidor seria a de que o teclado viesse em português;
Se o computador é vendido para Portugal,[3] então o vendedor que vende neste site tem de saber que é
dirigido a Portugal;
Concluímos que temos, então, uma segunda desconformidade.

Quanto à versão Office não ser a mais recente:


Mais uma vez, estamos a pressupor que nada é dito – é ou não expectável que tenha a última
versão do Office?
Temos o n.º 4 do art.º 7.º, que prevê expressamente que os bens devem ser entregues na versão
mais recente à data da celebração do contrato;
O professor entende que isto já é requisito objetivo de conformidade – se nada for dito, o que se
impõe é que seja a versão mais recente.

Quanto aos direitos do consumidor:


A reparação quanto ao ecrã e o Office é mais fácil; o problema seria eventualmente substituir o
teclado (que equivale a reparar);
Temos também a substituição do bem – que implica a entrega de bem em conformidade com o
contrato, ou seja, teria de ser entregue um novo bem com teclado em português, a nova versão
do Office e o ecrã em bom estado;
Aqui, à partida, também há direito de rejeição (art.º 16.º);

102
Quanto aos fundamentos de resolução ou redução do preço, fora dos 30 dias do art.º 16.º, só a
alínea d) do n.º 4 do art.º 15.º é que prevê a possibilidade de se resolver ou reduzir o preço sem
passar pela reposição da conformidade;
Ou então a subalínea iv) da alínea a) do n.º 4 – já que, se o profissional está incontactável, à
partida isso indica que não vai haver reposição de conformidade;

Pode o P responsabilizar a Amazon?


→ Art.º 44.º do DL n.º 84/2021 – estando preenchida alguma das situações do n.º 2 do art.º 44.º, o
prestador do mercado em linha é solidariamente responsável;
→ Temos de fazer interpretação restritiva desta norma, porque isto é demasiado amplo;
→ A Amazon é solidariamente responsável – o que é que isto significa?
Sendo resolvido o contrato, a Amazon opera tudo isso e depois exerce direito de regresso frente
ao vendedor.

Mas e se o consumidor quer a reparação ou substituição?


A lei prevê a responsabilidade do MarketPlace em função da desconformidade como um todo,
como é que isto se opera?
A Amazon tem de contratar alguém para fazer a reparação ou então comprar um pc novo para
fazer a substituição.

O consumidor poderia ainda responsabilizar o produtor, mas apenas quanto ao ecrã partido[4] – art.º
40.º – sendo que, aqui, o produtor só é responsável ou pela reparação ou pela substituição.

CASO 94: No dia 1 de fevereiro, António recebeu uma chamada de um representante da TOI propondo-lhe
a celebração de um contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas incluindo internet,
televisão, telefone e telemóvel.
Foi ainda informado de que, se aderisse de imediato, receberia totalmente grátis um telemóvel iCoiso XII,
sendo a instalação do serviço (estimada pela empresa em € 300) também oferecida. O valor mensal seria,
neste caso, de € 120, com um período de fidelização de 24 meses.

António aceitou de imediato. Recebeu, cinco minutos depois, uma mensagem SMS com a referência ao
acordo e um pedido para confirmar se realmente pretendia aderir. António respondeu dizendo que sim.

No dia seguinte (2 de fevereiro), a TOI foi a casa de António instalar o serviço e este ficou operacional. No
dia 8 de fevereiro, o telemóvel foi entregue também na casa de António.

António reparou que se tratava de um iCoiso X (e não de um iCoiso XII conforme prometido). Estava tão
atarefado que decidiu que reclamaria mais tarde.

103
No dia 21 de fevereiro, António ficou desempregado. Pretende reduzir despesas, pelo que o/a contactou
nesse mesmo dia para saber se tem alguma forma de se desvincular do contrato celebrado com a TOI sem
o pagamento de qualquer valor.

Resposta:
Temos contrato de consumo – à partida, é para casa de A, pelo que não temos indicação de que não seja
consumo. É consumo;
Será contrato celebrado à distância? – art.º 3.º, alínea h) – os requisitos estão todos
verificados/preenchidos;
Poderia haver problema da forma do contrato – art.º 5.º, n.º 8 – não se coloca qualquer problema, porque
foi cumprida a forma do contrato – assim, o A não poderia reclamar nada por aqui;

Existe direito ao arrependimento neste tipo de contratos?


! É contrato de adesão porque inclui CCG’s – não é contrato de fornecimento (contrato entre
fornecedores e restaurantes);
! É um contrato misto – porque implica fornecimento de coisas (box, router), empreitada e
prestação de serviços e elementos de compra-e-venda (telemóvel);
! Atenção que, em relação à box e router, temos uma locação – logo, o elemento de compra-e-
venda é em relação ao telemóvel;
! Assim, é fundamental sabermos se é prestação de serviços ou CCV porque o prazo para o
exercício do direito de arrependimento varia em função disso:
De 8 para 21 estamos a falar de 13 dias; de 1 para 21 estamos a falar de 20 dias.

Pode arrepender-se, aqui? Em que consiste esse arrependimento?


Aqui, já passou o prazo dos 14 dias se tomarmos como referência a celebração do contrato –
relativamente à prestação de serviços, já teria passado o prazo;
Qual é o prazo de referência?
Temos de perceber também o que é que prevalece aqui – o mais relevante é a prestação
de serviços, considera o prof.;

Seria também relevante atender ao preço de mercado de um iCoiso XII – se o telemóvel


tiver um preço muito significativo e representativo ao nível do preço total pago pelo
consumidor, se calhar o telemóvel tem importância superior ao dos serviços que são
prestados;
Aqui, o que prevalece, em princípio, é o serviço e por isso, à partida, passou o prazo para
se arrepender.
Aplicação do art.º 20.º, n.º 3, ao art.º 16.º (DL n.º 84/2021) – o prof. considera que sim:

Não há dúvida que haja desconformidade, pode resolver ao abrigo do art.º 16.º? Pode resolver
parcialmente – mas e resolver totalmente, pode?

Não há resolução total, há resolução parcial – qual é o efeito da resolução parcial?


104
Tem de devolver o telemóvel, mas e quanto à restituição do preço?

Para o prof., ou há resolução total tendo em conta que não é aspeto insignificante no
contrato – vai ter relevância significativa no negócio e por isso, se concluirmos que o
consumidor só contratou porque o telemóvel estava incluído, poderá haver resolução total;
Porém, se o consumidor contratou pelo serviço e depois adquiriu o telemóvel enquanto
vantagem adicional do contrato, a relevância será mais lateral e a resolução terá de ser
parcial.
Permitir a resolução parcial é levar até ao fim os efeitos da resolução parcial – abater o valor do
telemóvel nas prestações da mensalidade ou então um valor total:

Podemos, ainda, considerar que o consumidor não recebe nada (nenhuma vantagem) e por isso
não há fidelização;

Isto equivale a uma resolução total, na prática – o consumidor deixa de estar vinculado pelo valor
inicialmente previsto (pode denunciar pagando o valor da primeira mensalidade).
Liberalidade aparente – o telemóvel não é oferecido:

❑ Quanto às práticas comerciais desleais – uma coisa é dizer que é gratuito e não é gratuito; outra
é dizer que é iCoiso XII quando é um X; e depois temos a questões do “se aderisse de imediato”;
❑ Quanto às CCG’s – os requisitos de inclusão no contrato têm de ser aferidos em relação a
cada cláusula especificamente;

O professor diz que é suficiente o que temos para concluir que as cláusulas foram devidamente
comunicadas – quando a lei impõe a antecedência necessária no art. 5º não é para ponderar, é para
conhecer;
Práticas comerciais desleais poderiam permitir a resolução ou redução do preço.

Quanto ao fundamento da resolução:

Ter ficado desempregado – é abusivo resolver ao abrigo deste diploma das práticas comerciais
desleais?

Ele ter ficado desempregado – novo regime de comunicações eletrónicas tem o desemprego como novo
fundamento para suspender, e depois suspensão do contrato (art.º 137.º da Lei 16/2022);
Mas não é fundamento para considerar abusivo – porque existe efetivamente uma prática comercial
desleal.
Quanto ao direito de recorrer à arbitragem:
Temos o art.º 14.º da LDC que já atribui direito potestativo de recorrer à arbitragem, logo falar da LSPE
não seria necessário.

! FAZ SENTIDO IMPOR O PAGAMENTO NOS TERMOS GERAIS DA RESOLUÇÃO DO


CONTRATO!

105
! Se, dentro dos três anos de período de responsabilidade do profissional, o bem for substituído,
então o período de responsabilidade de três anos volta a contar-se a partir da data de entrega
do bem sucedâneo – art.º 18.º, n.º 6;
! Quanto à reparação, temos garantia adicional de 6 meses por um total de 4 reparações (n.º 4,
art.º 18.º) – passa a haver período de responsabilidade de 3 anos e 6 meses – aqui, há suspensão
do período de responsabilidade durante o período em que o consumidor está privado do bem.

CASO 95: António comprou um automóvel no stand Carros Lindos, Lindos, Lindos, Lda., no dia 17 de março
de 2020. Depois de várias peripécias, o automóvel foi entregue a António no dia 11 de fevereiro de 2022.
Dois meses depois, no dia 11 de abril de 2022, o automóvel deixou de funcionar, sendo apenas possível a
sua deslocação com a ajuda de um reboque.
António deslocou-se ao stand, tendo sido informado pelo funcionário de que o automóvel teria de ser
transportado por António para a Oficina Linda, Linda, Linda, Lda., com a qual o stand trabalha, situada a
cerca de cinco quilómetros, para uma avaliação e eventual reparação.
Após uma acesa discussão sobre quem era responsável pelo transporte do automóvel até à oficina, António
chamou um reboque, pelo qual pagou € 100, e colocou o automóvel numa outra oficina, tendo pago € 4400
pela reparação.
No relatório da reparação pode ler-se que “a viatura apresentava, no momento em que chegou à oficina,
uma anomalia grave no motor, que teve de ser substituído”.
António enviou um e-mail à Carros Lindos, Lindos, Lindos, exigindo o pagamento de € 5100 relativos ao
valor do reboque, ao valor da reparação e a danos morais sofridos com toda a situação.
A Carros Lindos, Lindos, Lindos respondeu, negando a sua responsabilidade, com base nos seguintes
argumentos:
a) O prazo de responsabilidade do vendedor é de dois anos, o qual já tinha sido ultrapassado neste caso;
b) António não conseguiu provar que o automóvel tivesse uma desconformidade no momento da entrega;
c) O valor do reboque não deve ser suportado pelo vendedor, uma vez que cabe ao consumidor o transporte
dos bens em caso de desconformidade;
d) António não pode exigir ao vendedor o valor pago pela reparação feita noutra oficina que não a do vendedor,
uma vez que esse direito não lhe é conferido pela lei;
e) O stand agiu sem culpa, pelo que não pode ser responsabilizado;
f) Os danos morais não são ressarcíveis em relações de consumo e, mesmo que fossem, nada aponta no
sentido de que tenham existido neste caso.
Imagine que é contactado/a por António para dar uma opinião sobre os argumentos apresentados
pelo stand. O que lhe diria sobre cada um dos pontos? Indique também como aconselharia António
a proceder com vista à resolução do litígio com o stand? A sua resposta seria diferente se, à data, já
fosse aplicado o DL 84/2021?

Resposta:

106
Temos contrato de compra-e-venda de automóvel (bem móvel);
É relação de consumo segundo a informação de que dispomos;
Assim, temos compra-e-venda para consumo: qual a legislação aplicável?
O DL n.º 67/2003, porque o contrato foi celebrado em 2020;

O DL n.º 84/2021 só se aplica aos contratos celebrados após o dia 1 de janeiro de 2022.

Alínea a) (primeiro argumento do profissional):


O prazo de responsabilidade do vendedor é de dois anos?

→ Sim, no DL n.º 67/2003 o prazo de responsabilidade do profissional é de dois anos (art.º 5.º, n.º
1);
→ Aqui, o prazo de dois anos começaria a contar a partir da data de entrega do bem – 11/02/2022
– sendo que, no dia 11/04, tinham passado dois meses.

Se se aplicasse o DL n.º 84/2021, o prazo de responsabilidade seria de três anos, contados a partir do
mesmo momento (11/02/2022);

Em qualquer dos casos – ainda não decorreu o prazo de responsabilidade do profissional, logo este é
responsável.

Alínea b):
Art.º 2.º, n.º 2, alíneas c) e d) do DL 67/2003 – temos uma desconformidade:
Atenção que o n.º 2 fala de “presume-se” no proémio, mas não é uma presunção;
O facto-base que constitui a presunção é o próprio facto que presumimos.
O stand alega que o consumidor não foi capaz de demonstrar que o defeito se reporta ao momento
da entrega, e que, por isso, não responde. Tem razão?

Não, ao abrigo de ambos os diplomas – mesmo no DL 67/2003 temos presunção de que a


desconformidade já existia no momento da entrega (art.º 3.º, n.º 2), se a desconformidade se
manifestar nos dois anos após a entrega;

No DL 84/2021 temos três anos de responsabilização com presunção nos dois primeiros anos
(art.º 13.º, n.º 1);
Assim, como a desconformidade se manifestou passados 2 meses do momento da entrega, o
consumidor não tinha de provar nada, porque há presunção de que a falta de conformidade é
originária.
Alínea c):

Art.º 4.º, n.º 1 – refere-se um direito à reposição da conformidade sem encargos, nos quais se incluem
“despesas de transporte” (n.º 3) – os custos do transporte têm de ser pagos pelo vendedor;

Mas quem é que cobre num primeiro momento o transporte? Quem paga num primeiro momento?

107
¥ O DL n.º 67/2003 não tem norma sobre esta matéria, e houve um caso do TJUE (acórdão Fula),
em que se decidiu que o consumidor é que tem de levar o bem ao vendedor em regra, pedindo
depois reembolso do custo que teve com essa operação (caso de devolução de um telemóvel);
¥ Mas, se tiver custos elevados envolvidos nessa operação (como no nosso caso em que está em
causa rebocar um carro), nesse caso cabe ao profissional vir buscar o bem – foi o que o TJUE
decidiu nesse caso, tendo o legislador europeu colocado na Diretiva com reflexo no art.º 18.º
do DL n.º 84/2021 – n.º 1 é a regra geral (“o consumidor deve disponibilizar os bens, a expensas do
profissional”), e depois temos o n.º 5 – que deve ser interpretado extensivamente para incluir não
apenas bens que exijam instalação, mas qualquer bem cuja remoção seja onerosa;
¥ Não esquecer que o pressuposto de tudo isto é que o profissional responda pela falta de
conformidade – se profissional prova que não há desconformidade ou que esta não lhe é imputável,
então estes custos depois poderão ser exigidos junto do consumidor.

É bastante mais oneroso impor ao consumidor o pagamento de reboque; não é propriamente como
levar o telemóvel à loja, é um carro.

Alínea d):
Que direito é que o A exerce aqui?
É um direito a indemnização, fruto de custos tidos com a reparação e transporte do carro para
outra oficina;
Como sabemos, o consumidor não tem direito a indemnização se se deslocar a outro
profissional sem mais nem menos perante uma desconformidade;
Esse não é um direito que lhe seja atribuído; não pode querer uma indemnização imediatamente
antes de passar pelos outros remédios;
A poderia ter pago o reboque, depois exigia esse valor ao profissional, mas levava o automóvel
para a oficina recomendada pelo stand;
Mas será que o A perdeu aqui a confiança em termos objetivos, tendo em conta o serviço que
lhe foi prestado – tendo perdido a confiança objetivamente, pode fundamentar ter ido a outra oficina?
O profissional recusou-se ou dificultou a reparação/reposição da conformidade? Se
considerarmos que o dificultar é sério temos que concluir que há uma violação dos deveres de
reparação nos termos do art.º 18.º do DL 84/2021, que poderá ser ressarcível;
Mas não esquecer que estamos a discutir a responsabilidade civil nos termos gerais, que
pressupõe culpa – em relação aos 100 euros houve seguramente culpa, porque se recusaram a
pagar.
O prof. aconselharia um consumidor, perante estes factos a pelo menos subsidiariamente tentar a
redução do preço:
No DL n.º 67/2003 não existia hierarquia (art.º 5.º), mas no DL n.º 84/2021 existe – a redução do
preço pressupõe fundamento nos termos do n.º 4 do art.º 15.º – uma das subalíneas do n.º 4 – iii) –
prevê que o consumidor tem direito à redução do preço se o profissional se recusa a repor a
conformidade;

108
→ Como é avaliada a redução do preço, como é feita?
Ver quanto é que o bem vale com a desconformidade, quanto é que valeria sem a
desconformidade e, depois, verificar quanto é que foi pago pelo bem – e aplica-se a percentagem
resultante da operação anterior;
Aqui, é muito provável que a redução do valor do preço seja de €4.000.
Aqui a culpa não é relevante, porque a redução do preço opera independentemente de culpa do
profissional.

Alínea f):
Art.º 12.º, n.º 1 da LDC refere que são ressarcíveis os danos morais em relações de consumo, logo o
profissional não tem razão aqui – tem razão quanto à circunstância de que o consumidor tenha de
provar a relevância desses danos – não parecem ser relevantes aqui;

O que aconselharíamos A a fazer para resolver este litígio?


O profissional está vinculado à Arbitragem? Ultrapassamos o valor para o direito potestativo da
LDC, e por isso teria de haver acordo pelo profissional;
O centro competente seria o CASA, mas poderíamos ter outro em função de competência territorial.

Crédito ao Consumo
DL n.º 133/2009 regula o crédito ao consumo;
Direito de livre revogação – art.º 17.º;
Contrato está sujeito a forma escrita – artigos 12.º, n.º 1 e 2, e 13.º – e a entrega de um exemplar (dever
do profissional, sob pena de nulidade);
Podemos estar perante tipos contratuais diversos – crédito ao consumo corresponde a uma figura que se
aproxima de um tipo, mas não é um tipo – é uma categoria contratual – contrato de mútuo é o tipo
contratual paradigmático do crédito ao consumo, quase dominante;
Até há 40 anos atrás, o mais comum era o pagamento a prestações;
A locação financeira também está abrangida;

CASO 96: Aqual dos seguintes contratos não é aplicável o DL 133/2009?


a) Contrato de compra-e-venda de um automóvel a prestações;
b) Contrato de locação financeira de um barco;
c) Contrato de compra e venda de uma camisola, com o pagamento feito através de cartão de crédito;
d) Contrato através do qual o consumidor beneficia de facilidade de descoberto.

Resposta:
Alínea a):

109
Combino com o vendedor, compro o automóvel e pago €2.000 por mês durante 10 meses – CCV, nada de
mútuo este negócio;
Art.º 4.º, n.º 1, alínea c) – é aplicável o diploma – crédito sob a forma de diferimento de pagamento – a
prestação está incluída.

Alínea b):
“Outro acordo de financiamento semelhante” – art.º 4.º, n.º 1, alínea c) (parte final) – locação financeira
está, por esta via, incluída no âmbito de aplicação do diploma.

Alínea c):
O contrato de emissão do cartão de crédito é que está abrangido, não é o uso do cartão de crédito
numa compra (aí, não se celebra um contrato de crédito – celebro o contrato de crédito quando este foi
emitido, quando celebro o contrato com o Banco (entidade gestora do cartão de crédito);
Se assim fosse (se o contrato de crédito fosse quando uso o cartão), sempre que pagava com cartão de
crédito tinha direito de arrependimento.

Alínea d):
É quando se permite que o consumidor tenha saldo negativo na conta;
É um contrato de financiamento, de mútuo – na verdade, o banco empresta dinheiro ao seu cliente –
contrato abrangido pelo regime.
Atenção que há vários contratos excluídos do âmbito de aplicação do regime – art.º 2.º – destacamos
3 casos de contratos de crédito abrangidos pela definição, mas aos quais não se aplica o regime:

→ Alínea a) – crédito à habitação (crédito hipotecário) – tem regime específico para proteção do
consumidor – quando alguém celebra contrato de crédito para comprar casa ou celebra um contrato
com garantia sobre bem imóvel (hipoteca);
→ Alínea c) – contratos de crédito cujo montante seja inferior a €200 ou superior a €75.000 – prof.
percebe a irrelevância do primeiro (não é relevante o suficiente para justificar impor estes deveres
ao profissional), mas não percebe a falta de proteção no segundo (talvez porque com um valor
tão alto os consumidores tenham outros cuidados, ou normalmente contratos deste valor tenham a
ver com créditos hipotecários);
→ Alínea f) – contratos sem juros e outros encargos:
Se o contrato for gratuito, não se aplica o regime – são raros contratos gratuitos, não sendo assim
tão raros os contratos aparentemente gratuitos;
Ou seja, se o profissional disser que é sem juros ou livre de quaisquer outros encargos, mas depois,
na verdade, não é, aplica-se na mesma o regime.

CASO 97: Se o consumidor declara que “não pretende, conscientemente, receber um exemplar do contrato
de crédito ao consumo”, esta declaração afasta o direito de o consumidor invocar a invalidade do contrato?

110
Resposta:
Art.º 12.º, n.º 1 – problema de forma à luz do regime do crédito ao consumo;
Art.º 13.º – nulidade;
Esta declaração não tem valor, porque não é permitida a renúncia a direitos – art.º 26.º;
Aqui, só seria possível bloquear o direito do consumidor a invocar a nulidade do contrato através da
figura do abuso de direito.

CASO 98: Clara estava a pesquisar empresas de crédito na Internet quando foi surpreendida com uma
janela no ecrã oferecendo-lhe a possibilidade de obter um crédito imediato de € 500. Clara ficou
entusiasmada e, em menos de vinte minutos, tinha o dinheiro na conta, depois de ter assinado
eletronicamente um documento designado “Contrato de Crédito”.
A empresa não solicitou a Clara qualquer dado relativo à sua situação profissional ou financeira. Pagou de
imediato uma dívida que tinha já vencida com esse valor.
No dia seguinte, após ter percebido que a TAEG é muito elevada (quase 15%), pretende fazer alguma coisa.
Imagine que é contactado/a por Clara. O que lhe diria?

Resposta:
Não temos informação quanto ao conteúdo do contrato de crédito que Clara assinou online, poderemos
argumentar que a Clara não foi informada dos elementos previstos no art.º 6.º;

TAEG – art.º 4.º, n.º 1, alínea i) – é o custo total do crédito para o consumidor expresso em percentagem
anual do montante total do crédito – remissão para o art.º 24.º;
TAEG (cálculo):
→ Vou ao banco X para obter um crédito de €10.000:
Taxa de juro: 7,83 %
Custo de abertura do processo: 45%
Outros custos administrativos: €125,00

→ Banco Y, referente ao mesmo valor de €10.000:


Taxa de juro: 9,03%
Custos de operação: €2,50.

Qual é a melhor opção para o consumidor neste caso?


Olhando para aqui, sem fazer contas não conseguimos saber qual das duas opções é a melhor
– temos de fazer as contas;

111
A TAEG serve precisamente para resolver este problema – no crédito ao consumo é sempre
obrigatória a informação da TAEG – assim, no Banco X para além de o consumidor ter todas
aquelas informações, tem de ter a indicação da TAEG;
A TAEG será sempre superior ao valor da taxa de juro, porque temos outros custos associados,
e o n.º 1 do art.º 24.º fala em “valores atuais do conjunto das obrigações assumidas”.

Imagine-se que no Banco X a TAEG é 11,4%, e no Banco Y é 11,3% – aqui, a melhor opção é a Y (apesar
de a taxa de juro ser maior), sendo que atenção: este cálculo da TAEG pressupõe o cumprimento (se
houver lugar ao pagamento de juros de mora, etc…, os valores serão superiores);
Temos limites máximos no OJ português quanto à TAEG – art.º 28.º, n.º 1 – o Banco de Portugal,
trimestralmente, atualiza os limites da TAEG (n.º 3);
Art.º 28.º, n.º 6 – consequência da usura – considera-se automaticamente reduzida a metade do limite
máximo atual (que é 13,9%) – no nosso caso, seria reduzido para 6,95% (metade de 13,9%);
Aqui, no contrato da Clara, a TAEG é usurária, porque é superior a 13,9% (no nosso caso é 15%), sendo
que os 13,9% são os limites máximos estabelecidos pelo Banco de Portugal para este semestre;
Assim, aplica-se o n.º 6, havendo lugar à redução da TAEG – redução para a metade do limite máximo
(13,9%/2 = 6,95%);
Logo o contrato mantém-se com um TAEG de 6,95%.

Assim, a Clara pode ver reduzido o valor da TAEG;


Temos também o art.º 10.º do DL 133/2009 – dever que o credor tem de avaliar a solvabilidade do
consumidor:
Neste caso, temos a informação de que, em menos de 20 minutos, C tinha o dinheiro na conta
depois de ter assinado digitalmente o contrato – logo, não foi avaliada a solvabilidade do
consumidor, claramente;
A consequência prevista no diploma para a violação deste dever é a aplicação de uma sanção
contra-ordenacional – C pode denunciar esta prática;
Porque é que o credor tem este dever?
Em primeiro lugar, para proteger o consumidor de si próprio, prevenindo o sobre-
endividamento;
Em segundo lugar, visa também a proteção de um interesse geral na estabilidade do sistema
financeiro (pensar que o sistema poderia colapsar);
Em Portugal não está prevista outra consequência além da sanção contraordenacional –
poderia talvez pedir uma indemnização.

CASO 99: Diamantino entrou no netbanco e surgiu uma janela do seu banco com as frases: “Precisa de
financiamento? Converse connosco sobre os nossos programas de microcrédito”. Diamantino clicou no link,
tendo sido dirigido para um chat com um funcionário do banco. Diamantino explicou que necessitava do
crédito para oferecer uma viagem à mulher, pois fariam 25 anos de casados dali a um mês. O funcionário

112
anuiu e fez a transferência do valor solicitado para a conta de Diamantino. Só quando já estava a nadar nas
águas das Maldivas é que chegou a primeira prestação. Diamantino ficou chocado e percebeu que tinha
aceitado um contrato com uma TAEG de 20%. Pode arrepender-se?

Resposta:
Aqui, temos usura, pelo que podemos reduzir para metade no montante do crédito – 6,95%, se tiver sido
celebrado no segundo trimestre de 2023 – o valor de referência são 6,95%, de acordo com o Banco de
Portugal;
Pode arrepender-se? Não, porque o prazo para o exercício do direito de arrependimento é o período de 14
dias, a contar do momento da celebração do contrato, sendo que já tinha passado um mês;
O contrato mantém-se – não há arrependimento, e a TAEG é de 6,95%.

CASO 100: Manuel e Madalena, namorados, receberam uma chamada no telefone de casa, tendo-lhes sido
prometida a oferta de um iPad, bastanda para tal que se deslocassem à sede da sua junta de freguesia para
o levantar.
No dia e hora definidos (12 de fevereiro de 2022), Manuel e Madalena foram à sede da junta de freguesia
levantar o seu iPad. Foram, então, recebidos por Violeta (representante da Esquemas & Esquemas, Lda.),
que lhes começou a fazer demonstrações de eletrodomésticos “de última geração”, “com tecnologia de
ponta” e “do melhor que há no mercado” (citando Violeta).
Manuel e Madalena disseram várias vezes que não queriam comprar nada e que só estavam ali devido à
promessa do iPad. Ao fim de três horas, já cansados e com vontade de abandonar o local, acabaram por
aceitar comprar um aspirador Bocas 3.42 GTS e um purificador de ar Oxigenis 123s. Foram informados de
que o aspirador custava €780 e o purificador de ar €1220, mas que, por serem clientes especiais, os iriam
levar apenas por € 1975, se aceitassem pagar em prestações, sem juros, através do crédito concedido pela
Creditamos os Seus Sonhos, S.A..
Manuel assinou dois documentos, um “Contrato de compra-e-venda de eletrodomésticos” e um “Contrato de
crédito para a Esquemas”, contendo um conjunto de informações, os quais, depois de assinados por Violeta,
foram entregues a Manuel. Madalena constava do contrato de crédito como fiadora, tendo também assinado
o documento. Não lhe foi, no entanto, entregue uma cópia do mesmo.
No dia 17 de março de 2022, Manuel e Madalena receberam em casa o aspirador, o purificador de ar e o
iPad.
Assim que abriram a embalagem do iPad, perceberam que se tratava de um bem já usado e que, ainda por
cima, não ligava.
O aspirador funcionava, mas, depois de uma pesquisa na Internet, chegaram à conclusão de que se tratava
de um modelo antigo, de 2009, já descontinuado.
Assim que ligaram o purificador de ar à corrente, este explodiu, causando ferimentos graves em Manuel e
Madalena e a destruição do iPad, do aspirador e de outros bens que estavam em casa (estes outros bens,
em conjunto, no valor de € 4500, mas nenhum deles de valor superior a € 200).

113
Quando regressaram do hospital, no dia 19 de maio de 2022, Manuel e Madalena reclamaram junto da
Esquemas & Esquemas, exigindo (i) a entrega de um iPad novo e a funcionar, (ii) a resolução do contrato
de compra e venda do aspirador e do purificador de ar e a imediata devolução dos € 1975 correspondentes
a estes bens e (iii) uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da
explosão do purificador de ar.
A empresa respondeu, refutando a sua responsabilidade no que respeita a esta situação. Em relação ao
iPad, refere que nunca foi prometido um bem novo e que este foi atribuído gratuitamente, pelo que Manuel
não tem qualquer razão para reclamar. Quanto ao aspirador, além de não ter qualquer problema de
funcionamento quando foi entregue, entretanto já está destruído, pelo que Manuel não tem forma de o
devolver. Quanto ao purificador de ar, a empresa remete para o produtor (Oxigenis), que considera ser a
única entidade eventual responsável pela explosão, até porque a Esquemas & Esquemas é apenas a
vendedor, comprando o bem à Oxigenis e não o testando antes de entregar aos clientes. Em qualquer caso,
defende a empresa que os € 1975 nunca poderiam ser devolvidos a Manuel, uma vez que estes lhe foram
entregues pela Creditamos os Seus Sonhos e não por Manuel, que continua a pagar as prestações do
crédito. Acresce que, segundo a empresa vendedora, os direitos de Manuel, a existirem, já caducaram. Em
relação à indemnização, a empresa vendedora também entende não ser responsável, uma vez que agiu
sem culpa.
Imagine que é contactado por Manuel e por Madalena, que lhe pedem para preparar um documento com o
enquadramento jurídico da situação, indicando que direitos têm contra cada uma das empresas envolvidas
no caso (Esquemas & Esquemas, Creditamos os Seus Sonhos, Bocas e Oxigenis).

Resposta:
Temos relação de consumo;
É um contrato celebrado fora do estabelecimento comercial – não à distância, porque as partes estavam
fisicamente presentes na Junta de Freguesia – subalínea vi) da alínea i) do art.º 3.º, do DL n.º 24/2014;
Assim, poderíamos discutir o Direito ao Arrependimento – existe?
Contam-se 14 dias, começando na entrega dos bens (o purificador e o aspirador);

Ora, os bens foram entregues no dia 17 de março de 2022, e já se passaram mais de dois meses
entretanto, quando querem exercer o direito (a 19 de maio);
Porém, o prazo esgotou-se quando eles estavam hospitalizados sem possibilidade de exercer
os seus direitos. Isto é justo?
Apesar de haver norma expressa que o preveja, no mínimo, o prazo deveria interromper-se
enquanto o consumidor está fisicamente impossibilitado de se arrepender;

Para além disso, foram para o hospital por um dano provocado pelo bem entregue pelo
profissional, o que torna mais irrazoável a solução de que o prazo se precludiu.
114
Vamos ao problema da desconformidade – há alguma desconformidade?
Temos três bens – iPad, purificador e o aspirador;
→ Quanto ao iPad:
Isto é diferente de uma situação em que a própria oferta contratual inclui como “oferta” o iPad
– o prof. tem, por isso, dúvidas de que possa ser aplicado o DL n.º 84/2021 (não é descabido
pensar que eles poderiam sair dali só com o iPad);

Mas, ainda assim, temos o art.º 4.º da LDC, e o consumidor tem ainda o direito de exigir do
profissional o cumprimento da promessa feita ao telefone – um iPad novo e a funcionar.

→ Quanto ao aspirador:

Este funcionava, mas chegaram à conclusão que era um modelo antigo já descontinuado – há
desconformidade, uma vez que não corresponde à declaração do profissional (que tinha dito
que era novo e topo de gama);

Aqui, apelar aos requisitos subjetivos de conformidade e também à alínea dos requisitos
objetivos sobre a obrigação e entrega dos bens na versão mais recente;
Reparação é impossível; substituição também não é possível exercer, porque o aspirador ficou
destruído;
Quanto à resolução do contrato, não sendo possível a reposição de conformidade, à partida
seria possível – mas atenção ao art.º 15.º, n.º 9 – não foi a falta de conformidade no aspirador que
levou à deterioração do aspirador, foi a falta de conformidade no purificador (logo, não se aplica este
n.º 9) – só poderia resolver se a falta de conformidade no próprio aspirador tivesse levado ao
perecimento do bem;
O prof. entende que esta alínea deve ser interpretada extensivamente, no sentido de que,
havendo uma desconformidade no bem, o risco de perecimento ou deterioração da coisa corre
pelo risco do profissional – regra geral, o risco transfere-se para o consumidor no momento da
entrega; dá-se uma nova transferência do risco para a esfera do profissional quando se verifica
a desconformidade;
Não faz sentido que, havendo perecimento da coisa, mesmo que não resulte diretamente da
desconformidade da própria coisa, o consumidor não possa resolver o contrato;
Havendo desconformidade, e por qualquer razão não imputável ao consumidor a coisa tenha
perecido, havendo direito de resolução, o consumidor pode exercer os seus direitos – aqui, para
todos os efeitos, o fundamento da resolução é a desconformidade.

→ Quanto ao purificador de ar:


Este explodiu;

O consumidor só tem de provar que houve a explosão, devido à presunção que conhecemos;
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Sendo o profissional que tem de provar que a explosão foi por facto posterior que não lhe seja
imputável (sendo imputável ao consumidor ou a um terceiro);
Há desconformidade, e aqui também é possível resolver o contrato relativo ao purificador.
Outro tema – PCD’s:

O aspirador que era suposto ser de última geração é de modelo descontinuado, é claramente prática
comercial enganosa;

Pode tratar-se também de uma prática agressiva ao nível da insistência para o consumidor contratar os
bens;
 Que direitos é que o consumidor tem?
 Direito à resolução do contrato e à redução do preço.
 Quanto à responsabilidade do produtor – DL n.º 383/99:

Relativamente ao purificador de ar, poderia exigir a resolução ao produtor?

A resolução do contrato não é direito que possa ser exercido junto do produtor (art.º 40.º/1);
Por sua vez, a reparação e substituição não são aqui possíveis – logo, quanto ao próprio
purificador, não temos direitos que possam ser exercidos junto do produtor;
Serão apenas relevantes, quanto ao produtor, os danos em coisa diversa (danos físicos e
sobre as outras coisas), nos termos seguintes:
Danos em coisa diversa – aqui, temos os danos corporais e físicos sofridos, sendo que
quanto aos danos por lesão pessoal não há limite – DL n.º 383/89, art.º 8.º.

Em relação aos demais bens só são indemnizáveis na medida em que excedam os €500
(art.º 9.º do DL 383/89) – não é o valor global dos bens que interessa (esse sim superior a
€500 – €4500), mas sim o valor individual dos mesmos;
Assim, teria de ser pelo regime geral quanto ao montante total dos danos (e aqui seria
preciso provar a culpa do produtor).
Quanto ao argumento de que “já caducou”, invocado pelo profissional?

No regime anterior (DL n.º 67/2003), os direitos do consumidor caducavam se este não comunicasse ao
profissional a desconformidade no prazo de dois meses, contados da tomada de conhecimento (art.º 5.º-A,
n.º 2);

Na Diretiva atual, transposta pelo DL 84/2021, ficava ao critério dos EM’s – mas Portugal entendeu não
prever este ónus de notificação ao profissional;
Mesmo se houvesse prazo para exercício do direito, não decorre o prazo se o consumidor está
fisicamente impossibilitado de exercer o direito, é o mesmo raciocínio que vimos em relação ao direito
ao arrependimento.
Falta falar do contrato de crédito ao consumo (DL n.º 133/2009):
A Madalena é fiadora – os fiadores também têm de receber cópia do contrato? – art.º 12.º, n.º 2 –
também aos garantes deve ser entregue cópia do contrato;

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Art.º 13.º - a consequência é a nulidade, mas atenção ao n-º 2 – a garantia é nula, o que significa que
não há fiança;
Sabemos, à partida, que em relação a Manuel a forma está cumprida;
Que direitos pode Manuel exercer?
 Direito ao arrependimento – ainda está dentro do prazo?

Art.º 17.º – 14 dias a contar da data da celebração do contrato;

O contrato foi celebrado no dia 12 de fevereiro, pelo que já não pode arrepender-se
(sendo que no momento na entrega dos bens já o prazo tinha passado, logo a questão do
hospital não é relevante aqui).
 Ele resolveu o contrato de compra-e-venda; isso não afeta o contrato de crédito?

Temos uma coligação de contratos aqui – como é que o contrato de crédito é afetado?

Art.º 4.º, n.º 1, al. o) – definição de contrato de crédito coligado – o primeiro requisito
está preenchido porque o preço foi pago diretamente pelo banco ao profissional:
Quanto à existência de unidade económica – aqui, o vendedor é representante
do credor – ou seja, se repararmos, foi o credor que recorreu à Violeta para celebrar
o contrato de crédito – há ligação evidente entre os dois contratos.

Qual a consequência de o contrato de crédito ser coligado?

Art.º 18.º, n.º 2 – ou seja, a revogação/resolução do contrato de compra e venda


repercute-se na mesma medida no contrato de crédito coligado – logo, temos também
a resolução do contrato de crédito coligado.

O n.º 3 do art.º 18.º, al. a) – exerce o direito de reparação perante o vendedor, e enquanto
não for reparado não paga as prestações do crédito;

A alínea c) refere-se aos casos em que se resolve o contrato de compra-e-venda e, por


isso, concluindo pela possibilidade de resolver o contrato com base na desconformidade, o
consumidor pode também resolver o contrato de crédito junto do credor;
O n.º 4 estabelece uma norma que protege o consumidor quanto à obrigação de restituir
o capital ao credor – o pressuposto desta norma é o de que o consumidor nunca chegou
a ter o dinheiro – ou seja, o Banco/financiador que fornece o crédito pagou diretamente o
valor ao vendedor, ficando o consumidor a pagar prestações ao Banco/financiador;
Neste caso, se o consumidor resolve o contrato de crédito (sendo que aqui o banco tem
de restituir os juros pagos pelo consumidor), então não vai ter de restituir nada ao credor
– este vai exigir o montante mutuado diretamente ao profissional;
A grande vantagem deste n.º 4 é pôr o risco de insolvência do vendedor no banco e não
no consumidor – imagine-se que o vendedor entretanto fica insolvente – se o consumidor
tivesse de devolver o bem ao vendedor, e depois o dinheiro ao banco, ficava sem o bem e o

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dinheiro; assim, nestas situações, o risco de insolvência do vendedor corre pelo Banco,
porque é ao vendedor que o Banco vai exigir a restituição do capital.
Em suma:

Madalena não tem qualquer responsabilidade aqui porque não é parte em nenhum contrato;

Manuel tem de escolher uma das vias que vimos para o exercício dos seus direitos;
Pedir a solução do caso;
Quanto à Bocas (produtora do aspirador), não há nenhum direito a exercer, já que a desconformidade do
aspirador resulta inteiramente da declaração do vendedor.

NOTA: nos primeiros dois anos, o consumidor só tem de provar a desconformidade, não precisando
de provar que ela já existia no momento da entrega!

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