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O PROCESSO DE ORIENTAÇÃO VOCACIONAL FRENTE AO SÉCULO XXI: PERSPECTIVAS E DESAFIOS

O PAPEL DO ORIENTADOR VOCACIONAL/PROFISSIONAL

AULA 4
Sabe-se que a adolescência é uma fase em que há o
desprendimento da infância e a entrada progressiva no mundo e
no papel adulto; é nesse contexto conturbado que os jovens
precisam assumir uma postura diante da sociedade, tendo que
optar por uma carreira profissional a ser seguida (Müller, 1998).
No início da adolescência, o jovem sente-se descompromissado
com o seu projeto de vida, vivendo, muitas vezes, a ilusão, a
fantasia e o sonho; mas, ao passo em que vai conquistando sua
própria identidade e compreendendo suas próprias
singularidades, tem a necessidade de definir-se, conhecer-se e
de escolher sua profissão com base na sua realidade pessoal e
sociocultural (Golin, 2000).
O jovem se vê diante de uma multiplicidade de profissões, áreas
de estudo, cursos, chegando a ficar, muitas vezes, confuso diante
de tal complexidade. Inicialmente, ele se guiará a partir do mapa
representacional construído por si próprio com base na sua
posição sociocultural e econômica (Silva, 1999b). Na maioria dos
casos, quando os jovens são chamados a refletir sobre as
dificuldades e possibilidades do mercado de trabalho e de se
escolher uma profissão, usam meios não muito seguros,
recorrendo a mitos e ideologias que sem dúvida, os tranqüilizam
e diminuem as suas ansiedades, mas não são verdadeiras saídas
(Junqueira, 1999).
Na sociedade globalizada, onde transformações se
operacionalizam cada vez mais rápido, os jovens sentem-se
pressionados, seja pela própria complexidade do mercado de
trabalho, seja pelo avanço da tecnologia que indica novos rumos
e caminhos a serem seguidos. O orientador vocacional deve
considerar a adolescência como uma fase típica em que ocorrem
grandes crises e transformações, uma síndrome normal (Müller,
1988). Uma das razões que tornam, ainda, mais difícil a transição
do jovem para a fase adulta é o fato de se esperar que ele
assuma novos papéis quando atinge um certo grau de instrução
(Hurlock, 1979).
As marcas das identificações e a vontade de corresponder às
expectativas das pessoas significativas em sua vida são questões
que o jovem tenta atender (Ramos, 2000). Este se vê frente ao
mercado de trabalho e de um grande campo de possibilidades,
passando, assim, por um período de ruptura e tendo que se
posicionar na sociedade (Silva, 1996). O processo de Orientação
Vocacional (OV) surge, por sua vez, como um meio facilitador,
ajudando o jovem a se conhecer melhor, dando,
conseqüentemente, subsídios para que ele faça a escolha mais
adequada (Pimenta, 1981).
Definida como o processo pelo qual o indivíduo é ajudado a
escolher e a se preparar para entrar e progredir numa ocupação,
a OV propicia o desenvolvimento do auto-conhecimento,
aplicando essa compreensão às ocupações (Super & Junior,
1980). Hoje em dia, a OV é o resultado de um certo número de
movimentos, pesquisas e trabalhos que no início tiveram o
objetivo imediato de auxiliar os jovens na escolha de ocupações
adequadas. Coletaram-se e organizaram-se informações e
passou-se a explorar os inventários e testes psicológicos como
recursos a mais, tornando o processo de OV mais complexo e
eficiente (Super & Junior, 1980).
Em todo o decorrer da história, teve-se a necessidade de colocar
as pessoas certas nos locais certos (Pimenta, 1981); sempre
existiu a idéia de que alguns homens podem ser melhores do
que outros para executar determinados trabalhos (Super &
Junior, 1980). Todavia, nem sempre o homem pôde escolher
trabalhar naquilo que gostaria ou que se considerava mais apto
ou capaz
Nos dias atuais, pode-se vir a escolher uma carreira profissional;
se existe essa possibilidade de escolha, existe também a
possibilidade de alguém ajudar o indivíduo a escolher, isto é, de
orientar” (Pimenta, 1981). Toda escolha provoca
necessariamente uma renúncia; ao escolher abandona-se uma
outra opção e isto pode provocar algum sofrimento para o
adolescente.
O Processo de OV surge como uma possibilidade de ajuda para
os jovens, não levando estes a apenas escolherem uma
profissão, mas auxiliando-os a se conhecerem melhor como
indivíduos inseridos em um contexto social, econômico e
cultural. A OV constitui-se num campo de trabalho que intervém
na vida cotidiana dos seres humanos (Azevedo & Santos, 2000),
oferecendo aos indivíduos padrões de mecanismos de adaptação
à vida (Super & Junior, 1980). Esta pode prevenir alguns
transtornos na vida do adolescente, como decepções e ilusões, e
favorecer a melhoria da qualidade de vida em diversos níveis
(Azevedo & Santos, 2000).
Através do processo de OV, os indivíduos se conhecem melhor
como sujeitos reais, percebendo suas identificações,
características e singularidades, ampliando e transformando sua
consciência e adquirindo, assim, melhores condições de
organizar seus projetos de vida e, especificamente no momento,
fazer sua escolha profissional, minimizando as fantasias.
OPERACIONALIZAÇÃO DO PROCESSO DE ORIENTAÇÃO
VOCACIONAL

O trabalho de OV pode ser desenvolvido tanto individualmente


como em grupo. A maioria dos autores opina que tal trabalho
desenvolvido em grupo é mais enriquecedor do que
individualmente.
Todo o trabalho de OV deve ser baseado na troca de
experiências entre os jovens e na reflexão conjunta sobre o
processo de escolha da profissão, reflexão esta que deve ser
organizada e coordenada por profissional(ais) competente(s). É
de suma importância criar condições para que os jovens possam
ter acesso à maior quantidade possível de informações a
respeito das profissões: suas características, aplicações, cursos,
requisitos, locais de trabalho, etc. Na esfera do
autoconhecimento, também devem-se criar condições e
estratégias para que os jovens identifiquem suas aptidões,
interesses e características de personalidade (Bock & Aguiar,
1995). A aplicação de técnicas, testes psicológicos ou outros
recursos só tem sentido e real eficácia quando é verificado em
um contexto amplo, onde cada orientando é único.
DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO PROCESSO DE ORIENTAÇÃO
VOCACIONAL E O PAPEL DO PROFISSIONAL DE OV

Faz-se necessário analisar o papel do profissional de OV diante


das novas condições socioculturais e econômicas e a finalidade
do processo de OV, que deve visar não apenas a informar sobre
carreiras profissionais, e sim, a trabalhar aspectos como o
autoconhecimento e a questão da escolha em si, levando em
consideração o mercado de trabalho.
 O profissional da psicologia deve ter consciência do papel que
irá desempenhar, sendo o auto-conhecimento e o
desenvolvimento de sua própria pessoa uma condição sine qua
non para a sua atuação como profissional. Segundo Müller
(1988), as qualidades desejáveis ao orientador vocacional
seriam: uma sólida formação teórica em psicologia,
principalmente psicologia educacional e do desenvolvimento,
conhecimento em dinâmicas de grupo, técnicas de exploração da
personalidade e psicopatologia, prática clínica, empatia,
equilíbrio emocional para colocar-se no lugar do outro,
reconhecimento de sua própria ideologia, respeito pelos outros
e aceitação dos seus limites.
Ao iniciar um processo de OV, o profissional deve estar
consciente dos seus limites e decidir se deve ou não enfrentar o
caso; segundo Bohoslavsky (1993), o psicólogo vai decidir
enfrentar ou não um processo de OV com o cliente
respondendo, basicamente, às seguintes perguntas: o
adolescente tem possibilidade de adquirir sua identidade
ocupacional sem uma modificação substancial da estrutura de
sua personalidade? Tem maturidade para decidir quanto ao seu
futuro profissional? Tem a possibilidade de empregar sua
percepção, pensamentos e ação a serviço do princípio de
realidade, de prever dificuldades, alcançar sínteses, tolerar
frustrações? Sou a pessoa mais indicada para ajudá-lo? E este é o
momento mais adequado para que se inicie seu processo de OV?
É exigido do profissional de OV uma postura criativa, inovadora e
científica, perfil que deve começar a ser delineado durante a sua
formação acadêmica (Calheiros, Araújo & Silveira, 2000). É
imprescindível que o profissional de OV esteja tranqüilo e seguro
de sua própria identidade; só assim poderá interpretar as
incertezas dos adolescentes (Bohoslavsky, 1993). Além das
características já citadas, a formação do orientador profissional
também deve incluir conhecimentos sobre mercado de trabalho,
empregabilidade, globalização, informações sobre as diferentes
profissões e ocupações, sobre os diferentes cursos e
universidades, além do conhecimento sobre as teorias de
orientação profissional. Segundo Bohoslavsky (1993), só quando
o orientador vocacional possuir uma identidade profissional
amadurecida é que poderá oferecer ao adolescente a
possibilidade de confrontar fantasia com realidade e mundo
interior com exterior.
A função principal do orientador vocacional é a de facilitar o
acesso às informações relativas às profissões e ao mercado de
trabalho, podendo-se identificá-lo este como um intérprete, um
mediador entre o mundo das ciências e do trabalho e o
adolescente que está em vias de escolher uma profissão (Silva,
1999b). Assim, o papel do orientador vocacional deve ser,
primeiramente, o de um facilitador do desenvolvimento
individual (Super & Junior, 1980), devendo estar comprometido
com a sua atividade e sendo competente na medida em que
cumpre com todos os requisitos necessários para obter
resultados fidedignos e com um posicionamento ético diante da
sua profissão.
Outro aspecto questionado é a real finalidade do processo de
OV. Este, ao passo que é entendido como um amplo processo
que induz ao conhecimento, não pode ter apenas a finalidade de
informar sobre carreiras profissionais, e sim, levar o jovem a
fazer uma reflexão no sentido de realizar a sua escolha
profissional de forma amadurecida e consciente. Deve haver
uma conscientização de que em muitos casos os serviços de
orientação profissional – que prestam informações, apenas,
sobre profissões – tem um alcance restrito e, algumas vezes, não
chegam a resultados totalmente satisfatórios.
O autoconhecimento trabalhado na OV deve ser entendido
como um processo contínuo; os interesses e aptidões, assim
como características de personalidade não são estáticos,
mudando conforme a experiência e o tempo. Assim, a melhor
escolha é aquela que o jovem realiza a partir de um maior
conhecimento de si como ser e sujeito ativo de sua própria
história, determinado pela realidade social e econômica, e por
um conhecimento das possibilidades profissionais oferecidas
pela sociedade em que está inserido (Bock & Aguiar, 1995). No
momento da escolha, o jovem tende a idealizar o seu futuro, o
que não é ruim, mas, sem perceber, idealiza a sociedade e o
mercado de trabalho como algo isolado, cristalizado e sem
movimento. Notadamente, tem-se mudado o perfil das diversas
profissões e dos profissionais.
Em termos de referencial teórico, a abordagem clínica é a que
trabalha o processo de escolha de uma forma mais ampla
(Vasconcelos, Antunes & Silva, 1998), investigando possíveis
problemáticas do indivíduo e instigando o adolescente a ter
conhecimento da sua identidade vocacional. O método clínico
possibilita ao orientando pensar nos aspectos mais pessoais de
sua vida, seus temores, inseguranças, fantasias e expectativas.
Nele se podem utilizar técnicas auxiliares como recursos a mais;
essas técnicas incluem: testes projetivos, testes psicométricos,
técnicas não estandardizadas, como questionários,
dramatizações, jogos, técnicas plásticas (desenho, pintura), entre
outros (Müller, 1988).
No trabalho de orientação, deve-se procurar estimular a reflexão
sobre a multiplicidade de aspectos envolvidos na construção do
futuro de uma pessoa. É importante que se trabalhe para que o
jovem compreenda-se como um ser em movimento que pode
mudar seus interesses e possibilidades no decorrer da vida (Bock
& Aguiar, 1995).
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