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PROBLEMA DA POSSIBILIDADE DO CONHECIMENTO

PROBLEMA DA ORIGEM DO CONHECIMENTO

Descartes – resposta racionalista


David Hume – resposta empirista
Descartes:
A resposta racionalista

Descartes:

- é um dos mais importantes filósofos racionalistas;

- Não aceitava a impossibilidade do conhecimento (a posição


cética) e decide levar o desafio cético ao extremo e vence-lo
no seu próprio jogo.

- Ou seja: recorre ao ceticismo como método para provar a


impossibilidade do ceticismo.
Dúvida
- Descartes pensou que se duvidasse de tudo, talvez pudesse encontrar algo de
absolutamente indubitável, ou seja, uma crença básica que fosse de tal modo
autoevidente que nem a mais extrema das dúvidas a pusesse em causa. Uma crença com
estas características constituiria uma base sólida sobre a qual poderia edificar com segurança
o conhecimento.
- Objetivo: era estabelecer um conhecimento seguro e indubitável.

- Método: a dúvida metódica, que consistia em duvidar de tudo o que se possa imaginar e
averiguar se algo resistia a esse processo.
Dúvida metódica

Ao contrário da dúvida cética que era permanente, pois era a conclusão a que os céticos tinham
chegado a partir da sua argumentação, a dúvida cartesiana era provisória, pois era apenas uma
estratégia ou um método para alcançar um conhecimento certo e indubitável. Além disso, enquanto os
céticos sustentavam apenas que devemos suspender o juízo em relação à verdade ou falsidade de
toda e qualquer proposição, Descartes decide rejeitar como falsas todas as proposições que não
fossem absolutamente certas e indubitáveis. Isto faz com que muitos considerem que a dúvida
cartesiana é ainda mais extrema do que a dúvida cética, sendo por vezes chamada «hiperbólica» (ou
exagerada).
Dúvida metódica
Assim, pode dizer-se que contrariamente à dúvida cética, a dúvida cartesiana era:

- Metódica – era um método para encontrar um conhecimento seguro;

- Provisória – subsistia apenas até que se encontrasse algo absolutamente certo e indubitável;

- Hiperbólica – não se limitava apenas a pôr tudo em dúvida, mas rejeitava como falso tudo o
que fosse meramente duvidoso.
Dúvida Para concretizar os seus propósitos, Descartes não precisou de examinar
cada crença isoladamente (tarefa que seria interminável). Se decidirmos
metódica rejeitar todas as crenças minimamente duvidosas, basta debruçarmo-nos
sobre as principais fontes das nossas crenças. Se detetarmos o menor grau
de dúvida numa dessas fontes, temos uma justificação para rejeitar todas as
crenças que dela provenham.
Razões para duvidar
Descartes vai recorrer a uma argumentação cética para pôr em causa tudo aquilo que julgamos
saber, deitar abaixo todas as nossas convicções e verificar
se existe alguma que resista a tamanha devastação.

Estes argumentos são geralmente conhecidos como “razões para duvidar”.

Descartes apresentou várias razões para duvidar:

1. as ilusões dos sentidos;


2. a indistinção vigília-sono
3. os erros de raciocínio
4. a hipótese do génio maligno
As ilusões dos sentidos
Descartes começa por notar que uma grande quantidade das suas crenças provinha dos seus
sentidos e decide averiguar se os sentidos são uma fonte fiável.

O argumento das ilusões dos sentidos leva-o a concluir que não.

De acordo com este argumento, uma vez que os nossos sentidos nos enganam algumas
vezes, nunca podemos saber se nos estão a enganar ou não; portanto, nunca devemos
confiar nas informações adquiridas através deles.
As ilusões dos sentidos

Será este argumento suficiente para nos persuadir de que nunca temos justificação para acreditar
nos nossos sentidos? [Não]

Do facto de que, por vezes, os nossos sentidos nos enganam não se segue que temos boas razões para
nunca confiar neles, até porque a maior parte dessas ilusões pode facilmente ser resolvida recorrendo aos
próprios sentidos.

Por exemplo, posso aproximar-me para ver um objeto mais de perto, posso usar uma régua para fazer
medições mais exatas e, sobretudo, posso sempre usar os outros sentidos para me certificar de que não
estou a ser iludido por um deles.
A indistinção vigília-sonho

Segundo o argumento da indistinção vigília-sono, uma vez que a vivacidade e a intensidade de certos
sonhos nos convencem muitas vezes de que estamos a ter experiências reais, quando na realidade estamos
apenas a sonhar, não temos forma de distinguir as nossas experiências de vigília daquelas que temos
quando sonhamos; consequentemente, as crenças que formamos a partir da experiência
sensível ou são falsas (porque estamos apenas a sonhar) ou, ainda que sejam verdadeiras,
são-no apenas por acaso (porque não podemos saber se estamos apenas a sonhar ou não) e,
portanto, não podem constituir conhecimento.
Erros do raciocínio

Depois de constatar que não podemos confiar nas informações obtidas através dos sentidos, Descartes
vira a sua atenção para as crenças obtidas através do raciocínio.

Estas últimas parecem-lhe bastante mais certas do que as primeiras, pois as verdades da lógica, da
geometria e da matemática não são afetadas pelas ilusões percetivas e não deixam de ser verdadeiras
ainda que estejamos a sonhar.

Quer estejamos a dormir, quer estejamos acordados é verdade que «2 + 2 = 4» e que «Se Smith ou Jones
assaltaram o banco e não foi o Smith, então Jones», etc. Contudo, Descartes apercebe-se que mesmo
estas crenças não são absolutamente certas e indubitáveis, pois podemos cometer erros mesmo nos
raciocínios mais elementares.
Erros do raciocínio

Assim, o argumento dos erros de raciocínio baseia-se na ideia de que todos podemos cometer erros nos
raciocínios mais simples e, por isso, não podemos justificada-mente acreditar em crenças que tenham
origem no nosso raciocínio. Contudo, o argumento parece presumir demasiado. Será que não existem
raciocínios acerca dos quais podemos estar seguros? Descartes acreditava que não. E, para o provar,
concebeu uma das experiências mentais mais famosas da história da filosofia. Em seguida, veremos em
que consiste essa experiência de pensamento e qual é o seu papel no racionalismo cartesiano.
A hipótese do génio maligno

«Vou supor, por consequência, não o Deus sumamente bom, fonte da verdade, mas um certo génio
maligno, ao mesmo tempo extremamente poderoso e astuto, que pusesse toda a sua indústria em me
enganar. Vou acreditar que o céu, a terra, as cores, as figuras, os sons, e todas as coisas exteriores não são
mais que ilusões de sonhos com que ele arma ciladas à minha credulidade. Vou considerar-me a mim
próprio como não tendo mãos, não tendo olhos, nem carne, nem sangue, nem sentidos, mas crendo
falsamente possuir tudo isto. [...] Por conseguinte, suponho que é falso tudo o que vejo. Creio que nunca
existiu nada daquilo que a memória enganadora representa. Não tenho, absolutamente, sentidos; o corpo,
a figura, a extensão, o movimento e o lugar são quimeras. Então, o que será verdadeiro? Provavelmente
uma só coisa: que nada é certo.»
René Descartes, Meditações sobre a Filosofia Primeira
A hipótese do génio maligno

Descartes convida-nos a imaginar que existe um génio maligno, um ser tão


poderoso quanto perverso, que se diverte a usar os seus poderes para nos induzir em
erro relativamente a tudo e mais alguma coisa. A mera hipótese da sua existência faz com
que mesmo as proposições aparentemente mais evidentes da geometria e da aritmética.

Como por exemplo, «Um quadrado é uma figura geométrica com quatro lados iguais» –sejam postas em
causa, pois a certeza que temos acerca delas pode ser fruto das maquinações deste poderoso génio
maligno.
Enquanto a hipótese do génio maligno não for afastada
não podemos estar certos de nada…

(1) Só temos conhecimento se tivermos crenças verdadeiras justificadas.

(2) Se não podemos saber se o génio maligno existe ou não, então a maioria das nossas crenças são falsas,
ou, ainda que sejam verdadeiras, são-no apenas por acaso (pois não temos nenhuma justificação para
acreditar que não se trata demais uma das suas maquinações).

(3) Ora, uma vez que o génio maligno tem o poder de nos fazer acreditar naquilo que ele quiser, não
temos maneira de saber se ele existe ou não.

(4) Logo, não temos conhecimento.


Cogito (a priori)

Depois de levar a dúvida ao seu extremo, Descartes apercebe-se que, ainda que não
possa saber se está, ou não, a ser enganado por um génio maligno, existe algo que pode
saber com toda a certeza: «Penso, logo existo».

Esta crença não pode ser seriamente posta em causa, pois para se poder duvidar do que quer que
seja é preciso existir.

Nota: Daqui em diante, iremos usar a expressão latina cogito para nos referirmos a esta crença.
Descartes expõe a evidência do cogito
nas palavras que se seguem:

«Mas, logo a seguir, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, era de todo necessário
que eu, que o pensava, fosse alguma coisa. E notando que esta verdade: penso, logo existo, era tão firme e
tão certa que todas as extravagantes suposições dos céticos não eram capazes de a abalar, julguei que a
podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava.»

Descartes, Discurso do Método


Refutação do ceticismo

Assim, Descartes encontrou uma forma de refutar o ceticismo por redução ao absurdo.
O seu argumento pode ser sintetizado conforme se segue:

(1) Se fosse verdade que nada se pode saber, então nem sequer poderíamos saber
que existimos.

(2) Mas sabemos que existimos (essa ideia não pode ser seriamente posta em causa).

(3) Logo, é falso que nada se pode saber.


Dualismo cartesiano

Contudo, o cogito não é suficiente para nos assegurarmos de que temos corpo, nem
da verdade das nossas experiências percetivas, porque enquanto a hipótese do génio maligno não
for afastada, todas essas crenças podem resultar da sua enganadora atividade.

Deste modo, Descartes constata que é capaz de imaginar que não tem um corpo sem
que isso implique que não existe, mas não é capaz de duvidar que existe enquanto ser
pensante. Isto leva-o a concluir que é essencialmente uma substância pensante (ou res
cogitans), isto é, uma mente, ou alma imaterial, que existe independentemente do cor-
po e que é de natureza inteiramente distinta do mesmo. Esta perspetiva ficou conhecida
como «dualismo mente-corpo» (ou «dualismo cartesiano»). Assim, enquanto não provar-
mos que o génio maligno não existe, a única coisa que podemos saber é que existimos
enquanto pensamento.
A clareza e a distinção das ideias como
critério da verdade
A descoberta do cogito é de uma importância inquestionável no racionalismo cartesiano, pois representa o
triunfo sobre o ceticismo. Uma vez que o que torna o cogito uma crença tão evidente não é mais do que o
seu elevado grau de clareza e distinção, Descartes decide adotar estas características como critério de
verdade.

Critério de verdade cartesiano: Só devemos considerar verdadeiro aquilo que


(à semelhança do cogito) concebemos de forma absolutamente clara e distinta.
Tipos de ideias
Munido com o seu recém-alcançado critério de verdade, Descartes decide vasculhar a sua mente em
busca de ideias claras e distintas. É, nesse momento, que toma consciência de que existem essencialmente
três tipos de ideias na sua mente:
Ideias adventícias Ideias factícias Ideias inatas

são ideias que não dependem da sua são ideias inventadas pela sua são ideias que não parecem ser
vontade e parecem ser causadas por vontade e imaginação, a partir de causadas por objetos físicos
objetos físicos exteriores à mente outras ideias (exemplos: sereias; exteriores à sua mente nem
(exemplos: ouvir um ruído; ver o sol; unicórnios; centauros;...). dependem da sua vontade (isto é,
sentir o calor das chamas;...). não são criadas pela sua
imaginação); dependem apenas da
nossa capacidade de pensar, ou seja,
correspondem a conceitos
matemáticos – como os conceitos de
número; triângulo; círculo; etc. – e a
conceitos metafísicos – como os
conceitos de substância; verdade; e
Deus.
A ideia de Deus

De entre as várias ideias que Descartes encontra na sua mente, existe uma que se distingue de todas as
outras a ideia de Deus, ou ser perfeito.

Mas por que razão esta ideia é tão especial?

Esta ideia é especial porque provar que Deus existe e não é enganador talvez seja a única forma de
podermos estar certos de muitas outras coisas para além da nossa existência enquanto pensamento,
pois um criador supremo e sumamente bom não nos teria criado de modo a que nunca pudéssemos
conhecer a verdade.

Para provar que Deus existe, Descartes recorre, entre outros, ao chamado «argumento da marca».
Argumento da marca
Para compreendermos melhor o argumento da marca é importante percebermos porque razão a ideia de Deus é uma
ideia inata e não uma ideia adventícia ou factícia.

1) A ideia de Deus não pode ser uma ideia adventícia, uma vez que se trata da ideia de um ser imaterial, esta não
parece ser provocada por objetos materiais exteriores à mente.

2) Não pode ser uma ideia factícia porque é uma ideia demasiado perfeita para ser criada por um ser imperfeito.
Descartes pensava que qualquer causa tinha de ser pelo menos tão perfeita quanto os seus efeitos e, uma vez que
ele próprio reconhecia que duvidava e que não sabia, em suma, que não era um ser perfeito, acreditava que não
podia ser ele a causa de uma ideia tão perfeita quanto a ideia de Deus.

3) Sendo assim, a única alternativa possível era esta ideia estar no seu espírito desde sempre, isto é, ser uma ideia
inata, e ter sido lá colocada por um ser pelo menos tão perfeito quanto ela, ou seja, por Deus, que teria implantado
lá essa ideia no momento da criação, como uma espécie de assinatura, ou marca, do seu criador. Isto significa que,
para Descartes, o simples facto de termos a ideia de Deus é suficiente para podermos concluir que Deus existe.
Argumento da marca

«Depois disto, tendo refletido que duvidava e que, por consequência, o meu ser não era inteiramente
perfeito, pois via claramente que conhecer é uma maior perfeição do que duvidar, lembrei-me de procurar
de onde me teria vindo o pensamento de alguma coisa mais perfeita do que eu; e conheci, com evidência,
que se devia a alguma natureza que fosse, efetivamente, mais perfeita. [...] De maneira que restava apenas
que ela tivesse sido posta em mim por uma natureza que fosse verdadeiramente mais perfeita do que eu, e
que até tivesse em si todas as perfeições de que eu podia ter alguma ideia, isto é, para me explicar com
uma só palavra, que fosse Deus.»

René Descartes
Formulação explícita deste argumento:
(1) Tenho a ideia de «ser perfeito».

(2) Visto que uma causa deve ter pelo menos tanta realidade quanto os seus efeitos, então, se eu tenho a ideia de «ser
perfeito», é porque existe um ser perfeito que é a origem desta ideia.

(3) Existe um ser perfeito que é a origem da minha ideia de perfeição. (De 1 e 2, pormodus ponens)

(4) Ou eu sou o ser perfeito, ou há outra coisa (além de mim) que é o ser perfeito eque deu origem à minha ideia de
perfeição.

(5) Eu duvido.

(6) Se eu duvido, então não sou perfeito.

(7) Não sou perfeito. (De 5 e 6, por modus ponens)

(8) Existe outra coisa (além de mim) que é o ser perfeito e que deu origem à minha ideia de perfeição. (De 4 e 7, por
silogismo disjuntivo)
A premissa 1 corresponde à mera constatação de Descartes de que tem a ideia de
Deus, ou «ser perfeito».

A premissa 2 é uma aplicação da lei da causalidade – segundo a


qual qualquer causa tem de ser pelo menos tão perfeita quanto os seus efeitos – à própria
ideia de Deus, ou «ser perfeito».

A linha 3 segue-se validamente de 1 e 2.

Em 4, Descartes constata que, uma vez demonstrado que tem de existir um ser perfeito, existem apenas
duas possibilidades: esse «ser perfeito» ser o próprio Descartes, ou existir algo além dele
que é esse ser perfeito.

Ora, uma vez que a partir de 5 e 6 Descartes infere que ele próprio não pode ser o ser perfeito

7 já pode concluir validamente que existe algo além dele que é o «ser perfeito».
O papel da existência de Deus
A existência de Deus desempenha um papel crucial no fundacionismo cartesiano, porque é o facto de Deus
existir e não ser enganador que garante a verdade das nossas ideias claras e distintas atuais e passadas.

Descartes reconhece isso nas linhas que se seguem:

E por mais que os melhores espíritos estudem isto, tanto quanto lhes agradar, não creio que possam
apresentar alguma razão que seja suficiente para eliminar essa dúvida, se não pressupuserem a existência
de Deus. Pois, primeiramente, aquilo mesmo que há pouco tomei como regra, isto é, que são inteiramente
verdadeiras as coisas que concebemos muito clara e distintamente, só é certo porque Deus é ou existe, e
porque é um ser perfeito e tudo o que existe dele nos vem. Donde se segue que as nossas ideias ou noções,
sendo coisas reais e que provêm de Deus em tudo aquilo em que são claras e distintas, unicamente podem
ser verdadeiras.

Descartes, Discurso do Método


Este argumento pode ser reconstruído conforme se segue:

(1) Posso confiar naquilo que concebo de forma clara e distinta se, e só se, Deus existe e não é enganador.

(2) Deus existe e não é enganador.

(3) Logo, posso confiar naquilo que concebo de forma clara e distinta. (De 1 e 2).

A premissa 1 estabelece que a existência de Deus é uma condição simultaneamente necessária e suficiente
para que possamos confiar nas nossas ideias claras e distintas. A motivação para esta premissa é o facto de
ser bastante implausível imaginar que um criador sumamente bom nos criaria de forma que nunca
pudéssemos conhecer a verdade.

A premissa 2 é o resultado da argumentação a favor da existência de Deus apresentada anteriormente.

Daqui segue-se que podemos confiar nas nossas ideias claras e distintas (linha 3).
Deus

Assim, uma vez que a existência de Deus é simultaneamente necessária e suficiente


para podermos confiar naquilo que concebemos clara e distintamente, também se segue
destas premissas que, se Deus não existisse, nem sequer nisso poderíamos confiar.
E, na verdade , sem essa garantia seríamos incapazes de avançar um argumento, pois a
verdade de cada premissa deixaria de ser assegurada no momento em que deixássemos de a
conceber clara e distintamente para nos concentrarmos noutro passo do argumento.

Ou seja, Deus não só garante que podemos confiar nas nossas ideias claras e distintas
atuais e passadas, como também assegura que podemos confiar nos nossos raciocínios
apoiados em premissas com essas características.
A partir daqui, Descartes pode deduzir muitas verdades e construir com
segurança o edifício do conhecimento,
apoiando-se naquilo que concebe com clareza e distinção.

Mesmo a existência das coisas materiais, anteriormente posta em causa, adquire um


novo grau de plausibilidade. Descartes pode argumentar a favor da existência dos objetos
materiais conforme se segue:

(1) Se nós temos sensações de alegados objetos materiais e os objetos materiais


não existem, então Deus é enganador.

(2) Ora, temos sensações de alegados objetos materiais.

(3) Mas, Deus não é enganador.

(4) Logo, os objetos materiais existem. (De 1, 2 e 3)


Análise do argumento
A premissa 1 estabelece que se Deus nos tivesse criado de modo a que estivéssemos
permanentemente a representar como existentes coisas que não passam de fantasias,
então Deus seria enganador.

A premissa 2 corresponde à mera constatação de que temos sensações de alegados


objetos materiais, quer estes existam quer não.

A premissa 3 afirma uma trivialidade, afinal de contas Deus é, por definição, um ser per-
feito e, como tal, não pode ser enganador. Assim, em vez de nos fazer representar como
existentes coisas que não passam de fantasias, Deus trataria de nos criar de modo a que
a nossa mente recebesse do corpo as sensações adequadas à sua preservação.

O que significa que as sensações que temos de alegados objetos materiais são efetivamente
provocadas por esses objetos, que, por conseguinte, têm de existir (linha 4).
Mesmo o problema da indistinção vigília-sono parece desvanecer-se, porque, uma vez
provada a existência de Deus e afastada a hipótese do génio maligno, já podemos confiar
nas nossas evidências atuais e passadas e, por conseguinte, não corremos o risco de co-
meter erros devido à indistinção vigília-sono.

Isto porque:
1. quer estejamos a dormir quer estejamos acordados, se concebemos algo de modo claro
e distinto – como uma prova matemática, por exemplo – a sua verdade está assegurada;
2. nos sonhos não é muito claro como é que os acontecimentos se articulam entre si;
3. nos sonhos acontecem coisas demasiado insólitas para serem reais.
Mas se Deus assegura a fiabilidade da nossa razão e das nossas experiências,
então por que razão erramos?

Para Descartes, o erro é da nossa inteira responsabilidade.

Deus, uma vez que é sumamente bom, criou-nos com livre-arbítrio, e isso acarreta a
possibilidade de fazer más escolhas, como optar por dar o nosso assentimento a coisas que
não concebemos clara e distintamente. Deste modo, quando os sentidos nos enganam é
porque nos precipitamos a dar o nosso assentimento a coisas que não concebemos clara e
distintamente, mas apenas de modo confuso e indistinto. Devemos usar a razão – isto é,
recorrer sobretudo à lógica, à geometria e à matemática – para compreender a verdadeira
natureza das coisas.
Objeções à resposta racionalista de Descartes

Objeções aos argumentos céticos

George Moore pensa que o tipo de dúvida cética a que Descartes recorre é tão
extremo que acaba por ter implicações muitíssimo implausíveis e contraintuitivas.
[Objeção à hipótese do génio maligno]

De acordo com Moore, este tipo de argumentos diz-nos basicamente o seguinte:


(1) Não sei se estou num cenário cético (como a hipótese do génio maligno).
(2) Se não sei se estou num cenário cético (como a hipótese do génio maligno)
então não sei que tenho duas mãos.
(3) Logo, não sei que tenho duas mãos (DE 1 e 2, por modus ponens)
Ora, Moore considera que a conclusão deste argumento é tão implausível que é mais
tentador usar a evidência de que temos duas mãos para rejeitar a possibilidade de nos
encontrarmos num cenário cético (como a hipótese do génio maligno).

Com base nesta ideia, Moore sugere então que se construa o seguinte argumento:

(1) Sei que tenho duas mãos.

(2) Se não sei se estou num cenário cético (como a hipótese do génio maligno), então
não sei que tenho duas mãos.

(3) Logo, sei que não estou num cenário cético (como a hipótese do génio maligno).
(De 1 e 2, por modus tollens)

Este argumento é válido e tem premissas bastante plausíveis, e, ao contrário do que


acontece com o argumento anterior, não conduz a uma conclusão absolutamente contraintuitiva
– como a ideia de que não sabemos se temos duas mãos, e, por conseguinte,
este argumento revela-se mais plausível do que o anterior.
Objeções ao cogito
Alguns autores consideram que, contrariamente ao que Descartes pensava, o cogito
não é algo absolutamente certo e indubitável. Descartes não se encontrava em condições
de afirmar que havia um «Eu», isto é, uma única pessoa, a quem aqueles pensamentos
pertenciam.

Tanto quanto lhe era dado conhecer, os pensamentos podiam simplesmente


ser coisas que ocorrem no mundo, tal como as trovoadas.
Claro que esta ideia nos pode parecer despropositada, pois é como se afirmássemos
que podem existir amolgadelas sem haver uma superfície amolgada.
Contudo, ela está longe de ser uma evidência à prova de génio maligno.

Aliás, como é sugerido por David Hume na sua obra Tratado da Natureza Humana, podemos mesmo chegar à
conclusão de que é mais evidente a existência de pensamentos do que a existência de um Eu (de uma mente ou
substância pensante) sobre a qual esses pensamentos repousam.

Hume considera que, ao analisar o conteúdo das nossas mentes, só temos acesso a uma
espécie de feixe de perceções.

Como se estivéssemos a assistir a um filme em que nos limitamos a ver um conjunto de imagens a sucederem-se
umas às outras.

Por mais do que nos esforcemos por descobrir o nosso Eu, acabaremos sempre por tropeçar numa imagem ou
representação numa sensação, numa emoção, num pensamento, numa experiência, etc., mas nunca conseguiremos
captar o Eu.
Objeções ao argumento da marca

Contrariamente ao que é assumido nesse argumento, há quem defenda que:

1. Não podemos compreender a perfeição de Deus;

2. Duvidar é mais perfeito do que saber;

3. Causas mais simples podem originar coisas mais complexas; (lei da causalidade – o menos não pode
dar origem ao mais)

4. Podemos formar a ideia de perfeito por oposição à ideia de imperfeito, sem que isso implique a
existência de um ser perfeito.
Objeções ao círculo cartesiano

A principal objeção ao fundacionalismo cartesiano ficou conhecida como «círculo cartesiano».

Consiste em acusar Descartes de incorrer numa petição de princípio, pois procura estabelecer a existência
de Deus raciocinando a partir de ideias claras e distintas, mas admite que só podemos estar certos de que
as nossas ideias claras e distintas atuais passadas são verdadeiras porque Deus existe.
David Hume:
A resposta empirista
Tal como Descartes, David Hume recorre a uma abordagem fundacionista para
responder ao desafio cético.

No entanto, contrariamente ao que acontecia no racionalismo cartesiano, que encarava a


experiência sensível com enorme suspeita e defendia que o estatuto de crença básica
deveria ser atribuído ao cogito, ou seja, a uma crença cuja verdade pode ser
estabelecida apenas pelo pensamento, o fundacionismo proposto por Hume atribui o
estatuto de crenças básicas justamente às crenças que provêm da
nossa experiência sensível imediata (como, por exemplo: «Estou neste momento a ter
uma experiência da cor azul»).

Isto significa que Hume defendia uma versão empirista de fundacionismo.


Impressões e ideias (a posteriori )

Para Hume, o conteúdo das nossas mentes – as perceções – deriva da experiência e pode ser dividido em
duas categorias: as impressões e as ideias.

Impressões Ideias

são os dados da nossa experiência imediata, como são cópias enfraquecidas das impressões, como
ter uma experiência da cor azul, ter uma dor de recordar que se teve uma experiência da cor azul,
dentes, sentir calor, etc. uma dor de dentes, ou que se sentiu calor, etc.
Ideias simples e complexas
Ideias simples Ideias complexas

correspondem a impressões simples (que não correspondem à combinação de duas ou mais ideias
podem ser decompostas noutras impressões), como, simples, como, por exemplo, uma bola azul.
por exemplo, a ideia de azul. (bola+azul)
As ideias complexas são, então, combinações de
ideias, que podem ter a sua origem na memória e,
nesse caso, têm a mesma configuração que tinham
na experiência, ou na imaginação, e aí as ideias são
compostas de uma forma relativamente livre,
podendo aparecer juntas duas ideias que na
experiência estavam separadas, como acontece com
a ideia de sereia, por exemplo.
Princípio da cópia

Para Hume todas as ideias são, direta ou indiretamente, cópias de impressões.

Este princípio ficou conhecido como «princípio da cópia». Hume recorre ao argumento do cego de
nascença para justificar a sua confiança neste princípio.

ARGUMENTO DO CEGO DE NASCENÇA

1) Se as ideias não são cópias de impressões, então é possível que um cego de nascença
tenha a ideia da cor azul, apesar de não ter qualquer impressão que lhe corresponda.
(2) Um cego de nascença não pode ter a ideia da cor azul.
(3) Logo, as ideias são cópias de impressões. (De 1 e 2, por modus tollens).
Não é possível refutar este argumento…

Hume acreditava que não existia um único contraexemplo relevante capaz de refutar
este princípio, isto é, uma ideia à qual não correspondesse qualquer impressão.

Na sua opinião qualquer que seja o contraexemplo que possamos ter em mente,
acabamos sempre por conseguir mostrar que, afinal, existe uma impressão por detrás
dessa ideia e, por conseguinte, em vez de conseguirmos refutar o princípio da cópia,
acabamos por torna-lo ainda mais plausível.
Questões de facto e relações de ideias
Hume reduz todo o conhecimento humano a dois tipos:

Relações de ideias e questões de facto.

Vejamos o que Hume tem a dizer acerca desta distinção:

«Todos os objetos da razão ou investigação humanas podem ser naturalmente divididos em dois tipos, a saber,
as relações de ideias e as questões de facto. Da primeira espécie são as ciências da geometria, da álgebra e
da aritmética e, em resumo, toda e qualquer afirmação que seja intuitiva ou demonstrativamente certa. [...]As
questões de facto, que são os segundos objetos da razão humana, não são determinadas da mesma maneira, e
tampouco a evidência que temos da sua verdade, por maior que seja, é da mesma natureza que a dos
anteriores. O contrário de toda e qualquer questão de facto permanece sendo possível, porque não pode
jamais implicar contradição e a mente concebe-o com a mesma facilidade e nitidez, como se fosse
perfeitamente conforme à realidade. » David Hume
Relações de ideias

De acordo com Hume, as relações de ideias correspondem ao tipo de conhecimento que pode ser obtido
apenas mediante a análise do significado dos conceitos envolvidos numa proposição.

Por exemplo, para saber que a proposição «Nenhum solteiro é casado» é verdadeira, basta saber o
significado dos conceitos de «casado» e de «solteiro»

Por exemplo, para saber que a proposição «Nenhum solteiro é


casado» é verdadeira, basta saber o significado dos conceitos de «casado» e de «solteiro».

Trata-se de uma verdade necessária, pois a sua negação – «Algum solteiro é casado» –
implica uma contradição nos termos. Este tipo de conhecimento é característico de áreas
como a matemática, a geometria e a lógica, e é um bom exemplo daquilo que anteriormente designámos
por «conhecimento a priori».
Questões de facto
Por sua vez, as questões de facto correspondem ao tipo de conhecimento que só pode ser obtido
diretamente através das impressões (ou seja, através da experiência) e que nos fornece informação
verdadeira acerca do mundo.

Por exemplo, «A neve é branca» é uma questão de facto, pois para se saber que a neve é branca é preciso
ter experiência da neve e da sua cor. Não existe nada nos conceitos de «neve» e de «brancura» que torne a
proposição «A neve não é branca» uma contradição nos termos.

Este tipo de conhecimento é característico das ciências da natureza (como a física, por exemplo) e é um
bom exemplo daquilo que anteriormente designámos por «conhecimento a posteriori».
Segundo Hume, apenas o conhecimento sobre questões de facto nos pode fornecer
informações acerca do mundo, pois as relações de ideias, embora expressem verdades
necessárias, referem-se apenas às relações entre o significado das ideias envolvidas, mas
nada dizem acerca do que existe (é verdade que «Nenhum solteiro é casado», mas isso
não nos diz se existem solteiros, ou não).

Além disso, Hume reconhece que todo o conhecimento sobre questões de facto tem de se
basear na experiência caso contrário corre o risco de não ser mais do que um conjunto de
suposições hipotéticas sem qualquer fundamento.
Investigação sobre o Entendimento Humano
- David Hume-
«Se não partíssemos de algum facto presente à memória ou aos sentidos, os nossos
raciocínios seriam puramente hipotéticos e, por mais que os elos individuais pudessem
estar ligados uns aos outros, a cadeia de inferências, como um todo, nada teria que a pu-
desse sustentar, e jamais poderíamos, por meio dela, chegar ao conhecimento de qual-
quer existência real. Se vos perguntar por que acreditais em algum facto particular que
me contais, tereis de me apresentar alguma razão, e essa razão será algum outro facto
ligado ao primeiro. Mas como não se pode proceder dessa maneira in infinitum, tereis
por fim de chegar a algum facto que está presente na vossa memória ou nos vossos sen-
tidos, ou então admitir que a vossa crença é inteiramente destituída de fundamento.»
Deste modo, Hume rejeita a conclusão do argumento cético da regressão infinita, pois, embora reconheça
que as nossas cadeias de justificações podem, de facto, regredir infinitamente, deixando as nossas crenças
injustificadas, também acredita que estas podem acabar por desembocar em algo autoevidente, presente à
nossa memória ou aos nossos sentidos, que, em última análise, serve de fundamento ou de justificação
para algumas das nossas crenças.

Repare-se como a este respeito a perspetiva de Hume contrasta com a de Descartes.

Para Hume, todo o conhecimento acerca do mundo tem necessariamente um fundamento a posteriori. Ao
passo que Descartes acreditava na possibilidade de haver conhecimento a priori acerca do mundo,
nomeadamente Descartes pensava que, ainda que a experiência sensível seja inteiramente ilusória,
podíamos saber apenas com base no nosso pensamento coisas como: «Eu existo», «Deus existe», «Deus
não é enganador».
Princípios de associação de ideias:
a semelhança, a contiguidade e a causalidade

Hume pretendia mais do que simplesmente classificar os nossos tipos de conhecimento e determinar a
origem das nossas ideias. Ele pretendia ser o Newton da psicologia, ou seja, tal como Newton descobriu
as leis de atração entre os corpos no mundo físico, Hume pretendia descobrir os princípios de atração (ou
associação)de ideias na mente humana.

Na sua opinião existem três princípios de associação de ideias:

a semelhança; a contiguidade; e a causalidade.


Semelhança- consiste na associação de duas ideias que são de algum modo parecidas. A consideração de
uma delas faz-nos pensar na outra.
Por exemplo, é natural que a contemplação de um retrato nos faça pensar na pessoa retratada.
Contiguidade- consiste na associação de duas ideias que correspondem a coisas ou acontecimentos que
são contíguos no espaço ou no tempo. A consideração de uma dessas ideias evoca a outra.
Por exemplo, se sei que a sala de estar se situa no alinhamento da entrada de minha casa, é natural que me
venha à mente a representação de um desses espaços de cada vez que penso no outro. O mesmo acontece
quando dois acontecimentos são contíguos no tempo, se é costume jantar depois do pôr-do-sol, é natural
que pense em comida de cada vez que o sol se põe.
Causalidade/ relação de causa efeito – consiste na associação de duas ideias que ocorre quando
representamos duas coisas ou acontecimentos que nos parecem estar ligados por uma conexão necessária,
ou relação de causa-efeito.
Geralmente diz-se que dois acontecimentos estão ligados por uma relação de causa-efeito quando a
ocorrência de um deles – ao qual damos o nome de «causa» - é suficiente para uma ocorrência do outro –
ao qual damos o nome de efeito.
Assim, é natural que a consideração da causa nos faça pensar no seu respetivo efeito. Por exemplo, se
pensarmos numa ferida é comum pensar na dor que lhe está associada.
Conjunção constante, conexão
necessária e hábito
Conexão necessária – Existe uma conexão necessária entre dois acontecimentos quando a ocorrência de
um deles torna necessária a ocorrência do outro.

Esta ideia coloca um enorme desafio ao empirismo de Hume, pois, visto que a negação
de uma qualquer relação causal não resulta em qualquer contradição, esta ideia não cor-
responde a uma relação de ideias.

Por exemplo, sabemos que o calor causa a dilatação dos metais, mas não é uma contradição
nos termos afirmar algo como: «Os metais não dilatam por ação do calor».
Conjunção constante, conexão
necessária e hábito
Assim sendo, a única alternativa possível é ser uma questão de facto. Contudo, uma vez que
não parece haver nenhuma impressão sensível que corresponda a uma presumível ligação
causal ou conexão necessária entre dois acontecimentos – tudo o que vemos é um
deles ocorrer sempre a seguir ao outro –, não se pode dizer que esta ideia provém da
experiência.

Ou pode?
Problema da causalidade

«Qual a origem da nossa ideia de causalidade


(ou conexão necessária)?»
ou mais precisamente:
«Como pode a ideia de causalidade ter uma origem
empírica, se aparentemente não
existe nenhuma impressão sensível que lhe corresponda?»
Experiência mental: Adão inexperiente

Esta experiência mental consiste em imaginar alguém que embora seja «dotado da mais forte capacidade
e razão natural» ainda não tenha tido qualquer experiência das regularidades do mundo. Como
consequência dessa falta de experiência, por mais dotada que essa pessoa fosse de um ponto de vista
racional, seria incapaz de inferir qualquer efeito apenas pela simples ocorrência da sua causa . Se
imaginarmos que essa pessoa adquire mais experiência do mundo e das suas regularidades, percebemos
que isso bastaria para que se tornasse capaz de fazer tal inferência; a experiência encarregar-se-ia de
mostrar que os referidos acontecimentos aparecem constantemente conjugados, isto é, ocorrem sempre
um a seguir ao outro.
Solução do problema da causalidade

A solução de Hume para o problema da causalidade consiste em assumir que a ideia de


relação causal ou conexão necessária entre dois acontecimentos, mais não é do que a
expetativa de que um deles – o efeito – irá ocorrer sempre que o outro – a causa – ocorra.

Esta expetativa resulta do hábito, ou costume, isto é, da experiência que temos de uma
conjunção constante desses dois acontecimentos.
Conjunção constante

Conjunção constante – Temos experiência de uma conjunção constante entre dois acontecimentos
quando a experiência de um deles surge sempre associada à experiência do outro.

Deste modo, Hume acaba por mostrar que a ideia de causalidade não se funda na razão, mas sim na
experiência, mais precisamente numa impressão interna que consiste na expetativa de que certos
acontecimentos se vão seguir a outros devido à experiencia da conjunção constante entre ambos.
O problema da indução
A solução de Hume para o problema da causalidade mostra-nos que a nossa expetativa de que
causas semelhantes terão efeitos semelhantes se baseia unicamente no há-
bito – ou seja, na nossa experiência de certas regularidades ou repetições – pelo que não
temos legitimidade para postular a existência de uma força ou poder secreto da natureza
que estabelece uma relação causal (ou conexão necessária) entre diferentes objetos ou
acontecimentos.

No entanto, se prestarmos a devida atenção a essa constatação, verificamos que ela


não está isenta de dificuldades. Afinal, que razões temos para acreditar que só porque até
hoje dois acontecimentos apareceram constantemente conjugados o mesmo irá acontecer
daqui em diante?
Conforme vimos anteriormente chama-se «indutiva» a uma inferência que
se baseia num determinado número de casos observados para chegar a uma conclusão
que inclui casos dos quais ainda não tivemos experiência. Mas será racional, a partir da
repetição de um determinado número de casos observados, inferir uma conclusão acerca
de casos ainda não observados?

Ou, dito de outa forma, será que podemos justificadamente confiar nas nossas inferências
indutivas?

Este problema ficou conhecido como


«problema da indução».
Hume considera que não temos forma de justificar racionalmente a nossa confiança
na indução, pois, por maior que seja o número de casos em que experimentamos uma de-
terminada regularidade, jamais estaremos racionalmente justificados a acreditar que essa
regularidade se irá manter no futuro.
A argumentação de Hume pode ser
reconstituída da seguinte forma
(1) A crença de que «a indução é fiável» corresponde a uma relação de ideias, ou a uma questão de facto.
(2) A crença de que «a indução é fiável» não corresponde a uma relação de ideias.
(3) A crença de que «a indução é fiável» corresponde a uma questão de facto. (De 1 e 2, por silogismo
disjuntivo)
(4) Se a crença de que «a indução é fiável» corresponde a uma questão de facto, então só estamos
racionalmente justificados a acreditar nela se podermos estabelecer a sua verdade com base na
experiência.
(5) Só estamos racionalmente justificados a acreditar em que «a indução é fiável» se podermos estabelecer
a verdade dessa crença com base na experiência. (De 3 e 4, por modus ponens)
(6) Não podemos estabelecer a verdade da crença «a indução é fiável» com base na experiência, pois isso
implicaria recorrer à própria indução para justificar a nossa confiança na indução – o que seria uma petição
de princípio.
(7) Logo, não estamos racionalmente justificados a acreditar que «a indução é fiável». (De 5 e 6, por modus
tollens)
A premissa 1 decorre da aplicação da bifurcação de Hume – isto é, da sua divisão de
todos os objetos do conhecimento em duas categorias distintas: as relações de ideias e as
questões de facto – ao caso concreto de crença «a indução é fiável».

A premissa 2 estabelece que esta crença não corresponde a uma relação de ideias,
pois não se trata de uma verdade necessária, cuja negação implicaria uma contradição.
Por exemplo, não é contraditório supor que o Sol não vai nascer amanhã, embora tenha
nascido todos os dias até hoje.

Destas duas ideias segue-se, por silogismo disjuntivo, que a crença de que «a indução
é fiável» é uma questão de facto (linha 3).

Na premissa 4 reforça-se a ideia de que as questões de facto só podem constituir-se


como conhecimento no caso de terem algum suporte empírico.
Daqui segue-se que só estamos racionalmente justificados a aceitar que «a indução é
fiável» se tivermos forma de estabelecer a sua verdade com recurso à experiência (linha 5).

A premissa 6 afirma que recorrer à experiência para justificar a nossa confiança na


indução implicaria cometer uma petição de princípio, pois estaríamos a concluir que «a
indução é fiável» com base na experiência de alguns casos bem-sucedidos de indução, ou
seja, estaríamos a recorrer à própria indução para justificar a nossa confiança na indução.

Ora, daqui segue-se validamente que não estamos racionalmente justificados a acreditar
que «a indução é fiável» (conclusão (7)).
O problema do mundo exterior
A nossa confiança na indução não é a única crença comum cujo fundamento é posto em causa
por Hume.

Sem refletir muito sobre o assunto, todos nós estamos dispostos a assumir a existência de um
mundo exterior às nossas mentes, que não depende da nossa perceção e que é a verdadeira
causa das nossas impressões. Mas segundo Hume, «nada pode estar presente à mente a não ser
uma imagem ou perceção, e [...] os sentidos são apenas as entradas por onde as imagens são
transportadas, sem conseguirem suscitar uma comunicação imediata entre a mente e o objeto »,
portanto, é um erro confundir os objetos exteriores e o mundo exterior à nossa mente com as
nossas perceções dos mesmos.
Para sustentar esta ideia, Hume avança o seguinte argumento:

«A mesa que vemos parece diminuir à medida que dela mais nos afastamos, mas a mesa real, que existe
independentemente de nós, não sofre qualquer alteração; não era, pois, nada a não ser a sua imagem o que
estava presente ao espírito. Estes são os óbvios ditames da razão; e ninguém capaz de refletir jamais
duvidou de que as existências que consideramos quando dizemos esta casa e aquela árvore não passam de
perceções na mente, cópias ou representações transitórias de outras existências que permanecem
uniformes e independentes.»

David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano,


Este argumento pode formular-se da seguinte forma:

(1) Se a mesa que está presente na nossa mente fosse a mesa real (e não apenas uma imagem
ou representação mental da mesma), então o seu tamanho não se alterava em função da
nossa perspetiva.

(2) Mas a mesa que está presente na nossa mente parece diminuir à medida que dela mais nos
afastamos, ou seja, o seu tamanho altera-se em função da nossa perspetiva.

(3) Logo, aquilo que está presente na nossa mente não é a mesa real, mas sim uma imagem ou
representação mental da mesma.
O problema do mundo exterior

Hume considera que, uma vez que se trata de uma questão que diz respeito à existência, uma
investigação desta natureza deve ser resolvida com recurso à experiência.

Mas a nossa experiência não pode alguma vez estender-se para além das nossas impressões
e estas, conforme acabámos de constatar, não devem ser confundidas com os objetos
exteriores em si mesmos considerados.

Assim, uma vez que nunca poderemos sair do interior das nossas mentes, isto é, só temos
acesso às nossas perceções, nunca seremos capazes de verificar se, de facto, existem objetos
exteriores que são a causa das mesmas.
O ceticismo moderado de Hume

Embora sustente que a crença na indução e no mundo exterior não são racionalmente
justificáveis, Hume não considera que estas devem ser abandonadas, pois não podemos
viver sem as assumir como verdadeiras. Não podemos deixar de nos apoiar em certas
regularidades para prever acontecimentos futuros (dos quais ainda não tivemos experiência).

Nem poderemos deixar de assumir que existe um mundo real para lá das nossas
mentes. Assim, Hume acaba por defender apenas a adoção de um ceticismo moderado
como forma de nos protegermos contra o dogmatismo, as decisões precipitadas e as
investigações demasiado especulativas, distantes da experiência e sem suporte empírico.
Objeções à resposta empirista de Hume
O contraexemplo do tom de azul desconhecido

O próprio David Hume prevê a possibilidade de se encontrar um contraexemplo ao princípio da cópia:

«Suponhamos [...] que uma pessoa foi dotada de visão durante trinta anos e se familiarizou perfeitamente
com cores de todos os tipos, com exceção, digamos, de um determinado matiz de azul, com o qual nunca
calhou se deparar. Suponhamos que todos os diferentes matizes dessa cor, com exceção daquele único, sejam
colocados perante essa pessoa, descendo gradualmente do mais escuro para o mais claro. É óbvio que ela
perceberá um vazio no lugar onde falta aquele matiz, e perceberá que nesse lugar há uma distância entre as
cores contíguas maior do que em qualquer outro. Assim, a minha pergunta é se lhe seria possível, a partir
da sua própria imaginação, suprir essa deficiência e trazer à sua mente a ideia daquele matiz em particular,
apesar de este nunca lhe ter sido transmitido pelos sentidos. Acredito que poucos serão de opinião de que
tal não lhe seja possível, o que pode servir como prova de que as ideias simples nem sempre são, em todos os
casos, derivadas das impressões correspondentes, embora este exemplo seja tão singular que quase não vale
a pena assinalá-lo, e tampouco merece que, apenas por sua causa, devamos modificar a nossa tese geral.»

David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano


O contraexemplo do tom de azul
Este contraexemplo consiste em imaginar uma situação em que alguém é colocado perante
uma vasta gama de tons de azul, tendo um dos tons de azul sido propositadamente
escondido.

Alguém que nunca tenha tido experiência desse particular tom de azul, pode,
ainda assim, formar uma ideia a seu respeito, mesmo na ausência de uma impressão que
lhe corresponda. Ora, isso não seria possível se, de facto, todas as nossas ideias fossem
cópias de impressões.

Embora David Hume desvalorize este contraexemplo, a verdade é que ele pode minas a nossa
confiança no princípio da cópia.
Objeção à conceção humeana de
causalidade Thomas Read
Thomas Reid, um filósofo escocês contemporâneo de Hume, rejeita a análise humeana do conceito de
causalidade em termos de conjunção constante. Na sua opinião, haver uma conjunção constante entre dois
acontecimentos não é nem uma condição suficiente, nem uma condição necessária para que exista uma
relação de causalidade entre ambos. Não é suficiente, porque existem acontecimentos que se sucedem
constantemente sem que sejam a causa um do outro, como o dia e a noite, por exemplo. Não é necessária,
porque existem acontecimentos que se encontram numa relação causal, embora não surjam constantemente
associados. Como acontece nos casos em que há uma ocorrência única desse tipo de relação (ou quando se
trata da primeira ocorrência da mesma). Por exemplo, no que diz respeito à origem do universo, não
podemos dizer que há uma conjunção constante entre a sua causa e o seu efeito, o que significa que a teoria
humeana da causalidade tem a estranha implicação de que o universo não teve uma causa.
Reid expõe-nos esta crítica nos termos
que se seguem:

O senhor Hume tem defendido que só temos esta noção de causa: algo que é anterior ao efeito e que, de
acordo com a experiência, foi seguido constantemente pelo efeito.[...] Seguir-se-ia desta definição de
causa que a noite é a causa do dia e o dia a causa da noite. Pois, desde o começo do mundo, não houve
coisas que se tenham sucedido mais constantemente. [...] Seguir-se-ia [também] desta definição que tudo
o que seja singular na sua natureza, ou que seja a primeira coisa do seu género, não pode ter uma causa.»

T. Reid, Essays on the Active Powers of Man


Objeção baseada na argumentação a favor da melhor
explicação Bertrand Russell

Bertrand Russell rejeita as conclusões céticas de Hume pois considera que a sua ideia de «fundamento
racional» (ou «racionalmente justificável») é demasiado restrita.

Hume parece admitir que nenhuma crença está racionalmente justificada, a menos que exista uma prova
definitiva da sua verdade. Para Russell, pode ser racional acreditar numa crença, mesmo na ausência
deste tipo de prova, pois pode simplesmente acontecer que de entre as alternativas disponíveis para
explicar a nossa experiência exista uma hipótese mais plausível do que todas as outras, pelo que é mais
racional acreditar na sua verdade, do que em qualquer uma das alternativas.

Chama-se a esta forma de argumentação « abdução» ou, mais especificamente, argumentação a favor da
melhor explicação.
Objeção baseada na argumentação a favor da melhor explicação
Bertrand Russell

Russell acredita que a existência de um mundo exterior às nossas mentes, regido pelo
princípio da causalidade, é uma explicação da nossa experiência muito mais simples e
apelativa do qualquer cenário cético que possamos imaginar e por isso considera que
estamos racionalmente justificados a acreditar nisso. O mesmo se aplica à ideia de
causalidade: é mais razoável aceitarmos que o mundo é, de facto, regido por relações causais,
do que assumir que a existência de conjunções constantes é apenas acidental.

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