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DIREITO COMERCIAL I

PROF. MENEZES CORDEIRO

2007-2008
CAPÍTULO I: COMÉRCIO E COMERCIANTES

Actos de Comércio

§1: SENTIDO OBJECTIVO. Os actos de comércio em sentido objectivo são aqueles que

se encontram especialmente regulados no Código [art. 2º, 1ª parte]. Esta primeira noção

denota a relação de especialidade entre o direito comercial, especial, e o direito civil, geral e

de aplicação subsidiária.

Cumpre, todavia, interpretar o disposto: actos comerciais em sentido objectivo são

também aqueles que historicamente haviam sido consagrados no Código, embora hoje

pertençam a legislação extravagante: o trespasse [art. 1112º CC], vg.

Reformulando o disposto no art. 2º, conclui-se: os actos de comércio em sentido

objectivo são aqueles que se encontram, ou se encontraram outrora, especialmente regulados

no Código e na lei comercial geral, considerando o objecto e os interesses em questão. Nestes

termos, o contrato de trabalho não é objectivamente comercial.

§2: ANALOGIA. Dado o teor de tipicidade fechada do art. 2º, aliado a razões de

segurança jurídica, poder-se-ia dizer que a qualificação de actos comerciais por analogia seria

proibida.

Todavia, cumpre recordar que as normas comerciais são especiais e não excepcionais,

susceptíveis, por isso, de aplicação analógica nos termos gerais do art. 10º CC. Mas nem por

isso se diga que a aplicação analógica das mesmas deva ser automática: MENEZES CORDEIRO

impõe alguma cautela nesse raciocínio. Nestes termos, se o regime de um acto for comercial e

especial, encontrando-se numa relação de instrumentalidade com um acto comercial [vg

depósito, penhor ou mútuo/empréstimo, se não estivessem já consagrados no Código], o

mesmo poderia ser qualificado como acto comercial em sentido objectivo, mediante analogia

iuris.

Ainda que a teoria da acessoriedade se considere hoje abandonada, esta apreciação


casuística do preenchimento de lacunas comerciais é possível: MENEZES CORDEIRO sustenta,

assim, a aplicação analógica das regras da culpa in contrahendo aos contratos comerciais.

§3: SENTIDO SUBJECTIVO. São actos comerciais em sentido objectivo os contratos e

obrigações dos comerciantes, com capacidade para tal, que façam do comércio profissão. A

natureza dos mesmos não pode, todavia, ser exclusivamente civil, e o contrário não pode

resultar do próprio acto [art. 2º, 2ª parte]. Explicitemos.

Afastaremos quaisquer propostas de interpretação actualista que reconduzam o

disposto no art. 230º a actos subjectivamente comerciais: o legislador originário não conhecia o

conceito de pessoa colectiva, pelo que ao elencar “empresas comerciais” referia-se, tão-só, a

actos objectivamente comerciais.

A capacidade comercial dos comerciantes [art. 13º] coincide com a capacidade civil,

pelo que o art. 7º deve ser remetido para as regras gerais da capacidade de gozo e de

exercício.

Por outro lado, pratica, de facto, o comércio, o comerciante que celebre contratos e

actos elencados nos arts 463º e 464º.

A natureza do acto não pode ser exclusivamente civil: para MENEZES CORDEIRO serão

actos exclusivamente civis aqueles que, no momento considerado, não sejam regulados pela lei

comercial geral. OLIVEIRA ASCENSÃO vai mais longe: será exclusivamente civil o acto que o

direito comercial geral, pela sua natureza, não possa regular [inclua-se os actos relativos ao

direito da família e sucessões e as doações comerciais, vg]. COUTINHO DE ABREU assume uma

interpretação mais extensiva, nos termos seguintes: é exclusivamente civil o acto que não

tenha qualquer conexão com o comércio em geral [assim, a doação já seria considerada um

acto comercial].

A comercialidade deve ser afastada quando o contrário resulte do acto: de

circunstâncias que o acompanhem, em nada relacionadas com o giro comercial, enfim.

Eis o esquema a reter:

1 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC.


o Pratique, de facto, o comércio: arts 463º e 464º.

2 Natureza não exclusivamente civil

3 O contrário não resulta do acto

§4: COMERCIANTES. Nem todos os que praticam actos de comércio devem ser

considerados comerciantes. Nestes termos, é comerciante [art. 13º] quem:

4 Tenha capacidade para tal [art. 7º e regras gerais do CC]

5 Pratique, de facto, o comércio: arts 463º e 464º

6 Faça do comércio profissão, com indícios de profissionalidade:

o Prática reiterada e habitual [não necessariamente contínua]

o Intenção lucrativa

o Actividade juridicamente autónoma [em nome próprio]

o Organização de meios e de recursos

o Actividade tendencialmente exclusiva

São pessoas semelhantes a comerciantes, ainda que não o sejam para efeitos do art.

13º: todas as entidades autónomas que pratiquem actos com fins lucrativos e que para tal

disponham de uma organização de meios mínima. Caso a caso cumpre determinar se o

mandatário comercial, com ou sem representação [mero comissário], ou se profissionais

liberais de grandes sociedades, vg, possam ser reconduzidos à categoria geral de comerciante.

MENEZES CORDEIRO pronuncia-se afirmativamente, embora exclua os trabalhadores nos

termos de um contrato de trabalho e os profissionais liberais em geral.

§5: ACTOS UNILATERAIS. Quando concluirmos por um acto objectivamente comercial o

direito a aplicar é o direito comercial. Será unilateral o acto de comércio só com relação a uma

das partes [art. 99º]:


7 Quando objectivamente comercial para uma parte apenas: regime comercial

8 Quando subjectivamente comercial para uma parte apenas: regime comercial

A lei comercial rege quanto a todas as partes, enfim. Salvo se o contrário resultar da

própria lei.

§6: SOLIDARIEDADE. As obrigações comerciais podem ser:

· Singulares

· Plurais [co-obrigados]:

o Parciárias [art. 513º CC]: regra geral

o Solidárias [art. 100º]: regra especial, quando resulte da lei ou da

vontade das partes – o cumprimento da obrigação, por um dos

devedores, exonera os restantes perante o mesmo credor.

§ Os co-obrigados são solidários:

§ Salvo estipulação em contrário

§ §u.: disposições não extensivas aos não comerciantes

quanto aos contratos que não constituírem actos

comerciais

Conclui-se: aferir da solidariedade das obrigações comerciais equivale a analisar a

comercialidade dos actos praticados, enfim.

A e B, agricultores, vendem os produtos que cultivam numa feira, na qual C, pintor,

também vende as suas obras.

A, B e C compraram em conjunto uma carrinha à Sociedade X e combinaram o

pagamento do preço 60 dias depois da entrega da carrinha.


Entretanto, A, B e C zangaram-se antes do pagamento do preço: pode a Sociedade X

demandar apenas A?

Compra da carrinha em conjunto: obrigação solidária?

Nada nos é dito, no caso, relativamente a qualquer convenção celebrada entre as

partes a esse respeito. Cumpre verificar o preenchimento dos pressupostos do art. 100º:

Nas obrigações comerciais os co-obrigados são, em princípio, solidários:

9 Salvo estipulação em contrário

10 Salvo tratar-se de não comerciantes quanto aos contratos que não


constituírem actos comerciais

Uma vez mais o caso é omisso quanto a estipulação das partes: resta-nos, assim, aferir

se a compra da carrinha é um acto comercial [art. 2º, 1ª e 2ª parte].

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

11 Actos especialmente regulados no Código: art. 463º-1 e 464º-1. Não!

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

12 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:

§ Agricultor: art. 464º-2. Não!

§ Pintor: art. 464º-3. Não!

13 Natureza não exclusivamente civil

14 O contrário não resulta do acto

A compra da carrinha não é um acto de comércio pelo que não se aplica o disposto no

art. 100º. Afastada a regra especial, resta-nos a regra geral: a obrigação é parciária nos termos

do art. 513º CC.


Pode a Sociedade X demandar apenas a A?

Se a obrigação incumprida é parciária, a Sociedade X não pode demandar apenas a A:

cada um deve responder pela dívida na sua quota-parte e o cumprimento da obrigação, por um

dos devedores, não exonera os restantes perante o mesmo credor.

A venda da carrinha pela Sociedade X é comercial?

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

15 Actos especialmente regulados no Código: art. 463º-3. Sim!

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

16 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:

§ Comerciante: art. 13º-2. Sim!

17 Natureza não exclusivamente civil

18 O contrário não resulta do acto

Trata-se de um acto comercial, quer em sentido objectivo, quer em sentido subjectivo.

Considerando que a venda da carrinha é comercial, embora a compra não o seja, trata-

se de um acto de comércio unilateral, nos termos dos art. 99º: acto de comércio só com

relação a uma das partes.

H, advogado, dedica-se à pintura nas horas vagas.

Um dia, comprou cinco quadros a uma galeria de arte e, arrependido, vendeu-os a I,

comerciante de arte.

I contratou com a Gulbenkian o depósito dos quadros por um período de seis meses e
contratou ainda um guarda para vigiá-los.

Os actos descritos são comerciais ou civis?

Actos comerciais ou civis?

1. Compra de cinco quadros por H, advogado: acto civil.

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

19 Actos especialmente regulados no Código: art. 463º-1 e 464º-1. Não!

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

20 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:

§ Advogado: profissão liberal. Não!

21 Natureza não exclusivamente civil

22 O contrário não resulta do acto

2. Venda de cinco quadros a H por uma galeria de arte: acto comercial unilateral.

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

23 Actos especialmente regulados no Código: art. 463º-3. Sim!

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

24 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:

§ Galeria de arte: art. 13º-1. Sim!

25 Natureza não exclusivamente civil

26 O contrário não resulta do acto


3. Venda de cinco quadros por H, advogado, a I, comerciante de arte: acto civil.

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

27 Actos especialmente regulados no Código: art. 463º-3 e 464º-1. Não!

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

28 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:

§ Advogado: profissão liberal. Não!

29 Natureza não exclusivamente civil

30 O contrário não resulta do acto

4. Compra de cinco quadros por I, comerciante de arte: acto comercial unilateral.

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

31 Actos especialmente regulados no Código: art. 463º-1. Sim!

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

32 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:

§ Comerciante de arte: art. 13º-1. Sim!

33 Natureza não exclusivamente civil

34 O contrário não resulta do acto

5. Contrato de depósito celebrado entre I e Gulbenkian: acto comercial.

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

35 Actos especialmente regulados no Código: o depósito [art. 403º] é


considerado um acto de comércio instrumental, acessório ou por conexão,
tal como o penhor ou o mútuo/empréstimo. Mesmo se não estivesse

consagrado no Código, a teoria da acessoriedade permitiria que uma lacuna

comercial fosse preenchida, mediante analogia iuris, por um acto não

comercial que se encontrasse numa relação de instrumentalidade com um

acto comercial.

Aferida a comercialidade do acto em sentido objectivo, não há necessidade de

prosseguir, analisando agora o sentido subjectivo. Conclui-se: acto de comércio instrumental.

6. Contrato de prestação de serviços celebrado entre I e um guarda: acto comercial

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

36 Actos especialmente regulados no Código: art. 1154º CC. Não!

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

37 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:

§ Comerciante de arte: art. 13º-1. Sim!

38 Natureza não exclusivamente civil

39 O contrário não resulta do acto

§7: RESPONSABILIDADE DO CASAL. A responsabilidade dos bens comuns do casal não

equivale a solidariedade nas obrigações. As dívidas conjugais podem, assim, ser:

40 Comunicáveis [art. 1691º-1d) e 1695º CC e art. 15º]: responsabilização de


ambos os cônjuges se as dívidas foram contraídas em proveito comum ou se

não vigorar o regime de separação de bens.


o Respondem os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência

destes, os bens próprios de cada um, solidariamente.

41 Incomunicáveis [art. 1692º e 1696º CC]: responsabilização do cônjuge a que


respeitam se as dívidas foram contraídas em proveito próprio ou se vigorar

o regime de separação de bens.

o Respondem os seus bens próprios e, subsidiariamente, a sua

meação nos bens comuns.

Regra especial [art. 15º]: as dívidas do cônjuge comerciante presumem-se contraídas

no exercício do seu comércio. Requisitos cumulativos para que esta presunção se verifique:

42 Cônjuge comerciante [aferida a profissionalidade da sua actividade]

43 Dívida comercial [proveniente de acto de comércio]

Os argumentos que apontam no sentido da profissionalidade de uma determinada

actividade não equivalem à determinação da prática de actos comerciais em sentido objectivo

ou subjectivo, como já analisado supra.

J trabalha no Banco A entre as 9h e as 5h.

Iniciou um negócio de venda de selos num pequeno quiosque, onde permanecia

diariamente das 6h às 7h. Para tal, contratou um empregado, M, para o ajudar e lá

permanecer durante o horário de expediente.

O negócio começou a correr mal pelo que J deixou de pagar os ordenados a M.

Pela dívida de J respondem os bens comuns do casal?

Aferir a profissionalidade da actividade praticada


Requisitos de profissionalidade:

44 Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

45 Pratica de facto o comércio: art. 463º-1 e 463º-3. Sim!

46 Faz do comércio profissão: indícios de profissionalidade

o Prática reiterada. Sim!

o Intenção lucrativa. Sim!

o Actividade juridicamente autónoma. Sim! Já M, por seu lado, nunca

poderá ser considerado um comerciante porque os efeitos da sua

actividade se repercutem na esfera de J, no âmbito de um contrato

de trabalho.

o Organização de meios e de recursos. Sim! [o quiosque de filatelia]

o Actividade tendencialmente exclusiva. Não!

47 Apesar de o último dos indícios não se verificar no caso, MENEZES


CORDEIRO considera que esses elementos não constituem verdadeiros

requisitos e que o sistema é móvel: poder-se-á dispensar um indício, desde

que os outros sejam inequívocos. É o caso: o facto de a actividade de

filatelia consistir num hobby não exclui a sua comercialidade.

48 Já OLIVEIRA ASCENSÃO considera que a exclusividade da actividade nem


sequer consiste num verdadeiro indício. Sob este prisma, verifica-se o

preenchimento de todos os verdadeiros indícios de profissionalidade.

Conclui-se: J é comerciante.

A dívida é comercial?

Para sabermos se a dívida de pagamento do ordenado a M é comercial cumpre seguir os

passos já conhecidos que concluem pela comercialidade objectiva ou subjectiva de um acto.


Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

49 Actos especialmente regulados no Código: Não! O contrato de trabalho não


é objectivamente comercial porque se encontra regulado no Código de

Trabalho.

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

50 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:

§ Comerciante de filatelia: é comerciante, conforme

analisado supra. Sim!

51 Natureza exclusivamente civil: Sim! O acto em questão não se encontra


regulado pela lei comercial, num momento considerado, na opinião de

MENEZES CORDEIRO. Se adoptássemos a posição de OLIVEIRA ASCENSÃO, a

conclusão seria a mesma: o acto em causa não está regulado pela lei

comercial, no seu todo, e é insusceptível de o ser dada a natureza do

contrato de trabalho, que pretende proteger a parte mais fraca [o

trabalhador]. O direito comercial, por seu lado, pretende proteger os

comerciantes.

52 O contrário não resulta do acto

Conclui-se: J é comerciante mas a dívida resultante do contrato de trabalho não é

comercial. Os requisitos de preenchimento da presunção do art. 15º são cumulativos, pelo que

o mesmo não se aplica, nem o disposto nos arts 1691º-1d) e 1695º CC. Resta-nos concluir pela

exclusiva responsabilização de J pela dívida contraída: respondem os seus bens próprios e,

subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns [arts 1692º e 1696º CC].

N, dono de uma mercearia, é casado com O em regime de comunhão de adquiridos.

No casino, um dia, perdeu avultada quantia, e nunca pagou a respectiva dívida. Não
pagou as dívidas de fornecimento de batatas e de encomenda de iogurtes.

Os bens comuns do casal respondem por estas dívidas?

Dívidas comerciais e responsabilidade dos cônjuges

O casal será responsabilizado se as dívidas forem contraídas no exercício do comércio.

Cumpre relembrar o disposto no art. 15º: as dívidas comerciais do cônjuge comerciante

presumem-se contraídas no exercício do seu comércio.

Aferir a profissionalidade da actividade praticada

Requisitos de profissionalidade:

53 Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

54 Pratica de facto o comércio: art. 463º-1 e 464º-1. Sim!

55 Faz do comércio profissão: indícios de profissionalidade

o Prática reiterada. Sim!

o Intenção lucrativa. Sim!

o Actividade juridicamente autónoma. Sim!

o Organização de meios e de recursos. Sim!

o Actividade tendencialmente exclusiva. Sim!

As dívidas são comerciais?

Dívida contraída no casino:

A exploração dos casinos deriva de contratos administrativos de concessão celebrados

por sociedades comerciais que, ao abrigo do art. 1º CSC, têm por objecto a prática de actos de

comércio. Considera-se que as obrigações contraídas nos casinos não são naturais porque delas
cabe recurso para os tribunais [art. 1245º CC].

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

56 Actos especialmente regulados no Código: art. 1245º CC e legislação


especial. Não!

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

57 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:

§ Merceeiro: art. 13º-1. Sim!

58 Natureza não exclusivamente civil

59 O contrário resulta do acto: N contrai as dívidas no casino não enquanto


comerciante, mas sim enquanto cidadão comum. Não é por ser comerciante

que todas as actividades por ele praticadas sejam comerciais.

Conclui-se: não é um acto de comércio, nem objectiva, nem subjectivamente. Como

tal, o art. 1691º-1d) CC não se aplica e resta-nos o disposto no art. 1696º CC: as dívidas

contraídas no casino são da exclusiva responsabilidade de N e respondem os seus bens próprios

e a sua meação nos bens comuns, subsidiariamente.

Dívidas contraídas nos contratos de fornecimento de batatas e de iogurtes:

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

60 Actos especialmente regulados no Código: art. 463º-1. Sim!

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

61 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:


§ Merceeiro: art. 13º-1. Sim!

62 Natureza não exclusivamente civil

63 O contrário não resulta do acto

Conclui-se: as dívidas contraídas são comerciais e, já o sabíamos, N é comerciante.

Preenchidos os requisitos cumulativos do art. 15º, a presunção aplica-se e presumem-se as

dívidas em questão contraídas no exercício do seu comércio. O disposto no art. 1691º-1d) CC

aplica-se. Cumpre apreciar, todavia, se as excepções da referida alínea procedem ou não:

64 Dívidas que não foram contraídas em proveito comum

65 Regime de separação de bens

Se se verificarem: aplica-se o disposto no art. 1696º CC e são da exclusiva

responsabilidade de N.

Se não se verificarem: aplica-se o disposto no art. 1695º CC e são da responsabilidade

de ambos os cônjuges.

No caso em análise devemos considerar que as dívidas foram contraídas em proveito

comum, bastando para o facto a intenção, lato sensu, e não o proveito em termos

patrimoniais. Por outro lado, nada nos é dito em relação ao regime de separação de bens. As

excepções não se verificam e, como tal, pelas dívidas dos contratos de fornecimento de

iogurtes e de batatas respondem os bens comuns de ambos os cônjuges e os bens próprios de

cada um, solidariamente [art. 1695º CC].

CAPÍTULO II: ESTABELECIMENTO COMERCIAL

§1: ESTABELECIMENTO. O estabelecimento comercial é, para MENEZES CORDEIRO, o

conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas devidamente organizadas para a prática de

comércio. Nestes termos, corresponde à unidade funcional cujo objectivo é a obtenção de

lucro através da conquista de clientela.


§2: ELEMENTOS. Desta primeira noção podemos concluir pelos seguintes elementos

caracterizadores do estabelecimento comercial:

66 Elementos activos:

o Coisas corpóreas:

§ Bens materiais relativos a imóveis e móveis

§ Direitos reais e pessoais de gozo relativos a imóveis

o Coisas incorpóreas:

§ Propriedade industrial [marcas, patentes, know-how]

§ Posições contratuais

o Clientela: conjunto real ou potencial de pessoas dispostas a contratar

com o estabelecimento.

o Aviamento: A mais valia que resulta da aptidão funcional do

estabelecimento. A unificação de todos os elementos, enfim. Para

COUTINHO DE ABREU trata-se de um “bem jurídico novo”. Critério

decisivo para aferir a existência de um estabelecimento. Há

estabelecimento, na medida em que há aviamento.

67 Elementos passivos:

o Obrigações e dívidas contraídas pelo comerciante

§3: TRANSMISSÃO DO ESTABELECIMENTO. Aferida a existência de um verdadeiro

estabelecimento comercial, o mesmo pode ser transmitido nos termos seguintes:

68 Transmissão definitiva: trespasse, regime excepcional

69 Transmissão temporária: cessão de exploração, regime geral

§4: TRESPASSE. O trespasse consiste na transmissão definitiva da titularidade do

estabelecimento comercial, no seu todo, sem perda de aptidão funcional [do aviamento,
enfim]. Pode ser celebrado mediante qualquer contrato com eficácia translativa da titularidade

do direito [vg compra e venda, doação, troca ou dação em cumprimento]. O principal efeito

resulta da transmissão da propriedade relativamente a esse estabelecimento, ou do direito

pessoal de gozo do arrendatário, mais frequentemente. Eis os traços gerais do regime do

trespasse, de natureza excepcional face ao regime geral da cessão de exploração:

70 Está regulado no CC [art. 1112º CC] mas é considerado legislação comercial,


maxime acto comercial em sentido objectivo, por razões históricas e pela sua

natureza: protecção do interesse e do desenvolvimento comercial.

71 Não há qualquer necessidade de consentimento do senhorio [art. 1112º-1a CC],


bastando a mera comunicação [art. 1112º-3 CC] pelo locatário originário, no

prazo de quinze dias [art. 1038º g) CC]: facto que sustenta a sua natureza de

protecção do interesse comercial.

72 Forma: escrita [art. 1112º-3 CC]. Problema da simplificação formal do


trespasse: essa norma aplica-se também ao proprietário do prédio? COUTINHO

DE ABREU considera que se afasta o art. 875º CC e o art. 80º do Código do

Notariado, relativamente à necessidade da escritura pública na transmissão do

direito de propriedade sobre imóveis em caso de trespasse.

73 A violação do dever de comunicação constitui fundamento do direito de


resolução do contrato [art. 1083º-2 e) CC] e de indemnização por

responsabilidade obrigacional [art. 798º CC].

74 O senhorio tem direito de preferência no trespasse por venda ou dação em


cumprimento [art. 1112º-4 CC]. Se preferir, extingue-se o contrato por

confusão de esferas jurídicas: o senhorio não pode ser simultaneamente

senhorio e locatário.

75 Dever de não concorrência do trespassante com o trespassário: dever que


deriva da boa fé e de lealdade, maxime da responsabilidade post pactum

finitum, segundo MENEZES CORDEIRO. Preconiza a observância de limites:


o Materiais: a nova actividade do trespassante não pode ser semelhante

o Espaciais: com respeito com a circunscrição geográfica da actividade

o Temporais: observância do prazo de consolidação do novo

estabelecimento, geralmente de três ou dois anos [jurisprudência]

76 Havendo perda do aviamento do estabelecimento, com o trespasse, aplicar-se-


á o regime geral da cessão de exploração infra: o contrato celebrado transmite

meramente o direito pessoal de gozo sobre o prédio, e não o estabelecimento

no seu todo, por desmantelamento, vg. Nestes termos, há que interpretar

restritivamente o disposto no art. 1112º-2 a) CC, considerando que o limite que

traça a distinção entre trespasse e mera cessão de exploração reside na perda

de aviamento, e não na mera transmissão de utensílios e de mercadorias.

77 Se existe verdadeiro trespasse, mas outro destino foi dado ao prédio, há


fundamento do direito de resolução do contrato nos termos dos arts. 1038º c) e

1112º-5 CC e consequente indemnização por responsabilidade obrigacional [art.

798º CC].

§5: ELEMENTOS TRANSMITIDOS. Caracterizado o trespasse nos seus traços gerais,

cumpre determinar quais os elementos do estabelecimento que devem considerar-se

transmitidos com o trespasse do mesmo.

OLIVEIRA ASCENSÃO, neste âmbito, estabelece a distinção entre:

78 Situações jurídicas exploracionais: não fazem sentido sem o estabelecimento a


que respeitam, pelo que se transmitem com este.

79 Situações jurídicas comuns

Assim, transmitem-se, num plano interno [entre o trespassante e o trespassário]:

Elementos activos:

80 Direito de propriedade sobre móveis e imóveis, em princípio.

81 Direito pessoal de gozo relativo ao arrendamento.


82 Direito à firma, com consentimento escrito do titular [art. 44º RNPC].

83 O nome do estabelecimento, logótipo e insígnias.

84 Posições contratuais:

o Contrato de trabalho: por mero efeito da lei, com vista à protecção do

trabalhador, a parte mais fraca.

o Contrato de fornecimento: as situações jurídicas exploracionais

transmitem-se tacitamente, segundo OLIVEIRA ASCENSÃO.

85 Direitos de crédito, sem consentimento do devedor [art. 577º CC].

Elementos passivos:

86 Dívidas, com consentimento do credor [art. 595º CC], excepto quando se trate
de dívidas exploracionais, indissociáveis do estabelecimento [segundo OLIVEIRA

ASCENSÃO transmitem-se tacitamente]. A solução adoptada deve ser

intermédia: as dívidas não se transmitem tacitamente em bloco, nem uma a

uma, dada a difícil especificação de todas as dívidas existentes.

Transmitem-se, num plano externo [entre o trespassário e terceiros]:

Elementos activos:

87 Cessão da posição contratual [art. 424º CC]: com consentimento

88 Cessão de créditos [art. 577º CC]: sem consentimento

Elementos passivos:

89 Dívidas [art. 595º CC]:

o Com consentimento do credor: exonera o trespassante, o devedor

originário.

o Sem consentimento do credor: não exonera o trespassante, o devedor

originário, que, pagando a dívida em causa, pode exercer direito de


regresso sobre o trespassário, o novo devedor.

§6: CESSÃO DE EXPLORAÇÃO. A cessão de exploração do estabelecimento consiste na

transmissão temporária do gozo do estabelecimento, a título oneroso [locação de

estabelecimento] ou gratuito [“comodato” de estabelecimento]. Trata-se do regime geral

previsto no art. 424º CC, a aplicar quando se considere afastada a possibilidade de trespasse, a

título excepcional, ou quando este, a existir, resulte em perda do aviamento do

estabelecimento. Estudaremos a cessão de exploração a título oneroso, dita locação do

estabelecimento, com maior pormenor. Eis os traços gerais do regime da locação do

estabelecimento:

90 Necessidade de consentimento [art. 424º CC e art 1059º].

91 Existência de um estabelecimento comercial [ou tratar-se-á de puro


arrendamento].

92 Forma: escrita [art. 1112º-3, por remissão do art. 1109º CC].

93 Observância das obrigações do locatário [art. 1038º CC].

94 O não consentimento do senhorio e a inobservância das obrigações do locatário


constituem fundamento do direito de resolução do contrato pelo senhorio: vg

pelo exercício, no prédio, de outro ramo do comércio sem o seu consentimento

[art. 1112º-2 b)]: norma que pretende obstar à simulação de trespasse.

95 O direito à resolução do contrato e consequente indemnização por


responsabilidade obrigacional encontra-se consagrado nos arts 1047º, 1083º e

798º CC.

96 Quando o estabelecimento se encontre instalado em local arrendado a locação


não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo

de um mês [art. 1109º-2 CC].

Quando o locatário não transmita a titularidade do direito pessoal de gozo sobre o

estabelecimento, mas tão-só faculte o seu gozo a um terceiro, deparamo-nos com a


denominada sublocação do estabelecimento, nos termos seguintes [art. 1060º CC]:

97 Não há cessão da posição contratual do locatário original, a favor do


sublocatário.

R e S preparam-se para abrir uma loja em Lisboa: arrendam um imóvel, compram

mobiliário, contratam com fornecedores e celebram um contrato de leasing relativamente a

computadores.

Antes que a loja abrisse R e S zangaram-se e decidiram vendê-la a T e V, que não

pagaram o preço devido pela loja.

Podem R e S exigir a totalidade do preço apenas a T?

Estabelecimento comercial

98 Elementos activos

o Coisas corpóreas

§ No caso: o mobiliário comprado e o direito pessoal de gozo do

imóvel [embora a existência de um imóvel não seja condição

sine qua non para o estabelecimento: vendedor ambulante,

vg].

o Coisas incorpóreas

§ No caso: posições contratuais no âmbito dos contratos de

fornecimento e de leasing ou locação financeira [transmissão

do gozo sobre a coisa e da posterior propriedade por um preço

residual].

o Clientela

§ No caso: apesar de a loja ainda não ter aberto, considera-se

que existe já clientela potencial, na medida em que há


aviamento.

o Aviamento

99 Elementos passivos

o Obrigações

o Dívidas

Verificam-se, no caso, todos os elementos do estabelecimento, maxime o aviamento.

Nestes termos, o estabelecimento pode ser transmitido no seu todo, mediante trespasse:

transmissão definitiva da titularidade do estabelecimento comercial, no seu todo, sem perda

de aptidão funcional [do aviamento, enfim].

Trespasse comercial

Deparamo-nos, no caso, com o incumprimento de uma obrigação de pagamento do

preço que resulta do trespasse do estabelecimento comercial: mediante compra e venda e a

título oneroso.

Segundo o disposto no art. 100º, as obrigações comerciais são solidárias, salva

estipulação em contrário. Nada nos é dito relativamente a convenção das partes, pelo que,

considerando que essa [§u.]“disposição não é extensiva aos não comerciantes quanto aos

contratos que não constituírem actos comerciais”, cumpre determinar se o trespasse em causa

é comercial ou não.

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

100 Actos especialmente regulados no Código: Sim! O trespasse está

regulado no CC [art. 1112º CC] mas é considerado legislação comercial

avulsa ao Código. Mesmo que não o fosse, protege, por natureza, o

interesse comercial.

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

101 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:


o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:

§ T e V: art. 13º-1. Sim!

102 Natureza não exclusivamente civil

103 O contrário não resulta do acto

Conclui-se: o trespasse é objectiva e subjectivamente comercial, pelo que a obrigação

comercial dele resultante é solidária [art. 100º] e R e S podem exigir a totalidade do preço

apenas a T.

a) A Sociedade X explorava uma conhecida pastelaria num espaço arrendado no

Saldanha. Um dia, encerrou as suas portas, foi desmantelada [tendo todo o seu mobiliário

sido leiloado] e todos os trabalhadores foram despedidos. Nada restava, na velha pastelaria.

Pouco tempo depois a Sociedade X trespassou a pastelaria a favor da Sociedade Y, que

iniciou o mesmo negócio e reconquistou a clientela. O trespasse é oponível ao senhorio?

Trespasse ou cessão da posição contratual?

Face à distinção entre cessão da posição contratual e trespasse supra, os passos a

seguir devem ser estes:

1. Determinar se houve verdadeiro trespasse [transmissão da titularidade do

estabelecimento sem perda do aviamento, enfim]. Se sim: aplicar o regime excepcional do

trespasse.

2. Se não: aplicar o regime geral da cessão da posição contratual do locatário.

Pergunta-se, no caso, se o trespasse é oponível ao senhorio. Tal equivale a perguntar

se se aplica o regime geral ou o regime excepcional, para efeitos de resolução do contrato.

Cumpre apreciar. O desmantelamento da dita pastelaria parece-nos apontar para a

perda do aviamento da mesma, apesar de a clientela ter permanecido. “Nada restava”, diz-se.
Conclui-se: deixa de existir qualquer estabelecimento, na medida em que a pastelaria perdeu a

sua mais valia, a sua aptidão funcional, enfim.

Nestes termos, deve-se entender que o contrato celebrado incide sobre uma mera

transmissão do direito de arrendamento sobre o espaço, tão-só, e não sobre a titularidade do

“estabelecimento” comercial no seu todo. Por outras palavras: não há qualquer trespasse [art.

1112º-2 a) CC mediante interpretação restritiva: deve ler-se “perda do aviamento”], mas sim a

cessão da posição contratual do locatário [regime geral].

Assim, e para finalizar: aplica-se o disposto nos arts 1059º e 424º CC, com a

consequente necessidade de consentimento do senhorio. Não existindo qualquer

consentimento, há fundamento de resolução do contrato e indemnização por responsabilidade

obrigacional [arts 1047º e 1083º e 798º CC].

b) A Sociedade X explorava uma conhecida pastelaria num espaço arrendado no

Saldanha. Um dia, trespassou o estabelecimento a Xavier. Passado um mês, Xavier

transformou a pastelaria num restaurante brasileiro. Pode o senhorio resolver o contrato de

arrendamento?

Trespasse e fundamento de resolução do contrato

Nada nos é dito relativamente à perda do aviamento, pelo que se conclui ter existido

verdadeiro trespasse: transmissão definitiva da titularidade do estabelecimento comercial, no

seu todo, sem perda de aptidão funcional.

Todavia, outro destino foi dado ao prédio, pelo que há fundamento de resolução do

contrato nos termos do disposto nos arts 1038º c) e 1112º-5 CC e consequente indemnização por

responsabilidade obrigacional [art. 798º CC].

Se, por outro lado, concluíssemos pela inexistência de verdadeiro trespasse, por perda

do aviamento, vg, a solução seria a mesma: cabe ao senhorio fundamento de resolução do

contrato pelo exercício, no prédio, de outro ramo de comércio sem o seu consentimento [art.
1112º-2 b) CC], norma que pretende obstar à simulação de trespasse, nos casos de transmissão

do espaço e não do estabelecimento.

c) A Sociedade X, que explorava aquela pastelaria, celebrou com Z um contrato de

exploração da mesma mediante o pagamento de 2000€ por mês. No entanto, Z vende todos

os bens que compõem a pastelaria e instala aí a sua habitação.

Cessão de exploração

Cumpre recordar, aqui, a distinção entre trespasse e cessão de exploração.

Trespasse: transmissão definitiva da titularidade do estabelecimento comercial, no seu

todo, sem perda de aptidão funcional. Pode ser celebrado mediante qualquer contrato com

eficácia translativa da titularidade do direito [vg compra e venda, doação ou troca].

Cessão de exploração do estabelecimento: cedência temporária do gozo do

estabelecimento, a título oneroso [locação do estabelecimento] ou gratuito.

No caso observamos a cessão de exploração do estabelecimento a título oneroso,

mediante locação e correspondente pagamento de renda. O locatário mantém o seu direito

pessoal de gozo, neste caso, embora faculte o gozo da coisa ao sublocatário, sem que, para tal,

haja qualquer cessão da posição contratual.

O regime da sublocação [art. 1060º] caracteriza-se por:

104 Dever de comunicação [art. 1038º g) e 1061º CC]

105 Violação do dever de comunicação constitui causa de resolução do

contrato e de indemnização por responsabilidade obrigacional [arts 1083º e

798º CC].

Quando a sublocação verse sobre imóveis, dispõe o regime do subarrendamento [art.

1088º CC]:

106 Necessidade de autorização do senhorio, por escrito [art. 1038º f) e

1088º CC]
No caso houve uma verdadeira transmissão da cessão de exploração do

estabelecimento [art. 1112º-5, sob remissão do art. 1109º CC], embora lhe tenha sido dado

destino diverso após essa transmissão, por Z. Há, assim, fundamento de resolução do contrato

nos termos do disposto nos arts 1038º c) e 1112º-5 CC e consequente indemnização por

responsabilidade obrigacional [art. 798º CC].

CAPÍTULO III: REGISTO COMERCIAL E FIRMA

§1: REGISTO COMERCIAL. Os princípios orientadores do registo comercial são os

seguintes:

107 Legalidade [arts 47º e 48º CR Comercial]

108 Instância [art. 28º CR Comercial]

109 Obrigatoriedade [art. 15º-1 CR Comercial]

110 Competência

O principal efeito do registo comercial é o efeito presuntivo [art. 11º CR Comercial],

ainda que ilidível nos termos gerais do art. 350º-2 CC. Não tem qualquer efeito constitutivo,

nem no caso das sociedades comerciais, para MENEZES CORDEIRO [vs art. 5º CSC], excepto no

registo do penhor, na medida em que há já personalidade colectiva antes do registo.

§2: FIRMA. A firma é o nome do comerciante no comércio. Apesar da crescente

simplificação do seu regime [cfr. “empresa na hora”], a constituição da firma deve ser

conforme com os princípios seguintes:

111 Unidade [art. 38º RNPC]

112 Autonomia privada

113 Obrigatoriedade e normalização [art. 18º RNPC]

114 Verdade [art. 32º RNPC]


115 Estabilidade

116 Novidade e exclusividade [art. 33º RNPC]

A, proprietária de um imóvel, decidiu instalar aí uma loja de roupa. Dirigiu-se à

conservatória, fez a sua matrícula e adoptou a firma AA Modista. Comprou mobiliário,

contratou cinco trabalhadores e celebrou um contrato de fornecimento com uma marca de

roupa. A loja entrou em funcionamento. Como o negócio não corria muito bem, A não pagou

a dívida da compra de computadores e contraiu um empréstimo junto do Banco Y para pagar

os salários dos trabalhadores. Trespassou, finalmente, o estabelecimento a BB Costureira.

A inscrição no registo de A como comerciante individual era obrigatória?

Segundo o art. 18º-3, os comerciantes são obrigados a fazer inscrever no registo

comercial os actos a ele sujeitos. Os factos relativos a comerciantes individuais que estejam

sujeitos a registo são elencados no art. 2º CR Comercial, numa tipicidade fechada. O início da

actividade do comerciante individual está previsto no art. 2º a) CR Comercial.

Será, todavia, esse registo obrigatório? Não, na medida em que essa alínea não se

encontra prevista na tipicidade fechada que consta do art. 15º CR Comercial. Conclui-se: o

registo comercial não tem efeito constitutivo, mas sim meramente presuntivo, dada a função

de conferir fé pública aos actos registados [art. 11º CR Comercial]. Há, todavia, mecanismos de

obrigatoriedade indirecta, como aqueles enunciados no art. 14º CR Comercial.

O registo do início de actividade do comerciante individual e a necessidade de

matrícula constam dos arts 61º e 62º CR Comercial e art. 95º-2º.

A adopção da firma era obrigatória?

A firma, ou o nome do comerciante no comércio, é sempre obrigatória [art. 18º-1º e


38º-1 RNPC]. Se não for adoptada uma firma fica impossibilitada a inscrição de actos com

registo obrigatório.

A firma adoptada obedece aos requisitos legais?

Os requisitos legais da firma constam dos arts 32º e 38º RNPC: nome, completo ou

abreviado, seguido de alcunha ou de profissão e com observância do princípio da verdade.

Verificam-se no caso: a denominação “modista” observa uma proximidade funcional com a

actividade praticada.

Pode B transmitir a sua firma?

A transmissão da firma é possível mediante autorização escrita do titular da mesma

[art. 44º e 38º-2 RNPC].

Qual a forma do contrato de trespasse celebrado?

Dispõe o art. 1112º-3 CC que o contrato de trespasse deve observar a forma escrita.

Pergunta-se: sendo A proprietária, e não arrendatária, aplicam-se ainda essas normas?

A questão é pertinente e releva para o problema da simplificação formal do trespasse:

considera-se que o art. 1112ºCC se aplica, afastando, assim, o art. 875º CC e 80º do Código do

Notariado, relativamente à necessidade da escritura pública na transmissão do direito de

propriedade sobre imóveis [COUTINHO DE ABREU].

Quais os elementos e situações jurídicas que devem considerar-se transmitidas com

o trespasse de estabelecimento?

Transmite-se, com o trespasse, num plano interno:

Elementos activos:

117 O direito de propriedade sobre móveis e imóveis, em princípio [mesmo sem


acordo expresso, por estar implícito na vontade hipotética das partes que

celebram o trespasse].

118 O direito à firma, com a transmissão do estabelecimento e consentimento


por escrito do titular [art. 44º RNPC].

119 O nome do estabelecimento, incluindo logótipo e insígnia [art. 31º-4 Código


de Propriedade Industrial].

120 Posições contratuais:

o Contrato de trabalho: as dívidas transmitem-se à segurança social

por mero efeito da lei, com vista à protecção da parte mais fraca, o

trabalhador [art. 318º do Código do Trabalho].

o Contrato de fornecimento: quando muito importantes para o

funcionário do estabelecimento [situações jurídicas exploracionais],

sem que deste possam ser indissociáveis, considera OLIVEIRA

ASCENSÃO que se transmitem, mesmo no silêncio das partes.

Elementos passivos:

121 Dívidas [art. 595º CC]: no problema da transmissão das dívidas a solução

não deve pautar-se nem pela transmissão em bloco das mesmas, pela difícil

especificação de todas, nem pela transmissão das dívidas uma a uma, pela

exigência que importaria. Assim, deve preferir-se a solução intermédia

[OLIVEIRA ASCENSÃO]: transmitem-se tacitamente as dívidas

exploracionais [indissociáveis do estabelecimento] e expressamente as

restantes, mediante acordo entre as partes e de acordo com as regras de

interpretação negocial.

Num plano externo, perante terceiros [vg credores]:

Elementos activos:

122 Cessão da posição contratual [art. 424º CC]: com consentimento


123 Cessão de créditos [art. 577º CC]: sem consentimento

Elementos passivos:

124 Dívidas [art. 595º CC]: com consentimento do credor, para exonerar o

trespassante, com direito de regresso sobre o trespassário.

M, SA, sociedade exploradora de um hipermercado da Grande Lisboa, iniciou a

exploração de um supermercado online. Criou, para o efeito, uma unidade de negócio

independente para a qual contratou pessoal, criou o site, tomou armazéns de arrendamento

e celebrou contratos com fornecedores.

Poucos dias antes do lançamento do projecto, um concorrente, a sociedade H, SA,

apresentou uma proposta de aquisição do negócio e o contrato de trespasse foi celebrado.

Três anos volvidos, a sociedade M, SA decidiu lançar um novo projecto de

supermercado online. A H, SA opõe-se, alegando que viola as obrigações de não

concorrência.

Estabelecimento comercial

Considera-se existir um verdadeiro estabelecimento comercial, apesar de não dispor de

qualquer espaço físico. Recorde-se que o elemento decisivo é o aviamento: a aptidão

funcional, enfim.

Existindo aviamento, há um verdadeiro estabelecimento e, maxime, um verdadeiro

trespasse: a avaliação deve ser casuística, dados os indícios do caso prático.

Dever de não concorrência


Suscita-se, no caso, um problema de pretensa violação do dever de não concorrência,

dever que decorre da boa fé, maxime, do dever de lealdade. Quando violado, gera

responsabilidade pós-contratual nos termos dos princípios da culpa post pactum finitum. Se as

partes afastarem o dever de não concorrência, convencionam, geralmente, uma remuneração

proporcional.

O dever de não concorrência preconiza a observância de limites:

125 Materiais [actividade semelhante]: limite inobservado, no caso

126 Espaciais [circunscrição geográfica próxima]: aferida com base na área

de distribuição do supermercado online

127 Temporais [prazo de consolidação do estabelecimento]: de três anos

ou, segundo jurisprudência recente, de dois anos apenas

No caso devemos considerar que a obrigação de não concorrência não foi violada: não

há uma inobservância manifesta de nenhum dos limites. Não obstante, há dever de

indemnização e direito de pedido de condenação por omissão de não concorrência.

CAPÍTULO IV: CONTRATOS COMERCIAIS

§1: CONTRATOS COMERCIAIS. Vigora, no âmbito dos contratos comerciais, a regra

geral da autonomia privada [art. 405º CC], em conjugação com as regras da interpretação

negocial, segundo MENEZES CORDEIRO. O princípio é o do consensualismo, tal como do direito

civil [art. 219º CC], manifestado na liberdade de língua na celebração de contratos comerciais

[art. 96º].
Os contratos comerciais podem ser:

128 De organização: não originam nenhuma realidade jurídica nova e

preconizam a colaboração e cooperação duradouras entre as partes

o Consórcio

o Associação em participação

Natureza jurídica de ambos: para OLIVEIRA ASCENSÃO e COUTINHO DE

ABREU, não se trata de actos de comércio em sentido objectivo, na medida em

que podem não consubstanciar actos comerciais, mas sim actos meramente

económicos. Para mais, o consorciado ou o associante não têm que ser

comerciantes. Se o forem, já serão considerados os seus actos como comerciais

em sentido subjectivo.

Diferentemente, MENEZES CORDEIRO considera que ambos consistem em actos

de comércio em sentido objectivo, na medida em que, por razões históricas, já

estiveram previstos no Código, embora hoje pertençam a legislação

extravagante. Não perderam a sua natureza comercial por essa consagração

autónoma.

129 De distribuição: pretendem fazer chegar o produto, do produtor, ao

consumidor final

o Agência

o Concessão

o Franquia ou franshising

§2: ORGANIZAÇÃO – CONSÓRCIO. O consórcio é o contrato pelo qual duas ou mais

pessoas, singulares ou colectivas, exercem uma actividade económica e se obrigam entre si a,

de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição [art. 1º RJCC].

A palavra-chave é, aqui, agir de forma “concertada”. A concertação, ou articulação, se

se preferir, difere do exercício comum, em sociedade, vg. Os dois vectores em jogo é a


cooperação e a concorrência, para uns. Eis os traços gerais do regime do consórcio:

130 O consórcio pode ser interno, sem invocação expressa [art. 5º-1 RJCC],

ou externo [art. 5º-2 RJCC]. No primeiro caso, só um dos consorciados

estabelece relações com terceiros, devendo as dívidas ser repartidas

solidariamente. No segundo caso, cada um dos consorciados relaciona-se com o

exterior, alegando-o expressamente: a solidariedade não se presume [art. 19º-1

RJCC].

131 Elementos: duas ou mais pessoas, desenvolvimento de uma actividade

económica, contrato e concertação ou organização comum.

o A actividade económica desenvolvida não tem que ser comercial: pode

ter consequências puramente civis.

o A forma de celebração do contrato deve ser escrita, mediante escritura

pública quando haja transmissão de imóveis [art. 3º RJCC].

132 O consórcio não tem personalidade colectiva [vs sociedade].

133 Proíbem-se fundos comuns [vs sociedade].

134 As regras do seu regime jurídico têm natureza supletiva.

135 O elenco do art. 2º RJCC não é fechado: tipicidade delimitativa, e não

taxativa, para OLIVEIRA ASCENSÃO.

136 Ampla liberdade de estipulação das partes [art. 4º RJCC].

137 Proibição de concorrência [art. 8º RJCC].

138 O contrato cessa perante incumprimento ou exoneração dos membros

[art. 9º RJCC] e há direito de resolução com justa causa [art. 10º RJCC].

§3: ORGANIZAÇÃO – ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO. A associação em participação

consiste na associação de uma pessoa [associado] a uma actividade económica exercida por
outra [associante], ficando a primeira a participar nos lucros e perdas que, desse exercício,

resultarem para a segunda [art. 21º RJCC]. A actividade económica exercida pelo associante

pode não ser comercial, tal como o que supra foi mencionado relativamente ao consórcio. O

associado não é visível do exterior: apenas o associante estabelece relações económicas com

terceiros.

Desta definição partiremos para a análise do regime jurídico:

139 A participação nos lucros é essencial. A participação nas perdas pode

ser dispensada, mas, a não sê-lo, carece de prova escrita.

140 Qualquer participação diversa da supletiva deve resultar de convenção

expressa [art. 25º-2 RJCC].

141 A solidariedade não se presume [art. 22º RJCC e 513º CC].

142 Obrigação de contribuição patrimonial [art. 24º RJCC] pode ser

dispensada se o associado participar nas perdas. Na falta de fixação do valor

das perdas, cada um responde por 50% [art. 25º RJCC].

143 O direito de resolução antecipada carece de justa causa [art. 30º

RJCC].

144 Não tem personalidade colectiva [vs sociedade].

145 Deveres do associante [art. 26º-1 RJCC]:

o Informação

o Diligência

o Não concorrência

o Não trespasse ou encerramento do estabelecimento

ENGIL, EDIFER e BES celebraram um acordo designado “consórcio” para a construção

do metro do Porto. A ENGIL ficaria responsável pela construção dos carris; a EDIFER pela

construção das carruagens; o BES ficava obrigado a contribuir com 1.500.000€ para o

projecto.
Contrato de consórcio e contrato de associação em participação

Consórcio: contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, exercem

uma actividade económica e se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa

actividade ou efectuar certa contribuição [art. 1º RJC Consórcio, DL 231/81].

De acordo com o art. 4º-2 RJCC, a contribuição prestada deve consistir em coisa

corpórea e as contribuições em dinheiro só são permitidas se todas as contribuições dos

membros forem dessa espécie. O acordo designado no caso não configurava qualquer consórcio

na medida em que as contribuições de todos os membros não eram em dinheiro. O contrato não

é, todavia, inválido, embora não se aplique o regime do consórcio.

Relativamente ao contrato de associação em participação, da conjugação do art. 24º-1

e 4 RJCC conclui-se que a contribuição do associado, ainda que patrimonial, pode não ser em

dinheiro [vg contribuição de imóvel, com transmissão de propriedade].

Conclui-se: o contrato celebrado entre a ENGIL e a EDIFER é um contrato de consórcio;

o contrato celebrado com o BES é um contrato de associação em participação. Sendo possível

distinguir os dois “pactos” celebrados, a cada um deve ser aplicado o regime respectivo.

A era uma figura pública com abastados recursos. B e C, inventores sem dinheiro,

decidiram financiar a actividade de lançamento de um produto contra a queda do cabelo, por

A.

A contribuiu com 50.000€ e acordaram que ficaria com 10% dos lucros/ano. O acordo

ficou secreto, por pedido de A.

A nunca recebeu a sua parte nos lucros e B e C alegam agora que aos lucros sempre

haveriam que deduzir as perdas do primeiro ano de actividade.

Associação em participação
Sem que haja dados suficientes para se concluir pela celebração de um consórcio entre

B e C, deve-se considerar tratar-se de um contrato de associação em participação.

Recorde-se o disposto no art. 24º-1 RJCC: a contribuição do associado, ainda que

necessariamente patrimonial, pode não ser em dinheiro, vg o direito de propriedade sobre um

imóvel. A contrario, a contribuição pode ser em dinheiro, e se a contraprestação consistir numa

quantia fixa, considera-se já não existir qualquer associação em participação.

Relativamente à prova das cláusulas do contrato de associação em participação, dispõe

o art. 23º-2 RJCC que só podem ser provadas por escrito aquelas que excluam a participação do

associado nas perdas do negócio.

O critério de determinação do valor da participação do associado nos lucros ou nas

perdas é o mesmo que foi convencionado, segundo o art. 25º-2 RJCC.

No caso, A tem direito de resolução do contrato [art. 30º RJCC] e consequente

indemnização por incumprimento contratual [art. 798º CC]. Relativamente à duração dos

contratos, para efeitos do art. 30º-1 e 3 RJCC:

146 Contratos de duração determinada: resolução

147 Contratos de duração indeterminada [critério supletivo]:

o Resolução: dispensa de pré-aviso

o Denúncia: com pré-aviso, dispensando-se este se houver justa causa

Se A for associado e B o associante, e se o último trespassar o estabelecimento a C,

sem acordo com o associado, aplica-se o disposto no art. 26º-1b) RJCC: a associação extingue-

se pela impossibilidade de realização do seu objecto [art. 27º b) RJCC] e há direito de

indemnização por responsabilidade obrigacional [art. 798º CC].

A, pintor, e B, comerciante de automóveis, celebraram um designado contrato de

consórcio nos termos do qual A e B adquiririam carros e B procederia às reparações

necessárias. A pintaria os carros que, posteriormente, seriam vendidos a C.


Para o efeito, A e B compraram seis carros a D e o preço nunca fora pago. A

obrigação é solidária ou conjunta?

Consórcio

Nas relações dos membros do consórcio externo com terceiros não se presume a

solidariedade activa ou passiva entre aqueles membros [art. 19º-1 RJCC], pelo que equivale a

concluir-se pela não presunção da comercialidade dos actos celebrados em consórcio. O

consórcio, nestes termos, não comercializa as dívidas: cabe aferir a comercialidade, acto a

acto.

Cumpre, assim, determinar se os actos são comerciais e verificar o preenchimento dos

pressupostos do art. 100º:

Regra especial: nas obrigações comerciais os co-obrigados são solidários

148 Salvo estipulação em contrário

149 §u.: disposições não extensivas aos não comerciantes quanto aos

contratos que não constituírem actos comerciais

Objectivamente [art. 2º. 1ª parte]:

150 Actos especialmente regulados no Código: art. 463º-1. Sim!

Aferida a comercialidade, em sentido objectivo, do acto em causa, tal bastaria para

classificá-lo como comercial e aplicar-se, assim, a presunção do art. 100º.

Subjectivamente [art. 2º, 2ª parte]:

151 Contratos e obrigações dos comerciantes [art. 13º]:

o Capacidade: art. 7º e regras gerais do CC. Sim!

o Faz do comércio profissão:


§ Pintor: art. 13º-1. Não!

§ Comerciante de automóveis: art. 13º-1. Sim!

152 Natureza não exclusivamente civil

153 O contrário não resulta do acto

Conclui-se: A não é comerciante, embora B o seja.

O contrato de consórcio é um acto de comércio em sentido subjectivo se as partes

forem comerciantes. A noção legal [art. 1º RJCC] menciona a prossecução de uma actividade

económica, não necessariamente comercial, que pode até ser puramente civil [para OLIVEIRA

ASCENSÃO e COUTINHO DE ABREU].

§4: REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. A representação comercial consiste na prática de

actos que se vão repercutir directamente na esfera jurídica de outrem. Tendo o Código

Comercial sido aprovado em 1888, o mesmo adoptou um esquema francês de representação e

não dissociou o mandato da procuração, que só foi conseguido com os contributos de JHERING

e de LABAND. Para o Código o mandato é sempre representativo, enfim [art. 231º ss]. Cumpre

distinguir três figuras:

154 Gerente: corresponde ao mandato geral, com representação

155 Auxiliares e caixeiros

156 Comissário: corresponde ao mandato sem representação [art. 266º]

§5: DISTRIBUIÇÃO – AGÊNCIA E CONCESSÃO. O contrato de agência celebrado entre o

agente e o principal obriga a que o primeiro promova, por conta do segundo, a celebração de

contratos posteriores, de modo autónomo e estável e mediante retribuição [art. 1º RJCA]. Já a

concessão consiste no contrato mediante o qual um concessionário adquire produtos do

concedente e coloca-os no mercado para revenda. As principais diferenças de regime são as

seguintes:

157 Agência: o agente promove a celebração de contratos, por conta do

principal, mediante a remuneração segundo comissão [art. 16º RJCA].


158 Concessão: o concessionário celebra efectivamente compras para

revendas, em nome e por conta própria, mediante a remuneração que resulta

do lucro. O concessionário é a face mais visível do contrato, representando a

marca em causa para uma determinada circunscrição geográfica, normalmente.

Eis as especificidades do regime do contrato de agência:

159 Agência com representação: agente pode cobrar os créditos do principal

[art. 3º RJCA], sem autorização escrita. Os poderes de representação são

conferidos por escrito [art. 2º-1 RJCA].

160 Agência sem representação: o agente contrata em nome próprio,

transmitindo posteriormente a sua posição para o principal. Carece de

ratificação [art. 22º RJCA e 268º CC].

161 Representação aparente [art. 23º RJCA]: figura germânica segundo a

qual o falso representado não tolera ou não conhece da situação de falsa

representação. Tem os mesmos efeitos do que a representação se a situação de

facto for suficientemente sólida. Esta figura não colhe em Portugal, pelo que

MENEZES CORDEIRO reconduz a epígrafe desse art. à representação

institucional, pelo autor preconizada: vg a representação por falso funcionário

de uma caixa de supermercado, produzindo os mesmos efeitos de uma

representação próprio sensu.

162 Cessação da agência: com pré-aviso, após aprovação de uma directriz

comunitária que obstou à concorrência entre os países do Norte [maior

protecção do agente] e os países do Sul [menores custos].

163 Indemnização de clientela [art. 33º RJCA]: a indemnização de clientela

permite a restituição do enriquecimento do principal com a angariação de

clientela, pelo agente.

164 Aplicação analógica do RJCA aos contratos de concessão e de franquia:

o RJCA é aplicável a qualquer uma das modalidades de contratos de


distribuição mediante apreciação cautelosa caso a caso, e aplicação analógica

norma a norma.

§6: DISTRIBUIÇÃO – FRANQUIA. No contrato de franquia o franqueador atribui ao

franqueado a possibilidade [o direito e a obrigação, enfim] de usar nomes, insígnias, processos

de fabrico e comercialização de uma determinada marca, definindo os parâmetros através dos

quais a distribuição deve ser processada. Com origem nos EUA, dada a dimensão geográfica do

país, este tipo de contrato de distribuição surge enquanto resposta quando inviáveis os

métodos de distribuição convencionais. O contrato de franquia pode ser:

165 De serviço

166 De produção

167 Misto

O franqueador pode fiscalizar o franqueado, obtendo uma percentagem sobre as

vendas [uma “renda”, enfim: royalties]. Cfr o que foi mencionado supra §5, relativamente à

aplicação analógica do RJCA ao contrato de franquia.

A Sociedade X celebrou com J um contrato de agência para a venda dos seus

produtos em Portugal. J fez um excelente trabalho, mas foi além dos seus poderes,

contratando em nome do principal e recebendo dinheiro dos clientes, o que nunca levantou

problemas.

Um dia, recebeu 1000€ de um cliente e gastou tudo num casino, entregando o cartão

comercial da Sociedade X, com o seu nome, como recibo.

Agora, a Sociedade X recusa-se a entregar os perfumes, alegando nunca ter recebido

o preço.

Contrato de agência e representação sem poderes


Suscita-se um problema de representação sem poderes: o agente só pode celebrar

contratos em nome do principal se este lhe tiver conferido, por escrito, poderes para tal [art.

2º-1 RJCA, DL 178/86]. O mesmo se diga relativamente à cobrança de créditos [art. 3º RJCA].

O negócio celebrado pelo agente que não disponha de poderes de representação carece

de ratificação, ao abrigo do art. 268º CC, por remissão do art. 22º RJCA. O CC é omisso quanto

a terceiros de boa fé, pelo que o art. 22º-2 RJCA admite ratificação tácita, quase presumida,

que tutele esses terceiros.

Já a figura da representação aparente, sem acolhimento em Portugal, em termos

gerais, releva para a tutela da boa fé e da confiança, considerando-se o negócio

imediatamente eficaz [art. 23º RJCA]. MENEZES CORDEIRO reconduz este art. à representação

institucional.

Desta primeira abordagem conclui-se pelo seguinte raciocínio:

168 Devemos preencher os pressupostos do art. 23º RJCA e, quando não se

aplique

169 Recorrer ao art. 22º RJCA, em segundo lugar

No caso, cumpre concluir pela aplicação dos pressupostos do art. 23º RJCA,

relativamente aos primeiros contratos celebrados por J:

170 Requisitos da tutela da confiança, para MENEZES CORDEIRO:

171 Situação de confiança

172 Justificação da confiança

173 Investimento de confiança

174 Imputação da confiança

Nenhum dos requisitos se verifica, pelo que não há representação aparente.

Relativamente ao art. 22º RJCA, considera-se o negócio ratificado quando o principal

não se lhe oponha. N não se opôs, pelo que os negócios celebrados por J são eficazes.

Cobrança de créditos
A cobrança de créditos só pode ser efectuada pelo agente mediante autorização escrita

do principal [art. 3º e 23º RJCA]. À cobrança de créditos aplica-se o art. 23º-1 RJCA e, não

existindo autorização, aplica-se o disposto no art. 770º CC por remissão do art. 3º-3 RJCA. Já o

disposto no art. 22º RJCA não pode nunca ser aplicado à cobrança de créditos, mas tão-só à

celebração de contratos.

Para sabermos se a cobrança de créditos é eficaz, cumpre:

175 Verificar se se encontra preenchido o art. 23º RJCA

176 Se não, aplicar o art. 770º CC por remissão do art. 3º-3 RJCA

Nenhum dos pressupostos do art. 23º RJCA se verifica, pelo que, segundo o art. 770º b)

CC, a ratificação pode ser expressa ou tácita.

A Sociedade X recusa-se a entregar os perfumes, pelo que se pergunta: o cliente está

exonerado? Invoca-se excepção de não cumprimento, nos termos do art. 428º CC, e encontram-

se preenchidos os pressupostos da tutela da confiança de terceiros, segundo o art. 23º RJCA: há

uma situação de confiança justificada [acredita que J tem poderes, que entrega o cartão em

seu nome], investimento [1000€] e imputação [o principal contribuiu passivamente para a

situação de confiança quando não se opôs à celebração dos negócios por J]. Conclui-se: a

cobrança é eficaz e o cliente fica exonerado no pagamento. A Sociedade X, essa, tem de

entregar os perfumes.

O principal, por seu lado, pode pedir a resolução do contrato, quando o incumprimento

seja grave [art. 30º RJCA] e cabe indemnização nos termos da responsabilidade contratual [art.

798º CC].

O dinheiro gasto no casino poderia ser enriquecimento sem causa mas, considerando

que o cliente ficou exonerado no pagamento, o instituto não é de aplicar.

D é agricultor e celebrou com A um contrato de agência sem representação para a

distribuição de produtos agrícolas na zona de Lisboa, com exclusividade.


Um ano mais tarde, A nomeou C como subagente.

D nomeou um concessionário para a venda dos produtos em Lisboa e A recebeu de

clientes o preço dos produtos vendidos.

D resolveu o contrato e voltou à sua vida de sempre.

D violou a exclusividade ao nomear um concessionário?

A exclusividade do agente apenas resulta de acordo, escrito, nos termos do art. 4º

RJCA. Nesse caso, fica o principal proibido de contratar outro agente, e não concessionário,

dir-se-ia mediante interpretação literal. Todavia, entende-se que o contrato de agência e o

contrato de concessão têm a mesma função, podendo mesmo o principal sair prejudicado, visto

que o concessionário tem maior margem de manobra do que o agente. Assim, onde se lê

“agentes” deve ler-se, mediante interpretação extensiva, “distribuidores”.

A cláusula de exclusividade verbal é nula, nos termos do art. 220º CC.

A violação da exclusividade acarreta fundamento de resolução do contrato e

consequente indemnização.

Os clientes que pagaram a A ficam liberados da sua obrigação perante D?

Tratando-se de cobrança de créditos, o art. 22º RJCA não releva, pelo que cumpre

apreciar o art. 23º RJCA. Nenhum dos pressupostos da tutela da confiança se encontra

preenchido, aplicando-se o art. 770º CC por remissão do art. 3º-3 RJCA. A obrigação do cliente,

ainda vinculado, não foi definitivamente extinta, não se aplicando as alíneas do art. 770º CC.

Conclui-se: a cobrança de créditos é ineficaz e o principal pode exigir o cumprimento

ao cliente, que pagará duas vezes. Há, todavia, um incumprimento contratual pelo agente,

cabendo direito de resolução [art. 30º RJCA] e consequente indemnização nos termos da

responsabilidade obrigacional [art. 798º CC] ao principal, pelo agente. O agente enriquece sem

causa, na modalidade de enriquecimento por prestação, não existindo qualquer direito a


indemnização de clientela.

Têm A ou C direito a receber de D a indemnização de clientela?

A indemnização de clientela encontra-se prevista no art. 33º RJCA. Não se considera

verdadeira indemnização porque não torna indemne [sem dano], consistindo numa mera

compensação pela angariação de clientela. Não há dano, nem sequer ilicitude, pelo que não

existe uma indemnização proprio sensu.

O agente deixa de receber a retribuição, continuando o principal a beneficiar dessa

angariação de clientela: não constitui enriquecimento sem causa porque, na verdade, há causa,

embora a lógica seja semelhante. Há ainda uma tutela do agente, além do restabelecimento do

equilíbrio do principal: pretende-se que o último não “descarte” o primeiro após obter o que

pretendia, a clientela. O agente é considerado, pelo RJCA, a parte mais fraca e carece, por

isso, de especial tutela.

No caso não cabe indemnização de clientela [art. 33º-1 RJCA], na medida em que as

razões são imputáveis ao agente, que contribuiu para a resolução por incumprimento, ou

denúncia do contrato, pelo principal.

O agente pode contratar um subagente, regido nos termos do art. 5º-2 RJCA. A

indemnização de clientela também lhe é aplicável, ressarcida pelo agente e já não pelo

principal, desde que verificados os requisitos do art. 33º RJCA: no caso a alínea a) encontra-se

preenchida, embora a alínea b) não o esteja.

Conclui-se: nem A nem C têm direito de receber a indemnização de clientela.

C, fabricante de balões, celebrou por escrito um contrato de agência com R. Ficou

previsto o prazo de duração de cinco anos do contrato, até 2005. Todavia, o contrato

continuou a ser executado para além dessa data.

Em 2006 C denunciou o contrato de agência com cinco dias de pré-aviso.


Dispõe o art. 27º-2 RJCA que se considera transformado em contrato de agência por

tempo indeterminado aquele cujo conteúdo continue a ser executado pelas partes, não

obstante o decurso do respectivo prazo. Neste caso, para determinar a antecedência da

comunicação da denúncia, aplica-se o disposto no art. 28º-4 RJCA: o prazo é de três meses

[art. 28º-1 c) RJCA].

Conclui-se: C deveria ter comunicado a denúncia com antecedência de três meses, e

não de cinco dias. Violou o dever de pré-aviso e deve, por isso, indemnizar o outro contraente

nos termos do art. 29º-1 RJCA.

A Sociedade X celebrou com B um contrato de concessão comercial, não escrito, por

um período de cinco anos, com exclusividade, para o território nacional.

Ao terceiro ano a Sociedade X celebrou um contrato de agência com C, para o

mesmo território

A concessão do direito de exclusividade depende de acordo escrito. Não o tendo sido,

aplica-se o disposto no art. 219º CC.

O art. 4º RJCA é uma norma excepcional que, como tal, não comporta aplicação

analógica. Existindo uma violação da obrigação de exclusividade, aplica-se o art. 30º RJCA,

apesar de não existir uma verdadeira lacuna.

Conclui-se: B pode resolver o contrato e tem direito a indemnização nos termos dos

arts 32º RJCA e 798º CC.

A Sociedade X denunciou o contrato ao terceiro ano

Não o pode fazer, na medida em que essa renúncia equivaleria a uma resolução
infundada, inválida, típica dos contratos indeterminados [art. 28º RJCA].

A celebrou com a Cup&Cino um contrato de franquia para a abertura do primeiro

café da marca em Portugal, com vigência por período indeterminado. A relação entre A e a

marca foi-se deteriorando, até que o franqueador denunciou o contrato com seis meses de

antecedência, após cinco anos de vigência do contrato.

Contrato de franquia

Segundo o disposto no art. 28º-1 c) RJCA, a denúncia só é permitida nos contratos

celebrados por tempo indeterminado e com a antecedência mínima de três meses, no caso.

Relativamente ao direito à indemnização de clientela, art. 33º RJCA, a norma não pode

ser aplicada sem mais: devemos justificar a analogia face a cada alínea.

A e B celebraram um contrato de franquia, por tempo indeterminado, nos termos do

qual A abriu um estabelecimento da marca em Lisboa, num prédio arrendado.

Passado um ano, A, sem nada dizer a B, vendeu o estabelecimento a C, comunicando

a venda ao senhorio. Quando descobre, B resolve o contrato com A e o senhorio resolve o

contrato de arrendamento.

C pretende, então, ser indemnizado pela clientela angariada, até porque não sabia

que A não tinha comunicado a venda a B.

Franquia e trespasse

A: franqueado

B: franqueador

A venda do estabelecimento a C configura um aparente trespasse por compra e venda,

a título oneroso. Não há verdadeiro trespasse [art. 1112º-2 CC, a contrario] porque não houve
consentimento de A, franqueador: o negócio jurídico é válido, apenas é ineficaz [art. 424º CC].

Não havendo trespasse, não foi transmitida a posição contratual do contrato de

franquia, mas apenas o direito pessoal de gozo sobre o imóvel. Aplica-se, pois, o regime geral

da cessão da posição contratual: não bastava a mera comunicação, mas sim um verdadeiro

consentimento do senhorio [arts. 1059º-2 e 424º CC]. Não havendo consentimento do senhorio,

há direito de resolução e correspondente indemnização, nos termos dos arts. 1047º e 1083º CC

por incumprimento contratual do franqueador, B.

Recorde-se que os contratos celebrados por tempo indeterminado, como o contrato de

franquia do caso, podem ser denunciados em vez de resolvidos, ainda que sem respeitar o

prazo de pré-aviso, por existir justa causa de denúncia.

C não pode receber indemnização de clientela de B, com quem não tem qualquer

relação contratual, ou de A, antigo franqueado. Tem, sim, direito a ser indemnizado nos

termos gerais da responsabilidade civil por A, por não ter pedido consentimento [art. 798º CC].

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