Terceira Civilização - Edição 417 - 01/05/2003 - pág.
6 - Diálogo Sobre Religião Humanística
Terceira Civilização - Diálogo Sobre Religião Humanística
Estabelecendo o ensino correto para a paz
da nação
Esta é a continuação da quinta parte da série "Diálogo
sobre a religião humanística" publicada na revista de
estudo mensal da Soka Gakkai, Daibyakurengue,
edição de maio de 2002. Neste diálogo, o presidente da
Soka Gakkai Internacional, Daisaku Ikeda,
coordenador e o vice-coordenador do Departamento
de Estudo de Budismo da Soka Gakkai, Katsuji Saito e
Masaaki Morinaka, enfocam vários fatos relacionados
à história do budismo e à vida de Nitiren Daishonin de
forma abrangente e profunda. Com certeza, este artigo
contribuirá para facilitar a compreensão
ensinamentos budistas e da filosofia humanística que
cada vez mais atrai a atenção das pessoas do mundo
inteiro.
Uma perspectiva sobre o significado de
"paz da nação" focalizado nas pessoas
Presidente da SGI, Daisaku Ikeda: Nitiren
Daishonin atribuiu grande importância à
"nação" como o lugar em que as pessoas
habitam. Deturpar o seu intento com uma
interpretação nacionalista é absolutamente
intolerável. Genericamente falando, a
palavra "nação" pode significar uma "nação
centralizada no poder" ou uma "nação
centralizada nas pessoas". Os nitirenistas
adotavam evidentemente o primeiro ponto
de vista, o qual é absolutamente incorreto.
Katsuji Saito: Sim. Eles também
empregavam a tese "Sobre o
estabelecimento do ensino correto" para
sustentar a interpretação nacionalista.
Citando um exemplo, na sétima sessão de
perguntas e respostas da tese consta a
seguinte frase: "Portanto, em primeiro lugar
é preciso orar pela segurança da nação
para então estabelecer a Lei budista." (Os
Escritos de Nitiren Daishonin [END], vol. 1,
pág. 42.) Interpretando essa declaração
o totalmente fora de seu contexto, os
nitirenistas argumentaram que Daishonin
era um nacionalista que atribuía mais
importância ao Estado do que à religião.
Masaaki Morinaka: Ademais essas palavras
dos são do viajante, que representa Hojo
Tokiyori, e não do anfitrião, que representa
o próprio Daishonin.
Pres. Ikeda: Correto. Nessa parte do
diálogo, o viajante finalmente começa a
entender o ensino do anfitrião. O fato de
essa declaração ser feita nesse contexto
em particular também deve ser levada em
consideração.
Até então, o anfitrião havia explicado que a
escola Nembutsu, por propagar um ensino
que caluniava o Sutra de Lótus e gerava
confusão entre as pessoas, era a causa
fundamental dos grandes desastres e do
sofrimento das pessoas. Ele ainda havia
dito que a fim de acabar com esses
desastres e restaurar a paz e a segurança
da nação, a escola Nembutsu, ou o "único
mal", devia ser excluída.
Tendo por fim compreendido a causa
desses desastres, o viajante, deixando a
análise do ensino budista correto para
depois, pergunta primeiro ao anfitrião o
que poderia ser feito para acabar com os
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 1.
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desastres na esperança de restaurar a paz
e a segurança à nação. Isso é expresso na
frase: "Em primeiro lugar é preciso orar
pela segurança da nação..."
Saito: Em outras palavras, o viajante está
dizendo: "Vamos primeiro orar pela
segurança da nação e pôr um fim aos
desastres. Em seguida, examinemos com
atenção qual dos ensinos é o correto."
Como alguém pode concluir a partir dessa
declaração que Daishonin considera o
Estado mais importante que a religião?
Pres. Ikeda: Exatamente. Na conclusão da
tese, o anfitrião diz ao viajante: "Portanto, o
senhor deve reformar rapidamente os
dogmas que mantém em seu coração e
abraçar o único verdadeiro veículo, a única
boa doutrina [do Sutra de Lótus]. Se assim
fizer, o mundo tríplice se tornará a terra do
Buda, e como poderia a terra do Buda
decair? As regiões nas dez direções se
tornarão mundos do tesouro, e como
poderia o mundo do tesouro sofrer dano?"
(END, vol. 1, págs. 60-61.)
Nitiren Daishonin sempre menciona "paz
da nação" antes de "estabelecer o ensino
correto".
A verdadeira paz, ou seja, a paz com base
no estabelecimento do ensino correto,
deve ser concretizada infalivelmente.
Porém, na época de Daishonin, a
Nembutsu, que pregava a salvação em
uma outra existência ou em um outro
mundo, estava sendo amplamente
propagada entre a população. Esse fato
era um empecilho para a propagação do
Sutra de Lótus e de seu ensinamento de
que a paz pode ser atingida neste mundo.
Morinaka: O ensino exclusivo de Honen de
que o único meio para as pessoas dos
Últimos Dias da Lei tornarem-se felizes era
renascer no paraíso ocidental praticando a
Nembutsu, representava um grande
obstáculo.
Até então, o anfitrião havia explicado que a
escola Nembutsu, por propagar um ensino
que caluniava o Sutra de Lótus e gerava
confusão entre as pessoas, era a causa
fundamental dos grandes desastres e do
sofrimento das pessoas. Ele ainda havia
dito que a fim de acabar com esses
desastres e restaurar a paz e a segurança
da nação, a escola Nembutsu, ou o "único
mal", devia ser excluída.
Tendo por fim compreendido a causa
desses desastres, o viajante, deixando a
análise do ensino budista correto para
depois, pergunta primeiro ao anfitrião o
que poderia ser feito para acabar com os
desastres na esperança de restaurar a paz
e a segurança à nação. Isso é expresso na
frase: "Em primeiro lugar é preciso orar
pela segurança da nação..."
Saito: Em outras palavras, o viajante está
dizendo: "Vamos primeiro orar pela
segurança da nação e pôr um fim aos
desastres. Em seguida, examinemos com
atenção qual dos ensinos é o correto."
Como alguém pode concluir a partir dessa
declaração que Daishonin considera o
Estado mais importante que a religião?
Pres. Ikeda: Exatamente. Na conclusão da
tese, o anfitrião diz ao viajante: "Portanto, o
senhor deve reformar rapidamente os
dogmas que mantém em seu coração e
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 2.
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abraçar o único verdadeiro veículo, a única
boa doutrina [do Sutra de Lótus]. Se assim
fizer, o mundo tríplice se tornará a terra do
Buda, e como poderia a terra do Buda
decair? As regiões nas dez direções se
tornarão mundos do tesouro, e como
poderia o mundo do tesouro sofrer dano?"
(END, vol. 1, págs. 60-61.)
Nitiren Daishonin sempre menciona "paz
da nação" antes de "estabelecer o ensino
correto".
A verdadeira paz, ou seja, a paz com base
no estabelecimento do ensino correto,
deve ser concretizada infalivelmente.
Porém, na época de Daishonin, a
Nembutsu, que pregava a salvação em
uma outra existência ou em um outro
mundo, estava sendo amplamente
propagada entre a população. Esse fato
era um empecilho para a propagação do
Sutra de Lótus e de seu ensinamento de
que a paz pode ser atingida neste mundo.
Morinaka: O ensino exclusivo de Honen de
que o único meio para as pessoas dos
Últimos Dias da Lei tornarem-se felizes era
renascer no paraíso ocidental praticando a
Nembutsu, representava um grande
obstáculo.
Pres. Ikeda: E essa é a razão de Daishonin
ter denunciado o ensino de Honen como o
"único mal".
Além disso, eram os alto oficiais do
governo de Kamakura quem construíam
templos e que protegiam os sumo
sacerdotes seguidores de Honen. Quando
Daishonin diz que o "único mal" da
Nembutsu deveria ser "excluído", ele está
especificamente clamando pelo fim desse
apoio. Em outras palavras, ele estava
advertindo que a relação cômoda entre os
governantes e os clérigos deveria ser
rompida.
De toda forma, o trecho mencionado foi
interpretado erroneamente pelos
nitirenistas por causa da importância que
eles atribuíam a suas próprias convicções
nacionalistas. Suas idéias preconcebidas
os levaram a supor que a frase "em
primeiro lugar é preciso orar pela
segurança da nação" expressava o
sentimento nacionalista de Daishonin.
Um ponto a ser ressaltado é que o
pacifismo de Daishonin não pode ser
interpretado sem compreender totalmente
seu conceito de "paz da nação"
centralizado nas pessoas.
Saito: A falha em compreender essa
questão fundamental levou os nitirenistas
a estabelecer todos os argumentos que
apoiavam o nacionalismo como premissa,
levando-os a empregar incorretamente o
ensino de Daishonin em seus esforços para
justificar uma guerra de agressão. Foram
também os nitirenistas que começaram a
utilizar o termo antigo hakko itiyu1 (os oito
cantos do mundo sob um mesmo teto)
como um slogan para a expansão
japonesa.
Pres. Ikeda: O historiador britânico Arnold J.
Toynbee descreveu o nacionalismo como
"a adoração do poder coletivo de uma
comunidade humana local".2 Apesar de os
nitirenistas elogiarem o Sutra de Lótus e as
palavras de Nitiren Daishonin, eles
estavam na realidade defendendo uma
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 3.
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"religião estatal" cujo objeto de adoração
era o Estado. Isso faz-me lembrar das
seguintes frases dos escritos de Daishonin:
"Embora essas pessoas estudem o
budismo, suas concepções não diferem
dos não-budistas." (END, vol. 1, pág. 3.) E:
"Mesmo que considerem meu conselho, se
eu não for respeitado como o devoto do
Sutra de Lótus, então a nação perecerá."
(The Writings of Nichiren Daishonin [WND],
pág. 773.)
Havia eruditos que apontavam o erro da
interpretação nacionalista do ensino de
Daishonin e criticavam seus proponentes.
Morinaka: O proeminente pensador da era
Meiji, Tyogyu Takayama (1871-1902),3 por
exemplo, disse: "Para Nitiren a verdade
precedia o Estado e nunca o contrário. Por
mais preocupado que estivesse, a verdade
era sempre mais importante que o
Estado."4
Similarmente, Tadao Yanaihara
(1893-1961)5 escreveu: "Nitiren amava a
nação em termos da Lei, ele não amava a
Lei em termos da nação. (...) Estabelecer o
ensino correto é a causa para realizar a paz
da nação. Achar que atingir a paz da nação
levará ao estabelecimento do ensino
correto absolutamente não faz sentido. A
criação de uma religião nacionalista não
era de modo algum o objetivo de Nitiren."6
Pres. Ikeda: Mas o Japão precipitou direto
na loucura do nacionalismo. Foi o primeiro
presidente da Soka Gakkai, Tsunessaburo
Makiguti, quem contestou diretamente
esse procedimento. Enquanto os fortes
ventos do totalitarismo sopravam
impetuosamente, ele sustentou alto a
bandeira da reforma religiosa, declarando:
"Nós precisamos conduzir a nação ao
grande bem. Esse feito é como aterrissar
diante da tropa inimiga."7
Embora tivesse recebido ordens do clero
da Nitiren Shoshu para que aceitasse o
talismã xintoísta, o presidente Makiguti
recusou-se resolutamente, dizendo: "O que
me aflige não é o fato de nossa religião ser
arruinada, mas assistir passivamente à
destruição de toda a nação bem diante de
meus olhos. Temo que o Buda esteja triste
acerca desta situação. Não seria este o
momento de advertir o governo? Eu não
compreendo o que o Templo Principal
teme."8 Esse era o espírito do presidente
Makiguti.
Saito: Há alguns pesquisadores que
criticam o presidente Makiguti, dizendo
que ele só recusou o talismã por causa de
sua convicção religiosa pessoal, e que na
realidade apoiava a guerra com base em
convicções nacionalistas. Essas pessoas
deturparam totalmente as circunstâncias
da época.
Pres. Ikeda: As atividades da Soka Kyoiku
Gakkai (Sociedade Educacional de Criação
de Valores; predecessora da Soka Gakkai)
tiveram início num momento em que todo
o Japão encontrava-se agitado com o
nacionalismo.
O governo impunha severas restrições à
liberdade de expressão. As reuniões da
Soka Kyoiku Gakkai eram realizadas sob
vigilância da polícia especial, e se algum
comentário contrariasse a posição do
governo, imediatamente um dos policiais
interrompia aos gritos: "Pare! Já basta!"
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 4.
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As publicações da organização também
eram alvo da censura. Havia inimigos por
todos os lados. De fato, era como
"aterrissar diante da tropa inimiga". Nessas
circunstâncias, o presidente Makiguti
empreendeu uma luta resoluta e
destemida, tendo as palavras como sua
única arma. Determinado a abrir os olhos
daqueles que tinham sido persuadidos
pelo Estado xintoísta, ele dedicou-se
abnegadamente à propagação da Lei
mesmo ao custo de sua própria vida.
Morinaka: Algumas vezes o Sr. Makiguti
usava habilmente os slogans nacionalistas
como críticas ao governo. Apesar de hoje
não termos como ouvir a voz do
presidente Makiguti durante seus
interrogatórios pela polícia especial,
sabemos a partir de registros que ele
continuou a desafiar resolutamente o
nacionalismo.
Em um dado momento, por exemplo,
discutindo sobre a relação entre a
Constituição do Império japonês e o ensino
do Sutra de Lótus, ele declarou: "O ensino
do Sutra de Lótus é a grande Lei do
Universo, que permeia as três existências
do passado, presente e futuro e é absoluta,
imutável e eterna... Conseqüentemente, se
a humanidade ou as nações se opuserem
a essa grande Lei, esse ato será uma
ofensa da pior espécie e infalivelmente
terá sérias conseqüências de acordo com
a lei da causa e efeito."9
Essa foi uma declaração corajosa de que o
budismo está acima do Estado.
Saito: Sabemos também que em um de
seus interrogatórios, ele abriu o exemplar
dos escritos de Nitiren Daishonin e citou
passagens da "Tese sobre o
estabelecimento do ensino correto para a
paz da nação", declarando que a guerra
que estava ocorrendo no Japão não era
uma "guerra santa", mas um "desastre
nacional". O Sr. Makiguti disse ainda: "Se
considerarmos os incidentes entre o Japão
e a China ou a Grande Guerra do Leste
Asiático,10 veremos que a causa de ambos
está no fato de o Japão ser um país
caluniador."11 Ele bradou abertamente
contra a guerra de agressão que estava
sendo empreendida pelo Japão.
Pres. Ikeda: O presidente Makiguti
descreveu essa época como "a era do mal
do nacionalismo, do mal dos Últimos Dias
da Lei".12 Ele se levantou com uma
compostura inabalável num período em
que todo o país estava sendo assolado
pela fúria do poder. Continuou a bradar
pela justiça sem se curvar diante da
opressão por pior que ela fosse e deu a
própria vida por suas convicções.
Saito: Os nitirenistas viam as pessoas como
um meio para garantir a prosperidade do
Estado. Defendiam o ponto de vista de que
a religião deve apoiar o poder estatal. O
presidente Makiguti, ao contrário, via o
Estado como um meio para atingir a
felicidade das pessoas. Esta, acredito, era a
diferença fundamental.
Morinaka: A educação é uma outra área
em que o presidente Makiguti e os
nitirenistas diferiam acentuadamente.
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 5.
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No Édito Imperial sobre a Educação,13 o
ensino tinha como propósito promover
questões imperiais. O líder nitirenista
Tigaku Tanaka classificou esse decreto
como "a escritura mais importante do
mundo", afirmando que as escolas do
ensino fundamental e médio de todo o
país deveriam se dedicar totalmente ao
treinamento militar.
Em contraste, o Sr. Makiguti declarou que
o Édito Imperial sobre a Educação "elucida
meramente os padrões morais mais
degradantes para o homem".14
Destacando, por exemplo, o trecho do
édito "Em tempos críticos, você deve dar a
vida ao Estado com bravura", ele dizia: "A
paz é importante. Deveríamos focar nossos
pensamentos na paz. Enquanto
defendermos a paz, não haverá 'tempos
críticos'." Um dos ex-alunos do presidente
Makiguti relatou: "O Sr. Makiguti nunca nos
intruía sobre questões militares. Ele
ensinava que a paz era o único caminho.
Isso era algo que não era discutido até
então." O Sr. Makiguti queria ensinar a seus
alunos a conduzirem uma vida mais feliz
no futuro.
Pres. Ikeda: O objetivo fundamental do
Budismo de Nitiren Daishonin e do
movimento da Soka Gakkai é possibilitar a
todas as pessoas perceberem o e que se empenhasse para realizar o
extraordinário potencial inerente em sua
vida. Essa é a razão de o presidente
Makiguti ter combatido resolutamente a
natureza maléfica do poder que visava a
impedir esse empreendimento. Eis por que
ele advertia rigorosamente o Estado.
Uma religião que se prostra diante do
poder tirânico do autoritarismo vê as
pessoas como simples "meios" para trazer
prosperidade ao Estado. Em síntese, os
nitirenistas careciam de uma visão que
transcendesse o Estado.
Nitiren Daishonin observava calmamente
as ações daqueles no poder da
perspectiva da Lei Mística que permeia
todo o Universo e, ao mesmo tempo,
engajava-se com as pessoas que estavam
sofrendo, dedicando-se pelo bem delas. O
presidente Makiguti trilhou esse mesmo
caminho. Elevando-se acima da loucura do
nacionalismo que se apoderara do Japão,
ele criticou duramente o governo. Além
disso, suas ações falavam mais alto que
suas palavras.
A grandeza do presidente Makiguti reside
no fato de que ele estava sempre entre as
pessoas compartilhando suas lutas e
engajando muitas outras em diálogos. De
acordo com as acusações contra ele, o Sr.
Makiguti realizou mais de 240 reuniões de
palestra durante a guerra (entre maio de
1941 e junho de 1943), mesmo quando
esteve sob rigorosa vigilância policial.
Quando será que houve alguém com
coragem e convicção suficientes para
enfrentar as autoridades, alguém que
envolvesse pessoas comuns em diálogos
Kossen-rufu? O presidente Makiguti
reviveu o espírito de Nitiren Daishonin de
"estabelecer o ensino correto para a paz da
nação". Ele foi de fato uma pessoa
grandiosa. Quanto mais ouço a seu
respeito, maior é a admiração que sinto por
ele.
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Saito: Após o início da Guerra do Pacífico, o dignidade da vida das pessoas.

presidente Makiguti visitou seu amigo, o
folclorista Kunio Yanaguita (1875-1962)15 O poeta indiano Rabindranath Tagore
para falar-lhe sobre o budismo. Yanaguita (1861-1941) escreveu: "Para o bem da
relembrou mais tarde as atividades do humanidade, devemos nos levantar e
presidente Makiguti, dizendo que pelo fato alertar a todos que o nacionalismo é uma
de reunir jovens em seus esforços de se doença epidêmica cruel que está
opor à guerra e clamar pela paz, ele atraiu assolando nosso mundo e devorando sua
sobre si a ira dos militares e foi preso vitalidade moral."19
injustamente. Ele também falou da recusa
do Sr. Makiguti de aceitar o talismã Garantindo a segurança nacional
xintoísta e de morrer em defesa de suas
Morinaka: Nitiren Daishonin escreveu a
convições.16 Suas palavras são uma prova
"Tese sobre o estabelecimento do ensino
de que o presidente Makiguti bradava alto
correto para a paz da nação" devido à
pela paz junto com os jovens.
benevolência que tinha pelas pessoas que
Morinaka: O clero da Nitiren Shoshu sofriam com os vários desastres.
apoiava a corrente nacionalista da época.
Isso faz-me lembrar do Dr. Amartya Sen da
Quando as outras escolas Nitiren
Universidade Cambridge, o primeiro
solicitaram ao governo imperial que
asiático a ganhar o Prêmio Nobel de
conferisse o título de "Grande Mestre" a
Economia, cujas idéias o senhor,
Nitiren Daishonin [em setembro de 1922],17
presidente Ikeda, examinou em sua
a Nitiren Shoshu uniu-se a elas para a
proposta de paz deste ano. Ele recebeu
promoção dessa causa. E quando a
esse nome, Amartya (que significa "imortal"
pressão das autoridades militares se
ou "inextinguível"), de Tagore e também
intensificou, ela aceitou o talismã xintoísta
estudou em Shantiniketon, a escola
do santuário Ise.18 Além de apagar
fundada por Tagore localizada próxima a
quatorze trechos dos escritos de
Calcutá, em 1901.
Daishonin, como "Eu, Nitiren, sou a pessoa
mais sábia de todo Jambudvipa" (WND,
Por volta dos nove anos de idade, o Dr. Sen
pág. 642), a Nitiren Shoshu proibiu a
vivenciou a Grande Fome de Bengala
publicação de seus escritos. O clero
(1942-1943), em que mais de três milhões
também alterou o conteúdo das orações
de pessoas morreram. Isso refletia
silenciosas no Gongyo de forma a
perfeitamente a situação descrita por
enaltecer a história imperial. Do início ao
Daishonin: "Seus ossos amontoam-se pelo
fim, o clero se preocupou unicamente em
caminho." (END, vol. 1, pág. 9.) Essa
proteger a si próprio e em lisongear as
experiência, disse o Dr. Sen, foi o que o
autoridades.
motivou a estudar ciência da economia.

Pres. Ikeda: É verdade. O clero não tinha a

A análise do Dr. Sen da fome elucida que
menor disposição de combater o
ela é causada pela omissão do governo e
nacionalismo que estava destruindo a
da economia. A fome não é simplesmente

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um desastre natural, ele disse, mas sim um
efeito das ações do homem. Ele também
declarou que esses problemas "podem ser
solucionados com políticas e ações
adequadas".
Pres. Ikeda: Em abril de 2001, o Dr. Sen
proferiu um discurso no Centro de
Pesquisas para o Século XXI de Boston, do
qual sou fundador.
Os desastres naturais ocorrem quando a
relação entre a sociedade humana e o
meio ambiente estão em discordância.
Quando o ódio e a discórdia imperam entre
as pessoas e a sociedade é cheia de
conflitos, mesmo os menores distúrbios no
mundo natural podem resultar em uma
grande calamidade. Nesse sentido, todo
desastre natural pode ser visto como um
desastre provocado pelo homem. De certo
modo, é a força vital coletiva das pessoas
e da sociedade que determina a dimensão
e a magnitude dos desastres.
A tese "Sobre o estabelecimento do ensino
correto" conclui com um alerta de
Daishonin contra a guerra, o pior de todos
os desastres provocados pelo homem.
Essa é a razão de Daishonin defender uma
opinião similar sobre a relação entre a
guerra e a sociedade humana.
O Dr. Sen costuma citar as seguintes
palavras do filósofo alemão Immanuel Kant
(1724-1804), comentando sobre sua
importância ainda hoje: "Trate a pensamento tem surgido de várias
humanidade, seja a sua seja a de outras
pessoas, sempre como um fim e nunca
como um simples meio."20
O principal objetivo da filosofia da
economia do Dr. Sen é corrigir o
pensamento de que as pessoas são um
meio para atingir o desenvolvimento
econômico, e direcionar o foco para o
desenvolvimento humano. Ele também
expressa pleno acordo com a prática do
budismo, que visa a cultivar a vida das
pessoas por meio da interação humana e a
inspiração mútua.
Morinaka: O conceito de "segurança
humana", que tem sido enfocado nos
últimos anos, foi em parte inspirado pelo
pensamento do Dr. Sen. É também um
conceito que o senhor, presidente Ikeda,
foi um dos primeiros a defender em suas
propostas de paz, como também em
vários de seus discursos em universidades.
Pres. Ikeda: No passado, "segurança"
implicava unicamente em segurança
nacional. A proteção do Estado e a
integridade territorial têm sido as
prioridades máximas nos países do mundo
inteiro. Mas que tipo de segurança seria
essa em que o Estado é protegido
enquanto a vida e a dignidade de cada
cidadão são ameaçadas?
Atualmente, a idéia predominante de
segurança está sendo alterada com a
mudança do enfoque do Estado para o ser
humano. A idéia de segurança humana
está fundamentada no conceito de
proteger a vida humana. É claro que esse
questões globais que ameaçam a própria
existência da humanidade - questões que
incluem conflitos regionais, discriminação
e outras violações dos direitos humanos,
pobreza crescente, explosão demográfica
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 8.
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e destruição do meio ambiente.
Saito: O Estado está começando a perder
seu controle sobre as pessoas, e o foco
está finalmente sendo direcionado para o
ser humano. Poderia se dizer que, o
conceito de Daishonin de "paz da nação"
corresponde mais ou menos ao que
referimos nos dias de hoje como
"segurança nacional"?
Pres. Ikeda: Se analisarmos os esforços de
Daishonin para proteger as pessoas da
ameaça dos "três desastres e sete
calamidades", veremos que ele se
preocupava acima de tudo com a
"segurança humana". Todo ser humano,
independente de raça, etnia ou gênero,
tem um ilimitado potencial. Pode-se dizer
que a sociedade existe justamente para
trazer esse potencial à fruição. A criação de
uma sociedade como essa é a realização
da "paz da nação". Esse também é o
espírito da própria tese, conforme é
expresso neste trecho: "Se o senhor se
preocupasse ainda que um pouco com sua
segurança pessoal, deveria primeiro orar
pela ordem e tranqüilidade em todos os
quatro quadrantes da terra, não é mesmo?"
(END, vol. 1, pág. 58.)
Saito: Nitiren Daishonin apresenta o
seguinte ponto de vista com relação à
"segurança humana": "Em uma nação em
que os três venenos [avareza, ira e
estupidez] prevalecem a esse grau, como
pode haver paz e estabilidade? A fome é
resultante da avareza, a peste, da
estupidez e a guerra, da ira." (WND, pág.
989.)
Pres. Ikeda: A "Tese sobre o
estabelecimento do ensino correto para a
paz da nação" é a filosofia fundamental
para corrigir as impurezas da vida e tornar
a segurança humana uma realidade na
sociedade. De forma alguma Daishonin
almejava esse ideal somente para o Japão.
Atingir a paz mundial e possibilitar a
felicidade a toda a humanidade é o
propósito de nosso movimento budista. A
humanidade encontra-se atualmente em
uma grande encruzilhada: decairemos em
um mundo de violência e medo ou
construiremos um mundo de paz e
segurança?
Precisamos acabar com a guerra - a
doença cármica da humanidade - e
concretizar o ideal da "Tese sobre o
estabelecimento do ensino correto para a
paz da nação" em escala global. Isso só
pode ser realizado se cada pessoa efetuar
uma mudança no âmago de sua vida. "A
grande revolução humana de uma única
pessoa pode mudar o destino de toda a
humanidade." Nós estamos na linha de
frente desta magnífica revolução.
Saito: Muito obrigado. Há ainda muito a ser
dito a respeito do assunto, mas vamos
deixar a discussão para a próxima ocasião.
Notas 1. Hakko itiyu: Um termo que originalmente significava a união do país
harmoniosamente com os céus. Durante a Segunda Guerra Mundial, sua interpretação
foi expandida, significando "unir o mundo todo sob um mesmo teto", e tornou-se um
slogan usado pelos militares para justificar sua política expansionista. 2. Arnold J.
Toynbee e Daisaku Ikeda, Escolha a Vida. Rio de Janeiro, Editora Record, 1976, pág. 298
3. Tyogyu Takayama: Um pensador que publicou ensaios sobre o nacionalismo japonês,
a filosofia de Nietzsche, e outros tópicos no jornal Taiyo (Sol). Em seus últimos anos de
vida, ele dedicou suas energias ao estudo de Nitiren. 4. Tyogyu Takayama, "Nichiren
Shonin to Nihonkoku" (O santo Nitiren e o Japão), in Chogyo Zenshu (Coletânea dos
escritos de Tyogyo Takayama). Tóquio, Hakubunkan, 1926, vol. 4, pág. 917. 5. Tadao
Yanaihara: Economista que se converteu ao cristianismo por influência dos pensadores
japoneses Inazo Nitobe e Kanzo Utimura. Em 1937, ele foi demitido de seu posto de
professor da Universidade Imperial de Tóquio por criticar a política do governo
Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 9.
 Terceira Civilização - Edição 417 - 01/05/2003 - pág. 6 - Diálogo Sobre Religião Humanística

fundamentado em suas crenças nos direitos humanos. Ele foi reempossado após a

guerra e tornou-se presidente da Universidade de Tóquio em 1951. 6. Tadao Yanaihara,

Yo no Sonkeisuru Jimbutsu (Pessoas a quem respeito). Tóquio, Iwanami Shoten, 1973,

págs. 105-106. 7. Tsunessaburo Makiguti, Makiguchi Tsunesaburo Zenshu (Obras

completas de Tsunessaburo Makiguti). Tóquio, Daisan Bummeisha, 1987, vol. 10, pág. 147.

8. Jossei Toda, Toda Josei Zenshu (Obras completas de Jossei Toda). Tóquio, Seikyo

Shimbunsha, 1983, vol. 3, pág. 107. 9. Makiguchi Tsunesaburo Zenshu (Obras completas

de Tsunessaburo Makiguti), vol. 10, pág. 204. 10. Incidentes entre o Japão e a China ou a

Grande Guerra do Leste Asiático: Os "Incidentes entre o Japão e a China" referem-se à

guerra sino-japonesa (1937-1945). A "Grande Guerra do Leste Asiático" refere-se ao que o

Japão chamou de Guerra do Pacífico (1941-1945) durante a Segunda Guerra Mundial. 11.

Makiguchi Tsunesaburo Zenshu (Obras completas de Tsunessaburo Makiguti), vol. 10,

pág. 201. 12. Ibidem, pág. 209. 13. Édito Imperial sobre a Educação: Decreto assinado pelo

Imperador da era Meiji em outubro de 1890, que estabeleceu os princípios condutores da

educação no Japão. Prestando um tributo à supremacia da política nacional japonesa e

às virtudes da lealdade ao Imperador, foi usado como um instrumento para doutrinação

política, enquanto os estudantes tinham de estudá-lo e memorizá-lo. O decreto

permaneceu em vigor até o final da Segunda Guerra Mundial. 14. Makiguchi Tsunesaburo

Shinguenshu (Coletânea dos ditos de Tsunessaburo Makiguti), Takehisa Tsuji, ed. Tóquio,

Daisan Bummeisha, 1979, pág. 102. 15. Kunio Yanaguita: Pesquisador pioneiro do folclore

japonês que prestou importantes contribuições para esse campo. Publicou a revista

Kyodo no Kenkyu (Estudos da cidade natal). O poeta indiano Rabindranath Tagore

(1861-1941) escreveu: "Para o bem da humanidade, devemos nos levantar e alertar a

todos que o nacionalismo é uma doença epidêmica cruel que está assolando nosso

mundo e devorando sua vitalidade moral."19 16. Kunio Yanaguita, Teihon Yanaguita

Kunio Shu (Escritos de Kunio Yanaguita). Tóquio, Tikuma Shobo, 1972, vol. 3, pág. 463. 17.

Como resultado, o imperador concedeu o título de "Grande Mestre Rissho" (Rissho Daishi,

em japonês) a Nitiren Daishonin em outubro de 1922. 18. Santuário Ise: Um dos mais

importantes santuários xintoístas, localizado na cidade de Ise na Província de Mie. 19.

Rabindranath Tagore, Nationalism (Nacionalismo). Westport, Connecticut, Greenwood

Press, 1973, págs. 27-28. 20. Immanuel Kant, Foundations of the Metaphysics of Morals

(Fundamentos da metafísica da moral), Lewis White Beck, trad. Indianápolis, Indiana, The

Bobs-Merril Company, Inc., 1969, pág. 54.

Maria Antonieta Ross de Albuquerque (12651-9) / pág. 10.