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O SURDO NA ESCOLA: A

ESCRITA, A FALA E OS SINAIS


Maria Cecília Rafael de Góes
Maria Cecília Rafael de Góes
■ http://lattes.cnpq.br/4499516485881242
O surdo na escola:
A escrita, a fala e os sinais
■ Estudos sugerem que pessoas surdas, mesmo depois de terem passado por longo
período de escolarização, apresentam dificuldades no uso da linguagem escrita.
■ As limitações nesta esfera não são exclusivas das experiências escolares de surdos,
nem inerentes à condição de surdez: um dos principais problemas está nas
mediações sociais dessa aprendizagem, mais especificamente, nas práticas
pedagógicas que fracassam também na alfabetização de ouvintes.
■ O aluno surdo enfrenta complexas demandas adicionais, por apresentar uso restrito
da língua implicada nas atividades de leitura e escritura.
O surdo na escola:
A escrita, a fala e os sinais
■ Gesueli (1988) – Experiência de alfabetização inicial de surdos
■ Construções apresentam uma sequencia de palavras que tende a desrespeitar a
ordem convencional língua portuguesa.
■ Enunciados compostos com predomínio de nomes que, por vezes, substituem
verbos.
■ Snyder (1985) – Produções em etapas posteriores, autores sugerem que o
desempenho de alunos surdos mostra-se inferior ao de ouvinte: tendência a
restringir o texto à informação simplificada.
O surdo na escola:
A escrita, a fala e os sinais
■ Fernandes (1989) – Boa incorporação da ortografia, exceto na acentuação;
limitação do léxico; impropriedade no uso de preposições e na inserção de
advérbios; uso inadequado de verbos; domínio pobre das estruturas de
coordenação e subordinação; e limitação de recursos para atender a modalidades
de registro do discurso.
■ Rampelotto (1993) – Baixa capacidade para recuperar proposições na atividade de
recontar, diante de histórias simples e complexas. Não demonstravam haver
internalizado plenamente a própria estrutura narrativa.
■ Souza e Mendes (1987) – Pequena porcentagem do grupo conseguia ler livros
infantis ou juvenis; mais da metade interpretava somente textos curtos; outros
apresentavam possibilidades ainda mais limitadas de interpretação.
O surdo na escola:
A escrita, a fala e os sinais
■ Esse conjunto de constatações remete, entre outros problemas, à qualidade das
experiências escolares oferecidas ao surdo. História escolar constituída por
experiências bastante restritas, que configuram condições de produção de
conhecimento pouco propicias ao domínio da língua portuguesa. Escasso uso
efetivo da linguagem escrita.
■ Fernandes (1993) – Analise critica das propostas educacionais para surdos
centradas em atividades de leitura e escrita limitadas a textos “simples” e curtos,
com ênfase em uma “linguagem filtrada” e em regras gramaticais. Gesuelli (1998),
Morato e Coudry (1989) e Trenche ( 1995)
O surdo na escola:
A escrita, a fala e os sinais
■ Góes (2002) – Estudo sobre a linguagem escrita de surdos, com o proposito de
efetuar uma caracterização de seus textos e uma análise de suas construções
atípicas.
■ As analises tiveram como referencia principal as teses da abordagem histórico
cultural, Vygotsky (1978; 1987; 1993).
■ Procurou explorar condições sociais de constituição dos processos abordados,
expandindo a pesquisa para outros temas, relacionados às experiências de
linguagem o surdo, focalizando os pontos de vista do aluno e do professor.
■ Classes de supletivo
■ Comunicação total
O surdo na escola:
A escrita, a fala e os sinais
■ A comunicação total propõe o uso de múltiplos meios comunicativos, através de
recursos linguísticos e não linguísticos, combinando sinais, oralização, leitura oro-
facial, gestos, linguagem escrita, datilologia, pantomima, desenho, etc. (Evans,
1982; Ciccone, 1990; Moura, 1993). É recomendado que esses recursos sejam
ajustados às necessidades e possibilidades dos alunos.
■ Comunicação bimodal – práticas que superpõem fala e sinais.
■ 2 Classes de supletivo – ensino fundamental
– 1 classe da rede pública municipal
– 1 classe da rede pública estadual
■ Idades entre 14 e 26 anos
O surdo na escola:
A escrita, a fala e os sinais
■ Interações em sala de aula – comunicação bimodal
■ Ao longo de vários meses reuniu conjunto de textos para analise e realizou
observações em sala de aula, relativas às atividades focalizadas e à dinâmica do
trabalho pedagógico nas diferentes áreas curriculares.
■ Os textos analisados foram produzidos em atividade coletiva, e os alunos podiam
recorrer à ajuda da professora, da pesquisadora ou de estagiárias que estavam
eventualmente presentes.
■ Características dos textos e questões relativas ao trabalho pedagógico com surdos
Problemas identificados nos textos de
alunos surdos
■ Uso inadequado ou omissão de preposições
■ Terminação verbal não-correspondente à pessoa do verbo
■ Inconsistência de tempo e modo verbal
■ Flexão inadequada de gênero em adjetivos e artigos
■ Uso incorreto do pronome pessoal do caso oblíquo, etc.
■ Erros de ortografia pouco frequente.
Problemas identificados nos textos de
alunos surdos
■ Perspectiva de analise vincula-se a uma concepção de escrita como trabalho que
envolve ações com e sobre a linguagem, em que alguém diz algo para alguém,
através de certas estratégias de dizer. (Geraldi, 1991)
■ Tomando a escrita como instância de dialogia, a autora examinou o quanto as
pistas possibilitavam a construção de sentidos pelo leitor, identificando
principalmente as características que colocavam obstáculos ao seu esforço de
interpretação.
■ Resultados – Destaca a identificação de problemas relativos a aspectos de coesão,
concernentes à referencialidade ou a progressão temática, que tendem a resultar
em prejuízos à coerência do texto.
■ Discussão sobre o modo pelo qual o surdo relaciona-se com a linguagem escrita
Problemas identificados nos textos de
alunos surdos
■ Problemas identificados:
■ Referencialidade ambígua – modo de inserção de nomes e pronomes (pessoais e
possessivos) no enunciado.
– O menino falou: Seu nome é Lulu da cachorra
■ Escolha lexical indevida – consiste da inclusão de palavras com significado não
convencional ou de palavras “criadas”
– O homem esta sabendo ficar em dúvida
■ Construções desviantes em função de uma ordenação não convencional de
constituintes no enunciado
– Depois Rodrigo é alegre pouco
Problemas identificados nos textos de
alunos surdos
■ Omissão de constituintes necessários plena construção de sentidos.
– Ele tem uma namorada sonho porque Rosinha tem muita vergonha.
■ Sentido indefinido – inadequações que afetam o inter-relacionamento de suas
partes e trazem prejuízos para a composição de sentido.
– Os frutos para haveria alimentação terra.
Problemas identificados nos textos de
alunos surdos
■ Sentido indefinido – para configurar essas peculiaridades de construção em casos
individuais, a autora focalizou algumas características dos textos de 3 (três) alunos.
■ Todos tinham surdez bilateral profunda, congênita ou adquirida precocentemente.
■ Utilizavam a língua brasileira de sinais com outros surdos e, na sala de aula,
envolviam-se em práticas bimodais.
■ A articulação de sua fala era pouco compreensível fora do contexto da enunciação
em sinais, ou sem o apoio de recursos gestuais.
■ Marta – 14 anos – anos iniciais
■ Luiz – 19 anos – anos iniciais
■ Pedro – 24 anos – sexto ao nono ano.
Problemas identificados nos textos de
alunos surdos
■ Compreender os processos que estariam implicados nessas construções atípicas –
atenção para as experiências cotidianas de interlocução dos alunos e,
especialmente, para as peculiaridades de sua condição bilíngue.
■ Os resultados fortalecem a suposição de que os textos analisados, eram
construídos com apoio parcial em regras de uso da língua de sinais, o que pode
explicar em parte, as características da escrita dos alunos.
■ A língua de sinais não têm, ainda, um sistema de escrita*
■ *SignWriting - Escrita de Sinais
Problemas identificados nos textos de
alunos surdos
■ Interação bilíngue – (Grosjean, 1993). Produção de textos com alternâncias e
justaposições das duas línguas envolvidas.
■ É preciso considerar que essa condição bilíngue tem peculiaridades em função da
experiência cotidiana com práticas bimodais, em que os enunciados consistem de
uma composição mista, a partir das duas línguas.
■ Para além do problema da capacidade muito parcial de uso da língua a ser
registrada na escrita, há uma questão relativa às condições de interlocução.
■ Imagem do interlocutor – vinculada a um cenário conceitual mais amplo, composto
por elaborações dos alunos relativas aos recursos implicados no trabalho com a
linguagem na escritura e às diferentes experiências de linguagem que vivenciam no
cotidiano.
Manifestações de alunos surdos sobre
suas experiências de linguagem
■ Como os alunos caracterizam suas formas de interlocução?
■ Em sua produção escrita, quais são a “língua base” e a “língua convidada”?
■ A que eles atribuem suas dificuldades na leitura e escritura?
■ Que efeitos tem seu envolvimento com práticas bimodais sobre o uso da língua
portuguesa?
■ O que é ser bilíngue? Quem produz enunciados significativos em duas línguas,
mostrando capacidade de uso em pelo menos uma das esferas de funcionamento
linguístico: ler, escrever, falar ou compreender.
Manifestações de alunos surdos sobre
suas experiências de linguagem
■ Características que tornam distintiva a situação do surdo – Grosjean(1993).
■ Bilinguismo no surdo diz respeito à possibilidade de utilização de recursos das duas
línguas, em combinações de modo tanto sequencial quanto simultâneo.
■ A própria surdez limita o acesso natural à língua falada. Contudo, nada impede que
haja um alto nível de domínio da modalidade escrita.
■ Surdo não ser considerado bilíngue.
Manifestações de alunos surdos sobre
suas experiências de linguagem
■ Através de entrevistas individuais, os alunos foram solicitados a caracterizar as
dificuldades que enfrentavam nas atividades de leitura e escrita, bem como
explicitar distinções e semelhanças que estabelecem entre a língua portuguesa e a
língua brasileira de sinais.
■ 9 alunos de diferentes níveis de escolaridade
■ As entrevistas foram gravadas e os diálogos apoiaram-se, principalmente em
práticas bimodais.
■ As perguntas foram reformuladas ou refeitas
Manifestações de alunos surdos sobre
suas experiências de linguagem
■ Para os alunos as dificuldades em leitura e escritura esta quase exclusivamente no
domínio insuficiente do vocabulário: o problema é “não conhecer a palavra”.
Dimensão lexical.
■ Quanto as distinções e semelhanças entre fala, escrita e sinais, as respostas
revelaram hesitações e ambiguidades, além de terem salientado, de novo a
consideração do “conhecimento de palavras”.
– Semelhança: reconheciam igualdade entre sinais e fala por serem formas de
conversar e comunicar
– Distinção: fluência e domínio lexical.
■ As distinções eventualmente reconhecidas não sugeriam uma noção de existência
de duas línguas.
Manifestações de alunos surdos sobre
suas experiências de linguagem
■ Pode inferir, então que a maioria do grupo concebia fala, escrita e sinais enquanto
modalidades (oral, gráfica, gestual) de uma mesma categoria. Ou seja os
entrevistados indicavam que as possibilidades linguísticas formam, por assim dizer,
um conjunto, cujo itens lexicais são realizados pela utilização da gestualidade, da
voz e do registro gráfico, além das composições combinadas.
■ O que se pode deduzir das declarações da maior parte do grupo entrevistado
sugere um esquema conceitual das experiências linguísticas como um grande
conjunto de modalidades, diferenciáveis principalmente pela forma como as
palavras são produzidas.
Manifestações de alunos surdos sobre
suas experiências de linguagem
■ Entrevista: divergência de sentidos das palavras
■ Retomando os depoimentos e re-examinando os vídeos, concluí que as formas de
interlocução ali envolvidas eram a corroboração mesma das ideias dos alunos.
■ Na verdade, mais que uma corroboração, o que ocorria era uma contradição:
conversar sobre a distinção que o próprio modo de conversar desfazia.
A professora de surdos: um relato sobre problemas
no trabalho pedagógico com a linguagem

■ Com a professora realizamos, posteriormente, encontros semanais durante um


semestre letivo, com o propósito de discutir problemas na atuação pedagógica junto
a surdos.
■ Era formada em Educação Especial, na área da deficiência auditiva, dentro da
tradição oralista. Passou a se apoiar nas diretrizes da corrente de comunicação
total, utilizando a fala acompanhada de sinais, além de outros recursos
comunicativos, no desenvolvimento das aulas.
A professora de surdos: um relato sobre problemas
no trabalho pedagógico com a linguagem

■ Problemas da atuação com surdos:


■ Limitação de sua própria formação profissional
■ Obstáculos para a integração do surdo na sociedade
■ A falta de colaboração da família no processo escolar e
■ As condições institucionais para o trabalho pedagógico (recursos materiais
insuficientes, instabilidade na atribuição de classes, tempo reduzido de aula, etc)
A professora de surdos: um relato sobre problemas
no trabalho pedagógico com a linguagem

■ Escola mais como ponto de encontro do que para aquisição de conhecimentos


acadêmicos
■ Os surdos reconhecem as poucas perspectivas de entrada no mercado de trabalho
■ Problemas de “funcionamento semântico”
■ Organizados em 3 conjuntos
A professora de surdos: um relato sobre problemas
no trabalho pedagógico com a linguagem

■ O primeiro conjunto abrange diferentes aspectos de desempenho que decorrem da


restrição do conhecimento lexical da língua portuguesa.
– Desconhecimento de correspondências em português, para determinados
sinais.
– Ausência, em língua brasileira de sinais, de correspondências para itens
lexicais existentes na língua portuguesa.
■ Inflexibilidade do aluno no funcionamento semântico frente a palavras já
dominadas em língua portuguesa.
■ Elaboração conceitual restrita – marcada por enlaces vivenciais e perceptuais
imediatos.
A professora de surdos: um relato sobre problemas
no trabalho pedagógico com a linguagem

■ Embora com referenciais distintos, professora e alunos acabam por alimentar uma
noção, que circula implícita nas atividades pedagógicas, de que aprender português
é aprender palavras (itens lexicais).
■ O trabalho pedagógico da professora é atravessado por indagações que refletem,
fundamentalmente, hesitações sobre a língua, processos de linguagem e estatuto
dos sinais.

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