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A PRODUÇÃO DE LEGENDAS

Regina Juvenal (TimingTV) *

A cada dia temos mais acesso a textos em português, não só em livros, revistas, jornais, mas
principalmente hoje pela internet, através de portais, blogs, sites de relacionamento, mensagens
instantâneas, entre as muitas formas de se publicar. O que não nos damos conta de imediato é que
há uma quantidade enorme desse texto que é traduzida.
Só com essa massa de informação já poderíamos vislumbrar o volume de trabalho do tradutor.
Porém ainda há mais: o cinema e a televisão. Entre os canais abertos de TV temos muita produção
traduzida e devidamente dublada, mas se formos observar os canais a cabo, abre-se um leque de
dezenas de emissoras, quase todas com sua programação legendada. Mesmo com a grade repleta
de reprises, são dezenas de canais 24 horas por dia.
Dificilmente alguém começa a trabalhar diretamente com legenda. Eu não tenho notícia de
algum tradutor que tenha saído da escola diretamente para os filmes, seriados e assemelhados.
Cada obra estrangeira em filme que é veiculada por aqui pode vir a ter quatro traduções. Eu
digo que pode vir a ter esse número de traduções porque com a quantidade enorme de canais e
com o volume de produção em vídeo, os filmes feitos originalmente para o cinema são uma parte
muito pequena do total, portanto, já não temos a primeira fase de trabalho. Portanto, essa primeira
tradução que é feita da obra para legendas é para o cinema propriamente dito.
Depois temos as legendas para o DVD e ainda outro tratamento da tradução para a TV a cabo.
Na outra ponta ainda há a tradução para dublagem, que tem uma forma bem distinta. Há pequenas
variações de forma entre os trabalhos, pois o que se lê na tela do cinema não se faz com o mesmo
conforto em um aparelho de TV e o que se escreve para ser lido tem de ser muito mais minucioso do
que o que se escreve na legenda. Traduzir para legendas é resumir, é enxugar. É procurar o “logo”
para substituir o “consequentemente”, ou o “só” em vez do “apenas”, o “aflito” para substituir o
“desesperado”. Em geral, para a TV usa-se no máximo duas linhas de até 32 toques. Para DVD
podemos usar mais, até uns 40 toques, já que a tecnologia é digital, o que confere mais definição
para as letras da legenda.
Mas não falo só de número de toques na linha: precisamos controlar também o número
de pixels que compõem a palavra. Uma letra como “l” ou “i” ou “t” ocupa muito menos espaço que
um “m”, “p” ou mesmo “a”. Esse controle é feito pelos programas de marcação de legendas, não se
espera que o tradutor seja um editor, mas a prática vai nos ensinando a escolher as palavras mais
esguias, que não ocupem tanto espaço na tela.
Além do desenho das palavras, temos de levar em consideração o aspecto que as legendas
terão na tela. Se há um longo texto que será traduzido por diversas legendas consecutivas de duas
linhas, é importante que se observe a divisão do texto entre as linhas. Se, numa legenda, a primeira
linha for mais longa que a segunda, na próxima legenda é bom que a primeira linha seja mais curta,
para que haja um certo ritmo, uma alteração do desenho que as linhas formam na tela. Se isso não
for levado em consideração, é provável que o espectador venha a se confundir e julgue que já leu
aquela legenda, perdendo a leitura.
Apenas a título de curiosidade, vou discorrer brevemente sobre a tradução para dublagem.
Este trabalho é bem diferente daquele que se faz para legendagem, porque você faz praticamente
um roteiro para atuação. Quem vai ler é um ator, será dirigido por um profissional, um diretor, em
um estúdio. Você não está escrevendo para o espectador diretamente. Quem chega ao espectador é
o ator de dublagem que sempre vai incorporar diversos aspectos que a legenda pura e simples não
tem. Seu tom de voz, sua entonação, o ritmo da fala, diversos outros sons que não se traduz, como
um pigarro, um som que possa ser associado ao desdém, tudo isso é agregado ao trabalho,
ultrapassando a força do texto puro da legenda.
Portanto, o tradutor que trabalha com legendas tem de usar todo tipo de recurso para passar o
sentido do que é dito no filme para o espectador. Mesmo tentado a usar palavras menos usuais,
você precisa restringir o vocabulário ao mais corriqueiro, sob pena de perder o espectador. Por mais
que você queria escrever “Por obséquio”, o normal em uma legenda é você escrever “Por favor”.
Não é uma nivelação por baixo: é uma constatação de que o espectador que está em frente à tela
não tem em mãos os recursos de quem está lendo um texto em papel ou na tela de um computador.
Você está escrevendo para milhões de pessoas que se dispuseram a ver um filme. Se você colocar
“obséquio” em vez de “favor”, você corre o risco de perder a atenção de boa parcela do público que
não está habituado ao termo. Já que é mais usual o vocábulo “favor”, por que não aplicá-lo?
O tradutor para legendas deve ter em mente também que a boa legenda é aquela que não se
percebe, é aquela que faz o espectador entender o texto da obra sem que ele sinta que leu, mas que
ele imagine que os atores realmente disseram aquelas palavras. Para isso o tradutor deve tentar
identificar bordões, precisa usar o humor quando é característica do personagem, deve entender
algo da cultura onde está inserida a história. Precisa ainda pesquisar o jargão profissional do
personagem, quando for o caso. Um médico terá um discurso diferente de uma criança, um surfista
acaba falando diferente de um filósofo, uma estudante universitária não diz a mesma frase que um
velho mendigo. Portanto, não basta traduzir as palavras do roteiro, o tradutor deve imprimir alguma
marca em seu texto para identificar o personagem.
Outra característica do tradutor para legendas é o cuidado com o ritmo do texto. Se o
personagem disse seis palavras naquela frase, nós devemos chegar perto desse número de palavras
na tradução, guardadas as diferenças naturais entre os idiomas. Se o personagem disse “Vamos sair
assim que ele avisar” é bom que a legenda acompanhe o ritmo da frase. É bom evitar a tradução “A
gente vai esperar o aviso dele para sair logo depois”. As duas frases cumprem o objetivo de
comunicação, explicam o que os personagens pretendem fazer, mas a segunda é mais prolixa e
apresenta uma ordem inversa à primeira. Se estivermos trabalhando com um idioma bem
conhecido, eu digo, as línguas latinas mais faladas, ou o inglês, traduzindo para o português, temos
de lembrar que estaremos escrevendo para muitos espectadores que conhecem ao menos os
rudimentos do outro idioma e vão esperar pela legenda numa certa ordem. Portanto, o ritmo é
fundamental para deixar o espectador ligado na obra, sentindo uma certa verossimilhança, criando
um clima para o melhor entendimento.
Ainda pensando no espectador que conhece algo da língua original da obra, esse tipo de
tradução nos expõe muito, porque a identificação é praticamente imediata. A maior parte dos filmes
é em inglês, língua que é muito falada ou ao menos entendida por aqui, então, sempre se ouve dizer
que não foi isso que o personagem disse. Realmente, existe a parte do erro puro e simples, que pode
acontecer a qualquer um. Mas há o lado da interpretação do tradutor, sem esquecer o problema
da redução de texto por falta de tempo. Vemos também a possibilidade de erro do espectador, que
não entendeu bem, ou, não conhecendo o desenrolar da trama, vai imaginar que usamos outra
acepção de uma palavra específica.
Além desse tipo de tradução expor bastante o profissional de tradução, penso que é a que mais
restringe sua liberdade. Na tradução técnica, na literária e na juramentada, temos os limites legais,
os limites de bom senso, etc., mas nas legendas, temos de observar esses limites e aliá-los ao padrão
exigido pelo cliente final, além dos limites de tempo e espaço. O espectador tem uma chance muito
pequena de leitura, afinal ele está vendo a cena, ouvindo a trilha, percebendo a expressão dos
atores e ainda tem de ler em português o que foi falado em outra língua num tempo de no mínimo
um segundo, no máximo 6 segundos. Com qualquer distração, a legenda está perdida. Se o
espectador perde uma legenda agora, mais duas em dez minutos, outras mais à frente, há chances
muito grandes de ele não se interessar mais pela obra. Quantas vezes eu já ouvi que tal filme não
mereceu os prêmios que levou? Quantas vezes esse filme teve uma tradução não adequada para
legendas? Acredito que haja muita produção bem feita em termos de tradução, porém que não
tenha a melhor forma de se comunicar com quem vai assistir a filmes.

Como acontece a produção de legendas


O cliente disponibiliza o vídeo em um site de onde se pode baixá-lo, como um FTP, e
geralmente recebe-se o roteiro no idioma original. O tradutor vai trabalhando no Word gerando o
texto em português, sempre baseado no filme. O roteiro é só um apoio. Podemos ter o roteiro de
pré-produção que não corresponde fielmente ao filme ou então teremos o levantamento de texto
final, que também é cheio de problemas. O melhor mesmo é o roteiro final, com todas as marcações
de entrada e saída de personagem, com as locações, as indicações de intenção do diretor, até alguns
comentários do resultado final. Com este material, o tradutor tem condições ideais de trabalho, sem
precisar muita pesquisa, sem receio de imprimir ritmo muito pessoal no texto, sem subtrair nada do
estilo da obra. Infelizmente esse roteiro completo só é disponível quando estamos traduzindo
grandes filmes, ou são de produção de grandes estúdios, o que corresponde à menor parcela dos
trabalhos.
O tradutor cria o texto no processador e já vai dividindo em legendas, baseado no ritmo da fala,
nas pausas para respiração, ênfase, suspense, comédia, ou qualquer situação que apareça na obra.
Para que a legenda seja exibida em sincronia com a imagem, na hora certa em que o
personagem falou, utilizamos um dos programas que reconhecem os pontos de entrada e saída do
texto que marcamos. Um segundo de filme é composto por uma sequência de fotos, também
chamadas de frames. Para simplificar, vamos pensar no sistema NTSC, com 30 frames por segundo.
O filme que o cliente disponibiliza vem com uma numeração aparente, em geral no topo da tela, que
mostra o “endereço” daquela foto, com hora, minuto, segundo e frame,como por exemplo:
01:23:12,05 ou seja, uma hora de filme mais 23 minutos, 12 segundos e 5 frames. Digamos que o
personagem começou a falar nesse ponto e que parou três segundos e meio depois, então o
endereço da saída seria 01:23:15,25. Isso pode parecer muito técnico, mas a marcação é feita em
cima do som e o programa escolhido para a marcação faz essa parte de endereços numéricos. Há
clientes que pedem o trabalho já feito com a marcação e outros que recebem o texto simples e
mantém profissionais de marcação em seus estúdios.
Temos mais uma fase neste trabalho: a revisão. Nem sempre temos tempo hábil para fazer
uma revisão bem detalhada, mas essa etapa nunca deve ser descartada. A revisão dá o acabamento
final, padroniza certas falas, dá oportunidade de checar dados. Se o tradutor também faz a
marcação, nesta hora ele pode conferir se as legendas estão em boa sincronia, se
São muitos aspectos a se observar, sem dúvida, mas temos de falar mais um pouco sobre o
cliente. Cada canal, ou produtora de DVD, ou empresa que use esse tipo de tradução tem suas
regras particulares, como Guias da Redação de grandes jornais e editoras. Há clientes que preferem
que a linguagem das legendas seja mais coloquial, assim como há quem exija o uso do português
formal. Naturalmente, quem contrata a linguagem informal libera o uso de gírias, o que não é
permitido nos outros clientes. Desta forma, temos de nos ajustar a essas regras para poder trabalhar
com cada cliente.

* Tradutora e produtora de legendas


Fonte: Linguasagem disponível em
http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao10/trad_legendas.php

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