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Resumo
De que um indivíduo necessita saber para poder viver em uma sociedade concreta? O que é
preciso transmitir-lhe, e como, para que alcance essa condição? Nesse sentido, a escola,
enquanto instituição parceira na construção desses indivíduos deve intervir na formação dos
valores sociais e morais em seus alunos? Este artigo objetiva cartografar os sentidos
atribuídos por professores que atuam na educação infantil, em municípios localizados na
região oeste catarinense, sobre a construção dos valores morais de seus alunos; como esses
professores apreenderam os valores e como os ensinam. Os professores participantes desse
estudo reconhecem a importância das relações, das interações na formação da criança na
construção dos valores sociais e morais. Apesar de apontarem a família, como a base na
construção da moral, indicaram a escola e a sociedade como espaços complementares. No que
se refere a como esses profissionais aprenderam e ensinam os valores morais, identificamos a
ênfase atribuída ao papel de suas famílias. Quando questionados sobre suas atitudes e a
relação destas com “modelos” de professor que tiveram durante sua vida escolar a maior parte
descreveu terem tido, ao menos, um professor como modelo, que mereceu destaque por
representar figura de afeto, atenção, compreensão e respeito; essenciais para favorecer o trato
pedagógico.
Introdução
inspiração para uma vasta gama de iniciativas, seja na esfera da produção acadêmica, seja no
âmbito das práticas pedagógicas, ou ainda no terreno das políticas públicas (AQUINO;
ARAÚJO, 2001). De um modo ou de outro, o que parece chamar atenção tanto dos teóricos
quanto dos protagonistas escolares é a dimensão propriamente atitudinal do trabalho
educativo junto às novas gerações - o que, de certo modo, continua sendo uma incumbência
escolar cujos limites e possibilidades permanecem em aberto. Espera-se da escola e dos
profissionais que lá atuam responsabilidade e compromisso com relação à dimensão do
aprendizado da moral e dos valores dos alunos.
Entendemos que a escola, consciente de seu papel formativo e instrutivo, não pode
trabalhar com qualquer valor. Se almejar a educação para a cidadania, sua responsabilidade
encontra-se em propiciar a oportunidade para que seus alunos e alunas interajam
reflexivamente e na prática sobre valores e virtudes vinculados à justiça, ao altruísmo, à
cidadania e à busca virtuosa da felicidade. Essa interação, no entanto, deve ser prazerosa, para
que seja alvo das projeções afetivas dos sujeitos. Caso contrário, o valor trabalhado poderá
não se constituir como valor para eles. O que queremos dizer é que trabalhar valores de forma
tradicional, não permitirá sua construção.
Inspirando-nos nas idéias de Piaget (1954), definimos os valores como trocas afetivas
que o sujeito realiza com o exterior. Surgem da projeção dos sentimentos sobre objetos,
pessoas e/ou relações. Desde o momento em que nascemos, por meio da realização de trocas
interpessoais, da intelectualização dos sentimentos, e dos julgamentos de valor que vamos
realizando, os valores vão sendo cognitivamente organizados. Dessa maneira, cada um de nós
constrói seu próprio sistema de valores, que se integra à nossa identidade. Nesse sistema que
cada um constrói, alguns valores posicionam-se, em relação à identidade, como mais centrais
ou mais periféricos.
Nesse sentido, buscamos com este artigo analisar os sentidos atribuídos por
profissionais que atuam na educação infantil, atuantes em municípios do oeste catarinense,
sobre a construção de valores sociais e morais de seus alunos; como esses professores
apreenderam os valores e como os ensinam. A base empírica deste artigo foi constituída a
partir de dados de pesquisa, que contou com uma amostra composta por quinze professores
que atuam nesse nível de ensino. Como procedimento de coleta de dados foi utilizado uma
entrevista com um roteiro semi-estruturado, e como procedimento de análise a técnica de
análise de conteúdo.
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ocasionais e talvez desordenadas, mas sim devem estar regulados e orientados por uma
proposta curricular específica” (PUIG, 1998a, p. 30).
Voltamos aqui a afirmar que a proposta de uma educação voltada para a ética e para os
valores deve estar presente durante o decorrer do ano letivo dentro das salas de aulas. Os
trabalhos e atividades desenvolvidos mesmo que de maneira transversal devem conter
posturas, comportamentos e atitudes que incentivem o desenvolvimento de tais aspectos.
Além disso, conforme nos afirma Puig (1998a, p. 33) deve-se ter uma especial atenção quanto
aos recursos metodológicos, pois estes devem estar baseados em finalidades educativas, aos
conteúdos curriculares que irão ser trabalhados e aos princípios que orientam sua prática para
que desta forma realmente se chegue aos objetivos traçados.
Segundo La Taille (2006, p. 107) nós devemos privilegiar no querer fazer moral a
progressiva construção do auto-respeito. Sendo assim faz-se necessário a presença de alguns
sentimentos na relação professor-aluno que “correspondem, portanto, ao “cimento” afetivo
que une a criança às pessoas de seu entorno social, cimento sem o qual ficaria difícil conceber
o despertar do senso moral” (LA TAILLE, 2006, p. 108).
Uma atitude que acreditamos ser coerente expor diz respeito à compreensão
empática e o respeito positivo incondicional os quais proporcionam uma “relação respeitosa
e compreensiva, já que é esta relação a que permite aos alunos manifestar-se com
espontaneidade e naturalidade, sem necessidade de manipular a própria identidade para
‘ganhar’ a aceitação e o apreço do professor” (PUIG, 1998a, p. 195). Tal conduta ajudará os
alunos a manifestarem-se além de compreender e valorizar a opinião de seus colegas. Pois o
que se vê hoje é que “presta-se muito mais atenção às diferenças do que à pessoa do outro”
(CORTELLA; LA TAILLE, 2006, p. 27). Desta forma é preciso buscar o “equilíbrio entre a
autoridade do mestre e a liberdade dos alunos. Qualquer que seja a combinação, o fator
principal é o respeito ao aluno (CÓRIA-SABINI, 2005, p. 33).
Dentro desta perspectiva Cortella e La Taille (2006, p. 31) enfatizam o quanto é
importante “olhar o outro como outro e não como estranho” isto é, precisamos acolher o outro
na condição de alguém como eu, sendo necessário trabalhar nessa perspectiva visando
formarmos uma comunidade onde existam objetivos comuns e mecanismos de proteção
mútua.
Outro aspecto que se torna necessário mencionar é a autenticidade do educador, pois
o aluno percebe quando o professor está agindo ‘como se’, portanto deve-se haver “coerência
entre o que sente e o que expressa, entre o que pensa e o que comunica” (PUIG, 1998a, p.
196). Nesse mesmo sentido, “o heterônomo [os alunos de educação infantil] precisa
incessantemente de provas de que a moral é, de fato, respeitada por outrem, para que ele
mesmo possa dobrar-se à suas exigências” (LA TAILLE, 2006, p. 112). Além disso, se deve
ter uma concepção positiva da pessoa e das relações humanas. Sendo assim, o professor
não deve decidir pelo aluno muito menos determinar aquilo que ele considera certo ou errado,
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mas conforme exposto por Puig (1998a, p. 198) “a ajuda do professor irá centrar-se, pois, em
favorecer ou criar as condições adequadas para que o educando possa restabelecer suas
próprias potencialidades”.
Ainda é importante destacar a maturidade emocional que o professor deve ter.
Segundo Puig (1998, p. 198-199) é comum tentar “transmitir para o outro aqueles modelos,
métodos, valores e maneira de pensar que a ajudaram em sua vida”, porém “omite a
diversidade e a pluralidade de pontos de vista, sentimentos e experiência, tendendo a
apresentar o mundo a partir de um ponto de vista muito pessoal”. Desta forma “o professor,
em seu papel de educador, deve estar preparado para manter-se sereno e ponderado diante
dessas oscilações inevitáveis nas atitudes de seus alunos.”
Desta forma, conforme o que nos aponta Cória-Sabini (2005, p. 45-46) “afetividade,
compreensão e confiança são palavras-chave para a conquista do saber”, ou seja, é preciso
que o professor articule a emoção com o conhecimento para que haja um aprendizado
significativo, afinal de contas “um pequeno auxílio dado no momento exato poderá fazer com
que a criança possa recuperar-se.”
Conforme o exposto por La Taille (2006, p. 109-113) a criança esta atenta para a
integridade das figuras de autoridade percebendo se as regras impostas não são seguidas pelos
adultos, se sentido enganada e injustiçada caso obriguem-na a segui-la. Afinal de contas, a
criança desenvolveu respeito pelas figuras que lhe apresentam tais regras porque elas lhe
inspiram amor e medo na medida em que sente admiração e apego por eles e teme perder a
proteção que lhes oferecem, além de sentir-se fraca e ter experimentado punições
desagradáveis.
a família. Além disso, um dos professores enfatizou que depende do planejamento realizado
tanto pelo professor quanto pela escola devendo estes se propor desenvolver com as crianças.
Tendo em vista que a maior parte dos professores reconhece o ensinamento de valores
morais como um compromisso da escola buscamos cartografar quais valores eles consideram
essenciais na educação das crianças que freqüentam a educação infantil.
Dos valores mais citados identificamos o respeito com maior freqüência, citado por
doze dos quinze entrevistados. Mencionado por cinco professores está à solidariedade, na qual
os professores enfatizaram a importância do saber dividir dentro e fora da escola. Em seguida,
a cooperação, a honestidade e os limites, os quais três professores destacaram como essenciais
na educação dos alunos de educação infantil. Citado por dois professores valores como a
responsabilidade, integridade, autonomia, amizade, amor, educação e boas maneiras. Já os
valores de participação, organização, auto-estima, fraternidade e religiosidade foram citados
por um professor, mas nem por isso deixam de ser menos importantes.
Em seguida, os professores foram questionados sobre quais os recursos utilizados para
ensinar valores morais a seus alunos. Frisaram a importância da realização de uma auto-
avaliação constante e indicaram que com diferentes métodos conseguem atingir os objetivos
que desejam. Todos os professores indicaram aproveitar as situações diárias para trabalhar os
valores morais.
Nesse sentido, como nos afirma Araújo e Puig (2007, p. 53) “mais importante é não
ensinar estes conteúdos de forma teórica, mas na prática, a partir da análise e discussão dos
conflitos diários”. Afinal de contas conforme pontua Delval (1998, p. 22)
Conforme nos pontua Puig (1998, p. 33 e 34) diante da gama de objetivos que podem
ser alcançados com uma educação voltada para o desenvolvimento moral das crianças, torna-
se difícil buscá-los com um único tipo de atividades ou com programas de propostas
uniformes tendo em vista ainda, que há a possibilidade de trabalhar mais de um objetivo
quando se tem também variadas atividades planejadas.
Sendo assim observamos o quanto é necessário resgatar valores, preocupar-se mais
com a formação não só intelectual das crianças, mas integral envolvendo especialmente o
desenvolvimento psíquico e social. Tudo isso se faz necessário tendo em vista que “os valores
humanos são essenciais para a formação do educando, pois é por meio deles que se formam
cidadãos cientes de que o respeito mútuo e a solidariedade, bem como as leis que regem a
organização das relações de grupos, são os pilares de uma sociedade democrática” (CÓRIA-
SABINI, 2005, p. 47).
Para finalizar esse bloco, os professores foram questionados se o projeto político
pedagógico de suas escolas prevê a educação na dimensão dos valores morais. Desta forma,
todos responderam de maneira afirmativa. Deste modo em concordância com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional capítulo II, seção II (1996; p. 18): “a educação
infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral
da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade.”
O sujeito adquire a moral em todos os contextos nos quais se encontra e nos quais
realiza sua atividade. Portanto, aprende a comportar-se moralmente da forma que se
considera correta no seio da família, na escola, no contato com os adultos e com os
colegas, através dos meios de comunicação e, geralmente, por meio da sua atividade
e observação da vida cotidiana dentro da sociedade onde vive (DELVAL, 1998, p.
21).
Em seguida, solicitamos aos docentes sobre algum professor que serviu de modelo ou
professor marcante para a postura adotada por eles quando neste papel. Assim, percebemos
que um dos professores entrevistados indicou que todos os seus professores, de uma forma ou
de outra, lhe repassaram valores. Outro enfatizou que os professores de séries iniciais tiveram
uma maior contribuição nessa construção, e doze dos entrevistados recordaram de um
professor, ao menos, que os marcou por ensinar os alunos nessa dimensão. Ao descreverem as
ações, atitudes, características ou fatos que ocorreram e os fizeram lembrar determinados
professores identificou-se que a maioria ressaltou a importância da aproximação, do contato,
do afeto e respeito que partia desses profissionais. Além disso, dois destes professores citaram
que as matérias específicas como educação moral e cívica, religião e filosofia eram mais
propícias para o trabalho de valores.
Houve ainda dois professores que recordaram também de situações desagradáveis que
lhes serve de parâmetro para atitudes que devem ser evitadas. Evidenciamos ainda um
professor que relatou não ter aprendido valores morais com seus professores, pois faltava o
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contato, o carinho, a confiança, o afeto, a aproximação com seus professores afirmando ainda
que se sentiam muito inseguros com os mesmos.
Sendo assim, conforme nos afirma Puig (1998a, p. 196) percebemos o quanto é
necessário o sentimento de acolhida e de valorização do aluno para que este se manifeste com
transparência. Assim, é necessário estabelecer um elo de confiança para que de fato haja um
trabalho diferenciado.
Considerações finais
papel como instituição de ensino e buscando que as demais instituições auxiliem nessa
construção dos valores humanos fundamentais para viver em sociedade.
No que se refere ao contexto da educação infantil, encontramos em Jares (2005, p. 14)
a posição de que a educação infantil é uma etapa do sistema educativo crucial para a
aprendizagem de valores, incluindo os valores coerentes com uma cultura da paz, como o
respeito, a cooperação, a resolução de conflitos, a igualdade, a não-discriminação, o
compartilhar, a ternura, a autonomia, a justiça, etc.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, U. F. & AQUINO, J. G. Os direitos humanos na sala de aula: a ética como
tema transversal. São Paulo: Moderna, 2001.
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CORIA-SABINI, Maria Aparecida; OLIVEIRA, Valdir Kessamiguiemon de. Construindo
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CORTELLA, Mario Sergio; TAILLE, Yves de La. Nos Labirintos da Moral. 3. ed. São
Paulo: Papirus, 2006. 112 p.
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DE VRIES, DE Rheta; ZAN, Betty. A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral
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JARES, X. R. A Cidadania no Currículo. Revista Pátio. Porto Alegre, ano IX, n.36, nov.
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PUIG, Josep. A construção da personalidade moral. São Paulo: Ática, 1998.