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Crescimento Intrauterino
Restrito
José Antônio Magalhães
Alessandra Fritsch
Crianças que apresentam um peso adequado ao sistindo com seu acúmulo calórico até o termo,
nascimento têm uma reserva fisiológica neces- devido à deposição de gordura resultante do
sária para não desenvolverem complicações pró- metabolismo da glicose. A taxa de crescimento
prias dessa idade. A incidência de morbidez e a fetal não é constante, sendo progressiva e sus-
de mortalidade aumentam quando o peso ade- tentada da concepção ao término da gestação
quado não é atingido. Recém-nascidos de baixo de forma linear.
peso, com menos de 2.500 g ao nascer, divi-
dem-se em duas populações distintas, nas quais O processo de crescimento fetal pode ser divi-
se avaliam a quantidade e a qualidade da vida dido em três fases consecutivas de crescimento
intrauterina. A primeira população está relacio- celular (Linn; Santolaya-Forgas, 1998):
nada ao tempo de vida intrauterina e é represen- > Fase de hiperplasia: ocorre durante as primei-
tada pelos recém-nascidos pré-termo, com peso ras 16 semanas de gestação, sendo caracte-
2.500 g em função de terem nascido antes do rizada por um rápido aumento do número
tempo. O segundo grupo é representado pelos celular.
recém-nascidos com 2.500 g por não terem
conseguido ganhar peso adequadamente devi- > Fase de hiperplasia e hipertrofia: ocorre entre
do à baixa qualidade da vida intrauterina, resul- 16 e 32 semanas de gestação, sendo caracte-
tando em um processo fisiopatológico chamado rizada pelo aumento do número e do tama-
restrição de crescimento fetal (Manning, 2000). nho das células concomitantemente.
O crescimento e o controle do desenvolvimento > Fase de hipertrofia: inicia-se nas 32 semanas
fetal dependem de fatores genéticos, endocri- de gestação, com um rápido aumento no ta-
nológicos, imunológicos, nutricionais e vascula- manho celular, sendo que, nessa fase, ocorre
res. A presença de um distúrbio qualquer que o maior ganho de gordura pelo feto.
apresente uma dessas origens pode resultar no
Um feto com crescimento normal aumenta 5 g/
atraso do crescimento do feto (Manning, 2000).
dia por volta das 15 semanas de gestação, 10
Considerados com uma unidade, o feto e a pla- g/dia em torno das 20 semanas e 30 a 35 g/dia
centa apresentam características diferentes de com 34 semanas.
crescimento. A placenta apresenta um desen-
volvimento contínuo até, aproximadamente, 37
semanas de gestação, quando inicia um pro-
Conceito
cesso de envelhecimento e cessação das trocas
feto-maternas. O feto, por sua vez, mantém o As definições de crescimento intrauterino restrito
seu crescimento durante toda a gestação, per- (CIUR) diferem segundo a literatura. Tais defini-
Rotinas em Obstetrícia 157
Mecanismos patológicos
Fatores fetais
O potencial primário de crescimento fetal é de-
terminado geneticamente. Esse potencial de cres-
cimento pode ser inibido, alterado ou desviado
devido a um conjunto de fatores que atuam so-
Figura 11.1 Recém-nascido com CIUR: idade ges- bre o metabolismo fetal e sobre o processo orga-
tacional de 29 semanas com 690 g de peso. nogenético, produzindo uma diminuição na taxa
158 Freitas, Martins-Costa, Ramos & Magalhães
45
p90
40
p75
35 p25
Altura uterina (cm)
p10
30
25
20
15
Semana 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39
N 445 495 454 478 490 594 602 621 579 600 662 606 715 666 695 734 784 791 687 481
Figura 11.2 Percentis 10, 25, 75 e 90 da distribuição das alturas uterinas a cada semana de gestação.
Fonte: Oppermmann e colaboradores (2006).
de utilização de nutrientes por unidade de peso e caso explicaria a maior parte das variações de
uma diminuição permanente no número de célu- comprimento e peso do tipo “hereditário”.
las. Isso ocorre nas seguintes circunstâncias: Quanto às anomalias cromossômicas, elas
atuam provavelmente sobre o peso do feto
a. Alterações genéticas ou cromossômicas: a mediante alteração na duração de algumas
alteração de peso pode ser consequência da fases específicas do ciclo celular. Distúrbios
ação de um único gene de longo efeito (p. cromossômicos e malformações congênitas
ex., fenilcetonúria) ou resultar de uma ação multifatoriais são responsáveis por aproxi-
multifatorial de vários genes. Esse último madamente 20% dos fetos com CIUR, e a
Rotinas em Obstetrícia 159
QUADRO 11.1
Fatores supostamente associados ao CIUR
Fatores maternos
> Gerais
– Idade: gestações em mulheres entre 21-29 anos têm menor possibilidade de prematuridade,
de mortalidade perinatal e de CIUR. A taxa de CIUR aumenta antes e depois desse período.
Gestações em mulheres 35 anos apresentam maior número de distúrbios metabólicos
(hipertensão e diabete melito), de implantação placentária inadequada e de insuficiência
uteroplacentária. O risco relativo para anormalidades cromossômicas frequentemente
associadas ao CIUR é maior em gestantes com 35 anos.
– Peso: o CIUR está associado a pacientes com peso inicial abaixo de 54 kg.
– História de CIUR materno aumenta o risco de CIUR para sua prole.
> Condições socioeconômicas
– Baixa escolaridade.
– Trabalho inadequado.
– Desnutrição.
> Hábitos
– Cigarro.
– Abuso de álcool.
– Uso de drogas ilícitas.
> Drogas
– Drogas teratogênicas têm importante efeito no crescimento fetal. Os anticoagulantes
(Varfarina), a hidantoína e o lítio estão associados a alterações fetais e ao CIUR.
> Doenças maternas
– Má adaptação da circulação materna.
– Doença renal crônica.
– Pré-eclâmpsia e hipertensão crônica.
– Hiperinsulinemia.
– Doença cardiopulmonar crônica.
– Anemia.
– Infecção do trato urinário.
– Doença autoimune.
Fatores fetais
> Anormalidades cromossômicas: identificadas em aproximadamente 15% dos casos de CIUR.
> Patologias: displasias (Fig. 11.9), condrodistrofias, osteogênese imperfeita, deficiência de
sulfatase placentária, defeitos de tubo neural.
> Radiação.
> Infecção intrauterina.
> Gestações múltiplas: uma das causas mais frequentes de CIUR.
> Fatores imunológicos.
> Intervalo entre as gestações: períodos inferiores a dois anos aumentam o CIUR.
> Ordem de nascimento: maior frequência de CIUR em primogênitos de pacientes jovens e mais
velhas.
Fatores uteroplacentários
> Anormalidades uterinas: em particular, útero bicorno e septado.
> Anormalidades placentárias: inserção anormal de cordão, anormalidade de forma, de sítio de
implantação (p. ex., placenta prévia), tumores, artéria umbilical única (Fig. 11.10), síndrome de
transfusão fetal e mosaico placentário.
160 Freitas, Martins-Costa, Ramos & Magalhães
Fatores placentários
A insuficiência vascular uteroplacentária pode
reduzir o fluxo e induzir o CIUR pela diminuição
da pressão de perfusão, pelo aumento da resis-
tência vascular placentária ou pela diminuição
da superfície vascular de trocas. Esses mecanis-
mos podem atuar separadamente ou, como é
mais frequente, de modo conjunto.
Acredita-se que a diminuição da perfusão ute-
roplacentária associada à doença vascular ma-
Figura 11.8 Imagem ultrassonográfica de gesta- terna seja responsável por cerca de 25 a 30%
ção trigemelar.
de todos os recém-nascidos com CIUR, sendo
a causa mais comum em fetos não anômalos.
Pré-eclâmpsia grave e hipertensão crônica com
pré-eclâmpsia sobreposta normalmente interfe-
rem de maneira profunda no crescimento fetal
(Resnik, 2002). Em um estudo em que foram
comparadas 370 gestantes com pré-eclâmpsia
a gestantes normotensas, foram observadas di-
minuição de 12% no peso ao nascimento dos
recém-nascidos com doença grave e diminuição
de 23% com doença de início precoce na gesta-
ção (Odegard et al., 2000).
A placenta dos fetos com CIUR frequentemente
tem tamanho diminuído, função anormal, ou
ambos. Em um estudo, 1.569 recém-nascidos
Figura 11.9 Ultrassonografia: corte longitudinal
demonstrando o tórax fetal preenchido em mais
normais, sem alterações genéticas, que apre-
de 50% de seu volume pelo coração (displasia es- sentavam CIUR, foram avaliados em relação ao
quelética). tamanho placentário e ao peso de nascimento
e comparados com recém-nascidos com peso
adequado. Uma placenta menor foi achada em
24% dos recém-nascidos com CIUR (Heinonen;
Taipale; Saarikoski, 2001). Estudando-se a mor-
fologia placentária por microscopia eletrônica
de fetos com CIUR e a ausência de fluxo diastó-
lico umbilical, foram evidenciadas significativas
anormalidades no compartimento viloso termi-
nal, o que poderia explicar a impedância vascu-
lar observada clinicamente no estudo Doppler
(Krebs et al., 1996).
Alterações estruturais placentárias também
podem causar CIUR, incluindo artéria umbilical
única, inserção velamentosa do cordão, placen-
Figura 11.10 Ultrassonografia demonstrando ta bilobada e corioangioma. Além disso, fetos
imagem de cordão umbilical com apenas dois va- com CIUR podem estar associados à placenta
sos (agenesia de artéria umbilical) na região cer- prévia (Bernstein; Divon, 1997).
vical do feto.
162 Freitas, Martins-Costa, Ramos & Magalhães
Figura 11.11 Ultrassonografia com imagem fe- No final da gravidez, a ecografia é menos con-
tal apresentando higroma cístico (síndrome de fiável na estimativa da IG, devido às variações
Turner). normais no crescimento fetal que ocorrem à
medida que a gestação avança. Entre 20 e 30
semanas, as estimativas de IG têm um erro de
aproximadamente duas semanas; esse erro au-
da disponibilidade inadequada de substra- menta para cerca de três semanas entre 30 e 40
tos para o metabolismo fetal. Nesse padrão semanas de gestação. Se uma única ecografia
de CIUR, as dimensões musculoesqueléticas for realizada, é melhor que seja feita por volta
e a cabeça fetal são poupadas, enquanto a da 18a semana, quando a estimativa da IG e a
circunferência abdominal é diminuída devi- avaliação das anomalias congênitas podem ser
do ao pequeno tamanho do fígado e à es- combinadas.
cassa quantidade de gordura subcutânea.
No segundo e terceiro trimestres, os parâmetros
Doenças vasculares maternas e insuficiência
de datação incluem a avaliação das medidas
uteroplacentária são os distúrbios que mais
fetais, como o diâmetro biparietal (DBP), a cir-
frequentemente limitam a disponibilidade
cunferência cefálica (CC), a circunferência ab-
de substratos metabólicos para o feto. Essas
dominal (CA) e o comprimento do fêmur (CF).
doenças geralmente se apresentam tarde na
A composição das medidas biométricas é mais
gestação, quando o crescimento fetal ocorre
acurada do que qualquer variável sozinha no se-
mais por aumento do volume celular do que
por multiplicação (Resnik, 2002).
Parâmetros de avaliação
do crescimento e do
desenvolvimento fetais
Atualmente a ultrassonografia obstétrica é con-
siderada essencial na investigação do cresci-
mento fetal e no diagnóstico de CIUR. Além de
estimar com precisão a IG, se realizada preco-
cemente, oferece a vantagem de avaliar o peso
fetal, que é um dos parâmetros mais importan-
tes no exame de um feto suspeito de CIUR. O
exame ultrassonográfico também é usado para
acompanhar o padrão de crescimento fetal em Figura 11.12 Ultrassonografia no primeiro tri-
determinado intervalo de tempo (Ott, 1997; mestre gestacional, demonstrando a medida do
Resnik, 2002). comprimento cefalocaudal.
164 Freitas, Martins-Costa, Ramos & Magalhães
gundo e terceiro trimestres da gestação. Assim A suspeita de CIUR inicia-se quando ocorre dis-
como no cálculo da IG, também são usados mo- crepância entre o tamanho uterino e a IG. O ta-
delos de regressão e fórmulas para a determina- manho uterino pode ser avaliado objetivamente
ção da estimativa do peso fetal (Hadlock et al., pela medida da AU.
1985; Shepard et al., 1982), um parâmetro es-
Medidas seriadas da AU plotadas em curvas-pa-
sencial no diagnóstico e manejo do CIUR (Cap.
drão de crescimento são utilizadas para rastrea-
19, Ultrassonografia obstétrica).
mento de CIUR (Figs. 11.12 e 11.13). Entre 18
Alguns autores consideram a medida da CA o e 30 semanas de gestação, a medida da AU
índice de maior confiança para predizer o tama- em centímetros coincide com as semanas de
nho fetal (Manning, 2000). Além disso, fetos gestação. Se a medida for 2 a 3 cm do es-
que apresentarem um peso estimado normal, perado, deve-se suspeitar de crescimento fetal
mas uma CA em um percentil mais baixo, têm inadequado (Cunningham et al., 2005). O maior
um risco maior de desenvolverem restrição de problema em relação ao rastreamento de CIUR
crescimento (Kramer; Weiner, 1997). pela medida seriada da AU isolada é a impre-
cisão, pois o diagnóstico pode ser mascarado
ou incorreto em até 50% dos casos, sendo, em
Diagnóstico geral, sobrediagnosticado (Resnik, 2002). En-
tretanto, esses resultados não devem diminuir
A estimativa adequada da IG, a atenção ao a importância do exame no pré-natal, pois essa
ganho de peso materno, assim como a reali- medida é somente um método de screening na
zação cuidadosa da medida da altura uterina avaliação do crescimento fetal, que, associado a
(AU – medida da sínfise púbica ao fundo ute- fatores de risco maternos para CIUR, pode levar
rino) durante a gestação, contribuirão para a à investigação ecográfica adequada.
identificação de muitos casos de crescimento
fetal anormal em pacientes sem fatores de risco Em gestações em que a IG é incerta, seja por
para CIUR (Cunnhingam et al., 2005). A certe- DUM incerta ou por ecografias tardias, a avalia-
za do dia da última menstruação (DUM) é um ção do crescimento fetal fica mais complicada.
dado nem sempre possível de ser obtido, já que Deve ser realizada por meio de exames ultras-
em torno de 40% das mulheres não sabem a sonográficos seriados com intervalo de 2 a 3
DUM, por isso a importância da realização de semanas. A observação de crescimento fetal es-
uma ecografia precoce na gestação (Manning, perado para essa IG praticamente exclui a possi-
2000). A identificação de fatores de risco para bilidade de CIUR (Manning, 2000).
CIUR é o próximo passo, investigando-se histó- O diagnóstico de CIUR é sempre provável, por-
ria obstétrica prévia (recém-nascido com baixo que só é confirmado ao nascimento, quando
peso em gestações prévias, história de malfor- o recém-nascido é classificado como pequeno
mações fetais), distúrbios associados (doença para a idade gestacional (PIG) conforme o seu
autoimune, hipertensão arterial) e hábitos tóxi- peso e sua IG. A IG é calculada clinicamente ao
cos (tabagismo, uso de drogas) e nutricionais. nascimento por dois métodos: o Capurro e o
A história de CIUR prévia é um dos mais im-
Ballard. Mesmo assim, existem parâmetros para
portantes fatores de risco, devendo ser sempre
considerar CIUR patológico, pois a maioria des-
investigada (Cunnhingam et al., 2005). Casos
ses recém-nascidos é constitucionalmente pe-
de mulheres com fatores de risco significativos
quena, sendo apenas uma variante do normal.
devem receber maior atenção no pré-natal em
relação ao crescimento fetal, principalmente por Os métodos ultrassonográficos são aplicados
meio de ecografias seriadas. Por mais que a in- ao diagnóstico de CIUR de dois modos. Em
dicação do exame ultrassonográfico dependa de primeiro lugar, são usados para reconhecer a
circunstâncias clínicas e condições socioeconô- discrepância entre a massa (peso) fetal espera-
micas, uma avaliação ecográfica inicial, seguida da e a observada para uma IG. Em segundo,
por outra com 32 a 34 semanas de gestação, são empregados para determinar a etiologia, a
já serve para identificar muitos casos de CIUR severidade e o prognóstico em relação à dis-
(Cunningham et al., 2005). crepância observada (Manning, 2000). Um
Rotinas em Obstetrícia 165
PERCENTIS
Semanas 5 10 25 50 75 90 95
Figura 11.13 Altura uterina (em cm) para cada semana de amenorreia em relação ao percentil
(CLAP-948).
diagnóstico acurado é conhecido por meio da querem avaliação sequencial a cada duas sema-
morfometria fetal, da morfologia e da avalia- nas para confirmar a continuidade da velocida-
ção funcional: quantidade de líquido amnió- de de crescimento normal, sendo o prognóstico
tico, avaliação do bem-estar fetal e avaliação perinatal excelente. O segundo padrão observa-
pelo Doppler. do é uma velocidade de crescimento diminuída,
caindo os valores a cada medida, na qual os tes-
Em relação às gestantes em investigação tes de intervalo revelam uma diferença maior da
para CIUR que não possuem uma IG confi- velocidade de crescimento esperada. Esses fetos
ável, recomenda-se um intervalo de 2 se- podem ser considerados com CIUR e alteração
manas para comparação dos parâmetros de da condição fetal (Manning, 2000). A Figura
crescimento. Isso porque a comparação em 11.14 mostra o fluxograma para a investigação
intervalos mais curtos impossibilita a dife- de suspeita de CIUR por ecografia.
renciação de mudanças, devido ao erro da
medida ultrassonográfica. A associação entre oligoidrâmnio e restrição de
crescimento fetal patológica já tem sido reco-
Estimativas sequenciais fetais com intervalo de nhecida há muito tempo (Cunningham et al.,
duas semanas, em geral, produzirão um dos se- 2005; Manning, 2000), sendo mais observada
guintes padrões. A velocidade de crescimento nos fetos com insuficiência uteroplacentária.
pode ser paralela à curva de distribuição normal, Tem sido detectada nesses fetos a presença de
mas permanecerá abaixo do percentil 10 (ou de hipoxemia e acidemia por análise do sangue de
outro percentil usado como ponto de corte). cordão e sabe-se que eles alteram a sua fun-
Nesses fetos, o diagnóstico de feto pequeno ção renal e diminuem o débito urinário em
normal é o mais provável. Na ausência de sinais resposta a episódios de hipoxemia, levando à
funcionais de comprometimento, tais fetos re- diminuição do volume de LA (Cunningham et
166 Freitas, Martins-Costa, Ramos & Magalhães
Suspeita de CIUR
Conhecida Desconhecida
Repetir ecografia em
Medidas ecográficas
3 semanas
CIUR
Figura 11.14 Fluxograma para investigação de suspeita de CIUR por método dinâmico com ecografia.
A morfometria fetal e a avaliação funcional estão intimamente relacionadas a etiologia, prognóstico e
orientação de manejo.
Fonte: Adaptada de Manning (2000).
al., 2005; Manning, 2000). A mortalidade pe- sofrimento fetal, sem vantagens em relação aos
rinatal aumenta conforme a diminuição da desfechos perinatais.
medida vertical do maior bolsão de LA, medida
Mesmo que o peso estimado fetal tenha a me-
essa que cai significativamente quando o maior
lhor sensibilidade para identificar fetos com CIUR,
lago mede 2 cm (Manning, 2000). Recente-
existem ainda outros parâmetros que auxiliam no
mente vem se estudando a melhor maneira de
diagnóstico de CIUR, como a avaliação do grau
avaliar-se a quantidade de líquido amniótico.
placentário, o diâmetro cerebelar transverso, a
Acredita-se que o índice de líquido amniótico
medida do tecido adiposo subcutâneo no abdo-
(ILA), por ter sido introduzido na prática clínica
me fetal e o estudo Doppler da circulação mater-
de vários centros do mundo sem a avaliação de
no-fetal (Ott, 1997). Dentre esses parâmetros, o
qualquer estudo prospectivo para sua valida-
último estudo contribui tanto para o diagnóstico
ção, deve ser substituído pela medida vertical
como para o seguimento dos fetos com CIUR.
do maior bolsão para o diagnóstico de oligoid-
râmnio (medida vertical do maior bolsão < 2 Quando se tem um provável diagnóstico de
1) (Manning, 2009). Uma metanálise incluindo CIUR, esforços devem ser feitos para avaliar
quatro ensaios clínicos randomizados (Nabhan; a etiologia dessa restrição de crescimento.
Abdelmoula, 2008) comparando ILA e medida A ultrassonografia novamente tem um pa-
do maior bolsão conclui que, quando o ILA é pel fundamental, pois, na presença de mal-
usado para diagnóstico de oligoidrâmnio, sig- formações fetais, deve ser realizada cordo-
nificativamente mais casos são diagnosticados, centese ou amniocentese para avaliação do
com mais induções de parto, mais cesáreas por cariótipo (Cunningham et al., 2005).
Rotinas em Obstetrícia 167
fetais (CTG e PBF), podemos permitir que a como hipertensão materna, oligoidrâmnio,
gestação prossiga, minimizando o impacto falha no crescimento fetal em um período de
da prematuridade e protegendo contra da- acompanhamento de 2 a 3 semanas, PBF baixo
nos fetais irreversíveis (Harman; Baschat, ( 6 em 10) ou se o Doppler da artéria umbilical
2003) (Tab. 11.1). revelar ausência de fluxo distólico ou fluxo re-
verso (Resnik, 2002).
Fetos próximos do termo
( 34 semanas) que apresentam Se houver dúvidas em relação ao momento de
crescimento intrauterino restrito indicar a interrupção da gestação, a paciente
A interrupção da gestação é a melhor conduta deverá permanecer em acompanhamento con-
para os fetos com CIUR que já estão a termo tínuo do bem-estar fetal. O Doppler da artéria
(Cunningham et al., 2005). Os fetos próximos umbilical deve ser realizado quinzenalmente, e o
do termo deverão nascer quando surgirem evi- PBF, junto com o MAP, semanalmente (Kramer;
dências de evolução desfavorável da gestação, Weiner, 1997). A avaliação ultrassonográfica
> CA percentil 5; CC/CA > CIUR diagnosticado > Intervenção somente por
elevada > Asfixia rara fatores obstétricos ou
> PBF 8; volume de LA normal > Risco aumentado de maternos
> AU anormal sofrimento fetal intraparto > PBF semanal
> ACM normal > Doppler a cada 2 semanas
> CIUR > CIUR com preservação > Intervenção por fatores
> PBF 8; volume de LA normal cerebral obstétricos, maternos ou feto
> AU com ausência de diástole > Possível hipoxemia; asfixia rara 34 semanas de IG
ou diástole reversa > Risco aumentado de > PBF 3 x/semana
> ACM com resistência sofrimento fetal intraparto > Doppler AU, ACM, Doppler
diminuída venoso semanal
> CIUR > CIUR com preservação > 34 semanas de IG:
> ACM com resistência cerebral interrupção
diminuída > Início do comprometimento > 32 semanas de IG:
> Oligoidrâmnio fetal corticoide (maturidade fetal);
> PBF 6 > Hipoxemia é comum repetir todos os testes em 24
> Doppler venoso normal > Possível acidemia e asfixia horas
> Hipoxemia é comum
> CIUR > CIUR com preservação > 32 semanas de IG:
> Oligoidrâmnio cerebral interrupção
> PBF 6 > Comprometimento fetal > 32 semanas de IG:
> Doppler venoso alterando-se, > Hipoxemia é comum individualizar os casos;
mas fluxo na veia umbilical > Acidemia e asfixia são comuns corticoide (maturidade fetal);
ainda normal manter CTG contínua; repetir
todos os testes para definir o
momento da interrupção
> CIUR > CIUR com descompensação > Se feto viável, interrupção em
> PBF 6 > Instabilidade cardiovascular centro terciário, com boas
> Doppler venoso alterado, com > Hipoxemia condições de atendimento em
fluxo pulsátil na veia umbilical > Acidemia e asfixia são comuns UTI neonatal
> Mortalidade perinatal alta
> Morte iminente
CA, circunferência abdominal; CC, circunferência cefálica; AU, artéria umbilical; ACM, artéria cerebral média; CTG,
cardiotocografia.
Fonte: Adaptada de Harman e Baschat (2003).
Rotinas em Obstetrícia 171
ram CIUR, os resultados dos estudos ainda são ceram prematuras e apresentaram deterioração
muito conflitantes (Cunningham et al., 2005). importante no fluxo umbilical (Resnik, 2002).
Alguns mostram que as crianças que tiveram
Evidências mais recentes sugerem que fetos que
CIUR apresentaram um grau de quociente de
inteligência (QI) que varia entre normal e pouco apresentam CIUR ou baixo peso ao nascimento
diminuído. Esses achados são estatisticamente compensam o ambiente hostil em que viveram
significativos, mas irrelevantes na prática clínica. desenvolvendo uma síndrome metabólica mais
Estudos subsequentes confirmam aumento de tarde em suas vidas, com aumento de risco para
risco para um pior desenvolvimento intelectual o desenvolvimento de hipertensão, dislipidemia,
e menor capacidade de aprendizado na escola intolerância à glicose e cardiopatia isquêmica.
(Geva et al., 2006; Leitner et al., 2007; Leonard Essa síndrome é descrita na literatura como “hi-
et al., 2008). Além disso, já foi demonstrada pótese de Barker”, sugerindo que a morbimorta-
uma significativa associação entre CIUR e para- lidade na vida adulta é pré-determinada a partir
lisia cerebral. Os piores desfechos têm sido ob- da vida fetal e neonatal (Kanaka-Gantenbein;
servados nas crianças com CIUR grave que nas- Mastorakos; Chrousos 2003; Kaijser et al., 2008).
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