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MANUAL DE DIREITO

CONSTITUCIONAL,
PÚBLICO E PRIVADO

Universidade Católica de Moçambique


Centro de Ensino á Distância
Direitos de autor (copyright)
Este manual é propriedade da Universidade Católica de Moçambique (UCM), Centro de
Ensino à Distância (CED) e contêm reservados todos os direitos. É proibida a duplicação e/ou
reprodução deste manual, no seu todo ou em partes, sob quaisquer formas ou por quaisquer
meios (electrónicos, mecânico, gravação, fotocópia ou outros), sem permissão expressa de
entidade editora (Universidade Católica de Moçambique – Centro de Ensino à Distância). O
não cumprimento desta advertência é passível a processos judiciais.

Autoria de: Justino Felesberto


Diplomado em direito pela Universidade Eduardo Mondlane

Universidade Católica de Moçambique (UCM)


Centro de Ensino à Distância (CED)
Rua Correia de Brito No 613 – Ponta-Gêa
Beira – Sofala

Telefone: 23 32 64 05
Cell: 82 50 18 440
Moçambique

Fax: 23 32 64 06
E-mail: ced@ucm.ac.mz
Website: www.ucm.ac.mz
Agradecimentos

A Universidade Católica de Moçambique-Centro de Ensino à Distância e o


autor do presente manual, agradecem a colaboração de todos os que
tornaram possível a produção do manual.
Universidade Católica de Moçambique i

Índice
Visão geral 1
Benvindo a Inserir título do curso/Módulo aqui Inserir sub-título aqui ........................... 1
Objectivos do curso ....................................................................................................... 1
Quem deveria estudar este módulo ................................................................................ 1
Como está estruturado este módulo................................................................................ 1
Ícones de actividade ...................................................................................................... 2
Acerca dos ícones ........................................................................................ 2
Habilidades de estudo .................................................................................................... 2
Precisa de apoio? ........................................................................................................... 2
Tarefas (avaliação e auto-avaliação) .............................................................................. 3
Avaliação ...................................................................................................................... 3

Unidade Inserir aqui no. da unidade 5


Inserir aqui o título da unidade ...................................... Erro! Marcador não definido.
Introdução ............................................................................................................ 5
Sumário ......................................................................... Erro! Marcador não definido.
Exercícios...................................................................... Erro! Marcador não definido.
Universidade Católica de Moçambique 1

Visão geral
BEM-VINDOAO DIREITO CONSTITUCIONAL, PÚBLICO
E PRIVADO

Objectivos do curso
Quando terminar o estudo de Direito Constitucional, Público e privado
será capaz de:

 Compreender as razões da designação da disciplina;


 2. Reconhecer o direito constitucional como parte do direito público
e fundamento do direito público e do direito privado;
 Usar o teorema de Desargues e seus casos particulares para resolver
Objectivos tarefas;
 Definir num quadrivértice (ou quadrilátero) o conjunto de quatros
pontos (ou rectas) que forma um quadruplo harmónico;
 Determinar num sistema de abcissas, (quando se toma um sistema de
pontos fundamentais), a posição de um quarto ponto de uma razão
anarmónica;
 Representar projectividades definidas entre pontuais ou feixes
 Definir campos e distinguir os dois tipos de projectividades em forma
de campos

Quem deveria estudar este


módulo
Este Módulo foi concebido para todos aqueles estudantes que queiram
ser funcionáros públicos ou de outras entidde afim . Estendese a todos
que queiram consolidar os seus conhecimentos sobre a Administrção
Pública.
Universidade Católica de Moçambique 2

Como está estruturado este


módulo
Todos os módulos dos cursos produzidos por UCM - CED encontram-se
estruturados da seguinte maneira:

Páginas introdutórias
 Um índice completo.
 Uma visão geral detalhada do módulo, resumindo os aspectos-chave
que você precisa conhecer para completar o estudo. Recomendamos
vivamente que leia esta secção com atenção antes de começar o seu
estudo.

Conteúdo do módulo
O módulo está estruturado em unidades. Cada unidade incluirá uma
introdução, objectivos da unidade, conteúdo da unidade incluindo
actividades de aprendizagem.

Outros recursos
Para quem esteja interessado em aprender mais, apresentamos uma lista
de recursos adicionais para você explorar. Estes recursos que inclui
livros, artigos ou sites na internet podem serem encontrados na pagina de
referencias bibliográficas.

Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação


Tarefas de avaliação para este módulo encontram-se no final de três ou
quatro unidades. Sempre que necessário, inclui-se na apresentação dos
conteúdos algumas actividades auxiliares que irão lhe ajudar a perceber a
exposição dos restantes conteúdos.

Comentários e sugestões
Esta é a sua oportunidade para nos dar sugestões e fazer comentários
sobre a estrutura e o conteúdo do módulo. Os seus comentários serão
úteis para nos ajudar a avaliar e melhorar este módulo.

Ícones de actividade
Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens das
folhas. Estes ícones servem para identificar diferentes partes do processo
de aprendizagem. Podem indicar uma parcela específica de texto, uma
nova actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc.
Neste módulo destacamos particularmente a marca ( ) que foi usada
para indicar as tarefas auxiliares que ajudarao-te a perceber os conteudos
expostos.
Universidade Católica de Moçambique 3

Habilidades de estudo
Durante a formação, para facilitar a aprendizagem e alcançar melhores
resultados, implicará empenho, dedicação e disciplina no estudo. Isto é, os
bons resultados apenas se conseguem com estratégias eficazes e por isso é
importante saber como estudar. Apresento algumas sugestões para que
possa maximizar o tempo dedicado aos estudos:

Antes de organizar os seus momentos de estudo reflicta sobre o ambiente


de estudo que seria ideal para si: Estudo melhor em
casa/biblioteca/café/outro lugar? Estudo melhor à noite/de manhã/de
tarde/fins-de-semana/ao longo da semana? Estudo melhor com
música/num sítio sossegado/num sítio barulhento? Preciso de um intervalo
de 30 em 30 minutos/de hora a hora/de duas em duas horas/sem
interrupção?

É impossível estudar numa noite tudo o que devia ter sido estudado
durante um determinado período de tempo; Deve estudar cada ponto da
matéria em profundidade e passar só ao seguinte quando achar que já
domina bem o anterior. É preferível saber bem algumas partes da matéria
do que saber pouco sobre muitas partes.

Deve evitar-se estudar muitas horas seguidas antes das avaliações, porque,
devido à falta de tempo e consequentes ansiedade e insegurança, começa a
ter-se dificuldades de concentração e de memorização para organizar toda
a informação estudada. Para isso torna-se necessário que: Organize na sua
agenda um horário onde define a que horas e que matérias deve estudar
durante a semana; Face ao tempo livre que resta, deve decidir como o
utilizar produtivamente, decidindo quanto tempo será dedicado ao estudo e
a outras actividades.

É importante identificar as ideias principais de um texto, pois será uma


necessidade para o estudo das diversas matérias que compõem o curso: A
Universidade Católica de Moçambique 4

colocação de notas nas margens pode ajudar a estruturar a matéria de


modo que seja mais fácil identificar as partes que está a estudar e Pode
escrever conclusões, exemplos, vantagens, definições, datas, nomes, pode
também utilizar a margem para colocar comentários seus relacionados
com o que está a ler; a melhor altura para sublinhar é imediatamente a
seguir à compreensão do texto e não depois de uma primeira leitura;
Utilizar o dicionário sempre que surja um conceito cujo significado
desconhece;

Precisa de apoio?
Caro estudante, temos a certeza que por uma ou por outra situação, o
material impresso, lhe pode suscitar alguma dúvida (falta de clareza,
alguns erros de natureza frásica, prováveis erros ortográficos, falta de
clareza conteudística, etc). Nestes casos, contacte o tutor, via telefone,
escreva uma carta participando a situação e se estiver próximo do tutor,
contacteo pessoalmente.

Os tutores tem por obrigação, monitorar a sua aprendizagem, dai o


estudante ter a oportunidade de interagir objectivamente com o tutor,
usando para o efeito os mecanismos apresentados acima.

Todos os tutores tem por obrigação facilitar a interacção, em caso de


problemas específicos ele deve ser o primeiro a ser contactado, numa fase
posterior contacte o coordenador do curso e se o problema for de natureza
geral. Contacte a direcção do CED, pelo número 825018440.

Os contactos só se podem efectuar, nos dias úteis e nas horas normais de


expediente.

As sessões presenciais são um momento em que você caro estudante, tem


a oportunidade de interagir com todo o staff do CED, neste período pode
apresentar duvidas, tratar questões administrativas, entre outras.
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O estudo em grupo, com os colegas é uma forma a ter em conta, busque


apoio com os colegas, discutam juntos, apoiemse mutuamente, reflictam
sobre estratégias de superação, mas produza de forma independente o seu
próprio saber e desenvolva suas competências.

a.

Tarefas (avaliação e auto-


avaliação)
O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e
autoavaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é
importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser entregues antes do
período presencial.

Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não


cumprimento dos prazos de entrega, implica a não classificação do
estudante. Os trabalhos devem ser entregues ao CED e os mesmos devem
ser dirigidos ao tutor\docentes. Podem ser utilizadas diferentes fontes e
materiais de pesquisa, contudo os mesmos devem ser devidamente
referenciados, respeitando os direitos do autor.

O plagiarismo deve ser evitado, a transcrição fiel de mais de 8 (oito)


palavras de um autor, sem o citar é considerado plagio. A honestidade,
humildade científica e o respeito pelos direitos autoriais devem marcar a
realização dos trabalhos.

Avaliação
Você será avaliado durante o estudo independente (80% do curso) e o
período presencial (20%). A avaliação do estudante é regulamentada com
base no chamado regulamento de avaliação. Os trabalhos de campo por ti
desenvolvidos, durante o estudo individual, concorrem para os 25% do
cálculo da média de frequência da cadeira.
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Os exames são realizados no final da cadeira e durante as sessões


presenciais, eles representam 60%, o que adicionado aos 40% da média de
frequência, determinam a nota final com a qual o estudante conclui a
cadeira. A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da
cadeira. Nesta cadeira o estudante deverá realizar 3 (três) trabalhos, 2
(dois) teste e 1 (um) exame. Não estão previstas quaisquer avaliação oral.

Algumas actividades praticas, relatórios e reflexões serão utilizadas como


ferramentas de avaliação formativa. Durante a realização das avaliações,
os estudantes devem ter em consideração a apresentação, a coerência
textual, o grau de cientificidade, a forma de conclusão dos assuntos, as
recomendações, a identificação das referencias utilizadas, o respeito pelos
direitos do autor, entre outros. Os objectivos e critérios de avaliação estão
indicados no manual. Consulte-os.
Universidade Católica de Moçambique 1

Como está estruturado este


módulo

PLANO DE EXPOSIÇÃO
1. A DESIGNAÇÃO DA DISCIPLINA: PORQUÊ DIREITO
CONSTITUCIONAL, PÚBLICO E PRIVADO?
1.1. O Direito Constitucional é um ramo do direito público
1.2. O Direito Constitucional é o fundamento do direito público e do
direito privado
2. Direito constitucional
2.1. Definição e objecto
2.2. Classificação
2.2.1. Direito constitucional geral
2.2.2. Direito constitucional particular
3. Relação entre o Direito Constitucional e outros ramos de direito
3.1. A Ciência do direito constitucional
3.2. Direito constitucional e ramos de direito privado
3.3. Direito constitucional e outros ramos do direito público

Todos os módulos dos cursos produzidos por inserir aqui nome da


instituição encontram-se estruturados da seguinte maneira:

Páginas introdutórias
 Um índice completo.
 Uma visão geral detalhada do curso / módulo, resumindo os
aspectos-chave que você precisa conhecer para completar o estudo.
Recomendamos vivamente que leia esta secção com atenção antes de
começar o seu estudo.

Conteúdo do curso / módulo


O curso está estruturado em unidades. Cada unidade ncluirá uma
introdução, objectivos da unidade, conteúdo da unidade incluindo
actividades de aprendizagem, um summary da unidade e uma ou mais
actividades para auto-avaliação.

Outros recursos
Para quem esteja interessado em aprender mais, apresentamos uma lista
de recursos adicionais para você explorer. Estes recursos podem incluir
livros, artigos ou sites na internet.
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Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação


Tarefas de avaliação para este módulo encontram-seno final de cada
unidade. Sempre que necessário, dão-se folhas individuais para
desenvolver as tarefas, assim como instruções para as completar. Estes
elementos encontram-se no final do modulo.

Comentários e sugestões
Esta é a sua oportunidade para nos dar sugestões e fazer comentários
sobre a estrutura e o conteúdo do curso / módulo. Os seus comentários
serão úteis para nos ajudar a avaliar e melhorar este curso / modulo.

Ícones de actividade
Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens das
folhas. Estes icones servem para identificar diferentes partes do processo
de aprendizagem. Podem indicar uma parcela específica de texto, uma
nova actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc.

Acerca dos ícones


Os ícones usados neste manual são símbolos africanos, conhecidos por
adrinka. Estes símbolos têm origem no povo Ashante de África
Ocidental, datam do século 17 e ainda se usam hoje em dia.
Os ícones incluídos neste manual são... (ícones a ser enviados - para
efeitos de testagem deste modelo, reproduziram-se os ícones adrinka, mas
foi-lhes dada uma sombra amarela para os distinguir dos originais).
Pode ver o conjunto completo de ícones deste manual já a seguir, cada
um com uma descrição do seu significado e da forma como nós
interpretámos esse significado para representar as várias actividades ao
longo deste curso / módulo.
Clique aqui e seleccione Inserir elementos (imagem/tabela/nova unidade)
da janela do Modelo para Ensino à Distância. Escolha ou Todos os ícones
abstractos ou Todos os ícones adrinka da lista dada.

Habilidades de estudo
Inclua aqui alguns parágrafos curtos para aconselhar os alunos a planear o
seu tempo, dê dicas sobre tomada de notas, como estudar à distância, etc.

Precisa de apoio?
Apresente aqui pormenores do sistemas de apoio ao aluno: quem devem
contactar em caso de precisarem de apoio em relação a vários tipos de
problemas.
Universidade Católica de Moçambique 3

Tarefas (avaliação e auto-


avaliação)
Para avaliação e auto avaliação os estudantes tera de resolver os exercicio
do manual e as tarefas que o docente der durantes as aulas, e ainda o
estudo indivual

Avaliação
Para avaliação os estudantes teram 3 testes , 3 trabalho e o exame final
Universidade Católica de Moçambique 5

Unidade 01
1. A DESIGNAÇÃO DA
DISCIPLINA: PORQUÊ DIREITO
CONSTITUCIONAL, PÚBLICO E
PRIVADO?
Introdução

1.1. O Direito Constitucional é um ramo do direito público

Ramos de direito representam a divisão fictícia do Direito em


ramos, que se especializam em função de um objecto e método
próprios. Assim, em função das várias esferas de actividade e da
na Sociedade, surgirão vários ramos de direito.

Contudo, a divisão do direito em ramos é meramente pedagógica


e fictícia, não significando que cada ramo seja um compartimento
estanque, incomunicável com os restantes ramos.

A divisão mais comum dos ramos de direito é a que contrapõe o


direito internacional do direito interno, e o direito interno estadual
dividindo-se em direito público e direito privado.

O Direito Internacional ou Direito Internacional Público “é o


ramo do direito constituído pelo sistema de normas jurídicas que
se aplicam a todos os membros da Comunidade Internacional,
para regular os assuntos específicos desta, a fim de garantir os
fins próprios da referida Comunidade nas matérias da sua
competência”1.

A divisão entre o direito público e o direito privado tem sido


apresentada com recurso a três grandes critérios, designadamente,

1
AMARAL, Diogo Freitas do. Manual de Introdução ao Direito. Vol I, Almedina,
Lisboa, 2004, pp. 219.
Universidade Católica de Moçambique 6

o critério do interesse, o critério da qualidade do sujeito e o


critério da posição do sujeito.

De acordo com o critério do interesse, o direito público é o que,


cujas normas prosseguem necessariamente o interesse público, ao
passo que o direito privado satisfaz o interesse particular. No
entanto, esse critério não tem sido decisivo na medida em que
existem normas do direito público que protegem interesses
privados.

O critério da qualidade do sujeito na relação jurídica sustenta que


o direito público é o que disciplina a relação jurídica em que
intervenham sujeitos públicos (exemplo, Estado e autarquias
locais), ou pelo menos, um dos sujeitos intervenientes nessa
relação seja um ente público. Já o direito privado é aquele que
regula as relações jurídicas nas quais não há intervenção de
nenhum sujeito público. No entanto, este critério não é
igualmente de todo certo na medida em que nem sempre os entes
públicos intervém numa relação jurídica com poderes públicos,
pois vezes há em que intervêm despedidos desse poder.

De acordo com o critério da posição dos sujeitos, estaremos


perante normas de direito público quando, numa relação jurídica,
uma das partes intervenha revestido de poderes de autoridade “jus
imperii”. Nos casos em que nenhum dos sujeitos se apresenta com
poderes de autoridade, e portanto, as partes, ainda que uma delas
seja um ente público, estão em pé de igualdade, tratar-se-á de uma
relação de direito privado. Este critério é compreensível, na
medida em que nem sempre o Estado intervém numa relação com
jus imperii, havendo situações em que se participa em pé de
igualdade com os particulares, portanto, despido do poder de
autoridade, é o que acontece, por exemplo, quando o Estado se
dirige ao mercado para arrendar uma casa. Este é o critério que
parece defensável para a destrinça entre o direito privado e o
direito público.
Universidade Católica de Moçambique 7

Fazem parte do direito privado, entre outros, o Direito da Família,


o Direito das Sucessões, o Direito das Obrigações e o Direito
Comercial.

Integram o direito público, dentre outros, o Direito


Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Penal, o
Direito Fiscal, o Direito Processual Penal e o Direito Financeiro.

1.2. O Direito Constitucional é o fundamento do direito público


e do direito privado

O direito constitucional é o cerne do direito público interno, uma


vez que tem por objecto a organização fundamental do Estado,
designadamente estruturar o Estado, donde deriva a subordinação
dos ramos de direito público (Direito Administrativo, Direito
Penal, Direito Fiscal, Direito Aduaneiro, Direito Financeiro,
Direitos Processuais, etc) a si.
O direito constitucional define os princípios fundamentais
estruturantes do Direito Administrativo, Direito Penal, Direito
Tributário, etc e do Direito Judiciário e determina os órgãos
principais. De facto, a título exemplificativo, a Constituição
Moçambicana apresenta os princípios fundamentais do Estado no
título I, os princípios basilares do direito penal nos artigos 56 a
72, a Constituição Administrativa nos artigos 249 a 253 e os
princípios do direito fiscal nos artigos 126 a 127 e 100.
É o fundamento do direito privado, pois é o direito constitucional
que define as bases da organização económica e social do Estado,
que constituem o alicerce do direito privado (Direito Civil,
Direito Comercial, Direito das Obrigações, Direito da Família,
Direito do Trabalho, Direito das Sucessões, etc). Assim, e a título
de exemplo, a Constituição Moçambicana define os princípios
estruturantes do direito do trabalho (artigos 84 a 87 e 112), do
Universidade Católica de Moçambique 8

direito da família (artigos 119 a 122), e do direito das sucessões


(artigo 83).
Assim, a opção da designação de Direito Constitucional como
DIREITO CONSTITUCIONAL PÚBLICO E PRIVADO, tem em
vista apenas enfatizar que o Direito Constitucional, para além de
ser parte do direito público, é, ao mesmo tempo, fundamento do
direito público e direito privado. Contudo, tendo em conta que os
diversos ramos do direito público e do direito privado serão
abordados noutras disciplinas curriculares, vamos prender a nossa
atenção ao objecto do Direito Constitucional, que é a
Constituição.

2. CONCEITO DE DIREITO CONSTITUCIONAL


2.1. Definição e objecto

O Direito Constitucional está íntima e directamente ligado à


ideia da Constituição, que é o seu objecto do estudo, por isso, o
estudo do direito constitucional passa necessariamente por
estudar a Constituição.

Entretanto, o conceito da Constituição é um facto cultural e


histórico, uma vez que vem sendo discutido em várias
perspectivas desde os tempos bem remotos. Contudo, por razões
curriculares não iremos desenvolver o estudo da evolução
conceitual da Constituição2, portanto, o constitucionalismo.
Porém centralizaremos o nosso estudo à perspectiva jurídica da
constituição, que na essência corresponde ao direito
constitucional.

Direito Constitucional é o sistema de normas jurídicas que


definem a estrutura principal do Estado, designadamente a
forma do Estado, a forma de governo, a forma e os limites do

2
Sobre o constitucionalismo veja-se, dentre outros, FILHO, Manoel Gonçalves
Ferreira. Curso de direito constitucional, 28ª edição, Editora Saraiva, 2002, pp.
3-9.
Universidade Católica de Moçambique 9

exercício do poder político, a relação entre os órgãos do poder


político e os governados, o sistema económico, social e cultural
de um Estado.

O direito constitucional também é conhecido por direito político,


pelo facto de se constituir por normas que, de forma directa e
imediata, definem o Estado, nomeadamente, o estatuto jurídico
ou político do Estado.

O direito constitucional como ciência, “é o conhecimento


sistematizado da organização jurídica fundamental de Estado.
Isto é, conhecimento sistematizado das regras jurídicas
relativas à forma do Estado, à forma do governo, ao modo de
aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus
órgãos e aos limites de sua acção3”.

Segundo Marcelo Caetano 4, “Direito Político ou Constitucional


é o conjunto de normas jurídicas que regula a estrutura do
Estado, designa as suas funções e define as atribuições e os
limites dos supremos órgãos do poder político”.

Segundo Jorge Miranda, “Direito Constitucional é a parcela da


ordem jurídica que rege o próprio Estado enquanto comunidade
e enquanto poder. É o conjunto de normas (disposições e
princípios) que recortam o contexto jurídico correspondente à
comunidade poíitica como um todo e aí situam os indivíduos e
os grupos uns em face dos outros e frente ao Estado-poder e
que, ao mesmo tempo, definem a titularidade do poder, os
modos de formação e manifestação da vontade política, os
órgãos de que esta carece e os actos em que se concretiza5”.

Ciência do direito constitucional: é a ciência jurídica que


estuda o direito constitucional. “Disciplina científica que se

3
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional, 28ª edição,
Editora Saraiva, 2002, pp. 16.
4
CAETANO, Marcelo. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I,
6ªedição, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, pp.41.
5
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: preliminares. O Estado e os
sistemas constitucionais. Tomo I, 6ª edição, Coimbra Editora, 1997, pp.13.
Universidade Católica de Moçambique 10

ocupa do conhecimento, sistematização e crítica das normas


constitucionais6”.

2.2. Classificação do Direito Constitucional


2.2.1. Direito constitucional positivo ou particular

Sabido que cada Estado apresenta peculiaridades na sua


organização jurídica fundamental, o que a permite distinguir das
constituições doutros Estados, o direito constitucional particular
ocupa-se do estudo da organização jurídica fundamental de um
determinado Estado.

2.2.2. Direito Constitucional Geral

Direito constitucional geral ou teoria geral do direito


constitucional ocupa-se da sistematização dos princípios
universalmente respeitados em matéria constitucional. Esses
princípios universais resultam da comparação dos direitos
constitucionais positivos donde se extraem pontos comuns.

A teoria geral do direito constitucional estuda os princípios


fundamentais da organização política, que se identificam por
meio do estudo comparativo das constituições em vigor7.

Pode-se distinguir o direito constitucional material do direito


constitucional formal, sendo que o direito constitucional
material corresponde à Constituição material, e o direito
constitucional formal corresponde à Constituição formal.

No que respeita à estrutura da nossa disciplina, a mesma


compreenderá as seguintes divisões e subdivisões:

A Parte I será dedicada à Constituição como fenómeno jurídico,


na qual serão abordados o sentido da constituição, a formação da

6
CAETANO, Marcelo. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I,
6ªedição, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, pp.41.
7
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional, 28ª edição,
Editora Saraiva, 2002, pp. 17.
Universidade Católica de Moçambique 11

constituição, a fontes do direito constitucional, as modificações


e vicissitudes constitucionais. Para além do fenómeno jurídico
também serão abordadas as normas constitucionais, donde se
destacarão os princípios e regras constitucionais, a interpretação,
integração e aplicação das normas constitucionais. Por
insuficiência de tempo, ficará de fora o constitucionalismo.

A Parte II será dedicada aos estados de necessidade constitucional e


a suspensão do exercício de direitos fundamentais, na qual serão
abordados a incorporação constitucional do direito de necessidade,
as técnicas de juridicização constitucional do direito de necessidade
e o direito de necessidade na CRM.

A Parte III será dedicada à inconstitucionalidade e garantia da


Constituição, donde se abordarão, a inconstitucionalidade e
garantia em geral e os sistemas de fiscalização da
constitucionalidade.

A Parte IV será dedicada às estruturas organizatória e funcional,


designadamente o direito constitucional organizatório, na qual
serão abordados as regras e princípios do direito constitucional
organizatório e a estrutura e os órgãos de soberania
moçambicanas. Entretanto, por razões de insuficiência do fundo
do tempo disponível, não serão discutidos nesta parte os
Tribunais, o Ministério, nem a actividade constitucional,
designadamente os actos constitucionais.

Exercícios

Exercícios
1. Comente as seguintes afirmações:
a) “A designação de direito constitucional
público e privado é uma opção baseada
no papel que o direito constitucional
assume no seio dos ramos de direito”.
Comente.
b) “O direito constitucional é ramo do
direito público e fundamento desse
ramo”.
c) “O direito Constitucional define a
Universidade Católica de Moçambique 12

estrutura fundamental de um Estado”.


2. Estabelece diferenças entre:
a) Direito constitucional geral e direito
constitucional particular;
b) Direito constitucional e constituição;
c) Direito público e direito privado.

Referência Bibliográfica

AMARAL, Diogo Freitas do. Manual de Introdução ao Direito. Vol


I, Almedina, Lisboa, 2004, pp. 219.

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional, 28ª edição,


Editora Saraiva, 2002, pp. 3-18.
CAETANO, Marcelo. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo
I, 6ªedição, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, pp.41.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: preliminares. O Estado e os
sistemas constitucionais. Tomo I, 6ª edição, Coimbra Editora, 1997, pp.13-14.

PARTE I

Unidade 02
ACONSTITUIÇÃO COMO
FENÓMENO JURÍDICO
Introdução
Nesta parte serão objecto de estudo a constituição como fenómeno
jurídico e as normas constitucionais, no primeiro e segundo capítulos,
respectivamente.
Ao completer esta unidade / lição, você será capaz de:
Universidade Católica de Moçambique 13

Objectivos específicos:
3. Compreender a constituição em sentido material,
forma e instrumental;
Objectivos 4. Distinguir normas materialmente constitucionais e formalmente
constitucionais

I. A CONSTITUIÇÃO COMO FENÓMENO JURÍDICO

O estudo da constituição como fenómeno jurídico implica


compreender o sentido e a formação da constituição.

1. SENTIDO DA CONSTITUIÇÃO

PLANO DE EXPOSIÇÃO

1. O sentido da Constituição será


apresentado de acordo com a seguinte
sequência:
1.1. Perspectiva ou sentido
material da constituição
1.1.1. Classificações materiais de
Constituições
1.2. Constituição em sentido
formal
1.3. Constituição em sentido
instrumental
1.4. Normas material e
formalmente constitucionais

A Constituição corresponde à organização jurídica fundamental, que é o


conjunto de normas positivas que regem a produção do direito, isto é, o
conjunto de regras concernentes à forma do Estado e do governo, ao
modo de aquisição e exercício do poder, à criação e aos limites de
actuação dos órgãos do Estado.
Universidade Católica de Moçambique 14

Segundo Jorge Miranda, “enquanto parcela do ordenamento jurídico do


Estado, a Constituição é o elemento conformado e elemento conformador
de relações sociais, bem como resultado e factor de integração política.
Ela reflecte a formação, as crenças, as atitudes mentais, a geografia e as
condições económicas de uma sociedade e, simultaneamente, imprime-
lhe carácter, funciona como princípio de organização, dispõe sobre os
direitos e os deveres de indivíduos e dos grupos, rege os seus
comportamentos, racionaliza as suas posições recíprocas e perante a
vida colectiva como um todo, pode ser agente ora de conservação, ora de
transformação8”.

“Sendo lei fundamental, a lei das leis, a Constituição é a expressão


imediata dos valores jurídicos básicos acolhidos ou dominantes na
comunidade politica, a sede da ideia de Direito nela triunfante, o quadro
de referência do poder politico que se pretende ao serviço desta ideia, o
instrumento ultimo de reivindicação de segurança dos cidadãos frente ao
poder. E, radica na soberania do Estado, torna-se também ponte entre a
sua ordem interna e a ordem internacional9”.

As normas constitucionais exercem três funções: institucionalizadora,


estabilizadora e prospectiva.

Qualquer tipo de Estado e em qualquer época histórica em que este,


assenta em regras fundamentais próprias, isto é, envolve a
institucionalização jurídica do poder. Entretanto, só no século XVIII é
que a Constituição começou a ser concebida como o conjunto de regras
que definem as relações do poder político e o estatuto de governantes e
governados: era o surgimento do constitucionalismo moderno.

A Constituição pode ser encarada numa perspectiva material, formal e


instrumental.

1.1. Perspectiva ou sentido material da constituição

Em sentido material, consideram-se o objecto, o conteúdo e a função da


constituição, o que corresponde ao estatuto jurídico do Estado ou estatuto
jurídico do político. A constituição estrutura o Estado e o Direito.

8
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.67.
9
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.67.
Universidade Católica de Moçambique 15

Corresponde a um poder constituinte material10, que consiste na


faculdade de auto-organização e auto-regulação do Estado.

Para Jorge Miranda, a Constituição material surge no período posterior ao


constitucionalismo e apresenta um conteúdo desenvolvido e reforçado e
susceptível de ser trabalhado e aplicado pela jurisprudência. Neste
aspecto a constituição material distingue-se da Constituição institucional,
que é anterior ao advento do constitucionalismo e se identifica com a
necessária institucionalização jurídica do poder.

A Constituição material comporta qualquer conteúdo e é o cerne dos


princípios materiais adoptados por cada Estado em cada fase da sua
história, à luz da ideia de Direito, dos valores e das grandes opções
políticas que nele dominem11.

A constituição em sentido material concretiza-se em tantas constituições


materiais quanto os regimes vigentes no mesmo país ao longo dos tempos
ou em diversos países ao mesmo tempo12.

É o conjunto de regras materialmente constitucionais, pertencente ou


não à Constituição escrita13. Isto decorre do facto de que a Constituição
escrita nem sempre contém todas as regras relativas às matérias
constitucionais, existindo deste modo, Constituição não escrita –
costumes.

1.1.1. Classificações materiais de


Constituições

A classificação das constituições materiais pode resultar da pluralidade


dos conteúdos das mesmas. Para a classificação, faremos breve referência
aos seguintes critérios:

10
Segundo MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.11, O
poder constituinte material é originário10 e constitui a afirmação da soberania do
Estado.

11
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.11.
12
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.11.
13
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional, 28ª edição,
Editora Saraiva, 2002, pp. 13.
Universidade Católica de Moçambique 16

Critério da Análise Ontológica da Concordância das Normas


Constitucionais Com a Realidade do Processo do Poder14, apresentada
por Karl Loewenstein: baseia-se no entendimento de que uma
Constituição é o que os detentores do poder dela fazem na prática, e isto
depende do meio social e político em que a Constituição deve ser
aplicada15. Distingue Constitucionais normativas, nominais e semânticas.

Constituições normativas: apresentam normas que dominam o processo


político, pois o processo do poder político se adapta e se submete às
normas constitucionais. Limitam efectivamente o poder político. É
também nominal a Constituição instrumental acompanhada por várias
normas constitucionais avulsas supervenientes.

Constituições nominais: essas Constituições não conseguem adaptar as


suas normas à dinâmica do processo político, pelo que ficam sem
realidade existencial16. Apesar de terem a finalidade de limitar o poder
político, não chegam a limitá-lo.

Constituições semânticas: são as que constituem a formalização da


situação do poder político existente, nomeadamente do benefício
exclusivo dos detentores desse poder. Servem para estabilizar e eternizar
a posição dos dominadores de facto na comunidade17.

O critério baseado no factor económico, nomeadamente nos grandes


sistemas económicos, classifica as constituições materiais em:
Constituições de Estados capitalistas, socialistas e do terceiro mundo. As
constituições dos Estados capitalistas subdividem-se em Constituições
liberais, sociais-democratas (ou do Estado social), autoritário-fascistas e
compromissórias.

Critério baseado no longo ciclo ou diversos ciclos de conteúdos


constitucionais: distingue Constituições estatuárias das Constituições
programáticas.

14
LOEWENSTEIN, Karl, apud MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional:
constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996,
pp.23.
15
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.23.
16
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.23.
17
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.23-24.
Universidade Católica de Moçambique 17

Constituições estatutárias ou orgânicas: ocupam-se do estatuto do


poder, dos seus órgãos e da participação política dos cidadãos. Tratam
fundamentalmente do sistema e da forma de governo, podendo cuidar
também do sistema económico e social.

Constituições programáticas, directivas ou doutrinais: ocupam-se da


organização política e definem programas, directrizes e metas para a
actividade do Estado no campo económico, social e cultural 18.

É preciso notar que a classificação entre constituições estatutárias e


programáticas não deve encarar-se de forma rígida, pois se a Constituição
programática não é neutra em relação à organização do poder política, a
Constituição estatutária também não é indiferente nos aspectos relativos à
organização económica, social e cultural, tudo depende do grau de
abordagem de cada um desses aspectos no texto constitucional.

Relativamente à estrutura das normas constitucionais há que distinguir,


normas de fundo, normas de competência e normas de processo, normas
preceptivas e programáticas ou normas exequíveis e não exequíveis por si
mesmas.

Ainda quanto ao conteúdo, é possível distinguir Constituições simples,


complexas ou compromissórias.

Segundo Jorge Miranda, o carácter simples ou compromissório de uma


constituição depende dos circunstancialismos da sua formação, da sua
aplicação e das suas vicissitudes; depende da ausência ou da presença
de um conflito de fundamentos de legitimidade ou de projectos de
organização colectiva que as normas constitucionais tenham de
ultrapassar, através de entendimento: depende do modo como é
encarada a integração política (…)19.

Esquematizando as classificações materiais:

Critérios Tipos de Subtipos Definição


Constituição

Análise Ontológica da Normativas

18
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.26.
19
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.28.
Universidade Católica de Moçambique 18

Concordância das
Nominais
Normas
Constitucionais Com a Semânticas
Realidade do Processo
do Poder

Socialistas

Liberais

Sociais
democratas (ou
Factores ou sistemas do Estado social)
económicos
Capitalistas Autoritário-
fascistas

Compromissórias

Terceiro mundo

Ciclos de conteúdos Estatuárias


constitucionais
Programáticas

Conteúdo Simples

Compromissórias
ou complexas

Estrutura das normas Normas de fundo


constitucionais
Normas de
competência

Normas de
processo

Normas
preceptivas

Normas
programáticas
Universidade Católica de Moçambique 19

Normas
exequíveis por si
mesmas

Normas não
exequíveis por si
mesmas

1.2. Constituição em sentido formal


Em sentido formal ocupa-se da posição das normas
constitucionais em confronto com as demais normas jurídicas e
da forma de articulação desses dois níveis de normas, ou seja,
trata da disposição das normas constitucionais ou do seu sistema
diante das demais normas ou do ordenamento jurídico em
geral20.
Trata-se de um conjunto de normas formalmente qualificadas
como constitucionais e revestidas de força jurídica superior à de
quaisquer outras normas21.
Contrariamente à constituição material que corresponde ao
poder constituinte material, a Constituição formal corresponde
ao poder constituinte formal, que é a faculdade do Estado de
conceber uma Constituição material em Constituição formal,
atribuindo certa forma e força jurídica a determinadas normas.
Na Constituição formal, e tendo em conta as normas
formalmente constitucionais, pode-se distinguir a Constituição
formal nuclear da Constituição formal complementar.
A Constituição formal complementar compreende as normas
que são primariamente, directa e imediatamente da obra do
poder constituinte formal. Resulta de legislação constitucional
extravagante.

20
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.11.
21
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.12.
Universidade Católica de Moçambique 20

A Constituição formal nuclear é composta por normas que são


anteriores ou posteriores, pertencentes ao mesmo ordenamento
jurídico ou, porventura, provenientes de outro ordenamento, as
quais das primeiras recebem também força de normas
constitucionais e que, por conseguinte, são por elas recebidas
nessa qualidade 22. A Constituição formal nuclear é aquela que,
ao ser aprovada mantém (ou repõe) em vigor normas
constitucionais anteriores, podendo conferir força de normas
constitucionais, às normas provindas por exemplo do direito
internacional, através do acto da recepção.
Essa recepção pode ser formal, ou material, de um acto
normativo ou de apenas uma norma.
Na recepção formal, o acto ou a norma recebida conserva a sua
identidade, uma vez que os princípios ou preceitos vão valer
com a qualidade que já trazem, o que significa que devem ser
interpretados, integrados e aplicados nos exactos parâmetros da
sua situação de origem.

Na recepção material as normas recebidas são transformadas e


incorporadas como normas do sistema que as recebe e ficam
sujeitas à interpretação, integração e aplicação de acordo com o
sistema no qual foram recebidas.

Para além das normas decretadas pelo poder constituinte


formal e pelas normas recebidas, a constituição formal nuclear
também integra normas anteriores e normas posteriores
resultantes de revisão constitucional. Entretanto, a articulação
entre as normas anteriores e as normas supervenientes pode
obedecer a duas técnicas, designadamente:
(i) Ou as novas normas são introduzidas no texto
constitucional, através de substituição, a supressão e
aditamentos;

22
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.12.
Universidade Católica de Moçambique 21

(ii) Ou é publicada uma nova norma constitucional que vai


vigorar à margem da Constituição, de acordo com o
princípio a lei posterior revoga a anterior. Há mais de
um texto constitucional em vigor.
Entretanto, a Constituição formal no período liberal (primórdio
do constitucionalismo europeu) surge apenas como uma
Constituição institucionalizadora do Estado (com o fim de
distinguir certas normas como constitucionais, das demais do
ordenamento jurídico) e não apresentava todas as exigências da
supremacia de uma Constituição.
No contexto moderno, onde surge a Constituição material, surge
também uma Constituição formal, excepto a Grã-Bretanha que
não possui uma Constituição formal.

A Constituição em sentido formal pressupõe a existências dos


seguintes elementos:
(i) Intencionalidade na formação: as normas formalmente
constitucionais são aprovadas por um poder
especialmente definido para esse fim
(ii) Consideração sistemática a se
(iii) Força jurídica própria

Quanto ao surgimento da Constituição formal deve assinalar-se o


seguinte:

a) A Constituição formal pode resultar de um só acto constituinte


(de um só exercício do poder constituinte): todas as normas
formalmente constitucionais decorrem desse acto. Neste caso
trata-se de uma Constituição formal unitária.
b) A Constituição pode resultar de várias leis constitucionais
aprovadas ou ao longo de um período (relativamente curto e
homogéneo), ou ao longo de um período prolongado ou breve
embora heterogéneo. Neste caso, a Constituição formal
decompõe-se em vários textos normativos, tendo todos eles a
mesma força jurídica e estando ao mesmo poder constituinte.
Universidade Católica de Moçambique 22

1.3. Constituição em sentido instrumental


A Constituição instrumental é o documento contendo normas
constitucionais (quer estejam em vigor quer não); é o texto
constitucional, o texto denominado Constituição ou elaborado
como Constituição, naturalmente carregado da força jurídica
específica da Constituição formal 23.
A Constituição instrumental pode conter a Constituição formal
(que está em vigor) e normas constitucionais que já não estejam
em vigor, o que representa uma divergência entre a Constituição
formal e Constituição instrumental.
Um dos exemplos de divergência entre a Constituição formal e a
Constituição instrumental é o caso das heteroconstituições:
“quando um Estado outorga uma Constituição a uma
comunidade política, a qual depois adquire soberania,
necessariamente, neste momento, mudando o princípio do poder
constituinte, muda a Constituição formal, mas o texto
constitucional perdura24.

1.4. Normas material e formalmente


constitucionais

Como é que se relacionam as normas jurídicas da Constituição formal e


as da Constituição material? Ou seja, como se relacionam as
Constituições material e formal através das suas normas?

Formam uma única realidade jurídica? Há uma independência recíproca


(com sobreposição numas zonas e contraposição noutras)? Ou há
necessidade de haver uma correlação?

Com efeito, assim que nem sempre coincide a constituição formal e a


constituição instrumental, também pode não haver coincidência entre a
Constituição formal e a Constituição material, porquanto, se, as normas

23
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.12-13.
24
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.37-38.
Universidade Católica de Moçambique 23

constantes da Constituição formal são, em princípio, normas


materialmente constitucionais, pode haver normas materialmente
constitucionais (de segundo grau) dispersas em diplomas de Direito
Ordinário.

Segundo Jorge Miranda25, “não há, nunca terá havido, nem, porventura,
poderá vir a haver uma completa codificação das normas
constitucionais, que seria o equivalente à coincidência da Constituição
material, da Constituição formal e da Constituição instrumental. Nem
mesmo quando a Constituição formal se alonga muito e muito no texto
constitucional isso chega a verificar-se, porque a extensão da
Constituição formal não é senão consequência e, simultaneamente, causa
de nova extensão da Constituição material (…) Não há codificação em
Direito constitucional comparável à do Direito civil. São os próprios
factores políticos que impedem e que levam a que em cada Constituição
formal apenas ingresse uma parte das normas em que consiste o estatuto
jurídico do poder e da comunidade política”.

Contudo, em princípio a Constituição formal é Constituição material,


uma vez que aquela corresponde a manifestação da Constituição material
que lhe subjaz, uma vez que a forma só vale quando se reporta a uma
determinada substância. E isso implica que:

(i) Ainda quando uma determinada norma da constituição formal


ou instrumental esteja em desavença coma a Constituição
material, tal norma deve ser lida e interpretada conforme as
restantes normas materialmente constitucionais;
(ii) Qualquer norma inserida no contexto material da Constituição
serve para a interpretação sistemática. A este respeito
ensina Prof. Jorge Miranda que “as normas de direito civil,
de direito penal, de direito administrativo ou de direito
tributário que se deparam, com mais ou menos abundância,
na Constituição formal, são, ao mesmo tempo, normas
desses ramos e normas materialmente constitucionais
porque, no seu conjunto, emprestam expressão directa e
imediata à ideia de Direito, aos valores, às escolhas políticas

25
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.50-51.
Universidade Católica de Moçambique 24

fundamentais da Constituição; elas são os princípios


constitucionais do Direito civil, do Direito penal, do Direito
administrativo ou do Direito fiscal26”.

Dentre as normas materialmente constitucionais deve distinguir-se as


normas da Constituição final das que relevam do Direito ordinário.

As normas da Constituição final correspondem ao poder constituinte, a


uma opção ou valoração fundamental.

As normas materialmente constitucionais relevantes do Direito


ordinário, sendo produto de leis e outras fontes infraconstitucionais,
definem-se por referência às normas materiais da Constituição final e são
modeladas por estas. As normas materialmente constitucionais relevantes
do Direito ordinário não podem contradizer as normas materialmente
constitucionais constantes da Constituição final.

Deste modo, pode se falar de dois graus de normas substancialmente


constitucionais, designadamente: numa perspectiva sistemática e estática,
as normas formam uma unidade. E numa perspectiva genética e de
validação, essas normas separam-se pela interposição da Constituição
formal.

Entretanto, o poder constituinte se esgota na feitura da Constituição


formal, não se estendendo às normas ordinárias destinadas a dar-lhe
desenvolvimento, concretização e execução, sob pena de se confundir
com o poder normativo do Estado.

Exercícios

(i) Estabelece as diferenças entre:


(a) Constituição formal, Constituição
instrumental e Constituição material
(b) Constituição formal nuclear e
Constituição formal complementar.
(c) Recepção formal e recepção material
(d) Técnicas de articulação entre normas
anteriores e posteriores

26
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.50.
Universidade Católica de Moçambique 25

(ii) Complete o seguinte quadro:

Critérios Tipos de Subtipos Definição


Constituição

Análise Ontológica da
Concordância das
Normas
Constitucionais Com a
Realidade do Processo
do Poder

Liberais

Sociais
democratas (ou
do Estado social)

Capitalistas Autoritário-
fascistas

Compromissórias

Terceiro mundo

Ciclos de conteúdos
constitucionais

Simples

Compromissórias
ou complexas

Estrutura das normas


constitucionais
Universidade Católica de Moçambique 26

(iii) Com base nos critérios de


classificações materiais das
Constituições, como classificas a
Constituição da República de
Moçambique?
(iv) Comente: “assim que a Constituição
formal é completamente
coincidente com a Constituição
instrumental, a Constituição
material forma juntamente com
aquelas, uma unidade coerente e
nunca divergente”.

Referência bibliográfica
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional, 28ª edição,
Editora Saraiva, 2002, pp. 11.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.11-67.

Unidade 03
A FORMAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

Esta unidade tera o seguinte tema estudo:

PLANO DE EXPOSIÇÃO
2.1. O poder constituinte
2.1.1. Poder constituinte
material e poder constituinte formal
2.1.2. Poder constituinte
material originário
2.1.3. Constituição e
soberania do Estado
Universidade Católica de Moçambique 27

2.1.4. A revolução como


fenómeno constituinte
2.1.5. A transição
constitucional
2.1.6. O poder constituinte
formal e o seu processo
2.1.7. Os tipos de actos
constituintes stricto sensu
2.1.7.1. Actos constituintes
unilaterais singulares
2.1.7.2. Actos constituintes
unilaterais plurilaterais (típico dos
regimes democráticos)
2.1.7.3. Actos constituintes
bilaterais ou plurilaterais
2.1.8. Forma, legitimidade e
conteúdo dos actos constituintes
2.1.8.1. Quanto à relação
entre a forma jurídica e a realidade
constitucional:
2.1.8.2. Quanto à articulação
entre o título de legitimidade (ou a
forma de produção da Constituição e
o conteúdo da Constituição (o
regime, a forma ou sistema de
governo)
2.1.8.3. As formas e as regras
dos actos constituintes
2.1.9. Os limites materiais
do poder constituinte
2.1.9.1. Limites
transcendentes
2.1.9.2. Limites imanentes
2.1.9.3. Limites heterónomos

Ao completer esta unidade / lição, você será capaz de:

Objectivos específicos:
1. Explicar o poder constituinte material e poder constituinte formal;
2. Compreender a revolução e a transição constitucional como
Objectivos fenómenos constituintes;
3. Identificar os actos e as formas constituintes;
4. Reconhecer os limites materiais do poder constituinte.
Universidade Católica de Moçambique 28

1.5 O poder constituinte


1.5.1 Poder constituinte material e poder constituinte formal

Vamos em termos breves apresentarmos o modo como se constitui ou se


forma a Constituição. O momento em que se revela o poder constituinte
ou a soberania do Estado.

A fase marcante para o início de uma determinada época constitucional é


o do corte com a situação anterior, o que pode acontecer por meio de uma
revolução, a transição constitucional ou outra via, e não propriamente o
da aprovação da nova constituição. Exemplo, o momento que determinou
a era constitucional de Moçambique independente foi a própria
independência de Moçambique, que se traduziu no corte da situação
constitucional vigente no período colonial. A independência nacional foi
determinante para a aprovação da Constituição da República Popular de
Moçambique.

Por conseguinte, há-de haver sempre uma entidade responsável pelo


rompimento com a ordem preexistente, e decide pela elaboração de uma
Constituição formal que reflicta a nova era, podendo ser ela mesma a
elaborar a nova Constituição, ou designar uma assembleia para o fazer.
tal entidade poderá ser força social, política, movimento militar, etc. por
exemplo, o caso moçambicano foi Movimento de Libertação de
Moçambique que liderou que liderou a libertação de Moçambique do
julgo colonial e elaborou e decretou a primeira Constituição de
Moçambique independente em 1975.

A nova Constituição é concebida tendo em conta a ideia que o grupo que


liderou o corte com a ordem anterior, tem sobre o direito. Nos dias que
correm, essa ideia direito deverá ser de democracia, o que implica que a
nova Constituição tenha de ser aprovada pelo povo, directamente ou
através da assembleia representativa. Neste caso, o órgão que vai aprovar
a Constituição formal tem plena autoridade baseada na legitimidade da
Constituição material. Isto significa que o órgão que vai aprovar a nova
Constituição vai faze-lo dentro de determinadas balizas ou limites, que
implicam, por exemplo o respeito por uma determinada organização
Universidade Católica de Moçambique 29

económica e política, aos direitos fundamentais e ao princípio


democrático.

Note-se que até à aprovação da Constituição formal, o órgão encarregue


para elaborá-la é ainda órgão provisório ou transitório e os seus actos de
decisão política carecerão de convalidação ou eficácia. 27

As relações que se estabelecem entre o poder constituinte material e


poder constituinte formal são as seguintes:

a) O poder constituinte material precede logicamente ao poder


constituinte formal, uma vez que, (i) a ideia de direito é
logicamente precedente à regra de direito (ii) o valor comanda a
norma (…)28
b) O poder constituinte material precede historicamente o poder
constituinte formal, uma vez que o momento da afirmação de
certa ideia de direito ou do nascimento do regime é sempre
anterior ao da formalização dessa ideia ou desse regime.
c) O poder constituinte material envolve o poder constituinte
formal, porquanto, da mesma forma que a Constituição formal
contém uma referência material, o poder constituinte formal
complementa e especifica a ideia de Direito ditada pelo poder
constituinte material. Através do poder constituinte formal se
declara e firma a legitimidade da nova ordem constitucional29.
d) O poder constituinte formal confere estabilidade e garantia de
permanência hierárquica ou sistemática ao principio normativo
inerente à Constituição material, uma vez que a ideia de direito
é traduzida em regra, e a constituição formal coloca o poder
constituinte material ao abrigo das vicissitudes da legislação e
da prática quotidiana do Estado e das forças políticas 30.

27
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.72-73.
28
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.74.
29
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.75.
30
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.75.
Universidade Católica de Moçambique 30

1.5.2 Poder constituinte material originário

O sentido inicial do poder constituinte material originário é o poder de


auto-ordenação.

O poder constituinte material originário consiste no conteúdo essencial


da soberania, que significa a faculdade originária de livre regência da
comunidade política mediante a instituição de um poder e a definição do
seu estatuto jurídico31.

Entretanto, o poder constituinte significa a capacidade de escolher um ou


ouro rumo, nos momentos de viragem histórica e grandes crises, tais
como:

(I) A formação de um Estado ex novo: nos casos em que nasce um


novo Estado, nomeadamente por desmembramento (como
aconteceu recentemente com o Sudão do Sul), sucessão de
Estado (por exemplo, do Estado colonial para Estado
Moçambicano) e agregação com outros Estados (exemplo, a
formação de um Estado federal). Com efeito, Jorge Miranda
ensina que “o nascimento do Estado coincide com a sua
primeira Constituição, porque na Constituição vão exteriorizar-
se as representações particulares do conceito do Estado.
Reciprocamente, a Constituição mais originária do Estado é a
Constituição do seu nascimento, por ser ela que traz consigo a
configuração concreta do povo, do território, do poder e por ser
ela que chama a si a ideia de Direito dominante no meio
social”32.
(II) A restauração: nos casos em que um Estado volta a surgir
depois do seu eventual desaparecimento. Pode-se falar também
dos casos em que se liberta de uma ocupação estrangeira do
seu território. A Constituição do Estado restaurado pode
constituir continuidade ou não da Constituição anterior.

31
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.76.
32
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.78-79.
Universidade Católica de Moçambique 31

(III) A transformação da estrutura de um Estado: nos casos em que


se verifica a modificação da soberania, por exemplo quando um
Estado passa a ser um protectorado, ou passa a pertencer uma
confederação ou sai da mesma. Uma vez que há continuidade
do Estado, o que a nível jurídico é que a nova Constituição vai
reflectir aspectos que justificaram a transformação da soberania
ou do território.
(IV) A mudança de um regime político: verifica-se apenas uma
sucessão de regimes políticos, sem alterar o Estado, operando-
se por isso, uma substituição da ideia do Direito. A mudança de
regime pode traduzir-se dum dos seguintes modos:
(a) supressão: desaparece a Constituição, entretanto, subsiste
o poder constituinte;
(b) destruição: desaparece a Constituição e o próprio poder
constituinte (o princípio da legitimidade);
(c) revolução33
(d) transição constitucional ou reforma política: passagem sem
ruptura ou mudança na continuidade.

1.5.3 Constituição e soberania do Estado

Nos casos em que se verifica a formação de um novo Estado, a


restauração ou a transformação radical, surge uma Constituição material,
donde resultará a Constituição formal. Essa Constituição material pode
resultar de:

(i) Formação duma Constituição nova, que traduz de forma directa


e imediata o exercício da soberania;
(ii) Heteroconstituição: nos casos em que o novo Estado ou o
Estado restaurado ou transformado assume uma
constituição produzida por um outro Estado, como é o caso
de Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Jamaica e Maurícia que
assumiram as Constituições aprovadas pelo parlamento
Britânico;

33
O conceito desenvolvido será dado adiante.
Universidade Católica de Moçambique 32

(iii) Novação: nos casos em que o Estado restaurado ou


transformado assume a sua Constituição anterior ao facto
que originou a transformação ou a restauração.

De todo o modo, nos casos de novação e heteroconstituições se verifica


ainda o exercício do poder constituinte material, uma vez que o texto
constitucional encomendado passa a ter novo valor jurídico nesse Estado
que lhe é atribuído pelo poder constituinte desse novo Estado, ou seja,
material e formalmente trata-se de uma nova constituição desligada da
sua origem histórica, apesar da Constituição instrumental continuar a ser
o texto encomendado.

A revolução não é um acto antijurídico (não jurídico), apenas é


anticonstitucional, uma vez que se opõe à Constituição anterior.

1.5.4 A revolução como fenómeno constituinte

Durante os séculos XVII e XVIII a revolução foi concebida apenas como


rebelião (revolta colectiva contra os governantes); como sendo a mudança
de um governo pelo outro. A Revolução pode realizar-se através de golpe
de Estado ou de insurreição (ou revolução stricto sensu), e pode visar
como objectivos a instauração de um regime novo, a restauração de um
regime, etc.

Contudo, depois da Revolução Francesa e das Revoluções inglesa (1688)


e portuguesa (1640) a revolução passou a ser encarada também no sentido
positivo, designadamente de criação de uma nova ordem jurídico-
constitucional.

A revolução é um fenómeno constituinte, um facto ou acto normativo,


pois implica o surgimento de um novo direito, de um novo fundamento
de validade do sistema jurídico positivo do Estado.

Na revolução verifica-se uma quebra da ordem constitucional anterior e


refaz-se uma nova ordem.

1.5.5 A transição constitucional

Se na revolução verifica-se necessariamente a sucessão de Constituições


materiais e formais, substituição da Constituição material, seguindo-se a
formal, na transição verifica-se um dualismo, que consiste no seguinte:
enquanto se prepara a nova Constituição formal, continua a vigorar a
Universidade Católica de Moçambique 33

Constituição formal anterior a qual só deixará de vigorar com a entrada


em vigor da nova, entretanto, o órgão encarregue de preparar a nova
constituição pode assumir as posições de Poder Constituído ao abrigo da
Constituição anterior e Poder Constituinte na medida em que estiver a
preparar o novo texto constitucional.

Não se conhecem formas típicas de transição constitucional. Certas vezes


pode assumir a forma de revisão constitucional. Vezes há em que uma
dada Constituição admite uma transição para uma nova Constituição,
nomeadamente nos casos em que a Constituição permita expressamente
revisões profundas de princípios.

Na transição constitucional há sempre o respeito pelas regras de


competência e as formalidades constitucionalmente preestabelecidas, o
que distingue essa figura do golpe de Estado.

Quanto ao fundamento: segundo Jorge Miranda, ”uma transição


constitucional produz-se porque a velha legitimidade se encontra em
crise e justifica-se porque emerge uma nova legitimidade. E é a nova
legitimidade ou ideia de Direito que obsta à arguição de qualquer vício
no processo e que, doravante, vai não só impor-se como fundamento de
legitimidade mas ainda obter efectividade34”.

1.5.6 O poder constituinte formal e o seu processo

Uma vez formada a ideia de direito, ou seja exercido o poder constituinte


material, segue-se o acto constituinte stricto sensu, que consiste na
decretação da Constituição formal, que no fundo trata-se de formalização
da Constituição material.

Entretanto, desde o momento da concepção da nova ideia sobre o Direito


(exercício do poder constituinte material) até à decretação da
Constituição formal, pode ocorrer um lapso de tempo mais ou menos
longo. Durante esse tempo, o órgão ou entidade encarregue de conceber a
Constituição formal estará a prepará-la. Durante o período de concepção
da Constituição formal poderá estar em vigor uma Pré-Constituição, ou
Constituição provisória ou ainda Constituição revolucionária, que
terá uma dupla finalidade:

34
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.88-89.
Universidade Católica de Moçambique 34

1) Finalidade de definição do regime (termos e princípios) de


elaboração da Constituição formal;
2) Estruturação do poder político durante este período de
interregno constitucional; ou ainda de eliminação dos resquícios
do antigo regime.

Terminado o processo de elaboração, ou o processo constituinte, é


decretada uma Constituição definitiva, a Constituição formal.

Com efeito, as normas de Pré-Constituição, por reconhecer-se que


estabelecem princípios fundamentais nos quais vai se basear a
Constituição formal, durante a sua vigência têm tido um valor reforçado,
ou seja, uma força jurídica superior às demais normas, podendo ser
alteradas só com normas também de valor reforçado. É o que aconteceu
por exemplo com os Acordos de Lusaka que vigoraram durante o período
de transição em Moçambique (1974 até ao dia 24 de Junho de 1975).

1.5.7 Os tipos de actos constituintes stricto sensu

O processo constituinte (a feitura da Constituição formal) pode ocorrer de


diversas formas, dependendo dos factores históricos, jurídico-culturais,
da forma de Estado, da legitimidade do poder e da participação da
comunidade política, designadamente, acto constituinte unilateral
singular, acto constituinte unilateral plural e acto constituinte bilateral. De
todo o modo, cabe ao poder constituinte material definir o processo
constituinte.

1.5.7.1 Actos constituintes unilaterais singulares

Quando o poder constituinte couber a um único órgão ou sujeito.


Segundo Jorge Miranda35, acto constituinte unilateral singular pode
revestir uma das seguintes formas:

a) A outorga da Constituição pelo monarca: o Rei (monarca)


decreta e põe a circular uma Constituição. Normalmente
acontece nas monarquias, onde o princípio da legitimidade é
monárquico. Exemplo de França em 1814, Portugal em 1826.

35
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.92-94.
Universidade Católica de Moçambique 35

b) Decreto do Presidente da República ou de outro órgão do Poder


Executivo. Exemplo do Brasil em 1937.
c) Acto da autoridade revolucionária ou de autoridade constitutiva
do Estado. Exemplo em Moçambique e Angola em 1975.
d) Aprovação por assembleia representativa ordinária ou comum
dotada de poder para o efeito. Aqui o princípio de legitimidade é
democrático (com o sem pluralismo). Exemplo URSS em 1977.
e) Aprovação por assembleia formada especificamente para isso
(assembleia constituinte ou convenção). Aqui o princípio de
legitimidade é democrático (com ou sem pluralismo).Exemplo
França em 1791, Portugal em 1822, 1911 e 1976, Brasil em
1824, 1891, 1934 e 1946.
f) Aprovação por assembleia eleita simultaneamente como
assembleia constituinte e como assembleia ordinária. Aqui o
princípio de legitimidade é democrático (com o sem pluralismo).
Exemplo Brasil em 1988

1.5.7.2 Actos constituintes unilaterais plurilaterais (típico dos


regimes democráticos)
a) Aprovação por referendo, prévio ou simultâneo da eleição de
assembleia constituinte, de um ou vários grandes princípios ou
opções constitucionais e, a seguir, a elaboração da Constituição
de acordo com o sentido da votação. Exemplo Itália em 1946 e
Grécia em 1974 (teve que se decidir previamente se se optava
por monarquia ou república).
b) A definição por assembleia representativa ordinária dos grandes
princípios, a elaboração de projecto de Constituição pelo
Governo e a aprovação final por referendo. Exemplo França em
1958.
c) A elaboração por assembleia constituinte, seguida de referendo.
Exemplo França em 1946.
d) A elaboração por órgão provindo da Constituição anterior, com
subsequente aprovação popular. Exemplo França em 1799, 1801
e 1804.
Universidade Católica de Moçambique 36

e) A elaboração por autoridade revolucionária ou órgão legitimado


pela revolução, seguida de referendo. Exemplo, Portugal 1933,
Cuba 1976.
Essas formas assentam na legitimidade democrática, plural ou
não.

1.5.7.3 Actos constituintes bilaterais ou plurilaterais


a) A elaboração e aprovação da Constituição por assembleia
representativa, com sujeição a sanção do monarca. Exemplo
Portugal em 1838.
b) A aprovação da Constituição por assembleia representativa,
seguida de ratificação pelos Estados componentes da União.
Exemplo EUA 1787.

As constituições aprovadas por actos bilaterais designam-se de


Constituições Pactícias, na medida em que pressupõem a existência de
um pacto ou contrato constitucional entre dois órgãos no mínimo
(assembleia e o monarca, poder federal e estados federados, etc.)

1.5.8 Forma, legitimidade e conteúdo dos actos constituintes

Não se deve confundir a forma jurídica com a realidade constitucional,


nem a legitimidade com a autenticidade do exercício do poder
constituinte, porquanto,

1.5.8.1 Quanto à relação entre a forma jurídica e a realidade


constitucional:
a) Do ponto de vista político, as Constituições podem ter origem
democrática ou autocrática
Serão de origem democrática quando resultarem de um
processo de efectiva e livre participação dos cidadãos, isto é
quando constituam a vontade política genuinamente expressa
pelo povo. E serão autocrática em caso contrário,
nomeadamente quando impostas pelos governantes. Isto
significa que a forma não é necessariamente determinante para
qualificar a origem democrática ou autocrática da Constituição,
Universidade Católica de Moçambique 37

pois pode haver divergências entre a forma e a realidade


constitucional (com o que efectivamente venha a acontecer).
b) Pela natureza do órgão, pode se afirmar que uma Constituição
elaborada em assembleia constituinte, livremente eleita, é de
origem democrática. Entretanto, se o povo tiver definido
previamente a forma de regime através do referendo, essa
Constituição será muito mais de origem democrática. O inverso
pode não resultar, designadamente, os casos em que a
assembleia constituinte elabora a Constituição e a submete a
referendo, pois nesses casos, o povo acabará votando
favoravelmente apenas para evitar que fique sem uma
Constituição (mesmo quando não concorde com essa
Constituição).
c) Nos casos em que o referendo toma a forma de plebiscito, o
referendo pode servir de um instrumento de autocracia (não de
democracia), quando o povo é chamado a ratificar uma
Constituição preparada pelo Chefe do Estado ou governo
ditatorial, sem que tenha havido participação nem interferência
das assembleias representativas do pluralismo das correntes
ideológicas nem liberdade de discussão36.

1.5.8.2 Quanto à articulação entre o título de


legitimidade (ou a forma de produção da
Constituição e o conteúdo da Constituição (o
regime, a forma ou sistema de governo)

Nem sempre houve coincidência entre uma Constituição de origem


democrática ou autocrática com a Constituição de conteúdo democrático
ou autocrática, pois, como explica Jorge Miranda37, “não é a fonte ou o
poder constituinte criador da Constituição que dá garantia, por si só, de
que a forma de governo instituída venha a ser de democracia, pluralista
ou não, ou de autocracia”.

36
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.97-98.
37
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.98.
Universidade Católica de Moçambique 38

É verdade que, nos tempos modernos, uma Constituição de origem


democrática é, em princípio de conteúdo democrático. Entretanto, a
outorga de uma Carta Constitucional implica a destruição da monarquia
absoluta ou integral, uma vez que contem aspectos de separação de
poderes, o reconhecimento dos direitos individuais, a autolimitação do
poder do Rei, isto é, a outorga dessa Carta implica a passagem duma
monarquia absoluta para uma monarquia Constitucional, dai que, nem
sempre o título de legitimidade coincida com o conteúdo da Constituição.

Outrossim, uma Constituição formada na base de um dado princípio de


legitimidade, pode sofrer vicissitudes ou alterações, ou ainda substituição
desse princípio, ao longo da sua vigência, isto é, uma alteração da
Constituição material, não obstante a permanência intacta da Constituição
formal ou instrumental.

1.5.8.3 As formas e as regras dos actos constituintes

O poder constituinte material originário poder, à qualquer altura,


revolucionar a Constituição, negando por completo a ideia de Direito
anterior e substituindo-a por outra: neste sentido, pode se dizer que “o
poder constituinte material originário está acima da Constituição”.

O órgão constituinte formal (órgão que em nome do soberano, o povo,


elabora a Constituição formal), pode modificar as regras preexistentes e
estabelecer outras, dentro dos limites da ideia de Direito ou do princípio
de legitimidade que o habilita. Como exemplifica Jorge Miranda, (i) uma
assembleia constituinte eleita para funcionar apenas durante certo
período, pode deliberar a prorrogação da sua sessão; (ii) uma assembleia
formada por norma anterior para a feitura da Constituição, pode deliberar
em assumir a plenitude dos poderes legislativos do Estado. É que, as
regras de organização de uma assembleia constituinte são preparatórias e
instrumentais do exercício do poder que lhe está cometido; logo, pode
alterá-las e escolher os meios mais adequados para o efeito; é já que o
poder constituinte formal precede e determina os poderes legislativos e
governativos (poderes constituídos), pode arrogar-se o exercício desses
poderes.

Com efeito, o órgão constituinte ao alterar as regras orgânicas e


processuais que o precedem deverá sempre respeitar a ideia de Direito –
limites do poder constituinte -, salvo tratando-se de ruptura. E essa
Universidade Católica de Moçambique 39

alteração consubstancia uma adequação dessas regras à ideia do Direito


em cada momento histórico: como se sabe, a Constituição não é estática.

1.5.9 Os limites materiais do poder constituinte

Do ponto de vista lógico, o poder constituinte é anterior e superior aos


poderes constituídos clássicos, designadamente, legislativo, executivo e
judicial.

Cabe ao poder constituinte definir e enquadrar formal e materialmente os


poderes constituídos, os quais só podem agir dentro das normas e
princípios constantes da Constituição formal. De todo o modo, o poder
constituinte não é absoluto no sentido de colocar na Constituição
quaisquer regras, pois está sujeito a limites. Aliás, nem o próprio povo
dispõe de um poder absoluto sobre a Constituição.

Pode-se considerar a existência de limites aos seguintes poderes, e por


isso, poder-se falar de: Limites materiais do poder constituinte verdadeiro
ou próprio, (ii) limites do poder constituinte material originário, (iii)
limites do poder constituinte derivado (limites do poder de revisão
constitucional – que são os limites comummente mais falados).

Os limites do poder constituinte podem categorizar-se em transcendentes,


imanentes e heterónomos.

1.5.9.1 Limites transcendentes

“São os que, antepondo-se ou impondo-se à vontade do Estado (e, em


poder constituinte democrático, à vontade do povo) e demarcando a sua
esfera de intervenção, provêm de imperativos de Direito natural, de
valores éticos superiores, de uma consciência jurídica colectiva38”.

Dentre os limites transcendentes, podem apontar-se os relativos aos


direitos fundamentais imediatamente ligados com a dignidade da pessoa
humana, por exemplo, o direito a vida, a liberdade de crença, a liberdade
pessoal, a igualdade de tratamento, etc.

Assim o poder constituinte não pode conceber uma Constituição formal


que preveja, por exemplo a escravatura, a desigualdade entre os seres

38
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.107.
Universidade Católica de Moçambique 40

humanos, a pena de morte, etc, sob pena dessa Constituição ser inválida e
ilegítima. Esses limites prevalecem mesmo nos casos de estado de sítio,
os quais não podem ser suspensos.

1.5.9.2 Limites imanentes

Segundo Jorge Miranda, decorrem da noção e do sentido do poder


constituinte formal enquanto poder situado, que se identifica por certa
origem e finalidade e se manifesta em certas circunstâncias. 39.

São limites ligados à configuração do Estado à luz do poder constituinte


material ou à própria identidade do Estado de que cada Constituição
representa apenas um momento da marcha histórica40.

Integra limites relativos à soberania do Estado, as vezes, à forma de


Estado e à legitimidade política em concreto. Por força desses limites, (i)
um Estado soberano, que pretenda continuar a sé-lo, não pode anexar-se a
um outro, perdendo a soberania, (ii) um Estado federal que pretenda
continuar a se-lo, não pode passar a ser um Estado unitário, (iii) um
Estado assente na legitimidade democrática e que está interessada em
mater essa legitimidade, não pode, de um momento para o outro, passar
para uma legitimidade autocrática (mudando a ideia de Direito).

1.5.9.3 Limites heterónomos

Esses limites resultam da conjugação com outros ordenamentos jurídicos.


Fazem parte desses limites, entre outros:

(i) Os que provêm das regras ou certos actos de Direito


Internacional;
(ii) As regras resultantes de Direito interno, quando se trate de um
Estado composto ou complexo;
(iii) Os princípios gerais de Direito Internacional, maxime os
princípios do jus cogens

39
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.107-108.
40
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.108.
Universidade Católica de Moçambique 41

Note-se que certas regras de direito internacional podem estar já contidas


na Constituição de um Estado. Neste caso não se terão como verdadeiros
limites heterónomos, uma vez não afectam a estrutura constitucional.

Também não são heterónomos as cláusulas ou normas de quaisquer


tratados anteriores à feitura da nova Constituição, uma vez que, sem
embargo da regra pacta sunt servanda, se admite a possibilidade de
desvinculação, observados certos requisitos e tramites41.

Limites heterónomos de Direito internacional: correspondem a limitações


do conteúdo da Constituição resultantes dos deveres assumidos pelo
Estado perante outros Estados ou perante a Comunidade internacional.
Exemplo, (i) as regras relativas as garantias de direitos de minorias
nacionais e linguística impostas a certos Estados por tratado de paz apos a
primeira e segunda Guerra mundiais, (ii) obrigação da Finlândia de
garantia dos direitos da população das ilhas de Alândia, por força do
tratado celebrado com a Suêcia em 1921.

Limites heterónomos de Direito interno: fazem parte desses limites, as


regras sobre a união federativa, por exemplo, uma vez que os Estados
federados devem respeitar as razões da sua existência como federados e o
Estado federal deve vincular com as razoes da sua criação.

Exercícios
EXERCICIOS SOBRE FORMAÇÃO DO
ESTADO
1. Estabelece as diferenças entre:
a) Poder constituinte material do poder constituinte
formal?
b) Heteroconstituição, novação e formação duma nova
Constituição.
c) Pré-Constituição, Constituição provisória e a
Constituição revolucionária.
d) Actos constituintes unilaterais singulares, actos
constituintes unilaterais plurais e actos constituintes
bilaterais.
e) Limites transcendetes e limites heterónomos
f) Limites imanentes e limites transcentes

41
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.109.
Universidade Católica de Moçambique 42

g) Limites heterónomos do direito interno e limites


heterónomos do direito internacional

2. Complete a seguinte tabela:

Formas de actos Formas Conteúdo ou


constituintes conceito

Acto constituinte Outorga da Constituição pelo


unilateral singular monarca

A elaboração por autoridade


revolucionária ou órgão
legitimado pela revolução,
seguida de referendo

Acto da autoridade
revolucionária ou de
autoridade constitutiva do
Estado

aprovação da Constituição
por assembleia
representativa, seguida de
ratificação pelos Estados
componentes da União

Aprovação por assembleia


representativa ordinária ou
comum dotada de poder para
o efeito

A definição por assembleia


representativa ordinária dos
grandes princípios, a
elaboração de projecto de
Constituição pelo Governo e
a aprovação final por
referendo

Aprovação por assembleia


formada especificamente
para isso

Aprovação por assembleia


eleita simultaneamente como
assembleia constituinte e
como assembleia ordinária.

A elaboração por assembleia


constituinte, seguida de
referendo

A elaboração por órgão


provindo da Constituição
Universidade Católica de Moçambique 43

anterior, com subsequente


aprovação popular.

A elaboração e aprovação da
Constituição por assembleia
representativa, com sujeição
a sanção do monarca.

Decreto de um órgão
singular executivo ou
presidencial

Aprovação por referendo,


prévio ou simultâneo da
eleição de assembleia
constituinte, de um ou vários
grandes princípios ou opções
constitucionais e, a seguir, a
elaboração da Constituição
de acordo com o sentido da
votação

3. Comente as seguintes afirmações:


a) “Assim que uma Constituição de conteúdo
democrático tem sempre uma origem democrática,
por razões lógicas, uma Constituição de origem
autocrática terá necessariamente um conteúdo
autocrático”.
b) “Escreve Sieyès que o poder constituinte haveria de
se exercer de qualquer forma. «uma nação não pode
estar sujeita a uma Constituição; no pode adstringir-
se a formas constitucionais; é sempre senhora de
reformar a sua Constituição; a sua vontade é sempre
legal, é ela própria a lei»” in MIRANDA, Jorge.
Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra
Editora, 1996, pp.99. Concordas com Sieyès?
c) “O poder constituinte formal envolve o poder
constituinte material, enquanto que este precede
aquele”.

4. Diga, em que momentos duma comunidade política se


pode falar da existência de um poder constituinte
material originário?
5. Apresente as diferenças entre os seguintes termos:
Diferencie a revolução da transição constitucional.
Universidade Católica de Moçambique 44

6. Explique as formas como se manifesta a mudança de


regime.
7. Discuta a finalidade duma pré-Constituição.

Unidade 04
1.5 FONTES DAS NORMAS
CONSTITUCIONAIS
Introdução
Esta unidade terá os seguintes temas de estudo
PLANO DE EXPOSIÇÃO
2.2.1. Lei como fonte do Direito Constitucional
2.2.2. O Costume como fonte de Direito Constitucional
2.2.2.1. O problema do Costume em Constituição formal
2.2.3. A jurisprudência como fonte de normas constitucionais

Ao completer esta unidade / lição, você será capaz de:

Objectivos específicos
1. Identificar as fontes do direito constitucional;
2. Analisar o costume como fonte de direito constitucional
Objectivos moçambicano;
3. Analisar a possibilidade da jurisprudência ser fonte de direito
constitucional

1.5. FONTES DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

A expressão fonte de direito tem carácter plurivalente. Há tratadistas que


por causa deste carácter procuram substituir esta expressão por uma outra
que é factos normativos ou criação do Direito. Entretanto a expressão
fonte de direito é a mais usual.
Universidade Católica de Moçambique 45

Contudo, a expressão fontes do direito pode ser encarada em vários


sentidos, nomeadamente:
Sentido filosófico: a expressão fonte de direito significa o fundamento
ideológico do direito; o sistema de ideias que serve de base a um
determinado sistema de direito. Exemplo, a fonte do direito capitalista é o
liberalismo, a do direito socialista é marxista, a do direito positivo é o
positivismo, a do direito natural é o jusnaturalismo e o direito natural é
fonte do direito positivo.

Sentido material ou histórico ou sociológico: a expressão fonte de direito


significa aqueles factores, circunstâncias de natureza política, económica,
física, cultural que influem positiva ou negativamente para levar um
Estado a produzir uma determinada lei. Exemplo, a guerra é fonte
material da norma que estabelece o recolher obrigatório a partir das 18
horas.

Sentido orgânico: significa o órgão do Estado que tem a competência de


produzir uma determinada lei. Exemplo, se a lei for da autoria da
Assembleia da República, a fonte orgânica é a Assembleia da República;
se a lei for da autoria do Governo, a fonte orgânica é o governo.

Sentido instrumental: são os documentos em que a lei se apresenta, em


que a lei vem ao público. Exemplo, o Código Civil é fonte instrumental
das leis civis, a Constituição é a fonte instrumental das normas
constitucionais, o Código Comercial é a fonte instrumental das leis
comerciais.

Sentido técnico-juridico: é o processo de criação e revelação das normas


jurídicas; processo de manifestação do direito e compreende as seguintes
fases:
- fase de preparação do texto ( texto que pode chamar-se de proposta ou
projecto )
- fase de analise e votação do texto ( votar significa aprovar ou reprovar o
texto apresentado ); uma vez aprovado o texto vai para a promulgação e
depois da promulgação vai a publicação e depois entra em vigor.

De todos os sentidos acima indicados, para a cadeira de Direito


Constitucional só interessa o sentido técnico-jurídico, porque é este
sentido que nos mostra como é que o Direito nasce, se manifesta e
adquire eficácia.

Principais fontes de Direito do Direito Constitucional


A organização das fontes do direito não é igual nos diferentes países, nos
diferentes sistemas jurídicos e nas diferentes épocas históricas; isto é,
cada Direito Objectivo (francês, moçambicano, Zimbabweano, etc)
define por si próprio os seus modos de criação, de produção e de
revelação e eficácia; ou seja, cada País define por si próprio as fontes de
Universidade Católica de Moçambique 46

direito que aceita. Contudo existem as fontes que são aceites pela maioria
dos sistemas constitucionais, designadamente, a lei, o costume e a
jurisprudência, como ensina Jorge Miranda, “necessariamente, por
razões de coerência e tendo em conta a observação da vida jurídica, lei,
costume e jurisprudência encontram-se presentes no Direito
Constitucional. (…) no sistema constitucional de qualquer país
aparecem, pois, sempre normas vindas de lei, de costume e de
jurisprudência; o que variam são o grau e a articulação entre elas42”.
Entretanto, a por razões políticas e ideológicas, que determinaram o
triunfo da lei sobre o costume, a Constituição formal oriunda do século
XVIII, tinha como única fonte, a lei. Já a Constituição britânica, portanto,
do sistema de common law, está basicamente assente no costume. Porém,
não há registo histórico de uma constituição formal assente na
jurisprudência, apesar da Constituição dos Estados Unidos das Américas
ter se devido e se manter, em grande medida, graças ao trabalho dos
juízes. De todo o modo, o reconhecimento dos elementos jurisprudenciais
e consuetudinários na Constituição formal não é pacífico.

1.5.10 Lei como fonte do Direito Constitucional

A palavra lei comporta vários níveis de significação que vamos resumi-


los em três, nomeadamente, o sentido amplo, o sentido intermédio e o
sentido restrito.
Sentido amplo: significa princípio ou princípios que regem todos os seres,
ou qualquer princípio que disciplina qualquer ser. Este termo abarca as
leis da natureza (leis físicas), as leis normativas (que constituem o direito
positivo) e quaisquer espécies de regras (morais, religiosas, etc ).
Sentido intermédio: lei é sinónimo de direito na medida em que significa
qualquer regra jurídica. Corresponde à totalidade de normas jurídicas
existentes numa certa sociedade.
Sentido restrito: lei significa fontes de direito; modo de criação, formação
e revelação, de aquisição de eficácia das normas jurídicas, tal como se
define no artigo 1 n°2 do Código Civil de Moçambique, “Consideram-se
leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais
competentes”.
A lei, como fonte de direito, entende-se a formação das normas jurídicas,
por via de uma vontade a ela dirigida, dimanada de uma autoridade
social ou de um órgão com competência para esse efeito43. Esse órgão
pode ser, por exemplo, a Assembleia da República, o Conselho de
Ministros ou o Ministro.

Uma das características que distingue a lei das outras fontes de direito, é
que (i) ela é criada e revelada por um órgão com competência pré-
42
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.111.
43
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.110.
Universidade Católica de Moçambique 47

definida para o efeito, (ii) e a sua produção representa uma vontade ou


intenção de criação, a intenção normativa.

O sentido que nos interessa é o restrito.

1.5.11 O Costume como fonte de Direito Constitucional

O termo costume tem sido usado na doutrina jurídica com dois sentidos
diferentes, nomeadamente, ou (i) para designar uma determinada fonte de
direito, ou (ii) para designar o direito consuetudinário. E para distinguir
os dois sentidos fala-se de costume facto e costume norma;
Costume facto: refere-se ao facto gerador de normas; à fonte de direito;
facto normativo/ fonte de direito (costume como fonte de direito)
Costume norma: corresponde ao direito consuetudinário ou costumeiro.
(costume como sistema de normas.
No quadro da nossa disciplina fala-se de costume no sentido de fonte de
direito, que é uma pratica social acompanhada de uma convicção de
obrigatoriedade; isto é, uma conduta observada com regularidade pelos
membros da sociedade e essa observância é levada a cabo com a
convicção de que aquela conduta é obrigatória. Assim, resultam os dois
elementos caracterizadores do costume: o corpus e o animus.
Corpus: é a conduta, a prática em si; é o procedimento observado pelos
membros da sociedade; é o elemento objectivo, exterior aos destinatários
da norma; é no corpus onde se encontra a regra, tanto que a prática
efectua-se nos precisos termos daquilo que se pretende que seja a regra
contida no costume.
Animus: é a convicção de cada um de que deve observar uma certa regra
costumeira; é o elemento subjectivo que consiste no sentimento de
convicção de obrigatoriedade de observar uma certa prática.
Para que seja costume é necessário que se observem cumulativamente
estes dois elementos, pois a inexistência de animus torna uma prática não
costume, mas uso. Já o simples uso é uma pratica que não é acompanhada
de convicção ou sentimento de obrigatoriedade.
Contudo, é preciso notar que o costume não é fonte autónoma do direito,
uma vez que só se torna fonte quando um certo ordenamento jurídico lhe
confere essa dignidade, consagrando-o com fonte.
Outrossim, diferentemente da lei, o costume é fonte não voluntária, pois
ele só cria normas, regras por força da convicção da sua obrigatoriedade;
ou seja, o costume não é uma vontade imputável a um determinado órgão
do Estado; as regras que nascem do costume não exprimem vontade de
nenhum órgão do Estado, uma vez que são resultados da prática social, o
que quer dizer que o direito criado a partir do costume não é criado por
uma determinada vontade que lhe confere a obrigatoriedade, por quanto,
essa obrigatoriedade nasce do sentimento da obrigatoriedade que cada
cidadão tem.
No confronto entre o costume e a lei, a doutrina tem distinguido três
espécies de costume, designadamente:
Universidade Católica de Moçambique 48

Constume contralegem (relação de contradição com a lei ): é o que expõe


no sentido contrário ao que está preceituado no Direito Positivo; o
costume contrário à lei é, normalmente tem sido proibido, donde resulta
que a prática desse costume tem tido implicações politicas traduzidas
num sancionamento. “O costume constitucional contra legem equivale à
preterição da constitucionalidade44”.
Costume secundum legem (relação de identidade com a lei): quando a
regra costumeira tem um preceito igual ao do Direito positivo (à regras
jurídicas); não levanta problemas, pois a sua prática não ofende as
normas em vigor. Com referência à nossa disciplina de Direito
Constitucional, podemos falar do costume constitucional secundum
legem, que são práticas, nalguns casos anteriores, noutros posteriores à lei
constitucional, mas que não contrariam a Constituição. Noutros casos,
“verifica-se o costume constitucional verdadeiro e próprio, contanto que
o comando constitucional seja cumprido não por mera força da sua
inserção na Constituição formal, mas por força dessas mesmas práticas
tidas por obrigatórias45”.

Costume praeter legem (relação de complementaridade): refere-se a


aspectos da vida social em relação aos quais, a lei não se pronuncia; não
tem conteúdo igual nem oposto ao da lei, apenas está para além da lei;
nestes casos a prática do costume é valida e funciona como maneira de
preenchimento de lacunas da lei; o costume praeter legem é mecanismo
de regulação das relações sociais nos aspectos em que o direito não
regula. As normas costumeiras praeter legem são interpretativas e
integrativas de preceitos constitucionais escritos e têm a função de
clarificação, desenvolvimento e adequação às necessidades de evolução
social”46 .
1.5.11.1 O problema do Costume em Constituição formal

Tem sido apresentados dois obstáculos para o reconhecimento do


costume na Constituição formal, designadamente: (i) os obstáculos
resultantes da mentalidade positivista contra o costume; (ii) o
entendimento de que a Constituição formal, sendo expressão de um poder
constituinte soberano, não poderia ser posto em causa por quaisquer
actos desconformes com as suas estatuições ou por quaisquer factores
inorgânicos47; portanto, a inadmissibilidade do costume deriva tanto do

44
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.121.
45
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.119-120.
46
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.120.
47
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.112.
Universidade Católica de Moçambique 49

princípio da soberania nacional como do conceito de Constituição


formal48.

Negando a admissibilidade do costume como fonte de Direito


Constitucional, dizem alguns que considerando que a vontade do povo só
se manifesta através da concepção da Constituição por uma assembleia
constituinte (ou órgão equivalente), e não doura forma, a superioridade da
Constituição e da sua função seriam vulneradas se fossem criadas normas
constitucionais à sua margem.

Com efeito, segundo Carré de Malberg, “há incompatibilidade entre os


dois termos – Constituição e costume. Porque o costume, não sendo
escrito, não carece de um processo de revisão para o modificar. O
costume não possui a força superior que caracteriza o Direito
constitucional: somente as regras consagradas numa Constituição
escrita estão revestidas dessa força49”.

No mesmo sentido escreve Burdeau: “a Constituição destina-se a


garantir o primado de uma ideia de Direito; e, quando a nação soberana
(ou o legislador constituinte) nela inscreve uma regra e edita as
condições em que pode ser modificada, obedece a uma convicção
jurídica existente no grupo acerca da sua importância. A fixação de um
processo de revisão indica a vontade de preferir à elasticidade da regra
que evolui a rigidez de um principio que se tem por necessário para certa
segurança política50”.

Entre os defensores do costume, há que destacar:

René Capitant, que procurou demonstrar o costume era essencialmente


constituinte, e que a Constituição, nos seus graus superiores, era
necessariamente consuetudinária: “a nação não tem que reivindicar a

48
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.113.
49
MALBERG, Carré de. Contribution …., apud MIRANDA, Jorge. Manual de
direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição,
Coimbra Editora, 1996, pp.113.
50
BORDEAU, apud MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional:
constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996,
pp.110.
Universidade Católica de Moçambique 50

soberania, ela possui-a em todos os regimes - porque, pelo menos, é


senhora da obediência e, por conseguinte, detém a positividade do
Direito51”.

Segundo Sérgio Cotta, “a Constituição não se compõe só de disposições


normativas, compreende dois outros elementos, um anterior – a tradição
(que se exprime em normas consuetudinárias) – e outro posterior – o
comportamento dos órgãos governamentais e da sociedade no seu
conjunto52”.

Na verdade, dentre os autores que aceitam o costume complementar da


Constituição formal, o admitem com um dos seguintes fundamentos:

(i) O Direito constitucional não se reduz às normas escritas, “à


normalidade normada juridicamente”;
(ii) O costume dá este ou aquele carácter e tom ao Direito
constitucional, e se manifesta, de modo especial, no
exercício das funções próprias do regime politico pelos
órgãos do Estado;
(iii) O costume exerce uma função supletica, admitida tacitamente
pelo legislador constituinte;
(iv) Porque o costume se afirme, com efectividade, nas crises do
ordenamento, permita confirmar a vigência de regras sobre
a produção jurídica, elimine lacunas constitucionais ou
contribua para a estabilização dos princípios do
ordenamento;
(v) Seja a rigidez da Constituição escrita que dê azo à costumes
constitucionais;
(vi) A par da Constituição escrita, se desenvolva uma Constituição
não escrita, enfermada de princípios constitucionais
fundamentais;

51
CAPITANT, René. La costume… apud MIRANDA, Jorge. Manual de direito
constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra
Editora, 1996, pp.114.
52
COTTA, Sérgio. La notion de Constitution dans ses rapports avec la réalité
sociale, in L’Idée de Philosophie Politique, obra colectiva, Paris, 1965, pp. 152 e
ss. Apud MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.114-115.
Universidade Católica de Moçambique 51

(vii) Ou porque o parâmetro da constitucionalidade deva ser tomado


em face da experiencia jurídica concreta;
(viii) Ou porque a insuficiência ou indeterminação de uma pré-
objectivação normativa obrigue a recorrer à prática ou a
uma constituinte determinação pela prática;
(ix) Ou porque o costume decorra da própria necessidade de
aplicação da Constituição53.

Contudo, sendo óbvio que a Constituição formal nasce de


um acto constituinte (que é um acto jurídico), o problema
do costume na Constituição formal não se coloca na criação
ou formulação originária das normas constitucionais,
relaciona-se sim com a criação superveniente de normas
constitucionais, e sobretudo com a projecção do costume
sobre as normas constitucionais: como compatibilizar
normas constitucionais consuetudinárias com a Constituição
formal?54
Em defesa do valor do costume constitucional, escreve Jorge
Miranda, “aceites ou pressupostos o valor do costume em
geral e a efectividade como factor de juridicidade,
reconhecida ainda a interpenetração de norma e realidade
constitucional não pode banir-se o costume do Direito
constitucional, não pode recusar-se-lhe qualquer
virtualidade de acção. O seu lugar haverá de ser o que
resultar da sua capacidade para conformar situações de vida
– neste caso, situações de vida politica, situações
constitucionais significativas (sejam situações recíprocas dos

53
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.115-116.
54
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.116-117.
Universidade Católica de Moçambique 52

órgãos do poder, sejam mesmo relações entre o Estado e as


pessoas)55.
Para este autor, o costume possui um relevo secundário no
direito constitucional, na medida em que o costume só entra
onde a Constituição formal ou não chega ou não é efectiva.
No entanto, “a existência da Constituição formal não
determina a sua exclusividade; determina (parafraseando
HELLER) a primazia da normatividade constitucional. O que a
Constituição formal implica não é a proibição de normas
criadas por outra via que não a legal; é que tais normas se
lhe refiram, nela entronquem e formem com ela, e sob a sua
égide, uma incindivel contextura sistemática. (…) Quando se
diz que o poder é exercido nos termos da Constituição, tem
de se entender que Constituição abrange, em primeiro lugar,
a Constituição formal escrita e, em segundo lugar, as
normas consuetudinárias que, de diversos modos, a venham
completar. A Constituição é tudo e é essa Constituição os
órgãos do poder têm de acatar 56”.
E mais específica é a Constituição da República de
Moçambique que estabelece no artigo 4 que “o Estado
reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de
conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na
medida em que não contrariem os valores e os princípios
fundamentais da Constituição”.
Deste preceito constitucional pode-se concluir que, o
costume secundum legem e praeter legem são
perfeitamente enquadráveis na Constituição formal
moçambicana, porém, o costume contra Constitutionem
não tem lugar.

55
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.118.
56
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.119.
Universidade Católica de Moçambique 53

Também decorre, as normas ordinárias contrárias ao


costume constitucional são inconstitucionais.

1.5.12 A jurisprudência como fonte de normas constitucionais

O termo jurisprudência pode ser tido como sinónimo da ciência do


direito, ou como fonte do direito. Para a nossa disciplina interessa o
sentido de fonte de direito.
A Jurisprudência compreende o conjunto das decisões dos tribunais nas
quais se exprime a orientação a seguir na resolução dos casos concretos; a
jurisprudência como fonte de direito engloba as decisões proferidas pelo
tribunal supremo designados acórdãos e assentos e que servem de
orientação geral para os tribunais menores.
O Tribunal Supremo de Moçambique funciona em secções e plenárias; os
juízes conselheiros estão divididos em secções. Na resolução de cada
caso concreto, cada secção emite um acórdão. Acórdão é a decisão
proferida em sentença por uma secção do Tribunal Supremo num
determinado caso concreto. Nas suas reuniões em Plenário e em Segunda
Instância, o Tribunal Supremo fixa assento nos termos da alínea a) do
artigo 45 da Lei 24/2007, de 20 de Agosto. O assento só pode surgir
dentro do plenário do Tribunal Supremo e nunca dentro duma secção.
O assento é fixado, estando reunidos os seguintes requisitos: (i) haja
contradição de acórdãos (dois acórdãos que se contradizem ), (ii) que
esses acórdãos se refiram a uma mesma questão de direito, (iii) que a
contradição se verifique quanto a mesma fonte, (iv) que os casos
resolvidos nos demais ou mais acórdãos sejam também da mesma
natureza, (v) que os acórdãos em contradição não tenham transitado em
julgado.
Entretanto, o assento fixa doutrina com força obrigatória geral; um
entendimento, uma interpretação que servirá de constituição para todos os
tribunais, para todos os assuntos daquela natureza;
Em regra, nos sistemas romano-germânico (do qual Moçambique,
Portugal, França, etc., são partes), a jurisprudência não constitui fonte de
direito, porque muitos destes sistemas contém e defendem o princípio da
independência dos tribunais por força do qual, nenhum tribunal está
vinculado ao cumprimento das decisões dos outros tribunais (cf. Artigo
217 da CRM – Constituição da República de Moçambique), fora a
vinculação do princípio de separação de poderes legislativo e judicial.
Contudo, mas nada obsta que determinado ordenamento jurídico consagre
a jurisprudência como fonte do direito, e só neste caso é que a
jurisprudência se torna fonte de direito, como ensina Jorge Miranda, nada
impede que surja costume jurisprudencial constitucional a partir de uma
interpretação ou de uma integração feita pelos tribunais57.

57
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.129.
Universidade Católica de Moçambique 54

Exercícios

Exercícios

1. O que entendes por fontes de Direito, em


sentido técnico-jurídico?
2. Aponte as principais fontes mais conhecidas,
do direito constitucional.
3. Distinga o costume constitucional secundum
constitucionem, constume constitucional
praeter constitucionem e o costume
constitucional contra constitucionem.
4. Comente: “a CRM não admite o costume
como fonte das normas constitucionais”.
5. “A jurisprudência é a fonte das normas
constitucionais moçambicanas por
excelência”. Concordas com a afirmação?

Unidade 05
II. MODIFICAÇÃO E
SUBSISTÊNCIA DA
CONSTITUIÇÃO
Introdução
Nesta unidade serão abordados os seguintes temastes temas

PLANO DE EXPOSIÇÃO:
3. MODIFICAÇÃO E SUBSISTÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO
3.1. Modificações da constituição e vicissitudes constitucionais
3.1.1. Breve caracterização dos diversos tipos de vicissitudes
constitucionais
3.1.1.1. Breve caracterização da revisão constitucional
3.1.1.2. A derrogação constitucional
3.1.1.3. Revisão indirecta, Costume constitucional e interpretação
3.1.1.4. Revolução e ruptura parcial ou ruptura não revolucionária
3.1.1.5. A transição constitucional
3.1.1.6. A suspensão da constituição
Universidade Católica de Moçambique 55

Ao completer esta unidade / lição, você será capaz de:

 Objectivos específicos:
 1. Identificar as vicissitudes constitucionais
 2. Analisar os tipos de vicissitudes constitucionais
Objectivos

II. MODIFICAÇÃO E SUBSISTÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO

Qualquer Constituição está sujeita às modificações, durante a sua


aplicação, para se adaptar às circunstâncias da realidade constitucional,
designadamente ao novo contexto ou novas exigências de carácter
político, económico, social, etc. As Constituições são modificáveis e
modificadas, não se esgotando no momento da sua feitura.

Entretanto, tendo em conta as circunstâncias concretas da aplicação da


Constituição, a sua modificação pode variar em função da extensão e do
seu modo. É o que veremos no ponto seguinte.

2.5 Modificações da constituição e vicissitudes constitucionais

As vicissitudes constitucionais são alterações de quaisquer naturezas que


possam operar na Constituição, “quaisquer eventos que se projectem
Universidade Católica de Moçambique 56

sobre a subsistência da Constituição ou de algumas das suas normas58”,


e podem classificar-se em função do modo, do objecto, do alcance, das
consequências sobre a ordem constitucional e da duração dos seus efeitos.

(i) Quanto ao modo como se produzem:

Relativamente à forma como através das vicissitudes se exerce o poder


ou se representa a vontade constitucional, as vicissitudes podem ser
expressas ou tácitas.

Nas expressas, o evento constitucional produz-se como resultado de


acto a ele especificamente dirigido, pois altera-se o texto constitucional.
Essas vicissitudes baseiam-se numa vontade e traduzem-se em actos
jurídicos, que, por sua vez, podem ser totais ou parciais. Podem tomar as
modalidades ou formas de revisão constitucional, derrogação
constitucional, revolução, certas formas de transição constitucional e de
ruptura não revolucionária.

Nas vicissitudes tácitas, o evento é um resultado indirecto, uma


consequência que se extrai a posteriori de um facto normativo
historicamente localizado, aqui apenas modifica-se o conteúdo da
norma, mantendo-se intacto o texto. Essas, em regra, são parciais (não
totais), embora possam ser abstractas ou concretas. Podem tomar as
formas de costume constitucional, interpretação evolutiva e revisão
indirecta.

(ii) Quanto ao objecto

Quanto ao objecto ou às normas constitucionais que são afectadas: as


vicissitudes podem ser totais ou parciais.

Nas vicissitudes totais, as modificações atingem todas as normas


constitucionais ou, apenas todos os princípios fundamentais, portanto,
atinge-se a toda a constituição, surgindo uma nova Constituição, por via
evolutiva (transição constitucional) ou por ruptura (revolução).

58
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.130.
Universidade Católica de Moçambique 57

Nas vicissitudes parciais, as modificações incidem apenas sobre


algumas normas constitucionais, não atingindo os princípios definidores
da ideia de Direito, por isso, são as verdadeiras modificações em termos
mais rigorosos.

(iii) Quanto ao alcance

Quanto ao alcance ou às situações da vida e aos destinatários das


normas constitucionais postos em causa pelas vicissitudes): vicissitudes
de alcance geral e abstracto e vicissitudes de alcance concreto ou
excepcional.

Nas vicissitudes gerais e abstractas, abrangem-se todas e quaisquer


situações idênticas e todos os destinatários que se encontrem num certo
contexto. Estas ainda podem ser totais ou parciais.

As vicissitudes concretas ou excepcionais incidem sobre certas


situações concretas verificadas ou por se verificar, e atingem alguns
destinatários abrangidos pelas normas. Essas, em regra, são sempre
parciais e representam uma verdadeira derrogação constitucional.

(iv) Quanto às consequências sobre a ordem constitucional:

Quanto às consequências sobre a ordem constitucional, distinguem-se as


vicissitudes que representam uma evolução constitucional e as
vicissitudes que representam uma ruptura.

As que representam uma evolução constitucional são as que não colidem


com a integridade da Constituição e constituem uma continuidade desta.
Estas, em regra, são parciais e implicam meras modificações.

As que representam uma ruptura constitucional constituem um corte


com a Constituição. Constituem alterações constitucionais stricto sensu, e
são, em regra, alterações totais.

(v) Quanto à duração dos efeitos:

Quanto à duração dos efeitos, as vicissitudes de efeitos temporários e


vicissitudes de efeitos definitivos. Contrariamente às vicissitudes de
efeitos definitivos, as vicissitudes de efeitos temporários correspondem às
Universidade Católica de Moçambique 58

suspensões constitucionais, e podem ser totais ou parciais, assim que


podem ser feitas com observância da Constituição (representando um
derrogação constitucional, quando a suspensão for parcial ou
excepcional) ou com desrespeito da mesma (o que representa uma
revolução e ruptura definitiva).

Entretanto, a suspensão parcial da Constituição, de alcance geral e


abstracto, na forma própria da Constituição, integra as medidas de
necessidade ou prividências.

Vide esquema apresentado na pp. 133 de MIRANDA, Jorge. Manual de


direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª
edição, Coimbra Editora, 1996:

Critério Classificação Formas

Expressas Revisão constitucional


(stricto sensu),
derrogação
constitucional, transição
constitucional,
revolução, ruptura não
Quanto ao modo
revolucionária,
suspensão (parcial) da
Constituição

Tácitas Costume constitucional,


interpretação evolutiva
da Constituição e revisão
indirecta

Parciais Todas, menos a


revolução e a transição
Quanto ao objecto
constitucional

Totais revolução e a transição


constitucional

Geral e abstracto Todas, menos a


derrogação
Quanto ao alcance
constitucional
Universidade Católica de Moçambique 59

Concreto, individual ou Derrogação


excepcional constitucional

Evolução constitucional Todas, menos a


revolução e a ruptura não
Quanto às consequências
revolucionária
na ordem constitucional

Com ruptura (alterações Revolução, ruptura não


constitucionais revolucionária

Efeitos definitivos Todas, menos a


suspensão parcial da
Quanto à duração dos
Constituição
efeitos

Efeitos temporários Suspensão parcial da


Constituição

2.5.1 Breve caracterização dos diversos tipos de vicissitudes


constitucionais

A caracterização dos tipos de vicissitudes constitucionais resultantes da


classificação que acaba de ser feita acima, designadamente, a revisão
constitucional, a derrogação constitucional, o costume constitucional, a
interpretação evolutiva da Constituição, a revisão indirecta, a revolução, a
ruptura não revolucionária, a transição constitucional e a suspensão
(parcial) da Constituição, será breve, contudo, reservar-se-á um ponto
autónomo para a apresentação da revisão constitucional, pelo facto desta
ser o tipo mais significativo da modificação constitucional e servir de
referencia para a definição ou exclusão das outras modalidades.

2.5.1.1 Breve caracterização da revisão constitucional

A revisão constitucional ou revisão em sentido próprio, é a modificação


da Constituição expressa, parcial, de alcance geral ou abstracto, que
traduz o princípio de continuidade institucional. É a modificação
destinada a auto-regeneração e autoconservação, o que se traduz na
expurgação das normas que já não se justificam do ponto de vista
político, social ou jurídico, e na introdução de novos elementos
revitalizadores.
Universidade Católica de Moçambique 60

A revisão constitucional ocorre nos precisos termos previstos na


Constituição ou, não havendo previsão desses termos na Constituição, a
revisão vai ocorrer nos termos resultantes do sistema de órgãos e actos
jurídico-constitucionais.

A revisão constitucional pode consistir na modificação directa do texto


constitucional ou na aprovação de um novo texto autónomo da
constituição – lei constitucional autónoma.

Note-se que, uma verdadeira revisão constitucional, será sempre parcial e


não total, salvo se essa revisão total consistir apenas na mudança total da
Constituição instrumental, mantendo a Constituição material, isto é, não
tocando os princípios e regras fundamentais de Direito.

2.5.1.2 A derrogação constitucional

A derrogação constitucional traduz-se na quebra ou ruptura material, e,


similitude do processo, integra-se juntamente com a revisão stricto sensu,
no conceito de revisão lato sensu. No entanto, a derrogação difere-se da
revisão constitucional pelos resultados, na medida em que, a derrogação
consiste na edição de uma norma geral e concreta e até de uma norma
individual, de jus singular, e não de norma geral e abstracta.

A derrogação representa a edição de uma excepção, temporária (ou


pretensamente definitiva) em face do princípio ou da regra
59
constitucional : introduz uma excepção à regra, isto é, consiste na
violação, a título excepcional, de uma prescrição legal – constitucional
para um ou vários casos concretos, quanto tal é permitido por uma lei
constitucional ou resulta do processo prescrito para a s variações
constitucionais. É a modificação da Constituição levada a cabo por meio
de processo de revisão que se traduz na excepção a um principio
constitucional ou na regulamentação de um caso concreto60.

As normas constitucionais derrogatórias de princípios constitucionais


podem resultar de revisão constitucional ou podem ser previstas pelo
poder constituinte originário.

59
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 135-136.
60
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 136.
Universidade Católica de Moçambique 61

Quando imanadas pelo poder constituinte são também designadas por


auto-rupturas da Constituição e têm sido contestadas pela doutrina,
sobretudo quando incontroladas, uma vez que podem traduzir em
manipulações constitucionais, o que pode conduzir num conglomerado de
rupturas (segundo Hesse), originando uma nova Constituição diferente.

Segundo Jorge Miranda, quando as normas derrogatórias afectam um


principio fundamental constitucional, traduz-se numa derrogação
originária, o que representa a produção de verdadeiras normas
constitucionais inconstitucionais e não deve ser admissível; quando não
afectam princípios fundamentais, trata-se apenas de derrogação
superveniente.

Esquematizando:

Critério Classificação

Quanto à origem das normas Resultante da revisão


derrogatórias de princípios constitucional
constitucionais
Auto-ruptura da Constituição
(quando prevista pelo poder
constituinte originário)

Consoante a derrogação afecta ou Derrogação originária


não princípios fundamentais
Derrogação superveniente
constitucionais

2.5.1.3 Revisão indirecta, Costume constitucional e interpretação

a) Interpretação constitucional

A interpretação deve ser objectiva e evolutiva e é determinada pela


necessidade de (i) congregar as as normas interpretadas com as demais do
sistema (que estejam em vigor e não as que estavam em vigor no
Universidade Católica de Moçambique 62

momento da publicação da Constituição), (ii) atender aos destinatários


actuais (não os do tempo da entrada em vigor da Constituição), (iii)
reconhecer um papel activo ao intérprete, que se encontra situado no
ordenamento em transformação.

O carácter evolutivo não deve significar a eliminação de normas em


vigor, mas sim, mantê-las vivas, preservando o espírito da Constituição.

b) Costume constitucional: este pode consistir na eliminação de


certas normas constitucionais.
c) Revisão indirecta:
Ocorre nos casos em que, tendo havido uma revisão
constitucional, haja necessidade de interpretação sistemática da
norma não revista, de modo a ser consentânea com a nova
norma que resultou da revisão constitucional. Trata-se pois, de
uma interpretação sistemática de uma norma, conforme outra
norma resultante da revisão constitucional. é uma forma
particular de interpretação sistemática. Consiste no reflexo sobre
certa norma de modificação operada por revisão (revisão
directa, ou revisão propriamente dita): o sentido de uma norma
não objecto de revisão constitucional vem a ser alterado por
virtude da sua interpretação sistemática e evolutiva em face da
nova norma constitucional ou da alteração ou da eliminação de
norma preexistente61.

2.5.1.4 Revolução e ruptura parcial ou ruptura não revolucionária

A revolução e a ruptura não revolucionária (ou modificação da


constituição se observância das regras processuais respectivas) são
alterações constitucionais stricto sensu, e podem ser totais ou parciais.

a) Revolução: a revolução é uma ruptura da ordem constitucional


b) Ruptura parcial ou ruptura não revolucionária:

É uma ruptura na ordem constitucional, que não põe em causa a


validade em geral da Constituição, mas apenas a sua validade

61
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 138.
Universidade Católica de Moçambique 63

circunstancial. A ruptura parcial continua a reconhecer o princípio


da legitimidade no qual assenta a Constituição, entretanto, lhe
introduz um novo limite ou aplica de novo o limite por forma
originária62. Como exemplo, apontam-se a experiência portuguesa
através do Acto Adicional de 1852 e da alteração ditatorial da
Constituição de 1911 em 1918.

2.5.1.5 A transição constitucional

É a passagem de uma Constituição material a outra com observância das


formas constitucionais, sem ruptura, ou seja, muda apenas a Constituição
material, porém permanece a Constituição instrumental e, eventualmente,
a Constituição formal.

A transição constitucional (i) pode resultar dum processo de revisão, nos


casos em que pode contar de preceitos constitucionais expressos; a este
respeito, apontam-se os casos em que as Constituições estabelecem um
regime de revisão dos seus princípios fundamentais (regime de revisão
quanto à forma, não quanto ao fundo, eventualmente). (ii) pode consistir
na utilização do processo geral de revisão constitucional, verificados
certos requisitos, para remoção de princípios fundamentais ou para
substituição de regime político. Ex: quando, pelo processo de revisão, se
afastam limites materiais, implícitos ou explícitos, equivalentes a tais
princípios.

2.5.1.6 A suspensão da constituição

Consiste na não vigência de algumas normas constitucionais, durante


certo tempo, decretada por causa de determinadas circunstâncias.
Normalmente traduz-se na suspensão de certos direitos, liberdades e
garantias, e opera através da declaração do estado de sitio, estado de
emergência ou outras situações excepcionais. Contudo, é preciso notar

62
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 139. “
falta a invocação da Constituição como fundamento em particular, mas
continua a existir o reconhecimento da validade da Constituição em geral –
reconhecimento da validade no espaço e no tempo, no qual agirá também o
acto de ruptura”.
Universidade Católica de Moçambique 64

que a suspensão da Constituição é uma medida excepcional, resultante de


casos de extrema necessidade.

Exercícios

Exercicios sobre as vicissitudes constitucionais

1. Estabelece as diferenças entre:


a) Vicissitudes constitucionais expressas e tácitas
b) Vicissitudes constitucionais totais e parciais
c) Vicissitudes de alcance abstracto e as de alcance
excepcional
d) Alterações constitucionais e revolução
e) Vicissitudes de efeitos temporários e as de efeitos
defintivos
f) Revolução e ruptura não revolucionária
g) Revisão constitucional e derrogação constitucional
h) Costume constitucional e interpretação evolutiva da
Constituição
i) Revisão indirecta e interpretação evolutiva da
Constituição
j) Transição constitucional e revisão constitucional
k) Suspensão constitucional e derrogação constitucional
l) Transição constitucional e ruptura não revolucionária
m) Derrogação originária e derrogação superveniente
2. A Assembleia da República do Estado A, usando os
poderes e a forma constantes da Constituição em
vigor aprovada em 1980, alterou a forma do regime,
passando de republica para monarquia, introduzindo
alterando a redacção dos artigos 2 e 3, em 1990.
Contudo, com a nova redacção dos artigos 2 e 3, o
sentido dos artigos 8 e 9 já não soa bem, entretanto,
a Assembleia da República não sabe, se deve
revogar esses artigos ou não. Entretanto, a
Constituição de 1980 havia sido aprovada por um
Universidade Católica de Moçambique 65

grupo de militares insurrectos, que tomaram o poder


por golpe e transformaram o Estado, de federado
para unitário.
a) Identifique os tipos de vicissitudes constitucionais
operadas em 1980 e 1990.
b) Sendo especialista em Direito Constitucional, o que
aconselharia a Assembleia da República para
ultrapassar a dúvida que tem sobre os artigos 8 e 9?

Unidade 06
A REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO
Introdução
Nesta unidade serão discutidos os seguintes assuntos:

PLANO DE EXPOSIÇÃO

3.2. REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO


3.2.1. Rigidez, flexibilidade constitucionais e garantia da Constituição
3.2.1.1. Rigidez, flexibilidade constitucionais e garantia da
Constituição
3.2.1.2. Poder constituinte e poder de revisão
3.2.2. Os limites da Revisão da Constituição
3.2.2.1. Os limites formais
a) Limites quanto ao titular do poder de revisão
b) Limites relativos às maiorias deliberativas:
c) Limites temporais
d) Limites quanto à legitimidade do órgão com poder de revisão
e) Limites circunstanciais
3.2.2.2. Os limites materiais de revisão constitucional
a) Limites superiores e limites inferiores:
b) Limites expressos e limites tácitos
c) Limites absolutos e limites relativos
3.2.3. Revisão expressa e revisão tácita
3.2.4. Revisão total e revisão parcial
3.2.5. Revisão e desenvolvimento constitucional
3.2.6. Revisão e revisionismo
3.2.7. Revisão constitucional e inconstitucionalidade
3.2.7.1. Inexistência das leis de revisão
a) Leis de revisão e incompetência do órgão
b) Leis de revisão e ausência de causa ou intenção constituinte
3.2.7.2. Nulidade das leis de revisão
3.2.8. As rupturas constitucionais
Universidade Católica de Moçambique 66

Ao completer esta unidade / lição, você será capaz de:

 Objectivos específicos:
 1. Compreender a revisão constitucional
 2. Analisar os limites da revisão
Objectivos
 3. Identificar as formas ou tipologias de revisão constitucional
 4. Explicar os desvalores das leis de revisão;
 5. Distinguir a revisão constitucional das rupturas constitucionais.

2.6 A REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO

2.6.1 Rigidez, flexibilidade constitucionais e garantia da Constituição


2.6.1.1 Rigidez, flexibilidade constitucionais e garantia da Constituição

A classificação da constituição em rígida ou flexível está ligada à revisão


constitucional, uma vez que diz respeito à modificação e à subsistência
das normas constitucionais.

A Constituição rígida é aquela que, para ser revista, exige a observância


de uma forma particular de elaboração distinta da forma seguida para a
elaboração das leis ordinárias.
Universidade Católica de Moçambique 67

Segundo Gomes Canotilho63, não é a existência de um processo de


revisão estabelecedor de exigências específicas para a modificação da
Constituição que caracteriza a rigidez da Constituição, pois, este carácter
deve procurar-se em sede do poder constituinte, uma vez que as normas
de revisão não são o fundamento da rigidez da Constituição mas os meios
de revelação da escolha feita pelo poder constituinte.

Contudo, a rigidez da Constituição, traduzida na escolha de um processo


agravado de revisão, impedindo a livre modificação da lei fundamental
pelo legislador ordinário (constituição flexível), constitui uma garantia
da Constituição, o que significa que o processo agravado de revisão da
constituição é apenas um meio ou instrumento dessa garantia.

Assim, a rigidez da Constituição é um limite absoluto ao poder de


revisão, que tem em vista garantir a relativa estabilidade da Constituição,
não significando com isso que a Constituição tenha de se manter
inalterável, situações que conduziriam à rigidez absoluta, mas sim,
rigidez relativa.

Constituição flexível: é aquela que, para ser revista, segue o mesmo


processo legislativo; portanto, a forma de revisão constitucional é
idêntica com a de revisão da lei ordinária.

2.6.1.2 Poder constituinte e poder de revisão

Considerando que o poder constituinte é o que escolhe o processo de


revisão constitucional, este poder é lógica e historicamente superior ao
poder de revisão, não pretendendo com isso dizer-se que a Constituição
não tenha de ser adequada aos novos contextos constitucionais em que é
aplicada, mas apenas pretende-se significar que o legislador constituinte
pode, exigir do poder de revisão, a solidariedade entre os princípios
fundamentais da Constituição e as ideias constitucionais positivadas pelo
poder de revisão. Conforme comunga Zagrebelsky, “o poder de revisão
da constituição baseia-se na própria constituição; se ele a negasse como
tal, para substitui-la por uma outra, transformar-se-ia em inimigo da

63
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1045
Universidade Católica de Moçambique 68

constituição e não poderia invocá-la como base de validade64 ”, e Pedro


Veja, “ainda que se entenda como competência da competência, o poder
de revisão nem por isso deixa de ter o seu fundamento na constituição,
diferentemente do que ocorre com o poder constituinte que, como poder
soberano, é prévio e independente do ordenamento65”.

2.6.2 Os limites da Revisão da Constituição


2.6.2.1 Os limites formais

Considerando que “os processos específicos de revisão constitucional


baseiam-se nas formas de participação popular, na escolha do órgão
aquém é conferido o poder de revisão, na exigência de um iter processual
mais complexo do que o processo legislativo normal, e no exercício
temporal do poder de revisão”66, podem-se identificar os seguintes limites
formais: limites quanto ao titular do poder de revisão, limites relativos às
maiorias deliberativas, limites temporais, limites quanto à legitimidade do
órgão com poder de revisão e limites circunstanciais.

f) Limites quanto ao titular do poder de revisão


O órgão de revisão pode ser o órgão legislativo ordinário sujeito
a algumas exigências, ou um órgão especial.
(i) Órgão de revisão é o órgão legislativo ordinário: a revisão é feita
pelo órgão legislativo ordinário, que exercem as actividades
legislativas normais. No entanto, para a revisão, esse órgão
terá de seguir um processo agravado, tratando-se de uma
constituição rígida. Esse agravamento pode consistir na

64
ZAGREBELSKY. Il sistema costituzionale. apud CANOTILHO, J.J.
Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª edição, Almedina,
Coimbra, 2002, pp. 1046.

65
VEGA, Pedro de. La reforma constitucional y la problemática del
poder constituyent, Madrid, 2ª ed. Pp. 236, apud CANOTILHO, J.J. Gomes.
Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª edição, Almedina, Coimbra,
2002, pp. 1046.

66
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1046-1047.
Universidade Católica de Moçambique 69

exigência de um parecer ou de participação doutros órgãos,


exigência de maioria qualificada, na exigência de renovação
dos componentes do órgão legislativo ou na exigência de
deliberações intervaladas no tempo67.
(ii) O órgão de revisão é o órgão legislativo, mas a revisão exige a
participação directa do povo: o órgão legislativo ordinário
tem competência para rever a constituição, entretanto,
colocam-se como limites ou exigências, que as modificações
constitucionais sejam submetidos a aprovação popular
através de referendum, preventivo ou sucessivo, facultativo
ou obrigatório. O referendum preventivo consiste na
consulta popular e obtenção do voto deste antes de se
operarem as modificações constitucionais; o referendo
sucessivo, a aprovação popular ocorre depois da redacção
do texto de modificação constitucional; o referendum é
facultativo quando a Constituição não o exige como
requisito de validade ou eficácia da revisão constitucional, e
é obrigatório, quando a Constituição o exige, o exemplo
disso é o artigo 192 n°2 da CRM que estabelece que “as
matérias constantes do número anterior são
obrigatoriamente sujeitas a referendo”.
(iii) O órgão de revisão é um órgão especial: nos casos em que o
órgão que procede a revisão constitucional não é o órgão
legislativo ordinário, contudo, esse órgão pode ser investido
especialmente para rever a constituição, assim que pode ser
um órgão que tenha ligação ou que se baseie no órgão
legislativo normal. Tudo depende do que estiver definido na
Constituição.

g) Limites relativos às maiorias deliberativas:

67
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1047.
Universidade Católica de Moçambique 70

São os casos em que a Constituição exige que a revisão seja


deliberada por maioria qualificada, por exemplo de 2/3 dos
deputados, como acontece com a CRM no artigo 291, quanto à
iniciativa de revisão; as exigências podem ser mais agravadas,
consoante se trate de revisão ordinária ou extraordinária.

h) Limites temporais
A Constituição pode estabelecer prazos para a revisão da
constituição. Esses prazos têm em vista permitir a estabilidade
das instituições constitucionalmente consagradas. A CRM prevê
um prazo mínimo de cinco anos para a revisão ordinária (cf.
Artigo 293). Entretanto, a revisão extraordinária pode ocorrer a
qualquer altura, desde que seja deliberada por maioria de ¾ (cf.
Artigo 293 da CRM).

i) Limites quanto à legitimidade do órgão com poder de revisão

Para evitar que o órgão legislativo ordinário, através do voto da maioria


parlamentar possa alterar a qualquer altura a Constituição, moldando-a a
seu bel prazer, as constituições têm previstos, limites materiais (que serão
apresentados adiante) e um dos seguintes limites formais: (i) a
determinação de que a constituição só possa ser revista depois da
renovação dos membros do parlamento (a acontecer através das eleições
legislativas); é o que acontece com a CRM ao impor que esta só possa ser
revista volvidos cinco anos, o que ocorre depois do fim do mandato da
legislatura anterior.

j) Limites circunstanciais

São aqueles limites que proíbem, por exemplo a revisão da constituição


em certos momentos de crise, ou certas circunstâncias excepcionais,
designadamente, estado de guerra, estado-de-sítio, estado de emergência.
Assim estabelece o artigo 294 da CRM: “na vigência do estado de sítio
ou do estado de emergência não pode ser aprovada qualquer alteração
da Constituição”.

2.6.2.2 Os limites materiais de revisão constitucional


Universidade Católica de Moçambique 71

Os limites materiais são exigência de conteúdo que podem ser impostas


para a revisão constitucional. Dentre esses limites, pode-se fazer a
contraposição entre limites superiores e limites inferiores, limites
expressos e limites tácitos, limites absolutos e limites relativos.

d) Limites superiores e limites inferiores:

O que se discute em sede desses limites é a questão de saber: (i) se a


lei de revisão pode inserir na Constituição quaisquer matérias, (ii) e
se podem ou não ser revistas quaisquer matérias constantes da
Constituição.

Limites inferiores: traduzem-se na limitação das matérias a serem


introduzidas na constituição pela lei de revisão constitucional, ou
seja, os casos em que a constituição restrinja a inserção de certas
matérias através da revisão constitucional: a constituição contenha
um preceito relativo à reserva material constitucional. Esses limites
são normalmente expressamente raros nas Constituições.

Limites superiores: traduzem-se na proibição de revisão de


determinadas normas constitucionais. Trata-se de existência ou previsão
de certas normas constitucionais que, por constituírem o cerne da
Constituição, não podem ser objecto de revisão, exemplo, a previsão do
n°1 do artigo 292 da CRM.

e) Limites expressos e limites tácitos

Os limites expressos ou textuais são os que estão previstos no próprio


texto constitucional, e se referem ao cerne material da ordem
constitucional. (exemplo, artigo 292 n°1 da CRM).

Limites tácitos ou não articulados: são os limites não expresso na


Constituição. Estes podem ser limites textuais implícitos ou limites
tácitos.

Limites textuais implícitos: são os que podem ser deduzidos do próprio


texto constitucional;
Universidade Católica de Moçambique 72

Limites tácitos ou tácitos, são os que são imanentes numa ordem de


valores pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional concreta68.

Relativamente aos limites materiais da revisão constitucional tem sido


colocadas a seguinte questão: será o poder constituinte originário pode
definir o rumo, o direito das futuras gerações, colocando limites à revisão
constitucional? Será as sucessivas gerações devem ficar reféns da ideia de
direito traçadas por um poder constituinte localizado num determinado e
longiquo momento histórico?

O certo é que não, pois a constituição terá que se situar sempre na


realidade constitucional em que é aplicada e, se certo poder constituinte
tivesse que amarar a vida das futuras gerações à sua concepção sobre o
direito, certamente que a constituição seria inevitavelmente alterada por
via de revolução.

Colocada a questão em sede revisão constitucional, o entendimento


maioritário é o de que há efectivamente necessidade de haver limites
materiais para evitar que o poder legislativo ordinário tenha de dispor da
Constituição, alterando, sem critério a ordem constitucional.

Entretanto, no que diz respeito aos limites materiais expressos e


implícitos, alguns autores defendem que os únicos limites a considerar
deviam ser os expressos e não os implícitos, dada a imprecisão e
dificuldades interpretativas desses. Contudo, se esse entendimento pode
garantir alguma certeza na definição dos limites materiais, o mesmo já
não pode ser aceite no todo, uma vez que o legislador constituinte não
está em condições de prever expressamente todos os limites materiais.
Aliás, se esse entendimento fosse levado a extremo, corria-se o risco de
se dizer que a Constituição que não previsse limites materiais expressos,
ao poder de revisão constitucional não se colocavam nenhuns limites,
estando, por isso livre para operar quaisquer alterações que entendesse
fazer, o que poderia conduzir à situações de absoluta instabilidade
institucional e completa descaracterização da figura de revisão
constitucional.

f) Limites absolutos e limites relativos

68
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1051.
Universidade Católica de Moçambique 73

Limites relativos: estes não impedem a modificabilidade das


normas constitucionais, apenas condicionam o exercício do
poder de revisão, impondo determinados requisitos,
nomeadamente o processo agravado de revisão.

Limites absolutos de revisão: são os limites da Constituição que


não podem ser superados pelo exercício de um poder de
revisão. Entretanto, esses limites tem sido contestado com a
alegação de que o poder de revisão poderia ultrapassá-los,
usando a técnica de dupla revisão.
A dupla revisão consistiria em: num primeiro momento, a
revisão incidir sobre as próprias norma de revisão, alterando ou
eliminando esses limites; num segundo momento, poderia se
fazer a revisão constitucional de acordo com as leis
constitucionais que eliminaram ou alteraram as normas de
revisão, o que significa que as normas constitucionais relativas
aos limites absolutos teriam um carácter mutável em virtude da
eliminação da clausula de intangibilidade69. Dito doutro modo, o
legislador ordinário produziria primeiro, uma lei de revisão das
normas de revisão, seguidamente, faria revisão constitucional
respeitando as leis de revisão das normas de revisão.
Outras correntes contestam a tese do duplo processo de revisão
acima apresentada, dizendo o seguinte:
(i) As normas de revisão são normas supra constitucionais,
pois confirmam a superioridade do legislador
constituinte e constituem o parâmetro material de
controlo especificamente referente às alterações da
Constituição.
(ii) É que, o paradigma dos sistema romano-germanico é
um paradigma fundamental, no qual, a norma
fundamental é constituída como norma individual
referida a determinado ou determinados actos

69
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1052.
Universidade Católica de Moçambique 74

constituintes. A sua violação, mesmo pelo legislador de


revisão, deverá ser considerada como incidindo sobre a
própria garantia da Constituição, ou seja,
(iii) A violação das normas constitucionais que estabelecem
a imodificabilidade de outras normas constitucionais,
constituirá uma ruptura constitucional;
(iv) O afastamento dos limites de revisão através da revisão,
constituiria uma fraude à Constituição.
(v) As normas de revisão constitucional constituem
condições de validade da própria revisão, dai que, a lei
de revisão das normas de revisão seja hierarquicamente
inferior às normas de revisão, por isso, não se
compreende a lógica do duplo processo de revisão
(revisão em duas fases).

Outros ainda contestam essas últimas posições dizendo o seguinte:

(i) As normas de revisão não são regras reguladoras da sua


própria revisão, nunca podendo uma norma estatuir a
sua própria imodificabilidade 70;
(ii) O único arrimo jurídico-normativo de imodificabilidade
das normas de revisão so poderia partir de uma
hierarquia das fontes de direito em que uma norma
superior declarava a sua própria irreversibilidade71
(iii) Outros ainda, argumentam que, no plano das
competências, a competência para o estabelecimento
de limites pertence ao poder constituinte originário, por
isso, não pode um poder derivado (constituído) subtrair-
se aos vínculos heteronomamente editados por um
outro poder. O poder de revisão não pode aumentar os
seus poderes ao ponto de se equiparar ao poder
constituinte.

70
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1054.
71
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1054.
Universidade Católica de Moçambique 75

2.6.3 Revisão expressa e revisão tácita

A regra: nenhuma revisão sem alteração do texto constitucional (artigo


296 da CRM).

Este limite consiste na obrigatoriedade da revisão ser expressa, podendo


ser por supressão de normas (eliminação de normas), substituição do
texto constitucional ou aditamentos. A revisão expressa, feita no próprio
texto constitucional (alterações introduzidas no próprio texto
constitucional) garante a certeza da revisão, afastando dúvidas sobre a
constituição que esteja em vigor.

O aditamento consiste no acréscimo à uma norma constitucional. No


entanto, de acordo com a prática dos EUA a técnica de aditamento
consiste em fazer emendas constitucionais, ou averbamentos
(escrevendo-se a revisão num dos cantos ou lados da Constituição), pode
suscitar dúvidas relativamente à identificação da norma constitucional
que esteja em vigor.

A CRM artigo 296 n°1 estabelece que “as alterações da Constituição são
inseridas no lugar próprio, mediante as substituições, as supressões e os
aditamentos necessários”. Deve notar-se contudo que, nos países da
Comunidade Europeia, onde a Constituição da União tem valor supra
constitucional em relação às constituições dos Estados membros, este tipo
de disposição já não de efectividade pacífica72.

Nas revisões não expressas ou revisões materiais irrecognosciveis, na


se declara de modo explicito, a vontade de alterar o texto constitucional.
Contudo, essas revisões podem conduzir ao efeito
desconstitucionalização (desconstitucionalização por via de modificações
tácitas), na qual, as normas constitucionais objecto de revisão continuam
no texto constitucional, mas já sem o valor de normas constitucionais –
segundo a doutrina das modificações tácitas.

A desconstitucionalização é um processo legislativo normal, distinto da


revisão constitucional, que consiste em remover as normas não
constitucionais que constam do texto constitucional. A

72
Vide desenvolvimento em CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e
teoria da constituição, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1057.
Universidade Católica de Moçambique 76

desconstitucionalização operaria em deduzir logicamente do texto


constitucional que determinadas normas, apesar de constarem do texto
constitucional, as mesmas devem ser requalificadas como normas
ordinárias.

Entretanto, o processo de desconstitucionalização parece ser difícil de


operar, uma vez que as normas de revisão revogam, alteram ou
acrescentam o texto constitucional, e a parte modificada deixa de
subsistir, isto é, o texto constitucional alterado ou deixa de existir ou
mantém-se válido com o valor constitucional73. Gomes Canotilho aponta
o seguinte exemplo de desconstitucionalização: artigo 144 da Carta
Constitucional “só é constitucional o que diz respeito aos limites e
atribuições respectivas dos poderes políticos, e aos direitos políticos e
individuais dos cidadãos, o que significa que tudo o que não é
constitucional pode ser alterado, sem as formalidades referidas, pelas
legislaturas ordinárias. Contudo, esta distinção reconduz à tese de B.
Constant, segundo a qual o que não se referia aos limites e atribuições
dos poderes, aos direitos políticos e aos direitos individuais não faz parte
da constituição e pode ser modificado pelo concurso do Rei e das duas
câmaras.

Entretanto, deve distinguir-se a desconstitucionalização por modificações


tácitas da desconstitucionalização decretada expressis verbis pelo
legislador constituinte, pois nessa última, o legislador constituinte
pronuncia-se expressamente, conferindo valor de lei ordinária, a
determinadas normas formalmente constitucionais.

Outra forma de revisão constitucional é através de reenvio para normas


jurídicas extraconstitucionais, por exemplo, o reenvio para tratados
internacionais. É o que acontece com o artigo 43 da CRM inserido na
revisão constitucional operada em 2004, e que estabelece que “os
preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são
interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos
Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos”. Entretanto, uma vez que dificilmente a norma constitucional de
revisão não vai reenviar para um preceito específico do texto do
instrumento internacional, pois limitar-se-á a reenviar para o instrumento
73
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1056.
Universidade Católica de Moçambique 77

internacional e, considerando que não é todo o texto de direito


internacional que vai tratar da matéria em causa, levantar-se-ão dúvidas
em identificar o preceito concreto do instrumento internacional para o
qual se fez o reenvio.

2.6.4 Revisão total e revisão parcial

Revisão parcial: é uma alteração da constituição que consiste na


renovação de algumas disposições constitucionais através de supressão,
substituição ou aditamento de normas.

Revisão total formal: consiste na substituição do texto da constituição


por um outro completamente novo.

Revisão total em sentido material: consiste na alteração de normas


constitucionais caracterizadoras de um Estado. Esta revisão total é
camuflada numa revisão parcial, pois, com a “capa de revisão parcial”,
vai incidir sobre o cerne político da Constituição.

A revisão total da constituição normalmente deve ser prevista expressis


verbis, entretanto, nos casos em que não há consagração expressa da
revisão total, essa revisão constitui um limite da revisão parcial, no
sentido de que a revisão parcial não pode atingir o cerne da Constituição,
sob pena de se transformar em revisão total. Dito doutro modo, uma
revisão que se pretende que seja total não pode ser feita usando-se a via
de revisão parcial. Do ponto de vista de competências, significa que só o
poder constituinte é que pode efectuar uma revisão total da constituição, e
nunca o poder de revisão.

Do ponto de vista político, uma cláusula que preveja a revisão total da


constituição pode significar uma “válvula de escape” para situações em
que o texto constitucional deixou de ter força normativa, porém, nesses
casos, tratar-se-á mais de transição constitucional (ex. Portugal em 1974)
ou transição por transição, que propriamente de revisão total da
constituição.

2.6.5 Revisão e desenvolvimento constitucional

Desenvolvimento constitucional compreende o conjunto de formas de


evolução da constituição (nova compreensão, por exemplo dos direitos
Universidade Católica de Moçambique 78

fundamentais, das normas de procedimento e de processo, novas


dimensões dos meios de comunicação social, novas normações no seio da
sociedade civil) e para exprimir a garantia da identidade reflexiva.

Identidade da constituição (núcleo constitutivo de identidade) não


significa a permanência do “sempre igual”, porquanto, num mundo
sempre dinâmico a abertura à evolução é um elemento estabilizador da
própria identidade74.

A garantia da identidade reflexiva da constituição significa dotar a


constituição de capacidade de prestação em face da sociedade e dos
cidadãos. A reflexividade do texto constitucional significa reforçar a
identidade da constituição, através de actualização da capacidade de
prestação perante os homens e a sociedade.

2.6.6 Revisão e revisionismo

Em sede do direito constitucional e da ciência podem se distinguir, a


revisão e revisionismo, ou entre revisão em sentido processual e revisão
em sentido ideológico.

Em sentido processual, a revisão significa a modificação de um ou


vários pontos específicos de uma constituição.

Em sentido ideológico, revisão identifica-se com o revisionismo, que é


o movimento politico-social que reivindica a revisão global da
constituição para operar uma mudança de regime. Normalmente o
programa de revisão não constitui uma simples proposta de emenda, mas
sim um programa de oposição ao regime.

2.6.7 Revisão constitucional e inconstitucionalidade

Vinculando-se a revisão constitucional aos limites materiais, formais e


circunstanciais, a violação desses limites pela lei de revisão suscita o
problema da desconformidade constitucional das leis de revisão.
Entretanto, considerando que o poder de revisão não constitui novação do
poder constituinte, mas sim é apenas um poder constituído, o problema da
desconformidade constitucional das leis de revisão é substancialmente

74
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1059.
Universidade Católica de Moçambique 79

igual ao problema da inconstitucionalidade das normas ordinárias.


Contudo, uma vez que, em sentido dogmático, os vícios de revisão
podem ter natureza e efeitos diferentes, justifica-se que vejamos de
seguida algumas tipologias.

2.6.7.1 Inexistência das leis de revisão


c) Leis de revisão e incompetência do órgão

Vício de inexistência: ocorre nos casos em que se verifica falta de


competência absoluta dos órgãos que aprovaram a lei de revisão (ex: nos
casos em que a lei de revisão é aprovada pelo Governo ou por plebiscito
ou referendo, sob proposta do Governo ou do Presidente da República,
quando devia sê-lo pela Assembleia da República). Juridicamente essa lei
de revisão não existe.

Também se verifica falta absoluta de competências, nos casos em que,


por exemplo: (i) a Assembleia da República aprova a lei de revisão fora
dos termos constitucionais (por exemplo, aprovação da lei de revisão
extraordinária antes de passados cincos anos; ou aprovação da revisão
constitucional nas situações de estado de emergência); (ii) nos casos em
que a Assembleia da República aprova a lei de revisão sem a maioria
qualificada exigida pela constituição para o efeito.

d) Leis de revisão e ausência de causa ou intenção constituinte

Há falta de intenção de revisão nos casos que a lei de revisão não indica
expressa e taxativamente as alterações a serem introduzidas na
Constituição. É que, a vontade do órgão de revisão deve constar
explicitamente na lei de revisão, indicando as normas constitucionais que
pretende substituir, suprimir ou aditar. A vontade de revisão não pode ser
deduzida implicitamente. Essa obrigatoriedade da manifestação explícita
da vontade de revisão, resulta da interpretação dos artigos 291 e 292 da
CRM.

2.6.7.2 Nulidade das leis de revisão

A consequência da violação dos limites materiais, formais e


circunstanciais pela lei de revisão, será a inconstitucionalidade dessa lei.
Universidade Católica de Moçambique 80

Se é fácil a caracterização do vício da lei de revisão que viole os limites


formais, circunstanciais e materiais explícitos, o mesmo já não se pode
dizer relativamente ao (i) vício resultante da violação de um limite
material implícito (por exemplo, a lei de revisão que viole o princípio da
integridade territorial que não consta da lista do artigo 292, mas vê
previsto no artigo 6 da CRM). O artigo 6 da CRM contém um limite
material textualmente implícito, designadamente a integridade territorial:
qual é o vício que resulta da violação desse princípio pela lei de revisão?
(ii) também colocam-se dificuldades quando a lei de revisão
constitucional não faz alterações formais, no entanto atribui diferentes
efeitos jurídicos aos preceitos constitucionais originários (exemplo:
introdução de mais limites inerentes aos direitos fundamentais ou
alargamento de leis restritivas dos direitos fundamentais. Exemplo a
substituição do regime repressivo ou de declaração judicial por um
regime administrativo preventivo). No entanto, o certo é que, não
obstante esses limites não constarem do leque das matérias previstas no
artigo 292 da CRM, o legislador de revisão devia ser proibido de mexe-
las, pois, “não obstante se entender que os limites materiais de revisão se
referem aos princípios, independentemente da sua expressão concreta na
Constituição, parece que o núcleo essencial de direitos, liberdades e
garantias, tal como o legislador constituinte o definiu, e o sistema de
regulamentação do exercício, se devem inserir na garantia prevista no
artigo”75 292 da CRM.

Contudo, a inconstitucionalidade material, formal e circunstancial das leis


de revisão deve ser apreciada pelos tribunais nos termos do artigo 214 da
CRM (fiscalização difusa) e pelo Conselho Constitucional nos termos dos
artigos 244 a 247 da CRM.

2.6.8 As rupturas constitucionais

A ruptura constitucional consiste na quebra de determinadas normas


constitucionais para os casos excepcionais, permanecendo o texto em
vigor para os restantes casos. Neste caso, o legislador de revisão vai

75
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1062-1063
Universidade Católica de Moçambique 81

criar um regime especial contrária à constituição para certos casos


concretos, mantendo-se a validade geral das normas constitucionais76.

Casos há em que a própria constituição prevê a auto-ruptura (aconteceu


em Portugal nas disposições finais e transitórias da constituição de 1976
em que a constituição aceitava transitoriamente certas incapacidades
eleitorais (tal como vinham na constituição originária), excepcionando
assim o princípio da igualdade e o da participação na vida pública.
Também manteve em vigor a lei 8/75, incriminatória dos agentes da ex-
PIDE/DGS, excepcionando o principio da aplicação da lei penal.
Segundo Gomes Canotilho, parece “serem concebíveis as leis medidas
constitucionais de, em matéria de revisão, nos mesmos termos em que
são aceitáveis leis-medidas. Contudo, já não se pode conceber uma lei
constitucional, individual e concreta, consagradora de um regime
excepcional em relação às normas da constituição garantidora de
direitos, liberdades e garantias (…) o que as constituições proíbem é não
tanto a ruptura da constituição como a ruptura sem alteração do texto
(…) um regime excepcional seria então perfeitamente admissível,
cumpridos que fossem os requisitos formais e os limites materiais da
revisão77 ”.

Exercícios

Exercícios
1. O que entendes por:
a) Limites circunstanciais?
b) Garantia da identidade reflexiva e
reflexividade do texto
constitucional?
c) Revisão por reenvio para normas
jurídicas extraconstitucionais?

2. Diga, que tipos de limites formais podem


ser impostos quanto ao titular do poder de
revisão?

76
77
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1064.
Universidade Católica de Moçambique 82

3. Qual é a diferença entre


a) Rigidez e flexibilidade da
Constituição;
b) Rigidez da Constituição, vs poder
constituinte, vs garantia da
Constituição;

c)Rigidez relativa e absoluta da


constituição
d) Poder constituinte e poder de
revisão.
e) Limites quanto às maiorias
deliberativas e limites quanto ao
titular do poder de revisão
f) Limites temporais e limites quanto à
legitimidade do órgão com poder de
revisão.
g) Limites temporais e limites quanto à
legitimidade do órgão com poder de
revisão.
h) Limites superiores e limites
inferiores
i) Limites tácitos e limites explícitos
j) Limites tácitos e limites textuais
implícitos
k) Limites absolutos e limites relativos
l) Limites materiais, formais e
circunstanciais
m) Dupla revisão e leis de revisão das
normas de revisão.
n) Revisão constitucional expressa e
revisão tácita
o) Revisão total em sentido material e
revisão total em sentido formal
p) Revisão total e revisão parcial
q) Revisão e revisionismo
r) Revisão em sentido processual e
revisão em sentido ideológico
s) Desconstitucionalização por
modificação e
desconstitucionalização pelo
poder constituinte.
t) Revisão por aditamento vs revisão
por supressão, vs revisão por
substituição
u) Identidade da constituição e
desenvolvimento constitucional

4. Comente as seguintes afirmações:


a) “O poder constituinte precede
lógica e historicamente ao poder de
revisão”.
b) “Os limites materiais de revisão
são inadmissíveis”.
c) “Os limites absolutos representam
um perigo à subsistência da própria
constituição”.
Universidade Católica de Moçambique 83

d) “A revisão total da constituição


descaracteriza a revisão
constitucional”.
e) “A lei de revisão constitucional
nunca pode padecer de vícios”.
Concordas?

5. Considere a seguinte hipótese.


A Constituição do Estado A, aprovada em
1979 não prevê nenhuma forma para sua
alteração nem indica as matérias que não
devem ser modificadas. Entretanto, em
2007 sentiu a necessidade de alterar a
constituição, no entanto não sabia se
tinha poderes ou não de o fazer. De todo
o modo, acabou concluindo que, uma vez
que não existia nenhuma norma
disposição em contrário, estava livre para
modificar qualquer norma constitucional,
por isso, em Agosto de 2007 eliminou a
natureza democrática (constante dos
artigos 1 e 2 da constituição). Já a
constituição do Estado B aprovada em
1975 estabelecia no artigo 5 que as
normas sobre a igualdade de tratamento,
participação popular, unidade do estado,
separação de poderes e independência
dos juízes, não devem ser alteradas, salvo
mediante referendo, volvidos pelo menos
10 anos. A assembleia popular em 1980,
por maioria de ¾, eliminou os princípios
de independência dos juízes e o princípio
de separação de poderes.
a) É defensável afirmar que a constituição do
Estado A aprovada em 1979, era
absolutamente inalterável?
b) Pode-se concluir que a constituição do
Estado A não previa nenhum limite de
revisão?
c) Qualifique as alterações operadas em 2007
sobre a constituição do Estado A.
d) Diga se a constituição do Estado B era rígida
ou flexível.
e) Discuta as modificações constitucionais
operadas em 1980 sobre a constituição do
Estado B.
Universidade Católica de Moçambique 84

Unidade 07
III. NORMAS CONSTITUCIONAIS:
A CONSTITUIÇÃO COMO UM
SISTEMA ABERTO DE REGRAS E
PRINCIPIOS
Introdução
Nesta unidade serão discutidos os seguintes assuntos

Ao completer esta unidade / lição, você será capaz de:


PLANO DE EXPOSIÇÃO

NORMAS CONSTITUCIONAIS: A CONSTITUIÇÃO COMO UM SISTEMA


ABERTO DE REGRAS E PRINCIPIOS
1. O PONTO DE PARTIDA: SISTEMA ABERTO DE REGRAS E
PRINCIPIOS
1.1. O acesso ao ponto de partida
1.2. Princípios e regras no direito constitucional
1.2.1. Normas, regras e princípios
1.2.2. Regras e princípios
1.3. Sistema de princípios e sistema de regras
2.TIPOLOGIAS DE PRINCIPIOS E REGRAS
2.1. Tipologia de princípios
2.1.1. Princípios jurídicos fundamentais
2.1.2. Princípios políticos constitucionalmente conformadores
2.1.3. Os princípios constitucionais impositivos
2.1.4. Os princípios-garantia
2.1.5. Classificação apresentada por Jorge Miranda:
2.1.5.1. Princípios constitucionais substantivos
2.1.5.2. Princípios constitucionais instrumentais
2.2. Tipologia de regras
2.2.1. Normas constitucionais organizatórias e normas constitucionais
materiais
2.2.2. Regras jurídico-organizatórias
2.2.3. Regras jurídico-materais
2.2.4. Classificações das disposições constitucionais, apresentadas por Jorge
Miranda
2.2.4.1. Quanto ao objecto ou conteúdo
2.2.4.2. Normas do direito transitório material
2.2.4.3. Quanto às relações entre as normas
2.2.4.4. Classificações com particular incidência no direito constitucional ou
específicas do direito constitucional
2.2.4.5. Normas preceptivas e normas programáticas
2.2.4.6. Normas exequíveis e normas não exequíveis por si mesmas
2.2.4.7. A força jurídica das normas programáticas e das normas não
exequíveis por si mesmas
Universidade Católica de Moçambique 85

3. O SISTEMA INTERNO DE REGRAS E PRINCIPIOS


4. INTERPRETAÇÃO, APLICAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO
CONSTITUCIONAL
4.1. O contexto teorético-policito constitucional
4.1.1. Interpretativismo e não interpretativismo na ciência do direito
constitucional norte-americana
a) Posições interpretativistas
b) Posições não interpretativistas (non interpretativism)
4.1.2. Método jurídico e método cientifico-espiritual nas disputas teoréticas
alemãs
4.2. O ponto de partida: a abertura para uma metódica estruturante
4.3. Sentido e conceitos básicos
4.3.1. A explicação de conceitos
4.3.2. Sentido da interpretação das normas constitucionais
4.4. O catálogo-tópico dos princípios da interpretação constitucional
4.4.1. Princípios da interpretação da constituição
4.4.2. Princípios da interpretação das leis em conformidade com a constituição
4.5. Interpretação autêntica
4.6. Integração de lacunas
4.7. Aplicação da lei constitucional no tempo
4.7.1. Direito constitucional novo e direito constitucional anterior

 Objectivos específicos:
 1.Compreender o sistema de princípios e regras constitucionais;
 2.Reconhecer os princípios e regras constitucionais
Objectivos
 3.Identificar as classificações doutrinárias de princípios e regras
constitucionais;
 4.Explicar a interpretação, integração e aplicação de normas
constitucionais.

III. NORMAS CONSTITUCIONAIS: A


CONSTITUIÇÃO COMO UM
SISTEMA ABERTO DE REGRAS E
PRINCIPIOS
Universidade Católica de Moçambique 86

1. O PONTO DE PARTIDA: SISTEMA ABERTO DE


REGRAS E PRINCIPIOS
1.1. O acesso ao ponto de partida

O sistema jurídico de um Estado de direito democrático pode ser um


sistema normativo aberto de regras e princípios, caracterizando-se este
da seguinte forma:

a) Ser um sistema jurídico: por ser um sistema dinâmico de


normas;
b) Sistema aberto: porque tem uma estrutura dialógica, que
consiste “na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das
normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e
estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da
justiça”78;
c) Sistema normativo: porque a estrutura das expectativas
referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita
através de normas79;
d) Um sistema de regras e de princípios: porque as normas do
sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios com
sob forma de regras 80.

1.2. Princípios e regras no direito constitucional

78
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1145.
79
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1145.
80
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1145.
Universidade Católica de Moçambique 87

As normas constitucionais contidas nas várias formas da


constituição, apresentam uma multiplicidade de funções, o que
equivale a estruturas normativas diferentes.

1.2.1. Normas, regras e princípios

Tradicionalmente costumava-se distinguir normas e princípios, contudo


actualmente se entende que (i) as regras e princípios são duas espécies de
normas e (ii) a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre
duas espécies de normas81. Isto significa que a norma pode conter
princípios e regras.

1.2.2. Regras e princípios

Conforme dissemos acima, uma norma pode conter uma regra ou um


princípio, entretanto, a distinção entre regras e princípios, numa norma,
pode fazer-se com base em vários critérios, a apontar os seguintes:

a) Quanto ao grau de abstracção: os princípios são normas com


um grau de abstracção mais elevado que o das regras.
b) Quanto ao grau de determinabilidade na aplicação do caso
concreto: as regras são passíveis de aplicação directa, ao passo
que os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem
de mediações concretizadoras (do juiz ou do legislador).
c) Quanto ao carácter de fundamentabilidade no sistema das
fontes de direito: ao contrário das regras, os princípios são
normas estruturantes, ou com função fundamental no
ordenamento jurídico, uma vez que (i) têm uma posição
hierárquica superior como fontes de direito constitucional
(princípios constitucionais como fontes de direito) e (ii) são
estruturantes, uma vez que definem a estrutura de um
ordenamento jurídico (ex: o princípio do Estado de Direito). A
este respeito, ensina Gomes Canotilho: “os princípios são
normas de natureza estruturante ou com um papel fundamental
no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no
sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua

81
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1146.
Universidade Católica de Moçambique 88

importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex:


principio do Estado de Direito)82”.
d) Quanto à proximidade da ideia de direito: “os princípios são
standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de
justiça (…) ou na ideia de direito (…), ao passo que as regras
podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente
funcional83.
e) Quanto à natureza normogenética: os princípios constituem a
base ou o fundamento das regras, isto é, as regras se baseiam e
constituem a concretização dos princípios. De Acordo com
Gomes Canotilho, “os princípios são fundamento de regras, pois
são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras
jurídicas, exercendo uma função normogenética
84
fundamentante” .

Contudo, a distinção entre regras e princípios não é linear, implicando


que se respondam previamente a duas questões ou problemas,
designadamente:

Primeira questão: qual é a função dos princípios? Os princípios exercem


uma função retórica-argumentativa, ou os princípios são normas de
conduta? Esta questão pode ser respondida, distinguindo-se os princípios
hermenêuticos dos princípios jurídicos, sendo que, os princípios
hermenêuticos desempenham uma função argumentativa, permitindo por
exemplo, denotar a ratio legis de uma disposição ou revelar normas que
não são expressas por qualquer enunciado legislativo, possibilitando aos
juristas o desenvolvimento, integração e complementação do direito
(exemplo com recurso a analogia júris). Contudo, o sentido que aqui
interessa, para efeitos de distinção, é o dos princípios jurídicos e não
argumentativos.

82
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1146.
83
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1146.
84
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1146.
Universidade Católica de Moçambique 89

Segunda questão: entre os princípios e regras existe um denominador


comum, pertencem à mesma família e havendo apenas uma diferença de
grau (quanto à generalidade, conteúdo informativo, hierarquia das fontes,
explicação do conteúdo, conteúdo valorativo), ou se, os princípios e as
regras diferem-se qualitativamente, ou seja, pertencem a famílias
diferentes?

O sentido que aqui interessa é o dos princípios como verdadeiras normas,


qualitativamente diferente das regras, e essas diferenças qualitativas entre
princípios e normas traduz-se no seguinte:

(i) Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma


optimização, compatíveis com vários graus de concretização,
de acordo com os condicionalismos fácticos e jurídicos; as
regras são normas que prescrevem imperativamente uma
exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é
cumprida85;
(ii) Os princípios coexistem, apesar de ser uma coexistência
conflitual (os princípios, ao constituírem exigências de
optimização, permitem o balanceamento de valores e
interesses, consoante o seu peso e a ponderação de outros
princípios eventualmente conflituantes; os princípios podem
ser objecto de ponderação e harmonização, pois eles contém
apenas exigências ou standards que, em primeira linha =
prima facie = devem ser realizados 86); ao passo que as regras
antinómicas excluem-se (é que as regras contém fixações
normativas definitivas, o que impede a validade simultânea
de duas regras contraditórias)87 . Esse aspecto será
desenvolvido mais adiante, quando estivermos a falar do
conflito entre princípios.
(iii) Os princípios suscitam problemas de validade e peso
(importância, ponderação, valia), ao passo que as regras

85
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1147.
86
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1147-1148.
87
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1147.
Universidade Católica de Moçambique 90

suscitam apenas problemas de validade (se elas não são


correctas então devem ser alteradas) 88

Definindo o princípios diz, Jorge Miranda, “o Direito é ordenamento ou


conjunto significativo e não conjunção resultante de vigência simultânea;
implica coerência ou, consistência; projecta-se em sistema; é unidade de
sentido, é incorporado em regra. E esse ordenamento, esse conjunto,
essa unidade, esse valor projecta-se ou traduz-se em princípios,
logicamente anteriores aos preceitos”89.

Os princípios não estão em cima do Direito, mas fazem parte do


complexo ordenemental. Não se contrapõem às normas, mas aos
preceitos. As normas jurídicas é que se devidem em normas-princípios e
normas- disposições90.

Segundo Jorge Miranda, o Direito Constitucional, como tronco da ordem


jurídica estadual, deve ser envolvido e penetrado pelos valores jurídicos
fundamentais dominantes da comunidade, o que significa que a
Constituição material deve ser o núcleo dos princípios e não o somatório
de preceitos ou disposições articuladas.

Os princípios exercem uma função ordenadora, função essa que é mais


nítida nos momentos de revolução, uma vez que é nos princípios onde se
encontra a nova ideia de direito, e não nos preceitos escritos.

Os princípios exercem uma acção imediata enquanto directamente


aplicáveis ou directamente capazes de conformarem as relações político-
constitucionais, e nos planos integrativo, construtivo e prospectivo, pois,
diferentemente dos preceitos, os princípios admitem ou postulam
concretizações, densificações e realizações variáveis. Exemplo, o artigo
305 da CRM, reconhecendo essa acção imediata do princípios
constitucionais, declara que continua em vigor o direito anterior que não
contrarie a Constituição (os princípios constitucionais).

A acção imediata dos princípios consiste em funcionarem como critérios


de interpretação e de integração, uma vez que dão coerência geral do

88
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1148.
89
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 223-224.
90
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 224.
Universidade Católica de Moçambique 91

sistema. Deste modo, o sentido exacto dos preceitos constitucionais tem


de ser encontrado na conjugação com os princípios; e a integração deve
ser feita de modo a tornar explicitas ou explicáveis as normas que o
legislador constituinte não quis ou não pôde exprimir cabalmente.

Os princípios servem de elementos de construção e qualificação, na


medida em que os conceitos básicos de estruturação do sistema
constitucional aparecem estreitamente conexos com os princípios ou
através da prescrição dos princípios.

Os princípios exercem uma função prospectiva, dinamizadora e


transformadora, em virtude da sua maior generalidade ou indeterminação
e da força expansiva que possuem, o que é manifestado (i) pelo peso que
revestem na interpretação evolutiva, (ii) pela exigência que contem ou o
convite que sugerem para a adopção de novas formulações ou de novas
normas que com eles melhor se coadunem e que, portanto, mais se
aproximem da ideia de Direito inspiradora da Constituição (sobretudo,
quando se trate de Constituição programática)91

1.3. Sistema de princípios e sistema de regras

A constituição tem de constituir-se como uma estrutura sistémica, e


fundamentalmente como sistema aberto de regras e princípios, não
podendo reduzir-se ou apenas a sistema de regras ou apenas a sistema de
princípios: deve ser simultaneamente um sistema de regras e princípios.

Um sistema exclusivamente de regras, seria um modelo típico de uma


disciplina legalista exaustiva e completa (legalismo) do mundo e da vida,
no qual se fixam em termos definitivos, as premissas e os resultados das
regras, conduziria a um sistema de segurança, no entanto, seria inviável,
pois poderia conduzir a um sistema jurídico de limitada racionalidade
prática, uma vez que, não haveria qualquer espaço livre para a
complementação e desenvolvimento desse sistema; também, um
legalismo escrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das
concordâncias, do balanceamento de valores e interesses, de uma

91
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 227.
Universidade Católica de Moçambique 92

sociedade pluralista e aberta. Corresponderia a uma organização


política monodimensional92.

Um sistema baseado exclusivamente em princípios poderia conduzir a


um sistema falhado de segurança e tendencialmente incapaz de reduzir a
complexidade do próprio sistema, devido à indeterminação, a inexistência
de regras precisas, a coexistência de princípios conflituantes, a
dependência do possível fáctico e jurídico.

2. TIPOLOGIAS DE PRINCIPIOS E REGRAS


2.1. Tipologia de princípios

Gomes Canotilho distingue as seguintes tipologias de princípios:


princípios jurídicos fundamentais, princípios políticos
constitucionalmente conformadores, princípios constitucionais
impositivos e princípios-garantia.

Jorge Miranda93, por seu turno, identifica os princípios axiológicos


fundamentais, princípios político-constitucionais e princípios
constitucionais instrumentais.

2.1.1. Princípios jurídicos fundamentais

Segundo Gomes Canotilho, consideram-se princípios jurídicos


fundamentais os princípios historicamente objectivados e
progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram
uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional”94.

Esses princípios pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um


importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e
aplicação do direito positivo. A função positiva dos princípios gerais
consistem em informarem materialmente os actos dos poderes públicos.
Podem se apontar exemplificativamente os seguintes princípios que
reflectem a função ou eficácia positiva material:

92
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1148.
93
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 227-230.
94
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1151.
Universidade Católica de Moçambique 93

a) Princípio da publicidade dos actos jurídicos (cf. Artigos 253, 144


da CRM): resulta da necessidade de segurança do direito e da
proibição da arcana praxis (política de segredo), e da defesa dos
cidadãos perante os actos do poder público.
b) Princípio da proibição do excesso, pois proibir o excesso não
significa mera proibição do arbítrio, implica positivamente, que
o acto do poder público seja exigível, adequado e
proporcional95.
c) Principio do acesso ao direito e aos tribunais: implica o
reconhecimento da possibilidade de defesa sem lacunas e o
exercício efectivo do direito de defesa (cf. Artigo 62 da CRM).
d) Princípio da imparcialidade da administração (é ao mesmo
tempo positivo e negativo): “ao exigir a imparcialidade proíbe o
tratamento arbitrário e desigual dos cidadãos por parte dos
agentes administrativos, entretanto, impõe simultaneamente a
igualdade de tratamento dos direitos e interesses dos cidadãos
através de um critério uniforme da ponderação dos interesses
públicos”96.

Para além dessa função positiva, têm sobretudo uma função negativa, o
que é particularmente visível na fixação dos limites (principio do Estado
de Direito e não de direito, estado democrático ou de ditadura; principio
da proibição do excesso), artigos 3 e 56 n°2 da CRM.

Os princípios jurídicos fundamentais (com eficácia positiva e negativa)


“fornecem directivas materiais de interpretação das normas
constitucionais, e sobretudo, vinculam o legislador no momento
legiferante, de modo a poder dizer-se ser a liberdade de conformação
legislativa positiva e negativamente vinculada pelos princípios jurídicos
gerais”97.

2.1.2. Princípios políticos constitucionalmente


conformadores
95
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1151.
96
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1151.
97
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1152.
Universidade Católica de Moçambique 94

São os “princípios constitucionais que explicitam as valorações politicas


fundamentais do legislador constituinte”98. Esses princípios contém as
inspirações politicas nucleares (e portanto, as concepções politicas
dominantes ou triunfantes numa assembleia constituinte) e reflectem a
ideologia inspiradora da constituição . são o cerne político da constituição
política, por isso, (i) são reconhecidos como limites do poder de revisão,
e (ii) se revelem os princípios visados nos casos de alterações profundas
do regime político.

Fazem parte desses princípios, entre outros, os seguintes:

a) Princípios definidores da forma do Estado: princípios de


organização económica e social (exemplo, princípio da
subordinação do poder económico ao poder politico
democrático, principio da coexistência dos diversos sectores da
propriedade – publica, privada e cooperativa;
b) Princípios definidores da estrutura do Estado (unitário, regional,
com descentralização ou não) ex. art 8 da CRM;
c) Princípios estruturantes do regime politico: principio do estado
de direito, principio democrático, principio republicano, principio
pluralista; Ex. artigo 3 da CRM
d) Princípios caracterizadores da forma de governo;
e) Princípios caracterizadores da organizaç ão politica em geral
como o principio da separação e interdependência de poderes e
os princípios eleitorais99.

Esses princípios são também normativos, rectrizes e operantes, que todos


os órgãos encarregados de aplicação do direito devem tomar em conta,
na actividade interpretativa e nos actos inequivocamente conformadores
(leis, actos políticos)100

2.1.3. Os princípios constitucionais impositivos

98
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1152.
99
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1152.
100
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1152.
Universidade Católica de Moçambique 95

São os que “impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a


realização de fins e a execução de tarefas”101. As vezes são designados
por princípios definidores dos fins do Estado, ou princípios directivos
fundamentais, ou normas programáticas, ou ainda normas definidoras de
fins ou tarefas. Traçam linhas rectrizes da actividade politica e legislativa.
Exemplo, principio da independência nacional e principio da correcção
das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento. Cf. Artigos
96, 97 da CRM.

2.1.4. Os princípios-garantia

São “princípios que se destinam a instituir directa e imediatamente uma


garantia dos cidadãos, sendo por isso lhes atribuía uma densidade de
autentica norma jurídica e uma força determinante, positiva ou
negativa”102. Esses princípios fixam directamente garantias aos cidadãos,
por isso, são designados por alguns autores como princípios em forma de
norma jurídica para os quais o legislador está vinculado na sua
aplicação103. Exemplos: nullum crimen sine lege e nulla poena sine
lege104(cf. Artigo 60 n°1 da CRM), princípio do juiz natural (artigo 65
n°4 da CRM)105, in dubio pro reo (artigo 59 n°2 da CRM) e Nom bis in
idem (artigo 59 n°3 da CRM).

101
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1152-1153.
102
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1153.
103
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1153.
104
São expressões do Latim juridico e significam que não há crime sem lei e não
há pena sem lei, isto é, só é crime a conduta que a lei a descrever como tal; e só
podem ser aplicadas as penas previstas na lei, para os correspondentes crimes.
105
Princípio do juiz natural: decorre do principio nullum crimen sene lege e
precisa que a competência de um juiz penal deve estar previamente na lei
quando um determinado crime é praticado; a lei contém regras que
determinam qual o tribunal competente, de acordo com a matéria
controvertida, o local, etc. Não cabe aos tribunais determinar qual o tribunal
ou juiz competente; porém este principio pode, excepcionalmente, ser
afastado ou seja, pode suceder que o tribunal originariamente não competente
julgue ao invés do tribunal originariamente competente. Este princípio, para
além da consagração constitucional, é densificado nos artigos 36 e 37 da Lei
24/2007, de 20 de Agosto.
Universidade Católica de Moçambique 96

2.1.5. Classificação apresentada por Jorge Miranda:

Princípios substantivos e princípios adjectivos ou instrumentais. Os


princípios substantivo são princípios validos em si mesmos e que
espelham os valores básicos a que a Constituição material adere, e
classificam-se em princípios axiológicos fundamentais e princípios
politico-constitucionais; ao passo que princípios constitucionais
adjectivos, são de alcance técnico, complementares dos substantivos e
que enquadram as disposições articuladas no seu conjunto.

2.1.5.1. Princípios constitucionais substantivos

Já dissemos em cima que os princípios constitucionais substantivos


subdividem-se em princípios axiológicos fundamentais e princípios
politico-constitucionais.

a) Princípios axiológicos fundamentais

Correspondem aos limites transcendentes do poder constituinte, que são a


ponte de passagem do Direito Natural ao Direito positivo. Exemplo:
principio da proibição de discriminações (artigo 35, 36 da CRM),
principio da inviolabilidade da vida humana (artigo 40 da CRM), da
integridade física e moral das pessoas (artigo 40 da CRMA), a não
retroactividade da lei penal incriminadora (artigos 57 e 60 n°2 da CRM),
o direito de defesa dos acusados (artigo 62 da CRM), a liberdade de
religião e das convicções (artigo 54 da CRM), a dignidade social do
trabalho (artigo 84 da CRM), etc.

b) Princípios politico-constitucionais

“Correspondem aos limites imanentes do poder constituinte, aos limites


específicos da revisão constitucional, próprios e impróprios, e aos
princípios conexos ou derivados de uns e de outros, os quais reflectem as
grandes marcas e direcções caracterizadoras de cada Constituição
material diante das demais, ou seja, as grandes opções e princípios de
cada regime”. Ex: principio democrático (artigo 3 da CRM), principio
representativo, republicano (artigo 1 da CRM), principio da
constitucionalidade, da separação dos órgãos do poder (artigo 134 da
CRM), da subordinação do poder económico ao poder politico, etc.

2.1.5.2. Princípios constitucionais instrumentais


Universidade Católica de Moçambique 97

Correspondem à estruturação do sistema constitucional, em moldes de


racionalidade e operacionalidade; são princípios construtivos.
Exemplos: principio da publicidade das normas jurídicas, principio da
competência (fixação da competência dos órgãos constitucionais pela
norma constitucional), paralelismo das formas, tipicidade das formas da
lei, etc106.

2.2. Tipologia de regras


2.2.1. Normas constitucionais organizatórias e
normas constitucionais materiais

Normas constitucionais organizatórias: regulam o estatuto da


organização do Estado e a ordem de domínio (são normas de acção, na
terminologia italiana). Normas materiais: referem-se aos limites e
programas de acção estadual em relação aos cidadãos. Esta
classificação é já ultrapassada uma vez que não responde ao problema de
natureza material dos próprios preceitos organizatórios, é claro que
continua a ter algum interesse heurístico e pedagógico.

2.2.2. Regras jurídico-organizatórias


Compreendem as regras de competência, regras de criação de
órgãos e regras de procedimento. E têm 4 funções,
nomeadamente: funções estruturante, atributiva, distributiva e
procedimental ou processual.
Função estruturante: porque estrutura as organizações, define o
esquema organizatório e individualiza os órgãos;
Função atributiva: porque confere poderes ou competências;
Função distributiva: porque distribui competências entre vários
órgãos.
Função procedimental ou processual: determina o
procedimento de formação das leis, de controlo da
constitucionalidade, etc.
a) Regras constitucionais de competência: são as que
conferem ou reconhecem certas atribuições a determinados
órgãos constitucionais ou estabelecem esferas de

106
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 230.
Universidade Católica de Moçambique 98

competência entre vários órgãos constitucionais (exemplos,


artigos 179, 204 da CRM).
b) Regras de criação de órgãos (normas orgânicas): estão
relacionadas com as normas de competência. Visam
disciplinar a criação ou instituição constitucional de certos
órgãos. Essas normas limitam-se a prever a existência de
certo órgão e a forma da sua formação (exemplo, as normas
que prevêem o Presidente da Republica e os requisitos e
sufrágio para o mesmo). Cf. Artigos 146, 147 ss da CRM.
Quando uma norma cria o órgão e prevê simultaneamente
as suas competências, designa-se por norma orgânica e de
competência.
c) Regras de procedimento: são aquelas que fixam o
procedimento (formalidades) para a formação da vontade
politica e para o exercício de certas competências
constitucionais. Exemplo: normas sobre o procedimento
eleitoral, procedimento do funcionamento do Conselho
Constitucional, processo de revisão, de fiscalização da
constitucionalidade, etc.
2.2.3. Regras jurídico-materais

Distinguem-se regras de direitos fundamentais, de garantias


institucionais, regras determinadoras de fins e tarefas do Estado e regras
constitucionais impositivas.

a) Regras de direitos fundamentais: sãos os preceitos


constitucionais destinados ao reconhecimento, garantia ou
conformação constitutiva de direitos fundamentais. Essas
normas de direitos fundamentais são relevantes na medida em
que directa ou indirectamente asseguram um status jurídico-
material aos cidadãos.
b) Regras de garantias institucionais: são as que visam proteger
instituições (publicas ou privadas). Estão normalmente ligados
às normas dos direitos fundamentais, protegendo as formas de
vida e organização social indispensável para a protecção dos
direitos dos cidadãos. Exemplo, as normas que reconhecem
Universidade Católica de Moçambique 99

como direito de constituir família e de contrair casamento,


asseguram a protecção da família como instituição.
c) Regras determinadoras de fins e tarefas do Estado: estão
associados aos princípios constitucionais impositivos. São os
preceitos constitucionais que, de uma forma global e abstracta,
fixam essencialmente os fins e as tarefas prioritárias do Estado.
d) Regras constitucionais impositivas: essas relacionam-se com as
normas determinadoras de fins e tarefas do Estado e com os
princípios constitucionais impositivos. Em sentido amplo,
normas constitucionais impositivas são as que fixam tarefas e
directivas materiais ao Estado (incluindo aqui as normas
definidoras de fins e tarefas do Estado). Em sentido restrito,
normas constitucionais impositivas são as imposições de
carácter permanente e concreto. As normas constitucionais
impositivas, porque impõem dever concreto e permanente a
certos órgãos do Estado, o incumprimento desse dever pode
originar uma omissão constitucional. As regras constitucionais
impositivas subdividem-se em imposições legiferantes ou
imposições constitucionais e ordens de legislar.
(i) Imposições legiferantes: são as verdadeiras imposições
constitucionais, pois vinculam constitucionalmente os
órgãos do Estado (o legislador) de uma forma permanente e
concreta, ao cumprimento de determinadas tarefas, fixando
inclusive, directivas materiais. Exemplo, podem impor a
tarefa de criar um sistema de segurança, política de ensino,
etc.
(ii) Ordens de legislar: são imposições constitucionais únicas que
impõem ao legislador a emanação de uma ou varias leis,
destinadas, em geral a possibilitar a instituição e
funcionamento dos órgãos constitucionais. Exemplo. Por
exemplo imposição de emissão de lei de regulamentação do
funcionamento do Conselho Constitucional.
Universidade Católica de Moçambique 100

2.2.4. Classificações das disposições constitucionais,


apresentadas por Jorge Miranda107:

2.2.4.1. Quanto ao objecto ou conteúdo:


a) Normas de regulamentação e normas técnicas: as normas de
regulamentação possuem um sentido especifico de
regulamentação. As normas técnicas se limitam a dar, no
conjunto sistemático do ordenamento, o enquadramento
técnico-legislativo de que as normas de regulamentação
carecem (ex: as definições legais, as regras de qualificação ou as
normas ordenadoras).
b) Normas autónomas e normas não autónomas: as normas
autónomas valem por si, pois contém todos os elementos de
uma norma. As normas não autónomas apenas valem quando
integradas ou conjugadas com outras.
c) Normas prescritivas e normas proibitivas: as normas
prescritivas prescrevem certo acto ou comportamento. As
normas proibitivas proíbem certo acto ou conduta.
d) Normas primarias e normas secundarias ou sancionatórias: as
normas primárias dispõem sobre as relações e as situações da
vida. As normas secundárias estabelecem garantias do
cumprimento das normas primárias, prevendo sanções.
e) Normas inovadoras e normas interpretativas: as normas
inovadoras introduzem modificações na ordem jurídica. As
normas interpretativas apresentam a definição do sentido e
alcance de outras normas.
f) Normas directas e normas derivadas: as normas directas são
apreensíveis directamente nas disposições expressas. As normas
derivadas se encontram implícitas noutras normas.
2.2.4.2. Normas do direito transitório material: são
normas temporárias que visam estabelecer o
regime jurídico (a terceira solução)

107
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 238-252.
Universidade Católica de Moçambique 101

correspondente à passagem do regime até


então vigente para o regime de novo
108
decretado .
2.2.4.3. Quanto às relações entre as normas

As normas jurídicas, incluindo as constitucionais, podem estabelecer


entre si as seguintes relações:

a) Normas gerais e normas especiais: as normas gerais dispõem


sobre a generalidade dos casos. As normas especiais dispõem
para situações especiais e constituem o desenvolvimento
diferenciado da generalidade dos casos.
b) Normas de direito comum e normas de direito particular: as de
direito comum se destinam a generalidade das pessoas. As de
direito particular se destinam a certas categorias de pessoas em
particular. Podem designar-se em normas de direito local
quando as do direito particular o são em razão do território.
c) Normas gerais e normas excepcionais: Normas gerais
correspondem a princípios gerais. As normas excepcionais
correspondem a excepções aos princípios gerais. Portanto, as
normas excepcionais estabelecem em sentido contrário aos
princípios ou às normas gerais.
d) Normas materiais e normas remissivas: as normas materiais
encerram em si a regulamentação. As normas remissivas não
regulam determinado assunto, e se limitam a remeter a
regulamentação para outras normas.
e) Normas exequendas e normas de execução: as normas
exequendas: normas exequenda são aquelas cuja execução
depende de outras normas. Normas de execução visam dar
execução a outras normas preexistentes.
f) Normas principais e normas subsidiárias: as normas principais
se aplicam por si próprias. As normas subsidiarias se aplicam
apenas na falta de normas que especificamente se ocupem das
relações ou situações.

108
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 240.
Universidade Católica de Moçambique 102

2.2.4.4. Classificações com particular incidência no


direito constitucional ou específicas do direito
constitucional
a) Normas constitucionais materiais e normas constitucionais de
garantia: normas constitucionais materiais reflectem ou
constituem o núcleo da Constituição em sentido material
(correspondem às normas primárias), estabelecem a ideia de
Direito modeladora do regime ou da decisão constituinte. As
normas constitucionais de garantia estabelecem os modos de
assegurar o cumprimento das normais constitucionais materiais
frente ao próprio Estado, por meios preventivos ou sucessivos
que lhe dão maior efectividade (correspondem às normas
secundárias).
b) Normas constitucionais de fundo, orgânicas e processuais ou
de forma: (i) as normas constitucionais de fundo são relativos às
relações entre a sociedade e o Estado ou ao estatuto das
pessoas e dos grupos dentro da comunidade politica. As normas
orgânicas definem os órgãos do poder, a sua estrutura, a sua
competência, a sua articulação recíproca e o estatuto dos seus
titulares. As normas processuais ou de forma são relativos aos
actos e actividades do poder, aos processos jurídicos de
formação e expressão da vontade normativa e funcional.
c) Normas constitucionais preceptivas e normas constitucionais
programáticas: as normas constitucionais preceptivas são de
eficácia incondicionada ou não depende de condições
institucionais ou de facto. As normas programáticas são as que,
sendo dirigidas a certos fins e a transformações da ordem
jurídica e das estruturas sociais ou da realidade constitucional,
implicam, pelo legislador, no exercício do poder discricionário,
da possibilidade de as concretizar. Dado o carácter polémico
doutrinário e a sua importância no direito constitucional, essa
contraposição será objecto de desenvolvimento mais adiante.
d) Normas constitucionais exequíveis e não exequíveis por si
mesmas: as normas exequíveis por si são aplicáveis só por si,
Universidade Católica de Moçambique 103

sem necessidade de lei que as complemente. As normas


constitucionais não exequíveis por si são as que carecem de
normas legislativas que as tornem plenamente aplicáveis às
situações da vida. Dado o carácter polémico doutrinário e a sua
importância no direito constitucional, essa contraposição será
objecto de desenvolvimento mais adiante.
e) Normas constitucionais a se e normas constitucionais sobre
normas constitucionais: normas constitucionais a se contem
uma especifica regulamentação constitucional, quer sejam como
normas materiais ou de garantia. As normas sobre normas
constitucionais são as que reportam a outras normas
constitucionais para certos efeitos.

2.2.4.5. Normas preceptivas e normas programáticas

As normas preceptivas e normativas (assim como entre as normas


exequíveis e não exequíveis por si) apenas diferem-se pela estrutura e
pela projecção no ordenamento, e não pela natureza ou força jurídica,
pois ambas são constitucionais e integrantes da mesma e única ordem
constitucional. Nenhuma delas é apenas uma proclamação politica ou
clausula não vinculativa. Não apresentam diferenças quanto ao grau de
validade, apenas diferem-se na realização ou efectividade.

As normas preceptivas e programáticas relacionam-se no plano


constitucional e no plano de cada norma tomada isoladamente,
porquanto:

No plano do sistema: as normas programáticas participam do sistema


como quaisquer outras e contribuem para o sistema através de valores e
dos fins que incorporam. Entretanto, recebem o influxo das normas
preceptivas e influenciam a estas.

No plano de cada norma: cada norma isoladamente considerada tem força


jurídica, podendo haver até normas que sejam em parte programáticas e
em parte preceptivas.

Com efeito, as normas programáticas são de aplicação diferida, e não de


aplicação ou execução imediata; elas explicitam comandos-valores (e não
são apenas comandos-regras). Conferem elasticidade ao ordenamento
Universidade Católica de Moçambique 104

constitucional e têm como destinatário primacial o legislador,


dependendo deste ponderar discricionariamente o tempo e os meios para
a plena eficácia das mesmas.

Não são passíveis de serem invocadas pelos cidadãos, pedindo aos


tribunais o seu cumprimento só por si, por isso, alguns autores entendem
que os direitos consagrados nos princípios programáticos, principalmente
direitos sociais, são de natureza de expectativa e não são verdadeiros
direitos subjectivos. Os princípios programáticos aparecem
frequentemente acompanhados de conceitos indeterminados ou
parcialmente indeterminados.

Entretanto, segundo Jorge Miranda, o carácter desses princípios acima


descrito (a indeterminabilidade, a elasticidade, a dependência da
discricionariedade) não as retira a juridicidade, pois o carácter
prospectivo (programático) é também uma dimensão do ordenamento
jurídico, pelo menos no Estado Social e pelo menos de certas
Constituições.109.

Nas constituições liberais do século xix, as normas constitucionais


substantivas eram maioritariamente orgânicas, ao passo que as de fundo
(relativos aos direitos, liberdades e garantias) eram preceptivas. Nas
constituições sociais, século XX as normas de fundo e as de garantia
sofreram mutações e passaram a prever direitos sociais e a organização
económica, surgindo assim, muitas normas programáticas, e o que se
questiona é o seguinte: as normas programáticas estão a ganhar primazia
ou são as preceptivas que estão a ganhar primazia? Ou seja, as normas
programáticas estão predispostas a tornarem-se preceptivas ou as normas
preceptivas estão a baixar para serem programáticas?

Segundo Jorge Miranda, “a distinção entre normas preceptivas e normas


programáticas é inerente ao Estado social de Direito e à democracia
pluralista (…) ela confere maleabilidade e adaptabilidade ao sistema
(…)”110.

109
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 245.
110
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 246.
Universidade Católica de Moçambique 105

2.2.4.6. Normas exequíveis e normas não exequíveis


por si mesmas

O que distingue a classificação das normas preceptivas e programáticas,


por um lado, das normas exequíveis e não exequíveis por sim mesmas,
por outro lado, é que: enquanto a distinção entre as normas preceptivas e
programáticas se situa na interacção com a realidade constitucional
(susceptível ou não de ser, só por força das normas constitucionais,
imediatamente conforma de certo modo), a destrinça entre as normas
exequíveis e não exequíveis por si mesmas baseia-se nas próprias normas
e vem a ser completude ou incompletude destas111.

De facto, o que se passa n as normas não exequíveis por si mesmas é o


seguinte: por motivos diversos de organização social, politica e juridica:
há um conjunto de normas que substancialmente fixam certo objectivo,
atribui certo direito, prevê certo órgão; e, por outro lado, um segundo
comando implícito ou não, que exige do Estado a realização desse
objectivo, a efectivação desse direito, a constituição desse órgão, mas
que fica dependente de normas que disponham as vias ou os instrumentos
adequados a tal efeito112.

A norma constitucional não exequível por si, carece de complementação


por normas legislativa (interpositio legislatoris), que vai integrá-la num
quadro mais amplo, para que realize a sua finalidade especifica.

Entretanto, se todas as normas exequíveis por si mesmas são preceptivas,


nem todas as normas preceptivas são exequíveis por si mesmas. Porém,
as normas programáticas são todas normas não exequíveis por si mesmas.

Contudo, as normas preceptivas não exequíveis por si mesmas diferem-se


da normas programáticas não exequíveis por si mesma, pelo seguinte: as
norma preceptivas não exequíveis por si mesmas apenas postulam a
intervenção do legislador para as actualizar ou torná-las efectivas (essas
normas dependem apenas de factos jurídicos e de decisões politicas), ao
111
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 246-247.
112
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 247.
Universidade Católica de Moçambique 106

passo que as normas programáticas não exequíveis por si mesmas,


exigem a lei como providencia administrativa e operações materiais
(essas normas dependem dependem não só de factores jurídicos e
políticos, como também dependem de factores económicos e sociais.

O legislador tem maior liberdade perante as normas programáticas não


exequíveis por si do que nas normas preceptivas não exequíveis por si,
pois nessas ultimas o legislador tem um prazo relativamente curto para
completá-las, ao passo que a concretização das normas programáticas não
exequíveis por si depende de pressupostos de facto, de natureza politica,
ou social ou material e administrativa. Aliás, uma vez que todas as
normas programáticas não são exequíveis por si mesmas, pode-se reduzir
as classificações acima feitas a três: normas preceptivas exequíveis por si
mesmas, normas preceptivas não exequíveis por si mesmas e normas
programáticas.

2.2.4.7. A força jurídica das normas programáticas e


das normas não exequíveis por si mesmas
a) As normas programáticas e as normas preceptivas não
exequíveis por si mesmas, devem ser tidas em conta na
interpretação e integração de lacunas, uma vez que constam da
constituição.
b) A prática de actos contrários às normas programáticas e
preceptivas não exequíveis por si mesmas, origina a
inconstitucionalidade material, uma vez que, apesar de terem
um sentido primário prescritivo, elas possuem, pela inversa, um
sentido negativo ou proibitivo, designadamente, proíbem a
emissão de normas legais contrárias e a prática de
comportamentos que tendam a impedir a produção de actos por
elas impostos.
c) Uma vez que essas normas fixam directivas ao legislador
ordinário, a sua violação (a violação dos critérios fixados por
essas normas) origina a inconstitucionalidade, por desvio do
poder.
d) Depois de serem concretizadas através de normas legais, as
normas constitucionais preceptivas não exequíveis por si e as
Universidade Católica de Moçambique 107

normas programáticas não podem voltar a ser não exequíveis


por si, ainda que as normas que as tiver concretizado venha ser
declarada inconstitucional ou revogada, pois o legislador não
tem a faculdade de subtrair supervenientemente a
exequibilidade das normas constitucionais.

Aspectos divergentes entre as normas programáticas e as normas


preceptivas não exequíveis por si, quanto à força jurídica e ao
regime:

a) As normas constitucionais preceptivas não exequíveis por si


determinam a cessação da vigência, por inconstitucionalidade
superveniente, das normas legais anteriores que sejam
contrárias;
b) As normas constitucionais preceptivas não exequíveis por si
mesmas, obrigam o legislador a produzir as normas necessárias
para sua concretização, dentro do prazo por elas estabelecido,
sob pena de inconstitucionalidade por omissão legislativa.
c) As normas programáticas determinam a inconstitucionalidade
superveniente das normas legais anteriores discrepantes, mas
só a partir do momento em que adquiram exequibilidade.
d) A inconstitucionalidade por omissão também só pode ocorrer a
partir da data em que as normas programáticas adquirirem
exequibilidade.

Contudo, deve notar-se que a eficácia das normas programática esteja


inteiramente dependente do livre arbítrio do legislador ordinário, pois,
havendo fiscalização da constitucionalidade, será possível aferir-se se já
existem ou não condições objectivas (normativas e não normativa) que
tornem obrigatória a emissão das normas legislativas destinadas a
conferir exequibilidade a essas normas. Este tipo de fiscalização da
constitucionalidade parece não ser equacionável em Moçambique, face ao
regime estabelecido nos artigos 244 e ss da CRM, aliás, a CRM não prevê
a fiscalização da constitucionalidade por omissão, por isso, no contexto
moçambicano, as normas programáticas estão inteiramente dependentes
da total discricionariedade do legislador ordinário.
Universidade Católica de Moçambique 108

3. O SISTEMA INTERNO DE REGRAS E PRINCIPIOS

O sistema interno é constituído por cruzamentos e articulação dos


princípios e regras da seguinte forma: os princípios estruturantes
concretizam-se através dos princípios constitucionais gerais, estes através
de princípios constitucionais especiais e estes, por sua vez, por regras
constitucionais. Contudo, note-se que os princípios estruturantes, por
exemplo, são concretizados tanto por princípios constitucionais gerais,
princípios especiais, quanto por regras constitucionais. Exemplos:

O principio do Estado de direito é densificado e concretizado através dos


seguintes princípios constitucionais gerais: da proporcionalidade, da
legalidade da administração, da vinculação do legislador aos direitos
fundamentais, da independência dos tribunais. Os princípios gerais
fundamentais podem ser concretizados pelos seguintes princípios
constitucionais especiais: legalidade da administração que, por sua vez é
densificado pelo principio da preeminência ou prevalência da lei e pelo
principio da reserva da lei; princípio democrático, etc.

Entre os princípios estruturantes podem se apontar os seguintes: principio


do Estado de direito, princípio democrático e princípio republicano.

Exercícios

Exercícios
1. O que entende por:
a) Normas do direito
transitório?
b) Sistema normativo aberto de
regras e princípios?

2. Estabelece diferenças entre:


a) Princípios jurídicos
fundamentais e
princípios políticos
constitucionalmente
conformadores
b) Princípios constitucionais
impositivos e princípios-
garantia
Universidade Católica de Moçambique 109

c) Regras constitucionais
impositivas e regras
determinadoras de fins
do Estado
d) Regras de direitos
fundamentais e regras
de garantias
institucionais
e) Princípios axiológicos
fundamentais e
princípios político-
constitucionais
f) Princípios constitucionais
substantivos e
princípios
constitucionais
instrumentais
g) Normas materiais e normas
remissivas
h) Normas especiais e normas
excepcionais
i) Normas gerais e normas
excepcionais
j) Normas inovadoras e normas
interpretativas
k) Normas especiais e normas
gerais
l) Normas programáticas e
normas preceptivas
m) Normas preceptivas não
exequíveis por si
mesmas e normas
programáticas
n) Normas de regulamentação
e normas técnicas
o) Normas prescritivas e
normas proibitivas
p) Normas constitucionais
materiais e normas
constitucionais de
garantia
q) Regras de procedimento e
regras de competência
r) Normas exequendas e
normas de execução
s) Normas primárias e normas
secundárias
t) Normas principais e normas
subsidiárias
u) Normas constitucionais de
fundo e normas
Universidade Católica de Moçambique 110

constitucionais
orgânicas
v) Normas autónomas e
normas não autónomas
w) Normas constitucionais
orgânicas e normas
constitucionais
processuais
x) Normas exequíveis por si
mesmas e normas não
exequíveis por si
mesmas
3. Comente as seguintes
afirmações:
a) “O sistema jurídico do Estado
de direito democrático
moçambicano não é um
sistema normativo
aberto de regras e
princípios”
b) “Assim que um sistema
constitucional
exclusivamente de
regras é inconveniente,
um sistema
exclusivamente de
princípios é, outrossim,
desaconselhável”.
c) “As normas programáticas
são absolutamente
desnecessárias numa
constituição de direito
democrático e social,
uma vez que não têm
força jurídica própria”.
4. De acordo com os
critérios classificatórios
dos princípios e normas
constitucionais,
qualifique as seguintes
normas da CRM: artigos
1, 3, 4, 89, 133, 143, 147,
159, 179, 59, 65.
Universidade Católica de Moçambique 111

Unidade 08
4. INTERPRETAÇÃO, APLICAÇÃO
E CONCRETIZAÇÃO
CONSTITUCIONAL
Introdução
Apresente aqui uma breve introdução ao conteúdo desta unidade / lição.

 O contexto teorético-policito constitucional


 O ponto de partida: a abertura para uma metódica
estruturante
 Sentido e conceitos básicos
 O catálogo-tópico dos princípios da interpretação
constitucional
 Aplicação da lei constitucional no tempo

Ao completer esta unidade / lição, você será capaz de:

 Objectivos especificos
 conhecer o contesto teorético-politico contitucional
 connhecer , analisar a interpretação, aplicação, e concretisação
Objectivos constitucional
Universidade Católica de Moçambique 112

4.INTERPRETAÇÃO, APLICAÇÃO E
CONCRETIZAÇÃO
CONSTITUCIONAL
3.1. O contexto teorético-policito constitucional
3.1.1. Interpretativismo e não interpretativismo na
ciência do direito constitucional norte-
americana

Para melhor compreendermos os problemas da interpretação,


aplicação e concretização do direito constitucional, é mister situar
as discussões teorético-políticas a volta dos métodos de
interpretação, que surgiram nos EUA, designadamente, as correntes
interpretativistas (interpretativism) e não interpretativistas (non
interpretativism).

i) Posições interpretativistas

Defendem que o interprete (os juízes) devem limitar-se a buscar ou


procurar o sentido expresso na constituição, ou pelo menos o
sentido que claramente resulte implícito na constituição (o que não
resultar de forma clara não deve ser apreendido pelo intérprete). A
competência interpretativa dos juízes limita-se pela textura
semântica e pela vontade do legislador, limites esses que têm como
máxima expressão o princípio democrático, uma vez que a decisão
dos juízes não pode substituir a decisão politica legislativa da
Universidade Católica de Moçambique 113

maioria democrática. Dito outro modo, a interpretação feita pelos


juízes não pode estar para além da vontade política legislativa, isto
é, “ o papel da rule of law não pode transmutar-se ou ser
substituída pela law of judges”113. Em resumo, o controlo judicial
dos actos legislativos tem dois limites claros: a constituição escrita
e a vontade do poder politico democrático. Nos casos em que a
regra não resulta de forma clara do texto constitucional, então, os
juízes não têm nada a interpretar, cabendo ao legislador fixar a
regra. Neste sentido, a constituição tem a função de instrumento do
governo, o que se baseia nas seguintes premissas da ordem
democrática e liberal: (i) a tese do pluralismo que defende a
necessidade de confiar ao órgão politicamente responsável, a
concretização dos conteúdos de liberdade e da justiça (e não ao
judicial); (ii) a tese da relatividade dos valores que rejeita a visão
fundamentalista dos valores e dá mais peso aos valores defendidos
por uma maioria democrática do que às posições de uma minoria
ou um órgão judicial.

Estas posições partem do princípio de que a constituição é a


supreme Law of the Land e constitui e limita o poder político
estadual, entretanto, o poder político democrático é o valor
fundamental da constituição, por isso o poder de fiscalização dos
actos legislativos pelo poder judicial, considera-se sempre como
um mecanismo excepcional.

f) Posições não
interpretativistas (non
interpretativism)

Abrem a possibilidade dos juízes invocarem e aplicarem valores e


princípios substantivos (de liberdade e justiça) contra actos da
responsabilidade do legislativo em desconformidade com o
113
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1181.
Universidade Católica de Moçambique 114

projecto da constituição: defendem um sentido substancial da


constituição. Defendem que devem primar os valores substantivos
de justiça, liberdade e igualdade, e não se basear apenas no
princípio democrático, o que significa que os juízes não têm de
procurar apenas a vontade do legislador, mas devem sim buscar os
valores de justiça, igualdade e liberdade, e, havendo contradições
entre a vontade democrática (exprimida pelo legislador) e esses
valores, devem prevalecer esses valores e princípios substantivos,
pois o que deve relevar é o significado substancial da constituição.

Segundo R. Dworkin, o significado substancial da constituição


deve ser encarado, tendo como base os seguintes pontos de partida:

1º) a soberania da constituição, traduzida no facto do direito da


maioria ser limitado pela constituição (que se apresenta tanto em
regras específicas, quanto em standard, conceitos vagos).

2º) a objectividade interpretativa: esta deve existir sempre e será


assegurada pelo facto dos juízes reconhecerem os princípios da
justiça, da liberdade e da igualdade, ou de conceitos (religião,
liberdade de imprensa) ancorados num certo ethos social, uma vez
que a interpretação da constituição deve ter em conta, o texto, a
história, os precedentes, as regras de procedimento, as normas de
competência. Esses princípios e regras permitem que se logre uma
interpretação tendencialmente objectiva.

3º) uma vez que o direito não apenas o conteúdo de regras jurídicas
concretas, pois também compreende constitucionalmente princípios
jurídicos abertos, tais como a justiça, imparcialidade, igualdade,
liberdade, os juízes têm um papel indeclinável na concretização
desses princípios, por isso, a interpretação substancial da
constituição não deve ser feita nos moldes defendidos pelos
intepretativistas.

v) Apreciação das duas posições (interpretativistas e não


interpretativistas)
Universidade Católica de Moçambique 115

1º) As duas correntes acima indicadas defendem posições


completamente diferentes, quanto à concepção da constituição
e aos pressupostos e métodos de interpretação da constituição,
(tudo decorre do facto de terem visões diferentes sobre o
direito, maioria ou minoria, democracia e teorias morais),
porquanto: (i) os interpretativistas defendem uma interpretação
objectiva, previsível, democrática e vinculada às regras precisas
da constituição. (ii) já os não inteprertativistas defendem uma
interpretação de uma constituição que é concebida como
projecto de ordenação inteligivel e susceptível de consenso,
dirigida ao futuro, formada por regras concretas e princípios
abertos e valorativos, dotada de lacunas e incompletudes.
2º) o interpretativismo tem o mérito de incluir dimensões
indispensáveis para qualquer metódica interpretativa da
constituição, tais como objectividade, operacionalidade, rigor,
respeito pelo principio democrático, humildade face ao conflito
de valores; no entanto, peca por basear-se em teoréticos-
políticos inaceitáveis, nomeadamente: (i) o direito constitucional
como simples instrumento de governo, (concepção instrumental),
(ii) a constituição como produto de uma vontade constituinte
historicamente situada, (iii) o direito como um sistema fechado
de regras precisas, susceptíveis de aplicação, (iv) um relativismo
de valores aparentemente cego a questões substanciais de
justiça, (v) antidemocraticidade do controlo judicial dos actos
normativos114.
3º) as posições interpretativistas são incompatíveis com a
estrutura da constituição como um sistema aberto de regras e
princípios. No entanto, não se pode, outrossim, defender um

114
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1183.
Universidade Católica de Moçambique 116

fundamentalismo na concepção dos valores, que poderia


conduzir a uma “leitura ética ou moral da constituição.”

3.1.2. Método jurídico e método cientifico-


espiritual nas disputas teoréticas alemãs

Na Alemanha desenvolveu-se uma polémica doutrinaria relativa


aos métodos de interpretação da constituição, com algumas
ligações com as posições interpretativistas e não interpretativistas
dos EUA, tendo se destacado os defensores do método cientifico
espiritual e os do método jurídico.

a) Método científico-espiritual: de acordo com este método,


a interpretação da constituição deve ser basear-se na ideia
de que a constituição é uma ordem de valores. O sentido
da constituição deve ser aferido com recurso ao método
que tenha em conta o texto e os conteúdos axiológicos da
ordem constitucional, isto é, a interpretação da
constituição deve considerar o texto da constituição e o
conteúdo fulcral da ordem constitucional.
b) Método jurídico: a interpretação da constituição deve ser
feita de acordo com as regras normais de interpretação de
uma lei, não se justificando destrinças entre a
interpretação da lei e a interpretação da constituição.

As observações e críticas feitas relativamente às posições


interpretativistas e não interpretativistas são válidas para os
métodos científico-espiritual e jurídico.

3.2. O ponto de partida: a abertura para uma


metódica estruturante

Não se pode defender posições extremas, nem interpretativistas


nem não intepretativistas, mas sim deve propugnar-se por:
Universidade Católica de Moçambique 117

(i) Uma articulação entre as duas posições em disputa,


através da combinação da concepção substantiva da
constituição com o princípio democrático: “os
parâmetros substantivos da constituição são
concretizados politico-juridico-valorativamente pelo
legislador e controlados juridico-valorativamente pelos
tribunais115”.
(ii) O método interpretativo adequado para concretizar a
constituição como um sistema normativo aberto de
princípios e regras, deve combinar ou tomar em
consideração os valores substantivos (igualdade,
liberdade e justiça), os valores procedimentais
(processo democrático, eleições) e valores formais
(forma de lei, do contrato).
(iii) A interpretação da constituição é uma interpretação de
regras e princípios constitucionais que são padrões de
conduta juridicamente vinculantes e não simples
directivas práticas, como diz Gomes Canotilho, “a
interpretação da constituição é intepretação-
concretização de uma hard law e não de uma soft
law”116.

3.3. Sentido e conceitos básicos


3.3.1. A explicação de conceitos

Para melhor percepção do método de interpretação constitucional,


convém que se explique previamente os conceitos de realização
constitucional, interpretação constitucional, concretização
constitucional, densificação de normas, norma e formulação da

115
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1185.
116
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1185.
Universidade Católica de Moçambique 118

norma, norma constitucional, normatividade, texto constitucional,


âmbito de regulamentação, âmbito de protecção e espaço de
interpretação.

a) Realização constitucional: significa tornar as normas


constitucionais, juridicamente eficazes. É que, a
constituição só é juridicamente eficaz através da sua
realização, que é uma tarefa dos órgãos constitucionais
(que exercem actividade legislativa, administrativa e
judicial) que consiste na aplicação das normas
constitucionais. É claro que, para alem daqueles órgãos
constitucionais, também participam na actividade de
realização da constituição (aplicação da constituição) os
cidadãos, o que representa um pluralismo de intérpretes,
mediante a fundamentação dos seus direitos e deveres na
constituição (fundamentação directa ou indirecta).
b) Interpretação constitucional: “interpretar uma norma
constitucional consiste em atribuir um significado a um ou
vários simbulos linguísticos escritos na constituição com o
fim de se obter uma decisão de problemas práticos
normativo-constitucionalmente fundada”. A interpretar a
constituição tem os seguintes significados (ou dimensões):
(i) procurar o direito contido nas normas constitucionais;
(ii) actividade que consiste na adscrição de um significado a
um enunciado ou disposição linguística (texto da normas);
(iv)“O produto do acto de interpretar é o significado
atribuído”117.
c) Concretização da constituição: é o processo de
densificação de regras e princípios constitucionais. Significa
a construção de uma norma jurídica, o que implica um
processo que vai do texto da norma (do seu enunciado)
117
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1187.
Universidade Católica de Moçambique 119

para uma norma concreta (que é um resultado


intermédio), e desta para uma norma de decisão.
d) Densificação de normas: consiste em “preencher,
complementar e precisar o espaço normativo de um
preceito constitucional, especialmente carecido de
concretização, a fim de tornar possível a solução, por esse
preceito, dos problemas concretos”. A relação entre a
densificação e a concretização é indissociável, pois
“densifica-se um espaço normativo (preenche-se uma
norma) para tornar possível a sua concretização e a
consequente aplicação a um caso concreto118”.
e) Norma e formulação da norma (disposição): a formulação
da norma é o enunciado, a disposição, que faz parte de um
texto; é parte de um texto ainda a interpretar. Norma é o
sentido ou significado adstrito a qualquer disposição; é a
parte de um texto interpretado. Uma norma pode constar
de várias disposições, entretanto, uma disposição pode
conter parte de uma norma, ou pode conter mais de uma
norma119. Exemplo, o artigo 11 da CRM é uma disposição
(uma formulação da norma), o conteúdo do artigo 11 é a
norma contida no artigo 11.
f) Norma constitucional: “ modelo de ordenação
juridicamente vinculante, positivado na constituição e
orientado para uma concretização material e constituído
por uma medida de ordenação expressa através de
enunciado linguístico (programa normativo) e por uma

118
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1187.
119
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1188.
Universidade Católica de Moçambique 120

constelação de dados reais (sector ou domínio


normativo)120”.
g) Texto normativo: qualquer documento elaborado por uma
autoridade normativa, que constitua fonte de direito num
determinado sistema jurídico. Texto normativo (como
fonte de direito) é um conjunto de enunciados do discurso
prescritivo (discurso prescritivo é o discurso criado para
modificar o comportamento dos homens, e é normativo,
preceptivo e directivo).
h) Âmbito de regulamentação: são todos os casos jurídicos
regulamentados por uma norma jurídica.
i) Âmbito de protecção: é a delimitação intencional e
extensional dos bens, valores e interesses protegidos por
uma norma. É extensão da protecção de um bem
j)
3.3.2. Sentido da interpretação das normas
constitucionais
A interpretação das normas constitucionais pode ser
concebida em várias dimensões, nomeadamente:
dimensões metodológicas, teórico-políticas, teórico-
juridicas, metódicas, teórico-constitucionais e teórico-
linguisticas.
a) Dimensões metodológicas:
interpretarnormas constitucionais significa
compreender, investigar e mediar o
conteúdo semântico dos enunciados
linguísticos que forma o texto
constitucional. A interpretação jurídico-
constitucional consiste em atribuir um
significado a um ou vários símbolos

120
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1188.
Universidade Católica de Moçambique 121

linguísticos escritos na constituição, através


de critérios objectivos, transparentes e
científicos (teoria da doutrina da
hermenêutica). Significa que a interpretação
é uma actividade metodologicamente
concebida destinada a atribuir um
significado a um certo escrito constitucional.
b) Dimensões teorético-políticas: a
interpretação da constituição deve ter em
consideração o facto de que a constituição é
um estatuto jurídico do político. Os valores
políticos têm grande influência na
interpretação, pois suscita o recurso aos
princípios políticos constitucionais
estruturantes para a interpretação. Nesta
dimensão tem particular relevância o
principio da unidade hierárquico-normativa
da constituição.
c) Dimensões teorético-jurídicas: a
constituição é concebida com carácter
hierárquico supremo e com função de
determinante heterónoma sobre as normas
de hierarquia inferior. Entende-se que as
normas constitucionais estão no topo da
ordem jurídica e se apresentam de forma
aberta (menos densificada), o que significa
que cabe aos órgãos constitucionais
tratarem de interpretá-las (de acordo com a
liberdade de conformação e com o princípio
da discricionariedade), de modo a
concretiza-las (através de leis, regulamentos
Universidade Católica de Moçambique 122

e sentenças), isto é, cabe a esses órgãos


fazer a densificação das normas
constitucionais (concretização, aplicação,
interpretação e criação).
d) Dimensões metódicas: a interpretar a
constituição implica simultaneamente: (1)
fundamentar as decisões jurisdicionais com
base na constituição (metodologia
tradicional), (2) metódica jurídica, que
significa a definição de modos ou regras de
densificação validos para a aplicação das
normas constitucionais pelo legislador e
pela administração.
e) Dimensões teorético-linguisticas: do ponto
de vista da linguística, a interpretação das
normas constitucionais é uma interpretação
semântica das formulações normativas do
texto constitucional e consiste em
determinar o significado das expressões
linguísticas nelas contidas. Duas notas
caracterizadoras da interpretação
linguística: (i) a interpretação não procura a
vontade do legislador (mês legislatoris), que
era típica da metodologia tradicional, salvo
se essa vontade estiver expressa
linguisticamente no texto, o que significa
um rompimento com a interpretação
subjectiva; (ii) a interpretação é situada num
contexto histórico linguístico, o que significa
que é feita de acordo com significado
linguístico de uma determinada época, pois
Universidade Católica de Moçambique 123

o espaço semântico dos conceitos ou


palavras é susceptível de alteração em
função do próprio contexto. E isto
representa o abandono da interpretação
objectiva (mens legis).
f) Dimensões teorético-constitucionais: a
interpretação conexiona-se com a questão
do historicismo e actualismo. A
interpretação actualista (evolutiva,
recreativa) mostra-se adequada, por causa
das mudanças politico-sociais e do
desenvolvimento dos elementos políticos. A
interpretação da constituição não pode
abraçar o objectivismo actualista extremo,
que poderia conduzir à transformação da
constituição, deve sim, permitir o
desenvolvimento (actualização, evolução)
do programa constitucional, sem ultrapassar
os limites de uma tarefa interpretativa, o
que significa a proibição de rupturas, de
mutações constitucionais silenciosas e de
revisões apócrifas. Em suma, a
interpretação constitucional deve ser
objectiva, actualista, mas não
transformadora da constituição.

4.5 O catálogo-tópico dos princípios da interpretação


constitucional

Os princípios que a seguir serão apresentados são auxiliares na


interpretação, e surgem na sequencia das dificuldades de ordem
Universidade Católica de Moçambique 124

doutrinal e prática no âmbito da interpretação constitucional. O


interprete deve considerar que as normas constitucionais são
preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e
princípios.

4.5.1. Princípios da interpretação da constituição


4.5.1.1. Principio da unidade da constituição
Significa que a constituição deve ser
interpretada de forma a evitar
contradições entre as suas normas. O
interprete deve considerar a
constituição na sua globalidade, como
um todo e procurar harmonizar os
espaços de tensão existentes entre as
normas constitucionais a concretizar.

4.5.1.2. Principio do efeito integrador

Significa que, na resolução dos problemas jurídico-


constitucionais deve dar-se primazia aos critérios ou pontos
de vista que favoreçam a integração politica e social e o
reforço da unidade política. Este principio parte da
consideração de uma situação constitucionalmente
conflituosa e impõe soluções pluralisticamente integradoras.

4.5.1.3. Principio da máxima efectividade ou


principio de eficiência ou principio de
interpretação efectiva
Estabelece que a uma norma
constitucional deve ser atribuído um
sentido que lhe dê maior eficácia. É hoje
muito usado em sede dos direitos
fundamentais, nos quais, havendo
dúvidas, deve preferir-se a interpretação
Universidade Católica de Moçambique 125

que reconheça maior eficácia aos


direitos fundamentais.
4.5.1.4. Principio da justeza ou da
conformidade funcional

Tem em vista evitar que, durante o processo da


concretização, se altere a repartição das funções
constitucionalmente estabelecidas. O que estabelece
mais especificamente é que “o órgão encarregado da
interpretação da lei constitucional não pode chegar a
um resultado que subverta ou perturbe o esquema
organizatório-funcional constitucionalmente
estabelecido”. Este princípio tem maior
aplicabilidade nas actividades do Conselho
Constitucional nas suas relações com o legislador,
governo, e nas relações verticais entre órgãos
(exemplo no relacionamento entre órgãos centrais e
locais).

4.5.1.5. Princípio da concordância prática ou da


harmonização

Este principio “impõe a combinação e coordenação


dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o
sacrifício (total) de uns em relação aos outros”121,
isto é, estando dois ou mais bens jurídicos em
conflito, deve evitar-se a aniquilação de um deles
em benefício doutro. Tem maior aplicabilidade nos
casos de conflitos entre direitos fundamentais, e é
mais aplicável nos casos em que os bens jurídicos
em conflito sejam de igual valor; para tanto, tem
imposto limites e condicionalismos destinados a

121
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1211.
Universidade Católica de Moçambique 126

lograr harmonização ou concordância prática entre


os bens em conflito.

4.5.1.6. Princípio da força normativa da


constituição

De acordo com este principio, “na solução de


problemas jurídico-constitucionais deve dar-se
prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta
os pressupostos da constituição (normativa),
contribuem para uma eficácia óptima da lei
fundamental (…) deve dar-se primazia às soluções
hermenêuticas que, compreendendo a historicidade
das estruturas constitucionais, possibilitam a
actualização normativa, garantindo, a sua eficácia e
permanência”122.

4.5.2. Princípios da interpretação das leis em


conformidade com a constituição

Este princípio precisa que nos casos em que, mesmo usando vários
critérios e métodos de interpretação das normas, não se consegue
lograr um único sentido, daí que se imponha que a interpretação
deve ser a que torne a norma legal conforme a constituição: “no
caso de normas polissémicas ou plurissignificativas deve dar-se
prevalência à interpretação que lhe dê um sentido em
conformidade com a constituição”. A intepretação das leis
conforme a constituição tem as seguintes dimensões:

4.5.2.1. Principio da prevalência da constituição


Significca que havendo várias possibilidades
de interpretação da norma legal, deve

122
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1212.
Universidade Católica de Moçambique 127

vincar aquela que não contrarie o texto e


programa da norma constitucional.
4.5.2.2. Principio da conservação de normas
Significa que uma norma não deve ser
declarada inconstitucional nos casos em
que, de acordo com os fins visados por ela,
essa norma pode ser interpretada conforme
a constituição.
4.5.2.3. Princípio da exclusão da interpretação
conforme a constituição mas contra
legem
Significa que, “o aplicador de uma norma não
pode contrariar a letra e o sentido dessa norma
através de uma interpretação conforme a
constituição, mesmo através desta
interpretação consiga uma concordância entre a
norma infraconstitucional e as normas
constitucionais123”. Este principio baseia-se no
seguinte:
(i) A interpretação conforme a constituição só é
legítima quando existe um espaço de decisão
(espaço de interpretação) aberto a varias propostas
interpretativas, umas em conformidade com a
constituição e que devem ser preferidas, e outras
em desconformidade com ela;
(ii) No caso de se chegar a um resultado interpretativo
de uma norma jurídica em inequívoca contradição
com a lei constitucional, impõe-se a rejeição, por
inconstitucionalidade, dessa norma (=competência
de rejeição ou não aplicação de normas

123
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1212-1213.
Universidade Católica de Moçambique 128

inconstitucionais pelos juízes), proibindo-se a sua


correcção pelos tribunais (proibição de correcção de
norma jurídica em contradição inequívoca com a
constituição);
(iii) A interpretação das leis em conformidade com a
constituição deve afastar-se quando, em lugar do
resultado querido pelo legislador, se obtém uma
regulação nova e distinta, em contradição com o
sentido literal ou sentido objectivo claramente
recognoscível da lei ou em manifesta dessintonia
com os objectivos pretendidos pelo legislador”.

Contudo, da interpretação das leis conforme a constituição Jorge


Miranda destaca a interpretação integrativa da lei com a
constituição, que se traduz em” interpretar certa lei (com preceitos
insuficientes e, nessa medida, eventualmente constitucionais),
completando-a com preceitos da constituição sobre esse objecto
que lhe são aplicáveis e porque directamente aplicáveis”124.

Entretanto, a interpretação da lei conforme a constituição pode ser


feita usando-se várias vias, nomeadamente, dentre outras, a
interpretação extensiva e a interpretação restritiva.

4.5.3. Interpretação autêntica

Das várias formas de interpretação da constituição, vamos prender


atenção à interpretação autêntica, dado o relevo que tem.

Em sentido geral, a interpretação autêntica é aquela que é feita pelo


órgão autor de um determinado acto normativo interpretado. Por
exemplo: a interpretação autêntica do Decreto de Conselho de
Ministros é feita pelo Conselho de Ministros, a uma lei aprovada
pela Assembleia da República só cabe a esse órgão fazer

124
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 265.
Universidade Católica de Moçambique 129

interpretação autentica, a um diploma ministerial do Ministro das


Finanças cabe ao Ministro das Finanças fazer interpretação
autêntica.

No que diz respeito à interpretação da constituição, a interpretação


autêntica só pode ser feita por uma lei do poder legislativo
ordinário que, no âmbito da revisão constitucional, fixe ou
esclareça o sentido de algumas normas constitucionais.

Segundo Gomes Canotilho, o legislador ordinário não pode fazer


uma interpretação autêntica da constituição, uma vez que aquele
não é o autor da constituição, pelo contrário, é um dos destinatários
das normas constitucionais. No mesmo sentido ensina Jorge
Miranda que “interpretação autêntica só pode ser feita por lei com
força constitucional – ou seja, em constituição rígida, por lei
decretada pelo processo peculiar de revisão, e não por lei
ordinária”125.

Não se deve confundir a interpretação autêntica com a


interpretação oficial sobretudo jurisdicional feita pelo Conselho
Constitucional no âmbito da fiscalização da constitucionalidade,
pois os acórdãos do Conselho Constitucional apenas declaram a
desconformidade de um acto normativo infraconstitucional com a
Constituição, sem que tenham força jurídica de uma norma
constitucional.

Outro aspecto que deve ser afastado é a interpretação da


constituição conforme as leis ordinárias, que ocorreria de duas
formas: (i) nos casos em que uma dada norma antiga contivesse um
princípio que mais tarde foi acolhido como princípio
constitucional: a interpretação da norma constitucional contendo
esse princípio poderia ser feito de acordo com a norma antiga que
já previa esse princípio; (ii) nos casos em que uma norma
constitucional tenha sido concretizada por uma norma ordinária:

125
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 262.
Universidade Católica de Moçambique 130

nos casos de alteração da norma constitucional deveria ter-se em


conta o sentido fixado na norma ordinária concretizadora. Contudo,
a interpretação da constituição conforme a lei ordinária é perigosa,
porquanto: (i) corria o risco de o legislador ir operar alterações
constitucionais através dessa interpretação, (ii) ficaria sem sentido
o entendimento da constituição como parâmetro das normas
infraconstitucionais, (iii) a interpretação da constituição segundo as
leis ordinárias pode ser uma interpretação inconstitucional, pois, as
normas ordinárias do passado podem ter adquirido um sentido
completamente diferente na constituição (no momento em que o
conteúdo dessas foi inserido na constituição), (ii) as leis novas
concretizadoras da constituição podem ter introduzido um
significado inconstitucional às normas constitucionais
concretizadas.

4.5.4. Integração de lacunas

Lacunas são situações constitucionalmente relevantes não previstas que


devem ser integradas através da determinação da regra para a aplicação
ao caso concreto, pelo intérprete ou órgão de aplicação do direito. As
lacunas são verificadas pelo intérprete e pelos órgãos de aplicação do
direito. A integração de lacunas de normas formalmente constitucionais
deve ser feita no interior da constituição formal, com recurso a analogia
ou aos princípios gerais, mas nunca recorrer a normas de legislação
ordinária.

Gomes Canotilho ao falar das lacunas de regulamentação, distingue


lacunas ao nível das normas e lacunas de regulamentação. As lacunas ao
nível das normas ocorre quando um determinado preceito constitucional
é incompleto, urgindo a necessidade da sua complementação para que
possa ser aplicada. Lacunas de regulamentação ocorrem quando há
ausência de regulamentação em toda a constituição, e não apenas a
incompletude de uma norma.

É preciso não confundir lacunas com as omissões legislativas, uma vez


que as omissões legislativas dizem respeito a “situações previstas, mas a
que faltam, no programa ordenador global da constituição, as
estatuições adequadas a uma imediata exequibilidade. As omissões
Universidade Católica de Moçambique 131

legislativas correspondem a normas constitucionais não exequíveis por si


mesmas e o seu não preenchimento após o decurso de certo tempo
origina a inconstitucionalidade por omissão”. As omissões podem ser
verificadas através do processo de fiscalização da inconstitucionalidade
por omissão, e a integração da omissão legislativa é feita mediante
produção de uma lei pelo legislador126.

4.6. Aplicação da lei constitucional no tempo

A aplicação da lei constitucional no tempo tem haver com a sucessão das


leis no tempo, ou seja com superveniência (produção de novas normas
constitucionais), e a questão que se coloca é o efeito dessas normas sobre
as normas constitucionais e ordinárias anteriores.

4.6.1. Direito constitucional novo e direito


constitucional anterior

A aprovação de uma nova constituição ou de novas normas


constitucionais pode ter efeitos diversos sobre o direito constitucional
anterior, designadamente:

4.6.1.1. Revogação

A aprovação de uma nova constituição significa a revogação da


constituição anterior, ou seja a substituição da ideia de direito por uma
nova ideia de direito (substituição de uma constituição por outra), uma
vez que não pode haver duas constituições materiais e formais a
vigorarem ao mesmo tempo.

A revogação da constituição pode ser total ou parcial. Quando é


substituída toda a constituição, o que só pode acontecer nos casos de
revolução constitucional (direito revolucionário), verifica-se a revogação
global (total) da constituição ou do sistema. A revogação parcial ou
individualizada verifica-se quando há uma modificação parcial da
constituição.

4.6.1.2. Recepção material

126
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 270.
Universidade Católica de Moçambique 132

Pode-se verificar a recepção material de certas normas constitucionais,


nos casos em que (i) certas normas constitucionais anteriores à revisão
constitucional continuem a vigorar a titulo secundário, entretanto, essas
normas anteriores que continuam a vigorar, quando não representarem a
ideia central de direito, continuarão a vigorar, por referencia às novas
normas que constituem a nova ideia de direito. A recepção material tem
de ser prevista por uma norma.

4.6.1.3. Caducidade

Ocorre nos casos em que são revogadas normas constitucionais que


haviam recebido materialmente outras normas constitucionais, e portanto,
as normas constitucionais que serviam de referência doutras normas
constitucionais (secundaras e que haviam se beneficiado de recepção
material), são revogadas. Ora, sendo revogas essas normas
constitucionais nucleares, as normas secundárias que só vigoravam por
referência a estas caducam pura e simplesmente, cessando a sua vigência,
sem necessidade de ser revogadas.

4.6.1.4. Desconstitucionalização

Verifica-se quando, com a entrada em vigor de uma nova constituição,


certas normas constitucionais, em vez de deixarem de vigorar, são
transformadas e continuam a vigorar já não como normas constitucionais
mas como normas do direito ordinário, desde que haja uma norma
constitucional que assim o declare. Segundo Jorge Miranda, a norma que
preveja a desconstitucionalização não tem de ser uma norma
constitucional formal expressa, será sim uma norma constitucional de
origem consuetudinária.

Diferente da desconstitucionalização é a constitucionalização, que se


traduz em determinadas normas do direito ordinário anterior ascenderem
à categoria de normas constitucionais com a entrada em vigor da nova
constituição.

4.6.2. Direito constitucional novo e direito ordinário


anterior

Com a entrada em vigor de uma nova constituição, as normas do direito


ordinário anterior não são de todo revogadas, sob pena de se criar uma
Universidade Católica de Moçambique 133

autêntica insegurança jurídica por falta de regulamentação da vida social.


Por isso, muitas normas do direito ordinário continuam a vigorar porque
são novadas, isto é, a nova constituição vai operar a novação do direito
ordinário anterior.

A novação ou recriação consiste em as normas do direito ordinário


anterior continuarem a vigorar no contexto da nova constituição,
entretanto terão como fundamento a nova constituição, não vão continuar
a vigorar na base da constituição anterior: há uma alteração do
fundamento constitucional para a vigência das normas do direito
ordinário anterior.

Nesta conformidade, (i) os princípios gerais de todos os ramos de direito


passam a ser os que constam da nova constituição; (ii) as normas
ordinárias em vigor na data da entrada em vigor nova constituição devem
ser reinterpretadas de acordo com a nova constituição; (iii) as normas do
direito ordinário anterior que forem contrárias à nova constituição
consideram-se automaticamente revogadas127 (cf. Artigo 305 da CRM).

Note-se que, nos casos de revisão constitucional não se verifica, em rigor


uma novação do direito ordinário anterior, uma vez que os valores
constitucionais nucleares da constituição, que servem de fundamento do
direito ordinário continuam em vigor; aliás, a própria revisão
constitucional opera-se nos termos da constituição. A revisão
constitucional apenas tem efeitos sobre as normas ordinárias contrárias,
as quais consideram-se revogadas.

Ademais, nos casos em que determinada norma ordinária já era contraria


à constituição antes da revisão constitucional, ainda que com a revisão a
mesma seja conforme às normas revistas, essa norma não pode ser
convalidada ou sanada, pois “ferida de raiz, não pode apresentar-se
agora como se fosse uma norma nova, sob pena de se diminuir a função
essencial da constituição”128 .

127
Melhores desenvolvimentos sobre a inconstitucionalidade superveniente das
leis ordinárias anteriores contrárias à constituição, vide MIRANDA, Jorge.
Manual de direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II,
3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 285-290.
128
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 277.
Universidade Católica de Moçambique 134

4.6.3. Direito constitucional novo e direito


internacional

Considerando que a constituição não é fonte nem fundamento de validade


das normas do direito internacional, mas “apenas limite de produção de
feitos das normas jurídico-internacionais”, o surgimento da nova
constituição pode implicar a ineficácia ou eficácia das normas jurídico-
internacionais.

As normas internacionais que sejam conforme a constituição continuarão


a ser eficazes, ao passo que as que forem contrárias serão ineficazes.

Deve notar-se que o que dissemos a cerca das normas do direito


internacional só é válido para as normas de direito internacional
infraconstitucional, não se aplicando as normas supra-constitucionais.

4.6.4. Direito constitucional novo e actos jurídico-


políticos

Relativamente as actos jurídicos-públicos praticados ao abrigo da


constituição anterior, vigora o principio tempus regit actum, que
significa que a nova lei constitucional só se aplica aos actos que forem
praticados durante a sua vigência, não se aplicando a factos passados, e
isso é compreensível, pois doutra maneira, colocar-se-ia o problema de
inconstitucionalidade retroactiva.

4.7. Aplicação da lei constitucional no espaço.

Sobre a aplicação da lei constitucional no espaço vigora o princípio da


territorialidade, segundo o qual a constituição de um Estado aplica-se em
todo o seu território nacional129. Contudo, relativamente ao estrangeiro,
dependendo das relações entre os Estados certas regras e princípios da
constituição de um Estado podem vigorar, dentro de determinados
limites, no estrangeiro.

129
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 301-302.
Universidade Católica de Moçambique 135

Referência bibliográfica
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional, 28ª edição,
Editora Saraiva, 2002, pp. 11-13.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp.12-303
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1045-1222

Exercícios

Exercícios
1..O que entendes por:
a) lacunas de regulamentação?
b) interpretação autêntica?
c) caducidade?
d) novação

2. Estabeleça diferenças entre:


a) Método científico-espiritual e método jurídico;
b) posições interpretativistas e posições não interpretativistas;
c) princípio da unidade da constituição e principio do efeito integrador;
d) principio da máxima efectividade e principio da conformidade
funcional;
e) princípio da concordância prática e princípio da força normativa da
constituição.
f) lacunas constitucionais e omissões legislativas.
g) revogação parcial e revogação total;
h) recepção material e desconstitucionalização;
i) constitucionalização e desconstitucionalização

3. Quais são os princípios basilares na interpretação das normas


constitucionais?
Universidade Católica de Moçambique 136

Unidade 09
ESTADOS DE NECESSIDADE
CONSTITUCIONAL E SUSPENSAO
DO EXERECICIO DE DIREITOS
FUNDAMENATAIS
Introdução
Neste capítolo se abordarão os seguintes temas:
PLANO DE EXPOSIÇÃO

1. A INCORPORAÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE


NECESSIDADE
1.1. A incorporação constitucional do direito de necessidade
1.2. O direito de necessidade na história constitucional
1.2.1. O processo de legitimação e legalização do direito de
necessidade
1.2.1.1. Martial law, Riots acts, motins, disturbios e revoltas populares
1.2.1.2. Lei marcial e perigo para a tranquilidade pública
1.2.1.3. Estado de paz, estado de guerra e estado de sítio
1.2.1.4. Estado de sitio militar e estado de sitio político
1.2.1.5. Suspensão da Constituição
1.2.1.6. Constitucionalização do direito de necessidade estadual
1.2.2. O direito de necessidade estadual nas constituições
moçambicanas de 1975 e 1990
2. As técnicas de juridicização constitucional do direito de necessidade
2.1. Poderes implícitos
2.2. Cláusula de plenos poderes
2.3. Constitucionalização do direito de necessidade
2.4. Bill de idemnidade
3. O DIREITO DE NECESSIDADE CONSTITUCIONAL NA
CONSTITUIÇÃO MOCAMBICANA DE “2004”
3.1. A tipologia de estado de necessidade
3.1.1. Estado de necessidade externo
3.1.1.1. Estado de guerra
3.1.1.2. Estado de emergência (militar)
3.1.2. Estado de necessidade interno
3.2. O problema da suspensão individual dos direitos, liberdades e garantias
3.3. A disciplina constitucional dos estados de necessidade constitucional
3.3.1. A competência para a declaração do estado de sítio ou de
emergência
3.3.2. As restrições aos direitos fundamentais
3.3.3. O controlo parlamentar da declaração do estado de necessidade
3.3.4. A intervenção governamental na declaração do estado de sítio
ou de emergência
3.3.5. O controlo jurisdicional da declaração do estado de sítio ou de
emergência
3.3.6. Responsabilidade
3.3.6.1. Responsabilidade política
3.3.6.2. Responsabilidade civil
Universidade Católica de Moçambique 137

3.3.7. Vícios dos actos jurídicos expressos.

Ao completer esta unidade / lição, você será capaz de:

 Objectivos específicos:
 1.Conceituar o direito de necessidade;
 2.Explicar a incorporação constitucional do direito de necessidade na
Objectivos CRM

1.A INCORPORAÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE


NECESSIDADE

A abordagem a ser feita seguirá a seguinte sequencia: 1. A incorporação


constitucional do direito de necessidade, onde para além da perspectiva
histórica do direito de necessidade, serão apresentadas as técnicas de
juridicização constitucional. 2. O direito de necessidade na Constituição
da República de Moçambique, no qual serão discutidas as tipologias de
estado de necessidade, o problema da suspensão individual dos direitos,
liberdades e garantias, a disciplina constitucional dos estados de
necessidade, a responsabilidade e os vícios.

1.1. A incorporação constitucional do direito de


necessidade

Tradicionalmente, problema dos estados de necessidade constitucional e


suspensão do exercício de direitos fundamentais, vem tendo designações
Universidade Católica de Moçambique 138

que variam no espaço, quiçá no tempo, nomeadamente: estado de


necessidade estadual, direito de necessidade estadual, defesa da
constituição, defesa da República, suspensão de garantias individuais,
defesa de segurança e ordem públicas, estado de excepção constitucional,
protecção extraordinária do Estado.

A questão central que se coloca na constitucionalização do direito de


excepção, prende-se na previsão e delimitação normativo-constitucional
de instituições e medidas necessárias para a defesa da ordem
constitucional em caso de situação de anormalidade, que não podendo
ser eliminada ou combatida pelos meios normais previstos na
Constituição, exige o recurso a meios excepcionais130. Dito doutro modo,
isto é, em face de situações de crise (guerra, emergência, tumultos,
calamidade pública, etc), que medidas excepcionais a prever na
Constituição, que sejam, ao mesmo tempo necessárias, adequadas e
proporcionais, para o restabelecimento da normalidade constitucional?
Ou seja, como constitucionalizar as situações de necessidade?

Contudo, a constitucionalização das situações de necessidade não se


reduz em prever um simples estado de necessidade desculpante, mas sim
implica a consagração de um direito de necessidade constitucional, que
é a incorporação, na Constituição, de uma disciplina extraordinária para
situações de emergência, que têm por efeito, afastar a ilicitude dos actos
que os órgãos do Estado possam praticar durante os períodos de crise, em
virtude de, terem estado a cumprir um dever ou a exercer um direito
constitucionalmente consagrado, o que significa que, a actuação do
Estado em tais situações deve representar o exercício de um direito,
contra o qual não se pode opor outro direito, e não apenas uma situação
que exclua ou mitigue a culpa.

A consagração constitucional do direito de necessidade (ou de legalidade


alternativa131) mostra-se mais preferivel, na medida em que é a própria
Constituição que vai prever os pressupostos e delimitar esses estados, por
isso, vai evitar o recurso a princípios de necessidade extra ou
suspraconstitucionais, que podem ser manipulados v.g. com a alegação de

130
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1071.
131
Na linguagem de Paulo Otero, apud CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito
constitucional e teoria da constituição, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp.
1072.
Universidade Católica de Moçambique 139

segurança ou pública, o que poderia criar uma insegurança ou incerteza


jurídica: “as estruturas de excepção compreendem-se, sob ponto de vista
normativo-constitucional, a partir da própria constituição, e não através
do apelo a categorias extraconstitucionais como necessidade de
existência do Estado, razão do Estado, ordem e segurança ou através do
alargamento das competências constitucionalmente fixadas (ex. género
de poderes implícitos imanentes aos poderes em estado de guerra)132”. É
que, consagrando a Constituição os estados excepcionais de necessidade,
a Constituição estará a fazer uma delimitação dos mesmos, obviando
assim, o risco de incerteza da verificação dos mesmos.

Com efeito, a previsão constitucional do direito de necessidade constitui


um imperativo para um Estado de direito, o qual deve definir claramente
os seus pressupostos materiais e formais, indicar o órgão ou órgãos
competentes para decretar os estados de necessidade, logrando assim, que
os órgãos do poder público se possam actuar apenas nos termos pré-
definidos na Constituição. E isso é compreensível, uma vez que “o direito
de necessidade constitucional não é um direito fora da Constituição, mas
um direito normativo-constitucionalmente conformado, uma vez que o
regime das situações de excepção não significa suspensão da
constituição, mas sim um regime extraordinário incorporado na
Constituição e válido para situações de anormalidade constitucional”133.

Deve notar-se contudo, que a posição acima apresentada não é unívoca,


pois há posições que defendem que a necessidade é uma fonte autónoma
de direito (fonte-facto) que não carece de consagração na constituição
formal; a necessidade é uma fonte de legitimação extra ordinem.

1.2. O direito de necessidade na história constitucional

A abordagem histórica do direito de necessidade constitucional permitirá


compreender certos institutos e perspectiva crítica da problemática das

132
HESSE, K. Grundfragen einer verfassungsmässigen Normierung des
Ausnahmezustandes, in JZ, 1960, pp. 105, apud CANOTILHO, J.J. Gomes.
Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª edição, Almedina, Coimbra,
2002, pp. 1072.
133
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1072.
Universidade Católica de Moçambique 140

situações de excepções. Com efeito, a problemática da


constitucionalização do direito de necessidade se enquadra como parte do
constitucionalismo do século XIX, sem com isso significar o direito de
necessidade surgiu com o constitucionalismo, pois este é bem antigo.

Já no antigo império romano, se falava de jus extremae necessitatis e


salus rei publica suprema ex esto, para exprimir a existência de um
direito de excepção nos casos de crise do Estado e das colectividades
organizadas (res publica).

Mais ainda, a figura do direito de necessidade não é exclusiva do direito


constitucional, pois a mesma é usada em outros ramos de direito, com
designações diferentes e até mesmo idênticas. Exemplos: no Direito
internacional fala-se de estado de guerra, no direito penal, pode se
apontar a legítima defesa, no direito civil, a legitima defesa e direito de
resistência, no direito administrativo, o estado de necessidade
administrativa.

1.2.1. O processo de legitimação e legalização do


direito de necessidade
1.2.1.1. Martial law, Riots acts, motins,
disturbios e revoltas populares

O primeiro modelo jurídico de regulamentação dos motins ou


perturbações da ordem, surgiu com o Riot Act no seculo XVIII (1714),
que qualificava como crime de felonia a participação em tumultos com
desobediência às ordens de dissolução por parte das autoridades, e
considerava que os agentes encarregues de restabelecer a ordem estavam
isentos de qualquer responsabilidade.

1.2.1.2. Lei marcial e perigo para a


tranquilidade pública

No dia 21 de Outubro de 1789 surgiu a Loi Martiale (lei marcial),


aprovada pela Assembleia Nacional Francesa, que constituiu o segundo
modelo de regulamentação da ordem pública interna. Esta lei foi uma lei
de autorização das forças armadas a reprimirem os tumultos geradores de
intranquilidade pública.
Universidade Católica de Moçambique 141

1.2.1.3. Estado de paz, estado de guerra e


estado de sítio

O Decreto de 10 de Julho de 1891 da Revolução Francesa, referente a


“praças de guerra”, distinguia estado de paz, estado de guerra e estado de
sitio, sendo que: (a) “estado de paz, pressupunha a separação completa
entre autoridades civis e militares, tendo cada uma a esfera de
competência previamente definida”; (b) “estado de guerra: implicava a
subordinação das autoridades civis às autoridades militares, sempre que
por decreto do parlamento sob proposta do rei, ou pelo rei na ausência
da deliberação do corpo legislativo, fosse declarado o estado de guerra”;
(c) “estado de sítio: implicava a transferência das competências das
autoridades civis para as autoridades militares no caso de praça de
guerra ter sofrido ataque ou assédio”134.

Neste acto, o estado de sítio era uma situação mais grave que o estado de
guerra, uma vez que, não só a subordinação das autoridades civis às
autoridades militares (como acontecia no estado de guerra), mas
sobretudo, a transferência do poder das autoridades civis para as
autoridades militares, uma vez que ocorre nas situações em que na praça
da guerra haja ataques ou assédios.

1.2.1.4. Estado de sitio militar e estado de


sitio político

O estado de sítio politico começou a ser desenhada pela Carta


Constitucional francesa de 1814, e a distinção mais clara entre estado de
sitio politico (civil) e estado de sitio militar foi feita a partir de 1848.
Note-se que para se chegar a esta delimitação, houve um movimento
evolutivo, que a seguir se descreve.

Pela lei marcial de 1789 só se falava de estado de sítio militar, que se


verificava na praça de guerra (onde havia assedio ou ataques). Entretanto,
verificou-se um movimento de evolução do conceito de estado de sítio,
que culminou com a distinção entre estado de sitio militar e estado de
sitio político, que compreendeu as seguintes fases:

134
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1074.
Universidade Católica de Moçambique 142

Primeira: a aplicação do estado de sitio a “cidades abertas” e não apenas à


praças de guerra;

Segunda: declaração do estado de sítio, o que indiciava a necessidade da


legitimidade do estado de sitio não fundada na situação factual (real), mas
na declaração formal;

Terceira: a regulamentação jurídica positiva e negativa do estado de sitio,


exigindo que a declaração indicasse os direitos individuais suspensos e as
competências das autoridades militares nas situações de excepção: deste
modo, o estado de sitio transformava-se em pressuposto de suspensão das
liberdades, deixando essas liberdades de representar um obstáculo
jurídico-constitucional para as autoridades militares.

1.2.1.5. Suspensão da Constituição

Em 1793 o governo revolucionário francês suspendeu a constituição,


como uma medida de defesa da República sitiada, no entanto, a
suspensão da constituição viria a ser consagrada na Constituição francesa
de 13.12.1799, passando assim a ser um instituto constitucional, e que
determinava que: “dans le cas de revolte à main armée, ou de troubles
qui menacent la sureté de l`État, la loi peut suspendre, dans les lieux et
pour le temps qu`elle determine, l`empire de la Constitution”135.

Assim, através de uma lei ordinária suspendia-se a vigência da


Constituição por tempo indeterminado. Com a suspensão da Constituição
ficavam ipso facto, suspensos os direitos individuais.

1.2.1.6. Constitucionalização do direito de


necessidade estadual

Em meados do século XIX definem-se claramente as premissas jurídico-


constitucionais dos regimes de excepção: “a) em primeiro lugar, a defesa
do Estado e da segurança pública só é compatível com o Estado
Constitucional se e na medida em que ela esteja prevista na Constituição
e não remetida para o domínio extraconstitucional; b) a suspensão da

135
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1075.
Universidade Católica de Moçambique 143

Constituição é uma contraditio in adjectu136, porque ela significa na


prática um regime sem Constituição; c) a defesa do Estado não exige a
suspensão da Constituição, mas sim a de algumas garantias individuais;
d) a constitucionalização do regime de excepção não pressupõe uma
normativização constitucional pormenorizada desse regime, podendo a
Constituição remeter para a lei os casos de situação excepcional e as
formas e medidas a adoptar em tais circunstâncias”137.

1.2.2. O direito de necessidade estadual nas


constituições moçambicanas de 1975 e 1990

A Constituição de 1975 não continha uma disposição especifica sobre o


direito de necessidade, porém, previa o direito de necessidade
constitucional através das normas que conferiam competências ao
Presidente da República para declarar os estados de necessidade (artigo
48 al. k, p da CRPM), a Assembleia Popular para sancionar essa
declaração (artigo 40 al.h da CRPM). A declaração do estado de guerra
estava excluída do sancionamento pela Assembleia Popular (artigo 40),
bastando a declaração do Presidente da República, sem qualquer
interferência obrigatória doutro órgão, para que essa declaração seja
eficaz.

Já a Constituição da República de Moçambique aprovada em 1990,


estabelecia no artigo 106 que:

1. “As liberdades e garantias individuais só podem ser suspensas ou


limitadas temporariamente em virtude de declaração do estado de
guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência.
2. A duração do estado de sítio ou do estado de emergência não pode ser
superior a seis meses, devendo a sua prorrogação efectuar-se nos
termos da lei;
3. A lei estabelece o regime do estado de guerra, do estado de sítio e do
estado de emergência e fixa as garantias judiciárias de protecção dos
direitos dos cidadãos a serem salvaguardados”.

136
137
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1075.
Universidade Católica de Moçambique 144

Para tanto, cabia ao Presidente da República declarar o estado de guerra,


o estado de sítio ou de emergência, bem assim a sua cessação (cf. Artigo
122 al. a da CRM de 1990), e à Assembleia da República sancionar a
suspensão das garantias constitucionais e a declaração do estado de sítio
ou do estado de emergência (cf. Artigo 135 n°2 al e da CRM de 1990).

Nos termos do artigo 159 da CRM de 1990 competia ao Conselho


Nacional de Defesa e Segurança, nomeadamente:

a) “Pronunciar-se sobre o estado de guerra antes da sua


declaração”;
b) “Pronunciar-se sobre a suspensão das garantias constitucionais
e a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência”.

Da conjugação dos artigos 159 al. a) e 135 n°2 e) pode-se inferir


que à Assembleia da República cabia apenas sancionar a
declaração do estado de sítio, estado de emergência e a
suspensão das garantias constitucionais, no entanto, não
sancionava a declaração do estado de guerra, pois este era
autonomamente declarado pelo Presidente da República,
precedido do pronunciamento do Conselho Nacional de Defesa e
Segurança.

2. As técnicas de juridicização constitucional do direito de


necessidade

A forma de constitucionalização das situações de necessidade estadual


varia de Estado para Estado. No entanto, as formas ou padrões mais
comuns são os seguintes:

2.1. Poderes implícitos

Esta técnica consiste numa “leve referência constitucional às situações de


necessidade através da simples indicação dos órgãos de soberania
competentes para a adopção das medidas necessárias e apropriadas ao
Universidade Católica de Moçambique 145

restabelecimento da normalidade constitucional138”. Um dos exemplos é


a Constituição dos EUA onde a maior parte dos poderes exigidos por
situações de emergência se baseiam nos implied and inherent powers
(poderes implícitos) ou na cláusula geral dos poderes de guerra.

Parece ser também o exemplo da Constituição da República Popular de


Moçambique de 1975, que, não definindo os pressupostos, a forma, os
limites e o regime dos estados de necessidade, limitava-se a indicar a
competência do Presidente da República para declará-los, e a Assembleia
Popular para sancioná-los todos com excepção do estado de Guerra.

2.2. Cláusula de plenos poderes

A cláusula de plenos poderes ou clausula de ditadura consiste na auto-


habilitação do Chefe de Estado para o exercício de competência
acrescidas, indispensáveis à resolução das situações de crise, ou na
concentração de poderes no órgão executivo, o que acaba tomando a
forma de ditadura presidencial. O exemplo é o artigo 16 da Constituição
da V República Francesa de 1958 que dispunha que: “sempre que as
instituições da República, a independência da Nação, a integridade do
seu território ou a execução dos seus compromissos internacionais forem
ameaçados por forma grave e imediata e o funcionamento regular dos
poderes públicos constitucionais for interrompido, o Presidente da
República adoptará as medidas exigidas pelas circunstâncias, após
consulta oficial do Primeiro-Ministro, dos Presidentes de ambas as
Câmaras e ainda do Conselho Constitucional”139.

O artigo 48 da Constituição de Weimar estabelecia que “se no Reich


alemão houver alteração ou perigo grave da segurança e ordem públicas,
o presidente do Reich pode adoptar as medidas necessárias para o

138
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1078.
139
GOVEIA, Jorge Bacelar de. O estado de excepção, I, pp. 238. apud
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1079.
Universidade Católica de Moçambique 146

restabelecimento da segurança e ordem públicas, intervindo, em caso de


necessidade, com o auxílio das forças armadas”140.

2.3. Constitucionalização do direito de necessidade

A constitucionalização do direito de necessidade implica a


regulamentação jurídico-constitucional das situações de necessidade,
indicando expressamente na Constituição, a competência, os
pressupostos, as formas, os limites e efeitos dos regimes de anormalidade.

A CRM revista em 204 parece aproximar-se a esta técnica, uma vez que:

a) No artigo 72 indica as espécies de estados de necessidade,


nomeadamente, estado de guerra, estado de sítio e estado de
emergência;
b) No mesmo preceito define o carácter temporário (apesar de não
definir a duração máxima, como acontecia na CRM aprovada em
1990);
c) Estabelece que a suspensão das liberdades e garantias tem
carácter geral e abstracto;
d) A lei que decretar o estado de necessidade deve indicar o prazo
da sua duração e a base legal em que assenta.
e) O artigo 161 a) confere a competência de declarar estados de
necessidade ao Presidente da República; o artigo 179 n°2 g)
confere a Assembleia da República o poder de sancionar a
suspensão de garantias constitucionais e a declaração do estado
de sítio ou estado de emergência. Não obstante excluir a
competência de sancionar a declaração do estado de guerra,
pois só o Conselho Nacional de Defesa e Segurança pode se
pronunciar previamente (cf. Artigo 269 al.a);
f) O Conselho Nacional de Defesa e Segurança pronuncia-se sobre
a suspensão das garantias constitucionais e a declaração do
estado de sítio e do estado de emergência (cf. Artigo 269 al. b).

140
GOVEIA, Jorge Bacelar de. O estado de excepção, I, pp. 238. apud
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1079.
Universidade Católica de Moçambique 147

g) O Conselho de Estado pronuncia-se obrigatoriamente sobre a


declaração de guerra, do estado de sítio ou do estado de
emergência, (cf. Artigo 166 al.b).

2.4. Bill de idemnidade

O bill de indemnidade (Acto of indemnity ou indemnity bill) consiste em


fixar-se prerrogativas ao órgão executivo para tomar as medidas
necessárias em casos de crise, devendo, a posterior obter a aprovação dos
actos praticados violadores da Constituição (por serem ilícitos no
momento da sua prática) pelo Parlamento (através de indemnity bill do
parlamento), com vista a apagar a responsabilidade penal ou civil dos
membros do executivo ou dos seus subordinados. O exemplo
paradigmático é o direito constitucional inglês.

3. O DIREITO DE NECESSIDADE CONSTITUCIONAL NA


CONSTITUIÇÃO MOCAMBICANA DE “2004”

Uma vez que as situações de necessidade ou anormalidade constitucional


não constituem estados sem constituição, pois sim, são situações que
obedecem uma disciplina constitucional diferente daquela que rege as
situações de normalidade. Não tem sido prática as constituições preverem
de forma densificada os pressupostos e requisitos do estado de
necessidade, o que fazem é indicar as balizas dentro das quais, e em face
da situação concreta, o órgão competente deverá livremente qualificar o
estado. A CRM aponta como estados de necessidade, o estado de
emergência, o estado de guerra e o estado de sítio (cf. Artigo 72 n°1).

3.1. A tipologia de estado de necessidade

A grande dificuldade que tem sido encontrada relaciona-se com a


delimitação constitucional pormenorizada dos estados de necessidade, ou
seja, donde começa o estado de guerra e onde termina? O que é
efectivamente estado de sítio e estado de emergência? Contudo, os
tradicionais estados de excepção militar são estado de guerra e estado de
emergência; e os estados de excepção civil incluem a grave ameaça de
perturbação da ordem constitucional democrática ou calamidade
Universidade Católica de Moçambique 148

pública141 . A CRM não apresenta nenhuma definição nem delimitação do


estado de guerra, estado de sítio e estado de emergência. Contudo,
podemos ver como esses conceitos são tidos na Constituição portuguesa
de 1976.

3.1.1. Estado de necessidade externo

Integram os estados de necessidade externo, o estado de guerra e o estado


de emergência.

3.1.1.1. Estado de guerra

Considera-se um estado de guerra sempre que se verifiquem as seguintes


situações:

a) Agressão efectiva por forças estrangeiras;


b) Iminência de agressão por forças estrangeiras
c) Declaração formal do estado de guerra.
d) Declaração de estado de sítio, se for o caso.

3.1.1.2. Estado de emergência (militar)

O estado de emergência é uma “espécie de pré-estado de guerra,


parcialmente coincidente com o estado de prevenção, e que não sendo
susceptível de precisão normativa, aponta fundamentalmente para a
ideia de uma situação de crise que sendo já uma ameaça não constitui
ainda perigo iminente (o que justificaria a declaração do estado de
guerra)142”.

3.1.2. Estado de necessidade interno

O estado de emergência e estado de sitio é declarado nos casos de


necessidade interno, resultantes designadamente de (a) grave
ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática, (b)
calamidade pública.

141
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1086.
142
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1087.
Universidade Católica de Moçambique 149

Calamidade pública é constituída por catástrofes naturais


(terramotos, vulcões, tempestades, inundações e epidemias),
catástrofes tecnológicas e acidentes graves (acidentes
143
ferroviários, náuticos, incêndios, etc) .

Grave perturbação da ordem constitucional democrático: a


definição de delimitação de grave perturbação da ordem
constitucional democrática não minimamente linear, contudo,
podem se estabelecer algumas balizas indicativas: (a) o objecto a
ser protegido é a ordem constitucional democrática, e não outro
(ordem constitucional e não qualquer ordem e segurança públicas
definidas a nivel infraconstitucional); (b) “os pressupostos de
aplicação ou decretação do estado de sitio ou de emergência,
são apenas a perturbação da ordem constitucional ou a sua
grave ameaça”144 ; (c) “a ameaça ou lesão de bens
constitucionais deve pôr em causa a ordem constitucional
democrática e os seus princípios estruturantes, devendo ser tão
grave que não possa ser resolvida por meios ordinários”: só
assim, é que se justifica o estado de sítio ou de emergência.

3.2. O problema da suspensão individual dos direitos,


liberdades e garantias

A suspensão individual dos direitos, liberdades e garantias,


diferentemente da do estado de sitio, estado de emergência e de guerra,
onde a suspensão é geral e abstracta, aqui a suspensão incide sobre
determinadas pessoas (de forma individual). Esta figura não tem
enquadramento no ordenamento jurídico-constitucional moçambicana, o
n°2 do artigo 72 da CRM estabelece que a suspensão ou limitação das
liberdades e garantias deve ter um carácter geral e abstracto. O n°3 do
artigo 56 estabelece no mesmo sentido: “as restrições legais dos direitos
e das liberdades devem revestir carácter geral e abstracto e não podem
ter efeito retroactivo”. Deste modo, qualquer restrição ou suspensão
individuais de liberdades é inconstitucional.

143
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1088.
144
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1088.
Universidade Católica de Moçambique 150

Por vezes, tem se assistido a invocação do estado de necessidade para


justificar a introdução do direito de necessidade simples, que é um
conjunto de preceitos infraconstitucionais reguladores de situações de
necessidade, no entanto, ainda assim, este direito deve sujeitar-se a duas
exigências: (a) não há fonte de legitimidade para regimes de excepção,
que não seja a Constituição, por isso, não é admissível o recurso a
princípios ou razoes extraconstitucionais para introduzir regimes
excepcionais;(b) o direito de necessidade simples deve conformar
material e formalmente com as normas constitucionais, podendo, com
base nestas, justificarem-se restrições (não suspensão) a direitos,
liberdades e garantias para salvaguarda de outros bens
145
constitucionalmente protegidos .

3.3. A disciplina constitucional dos estados de necessidade


constitucional
3.3.1. A competência para a declaração do estado de sítio ou
de emergência

Conforme referimos supra, o artigo 161 a) confere a competência de


declarar estados de necessidade ao Presidente da República; o artigo
179 n°2 g) confere a Assembleia da República o poder de sancionar a
suspensão de garantias constitucionais e a declaração do estado de
sítio ou estado de emergência. Não obstante excluir a competência de
sancionar a declaração do estado de guerra, pois só o Conselho
Nacional de Defesa e Segurança pode se pronunciar previamente (cf.
Artigo 269 al.a); (b) o Conselho Nacional de Defesa e Segurança
pronuncia-se sobre a suspensão das garantias constitucionais e a
declaração do estado de sítio e do estado de emergência (cf. Artigo
269 al. b). (c) o Conselho de Estado pronuncia-se obrigatoriamente
sobre a declaração de guerra, do estado de sítio ou do estado de
emergência, (cf. Artigo 166 al.b).

A competência do Presidente da República há-de justificar-se pelo facto


do mesmo, para além de ser o garante da Constituição, ser o

145
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1089-1090.
Universidade Católica de Moçambique 151

Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança (cf. Artigo 146 n°2


e 3 da CRM).

Entretanto, o acto declarativo do estado de necessidade, praticado pelo


Presidente da República tem natureza constitutiva e se insere no
procedimento de declaração, típico dos Estados constitucionais.

3.3.2. As restrições aos direitos fundamentais

As situações de necessidade constitucional implicam necessariamente a


possibilidade de restrições mais intensas dos direitos fundamentais, que
as restrições admitidas em condições de normalidade, para tal se tem
usado a suspensão colectiva de direitos. A este respeito, o artigo 56 n°4
da CRM estabelece que “as restrições dos direitos e das liberdades
devem revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito
retroactivo”.

Contudo, para evitar o uso abusivo dessa figura, a CRP (Constituição da


República Portuguesa de 1976), por exemplo dispunha o seguinte:

a) Proibição absoluta da suspensão de alguns direitos, liberdades e


garantias e de alguns princípios constitucionais: os direitos
fundamentais garantidos ou firmados contra a ditadura (direitos
invioláveis). Não encontramos uma disposição correspondente
na CRM, apesar dessa proibição poder resultar textualmente
implícita da CRM, por exemplo do artigo 40 que protege a vida.
b)
b).Exigência de especificação dos direitos, liberdades e garantias
afectados pela declaração do estado de necessidade. Também não
encontramos uma disposição idêntica na CRM.

c).Proibição do excesso, o que significa a restrição deve vincular-se aos


princípios da necessidade e proporcionalidade. Não encontramos uma
disposição explicitamente idêntica na CRM.
Universidade Católica de Moçambique 152

d).Limitação temporal. A CRM não fixa o prazo de duração da suspensão,


apenas determina que a declaração tenha um carácter temporário e
indique o prazo de duração.

3.3.3. O controlo parlamentar da declaração do estado de


necessidade

o artigo 179 n°2 g) confere a Assembleia da República o poder de


sancionar a suspensão de garantias constitucionais e a declaração do
estado de sítio ou estado de emergência, com excepção do estado de
guerra, pois relativamente ao estado de guerra só o Conselho Nacional de
Defesa e Segurança pode se pronunciar previamente (cf. Artigo 269 al.a);
(b) o Conselho Nacional de Defesa e Segurança pronuncia-se sobre a
suspensão das garantias constitucionais e a declaração do estado de sítio e
do estado de emergência (cf. Artigo 269 al. b). (c) o Conselho de Estado
pronuncia-se obrigatoriamente sobre a declaração de guerra, do estado de
sítio ou do estado de emergência, (cf. Artigo 166 al.b).

Contudo, independentemente do tipo de estado de necessidade que estiver


em causa, a Assembleia da República sanciona sempre a suspensão de
garantias constitucionais, nos termos do artigo 179 n°2 g) primeira parte.

Para além desse sancionamento da Assembleia da República, a este órgão


cabe também aprovar previamente uma lei que vai servir de base para o
acto que vier a suspender ou limitar as liberdades e garantias, conforme
resulta do n°2 do artigo 72 da CRM “sempre que se verifique suspensão
ou limitação de liberdades ou de garantias, elas têm um carácter geral e
abstracto e devem especificar a duração e a base legal em que assenta”. O
sublinhado é nosso. Isto por um lado.

Por outro lado, os números 3 e 4 do artigo 56 da CRM apenas admitem


restrições legais de direitos, liberdades e garantias.

Face a este regime de autorização legal e de controlo dos estados de


necessidade pela Assembleia da República, Gomes Canotilho diz não ser
incorrecto falar-se de parlamentarização do estado de sítio e de
Universidade Católica de Moçambique 153

emergência 146, uma vez que a Assembleia tem responsabilidade perante


esses estados. Até porque, nos termos do artigo 189 n°1 e 2 da CRM, a
Assembleia da República não pode ser dissolvida durante o estado de
sítio ou de emergência, sob pena de inexistência do acto de dissolução.

3.3.4. A intervenção governamental na declaração do estado


de sítio ou de emergência

No leque das competências do Conselho de Ministros de Moçambique


não se regista nenhum poder de intervenção no processo de declaração
dos estados de necessidade (cf. Artigo 204 da CRM). No entanto, pode
ser que do ponto de vista material o Conselho de Ministros intervenha,
uma vez que cabe ao mesmo garantir a ordem pública e o gozo dos
direitos e liberdades dos cidadãos (cf. Artigo 204 al. a) e b), o que
significa que caberá a esse órgão planificar e executar as medidas
decorrentes do estado de necessidade, quer do ponto de vista orçamental,
quer em termos de meios patrimoniais e humanos. Contudo, considerando
que formalmente o Conselho de Ministros não se pronuncia a respeito das
medidas do estado de necessidade, o que acresce ao facto do Presidente
da República ser ao mesmo tempo Chefe do Governo (se calhar essa
razão justifique a não intervenção do Governo para se pronunciar de um
acto declarado a ser declarado pelo seu próprio chefe). Cf. Artigos 146
n°3 e 160 n°1 da CRM.

Entretanto, países há em que o Governo assume um papel preponderante


no processo de declaração dos estados de necessidade, quando a
Constituição assim o defina e sobretudo nos casos em que o chefe do
Governo seja distinto do Presidente da República.

3.3.5. O controlo jurisdicional da declaração do estado de sítio


ou de emergência

A Constituição portuguesa de 1976 previa expressamente no artigo 19/6 a


proibição da suspensão dos direitos de defesa do arguido, e por
conseguinte, o direito de acesso à via juridiciária, o que significa que o
direito de necessidade não pode ser exercido no sentido de restringir o
direito de acesso aos tribunais. Significa também por essa via, a

146
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1093.
Universidade Católica de Moçambique 154

intervenção dos tribunais no controlo da aplicação das medidas


excepcionais.

Idêntica disposição legal não a encontramos no ordenamento jurídico


moçambicano. Entretanto, os tribunais podem agir no âmbito da
fiscalização difusa da constitucionalidade (cf. Artigo 214 da CRM)
relativamente ao acto normativo que tiver declarado o estado de
necessidade.

De igual modo, e em primeira linha, o Conselho Constitucional fiscaliza a


constitucionalidade e legalidade do acto normativo do Presidente da
República que declara o estado de necessidade, e fiscaliza também a lei
aprovada pela Assembleia da República que serve de base para a
declaração do estado de necessidade. Cf. Artigo 244 n°1 a) da CRM.

3.3.6. Responsabilidade
3.3.6.1. Responsabilidade política

Segundo Gomes Canotilho, as exigências de constitucionalidade e de


legalidade justificam a consagração de crimes de responsabilidade,
relativamente aos autores que, na execução da declaração do estado de
sitio ou de emergência, violem a lei geral da declaração, punindo-se
designadamente, a suspensão ou restrição ilícitas de direitos, liberdades e
garantias efectuados por qualquer titular de cargo político.

3.3.6.2. Responsabilidade civil

O direito de exigir a responsabilidade civil não deve, em princípio, se


suspenso, sob pena de esvaziar o direito fundamental à responsabilidade.
Nesta conformidade, os lesados pela suspensão ilegal ou ilícita dos seus
direitos e liberdades, podem exigir a responsabilidade civil, pelos danos
causados.

3.3.7. Vícios dos actos jurídicos expressos.

A CRM não prevê um regime especial do desvalor jurídico dos actos de


excepção, por isso, se aplica o regime geral das invalidades,
nomeadamente a inexistência, nulidade, anulabilidade e irregularidade.
Universidade Católica de Moçambique 155

Referência bibliográfica
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 1071-1096

Exercícios

Exercicios
1. Que entendes por:
a) Direito de necessidade constitucional?
b) Direito de necessidade simples?

2. Apresente diferenças entre:


a) Direito de necessidade constitucional e
estado de necessidade desculpante
b) Bill de idemnidade e Cláusula de plenos
poderes
c) Poderes implícitos e clausula de plenos
poderes
d) Constitucionalização do direito de
necessidade poderes implícitos.
e) Estado de guerra, estado de sítio e estado de
emergência

3. Comente:
a) “A constitucionalização do direito de
necessidade é um imperativo de um Estado de
Direito”.
b) “A figura do direito de necessidade só
começou a ser discutida a partir do fim da
Segunda Guerra Mundial”.
c) “O direito de necessidade constitui um assunto
peculiar do Direito Constitucional”.
d) “No ordenamento jurídico moçambicano
assiste-se a uma parlamentarização do estado
de sítio e do estado de emergência”.
e) “Os tribunais e o Conselho Constitucionais de
Moçambique não têm exercem qualquer
controlo aos actos de declaração dos estados
de necessidade”.
f) “O Governo de Moçambique tem um papel
fundamental no processo declarativo do estado
de necessidade”.
Universidade Católica de Moçambique 156

PARTE III
Universidade Católica de Moçambique 157

Unidade 10
INCONSTITUCIONALIDADE E
GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO
Introdução
Sobre a contitucionalidade e garantia da contituição abordaremos os
seguintes temas:
PLANO DE EXPOSIÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE E GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO
1. Inconstitucionalidade e garantia em geral
1.1. Inconstitucionalidade em geral
1.1.1. Noção ampla e restrita de inconstitucionalidade
1.1.2. Inconstitucionalidade das normas constitucionais
1.1.3. Inconstitucionalidade e ilegalidade
1.1.4. Inconstitucionalidade e hierarquia
1.1.5. Diferentes tipos e juízos de inconstitucionalidade
1.1.6. Inconstitucionalidade material e inconstitucionalidade formal e
orgânica
1.2. A garantia da constitucionalidade em geral
1.2.1. Norma jurídica e garantia
1.2.2. Garantia da constitucionalidade e garantia da constituição
1.2.3. Garantia e fiscalização
1.2.4. Critérios substantivos de fiscalização
1.2.5. Critérios processuais de fiscalização
1.2.6. Fiscalização difusa e concentrada
1.3. Consequências da inconstitucionalidade
1.3.1. Inconstitucionalidade e valores jurídicos
1.3.2. Inconstitucionalidade e responsabilidade civil do Estado
2. Sistema de fiscalização da constitucionalidade
2.1. Inserção histórica
2.2. Os grandes modelos ou sistemas típicos
2.3. Sistemas atípicos e mistos
2.4. As mais recentes tendências da fiscalização da constitucionalidade
Estado de direito e fiscalização jurisdicional
Ao completer esta unidade / lição, você será capaz de:

 Objectivos específicos:
 1) Identificar o sistema de garantia da constituição e de fiscalização
da constitucionalidade vigente em Moçambique;
Objectivos  2) Criticar o modelo de fiscalização da constitucionalidade
moçambicano;
Universidade Católica de Moçambique 158

INCONSTITUCIONALIDADE E
GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO

1. Inconstitucionalidade e garantia em geral

1.1. Inconstitucionalidade em geral


1.1.1. Noção restrita de inconstitucionalidade

A inconstitucionalidade é a relação de contrariedade que se estabelece


entre um acto político (na forma de acção ou de omissão) e uma norma
ou normas constitucionais. Há inconstitucionalidade quando um acto
público viola ou contrária uma norma ou mais de uma norma da
constituição.

O acto político positivo (por acção) é um acto que ou é praticado


quando não devia ser praticado, ou é praticado contra uma norma
constitucional.

Acto negativo (omissão), traduz-se na omissão (falta) de prática de um


acto cuja prática era imposta por uma norma constitucional. Trata-se da
inércia do poder político nos casos em que uma norma constitucional
mandava praticar um acto.

Entretanto, o acto politico, negativo ou positivo, tem de ser


necessariamente um acto infraconstitucional, designadamente uma lei
ordinária, um decreto-lei, um decreto do conselho de ministros, um
decreto presidencial ou um diploma ministerial. Esse acto poderá também
ser uma norma constitucional resultante de revisão constitucional, mas
nunca pode ser uma norma constitucional originária.
Universidade Católica de Moçambique 159

De acordo com Jorge Miranda, nos casos que o acto público contrariasse
toda a constituição, não estaríamos perante uma inconstitucionalidade,
mas diante de uma revolução ou uma anticonstitucionalidade.

É verdade que nos termos do número 4 do artigo 2 da CRM as normas


constitucionais sobrepõem-se sobre as demais normas do ordenamento
jurídico, o que significa que todos os actos infraconstitucionais devem
conformar-se com a CRM, já no artigo 244 n°1 a) da CRM fica claro que
os actos que estão sujeitos a fiscalização jurisdicional (ao ajuizamento da
inconstitucionalidade pelo Conselho Constitucional) são os actos
normativos (previstos no artigo 143 da CRM). Já o artigo 214 da CRM
proíbe aos tribunais a aplicação de leis (lei em sentido material) e
princípios ofensivos à CRM. Destes preceitos, resulta que ficam
excluídos do controlo jurisdicional de inconstitucionalidade por exemplo
os actos praticados por particular, para os quais, haverá outro regime de
controlo de legalidade.

Do artigo 244 da CRM não está prevista a fiscalização da


inconstitucionalidade das normas do direito internacional,
nomeadamente, os tratados e acordos internacionais, por ai se referir
apenas a actos normativos dos órgãos do Estado, o que afasta os tratados
e acordos internacionais que não são actos normativos dos órgãos do
Estado moçambicano e por não terem como fundamento de validade as
normas constitucionais. Porém, isso não significa que esses instrumentos
de direito internacional estejam absolutamente isentos de fiscalização em
Moçambique, como veremos adiante.

Outro aspecto a observar é a não previsão na CRM dos


mecanismos de fiscalização da constitucionalidade dos actos
omissivos. Da al.a) do nº1 do artigo 244 da CRM apenas se prevê a
fiscalização da inconstitucionalidade por acção, que se traduz na
situação em que determinada conduta normativa ordinária positiva
ofenda preceitos ou princípios constitucionais; neste caso, a
apreciação da inconstitucionalidade pelo Conselho Constitucional
consistirá em declarar nula a norma inconstitucional. A CRM não
consagra mecanismos de fiscalização da inconstitucionalidade por
omissão, que consistiria nas situações em que a inconstitucionalidade
decorre da falta de norma, ou resulta da disposição deficiente por
Universidade Católica de Moçambique 160

determinada norma sobre determinado assunto, casos em que a


apreciação da inconstitucionalidade consistiria em exigir ao legislador
que aprove a norma em falta. De facto, do elenco das competências do
Conselho Constitucional (artigo 244 CRM) não consta o poder de
notificar os órgãos legislativos para a produção de actos normativos,
decorrendo daí, a impossibilidade de fiscalização da
inconstitucionalidade por omissão. Esta posição é sufragada pelo
Acórdão nº02/CC/2007147, do Conselho Constitucional Moçambicano,

“(…) no caso do ordenamento jurídico, o regime de fiscalização ex


professo adoptado na Constituição da República, designadamente nos
artigos 244, nº1, al.a) e 245, nº 1, versa sobre inconstitucionalidade das leis
e ilegalidade dos actos normativos dos órgãos do Estado (…) as disposições
citadas, porque mencionam expressamente as leis, os actos normativos e os
diplomas como objecto de fiscalização, não habilitam a este Conselho
concluir, com segurança, da possibilidade de controlo de omissões
inconstitucionais (…)”

Com efeito, entre uma norma constitucional e um acto (ou


comportamento) político ou uma norma, pode-se estabelecer uma das
seguintes relações:

a) Uma relação directa: é aquela que afecta um acto ou


uma omissão, ou uma norma que esteja em relação
directa com a Constituição, ou que venha a estar em
relação directa com ela; ou seja, uma relação directa,
porque o acto publico do Estado (praticado no exercício
do poder politico, administrativo ou jurisdicional) ou uma
norma provém de um órgão constitucional, ou porque a
sua formação fundou-se na constituição. Dito doutro
modo, estabelece-se uma relação directa quando um
acto funda-se na constituição, por possuir os seus
pressupostos definidos na constituição.
b) Há também relação directa, quando um acto público
viola directamente uma norma constitucional,
nomeadamente, esteja em contradição com as regras de
fundo, de competência ou de forma definidas por uma

147
Acórdão nº02/CC/2007, de 20 de Junho, Processo nº 06/CC/07.
Universidade Católica de Moçambique 161

norma constitucional (não se trata de um acto público


que viola as regras de uma norma que, por sua vez,
funda-se na norma constitucional, pois neste caso seria
uma violação indirecta da constituição). Neste caso,
estaremos perante uma verdadeira inconstitucionalidade
ou inconstitucionalidade específica.
c) A desconformidade dos actos públicos com as normas
constitucionais indicada na alínea anterior, para que se
traduza em inconstitucionalidade é necessário que seja
uma relação de desconformidade e não de mera
incompatibilidade; essa desconformidade terá como
efeito a invalidade das normas ou actos desconformes à
constituição.
d) Quando forem normas do direito internacional que
infraconstitucionais que estejam em desconformidade
com a constituição, a consequência será a de ineficácia
(não produção de efeitos, e não de invalidade.

1.1.2. Inconstitucionalidade de normas constitucionais

Pode haver inconstitucionalidade das normas supervenientes em relação


`as preexistentes, uma vez que as supervenientes decorrem dessas.
Também pode haver inconstitucionalidade das normas constitucionais de
revisão sempre que as normas de revisão ou oriundas de revisão forem
contrárias às normas originárias da constituição, uma vez que a revisão
funda-se formal e materialmente na Constituição. Ou seja, podem ser
inconstitucionais, quer as normas de revisão constitucional ou resultantes
da revisão constitucional, quer as normas supervenientes.

No entanto, já não é possível haver uma inconstitucionalidade das normas


constitucionais originárias, uma vez que, estando todas as normas
constitucionais num mesmo plano e formando conjuntamente a
Constituição formal e material, e sendo todas as normas constitucionais
originárias oriundas do mesmo autor constituinte e na mesma altura, seria
inconcebível que uma das normas fosse inconstitucional por contrariar-se
a outra, com afirma Jorge Miranda “seria incongruente invocar a própria
Universidade Católica de Moçambique 162

Constituição para justificar a desobediência ou a insurreição contra as


suas normas (…) no interior da mesma constituição originária, obra do
mesmo autor constituinte – originário -, não divisamos como possam
surgir normas inconstitucionais. Nem vemos como órgãos de fiscalização
instituídos por esse poder seriam competentes para apreciar e não
aplicar, com base na constituição, qualquer das suas normas. É o
principio de identidade ou de não contradição que o impede (…) não
pode haver inconstitucionalidade da constituição.”148

É óbvio que uma norma constitucional originária pode dispor de forma


contrária ao espírito e aos princípios tendencialmente concebidos pelas
restantes normas constitucionais originárias, mas isso não origina a
inconstitucionalidade da norma constitucional originária, poderá suscitar
uma interpretação ou correctiva ou ab-rogante, por incompatibilidade.

Pode efectivamente suceder que determinada norma constitucional


originária seja contrária ao princípio da justiça, mas neste caso, o
problema será o da injustiça da norma e não da inconstitucionalidade da
mesma. Questão diferente é a de saber se o juiz pode ou não apreciar a
injustiça dessa lei, nomeadamente, os juízes podem se recusar a aplicar
essa norma constitucional ao abrigo do artigo 214 da CRM? Entendemos
que não cabe no artigo 214 a possibilidade dos juízes se recusarem a
aplicar uma norma constitucional, pois neste preceito impõe-se apenas o
dever dos tribunais não aplicarem normas que ofendem a constituição,
que não é o caso. Podem sim, os tribunais se recusarem de aplicar essa
norma, invocando os princípios gerais supra constitucionais.

1.1.3. Inconstitucionalidade e ilegalidade

O termo legalidade pode-se usar para referir ao mérito ou conformidade


do poder com o Direito a que esse poder se subordina. É o que pode
resultar do artigo 3 da CRM onde se refere que a República de
Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de
expressão, na organização politica democrática, no respeito e garantia dos
direitos e liberdades fundamentais do Homem”, para significar que a
legalidade do Estado seria a vinculação deste ao regime do Estado de

148
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 319-320.
Universidade Católica de Moçambique 163

direito democrático, que implica, dentre outros, a submissão aos


princípios democrático, de legalidade (stricto sensu), etc.

Pode-se falar outrossim em legalidade para referir à relação de


conformidade que se estabelece entre um acto público com uma norma do
direito ordinário. E no caso de desconformidade com o direito ordinário
resultaria a ilegalidade do acto contrário. Já a inconstitucionalidade seria
a desconformidade das leis ordinárias com as normas constitucionais,
sendo a constitucionalidade, a conformidade da norma ordinária com a
constituição. É este o sentido que aqui interessa.

Assim, o acto do poder pode ofender tanto a constituição, passando a ser


inconstitucional, quanto uma norma ordinária, o que se designa por
ilegalidade. Será inconstitucional o acto do poder que, encontrando os
seus pressupostos directamente da Constituição, viole esses pressupostos.
Será ilegal o acto do poder que, baseando a sua validade numa norma
ordinária, viole essa norma.

As dificuldades de qualificação, se o acto do poder é inconstitucional ou


ilegal, podem se colocar nos casos em que esse acto encontre
fundamento, em parte na Constituição (exemplo quanto à competência e
forma) e em parte na lei ordinária (exemplo, quanto ao conteúdo que a
norma deve ter). Trata-se das situações em que, por exemplo,
estabelecendo a constituição que certo acto do poder deva subordinar-se a
uma norma inconstitucional, esse acto viole a lei ordinária, o que vai
significar consequentemente a violação da própria constituição.
Exemplos: a subordinação dos actos da Assembleia da República ao seu
regimento, a limitação dos regulamentos produzidos pelas autarquias
locais aos actos normativos produzidos pelas autoridades tutelares.

Outro caso complexo de qualificação é o que decorre das leis de valor


reforçado (por exemplo, leis de autorização legislativa e as leis de base)
em relação aos respectivos decretos-leis: neste caso, a constituição
estabelece que os decretos-leis são produzidos mediante uma autorização
legislativa que fixe o âmbito, contudo e limites: se o decreto-lei violar as
balizas fixadas pela lei da autorização legislativa, está a violar essa lei e
consequentemente a Constituição: ilegalidade e inconstitucionalidade ao
mesmo tempo? O caso paradigmático é o Decreto-Lei 1/2011, que aprova
o Código da Estada, o qual prevê penas de prisão, que não constam da lei
Universidade Católica de Moçambique 164

de autorização legislativa, a Lei 5/2011, de 11 de Janeiro, e a questão é a


de saber se o Decreto-Lei 1/2011 é ilegal por violar a Lei 5/2011, ou é
inconstitucional por violar 143 n°3, 180, 181 da CRM?

Segundo Jorge Miranda, esses casos configuram uma ilegalidade (ou


ilegalidade sui generis) e não uma inconstitucionalidade, uma vez que a
contradição se dá directamente entre uma norma ordinária (ou de valor
reforçado) e outra norma também ordinária. Não há contradição directa
entre a norma ordinária e a constituição, pois a inconstitucionalidade só é
indirecta, porquanto a norma ordinária chega a vilar a constituição, pelo
facto de ter violado a norma ordinária de valor reforçado. Aliás,“não
havendo regulamentação directa das matérias pela Constituição, não se
justifica falar em inconstitucionalidade. Somente haverá
inconstitucionalidade, se ocorrer ofensa de outra norma – de fundo, de
competência ou de forma-constitucional”149.

Com efeito, do relacionamento entre a norma constitucional, norma legal


e norma regulamentar (incluindo aqui regulamentos de execução e
regulamentos autónomos), podem surgir as seguintes situações:

1ª) A norma legal é constitucional, a norma regulamentar é legal: aqui


há harmonia entre os princípios, pois a norma regulamentar está em
conformidade com a norma legal de que se serve de base, e esta, por sua
vez, está em conformidade com a constituição.

2ª) A norma legal é constitucional, a norma regulamentar é ilegal:


neste caso, prevalece a norma legal, decretando-se a ilegalidade da norma
regulamentar.

3ª) A norma legal é inconstitucional, a norma regulamentar é legal:


neste caso, a norma legal é que é ofensiva à constituição, entretanto, a
norma regulamentar não ofende nenhuma norma da constituição. Para
Jorge Miranda, ainda que a norma regulamentar não ofenda a
constituição, a mesma não poderá subsistir, devido ao seu carácter de
acessoriedade em relação à norma legal, contudo, a norma regulamentar
não poderá ser impugnada, na medida em que atacar o regulamento
equivale a atacar a norma legal. Entretanto, sendo declarada a
149
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 328-329.
Universidade Católica de Moçambique 165

inconstitucionalidade da lei ordinária, a norma regulamentar, ainda que


não ofensiva à constituição, fica sem base, à menos que seja um
regulamento autónomo (e não simples regulamento executivo). O caso
pragmático moçambicano dá-se em relação as povoações como unidade
territorial inferior à localidade, pois, a CRM artigo 7 prevé a povoação
como unidade territorial inferior à localidade, a Lei 8/2003, de 29 de
Maio não prevê as povoações, entretanto, esta lei foi regulamentada pelo
Decreto 11/2005 de 10 de Junho que prevê as povoações nos artigos 8 e
9.

4ª) A norma legal é inconstitucional, a norma regulamentar é ilegal:


não se pode cogitar que sendo declarada a inconstitucionalidade da norma
legal inconstitucional, a norma regulamentar ilegal passará
automaticamente a ser constitucional, pois “em lógica jurídica (…) o
ordenamento não admite saltos na hierarquia; (…) uma norma de grau
superior não podo consumir a força de fundamento de validade
desempenhada por uma norma de grau intermédio relativamente a uma
norma de grau inferior; (…) o princípio da legalidade dos regulamentos
não se compadece com a pretensa constitucionalidade de um
regulamento ilegal, seja qual for o seu conteúdo”150.

Entretanto, se for um regulamento autónomo ou constitucionalmente


independente: regulamentos que baseiam-se directamente na constituição
e não por via de lei ordinária, não se colocam quaisquer problemas, pois
se forem contrários à constituição serão inconstitucionais.

1.1.4. Inconstitucionalidade e hierarquia

A Constituição prevalece sobre as normas que imediatamente a seguem.


Estas sobrepõem-se sobre as restantes normas infraconstitucionais que
entretanto não se subordinam directamente à constituição. As normas
sobre a produção jurídica prevalecem sobre as normas de produção
jurídica. Os actos normativos sobrepõem-se aos actos concretos por si
regidos. As leis sobrepõem-se aos regulamentos. Os actos de função
jurisdicional e politica sobrepõem-se aos actos de função administrativa.

150
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 331-332.
Universidade Católica de Moçambique 166

A hierarquia entre as normas em Moçambique pode se estabelecer da


seguinte forma: a Constituição ocupa uma posição suprema sobre todas
as restantes normas do ordenamento.

As normas de valor acrescentado sobrepõem-se às normas ordinárias,


estas sobrepõem-se aos decretos do conselho de ministros. Os decretos do
Conselho de Ministros prevalecem sobre os diplomas ministeriais.

1.1.5. Diferentes tipos e juízos de inconstitucionalidade

A inconstitucionalidade resulta de um vício, mas ela própria não é um


vício. A inconstitucionalidade pode determinar uma invalidade, mas não
necessariamente. Os tipos de inconstitucionalidade ou juízos de
inconstitucionalidade a apontar são: inconstitucionalidade por acção ou
por omissão, inconstitucionalidade total ou parcial, inconstitucionalidade
material ou formal, orgânica, inconstitucionalidade originária ou
superveniente, inconstitucionalidade presente ou pretérita,
inconstitucionalidade antecedente ou consequente.

i) Inconstitucionalidade por acção ou positiva: consiste na prática


de um acto jurídico-público contrário à constituição;
b) Inconstitucionalidade por omissão ou negativa: consiste em um
órgão do poder público deixar de praticar, durante determinado
período, um acto exigido pela constituição. Trata-se de uma inércia
ou silêncio de um órgão que, pela constituição, era lhe imposto o
dever de produzir uma norma num certo momento. A
inconstitucionalidade por omissão pode ser total quando se
verifica uma falta absoluta de produção de medidas legislativas
impostas pela Constituição ou falta de medidas destinadas a
conferir exequibilidade a uma norma constitucional ou a um dever
prescrito por uma norma constitucional, ou seja, é total, quando o
órgão que tem dever de agir, nada faz. A inconstitucionalidade
negativa é parcial quando a omissão é relativa apenas a alguns
aspectos do dever constitucionalmente imposto ou houve
cumprimento parcial em relação a alguns destinatários.
Universidade Católica de Moçambique 167

c) Inconstitucionalidade total: quando é toda a norma que é


inconstitucionalidade e não apenas parte dela; ou quando é todo o
diploma legal que é inconstitucionalidade, e não apenas alguns dos
seus preceitos. Também pode se falar de inconstitucionalidade
total para referir que determinado acto público é inconstitucional
por todo o tempo, e não apenas por certo tempo.
d) Inconstitucionalidade parcial: a que afecta uma parte do
diploma legal ou de uma norma. Também pode se falar de
inconstitucionalidade parcial para referir que determinada norma
ou certo diploma legal é inconstitucional durante algum tempo.
e) Inconstitucionalidade material: diz respeito ao conteúdo;
quando o conteúdo de um acto público é contrário ao conteúdo de
uma norma constitucional. Há inconstitucionalidade material
quando se ofende uma norma constitucional de fundo. A
inconstitucionalidade material pode ser total ou parcial, consoante
se todo o conteúdo do acto público é contrário com o conteúdo de
uma norma constitucional, ou se apenas parte do acto público é
que contraria a constituição.
f) Inconstitucionalidade formal: a que diz respeito, não ao
conteúdo, mas sim à forma do acto, designadamente, quando o
acto público não obedeceu às formas e formalidades exigidas pela
constituição. Quando há ofensa de uma norma constitucional de
forma ou de processo. Exemplo, quando um acto do poder público
decrete o estado de sítio sem observar o formalismo exigido na
Constituição. A inconstitucionalidade formal pode ser total ou
parcial, consoante se houve preterição de todo o formalismo
processual ou apenas parte dele.
g) Inconstitucionalidade orgânica: quando há ofensa de uma
norma constitucional de competência. Exemplo, quando o Conselho
de Ministros pratique um acto que cabe nas competências
exclusivas do Presidente da República (ex: nomeação de Reitores de
universidades públicas). A inconstitucionalidade orgânica pode ser
total ou parcial, consoante se o acto público foi todo ele praticado
por um órgão se competência, ou se apenas certos actos desse acto
Universidade Católica de Moçambique 168

público é que foram praticados por quem não tinha competência.


No que diz respeito ao relacionamento entre a
inconstitucionalidade formal, orgânica e material, tem se discutido,
nos casos em que um acto padeça simultaneamente de
inconstitucionalidade orgânica (formal) e material, ao serem
apreciadas essas inconstitucionalidades, deverá dar-se precedência
à inconstitucionalidade material sobre a formal ou o contrário. A
este respeito, diz Jorge Miranda que “cremos que a precedência
lógica e ontológica tem de pertencer aos elementos substanciais.
Outra não pode ser a maneira de encarar a função da norma
jurídica, cujos valores penetram e se inserem no ordenamento
humano, sem se limitarem aos seus aspectos formais e
exteriores”151.
h) Inconstitucionalidade originária: verifica-se quando, durante a
vigência de uma norma constitucional, é emanada uma norma
contrária àquela norma constitucional (inconstitucionalidade
originária positiva). Ou quando durante a vigência da norma
constitucional, se verifica a emissão de uma determinada norma
exigida pela constituição (inconstitucionalidade originária
negativa).
i) Inconstitucionalidade superveniente: verifica-se quando,
durante a vigência de uma certa norma ordinária, entra em vigor
uma nova norma constitucional que vai dispor de forma contrária
àquela norma ordinária. Neste caso, a norma ordinária torna-se
supervenientemente inconstitucional (inconstitucionalidade
material superveniente).
k) Inconstitucionalidade presente: quando um determinado acto
público é inconstitucional face a uma norma constitucional vigente.
Trata-se de uma inconstitucionalidade actual. Também pode
significar a inconstitucionalidade de uma norma infraconstitucional
ainda em vigor.
k) Inconstitucionalidade pretérita: trata-se de uma
inconstitucionalidade perante uma norma constitucional que já não

151
Universidade Católica de Moçambique 169

está em vigor: inconstitucionalidade póstuma. Por exemplo, se


determinada norma ordinária era contrária à uma norma
constitucional, com a revisão constitucional que resulta na
revogação daquela norma constitucional, a norma ordinária
continua inconstitucional a título póstumo. Também pode significar
a inconstitucionalidade de uma norma infraconstitucional que já
não está em vigor; por exemplo, o § 2 a) do artigo 291 do CPP foi
tacitamente revogado nos termos do artigo 305 da CRM, no
entanto, nalguns casos continua a ser aplicado por alguns
magistrado moçambicanos, o que suscita a necessidade do
Conselho Constitucional declarar a sua inconstitucionalidade
pretérita, com efeitos ex tunc (desde o início).
l) Inconstitucionalidade antecedente: é que resulta do confronto
directo e imediato entre a norma legal ou acto público com a
constituição.
m) Inconstitucionalidade consequente: é resultante da
inconstitucionalidade antecedente. Trata-se por exemplo, dos casos
em que um acto torna-se inconstitucional, porque a norma legal de
que se serve de base é inconstitucional. Exemplo: um regulamento
administrativo executivo de uma norma legal inconstitucional.

1.2. A garantia da constitucionalidade em geral


1.2.1. Norma jurídica e garantia

Uma coisa é norma jurídica, a qual continua a ser norma jurídica


independentemente de haver garantia da sua observância, o que significa
que não é a garantia que torna a norma, norma jurídica. A garantia é um
mecanismos acessório para assegurar a efectividade da norma, para
assegurar que a norma exerça a sua função. Deste modo, a garantia está
fora da norma garantida, e constitui um reforço à norma garantida.

Entretanto, é preciso notar que a garantia necessita obrigatoriamente de


uma norma, pois ela não pode existir fora de qualquer norma: a garantia é
exprimida por uma norma jurídica, “a norma de garantia”, pois, “o
conteúdo e o sentido de uma norma não se garantem de per si, garantem-
Universidade Católica de Moçambique 170

se através do conteúdo e do sentido de outra ou outras normas. Donde


normas jurídicas garantidas e normas jurídicas de garantia”152.

As normas jurídicas garantidas são as que são reforçadas por outras,


pelas normas jurídicas de garantia. Já as normas jurídicas de garantia
são as que visam assegurar ou reforçar a efectividade das normas
jurídicas (garantidas). As normas jurídicas de garantia ainda podem ser
garantidas por outras normas jurídicas.

Assim, porque as normas constitucionais substantivas podem ser


violadas, por acção ou por omissão, são acompanhadas por normas
constitucionais adjectivas. “A inconstitucionalidade corresponde
153
garantia da constitucionalidade” .

1.2.2. Garantia da constitucionalidade e garantia da constituição

Garantia da constitucionalidade significa que, relativamente a


comportamento de órgãos políticos subordinados directamente à
constituição, prevalece a norma constitucional directamente relacionada
com aquele comportamento.

A garantia da constitucionalidade reverte-se em garantia da constituição,


quando esta é considerada como um todo, pois a violação de uma norma
constitucional significa a violação da constituição, porquanto, “do
cumprimento ou incumprimento das normas constitucionais – em
qualquer caso, avulso – depende a integridade ou não da Lei
Fundamental (…) não há garantia da constitucionalidade desprendida
da respectiva Constituição –formal e material – oi incongruente com os
seus princípios”154 .

Assim, a garantia da constitucionalidade é a garanti da efectividade de


normas constitucionais (de todas e de cada uma delas). Da garantia da
constitucionalidade podem-se distinguir: (i) as formas de defesa da
constituição (que são as garantias da constituição no seu conjunto, ou
dum ou outro instituto da constituição), e (ii) as sanções constitucionais.

152
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 349-350.
153
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 350.
154
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 351.
Universidade Católica de Moçambique 171

Entre as formas de defesa ou garantias preventivas da constituição


podem se apontar: o juramento dos titulares de cargos públicos (artigo
150 da CRM), a proibição de partidos políticos contrários à constituição
(artigo 74 e 75 da CRM), o estado de excepção ou de necessidades e
regras de organização adequadas durante o período do estado de
necessidade (artigo 72 da CRM), a proibição de revisão constitucional
(artigo 294 da CRM) e de dissolução da Assembleia durante o estado de
necessidade (artigo 189 da CRM), as incompatibilidades de cargos
públicos (artigos 219, 172, 149 da CRM).

As sanções constitucionais ou garantias repressivas são dirigidas aos


titulares de órgãos do poder pela prática de actos ilícitos ou,
inconstitucionais ou ilegais, no exercício das suas funções. São medidas
sancionatórias aplicáveis aos titulares de cargos públicos ou aos órgãos
de soberania em casos de violação da constituição. Exemplo: a
responsabilidade criminal e civil desses titulares (artigos 153, 154, 174,
175 da CRM), a perda de mandato de deputados (artigo 178 da CRM), a
dissolução da Assembleia da Republica (artigo 188 da CRM), etc.

1.2.3. Garantia e fiscalização

A garantia da constituição pode ser feita através de meios individuais


(exemplo, o cidadão pode exercer o direito de resistência, previsto no
artigo 80 da CRM), por meios orgânicos (sendo órgãos de soberania a
controlar o comportamento doutros órgãos de soberania, por formas a
permitir que a conduta desses seja consentânea com a Constituição) e
garantia institucional (quando é feita em forma de fiscalização).

É óbvio que, a garantia individual é menos relevante quando se trata de


assegurar que os órgãos do poder se comportem conforme a constituição,
pois “contra o poder só o poder, em ultimo temo, consegue
prevalecer”155.

Contudo, o conceito de fiscalização não é de todo coincidente com o da


garantia, porquanto,

155
Montesquieu. apud MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional:
constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996,
pp. 353.
Universidade Católica de Moçambique 172

(i) A garantia da constituição pode ocorrer de diversas formas que


não sejam apenas a fiscalização, desde que tais formas
assegurem a efectividade das normas constitucionais; a
aliás, a fiscalização pode conceber-se exclusivamente ao
serviço da garantia, casos em estaremos perante a
fiscalização da constitucionalidade (tal como prevista nos
artigos 241 e ss da CRM). A garantia é um fim visado pela
fiscalização.
(ii) Entretanto, a fiscalização é um sistema, um aparelho orgânico,
um meio institucionalizado ou um processo criado para
assegurar a garantia da constituição. A fiscalização é um
meio para atingir a garantia, é uma actividade destinada a
obter o resultado que é a garantia da constituição. A
fiscalização pode operar fora do contexto exclusivo de
garantia, como ensina Jorge Miranda, “a garantia é mais que
a fiscalização, assim como a fiscalização existe para mais do
que para a garantia. Pode haver uma fiscalização ao serviço
da garantia – é a fiscalização da constitucionalidade (…)
pode haver uma fiscalização independente da garantia –
assim como a fiscalização de um órgão sobre outro, em
especial quando os seus titulares são perante ele
responsáveis (como é o do Presidente da Republica perante a
Assembleia da República)”156. Contudo, a fiscalização da
constitucionalidade pode classificar-se ao objecto da
fiscalização, aos órgãos, ao tempo, às circunstâncias, aos
interesses relevantes no processo e `a forma processual.
Com efeito, cabem no direito constitucional a classificação
quanto ao objecto, aos órgãos e ao tempo, ao passo que as
restantes classificações cabem no direito constitucional
adjectivo.

156
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 353.
Universidade Católica de Moçambique 173

1.2.3.1. Critérios
substantivos
de fiscalização

Os critérios substantivos da fiscalização atendem ao objecto, aos órgãos


e ao tempo.

a) Quanto ao objecto: a fiscalização da constitucionalidade define-


se pelo objecto sobre que incide, ou seja, pelo tipo de
comportamento a ser fiscalizado (que pode ser uma omissão ou
uma acção positiva), pelos elementos ou vícios de que o acto
fiscalizado padece. Assim, quanto ao objecto, a fiscalização pode
incidir sobre actos ou apenas normas de um diploma legal, pode
incidir sobre totó o diploma legal, pode ser uma fiscalização de
inconstitucionalidade material, formal ou apenas orgânica.
Trata-se no fundo de saber “o que está sendo fiscalizado: úm
acto positivo? Uma omissão? Um diploma legal na sua
globalidade ou apenas alguns artigos desse diploma, etc”.
b) Quanto aos órgãos ou sujeitos da fiscalização: trata-se de definir
que tipos de órgãos realizam a fiscalização. Assim, pode se falar
de (+) fiscalização de órgãos comuns ou por órgãos especiais (+)
fiscalização por órgãos por órgãos políticos e por órgãos
jurisdicionais ou até por órgãos políticos, jurisdicionais e
administrativos, (+) fiscalização difusa e concentrada.
(i) Fiscalização por órgãos comuns: é a fiscalização que é feita por
órgãos que não foram especialmente criados para fiscalizar
a constitucionalidade, pois têm outras funções, entretanto,
dessas funções não se exclui a da garantia da constituição. É
a fiscalização feita pela Assembleia da República, pelo
Presidente da República, pelos tribunais comuns.
(ii) Fiscalização por órgãos especiais: é a que é feita por órgãos que
têm competências especiais para o efeito; exemplo o
Conselho Constitucional moçambicano.
(iii) Fiscalização política: a que é feita por órgãos políticos (que têm
função política). Esta normalmente é concentrada.
Universidade Católica de Moçambique 174

(iv) Fiscalização administrativa: feita por órgãos com função


administrativa. Em regra, é uma fiscalização difusa.
(v) Fiscalização jurisdicional: a que é feita pelos tribunais, e pode
ser difusa ou concentrada.
(vi) Fiscalização difusa: a que é feita por uma pluralidade de órgãos.
Nos casos em que a Constituição prevê que mais de um
órgão fiscalizem a constitucionalidade. Exemplo, o artigo
214 da CRM estabelece que os tribunais não devem aplicar
normas inconstitucionais.
(vii) Fiscalização concentrada: é feita por um só órgão com
competência específica para o efeito. É o caso do Conselho
Constitucional.
c) Quanto ao tempo: a fiscalização pode ser preventiva ou
sucessiva.
(i) Fiscalização preventiva: é feita antes da conclusão do processo
de produção do acto fiscalizado. Por exemplo, nos termos
do artigo 246 da CRM, o Presidente da República, antes de
promulgar uma lei pode submete-la ao Conselho
Constitucional para efeitos de fiscalização preventiva.
(ii) Fiscalização sucessiva: a que é feita depois do acto fiscalizado
ter sido integralmente produzido, designadamente depois
da publicação do texto da norma no Boletim da República.
Exemplo, o Conselho Constitucional pronunciou-se
recentemente sobre a inconstitucionalidade de alguns
preceitos do CPP.
d) Quanto às circunstâncias ou modo como se manifesta a
fiscalização: a fiscalização pode ser abstracta ou concreta.
(i) Fiscalização abstracta ou em tese: é uma fiscalização normal,
não incidental, pois é “a que se dirige aos comportamentos
dos órgãos do poder publico ou às normas, em si, por aquilo
que significam na ordem jurídica, independentemente da
sua incidência em quaisquer relações ou situações da vida”.
Verifica-se naqueles casos que, sem que esteja em curso
qualquer processo judicial ou administrativo distinto, o
Universidade Católica de Moçambique 175

Conselho constitucional é solicitado a declarar a


inconstitucionalidade de uma norma (cf. Artigos 244 e 245
da CRM). A fiscalização abstracta tem força obrigatória
geral.
(ii) Fiscalização concreta: é aquela que decorre da invocação da
inconstitucionalidade num caso concreto. Exemplo, se um
tribunal se recusa a aplicar uma norma alegando que a
mesma é inconstitucional (nos termos do artigo 247 da
CRM, cabe recurso ao Conselho Constitucional para efeitos
de apreciação dessa inconstitucionalidade). É uma
fiscalização incidental, pois aparece como uma situação que
surge num processo em que o objecto principal não é a
apreciação da inconstitucionalidade. E essa fiscalização só
tem efeitos jurídicos para o caso concreto no qual foi
suscitada.

1.2.3.2. Critérios
processuais de
fiscalização

Os critérios processuais ou adjectivos permitem classificar a fiscalização


quanto aos interesses subjacentes à fiscalização, quanto ao objecto do
processo e quanto à forma processual.

a) Quanto aos interesses subjacentes à fiscalização: a fiscalização


pode ser subjectiva ou objectiva
(i) Fiscalização subjectiva: verifica-se nos casos em, com a
fiscalização poderão surtir benefícios a determinadas
pessoas. Normalmente ocorre em situações em que a
violação de certas normas constitucionais represente
uma lesão aos direitos e interesses de certas pessoas,
por isso, uma vez declarada a inconstitucionalidade esta
aproveita àquelas pessoas. Contudo, feita a fiscalização
subjectiva, consegue-se consequentemente a
fiscalização objectiva.
Universidade Católica de Moçambique 176

(ii) Fiscalização objectiva: quando não visa a satisfação de


nenhum interesse de pessoas, mas sim, para assegurar a
normalidade objectiva da constitucionalidade.
(iii) Segundo Jorge Miranda, uma constituição apresenta
sempre uma fiscalização subjectivista e objectivista,
“cada sistema propende para certo sentido, realça mais
uma face sem realçar a outra, estrutura-se com o centro
ou nos direitos ou posições constitucionais dos sujeitos
ou na constitucionalidade como valor em si”157.
b) Quanto ao objecto do processo (jurisdicional): a fiscalização
pode ser incidental ou principal.
(i) Fiscalização incidental: é que se verifica num processo
cujo objecto principal é distinto do da garantia da
constituição, entretanto, a inconstitucionalidade
aparece como uma questão prejudicial (uma questão de
índole substantiva cuja decisão prévia condiciona o
conhecimento e decisão da causa principal). A
inconstitucionalidade é uma questão prejudicial que é
suscitada incidentalmente num processo.
(ii) Fiscalização principal: a inconstitucionalidade é a
questão principal, é o objecto do processo, pois o fim
em causa é a garantia da constituição.
c) Quanto à forma processual: fiscalização por via de excepção e
fiscalização por via de acção.
(i) Fiscalização por via de excepção: verifica-se quando, estando
em curso determinado processo jurisdicional, se suscita no
mesmo processo, a inconstitucionalidade. E esta pode ser
suscitada por uma das partes intervenientes com vista a
lograr a procedência ou não da acção principal. A
fiscalização por via de excepção corresponde à fiscalização
incidental.

157
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 357.
Universidade Católica de Moçambique 177

(ii) Fiscalização por acção: “é a tradução processual do direito ou do


poder de desencadear um processo com vista a determinado
fim158”. Essa fiscalização corresponde a fiscalização principal.
(iii) Há ainda a fiscalização oficiosa da inconstitucionalidade: nos
casos em que, o tribunal conhece por sua própria iniciativa a
inconstitucionalidade, sem que esta tenha sido suscitada por
outras entidades.

1.2.3.3. Fiscalização
difusa e
concentrada

Fiscalização difusa: é concreta, predominantemente subjectiva e


incidental e normalmente faz-se por de excepção, excepto nos casos em
que um cidadão se dirija ao tribunal exigir um direito invocando, para o
efeito, a inconstitucionalidade de uma normas, com a convicção de que
uma vez declarada a inconstitucionalidade, o seu direito será
imediatamente atendido (neste caso, a fiscalização difusa e concreta deixa
de ser por via de excepção).

A decisão na fiscalização difusa se esgota no caso concreto, e não tem


efeitos externos, pois é inter partes, ou seja, apenas se declara a
inconstitucionalidade de uma certa norma para aquele caso concreto que
está em tribunal, o que significa que a decisão da inconstitucionalidade
não vincula outros casos ou processos.

Fiscalização concentrada: é uma fiscalização abstracta, principal e


objectiva e realiza-se por via de acção ou de recurso. Em regra, tem
efeitos erga omnes, isto é, efeitos gerais, pois uma vez declarada a
inconstitucionalidade, o preceito assim declarado é tido como
inconstitucionalidade para todos os restantes casos presentes e futuros: a
decisão tem força obrigatória geral.

É verdade que alguns autores entendem que a natureza “erga


omnes”(força obrigatória geral) das decisões sobre a
inconstitucionalidade em sede de fiscalização concentrada, transforma
158
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 358.
Universidade Católica de Moçambique 178

essas decisões jurisdicionais em decisões legislativas, pois “anular uma


lei seria ainda editar uma norma geral, editá-la com sentido negativo”.
Quer o órgão jurisdicional que anula a lei (o fiscalizador) quer o órgão
legislativo ordinário (fiscalizado), seriam ambos legislativos, entretanto,
o fiscalizador apareceria ainda com estatuto jurisdicional. Entretanto,
Jorge Miranda contesta este posicionamento, sustentando que “desde que
o tribunal não possa conhecer de qualquer questão de
inconstitucionalidade senão a requerimento de outra entidade (princípio
do pedido), desde que não possa modificar as suas decisões e desde que
os seus titulares tenham o estatuto e gozem das garantias de
independência dos juízes, deve reconhecer-se-lhes natureza
159
jurisdicional ”.

De todo o modo, a fiscalização da constitucionalidade obedece a regras,


formalismo e ritualismo próprios previamente estabelecidos pela
Constituição, o que se designa por processo constitucional.

1.3. Consequências da inconstitucionalidade


1.3.1. Inconstitucionalidade e valores jurídicos

A Constituição é o fundamento do poder politico, e portanto, fundamento


de validade substancial e formal de todos os actos desses órgãos (cf.
Artigo 2 n°4 da CRM), daí que o acto que lhe for contrário, torna-se
inválido. A invalidade não se apresenta de uma mesma forma em todos os
casos de contrariedade com a constituição, há pois pluralidade de valores
jurídicos negativos dos actos inconstitucionais, isto é, os actos
inconstitucionais podem ser valorados negativamente de várias formas,
que adiante as apresentaremos.

Com efeito, para que um acto (normativo ou não) esteja em conformidade


com a Constituição, deve reunir os seguintes requisitos:

a) Requisitos de qualificação: traduz-se na exigibilidade de um acto


público deva se identificar ou apresentar-se numa das seguintes
formas: lei de revisão constitucional, lei, decreto-lei, decreto do
conselho de ministros, decreto presidencial, referendo, etc. são

159
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 362.
Universidade Católica de Moçambique 179

requisitos de identificação do acto com cada um dos tipos de


actos indicados na constituição. Esses requisitos prevalecem
sobre os demais. A violação dos requisitos de qualificação
implica a inexistência do acto infractor, isto é, um acto que não
se identifique com nenhum tipo indicado na constituição, este
acto é inexistente.
b) Requisitos de validade stricto sensu: são requisitos de plena
integração do ano normativo no ordenamento positivo. São os
que tornam o acto apto a produzir efeitos jurídicos. A violação
dos requisitos de validade stricto sensu é sancionada com
invalidade do acto violador, isto é, um acto público que não
obedeça os requisitos de validade é inválido.
c) Requisitos de regularidade: “requisitos de adequação do acto a
regras constitucionais, independentemente da produção dos
seus efeitos”. Um acto que não obedece os requisitos de
regularidade, é irregular: trata-se de mera irregularidade160.
d) Já os requisitos de eficácia são os exigidos para a realização
prática dos efeitos do acto; a eficácia é a efectiva produção de
efeitos jurídicos por um acto: um dos requisitos de eficácia que
é imposto à norma jurídica é a publicação.

Os valores jurídicos da inconstitucionalidade ou do acto


inconstitucional: são os diferentes graus de apreciação da
inconstitucionalidade pelo ordenamento jurídico; são os diferentes graus
de assimilação jurídica do acto, designadamente, a inexistência, a
invalidade e a irregularidade do acto jurídico.

A invalidade do acto compreende a nulidade e anulabilidade, sem


prejuízo da Constituição poder considerar inexistente um acto que,
embora satisfaça o requisito de qualificação, ofenda um valor
fundamental da constituição, o que significa que, neste caso, a invalidade
vai também comportar a inexistência. No entanto, cabe a cada Estado e
em cada momento, definir a sua constituição os valores jurídicos

160
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 364.
Universidade Católica de Moçambique 180

negativos. Definindo os valores jurídicos negativos acima indicados


teremos:

a) Inexistência jurídica: o acto inconstitucional inexistente não


produz nenhuns efeitos desde a origem (ab intio); a inexistência
não carece da sua declaração por um órgão de competência
especifica. As autoridades públicas não podem executar um acto
inexistente, e os cidadãos não estão obrigados a cumpri-lo.
b) Nulidade: o acto nulo não produz efeitos desde o inicio, o desde
que o seu conteúdo entrou em contradição com a constituição.
Entretanto, é necessário que um órgão público que tem
competência de fiscalização (exemplo tribunais) declare a
nulidade. Essa declaração tem natureza declarativa, pois o acto
já é nulo, e o órgão competente vai apenas limitar-se a
reconhecer ou declarar essa nulidade. O acto não passa a ser
nulo a partir da declaração.
c) Anulabilidade: o acto produz efeitos até que seja declarada a
sua inconstitucionalidade. E essa declaração é constitutiva, pois
os efeitos da inconstitucionalidade só começa a produzir-se a
partir da data da declaração desta: é uma declaração com
efeitos ex nunc (não ex-tunc como acontece com a nulidade). E
mais, a inconstitucionalidade pode ser vir a ser sanada,
verificados determinados pressupostos.
d) Irregularidade: “a inconstitucionalidade não prejudica a
produção de efeitos pelo acto, se bem que possa, lateralmente,
trazer outras consequências (como a responsabilidade politica
ou até sanções).

1.3.2. Inconstitucionalidade e responsabilidade civil do


Estado

Se da aplicação de uma norma ou da prática de um acto


inconstitucional tiver resultado, como consequência, lesão aos
direitos e interesses legítimos de um individuo, poderá haver
responsabilidade civil do Estado pelos danos causados.
Universidade Católica de Moçambique 181

Igualmente poderá haver lugar à responsabilidade civil do Estado


por danos decorrentes de omissões legislativas.

2. Grandes modelos ou sistema de fiscalização da


constitucionalidade

Os sistemas típicos161 historicamente conhecidos são os seguintes


Modelo político ou de fiscalização política: conhecido por sistema
de tipo francês, consiste em encarregar ao parlamento ou a um
órgão político especialmente criado (exemplo uma comissão
constitucional) para fiscalizar a constituição.
Modelo de fiscalização judicial (judicial review) ou ainda modelo
judicialista: traduz em conferir aos tribunais o poder de recusar a
aplicação de normas inconstitucionais; é um modelo de fiscalização
difusa, concreta, incidental e, em principio, por via de excepção.
Segundo Jorge Miranda, “em alguns casos, a adaptação ou o
funcionamento do sistema levou à concentração em supremos
tribunais, através de recurso obrigatório ou de outras formas, com
reserva ou primado de apreciação da inconstitucionalidade: suica,
1874 (…)” 162.
Modelo de fiscalização jurisdicional concentrada em Tribunal
Constitucional ou de matriz austríaca: apareceu pela primeira vez
na Constituição austríaca de 1920, sob influencia de Kelsen). Agrega
elementos do modelo politico e judicialista. A função de fiscalização
é feita por um tribunal não igual aos restantes tribunais (comuns ou
administrativos).

161
Para além dos sistemas típicos, tem existido nalguns países sistemas atípicos
e mistos, que não se identificam completamente com um dos três sistemas acima
indicados. Tratam-se de sistemas mais ou menos complexos, mistos ou
intermédios. Para melhor desenvolvimento vide MIRANDA, Jorge. Manual de
direito constitucional: constituição e inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição,
Coimbra Editora, 1996, pp. 385-386.

162
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 382.
Universidade Católica de Moçambique 182

Entretanto, nas décadas 80 a 90, começaram a surgir novas


tendências de fiscalização da constitucionalidade, das quais se
destacam os seguintes exemplos:
a) Tendência de transformação do Conselho Constitucional francês
em órgão jurisdicional aproximável a um tribunal constitucional;
b) Criação de um tribunal supremo especial na Grécia para resolver
conflitos de jurisprudência constitucional (1975);
c) Criação de Conselhos Constitucionais na Argélia (1989) e
Moçambique (1990)

3. Fiscalização da constitucionalidade em
Moçambique
3.1. Caracterização do modelo moçambicano quanto
aos sujeitos de fiscalização

Quanto à natureza do órgão ou dos órgãos encarregues de fiscalizar


a constitucionalidade, ou seja, quanto aos sujeitos da fiscalização,
salvo melhor entendimento, podemos afirmar que sistema adoptado
pela Constituição moçambicana, é um sistema atípico, uma vez que
não configura nenhum dos tipos comummente conhecidos,
nomeadamente a fiscalização politica, judicial e jurisdicional.

No é politico, porque a tarefa de fiscalização da constitucionalidade


não foi encarregue nem ao Parlamento nem a uma outra entidade
política (uma comissão ou comité) especialmente concebido para o
efeito.

Não é um sistema completamente judicial porque, apesar dos


tribunais poderem fazer a fiscalização difusa, por força do disposto
no artigo 214 da CRM, a fiscalização difusa na constitui único
modelo adoptado na Constituição.

Não se trata de um sistema jurisdicional puro, uma vez que, na


acepção originária deste modelo consiste em encarregar um
Tribunal Constitucional de cuidar de fiscalização da
inconstitucionalidade. No caso moçambicano concebeu-se um
Universidade Católica de Moçambique 183

Conselho Constitucional que, não se confunde com os Conselhos


ou comités que poderiam ser concebidos no modelo político, mas
sim, é um conselho com funções jurisdicionais, e constituído por
juízes (artigos 241 e 242 da CRM), virado essencialmente para a
fiscalização abstracta (artigo 248 da CRM).

Entretanto, uma vez que o modelo de fiscalização inclui a


fiscalização difusa e a fiscalização concentrada, podemos dizer que
o sistema vigente em Moçambique é misto, porquanto, se, por um
lado, os tribunais fiscalizam a constitucionalidade nos termos dos
artigos 214 e 247 da CRM, o que caracteriza um sistema difuso, o
Conselho Constitucional cabe fiscalizar a constitucionalidade dos
actos normativos nos termos do artigo 244 n°1 a) da CRM e tomar
decisões erga omnes nos termos dos artigos 248 e 245 n°1 da
CRM, mediante prévia solicitação das entidades indicadas no artigo
245 da CRM, o que caracteriza um sistema concentrado.

misto, congregado elementos de fiscalização difusa e concentrada.

3.2. Caracterização do modelo de fiscalização quanto ao


tempo: preventivo e sucessivo

Da conjugação dos artigos 214 e 247 da CRM (relativos à


fiscalização difusa) e artigos 244 e 245 da CRM (relativos à
fiscalização concentrada) constata-se que tanto a fiscalização que é
feita pelo Conselho Constitucional, quanto a que se realiza pelos
tribunais, incide sobre um acto normativo já produzido, ou seja,
sobre uma norma que já tenha sido publicada, pois naqueles
preceitos fala-se de “actos normativos”e “leis”, o que pressupõe
que esses actos já tenham completado o processo da sua feitura:
esta fiscalização designa-se por sucessiva.

Entretanto, o artigo 246 da CRM prevê a fiscalização preventiva da


constituição, traduzida no facto do Conselho Constitucional
apreciar a constitucionalidade dos diplomas submetidos à
promulgação pelo Presidente da República, mediante o pedido
deste.
Universidade Católica de Moçambique 184

Deste modo, podemos concluir que o modelo de fiscalização da


constitucionalidade adoptado em Moçambique é, quanto ao tempo,
preventivo e sucessivo.

3.3. Actos objecto de fiscalização da constitucionalidade

Nos termos dos artigos 244 n°1 a), 214 da CRM, são objectos de
fiscalização da constitucionalidade as leis e os actos normativos.
São actos normativos designadamente as leis, os decretos-leis, as
moções e resoluções da Assembleia da República (com carácter
normativo), os actos regulamentares do governo, nomeadamente os
decretos do Conselho de Ministros, sendo que, só os decretos
autónomos é que se sujeitam a fiscalização da constitucionalidade,
pois os decretos executivos são sujeitos à fiscalização da
legalidade; os acórdãos relativos aos resultados de eleições e
referendos, os decretos presidenciais (cf. Artigo 158 da CRM).

São também objecto de fiscalização os acórdãos e outras decisões


dos tribunais que tenham se recusado a aplicação de uma norma
com fundamento na sua inconstitucionalidade (cf. Artigo 247 da
CRM).

3.4. Impulso processual na fiscalização difusa e concentrada

Para efeitos de fiscalização concentrada, o Conselho Constitucional


não pode conhecer oficiosamente dos actos inconstitucionais, pois
vigora o princípio do pedido, cabendo, neste caso e unicamente às
entidades enumeradas no artigo 245 n°2 da CRM suscitar a
inconstitucionalidade.

Para a fiscalização difusa, os tribunais devem conhecer


oficiosamente dos actos ofensivos à Constituição (cf. Artigo 214 da
CRM e 247). Discute-se as se partes num determinado processo
que no qual o juiz tenha aplicado uma norma inconstitucional,
podem recorrer facultativamente ao Conselho Constitucional, por
interpretação a contrário sensu do n°1 do artigo 247 da CRM.
Universidade Católica de Moçambique 185

3.5. Fiscalização das normas do direito internacional

Da leitura dos artigos 245 e 246 da CRM parece estar excluída a


possibilidade do Conselho Constitucional apreciar a
constitucionalidade das normas do direito internacional, pelo facto
destas não serem “leis, actos normativos dos órgãos do Estado”.

Referência bibliográfica
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: constituição e
inconstitucionalidade. Tomo II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 312 - 387

Exercícios
Exercícios

1. Diga em que consiste:


a. A relação directa de um acto público com a
constituição?
b. Uma norma legal constitucional e uma norma
regulamentar constitucional?
c. Uma norma legal inconstitucional e uma norma
regulamentar ilegal?
d. Garantia da constitucionalidade?
e. Uma norma regulamentar ilegal e uma norma legal
constitucional?
f. Uma norma regulamentar ilegal e uma norma legal
inconstitucional?

2. Estabelece diferenças entre:


a. Ilegalidade e inconstitucionalidade
b. Legalidade e constitucionalidade
c. Inconstitucionalidade material e inconstitucionalidade
formal
d. Garantias preventivas e garantias repressivas da
constituição
Universidade Católica de Moçambique 186

e. Inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade


orgânica
f. Normas jurídicas de garantia e normas jurídicas
garantidas
g. Inconstitucionalidade antecedente e
inconstitucionalidade consequente
h. Fiscalização jurisdicional e fiscalização não
jurisdicional
i. Inconstitucionalidade presente e inconstitucionalidade
pretérita
j. Sistema de fiscalização jurisdicional e sistema de
fiscalização judicial
k. Modelo de fiscalização politica e modelo de
fiscalização judicialista
l. Fiscalização principal e fiscalização incidental
m. Fiscalização subjectiva e fiscalização objectiva
n. Fiscalização por acção e fiscalização por excepção
o. Fiscalização abstracta e fiscalização concreta
p. Fiscalização difusa e fiscalização concentrada
q. Fiscalização preventiva e fiscalização sucessiva
r. Inconstitucionalidade originária e
inconstitucionalidade superveniente
s. Inconstitucionalidade total e inconstitucionalidade
parcial
t. Inconstitucionalidade por acção e
inconstitucionalidade por omissão

3..Comente:
b. “O Conselho Constitucional de Moçambique declarou como
inconstitucional o artigo 56 da Constituição originária
moçambicana”.
c. “As normas oriundas de processos de revisão não podem ser
inconstitucionais, pois elas formam, conjuntamente com as
outras, uma mesma Constituição formal”.
d. “um regulamento executivo ilegal pode tornar-se
constitucional a partir do momento em que for declarada a
inconstitucionalidade da lei legal que lhe serviu de
fundamento”.
Universidade Católica de Moçambique 187

e. “Se a fiscalização concentrada é abstracta, erga omnes,


principal e objectiva, a fiscalização difusa é incidental,
concreta, inter partes e subjeciva”.
f. O sistema de fiscalização da constitucionalidade
moçambicano é políico, baseado unicamente na fiscalização
difusa e concreta”.

PARTE-IV

Unidade 11
ESTRUTURAS ORGANIZATORIAS
E FUNCIONAIS
Introdução
Neste capitolo abordaremos os seguintes temas:
Plano de exposição:
1. REGRAS E PRINCIPIOS DO DIREITO CONSTITUCIONAL
ORGANIZATÓRIO
1.1. Sentido da compreensão material das normas organizatórias
1.1.1. Noção de direito constitucional organizatório
1.1.2. Compreensão material das normas organizatórias
1.2. Os conceitos operatórios: competência, tarefa, responsabilidade,
procedimento e controlo
1.2.1. Caracterização sumária: definição de termos
1.2.2. Competência
1.2.2.1. Competências legislativa, executiva e judicial
1.2.2.2. Competências constitucionais e competências legais
1.2.2.3. Competências exclusivas, competências concorrentes e competências-
quadro
1.2.2.4. Competências implícitas e competências explicitas
1.2.3. Função
1.2.3.1. Critérios de ordenação de funções
a) Modelo do núcleo essencial
Universidade Católica de Moçambique 188

b) Modelo da justiça funcional


1.2.3.2. Teoria constitucionalmente adequada das funções do Estado
a) Ordenação de funções
b) Ordenação de funções e teoria material das funções de Estado
1.2.4. Responsabilidade
1.3. O principio da separação e interdependência dos órgãos de soberania
1.3.1. Dimensões materiais do principio
1.3.1.1. O principio da separação e interdependência como directiva
fundamental
1.3.1.2. O principio como principio histórico
1.3.1.3. O principio é orgânico-institucionalmente referenciado
1.3.1.4. O principio é funcionalmente orientado
1.3.1.5. O princípio pressupõe uma relativa adequação entre órgãos e funções
1.3.1.6. O princípio exige separação no plano pessoal
1.3.1.7. O freio, balanço e controlo na ordenação de órgãos e funções
1.3.1.8. A teoria do núcleo essencial
1.3.2. Manifestações modernas do princípio
1.3.2.1. Repartição vertical de funções
1.3.2.2. Repartição social
1.3.2.3. Separação e estrutura partidária
1.3.3. Princípio da separação e forma de governo
1.3.3.1. Forma de governo
1.3.3.2. Órgãos constitucionais
1.3.3.3. Órgãos constitucionais e direcção política
1.3.3.4. Órgãos constitucionais e autoridades administrativas independentes
2. ESTRUTURA E FUNÇÃO DOS ÓRGÃOS DE SOBERANIA
MOÇAMBICANA POLITICAMENTE CONFORMADORES
2.1. O Presidente da República
2.1.1. Posição jurídico-constitucional
2.1.2. Os poderes do Presidente da República
2.1.2.1. Poderes próprios e poderes partilhados
2.1.2.2. Direcção política
2.1.2.3. Poderes de controlo
2.1.2.4. Poderes de exteriorização política
2.2. A Assembleia da República
2.2.1. Posição jurídico-constitucional
2.2.2. Competências e funções
2.2.3. Funções
2.2.3.1. Função electiva e de criação:
2.2.3.2. Função legislativa
2.2.3.3. Função de controlo
2.2.3.4. Função de fiscalização
2.2.3.5. Função autorizante
2.2.3.6. Função de representação
2.3. O Governo
2.3.1. Conceito orgânico-institucional de governo e posição jurídico-
constitucional
2.3.1.1. O Governo
2.3.2. A responsabilidade politica do governo
2.3.2.1. Responsabilidade política perante a Assembleia da República
2.3.2.2. Responsabilidade política perante o Presidente da República
2.3.3. As funções do governo
2.3.3.1. Função politica ou de governo
a) Delimitação negativa
b) Sentido material
c) Forma
2.3.3.2. Função legislativa
2.3.3.3. Funções administrativas
2.4. O Conselho de Estado
Universidade Católica de Moçambique 189

Ao completer esta unidade / lição, você será capaz de:

 Objectivos específicos:
 1. Conhecer as regras e princípios do direito constitucional;
 2. Identificar os órgãos e funções dos órgãos constitucionais;
Objectivos
 3. Conhecer os actos constitucionais.

ESTRUTURAS ORGANIZATORIAS
E FUNCIONAIS

1. REGRAS E PRINCIPIOS DO DIREITO


CONSTITUCIONAL ORGANIZATÓRIO
1.1. Sentido da compreensão material das normas
organizatórias
1.1.1. Noção de direito constitucional organizatório

Direito constitucional organizatório é o conjunto de princípios e


regras constitucionais que regulam a formação, as funções e
competências dos órgãos constitucionais e definem a forma e a
actividade desses órgãos.

O direito constitucional organizatório classifica-se em (i) direito


organizatório formal e materialmente constitucional e (ii) direito
organizatório materialmente constitucional.
Universidade Católica de Moçambique 190

Direito organizatório material e formalmente constitucional:


compreende as regras e princípios organizatórios expressamente
previstos na Constituição.

Direito organizatório materialmente constitucional:


compreende as regras e princípios organizatórios relevantes, mas
não expressamente previstos na constituição, exemplos: leis
eleitorais, regimento da Assembleia da Republica, etc.

1.1.2. Compreensão material das normas organizatórias

Uma perspectiva

Segundo Gomes Canotilho, a perspectiva adequada do direito


constitucional organizatório implica:

(I) Em termos de organização do poder politico:


a. O abandono de uma análise de ordenação de competências
e funções dos órgãos de soberania ancorada no arsenal teorético
do positivismo estadual e do correspondente modelo de Estado
(O Estado de direito formalmente caracterizado)163;
b. A atribuição de um valor normativo específico ao conjunto
dos preceitos constitucionais referentes à organização,
competência, e procedimento aos órgãos constitucionais
(estaduais, regionais, locais)164;
c. Superação da dicotomia entre constituição de direitos
fundamentais, materialmente legitimada, e constituição
organizatória apenas formalmente justificada165;
(II) Em termos jurídico-positivo, a compreensão material das
estruturas organizatório-funiconais, o que implica:

163
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 537.
164
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 537.
165
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 537-538.
Universidade Católica de Moçambique 191

a) A articulação necessária entre as competências e funções e o


cumprimento das tarefas atribuídas;
b) Consideração das normas organizatórias como verdadeiras
normas de acção, que determinam as tarefas de conformação
económica, social e cultural, o que implica a atribuição de
responsabilidade constitucional aos órgãos, e não como meros
princípios despidos de conteúdo material (meramente formais);
c) A compreensão de um conceito de controlo de
constitucionalidade que implique, para alem da fiscalização da
inconstitucionalidade, o sancionamento politico pelo
incumprimento das tarefas distribuídas aos órgãos.
d) A consideração das normas organizatórias como regras
constitucionais.

1.2. Os conceitos operatórios: competência, tarefa, responsabilidade,


procedimento e controlo
1.2.1. Caracterização sumária: definição de termos

Poderes: o termo poder é usado, nalgumas constituições para


significar os órgãos do Estado; noutras vezes usa-se os termos
poder politico, órgãos de soberania, poderes do Estado. Em termos
rigorosos, quando se fala de poderes do Estado, refere-se aos
poderes legislativo, executivo e judicial; “os poderes são sistemas
ou complexos de órgãos aos quais a Constituição atribui certas
competências para o exercício de certas funções”166. A CRM
utiliza no título V o termo “ poder politico” e no artigo 133, órgãos
de soberania”.

Competência: é o “poder de acção e de actuação atribuído aos


vários órgãos e agentes constitucionais com o fim de prosseguirem

166
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 538-539.
Universidade Católica de Moçambique 192

as tarefas de que são constitucional ou legalmente incumbidos”167.


A competência implica: (i) que ao órgão lhe seja conferida uma
tarefa e lhe sejam dados os meios de acção (poderes) necessários
para a realização da tarefa, (ii) a delimitação do âmbito de actuação
de um órgão ou agente em relação aos restantes órgãos. Define os
limites de actuação dos órgãos.

Função: a função pode ser encarada como actividade ou como


poder do Estado; no entanto, segundo Gomes Canotilho, tendo em
conta a ordenação material das funções do Estado, se concebe a
função como relação referencial, isto é, função “é uma relação de
referencial entre uma norma de competência e os fins dessa mesma
norma”168.

Responsabilidade constitucional: o concito de responsabilidade


constitucional pressupõe a existência das seguintes dimensões: (i) a
existência de uma margem de discricionariedade pelo parte do
órgão ou titular do órgão (por parte de quem deva responder), ou
seja, a existência de uma margem de liberdade de actuação; (ii) a
existência de uma vinculação funcional, que significa a
consagração constitucional de deveres de prossecução de certas
tarefas; (iii) a existência de sanções jurídicas (penais, disciplinares
e civis) ou politico-juridicas (censura, destituição, exoneração) em
caso de incumprimento das tarefas ou cumprimento defeituoso169.

A responsabilidade constitucional compreende a


responsabilidade penal e a responsabilidade politica.
A responsabilidade penal incide sobre o comportamento
criminal dos governantes, decorrente do exercício dos poderes
públicos, ou seja, a criminalidade dos governantes. A

167
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 539.
168
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 540.
169
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 540.
Universidade Católica de Moçambique 193

responsabilidade criminal é aferida nos termos da lei penal e lei


do processo penal170.
A responsabilidade política dos governantes “é um mecanismo
jurídico-constitucional que incide sobre o desvalor jurídico e
politico-constitucional dos actos dos titulares do poder
político”171.

Procedimento: compreende as formalidades ou ritualismo jurídico


previamente definido para o exercício da competência. São os
passos que devem ser seguidos e como devem ser seguidos para a
prática de actos jurídicos. Assim, pode se falar de procedimento
legislativo (engloba as regras e formalidades para a feitura de leis
ou para o exercício da função legislativa), procedimento
administrativo (define o modo do exercício da função
administrativa) e procedimento jurisdicional (define o modo de
exercício da função jurisdicional.

Tarefa: é uma missão constitucionalmente definida para que seja


cumprida pelos órgãos aquém foi atribuído poderes ou
competências. A competência conferida a um órgão constitui um
meio para a realização da tarefa.

Controlo: é a fiscalização que se faz às actividades dos órgãos, e


pode traduzir-se em controlo primário ou subjectivo, que incide
sobre os próprios titulares dos órgãos, ou controlo secundário ou
objectivo, que incide sobre os actos dos órgãos.

Representação: do ponto de vista organizatório-funcional, a


representação politica consiste num esquema de selecção baseado
na eleição dos governantes através do qual: (i) “se institui o

170
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 540.
171
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 540.
Universidade Católica de Moçambique 194

exercício do pode politico”, (ii) “se institui o controlo exercido


pelos representados”172.

1.2.2. Competência

Podem se destacar as seguintes formas de revelação e


classificação das competências: (i) competência legislativa,
executiva, judicial, (ii) competências constitucionais e
competências legais, (iii) competências exclusivas, competências
concorrentes e competências-quadro, (iv) competências implícitas
e competências explicitas, (v) competências estaduais e
competências comunitárias (para os Estados que fazem parte da
Comunidade Europeia).

1.2.2.1. Competências legislativa, executiva e judicial

É uma classificação tradicional baseada no principio da separação


de poderes. Pressupõe a existência de órgãos do poder politico,
sendo que uns têm competência legislativa (de fazer leis, por
exemplo a Assembleia da República), outros têm competência
executiva (que consistir em governar e administrar), outros têm
competência judicial (os que julgam. São os juizes).

1.2.2.2. Competências constitucionais e competências legais

Competências constitucionais são as que são atribuídas pela


constituição (exemplo as competências do PR, da Assembleia da
República e do Conselho de Ministros, constantes dos artigos
159, 179 e 204 da CRM, respectivamente). Competências legais
são as que são conferidas pela lei. Competência administrativa,
que são conferidas por regulamento. Relativamente à competência
vigoram os princípios da tipicidade e indisponibilidade da
competência.

172
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 541.
Universidade Católica de Moçambique 195

Tipicidade das competências: significa que os órgãos de


soberania só podem exercer as competências constantes, em
regra, expressamente da constituição, o que significa, em
principio, a proibição de competências implícitas, ou o exercício
doutras competências não previstas constitucionalmente.

O principio da indisponibilidade significa que as competências


indicadas na constituição só podem ser exercidas pelos órgãos a
elas conferidas, não podendo ser transferidas para outros órgãos
ou agentes. Proíbe-se a alteração da competência pelo órgão.

1.2.2.3. Competências exclusivas, competências concorrentes e


competências-quadro

Competência exclusiva: é a que é conferida a um só órgão, por


exemplo a competência de promulgar leis conferida ao Presidente
da República (artigo 163 da CRM).

Competência concorrente: a que é conferida, do mesmo modo, a


vários órgãos. exemplo a competência de iniciativa de lei que
cabe ao mesmo tempo aos deputados, às bancadas parlamentares,
ao Presidente da República, ao Governo e às comissões
parlamentares (artigo 183 da CRM).

Competência-quadro: é aqui é atribuída a um órgão para a


definição de bases, e é atribuída a outro órgão para a sua
densificação. Exemplo a competência da Assembleia da
República e do Conselho de Ministros em matérias de leis de
autorização legislativa.

1.2.2.4. Competências implícitas e competências explicitas

Competências constitucionais escritas expressas: são as que


constam expressamente escritas no texto constitucional.

Competências constitucionais (escritas) implícitas:


“competências não individualizadas ou mencionadas no texto
Universidade Católica de Moçambique 196

constitucional, mas que se podem ainda considerar como


implicitamente derivadas das normas constitucionais escritas173”.

Competências não escritas: as que não tem qualquer suporte


constitucional, nem implícito nem explicito no texto
constitucional.

Se é pacífica a existência de competências explícitas, o mesmo já


não se pode dizer em relação às competências não escritas, devido
aos princípios da conformação, tipicidade e indisponibilidade da
competência.

a) Origem da doutrina das competências implictas


A questão das competências implícitas originou-se no direito
constitucional dos EUA onde se distinguiam os seguintes
poderes: (i) poderes decorrentes ou emergentes (resulting
power), “os poderes que derivam de uma leitura conjunta de
todos ou alguns dos poderes conferidos especificamente pela
Constituição”; (ii) poderes implícitos (implied powers), “poderes
não expressamente mencionados na constituição, mas
adequados à prossecução dos fins e tarefas constitucionalmente
atribuidos aos órgãos de soberania”, (iii) poderes inerentes ou
essenciais (inherent or essential powers), “ podres pertinentes e
indispensáveis ao exercício de funções politicas soberanas”.

b) Admissibilidade constitucional de competências implícitas”.


De acordo com Prof. Gomes Canotilho, a existência de poderes
implícitos é incompatível com a força normativa da constituição,
salvo se a Constituição assim o admitir. Mesmo do ponto de vista
de interpretação, não se pode admitir que se chegue à conclusão
de existência, como competências autónomas, de poderes
implícitos, poderes resultantes, podres inerentes.

173
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 544.
Universidade Católica de Moçambique 197

Entretanto, nada obsta que, por via de interpretação sistemática


ou teleológica, se retirem competências implícitas de natureza
complementar (não como competências autónomas),
designadamente:
(i) Competências implícitas complementares, que traduzam o
aprofundamento ou alargamento de uma competência explicita,
uma vez que “quem tem competência para tomar uma decisão
deve, em principio, ter competência para a preparação e
formação de decisão”174.
(ii) Competências implícitas complementares: que sejam necessárias
para o preenchimento de lacunas, com recurso à leitura
sistemática e analógica dos preceitos constitucionais.

1.2.3. Função
1.2.3.1. Critérios de ordenação de funções

O artigo 134 da CRM estabelece que “ os órgãos de soberania


assentam nos princípios de separação e interdependência de
poderes consagrados na Constituição e devem obediência à
Constituição e às leis”, o que implica que tenha de haver
necessariamente, articulação entre órgãos e funções do Estado,
donde resulta, segundo Gomes Canotilho, “o principio
organicamente referenciado e funcionalmente orientado175”, o
que permite concluir que o Estado concebe-se como
ORDENAÇÃO de várias funções constitucionalmente atribuídas,
e não de ordenação de poderes, uma vez que, quando se fala de
repartição ou separação pretende-se referir à separação ou
repartição de actividades do Estado e não de poderes do Estado;

174
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 545.
175
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 547.
Universidade Católica de Moçambique 198

dai a existência de várias funções diferenciadas e não de vários


poderes.

Para efeitos de construção de uma teoria constitucionalmente


adequada de funções do Estado, podem se apontar os seguintes
critérios:

a) Modelo do balanceamento (cheks and balances)


Este modelo implica a existência de freios e contrafreios
recíprocos entre os poderes encarregados das diferentes
funções, o que vai evitar a supremacia de um dos poderes.
Evitando supremacia de um dos poderes sobre os restantes,
estará assegurado o respeito pelos direitos fundamentais dos
cidadãos176. É este o modelo que resulta do artigo 134 da CRM.

b) Modelo do núcleo essencial

Este modelo acrescenta ao do balanceamento, o seguinte: “aos


órgãos de soberania, separados e interdependentes, são
confiadas funções materialmente diferenciadas”177. Este modelo
implica que, a interdependência e interpenetração entre os órgãos,
não pode ir ao ponto de um órgão exercer funções materialmente
típicas doutro órgão de soberania, o que significa que, a
interpenetração não é ilimitada, pois a mesma é limitada pelo
núcleo essencial das funções de cada órgão; dai que, se, por
exemplo, um órgão executivo chegar a cuidar de parte do
conteúdo essencial da função judicial, estará a ferir o princípio da
separação de poderes.

c) Modelo da justiça funcional

176
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 547.

177
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 547.
Universidade Católica de Moçambique 199

Para o modelo da justiça funcional ou justeza funcional, a eficácia


dos princípios de separação e interdependência depende de uma
estrutura orgânica funcionalmente adequada.

Estrutura orgânica funcionalmente adequada significa que cada


órgão de soberania, com determinadas características, deve lhe ser
atribuída função que possa exercê-la de forma adequada, nos
mesmos termos em que outros órgãos a exerceriam se a eles fosse
encarregue.

Este princípio da estrutura orgânica funcional adequada, que está


na base do princípio da separação de poderes, exige que a
estrutura do órgão deva ser adequada a uma função, e a estrutura
duma função deve ser adequada à estrutura do respectivo órgão.

1.2.3.2. Teoria constitucionalmente adequada das funções do Estado


a) Ordenação de funções

A volta da ordenação de funções, têm se digladiado duas teorias,


nomeadamente, a teoria material das funções do Estado e a teoria
formal-substancial.

A teoria material das funções do Estado tem estado na sede das


discussões sobre a reserva da lei, reserva do governo e reserva do
juiz. A teoria formal-substancial propugna que um poder
corresponde a uma função e uma função a um poder.

Contudo, para Gomes Canotilho, a ordenação das funções do


Estado deve ter em conta o condicionamento jurídico-
constitucional de qualquer teoria de funções, uma vez que “são os
princípios positivos de organização constitucional e a concreta
delimitação na constituição que se devem tomar como pontos de
partida de uma ordenação das funções do Estado178”.

178
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 549.
Universidade Católica de Moçambique 200

b) Ordenação de funções e teoria material das funções de


Estado

A CRM atribui função “legislativa” à Assembleia da República


(artigo 169 da CRM), “função executiva” ao Conselho de
Ministros (artigo 203 da CRM), função jurisdicional e educativa
aos tribunais (artigo 212 e 213 da CRM) e função especifica ao
Ministério Público (artigo 236 da CRM), entretanto, sabe-se hoje
que a função legislativa não é exercida unicamente pela
Assembleia da República, alias, é por isso que o artigo 169 refere
que a Assembleia da República é o mais alto órgão legislativo,
pois admite a existência doutros órgãos que exercem essa função;
é que, a lei em sentido material não esgota na lei emanada da
Assembleia da República. Isto mostra que actualmente, do ponto
de vista material, o termo função, pelo menos, função legislativa
não tem o mesmo grau em que se usava classicamente.

1.2.4. Responsabilidade

O termo responsabilidade constitucional pode ser usado em vários


sentidos, designadamente: (i) para referir a responsabilidade civil
das entidades públicas, (ii) responsabilidade politico-criminal dos
titulares dos cargos políticos e (iii) responsabilidade politica.

O sentido que aqui interessa é o da responsabilidade politico-


constitucional, que, sendo independente da existência de culpa
pessoal, dolo ou negligência, implica a responsabilidade pelas
disfunções verificadas nos serviços. exemplo, um ministro pode
responder politicamente pelas disfunções no serviço, mesmo
quando não haja lugar a responsabilidade criminal, civil ou
disciplinar.

1.3. O principio da separação e interdependência dos órgãos de


soberania
Universidade Católica de Moçambique 201

1.3.1. Dimensões materiais do principio

O principio da separação pode significar a separação ou repartição


horizontal ou vertical179.

A repartição vertical tem em vista a delimitação das


competências e as relações de controlo em conformidade com
critérios territoriais (ex: competência do Estado central,
competência dos órgãos locais).

A repartição horizontal é relativa (i) à diferenciação funcional


(legislação, execução e jurisdição), (ii) à delimitação institucional
de competências, (iii) e às relações de controlo e interdependência
recíproca entre os órgãos de soberania. Parece ser esse o sentido
usado no artigo 134 da CRM onde se refere à separação e
interdependência dos órgãos de soberania como principio
estrutural da organização do poder politico (órgãos e funções).

O principio da separação e interdependencia é um principio


estrutural-conformador do domínio politico, que pode situar-se
nos seguintes planos: (i) no plano funcional, refere-se à separação
das funções policito-constitucionais básicas, nomeadamente,
legislativa, judicial e executiva; (ii) no plano institucional, trata-se
de separação entre os órgãos constitucionais, nomeadamente, o
parlamento, o governo e os tribunais; (iii) no plano sóciocultural,
trata-se de separação e articulação entre os poderes do Estado e as
estruturas sociais (grupos, classes, partidos).

179
Segundo CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da
constituição, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 551-552, alguns autores
tem concebido o principio de separação de poderes como principio organizatório
estrutural, uma das constantes do Estado Constitucional. “O principio
transformou-se em ratio essendi da Constituição: “toute société, dans laquelle la
garantie dês droits n`est pás assurée ni la séparation dês pouvoirs détérminée de
constitution. (art. 16 da Déclaration dês droits de l`homme et du citoyen du 26
Août 1789”.
Universidade Católica de Moçambique 202

1.3.1.1. O principio da separação e interdependência como directiva


fundamental

O principio da separação e interdependência é uma directiva


fundamental da organização do poder politico, na medida em que
impõe a existência de três momentos, designadamente:

a) A separação funcional, institucional e pessoal, que implica a


separação de funções estaduais e a atribuição dessas funções a
diferentes titulares. Proibindo a acumulação dessas funções
numa mesma entidade.
b) A interdependência de funções: exige que haja interdependência e
dependência recíproca de natureza funcional, institucional e
pessoal;
c) O balanço ou controlo de funções (“chacks and balances” ou “le
pouvoir arrête le pouvoir”): tem em vista impedir o surgimento
de um super-poder, e o consequente abuso e desvios.

1.3.1.2. O principio como principio histórico

Considera-se que o principio de separação e interdependência é


um principio histórico, na medida em que não é rígido nem
intemporal, mas antes, o mesmo deve ser encarado como estando
relacionado com cada ordem constitucional concreta, ou seja,
como um principio organizatório fundamental de uma ordem
constitucional concreta. Assim, sendo um principio constitucional
concreto, o mesmo articula-se perfeitamente com outros
princípios constitucionais positivados em cada ordem
constitucional, tais como, “o principio de governo
semipresidencialista, ou de regime misto parlamentar-
presidencial, principio da ocnformidade dos actos estaduais com
a constituição e principio da participação”180.

180
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 552-553.
Universidade Católica de Moçambique 203

1.3.1.3. O principio é orgânico-institucionalmente referenciado

O principio da separação e interdependência é institucional-


organicamente referenciado, na medida em que nos termos do
artigo 134 da CRM refere-se à separação e interdependência dos
órgãos de soberania.

1.3.1.4. O principio é funcionalmente orientado

O principio da separação e interdependência é um principio de


ordenação de competências funcionalmente orientado, na medida
em que a CRM refere-se às funções legislativas, administrativas,
jurisdicionais e políticas, apenas como funções fundamentais, sem
com isso significar que os órgãos encarregues dessas funções
apenas essas funções, pois aos mesmos órgãos cabem outras
funções constitucionais, tais como funções de governo, funções
militares e de planificação. Portanto, o principio de separação e
interdependência, neste sentido (sentido da separação dos poderes
tradicionais: judicial, executiva e legislativa) não significa que os
respectivos órgãos exerçam exclusivamente essas funções, mas
apenas que essas funções são as fundamentais de cada um dos
órgãos e cada órgão está fundamentalmente orientado a exerce-
las.

1.3.1.5. O princípio pressupõe uma relativa adequação entre órgãos e


funções

Um esquema organizatório funcionalmente adequado implica que


“as funções devem ser separadas e atribuídas a um órgão ou um
grupo de órgãos também separados entre si”181, o que não
significa que cada órgão tenha de exercer exclusivamente uma
função, mas que a cada órgão deve ser reservada a titulo principal
ou prevalente uma função.

181
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 553-554.
Universidade Católica de Moçambique 204

Assim, a adequação funcional ou a estrutura orgânica


funcionalmente justa, implica que os órgãos de soberania são
estruturalmente idóneos ou aptos, a titulo especifico ou primário,
para o exercício das funções que lhes foi atribuída. Exemplo, a
Assembleia da República é o órgão adequado para legiferar, o
Governo é o órgão adequado para executar e administrar, os
tribunais são idóneos para julgar.

1.3.1.6. O princípio exige separação no plano pessoal

A estrutura orgânica funcionalmente adequada significa que


também a ausência de uniões pessoais dos órgãos de soberania,
por isso, exige a criação de um estatuto jurídico constitucional
específico que disponha sobre incompatibilidades tendentes a
evitar essas uniões pessoais. Assim, para evitar as uniões pessoais
de duas funções constitucionalmente separadas, a CRM define as
incompatibilidades das funções de Presidente da Republica
(artigo 149 da CRM), dos deputados (artigo 172 da CRM) e dos
juízes (artigo 219 da CRM).

1.3.1.7. O freio, balanço e controlo na ordenação de órgãos e funções

Quando se confere a um órgão ou a órgãos de soberania uma


função especifica fundamental, tem-se em vista lograr um
equilíbrio de poderes e consequentemente um governo moderado.

A consagração constitucional de um sistema de freios e balanços


torna ilegítima a deslocação de peso funcional que possa levar a
um “cesarismo presidencial” ou a um “absolutismo parlamentar”
ou a uma “autocracia do governo”.

Com efeito, a construção de um governo moderado pode ser feita


pelas seguintes vias: (i) a existência de um sistema complexo de
corresponsabilidades e interdependências (por exemplo, as leis
aprovadas pela Assembleia da República devem ser promulgadas
e mandadas publicar pelo Presidente da República), (ii) definição
de um sistema de balanço, no qual a escolha ou manutenção no
Universidade Católica de Moçambique 205

cargo de alguns titulares depende da manifestação de vontade


doutros órgãos (exemplo, a Assembleia da República pode ser
dissolvida pelo Presidente da Republica, a nomeação dos
presidentes do Tribunal Supremo, Tribunal Administrativo e do
Vice-Presidente do Tribunal Supremo, é feita pelo Presidente da
República, mas deve ser ratificada pela Assembleia da República,
artigo 179 n°2 al. h), (iii) a divisão de poderes dentro do mesmo
poder, exemplo Governo, Primeiro Ministro).

1.3.1.8. A teoria do núcleo essencial

Não se defendendo nem concebendo uma separação absoluta, a


teoria do núcleo essencial propugna que “a nenhum órgão podem
ser atribuidas funções das quais resulte o esvaziamento das
funções materiais especialmente atribuidas a outro”, isto é, o
princípio da separação determina que haja correspondência entre
órgão e função, e havendo excepções constitucionalmente
previstas, essas não podem significar o sacrifício do núcleo
essencial.

Assim, o Governo não pode produzir decretos-leis como regra, ao


ponto de esvaziar o papel da Assembleia da República como
órgão legislativo primário.

Este principio é aplicável no relacionamento entre o governo e o


parlamento, mas é fundamentalmente aplicável no relacionamento
entre os tribunais e o governo, onde só estará assegurado quando
a função judicial for confiado a órgãos cujos titulares são juízes
independentes, irresponsáveis e inamovíveis (cf. Artigos 217 e
218 da CRM).

1.3.2. Manifestações modernas do princípio

Modernamente, para além das questões clássicas já vistas,


colocam-se algumas questões relacionadas com a separação e
interdependência dos órgãos de soberania.

1.3.2.1. Repartição vertical de funções


Universidade Católica de Moçambique 206

A repartição vertical de funções, como uma das formas de


separação de poderes e funções, relaciona-se com os fenómenos
de federalismo, autonomia regional e autonomia local.

No ordenamento jurídico moçambicano não se colocam questões


relacionadas com o federalismo, pelo facto do Estado
Moçambicano ser unitário, também não se colocam questões
ligadas a autonomia regional, entretanto, já a autonomia local das
autarquias locais (cf. Artigos 271 e ss da CRM) representa um dos
princípios de separação de poderes, designadamente, entre o
poder local e o poder central (estadual).

1.3.2.2. Repartição social

A repartição ou divisão social de funções, é outra dimensão da


separação de funções, distinta da repartição vertical e horizontal
atrás vista, e significa a “distribuição de poder entre o Estado e
outros titulares de poderes públicos não-estaduais, como são, por
exemplo as associações profissionais”182. Exemplo, o artigo 78
da CRM reconhece as associações sociais o papel de promoção da
democracia e da participação dos cidadãos na vida pública.

1.3.2.3. Separação e estrutura partidária

Tradicionalmente a separação horizontal concebia-se num


dualismo envolvendo órgãos de soberania: governo vs
parlamento. Actualmente, com a constitucionalização da
oposição, as questões já não podem ser colocadas apenas nestes
termos, pois há que relacionar a maioria e a oposição, sendo que a
maioria é suportada pelos partidos e coligações maioritários e a
oposição é dinamizada pelos partidos ou coligações minoritários.

Segundo Gomes Canotilho, “a separação entre parlamento e


governo e entre executivo e legislativo não perdeu sentido, mas a
nova fronteira estabelece-se, hoje, em termos de fracções de

182
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 557.
Universidade Católica de Moçambique 207

governo e fracções de oposição (…) a categoria oposição adquire


um estatuto jurídico-constitucional de grande significado para o
problema da separação de funções e sobretudo para o problema
de controlo e equilíbrio de poderes”183.

Do ponto de vista politico-constitucional, o confronto entre


governo e oposição tende a desdobrar-se entre decisão politica e
responsabilidade e controlo políticos, sendo que, a decisão
politica está a cargo do governo e fracção ou fracções
parlamentares de suporte, enquanto que a responsabilidade e
controlo políticos, são fundamentalmente dinamizados pela
oposição.

1.3.3. Princípio da separação e forma de governo


1.3.3.1. Forma de governo

A forma de governo está muito relacionada com o principio de


separação e interdependência dos órgãos de soberania. Não cabe
aqui a caracterização das formas de governo sob ponto de vista
politico-ideologico 184, mas apenas pretende-se visualizar que a
forma de governo influi na definição e concretização do principio
da separação e interdependência dos órgãos.

1.3.3.2. Órgãos constitucionais

O conceito de órgãos constitucionais, em sentido amplo, refere-se


a todos os órgãos mencionados na Constituição e engloba órgãos
de soberania e outros órgãos do Estado.

Órgãos constitucionais de soberania são os que: (i) “cujo status


e competências são imediata e fundamentalmente constituídos
pela constituição”; (ii) “dispõem de um poder de auto-
organização interna”; (iii) “não estão subordinados a quaisquer

183
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 557.
184
Material de ciencia politica
Universidade Católica de Moçambique 208

outros; (iv) estabelecem uma relação de interdependência e de


controlo em relação a outros órgãos igualmente ordenados na e
pela constituição”. Portanto, para que um órgão seja órgão de
soberania é necessário que o seu estatuto e competência resultem
essencialmente da Constituição, não bastando o simples facto do
órgão ser mencionado na Constituição 185. Assim, por exemplo, o
Provedor de Justiça, o Procurador Geral da República não são
órgãos de soberania, apesar de serem órgãos do Estado.

Os órgãos de soberania exercem o poder superior do Estado, tanto


na sua dimensão externa (relativamente a outros Estados e
poderes soberanos), quanto na dimensão interna (frente a ouros
centros de poder internos).

Os órgãos de soberania são coessenciais à caracterização da


forma de governo constitucionalmente instituído, pois a alteração
ou supressão desses órgãos implica a transformação da forma de
governo, dai que “são órgãos definidores da forma politica em
concreto: forma de Estado, regime politico, sistema de
Governo186”. Por exemplo, se o Governo de Moçambique passar
a ser dirigido pelo Primeiro-Ministro, a forma de governo muda.

1.3.3.3. Órgãos constitucionais e direcção política

O relacionamento institucional entre os órgãos de soberania


permite aferir a forma de governo constitucionalmente
constituido, nomeadamente, o modo de organização adoptado
para a realização dos fins constitucionalmente normativizados187.

Funções de direcção politica: é “a conformação dos objectivos


politico-constitucionais mais importantes e a escolha dos meios
ou instrumentos idóneos e oportunos para os prosseguir”. E esta
função é exercida pelos órgãos de soberania.
185
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 560.
186
MIRANDA, Jorge…., apud CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e
teoria da constituição, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 561.
187
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 561-562.
Universidade Católica de Moçambique 209

Entretanto, num Estado de democrático, a função politica deve ser


constitucionalmente normativizada, ou seja, a escolha dos meios e
instrumentos deve ser regulada constitucionalmente.

Contudo, o modo de distribuição e coordenação da titularidade


dos poderes de direcção politica permite caracterizar a forma de
governo de um Estado.

1.3.3.4. Órgãos constitucionais e autoridades administrativas


independentes

Algumas constituições prevêem a possibilidade do legislador criar


entidades administrativas independentes.

A administração independente é a “administração infra-


estrutural prosseguida por instâncias administrativas não
integradas na administração directa do Estado e livres da
orientação e da tutela estrutural mas sem reconduzirem aos
esquemas de administração autónoma188”. É o caso, por exemplo
de uma Alta Autoridade Tributaria.

Geralmente as entidades administrativas independentes estão fora


do controlo do governo, dos ministérios; gozam de independência
orgânica, funcional e social. Os titulares dessas entidades gozam
normalmente de: (i) um estatuto próprio de designação, mandato,
incompatibilidade, (ii) um estatuto funcional isento de ordens,
instruções e directivas, e gozam do controlo de mérito ou
obrigações de prestação de contas nalguns casos (…)”189.
Apontem-se os casos de Comissões nacionais de eleições, ou de
objecção de consciência, ou de protecção dos dados pessoais e
informatizados, etc.

188
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 563.
189
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 563.
Universidade Católica de Moçambique 210

Algumas entidades administrativas independentes são


constitucionais, pois os seus órgãos são criados pela constituição,
é o caso do Conselho Superior de Comunicação Social (artigo 50
da CRM).

Portanto, do Estado devem separar-se as entidades administrativas


independentes. Contudo, quando estas entidades estiverem
completamente independentes e possuírem poderes excessivos,
podem esvaziar o conceito de separação de funções, correndo o
risco até de passarem a se sobreporem aos outros órgãos do
Estado. Aponte-se por exemplo, uma comissão nacional com
poderes para anular actos eleitorais de um Ministério.

2. ESTRUTURA E FUNÇÃO DOS ÓRGÃOS DE


SOBERANIA MOÇAMBICANA POLITICAMENTE
CONFORMADORES
2.1. O Presidente da República
2.1.1. Posição jurídico-constitucional

O Presidente da Republica (PR) é um órgão constitucional de


soberania, uma vez que, não só é mencionado na Constituição
(artigo 133 da CRM), como também encontra o seu estatuto
jurídico-constitucional expresso na CRM (artigo 146 e ss).

O PR é o Chefe de Estado (artigo 146 n°1), porquanto representa


juridicamente o Estado nos planos interno e internacional e nas
dimensões de permanência, continuidade e direcção do Estado
(cf. Artigo 7 da Convenção de Viena sobre o direito dos
Tratados190. É chefe de Estado na medida em que exerce a função
de integração e unidade funcionais (não integração pessoal no
190
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 615.
Universidade Católica de Moçambique 211

sentido clássico), o que se traduz no seguinte: (i) o chefe de


Estado procura efectivar a solidariedade institucional entre os
vários órgãos do Estado, (ii) no contacto directo e consulta com
os órgãos constitucionais e forças politicamente actuantes da
sociedade (partidos, organizações, grupos sociais e cidadãos),
(iii) nos actos de indulto e comutação de penas e atribuição de
ordens honorificas, (iv) na informação aos cidadãos sobre os
aspectos cruciais da República, (v) no exercício das funções de
Comandante-Chefe das Forças de Defesa e Segurança.

O PR exerce a função de reserva da Republica, função essa que


consiste em tomada de decisões políticas pelo PR, nos casos em
que, verificando falta de resposta dos órgãos constitucionalmente
competentes, haja eminência de crise notória no funcionamento
das instituições democráticas. Salvo melhor entendimento, a
CRM não admite a possibilidade do exercício da função de
reserva da República, porquanto, havendo inércia dos membros
do Governo, cabe ao próprio PR supri-la na qualidade de Chefe
de Governo; o regime da independência dos Tribunais, não
permite que o PR possa exercer funções jurisdicionais, no caso de
inércia da AR, o Conselho de Ministros pode trabalhar via
Decretos-leis , e se ainda assim não houver resposta da AR, nunca
o PR poderá substituir a AR, aliás, mesmo nos casos de
dissolução da AR esta não é substituída pelo PR.

O termo PR (cf. Artigo 146 e ss) significa o papel desempenhado


pelo PR como representante da comunidade nacional.

O PR tem uma legitimidade democrática directa, uma vez que o


mesmo é eleito por sufrágio directo e universal (cf. Artigo 147
n°1 da CRM), daí que o PR seja um órgão presidencial
autónomo, uma vez que ele não só, não é escolhido pelo
Universidade Católica de Moçambique 212

Parlamento, como e sobretudo, tem importantes funções


constitucionais próprios e partilhados191 (artigos 146 e ss).

A partir das noções de legitimidade directa, órgão presidencial


autónomo e poderes próprios, é possível aferir, se o PR é um
poder neutro (pouvoir neutre) ou Guardião da Constituição, ou
ainda um super-poder. Entretanto, da conferência dos poderes
constitucionais do PR (artigos 146 e ss) resulta que o PR não é
um órgão neutro.

O PR é sim guardião da Constituição (cf. Artigo 146 n°2 da


CRM), na medida em que está vinculado a defender e fazer
cumpri-la, e como tal, toma decisões politico-constitucionais com
vinculação definitiva, e não é mero guardião da Constituição no
sentido clássico de Carl Schmitt, em que é neutro.

Nem é um super-poder, porquanto a função de PR é


interdependente e limitada por outras funções, tais como a
legislativa e a judicial.

Poderes próprios: também conhecidos por institucionais, são os


actos e decisões que a CRM autoriza o PR a praticar, só e
pessoalmente, ainda que para esse efeito tenha de obter parecer
prévio doutro órgão; ou seja, “são aqueles que o PR é autorizado
pela Constituição a praticar, só e pessoalmente, mesmo quando
condicionados a observância de outras formalidades
constitucionais (pareceres, consultas)”192.

2.1.2. Os poderes do Presidente da República


2.1.2.1. Poderes próprios e poderes partilhados

191
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 616.
192
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 616-618.
Universidade Católica de Moçambique 213

Dentre os poderes próprios do PR podem se indicar os seguintes:


a dissolução da AR (artigo 188 da CRM), nomear ministros, vice-
ministros (artigo 160 n°2 al. a), celebrar tratados internacionais
(artigo 162 al. b).

Entre os poderes partilhados, pode-se indicar a decisão sobre a


realização do referendo, mediante proposta da AR (cf. Artigo 136
da CRM).

2.1.2.2. Direcção política

Uma das funções de direcção politica do PR é a dissolução da


AR, demissão do Primeiro-Ministro, declaração do estado-de-sítio
e promulgação de leis.

É verdade que doutrinariamente tem sido discutida a natureza


jurídico-constitucional da promulgação, donde se destacam as
seguintes teorias:

a) Teoria declarativa: na promulgação o PR se limita a atestar a


existência da lei e o regular processo da sua formação, portanto,
o PR apenas analisa a regularidade formal e orgânica do acto, o
que significa o exercício de uma função de notário da República;
b) Teoria legislativa: o PR participa na função legislativa através da
promulgação, sendo que a promulgação é um requisito
necessário de perfeição da lei e não apenas de eficácia.
c) Teoria da administração: a promulgação é como se fosse uma
clausula executiva, conferindo à lei o “crisma de autoridade”e o
vigor da executoriedade;
d) Teoria do controlo constitucional: a promulgação é “um acto a se
stante, do PR, mediante o qual este exercita um controlo
constitucional sobre a regularidade do acto normativo e sobre a
sua legitimidade constitucional”. A questão que tem sido
Universidade Católica de Moçambique 214

colocada é a de saber se este controlo é apenas formal ou


também incide sobre a conformidade material do acto193.
e) A CRM parece ter adoptado a teoria do controlo constitucional,
nos termos da qual o PR procede o controlo dos elementos
formais, orgânicos e intrínsecos do acto, por isso, o PR tem poder
de veto (artigos 163 e 246 da CRM).
f) Entretanto, nos casos em que a lei vetada pelo PR tiver sido
reexaminada e aprovada por maioria de 2/3 dos deputados, o PR
é obrigado a promulgá-la e manda-la publicar. O PR é igualmente
obrigado a promulgar a lei nos termos do artigo 295 n°3 da CRM,
o que, salvo melhor entendimento, representa o acolhimento da
teoria declarativa, em que o PR é mero notário da República.
Questão diferente prende-se com a necessidade saber das
consequências jurídicas nos casos em que, não obstante a
verificação das circunstancias previstas nestes preceitos
constitucionais, o PR não promulgar a lei: casos de “veto tácito”.
A CRM não dá qualquer resposta a esta questão.

2.1.2.3. Poderes de controlo

Relativamente aos actos normativos submetidos para a


promulgação, o PR exerce o direito de controlo formal e direito
de controlo material da conformidade desses actos (artigos 163 e
246 da CRM). Nos casos em que o acto seja material ou
formalmente desconforme, o PR deve exercer o direito de veto
por inconstitucionalidade. Esse controlo é exercido pelo PR, uma
vez que ele é o garante da constituição e jurou defender e fazer
cumprir a CRM (cf. Artigo 150 n°2 da CRM).

Tem se falado também de um direito de veto político, pelo qual,


independentemente da constitucionalidade do acto, o PR pode
veta-lo se “tiver certeza quanto à maldade política do mesmo e
193
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 620.
Universidade Católica de Moçambique 215

ter dúvidas quanto à bondade constitucional194”. E o PR


exerceria esse direito, no uso de poderes de conformação politica.
No caso moçambicano, salvo melhor entendimento, nos termos
do artigo 163 n°3 da CRM o PR pode vetar a lei com fundamento
no mérito e não na inconstitucionalidade.

2.1.2.4. Poderes de exteriorização política

Os poderes de exteriorização politica manifestam-se através de


mensagens, entrevistas, discursos, alocuções, presidências
abertas, audição do País.

As mensagens do PR podem assumir uma dimensão de direcção


politica nos casos em que, (i) contenham criticas ou censuras a
actos de outros órgãos de soberania, (ii) sugerem directivas
politicas a outros órgãos. Segundo Gomes Canotilho, ainda
assumem dimensão politica as mensagens que acompanham o
reenvio de projecto de lei ao parlamento e as motivações dos
pedidos de controlo de constitucionalidade endereçadas ao
Conselho Constitucional195.

2.2. A Assembleia da República


2.2.1. Posição jurídico-constitucional

O artigo 168 n°1 da CRM estabelece que “a Assembleia da


República é uma assembleia representativa de todos os cidadãos
moçambicanos”. 2. “o deputado representa todo o país e não
apenas o círculo pelo qual é eleito”, o que significa que este órgão
de soberania representa tanto aos cidadãos que participaram no
sufrágio quanto aos que não tomaram parte.

194
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 621-622.
195
Universidade Católica de Moçambique 216

Actualmente a relação entre deputado-eleitor é feita


principalmente em termos triangulares, designadamente: partido
vs eleitores – partido vs deputados – deputado vs eleitores, uma
vez que o eleitorado não escolhe directamente os deputados, mas
os escolhe através da eleição do respectivo partido, isto é, a
eleição do deputado é feita por mediação partidária (cf. Artigo
170 da CRM), o que poderia ser conotado como um mandato
imperativo, no entanto, o mandato é sempre livre, porquanto:

a) Quanto à titularidade do mandato, o mandato do deputado é


individual, não é partidário, por isso, o parlamento é composto
por 250 deputados (cf. 170 n°2 da CRM).
b) Para além de ser individual, o mandato é livre, podendo ser
renunciado nos termos do artigo 178 n°1 da CRM. O deputado
não perde o mandato pela renuncia à sua formação partidária,
mas neste caso, poderá manter o mandato como independente,
e só perderá se, se filiar a outra formação politico-partidária (cf.
Artigo 178 n°2 al.b da CRM).

A AR é um órgão constitucional de soberania autónomo: é


autónomo porque tem o poder de auto-organização, autoi-
regimentação e autonomia administrativa e financeira, e não
recebe ordens nem instruções doutros órgãos (vincula-se pelo
principio da autonomia do parlamento), vide artigos 179 n°4 da
CRM.

A AR é um órgão permanente, não obstante a constante


renovação dos seus membros.

A AR é um órgão colegial, composto por 250 deputados, e não é


um órgão singular.

A AR é um órgão arbitral, na medida em que desenvolve-se num


clima de confronto entre forças politicas diferentes, o que suscita
a adopção de medidas processuais harmonizadoras dos vários
interesses em jogo, designadamente (informação dos partidos,
Universidade Católica de Moçambique 217

instituição de conferencia dos presidentes dos grupos


parlamentares, fixação da ordem-de-dia, recuso a decisões do
plenário)196.

2.2.2. Competências e funções

Do ponto de vista material ou funcional podem se apontar as


seguintes funções de um parlamento: função electiva e de criação
de órgãos, função de controlo e de fiscalização, função legislativa,
função autorizante e função de representação. Do ponto de vista
formal, se identificam as funções de produção de decretos,
resoluções, etc.

2.2.3. Funções
2.2.3.1. Função electiva e de criação:

Traduzida na faculdade dada a AR pela CRM de criar órgãos, ex:


cabe a AR eleger o provedor da justiça (artigo 179 n°2 al.i ).

2.2.3.2. Função legislativa

É a função de fazer leis. É o órgão legiferande primário,


porquanto não exerce em exclusivo essa função, uma vez que o
Conselho de Ministros produz decretos-leis e decretos, os
ministros produzem diplomas ministeriais e as autarquias locais
são dotadas de poder regulamentar. Em determinadas matérias
assiste-se uma reserva legislativa absoluta, pois só a AR pode
legislar, não podendo o Governo legislar (por exemplo, as
indicadas no n°2 do artigo 179 da CRM). Noutras matérias pode
haver reserva legislativa relativa, casos em que o Governo pode
legislar (cf. n°3 do artigo 179 da CRM).

2.2.3.3. Função de controlo

196
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 629.
Universidade Católica de Moçambique 218

Essa função política de controlo realiza-se através de inspecção e


de fiscalização. Dentre outros os actos típicos de controlo tem
sido os seguintes: perguntas, interpelações, inquéritos, petições e
moções de censura. Note-se que esse é um controlo politico e não
jurídico.

2.2.3.4. Função de fiscalização

Essa função, que é mais profunda que o mero controlo politico,


manifesta-se através do controlo dos estados de necessidade
constitucional, controlo dos actos do governo, controlo das contas
e orçamento do Estado, etc.

2.2.3.5. Função autorizante

A função de autorizar manifesta-se, entre outros exemplos, nas


seguintes alíneas do n°2 do artigo 179 da CRM: g), j), p),
nomeadamente, sancionando a declaração dos estados de
necessidade, deliberando o programa do Governo e autorizando o
governo a contrair empréstimos, respectivamente. Alguns autores
têm qualificado essa função da AR como sendo actos de co-
decisão.

2.2.3.6. Função de representação

Traduz-se em a AR representar a todos os cidadãos


moçambicanos. Essa função tem se notado igualmente na
“parlamentarização”das funções que classicamente pertenciam
exclusivamente aos monarcas ou chefes de Estado,
nomeadamente, a necessidade de ratificação dos tratados
internacionais, o sancionamento do estado de sítio, etc.

2.3. O Governo
2.3.1. Conceito orgânico-institucional de governo e posição jurídico-
constitucional
Universidade Católica de Moçambique 219

2.3.1.1. O Governo

O termo governo comporta vários significados, designadamente,


(i) como complexo organizatório do Estado (conjunto de órgãos)
com competência de direcção politica (ex: forma de governo); (ii)
conjunto de todos os órgãos que desempenham tarefas e funções
não enquadráveis no poder legislativo e judicial (ex: poder
executivo); (iii) órgão constitucional de soberania com
competência para a condução da politica geral do país e
superintende na administração publica197 (cf. artigo 203 da
CRM). É este ultimo sentido que interessa.

O Governo é um órgão de soberania colegial (constituído pelo


PR, Primeiro-Ministro e Ministros) e solidário (artigos 209 e 201
n°1 da CRM), isto é, vincula-se pelos princípios de
colegiabilidade e solidariedade.

O principio da colegiabilidade impõe a definição de linhas


gerais da politica pelo Conselho de Ministros e a obrigatoriedade
deste Conselho executar essa política.

Principio da solidariedade significa que cada membro do


governo não só é responsável pelos seus actos, como também é
responsável pela política geral do governo, incluindo a parte
executada por outros membros do governo (cf. artigo 209 da
CRM).

O Governo é um órgão colegial hierarquicamente estruturado da


seguinte forma: PR, Primeiro-Ministro e Ministros (cf. artigos
201 n°1, 202 e 205 da CRM). O Conselho de Ministros é
presidido pelo PR, o qual é assistido pelo Primeiro-Ministros,
este, por sua vez, coordena as actividades dos ministérios.

O Governo goza do poder de auto-organização, na medida em


que é constitucionalmente atribuídos poderes para tomar medidas
para a formação do governo, organização interna e
197
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 636.
Universidade Católica de Moçambique 220

funcionamento: possui competência legislativa reservada (artigo


204 n°3 da CRM).

2.3.2. A responsabilidade politica do governo


2.3.2.1. Responsabilidade política perante a Assembleia da República

Nos termos dos artigos 202 e 207 da CRM o Conselho de


Ministros, para alem de responder perante o PR, também
responde perante AR, cabendo ao Primeiro-Ministro representar o
Governo perante a AR (cf. artigo 206 da CRM).

2.3.2.2. Responsabilidade política perante o Presidente da República


Nos termos do artigo 207 da CRM o Conselho de Ministros
responde politicamente perante o PR, e nos do artigo 208 cada
membro do Conselho de Ministros responde individualmente
perante o PR e perante o Primeiro-Ministro.

2.3.3. As funções do governo

O Governo exerce funções politicas, legislativas e


administrativas, como a seguir se descreve.

2.3.3.1. Função politica ou de governo


a) Delimitação negativa

Para a caracterização da função politica ou de governo, é


adequado proceder-se a uma delimitação negativa. Assim, (i) nem
todas as actividades desenvolvidas pelo governo são actividades
politicas ou de governo, (ii) o governo não é o único órgão com
função politica, uma vez que, nos termos constitucionais, outros
órgãos de soberania exercem também a função de direcção
política, ex: AR, (iii) tem havido reserva expressa de algumas
actividades politicas ao governo, (iv) o governo não é possui
constitucionalmente um poder autónomo, tem apenas um domínio
funcional, pois “em parte pertence ao Governo em sentido
Universidade Católica de Moçambique 221

orgânico-institucional e, noutra parte, aos outros órgãos de


soberania, como o PR e a AR”198.

b) Sentido material

A função politica ou de governo “é um complexo de funções


legislativas, regulamentares, planificadoras, administrativas e
militares, de natureza económica, social, financeira e cultural,
dirigidas à individualização e graduação dos fins
constitucionalmente estabelecidos199”.

A função politica é acompanhada de uma grande margem de


liberdade de conformação, isto é, de discricionariedade, dai que
“governar ou fazer politica implica, iniciativa, coordenação,
combinação, planificação e liberdade de conformação”200.

c) Forma

As formas de exercício da função política são constitucionalmente


consagradas, embora varie a forma de vinculação jurídica,
porquanto: (i) nalguns casos a competência para o exercício de
um dada função politica é de um certo órgão (competência
constitucionalmente vinculada); (ii) confere-se aos órgãos uma
larga margem de liberdade de conformação, desde que se
respeitem os limites jurídico-materiais constitucionalmente
estabelecidos; (iii) exercício de funções politicas com simples
discricionariedade, pois há vinculação jurídico-material, positiva
e determinante de funções, estando os órgãos com competência
para o exercício de funções políticas obrigados a executar
programas ou imposições constitucionais”201.

198
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 644.
199
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 644.
200
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 644.
201
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 645.
Universidade Católica de Moçambique 222

Entretanto, a função politica pode ser exercida de diversas


formas, “nomeadamente, actos legislativos ou regulamentares,
linhas de direcção politica ou em instruções, planos globais ou
sectoriais, actos de comando militar, informações e propostas em
actos de nomeação de funcionários ou presidentes de órgãos202”.

2.3.3.2. Função legislativa

O Governo tem competência legislativa e regulamentar, traduzida


em produção de decretos-leis e decretos do Conselho de
Ministros. Os regulamentos podem ser executivos ou autónomos.
Cf. 210, 204 e 143 da CRM.

2.3.3.3. Funções administrativas

Nos termos do artigo 203 da CRM o Conselho de Ministros


assegura a administração do País. Entretanto, a destrinça entre a
função politica e administrativa não é linear.

Há dois critérios que se tentaram usar para a distinção,


designadamente:

(i) Um dos critérios considera funções do governo as que são


exercidas pelos órgãos do executivo, e funções administrativas as
que são desempenhadas pelos órgãos inferiores203;
(ii) Outro critério considera que funções politicas são livres e iniciais,
ao passo que as funções administrativas são derivadas,
executivas e heteronomamente determinadas204.
(iii) Contudo, estes critérios são criticáveis, pois um acto de governo
pode se transformado como simples acto da administração,

202
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 645.
203
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 645.
204
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 646.
Universidade Católica de Moçambique 223

assim que um acto administrativo pode ser considerado como


um acto de governo.

Segundo Gomes Canotilho, a função administrativa consiste na


concretização e realização dos interesses públicos da
comunidade, quer dando execução a decisões ou deliberações
constantes de actos legislativos, actos de governo e actos de
planificação, quer intervindo, conformadora ou
ordenadoramente, na prossecução de fins (de interesse publico)
individualizados na Constituição e nas leis.

As formas de exercício da função administrativa são formas


concretas e adequadas à satisfação do interesse público, que
incluem contratos, actos de planificação e directivos.

2.4. O Conselho de Estado

O Conselho de Estado, apesar de ser órgão do Estado, não é órgão


de soberania (cf. artigo 133 da CRM), é sim, um órgão político de
consulta do Chefe de Estado, criado na revisão constitucional
operada em 2004 (artigos 164 – 167 da CRM.

É composto pelo Presidente da AR, Primeiro-Ministro, Provedor


de Justiça, antigos PR não destituídos, antigos presidentes da AR,
7 personalidades de mérito eleitas pela AR, 4 personalidades
designadas pelo PR e o Segundo Candidato mais votado ao cargo
de PR (cf. artigo 164 n°2 da CRM).

As competências do Conselho de Estado constam do artigo 166


da CRM e funciona nos termos definidos no artigo 167 da CRM.

Referência Bibliográfica
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6ª
edição, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 537- 646
Universidade Católica de Moçambique 224

Exercícios
Exercícios

1..O que entende por:


a).Direito constitucional organizatório?
b).Reserva da República?
c).Função política ou de governo?

2..O que significa:


a).O princípio da separação e interdependência de poderes nos níveis
funcional, institucional e sociocultural?
b).A adequação funcional dos órgãos de soberania?
c).A teoria do núcleo essencial como exigência do principio da
separação e interdependência de poderes?
d).O termo PR e Chefe de Estado?
e).………………………………..

3..Explique:
a).O sentido do princípio da separação e interdependência como
directiva fundamental da organização do poder político.
b).Que pilares poderão ser aplicadas para a concepção constitucional de
um governo moderado, assente num sistema de freios e contrafreios?
c).Como ocorre o confronto entre o governo e oposição, no âmbito do
conceito de separação e interdependência de funções?
d). ................................................................

4..Estabeleça diferenças entre:


a).Direito organizatório materialmente constitucional e direito
organizatório material e formalmente constitucional
b).Veto politico e veto por inconstitucionalidade
c).Órgãos constitucionais de soberania e órgãos constitucionais do
Estado
d).Principio da colegiabilidade e principio da solidariedade
e).Competência legislativa e competência judicial
f).Principio da tipicidade e principio da indisponibilidade da
competência
h).Competência legal e competência constitucional
Universidade Católica de Moçambique 225

i).Competência constitucional (não escrita) implícita e competência


explicita
j).Resulting powers e implied powers
l).Inherent powers e implied powers
m).Competência e tarefa
n).Competência constitucional não escrita e competência constitucional
(escrita) implicita
o).Competência constitucional implícita e competência
p).Separação horizontal de poderes e separação vertical
q).Competencia-quadro e competencia exclusiva
r).Competência exclusiva e competencia concorrente

5..Comente:
a).“O regime das incompatibilidades dos órgãos de soberania constitui
uma exigência do princípio de separação e interdependência de
poderes”.
b)“A AR é um órgão autónomo”
c)“A CRM consagra não consagra o sistema de check and balances”.
d).“A oposição adquiriu modernamente um estatuto jurídico-
constitucional importante”
e)“O PR é guardião da Constituição moçambicana”

Auto-avaliação
Universidade Católica de Moçambique 227

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