Você está na página 1de 57

PSICOLOGIA APLICADA AO SERVIÇO

SOCIAL
Fernanda Piscinin
SUMÁRIO

1 CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA PSICOLOGIA: PSICANÁLISE, BEHAVIORISMO,


GESTALT E PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA/HISTÓRICO-CULTURAL ............ 3
2 ANÁLISE DA PSICOLOGIA SOCIAL: DEFINIÇÕES E OBJETOS DE ESTUDOS 13
3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .................................................................... 20
4 DEBATES SOBRE TEMAS FUNDAMENTAIS DA PSICOLOGIA SOCIAL........ 27
5 FAMÍLIA, ESCOLA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA ...................... 35
6 PSICOLOGIA SOCIAL COMO SUPORTE AO SERVIÇO SOCIAL ................... 45

2
1 CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA PSICOLOGIA: PSICANÁLISE,
BEHAVIORISMO, GESTALT E PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA/HISTÓRICO-
CULTURAL

Apresentação

Olá, aluno! Seja bem-vindo (a) ao estudo da psicologia e suas interfaces com os
sujeitos e a realidade social!

Psicologia enquanto ciência

Todo mundo aqui deve ter um amigo que está sempre preparado para te ouvir quando
você precisa. Muitas vezes, você já deve ter pensado que esse amigo é quase um
psicólogo! Na verdade, as pessoas acreditam, baseadas no conhecimento de senso
comum, que o fato de estarem disponíveis a ouvir o outro já o torna um psicólogo. Isso
é um engano, pois a psicologia é muito mais ampla do que isto, ela é uma ciência que
se apoia em estudos sistemáticos e tem como objeto de estudo o ser humano e seus
fenômenos psicológicos. Vamos conhecer um pouco mais sobre algumas das
concepções teóricas dessa ciência?

Neste bloco, vamos começar a conhecer a história e o desenvolvimento da


psicologia enquanto ciência, a partir do contato com algumas importantes concepções
teóricas que fazem parte do campo de estudos e intervenções da psicologia. Além
disso, vamos começar a refletir um pouco sobre as contribuições da psicologia à
prática do assistente social. Bons estudos!

3
1.1 Psicanálise

De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2018) a psicanálise, criada por


Sigmund Freud (1856-1939), pode ser entendida como uma teoria, um método de
investigação e uma prática profissional, que tem como objetivo conhecer o
funcionamento da vida psíquica, interpretando aquilo que manifestamos a partir de
ações e palavras, dando-nos a possibilidade de buscarmos autoconhecimento a partir
da análise.

Freud era médico, especialista em psiquiatria e começou a desenvolver seu


trabalho a partir do atendimento clínico a pessoas com “problemas nervosos”.
Trabalhou com Jean Martin Charcot (1825-1893) e Josef Breuer (1842-1925), médicos
que contribuíram na construção do desenvolvimento de seu trabalho e investigações a
respeito do inconsciente.

Para Freud, esse era um conceito importante. O inconsciente é o lugar onde


toda a experiência afetiva fica registrada e contribui para a determinação dos
comportamentos dos indivíduos durante todas as fases do seu desenvolvimento. Para
Bock, Furtado e Teixeira (2018), o indivíduo utiliza mecanismos de defesa, que são
inconscientes e deformam a percepção da realidade, afastando pensamentos que
possam ser dolorosos ou desorganizadores do psiquismo.

Falando em psiquismo, Freud, a partir de seus estudos e intervenções,


desenvolve uma teoria sobre a estrutura do aparelho psíquico, em que ele se refere a
três sistemas ou instâncias psíquicas. Inicialmente, ele vai chamar de inconsciente, pré-
consciente e consciente. Depois, com o amadurecimento em seus estudos, Freud
modifica a teoria do aparelho psíquico e começa a trabalhar com os conceitos de id,
ego e superego. O id é onde guardamos nossa energia psíquica e onde se localiza o que
Freud chamou de pulsão de vida e pulsão de morte. O ego é regido pelo princípio da
realidade e tem como funções básicas a percepção, a memória, os sentimentos e o
pensamento. Já o superego é o local onde internalizamos proibições e limites impostos
por exigências culturais e sociais. O superego tem sua origem com o complexo de
Édipo.

4
O complexo de Édipo é um processo que ocorre com meninos e meninas entre
3 e 5 anos. Nessa fase, de acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2018), a mãe torna-se
objeto de desejo do menino e o pai da menina. Para “ter” o pai, ou a mãe, a criança se
identifica com o outro (pai ou mãe) enquanto modelo de comportamento. Nesse
processo, ela passa a internalizar regras e normas sociais representadas e impostas
pela figura de autoridade.

Freud trabalhou em caminhos que nos ajudassem a conhecer um pouco mais


da nossa vida psíquica. Os estudos e descobertas de Freud foram traduzidos em
conceitos importantes que podem ser aplicados no trabalho psicanalítico, contribuindo
no entendimento das relações e conflitos humanos.

1.2 Behaviorismo

Behaviorismo tem origem do termo inglês behavior que significa


“comportamento”. Essa concepção teórica da psicologia foi fundada pelo americano
John B. Watson (1878-1958), que em um contexto em que a psicologia buscava
reconhecimento como ciência, tinha como proposta a experimentação observável e
mensurável do comportamento.

Certos estímulos levam o organismo a dar determinadas respostas e


isso ocorre porque estes se ajustam aos seus ambientes por meio de
equipamentos hereditários e pela formação de hábitos, que
contribuem para formar novas respostas. Watson buscava a
construção de uma psicologia livre de conceitos mentalistas e de
métodos subjetivos, atendendo, dessa maneira, aos objetivos da
ciência que seriam de previsão e de controle (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2018, p.51).

5
Apesar de Watson ter dado o primeiro passo na análise do comportamento,
outros psicólogos comportamentais ficaram bastante conhecidos nessa área da
psicologia. Um desses foi B. F. Skinner (1904-1990), que por meio da análise
experimental do comportamento, formulou a ideia de comportamento operante, ele
defendia que o comportamento poderia ser controlado pelo estímulo às respostas
esperadas e tanto o comportamento reflexo como o intencional podiam ser
condicionados.

O comportamento operante refere-se à inter-relação sujeito-


ambiente. Quando o organismo se comporta, emitindo essa ou
aquela resposta, sua ação produz uma alteração ambiental, uma
determinada consequência que, por sua vez, retroage sobre o sujeito
alterando a probabilidade futura de ocorrência. Assim, agimos sobre
o mundo em função das consequências criadas pela ação (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p.54).

Skinner demonstrou a sua tese relacionada ao comportamento operante em um


experimento dentro de uma caixa, que ficou conhecida como Caixa de Skinner. A partir
dessa experiência, Skinner definiu alguns eventos consequentes ao comportamento
que se pretendia obter, que podem acontecer pelo que chamamos de reforço.

O Behaviorismo, assim com outras tendências teóricas da psicologia ligadas ao


comportamento, vem sendo aplicadas em diversas áreas como a educação, recursos
humanos em empresas, esporte, entre outras.

6
Figura 1 - Caixa de Skinner - Disponível em: https://slideplayer.com.br/slide/3504017/

Um rato foi colocado em um recipiente fechado no qual encontrava apenas


uma barra. Essa barra, ao ser pressionada pelo rato, acionava um mecanismo que lhe
permitia obter uma gotinha de água, encaminhada à caixa por meio de uma pequena
haste. Durante a exploração da caixa, o rato pressionou a barra acidentalmente, o que
lhe trouxe, pela primeira vez, uma gota de água que foi rapidamente consumida. O
procedimento envolvia tornar disponível a água ao rato cada vez que a barra fosse
pressionada. Depois de várias tentativas bem-sucedidas, constatou-se a alta
probabilidade de que, estando em situação semelhante, o rato pressionasse a barra
novamente (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p.54).

1.3 Gestalt

A Psicologia da Gestalt, representada inicialmente por Max Wertheimer (1880-


1916), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1941), foi fundada a partir da
necessidade de entender as ações e processos humanos como uma totalidade. Na
tentativa de comprovar fenômenos psicológicos a partir de uma prática científica,
vários representantes da psicologia acabaram tentando traduzir alguns dos processos
humanos de forma fragmentada. Nesse sentido, de acordo com Bock, Furtado e
Teixeira (2018), tendo suas origens na Fenomenologia, a Gestalt tem como objetivo a
análise dos fenômenos como os percebemos, ou seja, como percebemos a realidade
ao nosso redor, entendendo a experiência de cada pessoa e como ela é vivida.

7
Segundo Frazão e Fukumitsu (2014) dos principais conceitos trabalhados pela
Gestalt é o que chamamos de awareness, que pode ser traduzida como “estar
consciente de”, o que importa para a Gestalt é o aqui-agora.

Como podemos ver, a percepção é um dos elementos-chave em que essa


concepção teórica se apoia, pois é a partir desta que tomamos consciência do que está
a nossa volta, estabelecendo uma relação chamada pela Gestalt de figura-fundo. No
entanto, é importante também entendermos como cada um de nós decodifica essa
realidade, pois é isso que determinará nossos comportamentos e sentimentos em
relação a alguma situação. Para a Gestalt “o todo é maior do que a soma das partes” e
o comportamento precisa ser estudado levando em consideração o contexto no qual o
indivíduo está inserido.

1.4 Psicologia Sócio-Histórica e Psicologia Comunitária

1.4.1 Psicologia Sócio-Histórica

De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2018), a Psicologia Sócio-Histórica


toma como base de estudos a Psicologia Histórico-Cultural de Lev Vygotsky (1896-
1934), que propõe a possibilidade de superação das visões dicotômicas, que entendem
os sujeitos a partir de uma perspectiva unilateral e naturalizada, que ele considera
reducionista. Para Vygotsky a experiência pessoal se constitui no coletivo e na cultura,
portanto precisa ser analisada a partir de uma perspectiva sócio-histórica, que se
reproduz em um movimento dialético da realidade. Ou seja, as formas de subjetivação
presentes hoje, fazem parte do movimento em que se constitui a história.

Dessa forma, podemos dizer que o fundamento filosófico, teórico e


metodológico adotado pela Psicologia Sócio-Histórica é o materialismo histórico
dialético. Nessa perspectiva, o ser humano é um indivíduo ativo e participante da
história e da sociedade, e esta última é concebida como uma construção histórica dos
seres humanos que produzem sua vida material em suas atividades, por seu trabalho.
Nesse sentido, as ideias, são representações da realidade material e levam em si as

8
contradições que se expressam nelas. A história é concebida como o movimento
constante do fazer humano, que produz ideias (inclusive a própria psicologia) a partir
da base material.

É nessa relação dialética que a psicologia sócio-histórica trabalha.


Afirma a materialidade, mas nega o determinismo estrutural e a
ordem natural dos fenômenos, apresentando uma concepção muito
profícua de que a materialidade já contém a subjetividade
historicamente incrustada, o que significa que a materialidade não é
física, e que a subjetividade não é ideia pura: ambas são configuradas
e configuram a história pela mediação do trabalho (SAWAIA, 2014, p.
5).

A atividade, a consciência, a identidade, a afetividade, a linguagem, o sentido e


o significado, são algumas das categorias de análise que a Psicologia Sócio-Histórica se
utiliza. De acordo com Strey et al (2013) nos ajuda a fazer uma leitura dos processos e
movimentos que fazem parte das relações sociais em determinado momento histórico
e dizem do processo de construção da subjetividade humana.

1.4.2 Psicologia Comunitária

A Psicologia Comunitária, segundo Ornelas (1997), surge enquanto um


desdobramento da Psicologia Social crítica e da necessidade de construção de uma
nova atuação da psicologia, que estivesse mais atenta aos movimentos de
transformação da realidade, atuando diretamente nas comunidades. Dessa forma, os
psicólogos comunitários para que pudessem melhorar o estado psicológico geral dos
indivíduos de determinada comunidade, precisariam entender os processos que fazem
parte desta. Essa concepção teórica traz uma perspectiva política, pois a intervenção
passa a ser de âmbito social e não mais individual.

A Psicologia Comunitária vai se destrinchando, ao longo do tempo, em várias


correntes teóricas. No contexto norte-americano, na década de 1960, podemos

9
perceber uma prática que dava ênfase a uma lógica de controle da comunidade, a
partir de uma dinâmica educacional, de maior participação social do grupo segundo
ORNELAS (1997).

Já no contexto latino-americano, vemos emergir, a partir da década de 1970,


uma prática, cuja principal característica era o compromisso com uma ação
psicossocial orientada para a transformação social, tendo com base uma práxis crítica
libertadora. Segundo Costa (2015) essa prática acontecia mediante o processo de
fortalecimento comunitário, que demanda mobilização das potencialidades individuais
e coletivas das pessoas e grupos na comunidade. Nesse processo, é de fundamental
importância a construção de uma prática que envolve o compromisso, a participação e
o exercício da democracia.

1.5 A associação da teoria psicológica à prática do assistente social

Depois de termos conhecido um pouco de algumas das perspectivas teóricas da


psicologia, podemos refletir juntos: como esse conhecimento poderá contribuir para a
prática do trabalho do assistente social?

A psicologia e o serviço social são profissões que trabalham de forma


interdisciplinar em diferentes espaços socio-ocupacionais. Suas áreas de conhecimento
podem ser complementares, possibilitando um olhar mais integral aos indivíduos e
suas relações sociais, culturais, econômicas e políticas.

Ambas as profissões intervêm diretamente com os sujeitos sociais, nas mais


diversas situações do cotidiano. Dessa forma, a psicologia, principalmente a Psicologia
Social, pode nos ajudar a compreender a construção da subjetividade dos indivíduos, a
partir das relações sociais vividas por eles, entre sujeito e sociedade.

A interseção entre essas duas áreas do conhecimento pode subsidiar a


construção de saberes e ações que tenham como foco o compromisso social, tendo
como consequência práticas voltadas para a garantia de direitos sociais, civis e
políticos.

10
Conclusão

Diante da apresentação dessa unidade, percebemos que a psicologia, enquanto


uma ciência, baseada em objetos de estudo, métodos e metodologias, tem dimensão
multifacetada. Isso nos faz constatar a existência de vários referenciais, ou seja, várias
psicologias. Conhecemos um pouco de algumas concepções teóricas como Psicanálise,
Behaviorismo, Gestalt, Psicologia Sócio-Histórica e Psicologia Comunitária. Vimos que
cada uma delas enxerga os indivíduos e os fenômenos psicológicos de maneiras
diferentes.

Depois de termos conhecido um pouco mais da psicologia, refletimos sobre a


possibilidade de associação da teoria psicológica à prática do assistente social. Nesse
sentido, concluímos que no cotidiano do trabalho dessas duas profissões é possível
uma atuação interdisciplinar, que garanta um olhar integral para os indivíduos e as
relações sociais.

Referências

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.
Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 15. Ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2018.

COSTA, José Fernando Andrade. “Fazer para Transformar”: a Psicologia Política das
Comunidades de Maritza Montero. Revista Psicologia Política, v.15, n.33, 2015.
Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-

549X2015000200003> Acesso em: 16 ago 2019

FRAZÃO, Lilian Meyer; FUKUMITSU, Karina Okajima (org.) Gestalt-terapia: conceitos


fundamentais. 1. Ed. São Paulo: Summus, 2014 (recurso digital).

11
ORNELAS, José. Psicologia comunitária: Origens, fundamentos e áreas de
intervenção. Análise Psicológica, 3, XV, p.375-388, 1997. Disponível em:
<http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v15n3/v15n3a02.pdf> Acesso em: 16 ago 2019

SAWAIA, Bader Burihan. Transformação social: um objeto pertinente à Psicologia


Social? Psicologia & Sociedade, p. 4-17, 2014. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/psoc/v26nspe2/a02v26nspe2pdf> Acesso em: 16 ago
2019

STREY, Marlene Neves et al. Psicologia Social Contemporânea. 21.ed. Petropolis, RJ:
Vozes, 2013.

12
2 ANÁLISE DA PSICOLOGIA SOCIAL: DEFINIÇÕES E OBJETOS DE ESTUDOS

Apresentação

Depois que conhecemos algumas das concepções teóricas da psicologia e


refletimos como esse conhecimento pode contribuir para a nossa atuação como
assistente social, vamos agora adentrar um pouco mais no campo de conhecimento da
Psicologia Social. Para tanto, conheceremos seus objetos de estudo e maneiras de
intervenção. Vamos lá?

2.1 Desenvolvimento histórico da Psicologia Social

No início do século XX, momento em que a Psicologia tentava ser reconhecida


enquanto ciência, muitos pesquisadores, baseados na proposta positivista de August
Comte (1798-1857), acabavam caindo em uma visão reducionista do ser humano,
reproduzindo uma perspectiva dicotômica que via indivíduo e sociedade de maneira
separada. Diante desse quadro, a Psicologia Social inicia suas problematizações
apontando para a necessidade do desenvolvimento de teorias e métodos que
pudessem explicar as influências dos fatores sociais sobre os processos psicológicos
dos indivíduos.

Apesar de estar mais aberta a análise dessas interações, inicialmente, a


Psicologia Social ainda tinha uma perspectiva adaptacionista. Essa percepção era
comum entre os pesquisadores da Psicologia Social norte-americana. Lá, a Psicologia
Social se desenvolveu a partir da Segunda Guerra Mundial, momento em que se
tentava entender o comportamento social para a minimização de conflitos. Segundo
Strey et al. (2013) psicólogos sociais trabalhavam para a alteração ou a criação de
atitudes a fim de interferir nas relações grupais tornando-as mais harmônicas,
promovendo a produtividade dos grupos, a partir de uma lógica de ajustamento social.

13
No entanto, ainda sim, víamos um processo de dicotomia entre indivíduos e
sociedade, visto que a sociedade era colocada enquanto plano de fundo de um
cenário, onde o indivíduo atuava, e desta forma procurava-se explicar o seu
comportamento por "causas" internas.

Essa Psicologia Social norte-americana foi criticada, principalmente por


cientistas da França e Inglaterra, por ser ideológica, reprodutora dos interesses da
classe dominante e construída em um contexto específico, dificultando sua aplicação
em outros países, com diferentes condições histórico-sociais. Nesse sentido, segundo
Strey et al. (2013), passaram a desenvolver uma Psicologia Social europeia, que tinha
uma maior preocupação com o contexto social.

No Brasil, existia uma forte influência da Psicologia Social norte-americana, mas


que também começou a ser questionada, no momento da “Crise da Psicologia Social”,
visto que sua produção não tinha consonância com os problemas sociais emergentes
dos países latino-americanos. Mediante esse contexto, foi fundada, em 1980, a
Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), que se propôs a construir um
referencial teórico que pudesse compreender o contexto social ali vigente,
perpetrados por problemas políticos e sociais. Essa Psicologia Social, segundo Torres e
Neiva (2011), rompe com a dicotomia (indivíduo/sociedade) até então presente,
trazendo uma perspectiva mais crítica do ser humano como produto histórico-social e,
ao mesmo tempo, como construtor e transformador da sociedade onde está inserido.

2.2 A relação problema-método

De acordo com Torres e Neiva (2011), podemos dizer que a Psicologia Social, a
partir desse momento, propõe trabalhar tendo em vista pressupostos teóricos como o
socioconstrutivismo, a análise do discurso e a psicologia marxista. Essas perspectivas
pautavam o papel político da Psicologia Social e as possibilidades de intervenção para
a transformação da sociedade.

14
Diante das propostas de uma Psicologia Social que atendesse as necessidades
presentes no contexto latino-americano, como vimos no tópico anterior, no Brasil
iniciaram-se as produções científicas, ainda marcadas por rivalidades, mas,
inicialmente, com forte contribuição de Silvia Lane (1933-2006), que trouxe uma
discussão com aportes da Psicologia Sócio-Histórica. Como vimos na unidade anterior,
essa concepção parte do pressuposto de que o ser humano é um ser ativo, social e
histórico. Também é marcante a contribuição de Martin-Baró (1942-1989), que
defendia uma Psicologia Social que trabalhasse no desenvolvimento de um saber
crítico da realidade.

Destarte, é importante apontar que a Psicologia Social latino-americana apresenta,


enquanto problema de pesquisa, a possibilidade de mudanças sociais a partir do olhar
para os indivíduos, vistos em sua totalidade, e um contexto social marcado por
questões sociais e políticas próprias do momento histórico e social. Dessa forma,
podemos perceber o comprometimento de uma psicologia social mais crítica.
Enquanto método, apresenta uma forte tendência ao materialismo histórico dialético.

[...] para conhecer o ser humano, é preciso situá-lo em um momento


histórico, identificar as determinações e desvendá-las. Para entender o
movimento contraditório da totalidade na qual se encontram os indivíduos,
deve-se partir do geral para o particular, para o processo individual de
relação entre atividade e consciência. É necessário perceber o singular e seu
movimento como parte do movimento geral e, ao revelar essas mediações,
compreender não só o geral, mas o particular. É dessa forma que o indivíduo
deve ser entendido pela Psicologia fundamentada no materialismo histórico
e dialético (BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 2018, p. 75).

2.3 Os objetos de estudo da psicologia social

Considerando os processos de mudanças presentes no contexto da Psicologia


Social vividas pelas tendências norte-americana, europeia e latino-americana,
podemos dizer que a Psicologia Social se debruçou em vários objetos de estudo ao
longo do tempo. No entanto, vemos que a base desses estudos eram as relações dos
indivíduos, entre si e com a sociedade ou cultura onde estão inseridos.

15
Para entendermos melhor, comecemos com a compreensão de que o indivíduo
e sua subjetividade se constituem a partir de sua inserção na cultura. Dessa forma,
podemos dizer que o ser humano é diferente de outras espécies, visto que ele
desenvolve e torna cada vez mais complexa sua cultura. Esse processo, segundo Strey
et al (2013), se dá a partir da aquisição da linguagem, momento em que se inicia uma
organização complexa do pensamento, em que o ser humano aprende a simbolizar.

No decorrer do seu desenvolvimento, o indivíduo fará contato com a cultura


pertencente ao seu grupo, a partir das inter-relações sociais, aprendendo regras,
valores, crenças e costumes que fazem parte da sociedade. Porém, de acordo com
Strey et al. (2013) é importante pontuar que o indivíduo não absorve passivamente a
cultura imposta, visto que esse processo envolve um movimento em que o indivíduo
constrói a sociedade e é construído por ela.

Nesse processo, a linguagem tem papel importante, por ser um produto e um


instrumento social, trazendo consigo as propriedades de comunicação e significação,
orientando-se no sentido da constituição da consciência dos indivíduos. Assim, a
palavra reflete a origem social da consciência (STREY et al., 2013).

Em síntese, nesse processo de construção contínuo da cultura é que as relações


sociais vão se constituindo, contribuindo nos processos de formações de
representações sociais e identidades.

Mediante o exposto, podemos dizer que, ao se debruçar nos objetos de estudo


aqui apresentados, a Psicologia Social busca refletir sobre o movimento de
transformação do ser humano e as construções subjetivas, podendo ser pessoais e
sociais, contidas no movimento da sociedade.

2.4 Intervenções da psicologia social

A prática da psicologia social pode estar presente em vários contextos como


consultórios, instituições de saúde, escolas, organizações públicas e/ou privadas, entre
outros, e em diferentes territórios. Segundo Ferreira (2014) trabalho se dá a partir de

16
conjecturas e ações que podem envolver movimentos sociais, grupos geracionais,
enfim, diferentes seguimentos socioculturais, com o objetivo de se constituir
intervenções junto a projetos na área social e políticas públicas.

O papel do psicólogo social, de acordo com Bock, Furtado e Teixeira:

[...] é construir condições para que cada sujeito, grupo ou instituição


compreenda e se aproprie de sua forma de estar no mundo e
contribua nas relações que estabelece a partir de se considerar como
parte ativa na transformação de si e do mundo na busca de melhores
condições de vida para si e para o coletivo. (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2018, p. 79)

No processo de construção de intervenções da psicologia social, precisamos


levar em conta as relações sociais que se constituem por meio da comunidade. Neste
contexto, segundo Ferreira (2014), podemos ver a diversidade das relações de um
grupo, onde as pessoas estabelecem relações dinâmicas e que se perpetuam por algo
em comum. Desta maneira, é importante ressaltar que a intervenção da psicologia
social deve considerar a presença ativa desses indivíduos e suas singularidades,
garantindo que tenham voz e vez, no exercício da ação política.

2.5 O indivíduo e a multidão

Como vimos no tópico anterior, a Psicologia Social se dedica ao estudo das


relações sociais, à forma como os indivíduos as constituem e são constituídos e como
estas relações podem ser vistas no âmbito da comunidade. Assim sendo, é importante
problematizar aqui a forma como essas relações se dão, entendendo o papel dos
indivíduos.

17
Segundo Strey et al. (2013) as relações sociais, em uma perspectiva dialética, só
se dão a partir do momento que existe a ligação com um outro. Nesse sentido, para
que haja transformação é necessária a transformação das relações existentes.

Em vista disso, quando trabalhamos no contexto da psicologia social,


precisamos levar em conta a existência de um grupo/comunidade, com propósitos
comuns, e que se organize por meio destas relações sociais. Ao contrário disso, de
acordo com Strey et al. (2013), teremos um amontoado de pessoas em multidão,
situação em que a relação entre elas, praticamente, é inexistente, e a única coisa em
comum é a figura de um chefe ou um dirigente. Dessa forma, ficaria difícil estabelecer
uma dinâmica democrática, em que os indivíduos possam exercitar seu direito de
participação e são respeitadas em sua autonomia.

Conclusão

Nessa unidade, estudamos sobre o processo de construção histórica da


Psicologia Social, entendendo que esta sofreu influências de diferentes vertentes
metodológicas ao longo do tempo, relacionadas às particularidades de cada contexto
social, político e econômico, em momentos históricos distintos.

Vimos também que a Psicologia social latino-americana se destaca nesse


contexto, trazendo uma problematização mais crítica da realidade, baseada em
questões políticas e econômicas que emergiam nesses países no final da década de
1970. Por conseguinte, vimos a construção de uma psicologia social apoiada em
estudos que visavam entender e intervir nas relações dos indivíduos e na sociedade,
apreendendo esses indivíduos enquanto seres ativos, sociais e históricos.

Ao final, conhecemos um pouco das possibilidades de intervenção da psicologia


social, considerando a importância da comunidade, para a construção de uma prática
profissional mais democrática.

18
Referências

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.
Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 15. Ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2018.

TORRES, Claudio Vaz; NEIVA, Elaine Rabelo. Psicologia Social: principais temas e
vertentes. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011.

STREY, Marlene Neves et al. Psicologia Social Contemporânea. 21.ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2013.

FERREIRA, Rita de Cássia Campos. Psicologia Social e Comunitária. Fundamentos,


Intervenções e Transformações. São Paulo, SP: Érica, 2014.

19
3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Apresentação
Olá, aluno! Nesta unidade estudaremos as Representações Sociais, enquanto
temática importante da Psicologia Social, que permeia análises e discussões de vários
autores. Conheceremos a origem desse conceito e como ele foi discutido ao longo do
tempo. Propomos-nos também, a pensarmos juntos sobre como as Representações
Sociais são presentes na vida cotidiana. Vamos nos aprofundar mais nessa temática?

3.1 As representações coletivas (Durkheim)

Como vimos nas outras unidades, a construção da Psicologia Social passou por
um longo percurso, tendo como base, diferentes vertentes teóricas. Uma grande
referência foi Émile Durkheim (1858-1917), considerado fundador das Ciências Sociais.
Suas teorias tiveram forte influência na construção da chamada Psicologia Social
Sociológica, vertente da Psicologia Social que se desenvolveu inicialmente na Europa,
em contraponto à Psicologia Social Psicológica, norte-americana.

Durkheim baseia suas reflexões na relação entre indivíduo e sociedade. Para o


autor é a sociedade que determina o comportamento do indivíduo e, por isso, as
condutas individuais não podem ser explicadas apenas com um enfoque individual
psicológico.

Durkheim desenvolveu seu estudo sobre Representações Coletivas, a partir da


análise da religião e dos mitos, problematizando o lugar dos símbolos na sociedade. De
acordo com ele, todas as formas de conhecimento, inclusive a ciência, não são
resultadas de uma construção individual e sim um produto da idealização coletiva.
Para o autor, “[...] nossas categorias de pensamento e representações da realidade
surgem de um fato social” (ALVARO; GARRIDO, 2006, p. 9). Nesse sentido, essas

20
construções não podem, segundo Torres e Neiva (2011), estar somente ligadas a uma
consciência individual.

Dessa forma, podemos dizer que as Representações Coletivas são base para a
construção de ideias individuais, ou seja, o indivíduo carrega marcas de sua realidade
social relacionadas aos seus vínculos sociais. Destarte, concluímos que a estrutura
social reproduz representações coletivas.

Os estudos de Durkheim sobre Representações Coletivas são importantes, pois


acabam por influenciar o desenvolvimento da teoria de Representações Sociais,
desenvolvido por Serge Moscovici, que veremos mais adiante.

3.2 As mentalidades primitivas (Lévy-Bruhl)

O conceito de mentalidades primitivas foi desenvolvido por Lévy-Bruhl (1857-


1939), que, assim como Durkheim, acreditava que as representações coletivas
poderiam ter influências sobre os indivíduos. No desenvolvimento de seus estudos ele
apontava, diferentemente de Durkheim, que os campos de conhecimento, como a
ciência moderna, não nascem da religião, enquanto pensamento primitivo. Lévy-Bruhl
faz uma divisão entre mentalidade moderna construída pelo pensamento ocidental, e
a mentalidade primitiva, que tem como fonte, o conhecimento místico e pré-lógico
segundo Torres e Neiva (2011).

Para Lévy-Bruhl o pensamento religioso não se tratava de algo rudimentar ou


primitivo. O pensamento religioso para ele tinha outra lógica de funcionamento, que
se baseia na explicação mística da realidade, diferente do pensamento científico.
Nesse sentido, as mentalidades primitivas derivam não de uma inferioridade evolutiva,
mas seria uma forma de adaptação intelectual ao contexto, de maneira a ignorar as
operações lógicas ou a reflexão. Por exemplo: se um objeto cai no chão, a mentalidade
moderna pode tentar explicar esse fato a partir da física. Já a mentalidade primitiva,
pode dizer que existe uma condição mística para que esse objeto tenha caído, “porque
Deus quis!”.

21
Dessa forma, segundo Torres e Neiva (2011), para entender o funcionamento
de mentalidades primitivas, era importante conhecer como as representações
coletivas aconteciam na sociedade, influenciando os indivíduos.

3.3 As representações sociais (Moscovici)

Agora que conhecemos um pouco dos estudos de Durkheim e Lévy-Bruhl,


vamos entender como as teorias de representações coletivas e mentalidades
primitivas influenciaram a construção da teoria de representações sociais desenvolvida
por Serge Moscovici (1925-2014), trazendo grande impacto para as discussões da
psicologia social, ao criticar os pressupostos positivos e funcionalistas presentes nas
demais teorias.

Em meados da década de 1960, Moscovici começou a desenvolver a teoria das


representações sociais a partir da observação de que o conhecimento científico e os
termos usados pela ciência, passaram a fazer parte das falas cotidianas, nas relações
sociais. No entanto, esse conhecimento era usado de forma não científica, baseado no
conhecimento de senso comum. Mas o que seria o senso comum? Podemos dizer que
o senso comum é aquele que orienta o conhecimento prático e influencia o
comportamento dos indivíduos no cotidiano. Ele é aprendido nas interações sociais.

Assim, nasceu a teoria de representações sociais que pode ser definida da


seguinte forma:

As representações sociais são “teorias” sobre saberes populares e do


senso comum, elaboradas e compartilhadas coletivamente, com a
finalidade de construir e interpretar o real. Por serem dinâmicas,
levam os indivíduos a produzir comportamentos e interações com o
meio, ações que, sem dúvida, modificam os dois (STREY, 2013, p.
105).

22
É importante pontuar aqui, que Moscovici teve grande influência da teoria de
representações coletivas de Durkheim. Assim como ele, entendia que existe uma
relação entre o coletivo e o indivíduo. No entanto, podemos dizer que ele atualiza as
ideias de Durkheim, pois ele busca entender a construção dessas relações. Nesse
sentido, a teoria das representações coletivas parte da análise de uma estrutura mais
estática. Ao contrário, a teoria das representações sociais, tem um olhar mais dinâmico
para a sociedade, visto que se propõe a analisar como essas relações se dão no
cotidiano.

3.4 A formulação do conceito de representações

Vamos entender então como o conceito de representações sociais foi


formulado? Falamos no tópico anterior que Moscovici parte de um olhar mais
dinâmico em relação à sociedade. Esse olhar garante vermos diversos aspectos que
fazem parte dessa realidade social, dentro de uma dimensão histórica e
transformadora, relacionando aspectos culturais, cognitivos e ideológicos. Moscovici
olhava para o coletivo sem desconsiderar o indivíduo. Segundo ele, esse indivíduo,
inserido na sociedade, passa a pensar de acordo com as ideias compartilhadas nesse
contexto.

De acordo com Strey (2013), para entendermos essa teoria, é fundamental que
possamos considerar elementos como a cognição, o afeto e a ação/atitude e a relação
entre eles no processo de representação social. A cognição poderia ser descrita como a
capacidade de gerar imagens e conhecimento acerca da informação que chega até
mim em determinado momento. Esse contato gera uma percepção que pode alterar a
sensação e o afeto, tendo caráter simbólico significante. Já a ação/atitude é o
posicionamento a partir do que me foi informado.

23
3.5 Núcleo central das representações sociais e manifestações na vida cotidiana

Após entendermos o conceito de representações sociais, vamos entender um


pouco sobre a importância desse conceito para a Psicologia Social e como suas
manifestações se fazem presentes na vida cotidiana.

Estudar Representações Sociais é buscar conhecer o modo como um


grupo humano constrói um conjunto de saberes que expressam a
identidade de um grupo social, as representações que ele forma
sobre uma diversidade de objetos, tanto próximos como remotos, e
principalmente o conjunto dos códigos culturais que definem, em
cada momento histórico, as regras de uma comunidade. (STREY,
2013, p. 107)

Dessa forma, a teoria de representações sociais pode ajudar-nos a entender a


realidade e o comportamento das pessoas no cotidiano, assim como as escolhas que
fazemos, problematizando questões humanas e sociais, que são, muitas vezes,
naturalizadas. Nesse sentido, segundo Strey (2013), podemos dizer que o ser humano
é um ser social e, esse social, não é determinante, mas constitutivo dele.

Criamos as representações sociais para tornar familiar o não familiar. Ao


tornarmos o estranho familiar, garantimos uma sensação de “bem-estar” a partir de
um universo, que inicialmente, poderia trazer desconforto. Nesse caminho, os
processos básicos geradores de representações sociais seriam a ancoragem e a
objetivação, que se compoem diante do que entendemos dos Universos Retificados,
que dizem respeito ao conhecimento científico, e dos Universos Consensuais,
relacionados ao senso comum.

[...] a ancoragem corresponde exatamente à incorporação ou à


assimilação de um novo objeto em um sistema de categorias que são
familiares e funcionais aos indivíduos e que lhes estão facilmente
disponíveis na memória. A ancoragem permite integrar o objeto da
representação em um sistema de valores próprios ao indivíduo,

24
denominando-o e classificando-o em função da inserção social desse
indivíduo. Assim, um novo objeto é ancorado quando ele passa a
fazer parte de um sistema de categorias já existentes, mediante
alguns ajustes (TORRES; NEIVA, 2011, p.293).

Já a objetivação pode ser definida como:

[...] a objetivação é o processo pelo qual procuramos tornar concreto,


visível, uma realidade. Procuramos aliar um conceito com uma
imagem, descobrir a qualidade icônica, material, de uma ideia, ou de
algo duvidoso. A imagem deixa de ser signo e passa a ser uma cópia
da realidade (STREY, 2013, p.110).

É importante pontuar, que esses processos acontecem e desenvolvem-se de


maneira concomitante, dando sentido às representações sociais.

Conclusão

Nessa unidade trabalhamos o conceito de Representações Sociais,


desenvolvido por Moscovici. Conhecemos também a teoria de representações
coletivas de Durkheim e a teoria de mentalidades primitivas, de Lévy-Bruhl, que de
alguma forma, influenciaram o trabalho de Moscovici, enquanto referência importante
para a Psicologia Social.

A teoria das representações sociais nos ajuda a compreender o comportamento


das pessoas no cotidiano, suas relações e escolhas, percebendo que estas não podem
ser naturalizadas e que, de algum modo, estão relacionadas ao lugar do ser humano

25
enquanto ser social. Nesse movimento, vimos que conhecer o saber popular é
importante para a compreensão dos fenômenos sociais.

Referências

STREY, Marlene Neves et al. Psicologia Social Contemporânea. 21.ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2013.

TORRES, Claudio Vaz.; NEIVA, Elaine Rabelo. Psicologia Social: principais temas e
vertentes. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011.

ALVARO, Jose Luis; GARRIDO, Alicia. Psicologia Social: Perspectivas Psicológicas e


Sociológicas. São Paulo: McGraw-Hill, 2006.

26
4 DEBATES SOBRE TEMAS FUNDAMENTAIS DA PSICOLOGIA SOCIAL

Apresentação

Olá, aluno! Estamos trabalhando com aspectos importantes da Psicologia


Social, que nos ajudam a compreender quais os principais autores e teorias que
contribuíram para o processo de construção dessa ciência. Assim, nessa unidade,
vamos estudar um pouco mais dos aspectos conceituais construídos por Vygotsky, que
trouxe importantes contribuições para a Psicologia Social, como vimos nas unidades
anteriores. Vamos conhecer mais de perto esse estudioso e suas contribuições?

4.1 A construção social dos processos mentais superiores

Lev Vygotsky (1896-1934) se dedicou a estudos voltados para a questão do


desenvolvimento humano, evidenciando que os processos de aprendizagem e do
próprio desenvolvimento deveriam ser olhados a partir da relação com os aspectos
sociais em um processo socio-histórico e cultural.

É importante lembrar que Vygotsky teve influência da abordagem do


materialismo histórico dialético e buscava ver o homem na sua interação com a
natureza e com o meio social. Nessa perspectiva, o homem é um ser da natureza, mas
também é um ser social, capaz de transformar a natureza com a mediação de
instrumentos. Ao transformar a natureza ele também se transforma, ou seja,
“mudanças históricas na sociedade e na vida material, produzem modificações na
natureza humana” (PALANGANA, 2001, p. 93). É partir dessa base que ele irá defender
que o uso de instrumentos materiais e o uso dos signos e símbolos, de forma
articulada e combinada, darão origem às funções cognitivas superiores ou processos
mentais superiores. Esses processos mentais superiores são o que distinguirá o
homem dos outros seres da natureza, que não criam e nem transformam a cultura.

27
A teoria de Vygotsky tem como perspectiva o homem como um sujeito total
enquanto mente e corpo, organismo biológico e social, integrado em um
processo histórico. A partir de pressupostos da epistemologia genética, sua
concepção de desenvolvimento é concebida em função das interações
sociais e respectivas relações com processos mentais superiores, que
envolvem mecanismos de mediação. As relações homem-mundo não
ocorrem diretamente, são mediadas por instrumentos ou signos fornecidos
pela cultura (ALMEIDA, 2000, p. 64).

Nesse sentido, para ele, era importante entender o papel da linguagem


enquanto instrumento humano de mediação e interação com o meio e com a cultura.
A partir do desenvolvimento da fala são produzidas mudanças qualitativas na
estruturação cognitiva do indivíduo, agindo na estrutura do pensamento. Vygotsky
defendia que as funções mentais superiores (percepção, memorização, atenção,
pensamento e imaginação) são socialmente formadas e culturalmente transmitidas
por meio da linguagem. Nesse processo, mesmo que o indivíduo tenha capacidade
biológica de se desenvolver, isso somente será possível a partir da interação com o
outro.

De acordo com PALANGANA (2001), a partir dos aspectos apresentados,


podemos dizer que há quatro pensamentos-chave vygotskyanos: a interação, a
mediação, a internalização e a Zona de Desenvolvimento Proximal. A interação
acontece por meio dos relacionamentos interpessoais, de troca com o meio. Essa
interação se dá nos processos de mediação, a forma como o indivíduo irá desenvolver
essa interação através de representações simbólicas e da linguagem. A partir disso,
acontece a internalização, ou o momento em que a aprendizagem se completa. Já a
Zona de Desenvolvimento Proximal está relacionada àquilo que já está apreendido
pelo indivíduo e o que possa vir a se estabelecer enquanto aprendizagem, na
aproximação com os outros mais experientes.

4.2 Inter e Intrasubjetividade

28
Agora que já entendemos como se dá a construção social dos processos
mentais superiores, é interessante discutirmos o papel da realidade social na formação
do sujeito individual. Como falamos anteriormente, de acordo com Vygotsky, a
constituição do sujeito é permeada pela cultura e pelas interações sociais. Então como
podemos pensar na formação da subjetividade a partir dessa perspectiva teórica? Para
começar vamos definir subjetividade:

Um sistema integrado do interno e do externo, tanto em sua


dimensão social, como individual, que por sua gênese é também
social... A subjetividade não é interna e nem externa: ela supõe outra
representação teórica na qual o interno e o externo deixam de ser
dimensões excludentes e se convertem em dimensões constitutivas
de uma nova qualidade do ser: o subjetivo. Como dimensões da
subjetividade ambos (o interno e o externo) se integram e
desintegram de múltiplas formas no curso de seu desenvolvimento,
no processo dentro do qual o que era interno pode converter-se em
externo e vice-versa (GONZALEZ-REY, 1997, p. 40).

A partir do exposto, podemos evidenciar que a construção da subjetividade acontece a


partir de movimentos de intersubjetividade e intrasubjetividade. A linguagem e seu
desenvolvimento serão responsáveis pela formação de processos mentais que
determinarão o uso dos signos, ou os significados que damos para as experiências que
vivenciamos. Dessa forma, aquilo que parece individual na pessoa, ou intrasubjetivo, é
resultado de sua construção na relação com o outro, um coletivo, que veicula a
cultura, em uma condição intersubjetiva. As características e atitudes individuais estão
profundamente impregnadas nas trocas com o coletivo, é no contexto da cultura, de
seus valores e da negociação de sentidos tramados pelos grupos sociais, que se
constrói e se internaliza o conhecimento. Nesse processo, nos tornamos humanos na
relação social com o outro e nos apropriamos dos significados sociais. No entanto,
também atribuímos significados, conferindo às relações ao nosso redor um sentido
pessoal.

29
4.3 O processo de socialização

Podemos dizer que a experiência social começa com o nascimento. As


primeiras demandas da criança são de natureza biológica, como se alimentar, se
manter aquecido e seguro. Porém, essas demandas serão atendidas na relação com
outros seres humanos, que irão determinar como essas necessidades serão atendidas.
Por exemplo, a criança precisa se alimentar. Inicialmente, essa alimentação é provida
pela mãe ou um cuidador que definirá o tipo de alimento que essa criança receberá ao
longo do seu desenvolvimento e os horários.

São nessas e noutras experiências que acontece o processo de socialização, ou


seja, processo por meio do qual o indivíduo aprende a ser membro da sociedade. Ao se
tornar social, o indivíduo passa a assimilar hábitos culturais, aprendendo-os com
outros sujeitos. Nesse processo, os indivíduos passam a interiorizar regras e valores de
determinada cultura e, ao apreender esse sistema nos adaptamos aos grupos dos
quais fazemos parte.

Como falamos no tópico anterior, esse processo de interação mediado pela


linguagem também constituirá a nossa própria personalidade, e assim, vamos dando
significados para as experiências que vivemos.

Os processos de socialização acontecem, em um primeiro momento na


infância, no meio familiar. Nessa interação, de acordo com PELAGRANA (2001), a
criança passa a ter os primeiros contatos com a linguagem e começa a significar
relações sociais primárias. Nesse momento, também são interiorizadas normas e
valores sociais. Esse processo é chamado de socialização primária e a família é
fundamental nesse processo, enquanto instituição social. Passamos também pelo que
podemos chamar de socialização secundária, nesse caso, já existe o domínio da
linguagem e uma interação maior do sujeito com a sociedade. Este já internalizou
papéis sociais e passa a receber conhecimentos específicos que o ajudarão a
compreender as relações sociais.

O processo de socialização do indivíduo, segundo Pelagrana (2001), acontece


por meio de mecanismos como a aprendizagem, que incidirá na interação com outros
30
indivíduos e com o meio social, a partir da mediação da linguagem; a imitação,
momento em que ele irá reproduzir comportamentos e atitudes de indivíduos e
grupos que fazem parte do meio onde está integrado; e a identificação, em que ele irá
se identificar e reproduzir modelos de conduta social.

4.4 A construção dos significados

A construção de significados para os indivíduos, como já discutimos


anteriormente, de acordo com Vygotsky, acontece no movimento de integração ao
mundo por meio da linguagem. Nesse processo, o ser humano vai se constituindo
enquanto sujeito social, atribuindo significados aos objetos, aos seres e aos eventos
que acontecem em seu meio social, dentro de um contexto histórico e cultural. Dessa
forma, Vygotsky definirá o significado como:

O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito


do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer quando se trata
de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento. Uma
palavra sem significado é um som vazio; o significado, portanto, é um
critério da “palavra”, seu componente indispensável [...] Mas, o
significado de cada palavra é uma generalização ou um conceito. E
como as generalizações e os conceitos são inegavelmente atos de
pensamento, podemos considerar o significado como um fenômeno
do pensamento (VYGOTSKY, 1996, p. 104).

A cultura irá negociar o sentido das coisas, através de representações


simbólicas, da língua falada, da linguagem, que realiza a mediação entre a coisa e a
compreensão da coisa, como se fosse uma tradução. Podemos usar como exemplo
uma cadeira. Há um consenso dentro do contexto social em que vivemos do que seria
cadeira e para o que ela serve. Essa informação, então, fica armazenada no nosso
cérebro e, por meio da internalização, conseguimos abstrair o conceito de cadeira e o

31
tornamos universal. E então, cadeira não cabe apenas na palavra e passa a ter
significados mais complexos, que abrangem experiências afetivas, emocionais,
informativas, a partir das trocas que vamos estabelecendo nas nossas relações.

4.5 Consciência e conscientização

Outro aspecto importante discutido por Vygotsky em suas pesquisas é a forma


como se estabelece a consciência humana. Vygotsky, para o desenvolvimento de suas
ideias, teve grande influência de movimentos revolucionários vinculados ao marxismo,
que parte de uma concepção da formação dos indivíduos e da história a partir de um
movimento dialético da realidade, que precisa ser apreendido dentro do contexto
histórico-cultural.

Para Marx e Engels:

O pressuposto primeiro de toda a história humana é a existência de


indivíduos concretos que, na luta pela subsistência, organizaram-se
em torno do trabalho e estabeleceram relações entre si e com a
natureza. O modo de produção material condiciona o processo da
vida social, política e econômica. Por sua vez, a produção das ideias,
das representações, do pensamento, enfim, da consciência, não está
dissociada da atividade material e do intercâmbio entre os homens
(PELAGRANA, 2001, s./p.).

Nesse sentido, podemos entender que a consciência humana está relacionada à


forma como nos inserimos nos processos da vida social, condicionados pelo modo de
produção material, ou seja, a consciência é produto das relações sociais estabelecidas
pelos seres humanos em determinado momento da história. Destarte, a consciência
pode ser apreendida como produto subjetivo, “[...] como apropriação pelo homem do
mundo objetivo se produz em um processo ativo cuja origem é a atividade sobre o
mundo, a linguagem, as relações sociais” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018, p.76).

32
Sobre a consciência, podemos concluir que ela desempenha papel ativo na
realização de atividades objetivas e simbólicas, tendo no trabalho, papel fundamental
para o planejamento, a atuação e a transformação da realidade. “Ao analisar o
desenvolvimento da consciência ou do pensamento individual, Vygotsky transpôs
integralmente para a sua análise a concepção marxista de consciência social”
(PELAGRANA, 2001, s. p.). No processo de internalização da consciência social é que se
desenvolve a consciência individual.

Já a conscientização não foi diretamente trabalhada por Vygotsky, mas é um


conceito que está relacionado aos pressupostos filosóficos e epistemológicos do
pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels. A conscientização pode ser entendida
como um desenvolvimento crítico da tomada de consciência, que implica ação. Nesse
movimento, a realidade e os processos de naturalização das relações sociais são
desvelados, estimulando a reflexão e a ação dos seres humanos sobre a realidade,
promovendo a transformação.

A conscientização pode ser considerada um elemento antagônico à alienação,


que, segundo Marx e Engels, é constituinte das relações sociais no modo de produção
capitalista. A alienação bloqueia o desenvolvimento dos indivíduos no mesmo nível do
crescimento das forças produtivas, mediadas pelo trabalho, no contexto das relações
sociais capitalistas. Dessa forma, a conscientização se dá a partir de um processo de
reflexão humana sobre a sua existência, inserindo os seres humanos na ação
transformadora da realidade.

Conclusão

Estudamos nessa unidade temas fundamentais da psicologia social como a


construção social dos processos mentais superiores, temática estudada por Vygotsky.
Também vimos como acontecem os processos de inter e intrasubjetividade e o papel
da realidade social na formação do sujeito individual, a importância dos processos de
socialização e como, no processo de integração ao meio social, por mediação da

33
linguagem, os indivíduos vão atribuindo significados à realidade. Esse processo é
dialético e garante a constituição do ser humano enquanto ser social.

Por último, vimos como acontecem os processos de consciência e


conscientização. Com base na teoria marxista, a consciência humana está relacionada
à forma como nos inserimos nos processos da vida social, condicionados pelo modo de
produção material, tendo papel ativo na realização de atividades objetivas e
simbólicas. Já a conscientização pode ser entendida como um desenvolvimento crítico
da tomada de consciência, que implica ação transformadora da realidade.

Referências

PALANGANA, Isilda Campaner. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e


Vygotsky. São Paulo: Summus Editorial, 2001.

ALMEIDA, Maria Elizabeth de. Informática e Formação de professores. Brasília:


Ministério da Educação, 2000. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002401.pdf.

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; e TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.
Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 15. Ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2018.

GONZALEZ-REY, Fernando I. Categoria “personalidade”: su significación para la


psicologia social. Psicologia Revista, revista da Faculdade de Psicologia da PUC-SP, n.4,
p.40, mai., 1997.

VIGOTSKI, Lev. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

34
5 FAMÍLIA, ESCOLA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

Apresentação

Olá, aluno! Nas unidades anteriores aprendemos um pouco mais sobre o


contexto da psicologia, a ampla produção da psicologia social e alguns conceitos
importantes trabalhados por autores que contribuíram nessa produção, colaborando
para a compreensão uma série de fatores sociais que fazem parte da construção dos
indivíduos e da sociedade. Aqui vamos adentrar um pouco mais no contexto da família,
da escola e dos meios de comunicação em massa, procurando entender a constituição
da subjetividade no mundo contemporâneo e, consequentemente, como essas
instituições sociais podem influenciar o comportamento grupal.

5.1 A constituição da subjetividade no mundo contemporâneo

Para falarmos sobre a constituição da subjetividade no mundo contemporâneo


é importante retomarmos esse conceito para entendermos melhor o que é a
subjetividade, o principal objeto de estudo da psicologia. A subjetividade é o modo
particular pelo qual nos constituímos e somos reconhecidos pelos outros, “[...] o
mundo de ideias, significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir
de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é também
fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,
2018, p. 76).

A percepção de subjetividade individualizada é consequência dos processos de


transformação da sociedade e o desenvolvimento das formas de produção capitalista.
Nesse contexto, os seres humanos passam a ser vistos de maneira cada vez mais
individualizada como consumidores e produtores individuais, livres para vender sua
força de trabalho.

35
As ideias de Descartes podem ser consideradas, enquanto inauguradoras do
pensamento moderno em que é presente a valorização da razão, a ideia do ser
singular e a constituição da representação de algo interno ao indivíduo, ou seja, a
subjetividade. Alguém já ouviu a frase: “Penso, logo existo!”? (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2018).

No entanto, como discutimos nas unidades anteriores, é a partir da instituição


da psicologia enquanto ciência, que começamos a desenvolver estudos que pudessem
nos ajudar a entender a subjetividade dos sujeitos e sua relação com o mundo social.

No âmbito da psicologia social é interessante apreendermos a subjetividade


atrelando-a ao conceito de identidade:

A identidade compõe com a atividade e a consciência as categorias


básicas do psiquismo e refere-se à compreensão que o sujeito faz
sobre si mesmo. Reúne na consciência as ações, os projetos, as
relações, as noções e os julgamentos sobre si. É o que permite ao
sujeito saber-se único, identificar-se com o que faz e vive,
reconhecer-se. Em uma noção de mundo em movimento, a
identidade aparece, como metamorfose (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,
2018, p.76).

De acordo com Antonio da Costa Ciampa (2006), psicólogo social brasileiro, o primeiro
passo para a construção da identidade é a diferenciação entre eu e o outro. Conforme
nos relacionamos, enxergamos diferenças e similaridades com vários grupos sociais.
Na unidade anterior, entendemos um pouco desse movimento a partir dos processos
de socialização primária e secundária, diante das interações construídas entre o sujeito
e a sociedade. Além disso, vimos também como se constituem os processos de
consciência e conscientização, entendendo a forma como nos inserimos nos processos
da vida social e transformamos a realidade. Segundo Strey (2013), Ciampa defenderá a
ideia de metamorfose, em que a identidade é produzida em um movimento de

36
transformação contínua com a realidade, em que o sujeito transforma o mundo e é
transformado por ele.

Agora que entendemos sobre os conceitos de subjetividade e identidade, vamos


refletir juntos: como estes processos se constituem no mundo contemporâneo?

O mundo contemporâneo é marcado pela globalização e a possibilidade de acesso a


informações, com o desenvolvimento da tecnologia e informatização. Alguns autores
defenderão que vivemos na “sociedade da informação”, processo que leva também à
transformação das relações sociais e da produção cultural. Porém, é importante
pontuar que esse processo está relacionado ao desenvolvimento das forças produtivas
da sociedade e, dentro do contexto capitalista contemporâneo, podemos perceber
que esses movimentos representam, intrinsecamente, a resocialização dos sujeitos e a
possibilidade de transformação também da sua identidade e subjetividade. Sabemos
que, as características e atitudes individuais estão, profundamente, impregnadas nas
trocas com o coletivo e, justamente, é ali no contexto da cultura, dos seus valores, da
negociação de sentidos tramados pelos grupos sociais, que se constrói e se internaliza
o que somos.

Nesse sentido, podemos dizer que a construção da subjetividade no mundo


contemporâneo, mediado pelas relações capitalistas, muitas vezes produz formas de
sociabilidade voltadas para o individualismo grosseiro e consumo, relações essas
inibidoras do pleno desenvolvimento humano. Essas relações acabam por reproduzir a
ideia do ser humano como “peça de uma máquina”, tendo sua subjetividade anulada e
colocada a serviço do Estado, ou de instituições burocráticas, enquanto reprodutoras
da lógica do capital.

5.2 Grupos e instituições como instâncias mediadoras das relações indivíduo-


sociedade

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2018), foi a partir do século XIX, na denominada
Psicologia das Massas ou Psicologia das Multidões, que Gustav Le Bon (1841-1931)

37
começou a desenvolver os primeiros estudos sobre os grupos, tentando entender os
fenômenos das massas e da multidão, e como estes atravessam os indivíduos.

Como já vimos nessa disciplina, os processos grupais ou o processo de nos


relacionarmos com os outros, com grupos sociais, são definidores de como nos
compomos enquanto sujeitos históricos. É importante frisar que a transformação da
sociedade acontece na relação de indivíduos com outros, nos processos de
agrupamento. Essas relações e a inserção em grupos podem ocorrer de maneira
consciente ou não. Assim, podemos falar da nossa inserção em grupos “espontâneos”,
que podem se constituir nas relações sociais, a partir do que é comum entre as
pessoas e, nos grupos organizados que também apresentam características comuns,
mas resolvem se organizar para desenvolver finalidades específicas. Alguns exemplos
são grupos ligados à igreja, a partidos políticos, aos sindicatos etc. Estes são formas de
organização da sociedade que podem estar a serviço da transformação social ou
manutenção da ordem existente.

Vários autores buscaram em suas pesquisas, compreender como se dá o processo


grupal e como este se caracteriza. Kurt Lewin (1890-1947), que também trouxe
grandes contribuições para o desenvolvimento da psicologia, se debruçando no estudo
das relações interpessoais, defendia a noção de interdependência entre pessoas
membros de um grupo. Para ele, o grupo apresenta um movimento dinâmico, em que
qualquer alteração individual, altera também o coletivo. Silvia Lane, ao analisar a
proposta de Lewin, diz que a “[...] função do grupo é definir papéis, o que leva a
definição da identidade social dos indivíduos e a garantir a sua reprodutividade social”
(STREY, 2013, p. 202).

Ao analisar o papel do grupo na mediação indivíduo-sociedade, Sérgio Antonio


Carlos afirmará:

O grupo também pode ser visto como um lugar onde as pessoas


mostram suas diferenças. Onde as relações de poder estão presentes
e perpassam as decisões cotidianas, onde o conflito é inerente ao
processo de relações que se estabelece. Onde há uma convivência do
diferente, do plural. Não como um movimento de defesa das

38
minorias, mas num movimento de cada um e de todos procurando
discutir suas ideias com os outros. Num confronto de ideias,
buscando conciliar apenas o conciliável, deixando claras as
individualidades, o diferente. A importância de afirmar que as
pessoas são diferentes, que pensam de maneira diferente porque
possuem valores diferentes, mas que podem produzir juntas o seu
processo grupal. Este é um embate diário das relações pessoais que
trazem consigo toda uma história de vida. Relações onde estarão
presentes as múltiplas determinações de cada sujeito. Determinações
de classe social, de gênero, de raça e de nacionalidade. Relações que
se embaterão tanto na busca consciente de uma dominação quanto
de defesas inconscientes utilizadas para lutar e/ou fugir das ameaças
que as novas situações -desconhecidas- lhe colocam (STREY, 2013, p.
202).

É interessante marcar, como o autor coloca sobre a importância de se


considerar no processo grupal, as diferenças e conflitos existentes, criados a partir da
história de vida de cada um e múltiplas determinações sociais. Este processo é
importante no movimento dialético presente nos grupos, em que podemos perceber
uma condição de individualidade e totalidade.

Destarte, é imprescindível pensar também na formação dos grupos nos


processos institucionais. O processo de institucionalização regulariza e normatiza a
vida cotidiana, regulando comportamentos socialmente esperados. De acordo com
Bock, Furtado e Teixeira (2018), as normas institucionalizadas passam por um processo
que definirá valores e regras sociais que ganham estatuto de verdade ao serem
reproduzidas cotidianamente. Alguns exemplos de suas formas sociais visíveis são a
família, a escola e a igreja que, enquanto instituições, produzem e reproduzem regras
e valores que são vividos nas organizações da sociedade e fazem parte da vida dos
indivíduos. Como dissemos anteriormente, essas organizações podem, em alguns
momentos, estar a serviço da transformação social, em outros, a serviço da
manutenção da ordem existente.

39
5.3 Comportamento antissocial: a agressão

Um dos assuntos que a psicologia social se interessa por analisar é a violência


enquanto comportamento atrelado às relações sociais, como produção humana. Esse
tema deve ser compreendido a partir de múltiplos determinantes: históricos,
demográficos, políticos, econômicos e psicossociais. Mas o que é violência?

A violência é um sintoma “[...] do mal-estar nas relações humanas, da


fragilidade e/ou ruptura dos laços sociais de indivíduos, [...] ao mesmo tempo, está na
origem de muitas situações que causam mal-estar, insegurança coletiva, medo social
[...]” (Bock; Furtado; Teixeira 2018, p. 363). A violência pode ser entendida como o uso
da agressividade humana, que pode trazer prejuízos e causar sofrimento. Vamos
entender de onde vem a agressividade humana?

Segundo Bock, Furtado, e Teixeira (2018), de acordo com a psicanálise, a


agressividade está presente na nossa constituição psíquica. É ela que nos possibilita
enfrentar situações difíceis para a nossa própria sobrevivência. No entanto, a
agressividade não precisa se configurar apenas de maneira destrutiva e violenta. O
pensamento, a imaginação e a ação também podem estar relacionados com
agressividade. Quando temos contato com a educação e mecanismos sociais como a
lei, a tradição e a cultura, nós conseguimos dar outro sentido a nossa agressividade e
passamos a controlá-la, podendo canalizar e transformar nossos impulsos em
atividades mais positivas, como práticas esportivas, o trabalho, a produção intelectual

As formas como os indivíduos lidam com sua própria agressividade e a


representação desta em seu cotidiano, pode ser de maneira positiva ou negativa. A
resposta está associada a uma série de fatores sociais e individuais, que dizem respeito
ao meio social onde o indivíduo vive e como ele vê e se relaciona com este contexto.
Nesse sentido, a família, a escola e os meios de comunicação em massa podem
reproduzir e estimular tanto comportamentos violentos e antissociais, quando
reproduzem e perpetuam práticas punitivas, quanto comportamentos pró-sociais,
como veremos adiante.
40
5.4 Comportamento pró-social: o altruísmo

O comportamento pró-social e o altruísmo podem ser caracterizados como o


desejo de ajudar outra pessoa, sem benefício próprio. Dessa forma, assim como nos
perguntamos por que as pessoas agem de forma antissocial e violenta umas com as
outras, é importante perguntar quais os motivos que levam ao comportamento pró-
social e ao altruísmo?

Há diferentes vertentes teóricas que procuram explicar esse comportamento


entre as pessoas. Aqui vamos recorrer, inicialmente, a psicanálise. Como dissemos no
tópico anterior, para a psicanálise, seres humanos têm em sua composição psíquica a
agressividade. O altruísmo então, segundo Aronson, Wilson e Akert (2018) seria uma
forma de nos defendermos de nossas ansiedades e conflitos internos, a fim de
lidarmos melhor com as nossas necessidades interiores, e como essas necessidades
influenciam nossas relações com os outros.

Podemos procurar entender o comportamento pró-social a partir da


perspectiva cultural, social e histórica em que as relações humanas são concebidas e se
estabelecem a partir de trocas sociais e psicológicas, de transformação e
reciprocidade. No momento que interiorizamos a realidade concreta, subjetivamos, ou
seja, damos significados às relações, e a externalizamos em forma de
comportamentos. Desse modo, se vivemos em um contexto comunitário onde existe
diálogo e partilha de saberes, com base no afeto, construímos relações mais inclusivas
e, portanto, pautadas na lógica pró-social.

Discutir comportamentos pró-sociais, ou até mesmo antissociais, é importante


se quisermos caminhar para uma prática direcionada à mudança social. O
desenvolvimento da prática democrática parte do trabalho desenvolvido a fim de
promover a potencialização de indivíduos e grupos concretos. Entender o
comportamento grupal é relevante nesse processo.

41
5.5 Comportamento grupal

Como sinalizamos anteriormente, podemos associar o comportamento grupal


às práticas institucionais reproduzidas cotidianamente pelas organizações sociais e,
consequentemente, pelos indivíduos pertencentes a estas. A família, a escola e os
meios de comunicação em massa têm papel relevante neste contexto, visto serem os
principais meios de socialização e formação dos indivíduos, a partir dos aspectos
relacionados à cultura, aos valores e comportamentos considerados aceitáveis em
cada momento histórico da sociedade. Estes dispositivos (família, escola e meios de
comunicação) exercem função ideológica.

A ideologia, segundo Costa (2015), é a forma que nós encontramos para dar
significado às nossas relações, contribuindo na sustentação e reprodução dessas. A
partir da ideologia criamos juízos de valor, discriminações, estereótipos, preconceitos,
e também contrapomos às qualidades. Essa ideologia pode contribuir na reprodução
de relações tanto justas e éticas, como assimétricas, desiguais e injustas. Nesse último
caso, podemos dizer que há relações de dominação, quando amparadas por valores
discriminatórios e preconceituosos.

Podem ser vistas enquanto formas de dominação, segundo Costa (2015): a


dominação econômica, baseada na expropriação do trabalho de outras pessoas; a
dominação política, quando as relações que se estabelecem entre pessoas e grupos
não são justas, democráticas e desrespeitam os direitos de diversos sujeitos; e a
dominação cultural, como racismo, patriarcalismo e institucionalismo.

Contudo, é indispensável compreendermos que as formas de dominação podem


influenciar o comportamento grupal, de forma a conduzir reproduções ideológicas que
atendem a reprodução e manutenção do status quo.

Conclusão

Iniciamos esta unidade refletindo sobre a construção da subjetividade no mundo


contemporâneo e como esta vem sendo mediada pelos processos de transformação

42
da sociedade marcados pela globalização, a informatização e o acesso a informações.
Como dissemos, tais transformações levam também a mudanças nas relações sociais e
na própria produção cultural. Esse movimento, no contexto capitalista
contemporâneo, reproduz a ideia do ser humano como “peça de uma máquina”, tendo
sua subjetividade anulada e colocada a serviço do Estado, ou de instituições
burocráticas, enquanto reprodutoras da lógica do capital.

Para entendermos melhor esse processo, estudamos aqui sobre o papel dos grupos e
instituições que mediam as relações entre os indivíduos e a sociedade. Falamos
também sobre os comportamentos sociais pró-sociais e antissociais, e como a
compreensão destes é importante para caminhar até a prática direcionada à mudança
social.

Ao final, discutindo o comportamento grupal, retomamos a importância da família, da


escola e dos meios de comunicação em massa, enquanto dispositivos que exercem
função ideológica, visto serem os principais meios de socialização e formação dos
indivíduos, a partir dos aspectos relacionados à cultura, valores e comportamentos
considerados aceitáveis em cada momento histórico da sociedade.

Referências

ARONSON, Elliot; WILSON, Timothy D.; AKERT, Robin M. Psicologia Social. 8. Ed. - Rio
de Janeiro: LTC, 2018.

LANE, SILVIA & CODO, WANDERLEY (Orgs.) Psicologia Social: o homem em movimento.
São Paulo: Brasiliense, 1984.

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi.
Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 15. Ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2018.

43
COSTA, José Fernando Andrade. “Fazer para Transformar” a Psicologia Política das
Comunidades de Maritza Montero. Revista Psicologia Política, v.15, n.33, 2015.

PACHECO, Kátia Monteiro De Benedetto; DA COSTA CIAMPA, Antonio. O processo de


metamorfose na identidade da pessoa com amputação. Acta Fisiátrica, v. 13, n. 3, p.
163-167, 2006.

STREY, Marlene Neves (Org.) Psicologia Social Contemporânea: livro-texto. 21. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

44
6 PSICOLOGIA SOCIAL COMO SUPORTE AO SERVIÇO SOCIAL

Apresentação

Olá, aluno! Estamos chegando à última unidade desta disciplina. Aqui vamos
conversar sobre como a psicologia social poderá servir de suporte para a reflexão e as
práticas do Serviço Social. Para isso, nos engajamos nas diversas leituras que envolvem
a relação entre o indivíduo e a sociedade, a importância da linguagem nesse processo
e as possibilidades de construção do trabalho social voltado para práticas mais
democráticas.

6.1 Matrizes de análise da relação indivíduo/sociedade

Vários estudiosos se dedicaram a análise da relação entre indivíduo e


sociedade, entre eles autores clássicos da sociologia como Émile Durkheim, Max
Weber e Karl Marx. Estes autores contribuíram nas reflexões sobre a constituição da
sociedade e sobre a maneira como os indivíduos se relacionam, influenciando também
a construção do conhecimento no campo da psicologia e do serviço social.

Segundo Álvaro e Garrido (2006), Émile Durkheim (1858 — 1917) defenderá que


é a sociedade dita as regras das relações sociais. A partir disso, ele analisará como essa
sociedade opera através do que ele chama de fatos sociais. Para Durkheim os fatos
sociais são coletivos (consciência coletiva), ou seja, dizem respeito a toda uma
sociedade, e não apenas a um indivíduo em particular. Por isso, esses fatos sociais
também são considerados exteriores aos indivíduos. Além disso, são coercitivos, pois
se impõe sobre o indivíduo de maneira obrigatória. Nesse sentido, podemos dizer que
para esse autor o indivíduo só existe em relação à sociedade, ou seja, ele não age e
não pensa de forma independente, sendo, constantemente, formatado pela
sociedade, que é definidora das relações sociais. A integração dos membros da
sociedade se concretiza em instituições, como a família, a escola, o Estado, que darão

45
sustentação, garantindo a coesão e manutenção social. É importante considerar que
Durkheim parte de uma matriz positivista, e por isso tende a acreditar que a sociedade
tem um movimento progressivo que respeita uma ordem natural.

Max Weber (1864 — 1920) se opõe a Durkheim em vários pontos, a começar


pela imparcialidade. De acordo com Álvaro e Garrido (2006), para Weber não tem
como sermos imparciais ao estudarmos a sociedade. Outro ponto importante é que,
diferentemente de Durkheim, Weber considera que o indivíduo cria e modifica a
sociedade e não ao contrário. Normas, costumes e regras estão internalizados nos
indivíduos, que, com base nisso, definem suas condutas e comportamentos,
dependendo do contexto que se apresenta.

De acordo com Álvaro e Garrido (2006), Weber chama a atuação do homem na


sociedade de ações sociais, que podem ser entendidas como o ato de se relacionar.
Essas ações sociais podem acontecer a partir de motivações diferentes: a afetiva,
realizada a partir dos sentimentos humanos; a tradicional, ações realizadas a partir dos
costumes; a objetiva/racional, que se estabelece tendo um fim claro; e as ações
pautadas em valores, envolvendo questões éticas, políticas e religiosas.

Karl Marx (1818 — 1883) parte de outra perspectiva, para ele os seres humanos
são sujeitos históricos e atuam na construção da sociedade, estabelecendo ações
recíprocas entre si. Existe, de acordo com Netto e Braz (2012), um movimento
constante de criação e recriação da vida individual e coletiva, a partir de componentes
de tensão, conflitos e antagonismos, que se compõem em embates entre subjetivo e
objetivo, individual e coletivo. O homem (no sentido genérico) é um ser social e
quando falamos de ser social, estamos falando de humanidade, sociedade. Esse ser
social é capaz de transformar a natureza e a si próprio, e essa transformação se dá a
partir do trabalho. No entanto, o trabalho pode ser apreendido dentro de uma
perspectiva ontológica, mas também dentro de uma dimensão histórica. Nesse
sentido, no contexto do modo de produção capitalista, o trabalho assume um papel na
exploração e alienação do homem, quando se estabelece a divisão social do trabalho e
a propriedade privada dos meios de produção.

46
6.2 Desenvolvimento da linguagem

Para entendermos um pouco mais sobre relação entre indivíduo e sociedade


precisamos estar atentos ao significado da linguagem. Falamos, em outras unidades,
sobre a importância da linguagem nas relações sociais enquanto instrumento de
criação e reprodução de cultura, valores e normas sociais. Vamos discutir sobre o
desenvolvimento da linguagem?

O que é a linguagem? A linguagem é a forma que utilizamos para nos


expressarmos e nos comunicarmos. Ela pode ser realizada a partir da fala, gestos,
imagens, atitudes, ou seja, existem muitas formas de se estabelecer a linguagem. É
interessante pensar que os grupos humanos constroem formas diferentes de se
estabelecer os códigos e passar informações. Uma delas é a língua que, dependendo
da região do mundo, ou da tradição do grupo, estabelecerá diferentes palavras para
dar significado a algo. Temos também a escrita, sendo esta uma maneira de registro de
informações e apresentações de ideias em determinado tempo e espaço.

Destarte, a linguagem é um tema bastante estudado entre as ciências humanas


e sociais, áreas que discutem diferentes aspectos do tema. Dessa forma, vamos
conhecer aqui algumas dessas discussões.

De acordo com a perspectiva marxista, a linguagem teria surgido a partir da


complexificação das necessidades humanas e a divisão do trabalho. Para Marx e Engels

A linguagem é tão velha como a consciência: é a consciência real,


prática, que existe também para outros homens e que, portanto,
existe igualmente só para mim e, tal como a consciência, só surge
com a necessidade, as exigências dos contatos com outros homens.
Onde existe uma relação, ela existe para mim. (MARX; ENGELS 1989,
p. 36 apud STREY, 2013, p. 120)

47
No trecho citado, podemos perceber que a criação dos códigos e,
consequentemente, da linguagem está diretamente relacionado ao contexto e
necessidades sociais, quando se observa também a formação de uma consciência
humana.

Partindo da construção marxista, a teoria da abordagem histórico-cultural,


também desenvolve análises sobre a linguagem, pontuando a transformação desta a
partir do contexto histórico, dando base à comunicação e significação da própria
história, o que também nos remete à consciência e o processo de hominização.
“Através da linguagem, homens e mulheres emanciparam-se da imediatez da realidade
prática e passaram a usufruir de uma capacidade exclusiva de sua espécie: a de
planejar, regular e refletir sobre a própria atividade” (STREY, 2013, p.122).

Como já citado anteriormente, foi Vygotsky quem se aprofundou nos estudos


sobre a linguagem e a função desta no contexto das relações sociais. Nesse sentido,
para o autor a linguagem exerce dupla função: promover a comunicação e mediar
simbolicamente o pensamento humano. De acordo com Strey (2013), para Vygotsky a
formação social do psiquismo humano acontece na medida em que se estabelecem
transformações no significado da palavra, incidindo sobre o sujeito e sua relação com o
mundo. Dessa forma, podemos concluir, a partir dessa perspectiva, que o homem
transforma o mundo, mas também é transformado por ele, numa relação dialética.

Outro autor que discute a linguagem em sua obra é Bakhtin (1895-1975). Ele
problematizará sobre como os fatores contextuais presentes nas relações sociais
produzem enunciados, que garantem uma trama de significações. O signo, de acordo
com Bakhtin, só existe a partir das relações sociais, onde ele se concretiza enquanto
palavra e recebe significado segundo o contexto.

A polifonia e a dialogia são importantes na teoria de Bakhtin. Em síntese, a


polifonia diz respeito à existência de múltiplas vozes presentes nos enunciados que
constituem um ser e tem caráter social. Já a dialogia, diz respeito a esses enunciados
que são manifestados na comunicação, em diferentes dimensões. Partindo desses dois
conceitos, podemos afirmar que para o autor “o enunciador, o falante, ao construir

48
seu discurso, materializa valores, desejos, justificativas, contradições, enfim,
conteúdos e embates existentes em sua formação social” (Strey, 2013, p.129).

Contudo, ao conhecer um pouco sobre as perspectivas desses autores,


podemos dizer que a linguagem é fundamental no processo de constituição do sujeito
e da sociedade. Strey nos ajuda a concluir dizendo que:

Embora se diga que a linguagem sofre determinações


sociais e que sua modificação não decorre apenas de uma
escolha idiossincrática dos sujeitos do discurso, não se
pode esquecer que estes sujeitos não são passivos, pois
agem e transformam a linguagem na medida em que a
apreendem ativamente. É por isso que se pode constatar
que uma mesma realidade pode ser apreendida e
evocada de forma diferente por homens diferentes.
Assim os conteúdos ideológicos, sistemas de valores (que
incluem estereótipos socialmente construídos) são
veiculados através da linguagem e graças a ela são
entranhados na consciência de maneira a serem
“naturalizados”, os discursos podem engendrar
resistências e conteúdos contra hegemônicos
fundamentais à transformação social. (STREY, 2013, p.
130)

6.3 O trabalho com grupos na área social

Até aqui falamos sobre algumas matrizes que contribuíram na compreensão do


indivíduo e da sociedade, como também falamos sobre a linguagem, sendo este um
conceito importante no que diz respeito à compreensão dos indivíduos enquanto
sujeitos sociais. Dando continuidade às nossas discussões, vamos falar sobre o
trabalho com grupos na área social. Nas unidades anteriores começamos a falar sobre
o modo como os grupos e instituições são instâncias mediadoras entre o indivíduo e a
49
sociedade. Assim, consideramos importante apontar a relevância de refletir sobre os
processos grupais, entendendo estes enquanto condição necessária para toda ação
transformadora da sociedade.

Ao adentrarmos na categoria grupo, partimos da perspectiva dialética, que tem


como pressuposto que o grupo reproduz na sua dinamicidade as tensões sociais que
marcam os processos históricos. Na sociedade capitalista, a partir do grupo, enquanto
um recorte das relações sociais, nós podemos compreender as determinações que
incidem sobre o sujeito, assim como a realidade que é objetivada pelos diversos
sujeitos sociais.

Bonfim, Teixeira e Albiero (2018) ao discutirem sobre a construção do trabalho


do assistente social com grupos, vão sumarizar aspectos importantes a se apreender
sobre o processo grupal a partir da perspectiva dialética:

- Apreensão do impacto da alienação capitalista na esfera


objetiva e subjetiva do sujeito e sua conexão com as
determinações concretas da realidade;

- Compreensão da inserção do grupo nas instituições uma


vez que todo grupo ou agrupamento existe sempre
dentro de instituições;

- Percepção da história de vida de cada participante, pois


tem impacto no processo grupal;

- O nível de análise ocorre na ordem interna e externa,


entretanto, é na realidade objetiva que a dialética se
manifesta. Ao mesmo tempo os sujeitos vão
manifestando as relações de dominação existentes bem
como a possibilidade de seu enfrentamento sempre
atentando para não reforçar as relações capitalistas;

50
- Os papéis sociais são desempenhados não só
objetivamente, mas subjetivamente através de
representação ideológicas.

Dessa forma, é possível problematizarmos juntos as possibilidades no


desenvolvimento do trabalho com grupos na área social, considerando que, em grande
parte, estes vão acontecer atrelados a demandas socioinstitucionais. Essa intervenção
poderá se estabelecer de duas maneiras: na socialização de informações e na
construção de um processo reflexivo. Em ambos os processos é importante a leitura da
realidade a partir do aspecto ético-político e do teórico-metodológico que orientarão o
trabalho desenvolvido.

Mioto (2019), ao discutir sobre o trabalho do assistente social com grupos,


discorrerá sobre como as ações socioeducativas favorecem o processo reflexivo:

Pauta-se no princípio de que as demandas que chegam às


instituições, trazidas por indivíduos, grupos ou famílias, são
reveladoras de processos de sujeição à exploração, de desigualdades
nas suas mais variadas expressões ou de toda sorte de iniquidades
sociais. Ele tem como objetivo a formação da consciência crítica. Esse
objetivo somente se realiza à medida que são criadas as condições
para que os usuários elaborem, de forma consciente e crítica sua
própria concepção de mundo. Ou seja, que se façam sujeitos do
processo de construção da sua história, da história dos serviços e das
instituições e da história da sua sociedade (MIOTO, 2009, p. 503).

Assim sendo, acreditamos ser relevante a discussão sobre a construção do


trabalho reflexivo a partir do modelo definido pela psicologia comunitária, que
discutiremos a seguir.

51
6.4 A metodologia de Educação Popular e modelo de ação da psicologia comunitária

Como apontamos no tópico anterior, uma das propostas do modelo de ação da


psicologia comunitária é a construção do trabalho reflexivo junto à comunidade. Nesse
sentido, é importante adentrarmos um pouco mais na psicologia comunitária.

Segundo Ferreira (2014), essa área de conhecimento e intervenção da


psicologia começa a ganhar espaço no contexto da saúde mental, em meados da
década de 1960. Nesse momento, discutiam-se os problemas sociais e a relações deles
com a saúde mental, que romperia com uma prática que partia de um modelo
biológico para uma leitura crítica da sociedade, fomentando a necessidade de se
pensar em intervenções de caráter mais social.

Inicialmente, acreditava-se que a partir da intervenção psicológica junto à


comunidade, diante do estudo, compreensão e intervenção em processos poderia
levar a uma mudança do estado psicológico geral dos indivíduos. No entanto, de
acordo com Ferreira (2014), essa percepção ainda envolvia uma prática pautada no
discurso positivista.

Foi na década de 1970, principalmente nos países da América Latina, com a


crise de paradigmas da psicologia social, que se começou a discutir a psicologia
comunitária visando uma crítica aos modelos positivistas. Esse processo, segundo
Costa (2015), veio em resposta, especialmente aos problemas sociais emergentes das
maiorias populares latino-americanas.

A psicologia comunitária, nesse contexto, tinha como atributo o compromisso


ético e político com um fazer orientado para a transformação social, a partir de uma
prática libertadora. Um representante importante dessa perspectiva foi Martin-Baró
(1942-1989), ele acreditava que a psicologia deveria se voltar para as realidades e,
junto disso, aos problemas vividos pelas populações, construindo, inclusive, uma
interlocução com os movimentos sociais, estando próximos à complexidade do
cotidiano.

O trabalho do psicólogo com a comunidade proporciona inter-relação


com a coletividade. Esta vivência do indivíduo como coletivo
52
possibilita a exteriorização de afetos e construções de novos
comportamentos. A atuação desse profissional tornou-se menos
acadêmica, menos intelectual, e mais voltada à compreensão e
vivência da população, permitindo acesso aos profissionais da
psicologia, como é de direito a todo cidadão (FERREIRA, 2014, p.19).

Martin-Baró, assim como outros psicólogos comunitários, acreditava que a


psicologia deveria assumir um compromisso com os povos oprimidos historicamente,
mediante uma prática libertadora. Nesse sentido, de acordo com Costa (2015), essa
libertação envolve problematizar a ideologia dominante a fim de produzir mudanças
concretas na vida dos grupos sociais marginalizados. Nessa proposta, é fundamental o
estabelecimento de uma relação dialógica, em que exista a valorização do saber
popular e a promoção de vias para o exercício do autocontrole por parte destes
grupos.

Neste contexto, tivemos a influência da Educação Popular de Paulo Freire


(1921-1997) e sua Teologia da Libertação, que, segundo Costa (2015), defendia o
exercício de práticas transformadoras em círculos comunitários, em que a mudança
social poderia se dar, visto a potencialidade dos indivíduos e grupos.

A venezuelana Maritza Montero, também uma grande influência nessa


perspectiva da psicologia, ainda hoje se debruça nas discussões e defende que essa
relação libertadora deve acontecer de maneira horizontal e ética, ou seja, envolvendo
o diálogo dos sujeitos envolvidos para que estes possam apontar, a partir da
construção do saber comunitário, ações transformadoras. Para tal, de acordo com
Costa (2015), Montero assevera que se faz importante o fortalecimento comunitário.

Destarte, é importante ressaltar que a psicologia comunitária, segundo


Guareschi (2003), se edifica visando o compromisso com a democracia, visando a
construção de uma prática em que os cidadãos possam exercitar seus direitos de
participação e que sejam respeitados.

53
6.5 Preconceito, estereótipos e discriminação

Para finalizarmos essa unidade propomos a discussão do preconceito,


estereótipos e discriminação, assuntos também pertinentes ao trabalho no contexto
social.

De acordo com Torres e Neiva (2011), o preconceito está presente nas relações
cotidianas nos diversos espaços, no entanto, podemos perceber que no Brasil, esse
preconceito é, muitas vezes, naturalizado dentro de uma estrutura social que
reproduz, ao longo do tempo, uma série de desigualdades. Um exemplo disso é o
preconceito e discriminação que parte do racismo, que em nosso país tem cunho
estrutural e foi negado ao longo da história.

Podemos dizer então, que o preconceito parte de uma ideia pré-concebida de


determinada situação sem, necessariamente, um exame crítico sobre o assunto. Já a
discriminação é a manifestação de qualquer tipo de preconceito. Essa discriminação
pode aparecer em palavras, comportamentos que, às vezes, são sutis e repetitivos a
ponto de não nos atentarmos a eles. Por exemplo, quando os heróis ou protagonistas
dos filmes são loiros, de olhos claros, reproduzindo um ideal de beleza estereotipada,
ao mesmo tempo em que discrimina aqueles que não têm esse perfil.

Todos nós estamos suscetíveis a manifestação de preconceitos, visto que


fazemos parte dessa sociedade. Porém, cabe a nós o compromisso de questioná-lo,
evitá-lo e transformá-lo em reflexões e ações que possibilitem relações mais
condescendentes.

O estereótipo também vem sendo importante objeto de estudo da psicologia


social, que vem refletindo sobre a relação do estereótipo com a reprodução de
relações de dominação, exploração e segregação. O estereótipo é a base do
preconceito. “O estereótipo é uma atribuição de crenças que se faz a grupos ou
pessoas. Essas crenças compartilhadas são generalizações que se fazem sobre os
grupos” (TORRES E NEIVA, 2011, p.23).

54
Ao pensarmos nas possibilidades de construções de trabalho no contexto
social, é imprescindível ficarmos atentos para que possamos executar uma práxis em
que não sejam reproduzidas práticas discriminatórias, dando ênfase à valorização da
diversidade.

Conclusão

Chegamos ao fim dessa unidade, em que pudemos nos aprofundar no debate


relacionado à relação entre indivíduo e sociedade; o desenvolvimento da linguagem;
o trabalho com grupos na área social; a importância da psicologia comunitária e o
suporte da educação popular nesse processo, assim como temas como preconceito,
estereótipos e discriminação. Estes são debates importantes da psicologia que podem
subsidiar reflexões e ações no contexto de trabalho do assistente social.

Esperamos que o conteúdo abordado possa levar o profissional ao


desenvolvimento de um olhar crítico para a realidade, que possibilite ações
profissionais transformadoras dessa realidade em uma perspectiva democrática.

55
Referências

ALVARO, Jose Luis; GARRIDO, Alicia. Psicologia Social: Perspectivas Psicológicas e


Sociológicas. São Paulo: McGraw-Hill, 2006.

BONFIM, Giverson Gonçalves; TEIXEIRA, Juvanira Mendes; ALBIERO, Cleci Elisa. O


trabalho com grupos no serviço social: contribuições para a intervenção profissional.
Caderno Humanidades em Perspectivas – v.2 n.2 – 2018. Disponível em:
<https://www.uninter.com/cadernosuninter/index.php/humanidades/article/downloa
d/642/513> Acesso em: 21 ago 2019.

COSTA, José Fernando. “Fazer para Transformar”. A Psicologia Política das


Comunidades de Maritza Montero. Revista Psicologia Política, v.15, n.33, 2015.

CFESS/ABEPSS. Serviço Social: Direitos sociais e Competências Profissionais. Brasília:


CFESS/ABEPSS,2009. p. 497- 512. Disponível em: <
http://www.unirio.br/unirio/cchs/ess/Members/morena.marques/disciplina-servico-
social-e-processos-de-trabalho/bibliografia/livro-completo-servico-social-direitos-
sociais-e-competencias-profissionais-2009/at_download/file> Acesso em: 21 ago 2019.

FERREIRA, Rita de Cássia Campos. Psicologia Social e Comunitária: Fundamentos,


Intervenção e Transformações. 1ª ed. São Paulo: Érica, 2014.

GUARESCHI, Pedro. Relações comunitárias, relações de dominação. In: CAMPOS, R H


(Org.) Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Petrópolis: Vozes,
2003.

MIOTO, Regina Celia Tamaso. Orientação e acompanhamento social a indivíduos,


grupos. Academia. Disponível em:
<https://www.academia.edu/6310100/Orienta%C3%A7%C3%A3o_e_acompanhament
o_de_indiv%C3%ADduos_grupos_e_fam%C3%ADlias> Acesso em: 21 ago 2019.

NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 8 ed.
São Paulo: Cortez, 2012.

56
STREY, Marlene Neves (Org.) Psicologia Social Contemporânea: livro-texto. 21. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

TORRES, Claudio Vaz; NEIVA, Elaine Rabelo. Psicologia Social: principais temas e
vertentes. Porto Alegre, RS: Artmed, 2011.

57

Você também pode gostar