Você está na página 1de 36

 Crime Contra a Administração Pública

 Direito Penal
 Atualidades do Direito

Legislação Comentada - Furto - Art.


155 do CP
49
COMENTAR12
SALVAR

Publicado por Leonardo Castro

há 6 anos

341,7K visualizações

Furto
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia
móvel:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º – A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado
durante o repouso noturno.
§ 2º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa
furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de
detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente
a pena de multa.
§ 3º – Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou
qualquer outra que tenha valor econômico.
Furto qualificado
§ 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o
crime é cometido:
I – com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração
da coisa;
II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou
destreza;
III – com emprego de chave falsa;
IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas.
§ 5º – A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a
subtração for de veículo automotor que venha a ser
transportado para outro Estado ou para o exterior.

Introdução: o furto é tema obrigatório para quem está se


preparando para concursos públicos. Apesar da redação
simples, o art. 155 do CP traz algumas “pegadinhas” perigosas,
daquelas que se opõem a conclusões “lógicas”. Como distinguir
a coisa de pequeno valor, que não afasta a tipicidade, daquela
de valor irrisório, que pode ocasionar o reconhecimento do
princípio da insignificância? Quem subtrai corpos humanos,
pratica furto? A subtração de sinal fechado de emissora de
televisão configura o crime? Estas e outras questões polêmicas
serão vistas ao longo deste resumo.
Compreendendo o furto: o crime do art. 155 do CP consiste
em subtrair coisa alheia móvel. A subtração é o ato de tomar
para si aquilo que não está sob a sua legítima posse ou de que
não seja de sua propriedade. A conduta está prevista em outros
tipos penais, a exemplo do roubo (CP, art. 157). Não se
confunde com a apropriação, que se dá quando o agente detém
a posse ou a detenção da coisa de forma legítima, e, sem que
lhe seja permitido, inverte a propriedade da coisa, passando a
agir como se dono fosse. A distinção é fundamental para que
não se confunda o furto (CP, art. 155) com a apropriação
indébita (CP, art. 168), ou o “peculato-apropriação” (CP,
art. 312, “caput”) com o “peculato-furto” (CP, art. 312, § 1º).
Além disso, a coisa deve ser móvel. O Código Civil, em seu
artigo 81, prevê: “Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis: I -
as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua
unidade, forem removidas para outro local; II - os materiais
provisoriamente separados de um prédio, para nele se
reempregarem.”. Ou seja, o elevador momentaneamente
retirado de um prédio, para nele ser reinstalado, não perde a
qualidade de imóvel.
Para o Direito Penal, no entanto, o conceito de móvel é o
natural. Pode ser objeto material do furto tudo aquilo que é
removível de um local para outro, pouco importando se a coisa
está ou não incorporada ao solo. No exemplo do elevador, se o
agente subtraí-lo, praticará o crime de furto. Ademais, aquele
que subtrai mudas de plantas incorporadas ao solo também
pratica o crime de furto. Até mesmo construções residenciais
podem ser subtraídas, desde que possam ser desprendidas do
solo – em nosso país, é incomum a transferência de
construções, mas sabemos que não é impossível, pois praticada
em outros países. Vale frisar que somente bens corpóreos
podem ser furtados. Não há como furtar, por exemplo, os
direitos pessoais de caráter patrimonial (CC, art. 83, III).
O conceito de móvel gera maiores discussões nas questões
referentes à subtração de energia. No § 3º, o art. 155 afirma
que “equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer
outra que tenha valor econômico”. Em relação à energia
elétrica, não se discute: fazer “gato” é, sim, furto, por expressa
previsão legal. As dúvidas pairam, no entanto, sobre as outras
energias que tenham valor econômico. Como é impossível
esgotar o tema (afinal, não há como elencar todas as energias
com potencial econômico existentes), separei, a seguir, os
exemplos comumente pedidos em provas:

a) sinal de TV a cabo: pode ser objeto material do crime de


furto. “Assim não fosse, tomando-se por base apenas os fatos
relatados na inicial do mandamus impetrado na origem e no
aresto objurgado, não se constata qualquer ilegalidade passível
de ser remediada por este Sodalício, pois o sinal de TV a cabo
pode ser equiparado à energia elétrica para fins de incidência
do artigo 155, § 3º, do Código Penal. Doutrina. Precedentes.”
(STJ, RHC 30847/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
20.8.2013). Obs.: apesar de polêmica, a questão foi exigida em
prova recente do CESPE, em um concurso do MP. Na ocasião,
a banca adotou o entendimento trazido no julgado acima, que
entende pela tipicidade da conduta.
b) fornecimento de água: a água fornecida por empresa de
abastecimento pode ser objeto material do furto, não como
energia, nos termos do § 3º, mas como coisa naturalmente
móvel: “1. Para a aplicação do princípio da insignificância,
devem ser preenchidos quatro requisitos, a saber: a) mínima
ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade
social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do
comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica
provocada. 2. No caso, o modo como o furto foi praticado
indica a reprovabilidade do comportamento do réu, que
realizou ligação clandestina em sua residência, fazendo com
que o hidrômetro não registrasse a quantidade de água
consumida, em prejuízo da empresa estatal de abastecimento
de água. 3. Ordem denegada.” (STJ, HC 179654/SC, Rel. Min.
Og Fernandes, julgado em 29.6.2012).

c) sinal de Internet: o tema é complexo. Como há diversas


formas de transmissão de sinal de Internet, vejamos, com base
em julgados, a resposta para a questão. Na hipótese
de Internet transmitida por linha telefônica, não vejo muita
polêmica, pois a jurisprudência, de forma unânime, tem dito
que o sinal telefônico é coisa móvel para fins penais: “A energia
elétrica que permite o funcionamento de sistema telefônico
equipara-se a coisa móvel, incorrendo na prática do delito
previsto no art. 155, § 3.º, do CP o agente que desvia, mediante
fraude, o sinal de linha de telefone público para aparelho
particular, lesando a coletividade, que fica privada de utilizá-lo,
assim como a concessionária do serviço público.” (TJMG, Ap.
Cr. 8274983-67.2002.8.13.0024, J. Em 12.5.2010). Portanto, a
subtração de sinal de Internet transmitido por linha telefônica
é, sim, furto. Quanto às demais tecnologias, tendo por base o
posicionamento do STJ acerca da TV a cabo, penso que a
conclusão pela tipicidade seja a mais adequada: “O sinal de
televisão propaga-se através de ondas, o que na definição
técnica se enquadra como energia radiante, que é uma forma
de energia associada à radiação eletromagnética. II. Ampliação
do rol do item 56 da Exposição de Motivos do Código
Penal para abranger formas de energia ali não dispostas,
considerando a revolução tecnológica a que o mundo vem
sendo submetido nas últimas décadas. III. Tipicidade da
conduta do furto de sinal de TV a cabo.” (REsp 1123747/RS,
Min. Rel. Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 01/02/2011). Nos
Tribunais do país, encontramos posicionamentos controversos.
O TJSP, na Ap. 99009218727/9, julgada em 2010, condenou
um estudante de tecnologia que subtraia fraudulentamente
sinal de Internet transmitido via rádio. O TJDFT, por outro
lado, entendeu pela atipicidade, ao julgar a Ap.
159018720108070001, em 2011: “Por analogia, o sinal de
internet também não pode ser equiparado a energia, por não
ser capaz de gerar força, nem prejuízo a quem o gera e por não
poder ser objeto de apropriação material. Diferentemente do
caso de TV a cabo (Lei Nº.8.977/95), ainda não há previsão
legal que disponha sobre os crimes de receptação de sinal de
internet, porém não pode ser objeto do crime de furto.”
d) sêmen de animais: o tema já está “batido”, mas não custa
relembrar: sêmen é considerado energia para fins penais
(energia genética). Portanto, pratica o crime de furto aquele
que subtrai o sêmen de animais que possui valor econômico.
Todavia, sei o que você está pensando. E o sêmen humano?
Como é proibida a sua venda – somente pode ser doado -, o
esperma humano não tem valor econômico, ainda que seja
oriundo de homem de muitas riquezas. Sobre o assunto,
transcrevo explicação do professor Luiz Flávio Gomes: “A
Exposição de Motivos da Parte Especial do Código
Penal Brasileiro, por analogia, considera furto comum a
subtração da energia genética dos reprodutores, levando-se em
consideração que o sêmen é passível de apreensão. Mas, a
energia referida pelo Código Penal em seu artigo 155 § 3º, que
tenha valor econômico, não se refere ao material procriativo do
homem. O esperma não pode ser considerado coisa alheia
móvel e nem a ela equiparado. Nem mesmo res
derelicta. Trata-se de bem extra commercium.”. Isso não
significa, no entanto, que não responderá por furto aquele que
invade um laboratório e subtrai amostras contendo sêmen
humano. Neste caso, haverá o crime de furto por se tratar de
coisa alheia móvel, nos termos do “caput” do art. 155, e não em
razão da subtração de energia genética.
e) leite ordenhado: “Assim, imagine-se a hipótese daquele que
subtrai o sêmen de um touro reprodutor, com a finalidade de,
com ele, fertilizar uma de suas vacas. O crime praticado, nesse
caso, seria o de furto de energia genética, conforme orientação
contida na mencionada Exposição de Motivos. Aqui,
entretanto, nem haveria necessidade de ressalva, pois o sêmen
do reprodutor se amolda, perfeitamente, ao conceito de coisa,
tal como seria a subtração do leite ordenhado.” (TJCE, Ap.
Crim. 2000.0222.2109-4/1, Rel. Juiz Convocado Wilton
Machado Carneiro, julgado em 6.10.2009).

→ Fique atento! Embora, para o estudioso do Direito, seja fácil


a distinção entre roubo (CP, art. 157) e furto (CP, art. 155), há
uma hipótese que pode se tornar verdadeira “pegadinha” em
provas: se o agente hipnotiza ou entorpece (ex.: “Boa Noite
Cinderela”) a vítima para, em seguida, subtrair os seus bens, o
crime será o de roubo ou o de furto? Se você respondeu furto,
cuidado: o roubo pode se dar tanto pela violência própria,
quando há o emprego de força física, quanto pela imprópria,
quando o agente reduz a impossibilidade de resistência da
vítima. Portanto, roubo, e não furto. Contudo, se a vítima tiver
provocado a debilidade voluntariamente, por ato próprio, sem
influência do agente, e este, aproveitando-se do momento,
subtrair os seus bens, o crime será o de furto.
Por derradeiro, não basta que a ação seja a de subtrair e que a
coisa seja móvel. É essencial que a coisa seja alheia, ou seja,
não pode pertencer a quem pratica a subtração, tampouco
estar sob a sua legítima posse. E mais: a coisa deve pertencer a
alguém. Por isso, em caso de res nullius (coisa que nunca teve
dono) ou res derelicta (coisa abandonada), quem se assenhora
da coisa não pratica furto. Quanto à res desperdicta (coisa
perdida), quem dela se apropria pratica o crime de apropriação
de coisa achada (CP, art. 169, II), exceto: a) quando a coisa se
encontrar em local privado: a coisa só é considerada perdida
quando extraviada em local público ou de uso público. Não se
pode falar em coisa perdida quando ela se encontra em local
privado; b) quando o agente provoca dolosamente a perda do
bem; c) quando a coisa foi esquecida, e não perdida. Nestas
três hipóteses, ocorrendo o assenhoramento da coisa, o agente
responderá por furto.
Agora, imagine a seguinte situação: Tício presencia um
acidente automobilístico, e, ao perceber que todos os
ocupantes do veículo estão mortos, subtrai os objetos pessoais
das vítimas. Nesta hipótese, deverá responder por furto? A
resposta, é claro, é positiva. Isso porque, com a morte, os bens
são imediatamente transmitidos aos herdeiros (princípio
de Saisine). Portanto, aqueles bens não são considerados res
nullius ou res derelicta, pois possuem proprietário. Da mesma
forma, os bens de valor econômico enterrados com o falecido
(ex.: um relógio) não podem ser considerados coisas
abandonada, e podem, sim, ser objeto material de furto.
Quanto aos corpos humanos, em regra, eles não podem ser
objeto material de furto, e a sua subtração configura o crime do
art. 211 do CP (destruição, subtração ou ocultação de cadáver),
exceto quando tiver valor econômico e estiver sob a posse
legítima de alguém, a exemplo de corpos em uma faculdade de
medicina ou de múmias em um museu, hipótese em que a
subtração configurará o crime de furto. Entretanto, atenção: a
remoção ilegal de tecidos, órgãos ou partes de cadáver
configura o crime do art. 14 da Lei 9.434/97.
As coisas de uso comum não podem ser furtadas, a exemplo da
água dos oceanos. Caso a água seja alheia, o seu represamento
ou desvio pode configurar o crime do art. 161, § 1º, I,
do CP (usurpação de águas). Quanto à coisa tombada, a sua
subtração configura o crime de furto, e não o de dano em coisa
de valor artístico, arqueológico ou histórico (CP, art. 165).
→ Subtração de veículo a fim de safar-se de perseguição após
prática delituosa: “Entendeu-se inexistir crime de furto
(TACrimSP, ACrim 453.887, JTACrimSP, 92:262)” (Damásio).

O furto é crime comum, podendo ser praticado por qualquer


pessoa, exceto na forma qualificada pelo abuso de confiança
(CP, art. 155, § 4º, II), em que o agente deve ser pessoa em
quem a vítima deposite confiança. O proprietário da coisa
também não pode ser autor do crime de furto, ainda que ela
esteja sob a posse legítima de terceiro, situação que pode
caracterizar o crime do art. 346 do CP: “Tirar, suprimir,
destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de
terceiro por determinação judicial ou convenção”. Caso a coisa
subtraída seja de propriedade comum do agente e do terceiro
prejudicado, o crime será o do art. 156 do CP: “Subtrair o
condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a
quem legitimamente a detém, a coisa comum”. A lei não exige
qualidade especial da vítima.
→ Atenção: o funcionário público que subtrai dinheiro, valor
ou bem, público ou particular, ou concorre para que seja
subtraído, valendo-se de facilidade proporcionada pela
qualidade de funcionário, pratica o crime de “peculato-furto”,
previsto no art. 312, § 1º, do CP.
O sujeito passivo do furto é o proprietário ou o legítimo
possuidor (pessoa física ou jurídica). O mero detentor da coisa
não é vítima do delito. Por isso, caso uma empresa tenha um
automóvel furtado, o seu empregado, que conduzia o
automóvel no momento do crime, não será considerado vítima.
Não é necessário que a vítima seja identificada para que o
agente seja responsabilizado pelo furto praticado.

→ “Ladrão que rouba ladrão”: dois ou mais agentes praticam


um furto, e algum (ou alguns) deles subtrai a coisa furtada.
Neste caso, o sujeito passivo continuará sendo o proprietário
ou o legítimo possuidor da coisa furtada, e não os demais
envolvidos no crime.

O elemento subjetivo do furto é o dolo de subtração (“animus


furandi”). Contudo, é essencial que o agente tenha a intenção
de apoderar-se definitivamente da coisa (“animus rem sibi
habendi”), e não somente usá-la temporariamente. Imagine o
funcionário de um posto de lavagem de veículos que,
aproveitando-se da distração do patrão, subtrai um dos
automóveis, pertencente a cliente, para dar uma volta pela
cidade e, ao final, devolvê-lo. Para a jurisprudência e para a
doutrina, nesta situação, o fato será atípico, por se tratar de
“furto de uso”. Pode soar absurdo, mas, por não existir conduta
típica prevista para a hipótese, não há outra opção. Para o seu
reconhecimento, o furto de uso exige alguns requisitos: a) a
coisa deve ser infungível (logo, não se fala em furto de uso na
subtração de dinheiro); b) deve existir a prévia intenção,
anterior à subtração, de devolução da coisa (o agente deve,
anteriormente à subtração, ter o interesse em restituir); c) a
coisa deve ser espontânea e imediatamente restituída após o
uso, em sua integralidade e em local no qual seja possível seu
titular exercer de imediato seu poder de disposição (restituição
“in loco et integro”), ao seu possuidor originário. O STJ, no HC
94125/SP, impõe, ainda, a necessidade de que a devolução se
dê antes que a vítima perceba a subtração, sob pena de
afastamento do furto de uso:

“In casu, há fortes indícios da disposição da paciente de se


apropriar dos objetos furtados, porquanto sua conduta não
preenche os requisitos necessários à caracterização do furto de
uso com o consequente reconhecimento da sua atipicidade. Da
análise dos documentos acostados, verifica-se que a falta das
jóias pela proprietária se deu em momento anterior ao da
restituição – que ocorreu somente após intervenção policial -,
aliada, ainda, ao fato de que a quantidade de artefatos
subtraídos foi grande, isto é, cerca de sessenta peças entre
correntes, brincos e anéis, não evidenciando o ânimo da
subtração para simples uso a ponto de ensejar o trancamento
da ação penal em comento.”.

→ “O furto de uso divide-se em duas modalidades: próprio e


impróprio. O furto de uso próprio consiste em usar a coisa
contra a proibição expressa do seu dono, que a tinha entregado
a alguém, ou utilizá-la para fim distinto do assinalado; por sua
vez, impróprio é o furto de uso que comete quem se apodera da
coisa sem maior propósito que o de utilizá-la e devolvê-la.”
(Masson).

Quanto à consumação, muito se discute se é necessário que o


agente tenha a posse pacífica da res furtiva, ou seja, a posse
não sujeita aos atos de legítima defesa por parte da vítima ou
de terceiro. Embora já tenha sido o entendimento majoritário,
hoje, é unânime o entendimento de que o furto se consuma no
momento em que já a inversão da posse da coisa: “Os
Tribunais Superiores firmaram entendimento no sentido de
que, para a consumação do delito de roubo, assim como no de
furto, não é necessária a posse mansa e pacífica do bem
subtraído, sendo suficiente a inversão da posse, adotando-se,
portanto, a teoria da apprehensio ou amotio.” (STJ, AgRg no
AREsp 404293/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado
em 27.3.2014). Por ser crime material, é essencial, para a sua
consumação, que se alcance o resultado naturalístico,
consistente na efetiva diminuição patrimonial da vítima.
Por se tratar de crime plurissubsistente, a tentativa é
perfeitamente possível quando o agente, iniciada a execução,
não se consuma por circunstâncias alheias à vontade dele.
Questão interessante e frequentemente surgida em concursos é
a hipótese em que o agente não consuma o crime em virtude de
sistema de vigilância eletrônica. Entenda: imagine que João,
enquanto subtrai bens de uma loja, é monitorado pelas
câmeras do estabelecimento, e a sua conduta é acompanhada
pelos seguranças, que o surpreendem assim que a coisa é
subtraída. Pergunto: no exemplo, o crime é impossível, e João
não responderá por qualquer delito, ou a sua conduta ficará na
esfera da tentativa, e ele responderá pelo furto? Assim entende
o STJ:

“FURTO TENTADO. SUPERMERCADO. VIGILÂNCIA. CRIME


IMPOSSÍVEL. NÃO OCORRÊNCIA. A existência de sistema de
monitoramento eletrônico ou a observação dos passos do
praticante do furto pelos seguranças da loja não rende ensejo,
por si só, ao automático reconhecimento da existência de crime
impossível, porquanto, mesmo assim, há possibilidade de o
delito ocorrer. Precedentes das Turmas.” (HC 230953/SP,
Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
3.4.2014).

Furto noturno: o § 1º do art. 155 prevê que a pena do furto


deve ser aumentada em 1/3 (um terço) se o crime é praticado
durante o repouso noturno. A doutrina intitula a hipótese de
furto circunstanciado, hipótese de aumento aplicável somente
ao furto simples, do “caput”. A razão do aumento é simples:
durante o repouso, à noite e de madrugada, a movimentação de
pessoas nas ruas é menor e, provavelmente, a vítima não terá
qualquer chance de reação. Portanto, quem furta durante o
repouso noturno, o faz valendo-se dessa facilidade. Logo, é
justo que a pena seja aumentada.
Não há um horário específico para o período de repouso
noturno. Em regiões rurais, é comum que as pessoas durmam
cedo e acordem antes mesmo do nascer do sol. Em grande
cidades, por outro lado, os costumes são outros. Por isso, não
há uma fórmula exata. Deve o julgador, caso a caso, analisar a
situação. Não é necessário que o local esteja, efetivamente, sem
ninguém, na hipótese de estabelecimento comercial, ou que as
vítimas estejam dormindo, no furto a imóvel residencial, para
que se reconheça a causa de aumento. Também é possível a
incidência da causa de aumento em furto praticado contra
veículo estacionado em via pública.

O STJ, em julgado de 14 de abril desse ano, entendeu que o


furto durante o repouso noturno, por ser de maior
reprovabilidade, impede a incidência do princípio da
insignificância: “A circunstância de o crime de furto ter sido
perpetrado durante o repouso noturno, como ocorreu in casu,
denota maior reprovabilidade, o que afasta o reconhecimento
da atipicidade material da conduta pela aplicação do princípio
da insignificância. Precedentes.” (AgRg no AREsp 463487/MT,
Rel. Min. Sebastião Reis Júnior).

→ Não confunda causa de aumento com qualificadora. Nas


causas de aumento, pega-se a pena prevista para o delito e
aumenta-se de determinada fração. Um bom exemplo é o furto
noturno, do § 1º do art. 155: a pena do furto simples, de um a
quatro anos, é aumentada de um terço. Nas qualificadoras, a lei
traz penas mínima e máxima próprias, distintas da forma
simples. O § 4º do art. 155 é o exemplo perfeito: a pena mínima
é de dois anos e a máxima é de oito anos.

Princípio da insignificância e o furto


privilegiado: apague de sua cabeça a ideia de que, sempre
que a res furtiva for de pequeno valor, o princípio da
insignificância será aplicado. Não é porque o agente furtou
uma galinha ou um chocolate que deverá, obrigatoriamente,
ser afastada a tipicidade de sua conduta. Há uma série de
requisitos para que se reconheça o crime de bagatela, e um
deles diz respeito ao valor do objeto subtraído, tema de
extrema relevância para a distinção do furto privilegiado, do
art. 115, § 2º, do CP, da conduta materialmente atípica, na
hipótese de insignificância. No entanto, para a compreensão do
tema, faremos um breve estudo introdutório:
→ Para a teoria tripartida, o crime é composto por três
elementos (é melhor falar em “substratos”): a) fato típico; b)
ilicitude; c) culpabilidade. Para que uma conduta seja
considerada crime, devem estar presentes os três elementos,
cumulativamente. O primeiro substrato, o fato típico, é
composto por: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade.
Para o nosso estudo, só importa a tipicidade, que é dividida em
formal e material: a) tipicidade formal: é a subsunção da
conduta praticada pelo agente a um tipo penal. Quem subtrai
coisa alheia móvel pratica conduta formalmente típica, que
perfeitamente se amolda ao que prevê o art. 155 do CP; b)
tipicidade material: é a lesão ou o perigo de lesão ao bem
jurídico tutelado em razão da prática da conduta formalmente
típica. No entanto, é preciso que a conduta do agente seja
realmente lesiva ao bem jurídico, caso contrário, se ínfima, a
tipicidade material deverá ser afastada. É exatamente o que
ocorre quando aplicado o princípio da insignificância.
Portanto, a incidência do princípio da insignificância é causa
de exclusão da tipicidade material (e do próprio crime, pois faz
parte de sua composição).
→ Como estamos estudando o furto, que tem como objeto
jurídico tutelado a propriedade e a posse legítima, é necessário
descobrir qual valor deve ter a coisa móvel furtada para que a
subtração seja considerada materialmente típica (o valor
sentimental também é relevante). Ou seja, deve-se estipular a
partir de qual quantia a lesão deixa de ser ínfima e passa a ser
de interesse do Direito Penal. Esqueça o salário-mínimo ou
valores predeterminados (R$ 50, R$ 100 etc.). O princípio da
insignificância deve ser avaliado caso a caso, com base nos
seguintes critérios:

Critérios objetivos:

a) mínima ofensividade da conduta do agente;

b) nenhuma periculosidade social da ação;

c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;

d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Critérios subjetivos:

a) importância do objeto material para a vítima (situação


econômica e valor sentimental do bem);

b) circunstâncias e resultados do crime.


Tendo-os em mente, façamos a seguinte reflexão: para uma
grande cadeia de supermercados, um quilo de carne não
representa nada para o seu patrimônio. Poderia se falar, então,
em incidência do princípio da insignificância. Contudo, para
uma família que vive com um salário-mínimo, um quilo de
carne pode representar o sustento da semana, sendo inviável,
nesta hipótese, a aplicação do princípio. Por isso, não se pode
falar em um valor x para a imposição do princípio da
insignificância. Não é porque o criminoso subtraiu uma galinha
que a sua conduta deverá ser considerada automaticamente
atípica. De repente, o galináceo representa fração considerável
do patrimônio da vítima.

Não se pode, entretanto, confundir valor ínfimo com pequeno


valor. Aquele é causa de exclusão da tipicidade, por força da
insignificância, enquanto este é parâmetro para o furto
privilegiado (CP, art. 155, § 2º). A jurisprudência, em
reiterados julgados, tem afirmado que pequeno valor é aquele
que não ultrapassa o salário-mínimo vigente na época dos
fatos. Nesse sentido, STJ:
“In casu, o valor do prejuízo suportado pela vítima é superior
ao do salário mínimo vigente à época dos fatos, o que impede
o reconhecimento da figura do furto privilegiado.” (HC
217726/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
24.04.2014).
“Para a concessão do benefício do privilégio no crime de furto
exige-se a primariedade do agente, bem como seja a res
furtiva de pequeno valor, ou seja, a importância do bem não
deve ultrapassar um salário mínimo. Preenchidos os
requisitos legais, e considerando as circunstâncias do crime,
de rigor, a aplicação da causa de diminuição de pena.” (HC
232553/DF, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis
Moura, julgado em 6.5.2014).

Portanto, enquanto, para a incidência do princípio da


insignificância, não se fale em valores predeterminados, para o
privilégio, vem sendo adotado o critério objetivo do salário-
mínimo. Pode parecer um contrassenso, mas, diferentemente
do que ocorre na insignificância, para o privilégio, é irrelevante
o prejuízo efetivamente causado à vítima. Perceba que o § 2º
fala em pequeno valor da coisa, e não em pequeno prejuízo,
como o faz no art. 171, § 1º. Por essa razão, é possível a adoção
de fórmula genérica, objetiva, como o salário-mínimo vigente.

“Não é possível a aplicação do princípio da


insignificância ao furto de objeto de pequeno valor.
Não se deve confundir bem de pequeno valor com o
de valor insignificante, o qual, necessariamente,
exclui o crime ante a ausência de ofensa ao bem
jurídico tutelado, qual seja, o patrimônio. O bem de
pequeno valor pode caracterizar o furto privilegiado previsto
no § 2º do art. 155 do CP, apenado de forma mais branda,
compatível com a lesividade da conduta. Além disso, o STF já
decidiu que, mesmo nas hipóteses de restituição do bem
furtado à vítima, não se justifica irrestritamente a aplicação
do princípio da insignificância, mormente se o valor do bem
objeto do crime tem expressividade econômica. Precedentes
citados do STF: HC 97.772-RS, DJe 20/11/2009; HC 93.021-
PE, DJe 22/5/2009; HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004, e do STJ:
HC 106.605-SP, DJe 20/10/2008.” (STJ, REsp 1.239.797-RS,
Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16.10.2012).

O privilégio também exige a primariedade do agente. Primário


é aquele que não é reincidente. Ou seja, quem não praticou
novo crime depois de ter sido definitivamente condenado, no
Brasil ou no exterior, por crime anterior (CP, art. 63). Quanto
ao “tecnicamente primário” - que, em verdade, é primário -,
tendo por base o entendimento do Supremo, não vejo óbice
para a concessão do benefício do privilégio:
“Pedido de afastamento da agravante da reincidência.
Existência de constrangimento ilegal. Paciente/impetrante,
que, à época do crime apurado nos autos, era tecnicamente
primário, na medida em que não tinha em seu desfavor
nenhuma decisão penal condenatória transitada em julgado.
Concessão parcial da ordem, de ofício, para determinar ao
Juízo das Execuções que proceda a nova dosimetria da pena,
afastando a agravante da reincidência.” (HC 115.810/SP, Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgado em 4.2.14).
Em tempo: tecnicamente primário é “o sujeito que, embora não
se enquadrando no conceito de reincidente, registra
condenação anterior. Não é reincidente, seja porque já se
ultrapassou o período depurador da reincidência (5 anos entre
a prática do novo crime e o cumprimento ou extinção da pena
resultante da pena anterior), seja porque o novo crime foi
praticado antes da condenação definitiva oriunda do delito
anterior.” (Masson). O registro de maus antecedentes também
não pode impedir a concessão do benefício.

E no furto qualificado, é viável a incidência do privilégio? O


STJ, no mês de junho de 2014, “sumulou” o assunto: “É
possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do
art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se
estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor
da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.” (Enunciado
n. 511).
Portanto, no furto qualificado, para o STJ, não bastam a
primariedade e o pequeno valor da coisa subtraída. É
imprescindível que a qualificadora seja de ordem objetiva, e
não subjetiva. Qualificadora de ordem subjetiva é a que
pertence à esfera interna do agente, enquanto a objetiva é a
atinente ao fato praticado, e não ao aspecto pessoal do agente.
O furto (CP, art. 155), em seus parágrafos 4º e 5o, traz as
seguintes qualificadoras:
No parágrafo quarto:

“I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração


da coisa;

II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou


destreza;

III - com emprego de chave falsa;

IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.”;

No parágrafo quinto:
“A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a
subtração for de veículo automotor que venha a ser
transportado para outro Estado ou para o exterior”.

As qualificadoras objetivas dizem respeito ao meio de


execução. Veja, por exemplo, o inciso III do § 4º, que fala em
“emprego de chave falsa”. Por outro lado, as qualificadoras
subjetivas são aquelas que levam em consideração a motivação
interna do agente, o “porquê”, a exemplo da torpeza, no
homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, I). No furto, no
entanto, todas as qualificadoras são, aparentemente, objetivas.
Todas, sem exceção, tratam do meio pelo qual o delito é
praticado, mas duas delas levam em consideração o elemento
anímico: o abuso de confiança e a fraude.
Para boa parte da doutrina, contudo, o abuso de confiança é a
única qualificadora de ordem subjetiva. Em concursos, ainda
não vi questionamentos acerca do Enunciado n. 511 do STJ –
até porque, é muito recente. Mas, caso surja, creio que a opção
mais segura seja a adotada pelos grandes autores, que,
provavelmente, será a mesma da jurisprudência a partir do
enunciado:

“Constituem qualificadoras objetivas, e se comunicam aos


demais agentes, com exceção daquela de natureza subjetiva
prevista no inciso II, qual seja, a do abuso de confiança.”
(Capez).
“Com exceção da qualificadora do abuso de confiança (CP,
art. 155, § 4.º, inc. II, 1.ª  figura), de índole subjetiva, todas as
demais qualificadoras são de natureza objetiva: comunicam-
se aos demais coautores e partícipes que dela tomaram
conhecimento, em consonância com a regra prevista no
art. 30 do Código Penal.” (Masson).

Vale dizer que, em algumas oportunidades, o Tribunal Superior


entendeu ser possível o privilégio em todas as qualificadoras do
furto. Veja:

“1. Se a alegação da eventual incidência do princípio da


insignificância não foi submetida às instâncias antecedentes,
não cabe ao Supremo Tribunal delas conhecer
originariamente, sob pena de supressão de instância. 2. As
causas especiais de diminuição (privilégio) são compatíveis
com as de aumento (qualificadora) de pena previstas,
respectivamente, nos parágrafos 2º e 4º do
artigo 155 do Código Penal. Precedentes. 3. Habeas corpus
parcialmente conhecido e, nesta parte, concedido.” (STJ, HC
100.307/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 3.6.2011).

Por fim, quanto aos efeitos do privilégio, o CP traz três


possibilidades:
a) substituição de pena de reclusão pela de detenção;

b) diminuição da pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3


(dois terços);

c) aplicação somente de pena de multa.

As duas primeiras são cumuláveis. É possível a substituição da


pena de reclusão pela de detenção, sem prejuízo da diminuição
de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços). A multa, no entanto, por
não ser compatível com as duas outras opções, deve ser
aplicada isoladamente.

Informativos do STJ a respeito do furto e a incidência


da insignificância:
“Ainda que se trate de acusado reincidente ou portador de
maus antecedentes, deve ser aplicado o princípio da
insignificância no caso em que a conduta apurada esteja
restrita à subtração de 11 latas de leite em pó avaliadas em
R$ 76,89 pertencentes a determinado estabelecimento
comercial. Nessa situação, o fato, apesar de se adequar
formalmente ao tipo penal de furto, é atípico sob o aspecto
material, inexistindo, assim, relevância jurídica apta a
justificar a intervenção do direito penal.” (HC 250.122-MG,
Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 2.4.2013).
“Aplica-se o princípio da insignificância à conduta
formalmente tipificada como furto consistente na subtração,
por réu primário e sem antecedentes, de um par de óculos
avaliado em R$ 200,00.” (AgRg no RHC 44.461-RS, Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27.5.2014).
“Não se aplica o princípio da insignificância ao furto de uma
máquina de cortar cerâmica avaliada em R$ 130 que a vítima
utilizava usualmente para exercer seu trabalho e que foi
recuperada somente alguns dias depois da consumação do
crime praticado por agente que responde a vários processos
por delitos contra o patrimônio.” (HC 241.713-DF, Rel. Min.
Rogério Schietti Cruz, julgado em 10.12.2013).

Furto famélico: é causa de exclusão da ilicitude (e do próprio


crime) pelo estado de necessidade. É a situação em que o
agente subtrai alimento para manter-se vivo ou para assegurar
a sobrevivência de terceiro. Não é necessário que o alimento
escolhido seja o mais barato ou que integre o grupo de
alimentos tidos como básicos para o sustento (ex.: arroz, feijão
etc.) – digo isso porque, ao ouvirmos a notícia de que alguém
furtou, por exemplo, chocolates, é natural que a ideia de furto
famélico seja imediatamente afastada, mas a reflexão não é
correta, pois, de repente, a subtração do doce foi mais fácil do
que a de um frango, e, por mais que não seja muito nutritivo,
não deixa de ser alimento. O STJ, em julgado de 2012, não
reconheceu o furto famélico na hipótese em que o agente
subtraiu bens não comestíveis para a venda e posterior
aquisição de alimentos com os ganhos auferidos: “Para a
configuração do crime de furto em estado de necessidade, ou
furto famélico, é necessário que os bens subtraídos tenham o
propósito único de saciar a fome daquele que se encontra sem
alimentação necessária a suprir sua subsistência.” (HC
179618/MG). A reflexão é correta, pois se amolda ao que prevê
o CP, em seu art. 24: “Considera-se em estado de necessidade
quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não
provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar,
direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias,
não era razoável exigir-se.”. Ademais, importante dizer: o
estado de necessidade não se confunde com o estado de
precisão. Imagine o agente que, em razão de pobreza, tem
dinheiro suficiente apenas para a compra do arroz, mas não
para a aquisição de feijão. Embora a alimentação pouco
nutritiva seja prejudicial à saúde, ele não está autorizado a
subtrair o alimento que não pode adquirir. Portanto, caso furte
o feijão, deverá responder pelo crime, não havendo o que se
falar em estado de necessidade, haja vista não existir perigo
atual (ele não morrerá de fome caso coma somente o arroz).
Furto qualificado: o furto é qualificado em oito hipóteses,
distribuídas em dois parágrafos (4o e 5o):
a) com destruição ou rompimento de obstáculo à
subtração da coisa: destruir é desfazer, fazer com que o
obstáculo deixe de existir (ex.: a explosão de um “caixa
eletrônico”). Romper está mais para afastar, tornar inútil o
obstáculo imposto (ex.: arrombar a porta com pé-de-cabra). A
violência que qualifica o delito pode se dar em qualquer
momento da execução, e não apenas previamente. Imagine o
ladrão que, após subtrair a coisa do interior do imóvel, tem de
arrombar uma porta para abandonar o local. É inegável que o
ato está diretamente ligado ao furto praticado, não existindo
razão para o afastamento da qualificadora. No entanto, caso o
agente, após consumada a subtração, destrói algum objeto,
sem que isso seja necessário para a prática do furto, haverá o
crime de furto simples em concurso material com o delito de
dano (CP, art. 163). Acerca da qualificadora, alguns pontos
merecem atenção:
→ Incidência do princípio da insignificância: o STJ, em mais
de uma oportunidade, entendeu pela impossibilidade da
insignificância no furto qualificado pela destruição ou
rompimento de obstáculo: “Ao contrário do disposto na
insurgência recursal, entendo inadequada, in casu, a incidência
do postulado da insignificância, porquanto, a despeito do
reduzido valor da res subtraída, o furto, em concreto, faz-se
qualificado pela destruição ou rompimento de obstáculo à
subtração da coisa” (AgRg no REsp 1415739/MG, julgado em
10.4.2014).
→ Necessidade de perícia: “A Jurisprudência desta Corte
consolidou-se no sentido da necessidade de perícia para a
caracterização do rompimento de obstáculo, salvo em caso de
ausência de vestígios, quando a prova testemunhal poderá
suprir-lhe a falta, conforme a exegese dos
arts. 158 e 167 do Código de Processo Penal. 2. Na espécie, a
inexistência da perícia restou justificada no fato da vítima ter
efetuado o reparo da porta violada, dando causa, assim, ao
desaparecimento dos vestígios do arrombamento em sua
residência. 3. Tratando-se, in casu, de causa idônea de
desaparecimento de vestígios - inclusive reconhecida na
doutrina e em precedente da Sexta Turma -, é o caso de admitir
o depoimento da vítima e a confissão do acusado como meios
de prova da qualificadora prevista no inciso Ido § 4º do
art. 155 do Código Penal. 4. Ordem denegada.” (STJ,. HC
188718/DF, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de
21.03.2012).
→ Mero afastamento do obstáculo, sem dano: prevalece o
entendimento de que não qualifica o crime pelo rompimento
de obstáculo. É o caso da retirada de telhas para o acesso ao
imóvel. No exemplo, o furto será qualificado pela escalada.

→ Violência contra o objeto material: há diversos julgados que


entendem que a violência empregada contra a própria coisa
furtada não qualifica o delito. No entanto, esse posicionamento
gera situação curiosa: aquele que quebra o vidro de um
automóvel para subtrair um objeto em seu interior, pratica o
crime de furto em sua forma qualificada. Mas, quem quebra o
vidro para subtrair o automóvel, responde por furto simples. É
a posição do STJ: “Em se considerando que o crime de furto foi
cometido com o rompimento dos vidros e portas de veículos
para a subtração de objetos que se encontravam em seu
interior e não dos próprios veículos automotores, resta
configurada, na espécie, a circunstância qualificadora do
rompimento de obstáculo, prevista no art. 155, § 4.º, inciso I,
do Código Penal. Precedentes. 2. Ordem denegada.” (HC
104316/SP). A doutrina, entretanto, diverge desse
entendimento: “Seria incoerente, exemplificativamente, punir
por furto qualificado aquele que destrói o vidro de um carro
para subtrair uma camiseta que estava em seu interior, e, ao
mesmo tempo, imputar o crime de furto simples ao sujeito que
destrói a porta de um veículo automotor para furtá-lo. A
aplicação da lei penal estaria fora da realidade e levaria à
descrença generalizada e à banalização do Direito Penal.”
(Masson).
→ “Ligação direta”: há duas posições: 1ª) não configura a
qualificadora da violência contra obstáculo à subtração de
veículo (JTACrimSP, 55:342, 21:48 e 41:320; RT, 558:359,
563:322 e 435:379); 2ª) configura (RT, 442:453, v. V.).
→ Cão de guarda: “Em relação ao cão de guarda, há duas
posições: (a) pode ser definido como obstáculo, razão pela qual
sua morte enseja a qualificadora, pois atua como entrave à
prática da conduta criminosa; e (b) não se pode considerá-lo
obstáculo no sentido técnico da palavra, e sua morte poderá
caracterizar crime de dano, mas não a qualificadora em
estudo.” (Masson).

b) com abuso de confiança: para boa parte da doutrina, é


de ordem subjetiva. Essa conclusão tem duas importantes
consequências: 1a) não é possível o reconhecimento do
privilégio (Enunciado n. 511 da Súmula do STJ); 2a) a
qualificadora é incomunicável no concurso de pessoas, só
devendo responder por ela quem, de fato, abusou da confiança
depositada pelo ofendido. A qualificadora é aplicável na
hipótese em que o agente trai a confiança da vítima para
subtrair seus bens. A confiança deve ser oriunda de relação
anterior à preparação do delito. Caso o agente conquiste a
confiança da vítima com o intuito de praticar o crime (ato
preparatório), o furto será qualificado pela fraude. Exemplo
comum de furto qualificado pelo abuso de confiança é o
intitulado famulato, que é aquele praticado pelo empregado,
aproveitando-se de tal situação, de bens pertencentes ao
empregador. Frise-se, no entanto, que a mera relação
empregatícia não configura, automaticamente, o abuso de
confiança, que deve ser analisado no caso concreto. Ademais,
não é preciso que a relação seja de longo prazo: “O furto
praticado por agente-diarista, contratada em função de boas
referências, a quem se entregou as próprias chaves do imóvel,
enquanto viajavam os patrões, caracteriza a forma qualificada
prevista no artigo 155, parágrafo 4º, inciso II, do Código Penal.
2. Ordem denegada.” (STJ, HC 82828/MS). Questões
importantes:
→ O agente deve efetivamente se valer da confiança
depositada. Se o agente pratica o crime de forma pela qual
qualquer pessoa poderia ter praticado, não se fala em
incidência de qualificadora por abuso de confiança. Ademais, é
essencial que o agente saiba que está tirando proveito da
confiança depositada.
→ Cuidado para não confundir o furto qualificado pelo abuso
de confiança com o crime de apropriação indébita. Em ambos
os delitos, há quebra de confiança. No entanto, no furto, a coisa
móvel não é entregue voluntariamente, pela vítima, ao agente.
Ex.: o amigo que, valendo-se do acesso facilitado à residência,
subtrai os bens da vítima. Na apropriação indébita (CP,
art. 168), por outro lado, a vítima entrega o bem, e o agente
dele se assenhora. Ex.: um amigo empresta ao outro coisa
móvel, e este não devolve o bem.
c) mediante fraude: o agente pratica o furto mediante
artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Não há
como confundir com o estelionato (CP, art. 171). Embora, em
ambos, exista o emprego de fraude, no furto, o agente subtrai a
coisa, enquanto, no estelionato, a vantagem é obtida. Exemplo
de furto qualificado: o agente, para subtrair determinado bem,
conquista a amizade da vítima – a amizade, neste caso, é ato
preparatório do delito -, e, valendo-se da confiança depositada,
subtrai os seus bens. Exemplo de estelionato: o agente se
apresenta como proprietário de um automóvel em um “lava-
jato”, e o funcionário, induzido em erro, a ele entrega o bem.
Não há, portanto, subtração, mas obtenção do veículo. Vejamos
alguns pontos relevantes:
→ Furto qualificado e estelionato [1]: “No caso, cumpre anotar
que o furto mediante fraude não se confunde com o
estelionato. Segundo Damásio, "[n]o furto, a fraude ilude a
vigilância do ofendido, que, por isso, não tem conhecimento de
que o objeto material está saindo da esfera de seu patrimônio e
ingressando na disponibilidade do sujeito ativo. No
estelionato, ao contrário, a fraude visa a permitir que a vítima
incida em erro. Por isso, voluntariamente se despoja de seus
bens, tendo consciência de que eles estão saindo de seu
patrimônio e ingressando na esfera de disponibilidade do
autor'.” (STJ, HC 217545/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz,
julgado em 19.12.2013).

→ Furto qualificado e estelionato [2]: “O furto mediante fraude


não se confunde com o estelionato. A distinção se faz
primordialmente com a análise do elemento comum da fraude
que, no furto, é utilizada pelo agente com o fim de burlar a
vigilância da vítima que, desatenta, tem seu bem subtraído,
sem que se aperceba; no estelionato, a fraude é usada como
meio de obter o consentimento da vítima que, iludida, entrega
voluntariamente o bem ao agente.” (STJ, REsp 1412971/PE,
Relatora Ministra Laurita Vaz, julgado em 25.11.2013).

→ Furto praticado por manobrista: “Na hipótese em tela, a


vítima entregou as chaves de seu carro para que o Paciente, na
qualidade de segurança da rua, o estacionasse, não percebendo
que o seu veículo estava sendo furtado. Conforme ressaltado
pelo Tribunal de origem, a vítima 'não tinha a intenção de se
despojar definitivamente de seu bem, não queria que o veículo
saísse da esfera de seu patrimônio', restando, portanto,
configurado o furto mediante fraude.” (STJ, HC 217545/RJ,
Relatora Ministra Laurita Vaz, julgado em 19.12.2013).
Comentário: caso o agente se faça passar por manobrista com o
intuito de se apoderar do bem, entendo que o delito seja o de
estelionato (CP, art. 171), e não o de furto qualificado pela
fraude.
→ Fraude eletrônica na Internet [1]: “O delito de furto
mediante fraude, previsto no art. 155, § 4º, inciso II, do CP,
consistente na subtração de valores de conta-corrente
mediante fraude utilizada para ludibriar o sistema
informatizado de proteção de valores mantidos sob guarda
bancária, deve ser processado perante o Juízo do local da conta
fraudada. Precedentes.” (STJ, CC 119914/DF, Relatora
Desembargadora Convocada Alderita Ramos de Oliveira,
julgado em 12.12.12).
→ Fraude eletrônica na Internet [2]: “Esta Corte firmou
orientação de que o saque efetuado em conta corrente de
terceiro por meio da internet trata-se de crime de furto
mediante fraude e que portanto, segundo a regra prevista no
art. 70 do CPP, deve ser processado no local em que houve o
desapossamento dos valores, ou seja, a sede da agência
bancária. Recurso especial provido.” (STJ, REsp 1163170 / SP,
Rel. Min. Félix Fischer, julgado em 20.9.2010).
→ “Cartão clonado”: “Esta Corte firmou compreensão segundo
a qual a competência para o processo e julgamento do crime de
furto mediante fraude, consistente na subtração de valores de
conta bancária por meio de cartão magnético supostamente
clonado, se determina pelo local em que o correntista detém a
conta fraudada.” (STJ, AgRg no CC 110855/DF, Rel. Min. Og
Fernandes, julgado em 22.6.2012).

→ Adulteração de medidor de energia elétrica: “In casu, a


Corte a quo, após análise das provas constantes dos autos,
reconheceu o crime de furto mediante fraude porque a
concessionária de prestação de serviço público não tinha
conhecimento da fraude perpetrada quanto às trocas dos
transformadores, que passaram a registrar consumo de energia
elétrica a menor, situação típica do crime descrito no art. 155
do Diploma Penalista, razão pela qual conclusão em sentido
contrário quanto à caracterização do delito tipificado no art.
171 do mesmo Estatuto Repressor, demandaria o revolvimento
do material fático/probatório, o que é vedado pela Súmula n.
7/STJ.” (STJ, AgRg no REsp 1279802/SP, Rel. Min. Jorge
Mussi, julgado em 8.5.2012).

→ Subtração de veículo de test drive: “Resta-nos, enfim, uma


relevante questão a ser enfrentada: o crime envolvendo o test
drive de veículos automotores. Trata-se de furto qualificado
pela fraude ou de estelionato? Vejamos. Imaginemos uma
situação hipotética, mas extremamente frequente na vida
cotidiana: 'A' vai a uma concessionária, mostrando-se
interessado na aquisição de um automóvel. Após colher
informações sobre o bem, preenche uma ficha cadastral e
apresenta um documento falso ao funcionário da empresa. Sai
sozinho com o veículo para testá-lo, mas não retorna. Não há
dúvida nenhuma, com base na técnica jurídica, que se cuida de
estelionato. De fato, o sujeito se valeu da fraude para ludibriar
o representante da concessionária, que voluntariamente lhe
entregou o bem. Não houve subtração. A jurisprudência,
entretanto, consolidou o entendimento de que se trata de furto
qualificado pela fraude.” (Masson).
→ Outros exemplos em que a qualificadora da fraude foi
reconhecida pelos tribunais: agente que pede à vítima para que
mostre a coisa e foge com ela; sujeito que engana a vítima,
fazendo-a se afastar do objeto material; agente que se diz
policial para penetrar no local da subtração; agente que distrai
o vendedor enquanto o comparsa subtrai bens; puxar a chave
com arame para abrir a porta; agente que se finge de doméstica
para furtar etc.

d) mediante escalada: é o que ocorre quando o agente


invade um ambiente fechado por vias anormais, não
destinadas a esse fim. É preciso cuidado, pois, ao se falar em
“escalada”, imaginamos somente o agente que sobe em uma
estrutura (muro, poste etc.). No entanto, a qualificadora é
aplicável a qualquer forma de ingresso extraordinário no
recinto. Por exemplo, há escalada na escavação de túnel
subterrâneo que dá acesso ao interior do imóvel. Caso o agente
empregue violência contra a coisa, o crime será qualificado
pelo rompimento ou destruição de obstáculo, e não pela
escalada. Entenda: o agente que remove telhas para invadir
uma residência pratica o crime de furto qualificado pela
escalada. No entanto, caso o agente destrua o telhado para
adentrar, a qualificadora será a do rompimento ou destruição
de obstáculo. Vejamos alguns pontos importantes:
→ Princípio da insignificância: “A tentativa de furto realizada
mediante escalada e rompimento de obstáculo impede a
aplicação do princípio da insignificância, uma vez que o modus
operandi revela a reprovabilidade do comportamento do
agente.” (STJ, AgRg no REsp 1438176/MG, Rel. Min. Moura
Ribeiro, julgado em 27.6.2014).

→ Necessidade de perícia [1]: “A qualificadora do crime de


furto 'rompimento de obstáculo e escalada', quando deixa
vestígios (crime não transeunte), exige, de regra, o exame
pericial para a sua comprovação, nos termos do
art. 158 do Código de Processo Penal. Precedentes.” (STJ, AgRg
no AREsp 352699/RJ, Relatora Ministra Regina Helena Costa,
julgado em 19.5.2014).
→ Necessidade de perícia [2]: “É prescindível o exame pericial,
pois nem sempre a escalada deixa vestígios. Geralmente a
escalada é reconhecida pela só descrição do fato criminoso.
Assim, a própria narrativa do réu no sentido de que removeu
telhas para adentrar na residência, que pulou um muro muito
alto, ou que passou por uma galeria subterrânea já configura a
qualificadora em tela. A prova pericial somente será necessária
se a escalada deixar vestígios.” (Capez).
→ Obstáculo contínuo: “Além disso, o obstáculo deve ser
contínuo, não oferecendo alternativas à execução do crime sem
o recurso à escalada. Se, exemplificativamente, o muro contém
buracos pelos quais pode passar uma pessoa, ou se não cerca
todo o prédio em que o furto é cometido, não incide a
qualificadora.” (Masson).

→ Invasão pela janela: há duas hipóteses: 1ª) janela rente ao


solo: não incide a qualificadora (JTACrimSP, 69:456, 26:71 e
27:44; RT, 539:315 e 542:372); 2ª) janela alta, exigindo esforço
físico: incide a qualificadora (JTACrimSP, 54:250 e 35:219).

e) mediante destreza: é o uso de habilidades especiais para


a prática do delito. Exemplo comum é o punguista ou “batedor
de carteira”: “Não é cabível o decote da qualificadora da
destreza, no caso em que o apelante, de forma bastante astuta,
subtraiu o aparelho celular que se encontrava no interior da
bolsa da vítima, com mãos tão 'leves' que a ofendida sequer
percebeu a ação do meliante, somente tomando conhecimento
do fato quando já se encontrava em sua residência.” (TJMG,
3260283-25.2012.8.13.0024, Rel. Des. Marcílio Eustáquio
Santos, julgado em 25.11.2013).
→ Trombadinha: cuidado para não confundir o “batedor de
carteira” com o “trombadinha”, termo adotado para a situação
em que o agente atira o seu corpo contra o da vítima, para,
valendo-se do empurrão e da distração por ele causado,
subtrair os seus bens. Nesta hipótese, o crime será o de roubo
(CP, art. 157), e não o de furto.
→ Vítima inconsciente: não se fala em destreza quando a
vítima está adormecida, embriagada ou, por outra razão, tem a
sua capacidade de resistência reduzida. Isso porque, nesta
situação, o agente não precisa empregar destreza para a prática
do delito.

→ Tentativa: “(a destreza) Consiste na habilidade física ou


manual do agente que lhe permite o apoderamento do bem
sem que a vítima perceba. É a chamada punga. Tal ocorre com
a subtração de objetos que se encontrem junto à vítima, por
exemplo, carteira, dinheiro no bolso ou na bolsa, colar etc., que
são retirados sem que ela note. Importa dizer que se a vítima
perceber a subtração no momento em que ela se realiza,
considera-se o furto tentado na forma simples, pois não há que
se falar no caso em destreza do agente (p. Ex., a vítima sente a
mão do agente em seu bolso). Se, contudo, a vítima se dá conta
da falta do objeto instantes após o bem-sucedido
apoderamento pelo agente e antes do afastamento deste do
local da subtração, há tentativa de furto qualificado, já que
presente está a destreza do agente. Se terceiros notarem a
subtração, haverá ainda tentativa de furto qualificado, já que
presente está a habilidade do agente, na medida em que a
própria vítima não se deu conta da retirada do bem.” (Capez).

f) com emprego de chave falsa: a qualificadora é aplicada


quando o agente emprega instrumento, com ou sem forma de
chave, para a abertura de mecanismo de fechadura ou
semelhante. A chave falsa pode ser uma cópia não autorizada
da original, uma chave modificada para se adequar à fechadura
ou outro instrumento construído ou modificado para tal fim
(gazua, grampo, chave “mixa”, chave de fenda etc.). O uso da
chave verdadeira, obtida com ou sem autorização pelo agente,
não qualifica o crime pelo uso de chave falsa.
→ Chave “mixa”: a chave “mixa” é um instrumento utilizado
por chaveiros para a abertura de fechaduras em geral. Há
quem sustente que o seu uso não qualifica o crime de furto,
pois não seria chave falsa. No entanto, o STJ entende de forma
diversa: “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem
admitido o uso da chave 'mixa', para qualificar o crime de
furto, pelo emprego de chave caracterizada como falsa.” (AgRg
no AREsp 304151/DF, Relatora Ministra Assusete Magalhães,
julgado em 13.9.2013).

→ Necessidade de apreensão da chave falsa: “Ainda que não


apreendida a chave falsa, havendo outros elementos
probatórios capazes de comprovar o uso do artefato, não há
que se afastar a qualificadora, à luz da melhor interpretação do
art. 167 do Código de Processo Penal. No caso dos autos, ao
contrário do que afirmado na inicial, o laudo pericial afirma,
categoricamente, que foi utilizada chave falsa ou similar para
adentrar no veículo, razão pela qual é despicienda a apreensão
do objeto no caso.” (STJ, HC 181036/SP, Relatora Ministra
Laurita Vaz, julgado em 21.6.2012).
→ ”Ligação direta”: há duas posições: 1ª) há furto simples: RT,
522:424; RF, 257:305; 2ª) há furto qualificado: RT, 542:347;
RF, 279:330. Prevalece o entendimento de que não configura
chave falsa.

g) mediante concurso de duas ou mais pessoas: o furto


é crime unissubjetivo ou de concurso eventual, que pode ser
praticado por uma única pessoa. Contudo, também é possível
praticá-lo em concursos de pessoas, e, nesta hipótese, a
conduta deve ser punida com mais severidade. Não é
necessário que todos os agentes sejam imputáveis. Caso o furto
seja praticado por um maior de idade em concurso com um
menor de idade, dois delitos serão imputados ao adulto: o de
furto qualificado pelo concurso de pessoas e o de corrupção de
menores, do art. 244-B do ECA, que, frise-se, é crime formal,
não sendo necessária a prova de efetiva corrupção do menor.
→ Concurso de pessoas e associação criminosa: parte da
doutrina sustenta que, reconhecida a prática do delito de
associação criminosa (CP, art. 288), não é possível que os
agentes respondam por furto qualificado mediante concurso de
pessoas, sob pena de bis in idem. Contudo, a reflexão não
parece adequada, pois o furto e a associação criminosa são
delitos distintos, que tutelam bem jurídicos diversos, e a
pluralidade de agentes é averiguada em momentos diferentes.
É o posicionamento do STJ: “Quanto ao mais, a decisão deve
ser mantida incólume porque proferida em conformidade com
a jurisprudência assentada nesta Casa Superior de Justiça, no
sentido da possibilidade de coexistência entre os crimes de
quadrilha ou bando e o de furto ou roubo qualificado pelo
concurso de agentes, porquanto os bens jurídicos tutelados são
distintos e autônomos os delitos.” (AgRg no REsp
1404832/MS, Relatora Ministra Laurita Vaz, julgado em
31.3.2014).
→ A desproporção entre o concurso de pessoas no furto e no
roubo: não há como negar que o roubo é delito mais grave do
que o furto, pois há emprego de violência ou grave ameaça. No
entanto, no furto, o concurso de pessoas dobra a pena,
enquanto no roubo faz com que a pena seja aumentada de 1/3
(um terço) até metade. Em razão disso, começou a se
questionar se o furto em concurso de pessoas não deveria se
sujeitar, por questão de proporcionalidade, ao limite máximo
imposto ao crime de roubo. O STJ rechaçou a tese e “sumulou”
o assunto: “É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo
concurso de agentes, a majorante do roubo.” (Enunciado n.
442).

→ Presença no local do fato: “Há duas orientações: 1ª) só há a


qualificadora quando, no mínimo, duas pessoas executam o
crime, pelo que se exige sua presença no local do fato: RTJ,
95:1242; JTACrimSP, 84:262 e 60:55; RT, 518:366, 430:395 e
441:401; 2ª) basta que concorram para o fato, não se exigindo
a presença material delas: RT, 447:361; RJTJSP, 22:502;
Julgados, 57:235. Nossa posição: o Código Penal, descrevendo
a qualificadora, fala em “crime cometido mediante duas ou
mais pessoas”. Não diz 'subtração cometida'. Entre nós, comete
crime quem, de qualquer modo, concorre para a sua realização
(art. 29, caput). De maneira que o partícipe ou coautor também
comete crime.” (Damásio).
→ Absolvição do coautor: “Absolvição do coautor. Importante
mencionar que a absolvição do coagente acarreta a
desclassificação do furto do outro agente para a forma simples.
Tal não ocorrerá se restar incontroverso nos autos que houve a
presença de um segundo participante, o qual não se conseguiu
identificar.” (Capez).

h) se a subtração for de veículo automotor que venha


a ser transportado para outro Estado ou para o
exterior: em razão do imenso número de veículos furtados e
enviados, principalmente, para países vizinhos ao Brasil, o
legislador incluiu, em 1996, o § 5º ao art. 155, que pune com
mais rigor a conduta de enviar para outros estados ou países
veículos automotores. Das formas qualificadas, é que possui
pena mais alta, de 3 (três) a 8 (oito) anos de reclusão. Não foi
incluída ao § 4º por não ser forma de execução do crime de
furto. Em verdade, esta qualificadora trata de ato posterior à
subtração, consistente no envio da coisa furtada para outro
país ou estado. Vejamos alguns pontos importantes:
→ Veículo automotor: “Abrange aeronaves, automóveis,
caminhões, lanchas, jet-skis, motocicletas etc. Código de
Trânsito Brasileiro, Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997,
Anexo I (DOU, 24 set. 1997, p. 21229) — conceito de 'veículo
automotor': 'todo veículo a motor de propulsão que circule por
seus próprios meios, e que serve normalmente para o
transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de
veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O
termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica
e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico)'. 'Art. 96: Os
veículos classificam-se em: I — quanto à tração: a) automotor;
b) elétrico; c) de propulsão humana; d) de tração animal; e)
reboque ou semirreboque.' Veículo automotor é todo aquele
que não se enquadra nas alíneas b a e.” (Damásio).
→ Partes do veículo: o transporte de partes do veículo
automotor para outro estado ou país não qualifica o crime.

→ Efetiva transposição: para a incidência da qualificadora, é


imprescindível que o veículo efetivamente cruze a fronteira
entre os estados ou entre o Brasil e o exterior.

→ Possibilidade de tentativa: a consumação da forma


qualificada é independente do furto simples. Se o agente
subtrai um veículo, com o intuito de levá-lo ao exterior ou
outro estado, mas é preso antes disso, deverá responder por
furto simples, consumado, e não por tentativa de furto
qualificado. Como já dito, só é possível a incidência da
qualificadora quando o veículo ultrapassa, de fato, a fronteira
entre os estados ou entre o Brasil e o exterior. Capez
exemplifica a única hipótese em que será possível a tentativa
de furto qualificado do § 5º: “se o veículo subtraído estava
próximo da divisa do Estado, e o agente, ao ser perseguido,
transpõe essa divisa, não tendo sequer a posse tranquila
da res — há tentativa de furto qualificado; este não se
consumou, mas houve a configuração da qualificadora”.
O furto qualificado tem pena de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito)
anos, sem prejuízo da multa, exceto na última hipótese (§ 5º),
em que a pena é de 3 (três) a 8 (oito) anos, sem previsão de
multa. As penas são inegavelmente graves. Para se ter uma
ideia, a pena é a mesma da concussão (CP, art. 316), um dos
delitos funcionais mais graves do CP. Em virtude das penas a
ele aplicadas, a ação penal para o julgamento do furto
qualificado, em todas as suas formas, não é passível de
suspensão condicional (Lei 9.099/99, art. 89).
É possível a cumulação de qualificadoras (ex.: com
rompimento de obstáculo e concurso de pessoas). Contudo, o
juiz, ao fazer a dosimetria da pena, considerará apenas uma
delas para qualificar o crime, e as demais serão adotadas como
circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos moldes do art. 59,
“caput”, do CP. Caso o concurso de qualificadoras ocorra entre
as do § 4º e a do § 5º, cujas penas são diversas, será adotada a
do § 5º, com penas mais altas, para qualificar, e as demais, do §
4º, servirão como circunstâncias judiciais.
Erro de tipo: no erro de tipo (CP, art. 20), o agente não quer
cometer a conduta tida como crime, mas, por falsa percepção
da realidade, por erro sobre elemento constitutivo do tipo,
acaba praticando conduta típica. No furto, é fácil imaginar um
exemplo: enquanto conversam, João e seus amigos deixam os
seus celulares no centro da mesa. Na hora de ir embora, por
equívoco, João leva o celular de um dos amigos, imaginando
ser o seu. Apesar de ter subtraído coisa alheia móvel, a sua
conduta é atípica, por erro de tipo – nem se discute a
inescusabilidade, haja vista não existir o furto culposo. Para
saber mais sobre o erro de tipo, clique aqui.

Ação penal: crime de ação penal pública incondicionada, que


não depende de representação da vítima, exceto nas hipóteses
previstas no art. 182 do CP: “Somente se procede mediante
representação, se o crime previsto neste título é cometido em
prejuízo: I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II - de irmão, legítimo ou ilegítimo; III - de tio ou sobrinho,
com quem o agente coabita.”. O art. 182 não será, no entanto,
aplicado nas seguintes situações (CP, art. 183): a) se houver
emprego de violência ou grave ameaça à pessoa (o que, em
verdade, afastaria o crime de furto); b) ao estranho que
participa do crime; c) se o crime é praticado contra pessoa com
idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Causas de isenção de pena: “Art. 181 - É isento de pena
quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em
prejuízo: I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;
II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo
ou ilegítimo, seja civil ou natural.”. O art. 181 não será aplicado
nas seguintes situações (CP, art. 183): a) se houver emprego de
violência ou grave ameaça à pessoa (o que, em verdade,
afastaria o crime de furto); b) ao estranho que participa do
crime; c) se o crime é praticado contra pessoa com idade igual
ou superior a 60 (sessenta) anos.
Suspensão condicional do processo: só é possível na
forma simples, do “caput”, em que a pena mínima não excede 1
(um) ano. Nas demais formas, não é viável a suspensão
condicional do processo, nos termos do art. 89 da
Lei 9.099/95.

Leonardo Castro
Professor de Direito Penal. Site pessoal: www.praticapenal.com.br. Instagram:
@leonardocastroprofessor.
98
PUBLICAÇÕES
1.705
SEGUIDORES
SEGUIR

{ query }

PUBLICARCADASTRE-SEENTRAR

 Home
 Artigos
 Notícias
 Jurisprudência
 Diários Oficiais
 Modelos e Peças
 Legislação
 Diretório de Advogados
 Consulta Processual

12 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.


COMENTAR

Vagner Neves
4 anos atrás

Excelente artigo! Completo e objetivo.

2
Responder

Diana Ribeiro
4 anos atrás

Perfeito este artigo!

2
Responder

Amafi Costa
3 anos atrás

Realmente o apresentado é completo e de didática exemplar, sendo


irreparável em qualquer sentido. Contudo, caso vc faça um concurso
para defensor ou advogado, é bom ter uma boa tese defensiva. Ligação
clandestina de sinal de TV - atipicidade - analogia in malam partem -
STF - HC 97261/RS 12.4.2011, assim o conceito de equiparação do art.
155&3 do CP é restritivo, deve ser energia gerada com o propósito de
obter trabalho, força ou movimento (sentido técnico, não o
semântico), que possua valor econômico significativo e de
abrangência pública (afetação social relevante), o dispositivo penal
não visa proteger particularidades, devido ao princípio da
fragmentariedade ou lesividade mínima, sem falar da restrita
legalidade. Particularidades, devem se rogar ao princípio da
legalidade, a conduta deve estar perfeitamente tipificada em lei, a
semelhança do que o legislador penal fez com a energia elétrica.

Sobre furto de uso faz-se mister o ensinamento do Ministro Celso de


Melo - “O furto de uso não se reveste de qualificação jurídico-penal
quando caracterizada a ausência do animus furandi intenção de
furtar, tal como ocorre naquelas situações em que se registra a
subtração da coisa para um uso momentâneo”. Ora se não for
fulminado pela ACUSAÇÃO o dolo de uso, não há crime. Todos
concordamos são requisitos em verdade para estabelecer elementos
de prova no sentido de fulminar o dolo de uso. Devemos nos afastar
de presunções, sob pena de ressuscitar o direito penal do autor e a
responsabilidade objetiva . O dolo de furto se aperfeiçoa na amotio,
mas não se resume somente a esta. Fundamental para que seja furto o
desejo de fazer com que seja sua a coisa furtada, mesmo que
eventualmente, com o propósito de entregá-la a qualquer tipo para
outrem. STF RHC 46177 SP.

No caso de furto sob sistema de vigilância - a regra geral, na verdade,


a regra unânime, é realmente a tentativa, na forma como o problema
se apresenta. Contudo, se a conduta do meliante é observada desdo
início pela sistema de vigilância, que consente com o prosseguimento
da conduta, temos uma causa extralegal de exclusão de ilicitude, ou
para os adeptos a teoria do tipo conglobante, exclusão de atipicidade
da conduta. Não pode uma ação legal, consentimento da invasão,
derivar ao alvidre da vítima, para um ação ilegal, o furto, exceto
quando a lei o permite, como no caso do agente policial infiltrado.

Considerando que o Art. 155, &1 é de circunstância de ordem objetiva


de maior punibilidade, se ligando ao fato, não ao agente, caberá o
privilégio, se atendido os requisitos da Súmula 511 STJ. Não atendidos
os requisito, a remansosa jurisprudência realmente nega o privilégio.
Noassa constituição cidadã e a CADH, não se coaduna, nem valida,
agravantes afastando privilégios. Como regra de hermenêutica penal,
estes devem ter a maior abrangência possível, aqueles, ao contrário,
ter estas restringidas ao máximo. Não é essa a pratica jurisprudencial
AgRg no REsp 1415739/MG, que invoca a gravidade abstrata do
crime, para afastar o privilégio, ao arrepio da Súmula 511 STJ.

Para diferenciarmos o furto qualificado mediante a confiança e o


estelionato, devemos perquirir o dolo do agente e da vítima. Se o
agente, prevalecendo-se da condição de confiança, em fideicomisso,
sem dolo de previsão, mas com dolo de ocasião, e a toma como sua
temos o furto qualificado pela confiança. Por outro lado, com dolo de
premeditação, o agente busca a confiança da vítima, para que a
mesma lhe entregue a coisa, temos estelionato, crime formal. No
estelionato, a vítima tem o dolo de ser recompensada pela fraude, e,
em seguida percebe que foi furtada;, no furto qualificado pela fraude
ela nada aguarda nada em troca, e é surpreendida somente com a
subtração. (furto de carro em test drive)

Sobre confissão "Consistindo a prova do tráfico em confissão informal


feita aos policiais executores da prisão, fato negado pelo agente em
Juízo, resulta insuficiente para a condenação, na ausência de outros
elementos concretos que demonstrem a destinação comercial que
seria dada à substância entorpecente." TJ-SP - Apelação Criminal
APR 993070006960 SP (TJ-SP)

2
Responder
Dalva Maria Rocha
1 ano atrás

Gostaria de saber a pena por uma condenação de furto qualificado?


Esta pena prescreve?
O réu precisa ressarcir a vítima?
Fui furtada por uma secretária por 2 anos e meio, a mesma se
aproveitou da minha confiança e foi furtando materiais do meu
consultório odontológico e vendendo.

Rafael Finatto PRO
3 anos atrás

Parabéns, excelente artigo.

2
Responder
CARREGAR MAIS

Fale agora com um advogado online

Você também pode gostar